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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Seção Cível
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0062474-75.2018.8.19.0000

Arguente: EXMO. SR. DESEMBARGADOR EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO, RELATOR


DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0050491-79.2018.8.19.0000
Interessado: HUMBERTO CELESTINO BATISTA
Interessado: LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.
Relatora Des. Myriam Medeiros da Fonseca Costa

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS.


CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NA HIPÓTESE DE
INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA,
PREVISTA NO INCISO XI, DO ART. 1.015, DO CPC (“REDISTRIBUIÇÃO
DO ÔNUS DA PROVA NOS TERMOS DO ART. 373, § 1º”).
1- A efetiva controvérsia sobre a questão de direito foi essencialmente
abrandada após o advento do Tema 988 do STJ (REsp nº 1.696.396/MT e
1.704.520/MT, DJe de 19/12/2018). Todavia, subsiste interesse na
definição da tese, com o objetivo de elucidar a questão, afastando-se, em
caráter definitivo, a discricionariedade na avaliação dos critérios para
mitigação do rol taxativo do art. 1.015 do CPC neste particular, prevenindo-
se o risco à segurança jurídica na manutenção de decisões conflitantes
sobre o tema, como pontuado pelo colegiado no exame de admissibilidade.
2- A doutrina majoritária elucida o cabimento do agravo de
instrumento tanto na hipótese em que houve efetiva redistribuição do ônus
da prova, quando naquela em que este é indeferido. Tal posição, inclusive,
foi adotada no Enunciado nº 72 da I Jornada de Direito Processual
Civil, organizada pelo Superior Tribunal de Justiça, e reforça o argumento.
3- Não se está a defender o afastamento da taxatividade, ampliando
(indevidamente) a premissa contida na tese firmada no recurso repetitivo.
Pelo contrário, defende-se que a interpretação dos Órgãos Fracionários
deste Tribunal de Justiça esteja alinhada àquela que assegura o cabimento
do agravo de instrumento quando impugnadas decisões interlocutórias que
versarem sobre [...] redistribuição do ônus da prova, na trilha de
precedentes (não vinculantes) do próprio STJ como defendido no REsp nº
1.729.110/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe
04/04/2019 (Informativo 645).

(2) IRDR nº 0062474-75.2018.8.19.0000


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MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA:15411 Assinado em 11/06/2021 12:43:03
Local: GAB. DES(A). MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA
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Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0062474-75.2018.8.19.0000

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS QUE SE


ACOLHE, COM PROPOSIÇÃO DA SEGUINTE TESE:
“O ARTIGO 1.015, INCISO XI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ADMITE A INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO TANTO
CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERE, COMO A QUE DEFERE O
PEDIDO DE REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA”.
JULGAMENTO DA CAUSA PILOTO: TRATA-SE AGRAVO MANEJADO
EM DEMANDA QUE, NA ORIGEM, ENVOLVE PRETENSÃO
REVISIONAL DE FATURAS DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA, AS
QUAIS REPUTAM-SE EXCESSIVAS À LUZ DO CONSUMO MÉDIO E
ONDE SE DESTACA A HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO
CONSUMIDOR QUE APRESENTA VERSÃO VEROSSIMILHANTE,
AINDA QUE DITAS FATURAS ENVOLVAM PERÍODOS DE REGISTRO
DE TEMPERATURAS ELEVADAS. DEFERIMENTO DA INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA, PORQUANTO PRESENTES OS REQUISITOS DO
ART. 6º, VIII, DO CDC. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE DÁ
PROVIMENTO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas nº 0062474-75.2018.8.19.0000, em que é Arguente EXMO. SR.
DESEMBARGADOR EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO, RELATOR DO AGRAVO
DE INSTRUMENTO Nº 0050491-79.2018.8.19.0000, sendo Interessados HUMBERTO
CELESTINO BATISTA e LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.

ACORDAM os Desembargadores que integram a Seção Cível, por


_______________, em acolher o presente incidente de resolução de demandas
repetitivas e dar provimento ao recurso (causa piloto), nos termos do voto da Relatora.

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VOTO

Cuida-se de incidente de resolução de demandas repetitivas arguido, em


06/11/2016, pelo EXMO. SR. DESEMBARGADOR RELATOR DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 0050491-79.2018.8.19.0000, Des. EDUARDO GUSMÃO ALVES DE
BRITO NETO, da 16ª Câmara Cível, o qual apontava a existência de divergência
interpretativa deste Tribunal de Justiça, quanto à hipótese de cabimento do Agravo de
Instrumento prevista no inciso XI, do art. 1.015, do CPC, in verbis:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias


que versarem sobre:
(...)
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

O arguente destaca que a questão do cabimento do agravo de


instrumento contra a decisão que indefere o pedido de inversão do ônus da prova
vem sendo reiteradamente apreciada por este Tribunal. Enfatiza que, apesar disso, não
há uniformidade na jurisprudência deste Tribunal de Justiça, motivo pelo qual entende
necessária a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Aponta que, nas hipóteses de indeferimento da inversão do ônus da prova


pelo juízo de primeiro grau, parte dos julgadores admite o cabimento do agravo,
considerando que a mens legis do dispositivo acima transcrito representa o thema ou o
gênero, isto é, a avaliação quanto a (des)necessidade de redistribuição dos encargos
probatórios, sendo o deferimento ou não da pretensão de redistribuição daquele ônus
mera consequência desta análise. Outros, entretanto, atém-se a interpretação restritiva,
pontuando o cabimento do agravo apenas nas hipóteses de efetiva redistribuição do ônus
da prova, assim o fazem amparados em parcela da doutrina como a defendida pelo
eminente Desembargador ALEXANDRE CÂMARA 1.

1In O Novo Processo Civil Brasileiro, Atlas, 2015, pag. 523: “É impugnável por agravo de instrumento a
decisão interlocutória que redistribui o ônus da prova, nos termos do art. 373, §1º (art. 1015, XI). Cabe,

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O arguente antagoniza com esta tese e defende o cabimento do agravo,


estabelecendo, a título ilustrativo, paralelo com a hipótese de cabimento do recurso contra
decisões que (in)deferem tutelas provisórias, pois, tal como a redistribuição do ônus da
prova, tais decisões representam consequências diretas para ambos os polos da relação
jurídica processual. Vale-se, ainda, da doutrina de FREDIE DIDIER, para sustentar o
cabimento do agravo também na hipótese de indeferimento do pedido de inversão do ônus
probatório2.

Destaca efetiva repetição de processos acerca dessa mesma questão de


direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, pois, no cenário atual,
tratamentos distintos têm sido dispensados as partes que interpuseram o mesmo recurso
contra decisões de igual natureza, ofendendo a isonomia no acesso ao segundo grau
de jurisdição.

O relator (arguente) propôs a seguinte tese:

“O artigo 1.015, inciso IX, do Código de Processo Civil admite a


interposição de agravo de instrumento tanto contra a decisão que indefere,
como a que defere o pedido de redistribuição do ônus da prova”

porém, o recurso apenas contra decisões que mudam o modo como o ônus probatório é distribuído (isto
é, nos termos da lei, o redistribuem). A decisão que indefere requerimento de redistribuição do ônus da
prova, mantendo-o como normalmente ele seria fixado por lei, não é agravável e, portanto, só pode ser
impugnada na apelação (ou em contrarrazões de apelação)”.

2 In Curso de Direito Processual Civil, JusPodivm, 2016, pag.224: “Tal decisão do juiz que, com base
no §1º do artigo 373, redistribui o ônus da prova é passível de agravo de instrumento. A decisão
é agravável, não podendo deixar para ser impugnada somente na apelação. É que o juiz, ao redistribuir
o ônus da prova, deve dar à parte oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Se a parte
discorda da decisão, tem de ter condições de impugnação imediata, sob pena de inutilidade do
recurso interposto somente depois da sentença.
Note, porém, que também é agravável a decisão que não redistribui o ônus da prova. Na redação
aprovada pela Câmara dos Deputados, não seria possível; mas a redação final autoriza o agravo de
instrumento contra a decisão que “versar sobre” a redistribuição do ônus da prova, o que, claramente,
permite o agravo de instrumento em ambas as situações. Na verdade, é agravável a decisão que indefere,
nega, rejeita a redistribuição do ônus da prova”.

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Na sessão de julgamento de 18/07/2019, este Órgão Julgador, por


maioria, admitiu o processamento do incidente, no que restei vencida, porquanto
sustentava o seu esvaziamento diante da tese propugnada no REsp nº 1.704.520 /
MT, DJe 19/12/2018 (Tema 988).

A Defensoria Pública manifestou-se como custos vulnerabilis defendendo


a procedência do incidente e o provimento da causa piloto (index 149).

O Ministério Público opina pela procedência do incidente (index 166).

É o relatório do necessário.

Conforme relatado, o propósito do presente IRDR é definir se cabe agravo


de instrumento, com base nos art. 1.015, XI do CPC/15, contra a decisão interlocutória
que versa sobre o indeferimento de pedido redistribuição do ônus da prova.

Anoto, de início, que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,


previsto no artigo 976 do novo CPC, objetiva prestigiar a salutar coesão e integridade da
jurisprudência, fortalecendo, assim, a segurança jurídica, ante a proliferação de múltiplos
processos idênticos.

Frise-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião


do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e
1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018 (Tema 988 3 ),

3 “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de
instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de
apelação”.

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pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e


da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento,
admitindo, entretanto, mitigação sempre que a mesma puder solucionar questão urgente
ou de inafastável utilidade para o processo, permitindo a concretização do princípio da
duração razoável (art. 5º, LXXVIII da CF).

Como definiu este Órgão Julgador por ocasião do exame de admissibilidade,


a tese jurídica veiculada neste IRDR não está fundada na extensão ou na analogia, mas,
sim, na abrangência e no exato conteúdo dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, ambos do
CPC/15.

Assim, identificados pelo colegiado os pressupostos elencados no art. 976


do CPC, passo ao enfrentamento do antagonismo em relação a questão de direito
controvertida, qual seja, o cabimento do agravo de instrumento no caso de
(in)deferimento da distribuição dinâmica do ônus da prova, sob a perspectiva do
disposto no inciso XI, do art. 1.015, do CPC:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que


versarem sobre:
(...)
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;

Art. 373. O ônus da prova incumbe:


I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas
à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do
caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz
atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir
do ônus que lhe foi atribuído.

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As posições divergentes neste Tribunal estavam baseadas no fato de


que, para uns (primeira corrente), o rol do art. 1.015 do CPC, além de taxativo, demandaria
interpretação literal, uma vez que o objetivo do legislador foi justamente reduzir
numericamente os recursos e imprimir maior celeridade a marcha processual.

Para outros (segunda corrente), a interpretação deveria ser teleológica e,


assim, não haveria limitação de cabimento somente às hipóteses de efetiva distribuição
dinâmica do ônus da prova, pois o bem jurídico tutelado pela norma seria viabilizar o
enfrentamento de questão relevante para a solução da controvérsia desde logo, evitando,
assim, o retrocesso da marcha processual, em prejuízo da celeridade, seja porque
anulada a sentença ou porque produzida a prova em segundo grau, hipótese que também
se argumenta comprometedora do duplo grau de jurisdição.

Hoje, após o Tema 988 do STJ, verifica-se que não mais subsiste intensa
controvérsia entre os órgãos julgadores que compõem este Tribunal de Justiça, pois, de
modo geral, muitos passaram a adotar a respectiva tese como norte interpretativo na
avaliação quanto ao cabimento do agravo de instrumento, conforme sustentado por essa
Relatora por ocasião do exame de admissibilidade, no qual restou vencida.

De todo modo, reconheço subsistir interesse na definição da tese, com o


objetivo de elucidar a questão, afastando-se, em definitivo, a discricionariedade na
avaliação dos critérios para mitigação do rol taxativo do art. 1.015 do CPC neste particular,
prevenindo-se o risco à segurança jurídica na manutenção de decisões conflitantes sobre
o tema, como pontuado pelo colegiado no exame de admissibilidade tão bem destacado
pelo arguente ao requerer a instauração do IRDR.

Sem nenhuma delonga, consigne-se que a doutrina majoritária elucida o


cabimento do agravo de instrumento tanto na hipótese em que houve efetiva redistribuição
do ônus da prova, quando naquela em que este é indeferido.

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Esta é a posição de Leonardo Greco (Instituições de Processo Civil, Vol. III,


Forense, 2015, p. 159), Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel
Mitidiero (Curso de Processo Civil, Vol. 2, 2 ed. RT, 2016, p. 544/545), Fredie Didier Jr
e Leonardo Carneiro da Cunha (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, 13ª ed., 2016,
p. 224), William Santos Ferreira (Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil,
org. Thereza Arruda Alvim Wambier et alii, 3ª ed., RT, 2016, p. 1.133), Felipe Borring
e Fernando Gama de Miranda Netto (RBDPro | Belo Horizonte, ano 26, n. 101, p. 99-
123, jan./mar. 2018), além do eminente Desembargador ALEXANDRE FREITAS
CÂMARA, que, em nova edição o livro “Novo Processo Civil Brasileiro” (3ª ed., Grupo
Gen /Atlas, 2017, p. 530), diversa daquela então indicada pelo arguente, passou a
defender o cabimento do recurso em ambas as hipóteses:

“É impugnável por agravo de instrumento a decisão interlocutória que


versa sobre redistribuição do ônus da prova, nos termos do art. 373, §1º
(art. 1.015, XI). Cabe o recurso tanto contra as decisões que mudam o
modo como o ônus da probatório é distribuído (isto é, nos termos da
lei, o redistribuem), como contra a decisão que indefere requerimento
de redistribuição do ônus da prova, mantendo-o como normalmente
ele seria fixado por lei. É que o texto da lei fala do cabimento do
agravo de instrumento contra decisões que “versem sobre
redistribuição” do ônus da prova, e não apenas contra decisões “que
o redistribuem”. (grifei)

Tal posição foi adotada no Enunciado nº 72 da I Jornada de Direito


Processual Civil, organizada pelo Superior Tribunal de Justiça, e reforça o argumento ao
asseverar que:

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“É admissível a interposição de agravo de instrumento tanto


para a decisão interlocutória que rejeita a inversão do ônus da
prova, como para a que a defere”.

Registre-se que não se está a defender o afastamento da taxatividade,


ampliando (indevidamente) a premissa contida na tese firmada no recurso repetitivo. Pelo
contrário, defende-se que a interpretação dos Órgãos Fracionários deste Tribunal de
Justiça esteja alinhada a interpretação que assegura o cabimento do agravo de
instrumento quando impugnadas decisões interlocutórias que versarem sobre [...]
redistribuição do ônus da prova, na trilha de precedentes (não vinculantes) do próprio
Superior Tribunal de Justiça, como o recente julgamento do REsp nº 1.729.110/CE, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 04/04/2019 (Informativo 645).

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E


MORAIS EM DECORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DO
RÉU DE QUE OS REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO
ESTÃO PRESENTES. RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART.
1.015, XI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. REGRA DE CABIMENTO DO AGRAVO
DE INSTRUMENTO QUE SE INTERPRETA EM CONJUNTO COM O ART. 373,
§1º, DO CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL NAS HIPÓTESES DE
DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E DE INVERSÃO DO ÔNUS
DA PROVA. INSTITUTOS DISTINTOS, MAS SEMELHANTES QUANTO À
NATUREZA, JUSTIFICATIVA, MOMENTO DE APLICAÇÃO E EFEITOS.
INDISPENSÁVEL NECESSIDADE DE PERMITIR À PARTE A
DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS DE PROVAR QUE, POR DECISÃO JUDICIAL,
FORA IMPOSTO NO CURSO DO PROCESSO.
1- Ação proposta em 20/08/2015. Recurso especial interposto em 21/09/2017 e
atribuído à Relatora em 13/03/2018.
2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base
nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que
versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de
consumo.

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3- No direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra geral


prevista no art. 373, I e II, do CPC/15, denominada de distribuição estática do ônus
da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e cabe
ao réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor,
admitindo-se, ainda, a existência de distribuição estática do ônus da prova de
forma distinta da regra geral, caracterizada pelo fato de o próprio legislador
estabelecer, previamente, a quem caberá o ônus de provar fatos específicos,
como prevê, por exemplo, o art. 38 do CDC.
4- Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia catalogação
pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência passaram a excepcionar a
distribuição estática do ônus da prova, criando e aplicando regras de distribuição
diferentes daquelas estabelecidas em lei, contexto em que surge a regra de
inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova, reiteradamente aplicada por esta Corte
mesmo antes de ser integrada ao direito positivo, tendo ambas - inversão e
distribuição dinâmica - a característica de permitir a modificação judicial do ônus
da prova (modificação ope judicis).
5- As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste de
acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação conjunta dos arts.
1.015, XI, e 373, §1º, do CPC/15, demonstra que nem todas as decisões
interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são recorríveis de imediato, mas,
sim, apenas àquelas proferidas nos exatos moldes delineados pelo art. 373, §1º,
do CPC/15.
6- O art. 373, §1º, do CPC/15, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas
criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz respeito à
atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é
exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda
diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir
de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a
excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou,
ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus
têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do
CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica
ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se
tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença,

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a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e
também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido.
8- Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória
que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do
CPC/15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o
ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela
possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que
não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica
reversa ou de prova duplamente diabólica.
9- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1729110/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019)

Como se vê, a posição quanto ao cabimento do agravo, na hipótese de


indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova (distribuição dinâmica) encontra
ampla aderência no STJ.

Neste contexto, o IRDR deve ser acolhido como forma de pacificar


definitivamente a divergência no âmbito deste Tribunal de Justiça, no que concerne a
interpretação semântica da expressão “redistribuição” consignada no inciso XI, do
art. 1.015 do CPC.

Assim, voto no sentido do acolhimento da tese proposta nos seguintes


termos:

“O artigo 1.015, inciso IX, do Código de Processo Civil admite a


interposição de agravo de instrumento tanto contra a decisão
que indefere, como a que defere o pedido de redistribuição do
ônus da prova”.

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Consequentemente, ingressa-se no julgamento da causa piloto.

JULGAMENTO DA CAUSA PILOTO

No caso concreto, o agravo de instrumento é interposto por HUMBERTO


CELESTINO BATISTA contra decisão que indeferiu a inversão do ônus da prova, em
demanda na qual pleiteia a revisão da fatura de energia elétrica referente aos meses de
janeiro e fevereiro de 2018, as quais, segundo o consumidor, discrepam do consumo
médio.

Quanto ao cabimento do agravo, é induvidoso que a hipótese em exame se


subsume à tese proposta pelo eminente arguente.

Em relação a questão de fundo, inversão ou não do ônus da prova, pondero


que o contexto probatório agregado ao processo que deu origem ao agravo em questão
bem ilustra que as faturas questionadas (com vencimento em janeiro e fevereiro de 2018,
referentes as leituras do consumo dos meses de dezembro de 2017 e de janeiro de 2018
– fls. 36/37 – proc. nº 0063030-74.2018.8.19.0001) registram o consumo de 531kWh e de
473 kWh, respectivamente.

Entretanto, o consumidor fez prova de que não houve substituição do


aparelho medidor [nº 7037256] e de que houve registro no período pretérito, ou seja, de
março a novembro de 2017 (fls. 38/44 – proc. nº 0063030-74.2018.8.19.0001), cuja média
aritmética simples de consumo seria de 224 kWh.

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Seção Cível
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0062474-75.2018.8.19.0000

Fato é que embora o consumo nos meses de verão, via de regra, seja
superior ao quantitativo impugnado, no caso concreto, que envolve faturas com
vencimento em dezembro de 2017 e janeiro de 2018, constata-se que os registros
alcançam o dobro da média, o que requer exame mais aprofundado, não sendo suficiente
a concessionária imputar consumo que se reputa desmedido sem elementos técnicos
mais consistentes.

Ora, o consumidor é técnica e economicamente hipossuficiente e promoveu


a prova mínima do fato constitutivo do direito afirmado em juízo. De sorte que, reputam-
se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, pelo que se defere a inversão do ônus
da prova.

Por tais razões e fundamentos, vota-se no sentido de acolher o presente


IRDR para fixar a seguinte tese jurídica segundo a qual “O artigo 1.015, inciso IX, do
Código de Processo Civil admite a interposição de agravo de instrumento tanto contra a
decisão que indefere, como a que defere o pedido de redistribuição do ônus da prova”,
dar provimento ao agravo de instrumento para deferir a inversão do ônus da prova.

Rio de Janeiro, data da assinatura eletrônica.

MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA


DESEMBARGADORA RELATORA
(2) IRDR nº 0062474-75.2018.8.19.0000
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