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! Julio Cabrera: . ‘Mario de wm - F lesotor m0 Sorell oe “Pig. mB. .« J © 2010, Editora Unijut Rua do Comércio, 1364 98700-000 - Ijut - RS - Brasil - Fones: (055) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 E-mail: editora@unijuiedu-br Heep://www.editoraunijuiscom.br Editor; Gilmar Antonio Bedin Editor-Adjunto: Joe\ Corso Capa: Léo Pimentel () Responsabilidade Editorial, Grdfica ¢ Administrativa: Editora Unijui da Universidade Regional do Noroeste Go Estado do Rio Grande do Sul (Unijuf; Ijuf, RS, Brasil) Primeira edigdo: 2010 Segunda edigao: 2013 Catalogagao na Publicagio: Biblioteca Universitdria Mario Osorio Marques ~ Unijuf cii7d Cabrera, Julio. Dirio de um filésofo no Brasil / Julio Cabrera. ~ 2. ed. - Tiwi Ed. Unijui, 2013. - 280 p. - (Colegio filosofia ; 35). ISBN 978-85-419-0020-1 1. Filosofia. 2. Filosofia - Brasil. 3, Légica. 4. Erica. 5. Cinema. 1. Titulo. I. Série. CDU: 1011 101.8 tora Unijul afta: Assoclagto Brasitel ap baitoras Untversitarias PREFACIO DA SEGUNDA EDICAO Nesta nova edigao do livro de 2010 foi acrescentado, na Parte 3, 0 texto “Melancholia: a Filosofia no Brasil entre a extingao e a nova Alexandria (Uma reflexio sobre trés tipos de textos filoséficos)”, ¢ foram feitas numerosas corregées no texto original; a mais incisiva acontece na exposigao da minha Filosofia da légica na Parte 2; corregdes menores, mas nunca insignificantes, talvez jamais sejam detectadas a nao ser por leitores minuciosos que cotejem ambas edigdes. As referéncias biblio- graficas mudaram e 0 presente preficio foi escrito. Durante os dois tiltimos anos, em participagdes diversas de even- tos sobre Filosofia na América Latina e no Brasil, inclusive durante a hist6rica Semana de Filosofia da UnB em junho de 2011, transmitida pela Internet, integralmente dedicada a questao da Filosofia no Brasil, assim como no V Encontro Nacional e III Encontro Internacional do GT “Gtica e cidadania” da Anpof, na Universidade Federal do ABC, no IX Coléquio Antero De Quental sobre a relagio entre a filosofia portuguesa ea brasileira em Sao Jodo Del Rei ¢ no III Encontro do GT “Filosofar ¢ ensinar a filosofar”, realizado em Salvador, assim como nas sessbes anuais do Corredor das ideias do Cone Sul, sediado pelo Brasil no ano passado, eno IX Congresso brasileiro de Bioética em Brasilia, tive oportunidade de comprovar o enorme interesse do piiblico culto em geral pelo destino incerto da Filosofia na América Latina e pelas magras possibilidades atuais de fazé-la com as proprias miios, carne € ossos (como gritara Don. Miguel de Unamuno hd mais de um século), interesse que nao parece 12 Julio Cabrera igualmente partilhado pela comunidade de filésofos profissionais para a qual a filosofia esta decididamente no bom caminho. A atitude oficial de formar apenas conhecedores competentes da tradigao filoséfica europeia, no que chamo a “tecnologia do texto”, opera como poderoso mecanismo de exclusao que j4 nao se sente como tal. Gostaria que este Diario pudesse ser lido como um livro sobre exclusao intelectual, sobre os processos mediante os quais trabalhos filos6ficos so ignorados em sua propria existéncia, no sentido de passar a nao existir, ou, ainda mais radicalmente, nao conseguindo sequer vir a existéncia. A ideia central € de existir no mundo uma divisdo arbitraria ¢ injusta entre pobreza ¢ riqueza intelectuais; as “vitimas intelectuais” de actimulos injustos de riqueza intelectual, sao autores de discursos sem voz, cujas produgées sto dispensadas e jogadas num grande lixo cultural. Especificamente no Brasil, me pergunto como Matias Aires, Artur Orlando, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Mario Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva, entre muitos outros, podem ter “dessaparecido” dos estudos filoséficos brasileiros. Sao os paises intelectualmente ricos os que fazem desai 6 ‘lei i arecer fildsofos brasileiros, produzindo nossa pobreza intelectual, ou h. iP : ual, ou ha la- gbes a ser estudadas com cuidad ‘4 media lo? Parece claro que a propria i i ‘lei i . a propria . twalidade brasileira ¢ latino-americana opera diret Propria intelec ‘amente mecani: inismos de desaparigdo de filosofias autéctones, induzidas F pans : vidas por grandes polit; internacionais de produgio de miséria intelect ff grandes politicas “, ” ectual; ni fato “natural”. aa trata de um Aexclusio € operada por meio de “qualidade”, “originalidade” © “ ‘ategorias es iti Is catexorias especificas, taj niversalidade”, a refi da Segunda Edo sentido destrutivo ¢ eliminador. O conceito de “qualidade”, em lugar de descrever seu objeto, o constitui com a intengio de diseriminar ¢ margi- nalizar; nos conceitos eliminatérios a sua tarefa excluinte € a principal, e sua area de inclusio é residual. O presente Diério, em suas entrelinhas, acentua ums diferenga de raiz entre 0 pensamento desde a Europa ¢ 0 pensamento desde a ‘América Latina: a questo da sua propria existéncia. Quando um europeu filosofa, todos seus problemas sio de esséncia; nao hé nenhuma duivida acerca do existir de seu pensamento. Quando um Jatino-americano se pie @ filosofar (e isto se poderia ampliar, por exemplo, Par africanos € outros pensamentos marginalizados), ele tem de provar que Sev filosofar existe, que ele tem direito a refletir, Seus problemas de esséncia sio problemas de existéncia, a existéncia mesma de seu filosofar. Chamo @ isto uma exigencia de “insurgéncia” do filosofar latino-americano: para vir a ser, o filosofar desde a América Latina tem de se insurgir contra a exclusio intelectual, sobre 0 pano de fundo de uma exclusio mais abrangente; no estritamente porque “queira” insurgir-se, mas porque nao o deixam “surgit” de outra forma, porque € obrigado a surgir reativo desde a sua jé decretada in-existéncia. O filosofar desde a América Latina é reativo e insurgente ou nao é; trata-se de uma imperiosa necessidade de sobrevivéncia. Esta obrigada insurgéncia nao deveria conduzir a ideia mitica de uma espécie de “identidade-substancia”, ou de “ser auréntico” inson- davel que ainda terfamos de descobrir, uma ideia, em grande medida, herdada das metafisicas europeias; tampouco se trata de rejeitar os idade” da is” de maneira inocente, isenta projetos nacionais em nome de alguma pretensa “univers Filosofia. As filosofias nunca sao “unive ou neutra, mas sempre desde algum lugar. Sio univers s perspectiva- dos, Isto nao nega universalidades, mas as situa; s6 ha universalidades 13 4 Julio Cabrera situadas. O pensar desde o Brasil (ou desde qualquer outro lugar) nig perde universalidade, mas a conquista, porque faz 0 universal perder a sua abstragio e ganhar uma concretude hist6rica. Os filésofos europefstas costumam declarar que “nao ha” fildsofos no Brasil nem na América Latina; “grandes filésofos”, s6 na Europa. A primeira e mais ébvia resposta a isso, contudo, seria perguntar-lhes se conhecem realmente o pensamento latino-americano, brasileiro ¢ nao brasileiro; se j4 leram a teoria légica do uruguaio Carlos Vaz Ferreira, a teoria dos valores do argentino Alejandro Korn, a estética metafisica de Graga Aranha, a estética geral do peruano Alejandro Deustta; ou a filo- sofia da pessoa humana do mexicano Antonio Caso, a Filosofia da légica de José Vasconcelos, também mexicano, ou a teoria literaria de Pedro Henriquez Urefia, da Repablica Dominicana; ou a teoria da mitologia de Vicente Ferreira da Silva, a Filosofia da pessoa do argentino Francisco Romero, ou a teoria dialética do Carlos Astrada, também argentino: a an- tropologia da dominagao do peruano Augusto ea ‘mM argentino; aan solidi do mexicano Octavio Paz, a F lazar Bondy, a filosofia da iloso . a: G fia do americano do mexicano venezuelano; ou aeritica do argentin 0 Leopoldo Zea, ou a teoria légica ‘Orta Togica de Garcia Ba ca, espanhol naturalizado aturaliza Eni énrique Dus, ‘due Dussel contra o marxismo a teoria do ser como dever-se et de Mj iguel R ea de Luiz Sérgio Coelho d& le ou a ogi ‘st ua légica da diferenga bos brasileiros, P eIVvo fil ‘tnismoy de virtude disso, considerados trabalh nS tbalhoy AMpai conhecem devide a todo este enor my enso que nie samente submetido aos mee; OSG aos mee S6fICO ter sido mpi fico ter sido impiedo- Attegor s climin... ' climinatérias (e, em Kenuin, “carentes de universalidade”, e carentes de univeralidade”, ete, eye, mente filoséficos” Autores bravileitos © isp, : . ane. universe de leituras dos Estudos. jy MeHeANOS Ag OY floscit NiO faze, camentan, BEANS, CHEICUT eye NOS, Drogen ERY Pare dO mal; eles pertencem, na melhor ga yt YM acade nn IE Pesquisa a Aenicg quisa, especialistay, © ni seus, Nesey, PLOpHivs en conte © pa Precio da Segunda Aigo IS quando até criam alguma disciplina concentrada de “pensamento latino- americano”; trata~ c de um tipo de estudo marginalizado, tolerado (as vezes ironicamente) ¢ praticado por grupos especificos de profissionais que, numa grande medida, mantém algum contato com o filosofar curo- céntrico tradicional, sob o risco de se transformar em completas raridades profissionais dentro de suas préprias instituigdes. Curiosamente, o Brasil “engancha” com o pensamento latino- americano no por meio de seus “filésofos profissionais”, mas pelos seus sociélogos (Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso), economistas (Theotdnio dos Santos, Celso Furtado), peda- gogos (Paulo Freire), antropélogos (Darcy Ribeiro, Roberto Da Matta, Viveiros de Castro), historiadores (Sérgio Buarque de Holanda), geégrafos (Milton Santos), ete. Talvez seja chegado o momento de deixar de lado estas distingdes académicas, que atrapalham mais do que esclarecem, considerar a todos estes como filésofos, mesmo sem diploma (¢ talvez esta seja, nestes tempos, a tinica maneira em que ainda é possivel s@-1o). Por outro lado, hé também uma marcada tendéncia de autores hispano-americanos se debrugarem sobre questées latino-americanas “esquecendo” dos pensadores brasileiros ou colocando-os numa posi- do secundiria, no registro do “também”. Nas hist6rias do pensamento latino-americano, como a de Carlos Beorlegui (2006), a maioria de autores hispano-americanos continua sendo esmagadora, inserindo-se apenas, em certos momentos estratégicos, breves mengGes a autores brasileiros apenas para ndo esquecé-los totalmente. De fato, quando viajo para México ou outros pafses latino-americanos, eles nem sequer ouviram falar de nenhum dos filésofos brasileiros que cu menciono, nem clissicos nem atuais, de maneira que ap6s brasileiros terem feito desaparecer hispano- americanos, o Brasil € por sua vez submetido a um poderoso mecanismo excluidor dentro da situagao latino-americana. Por que isto acontece? 16 Julio Cabrera Creio que um estudo cuidadoso da lingua portuguesa por parte de hispano-falantes, © da lingua espanhola por parte de brasileiros, sem confiarem no pretenso “parecido”, seria um enorme passo a frente para comover 0 atual eurocentrismo dos nossos estudos filoséficos. A lingua, porém, nao € tudo. As linguas nao constituem obstaculos objetivos a nio ser a partir de projetos politicos. O fato € apenas que as linguas nao comunicam tudo 0 que pretendem; mas 0 problema nio é esse, uma vez que os inconvenientes poderiam ser superados mediante esforgos reciprocos; o problema é entender por que esses esforgos nao acontecem por que nao ha vontade de empreendé-los, considerando que tanto brasileiros quanto hispano-americanos fazem enormes esforgos, por exemplo, para aprender grego, alemao ou francés (nao conto aqui o inglés, que na nossa atual situagao se aprende no como “segunda lingua”, mas como primeira). A questao das linguas é, pois, relevante, mas secundaria. A questo primaria é: Por que as linhas horizontais entre brasileiros € hispano-americanos sao ignoradas enquanto ambos se referem vertical- mente a um mesmo referencial externo? Espero que este Diario, originalmente escrito para estudantes, mas lido € comentado por professores de diversas areas e pelo puiblico culto em geral, sirva para abrir modestamente uma discussao sobre todas ests questo a i i i Stes prementes que nio recebem a atengao devida nas aulas uradi- cionais de F losofia. Nos tiltimos anos, a minha lista de agradecimentos cresceu, gostari; € Ie i ; gostaria de lembrar aqui, entre outros muitos, Daniel Pansatelli, Filipe Ceppa + Ppas, Luiz Alberto Cerqueira, José Mauricio de Carvalho. Catlos Pétex 4 et Zavala, Rafael fini Ollene Barat Rafael Alves, Viniciu sal Saldanha, Fabiano Lan ee dabricl Silveira, por no lo de tentar fazer F discussdes sobre o sentido € ilosofia no Brasil e n: América Latina. Julio Cabrera, Brasilia, junho de 2012+ PALAVRAS PREVIAS (Primeira edicgao) Este Diario é, ao mesmo tempo, um breve relatério de minha obra filos6fica e um testemunho da maneira como os filésofos tiveram de fazer as suas Filosofias na mudanga do milénio na parte sul-americana do planeta, onde se assumir como filésofo foi considerado arrogante € irresponsavel. Pelo seu estilo diversificado ¢ experimental, e pelo ine- vitdvel recurso A propria biografia, este Didrio é uma obra literdria tanto quanto filoséfica, se utilizarmos estes termos como usualmente. O leitor ja verd que, na minha maneira de entender a Filosofia, essas distingbes so superficiais e dispensaveis. O Diario esté estruturado em varias partes. Na primeira, fago con- sideragdes acerca de como eu vejoa atual situacdo da Filosofia no Brasil. Na segunda, narro trés aspectos da minha trajetéria de pensamento: Filosofia da Légica, Etica e Cinema e Filosofia. Tento explicar como, pensando desde uma maneira peculiar de entender a Filosofia, surgem trés reflexdes bem dispares, mas profundamente articuladas. Em cada caso se alude, de uma maneira ou outra, as dificuldades de “profissio- nalizar” estes pensamentos. Na terceira, acrescento novos textos sobre Filosofia no Brasil apés ter feito o percurso pela minha Filosofia. O presente Diério nao foi escrito para velhos professores, mas para os numerosos jovens de qualquer tempo que se interessam por Filosofia € nio se sentem compreendidos pelas in: ituigdes nem ouvidos pelos 18 a Julio Cabrera s ¢ orientadores. Quero mostrar-lhes que talvez jé se; seus professore’ fildsofos sem sabé-lo, e que com que deixem de sé-lo. “Jovens de qualquer tempo” significa que este Diario também é destinado Aqueles jovens que os atuais professores alguma vez ja foram, mas que nao foi esc ito para os professores em que seus processos de “habilitagao” podem fazer esses jovens se transformarao um dia. Espero que a minha prépria paixao reflexiva lhes sirva de alguma coisa. Agradecimentos especiais para Gonzalo Armijos, Leénidas Hegen- berg, Jorge Jaime, Paulo Margutti, Adriano Naves, Antonio Paim, Jorge Alam Pereira, Cecilia Pires, Mauricio Saboya e Murilo Seabra. Julio Cabrera (Brasilia, 2009) kabra7@gmail.com ab qu PARTE 1 ACERCA DA EXPRESSAO “NAO HA FILOSOFOS NO BRASIL” Introdugao Uma década atrés alguém publicava uma apelativa manchete a propésito de um recente livro de um pensador local. Ela rezava assim: “Enfim um fildsofo brasileiro!” Fiquei surpreso, pois eu pensava que j4 existiam fildsofos brasileiros. Isso me deu a consciéncia de que a co- munidade filoséfica local ainda esperava por um filésofo. A convicgio geral, e nunca mais revista, € — me parece ~ que durante os séculos anteriores ao 20 “nao houve” fildsofos no Brasil, mas apenas diletantes ¢ autodidatas confusos ¢ dependentes das diversas correntes europeias; € que nos séculos 20 e 21 também “nao hé” filésofos no Brasil, mas tio somente humildes ¢ esforgados “técnicos da Filosofia”, especialistas universitérios competentes tentando se inserir nas atividades filoséficas internacionais, por meio do comentério ¢ a andlise de autores ¢ Filosofias. ‘Assim, a nao existéncia de fildsofos no Brasil parecia fato, e sobre fatos, como se diz, nao se discute. O propésito do presente texto, contudo, &, precisamente, discutir esse pretenso fato, visando a mostrar que nfio se trata de um fato em absoluto. A minha questio metodolégica inicial sera a recusa em aceitar que “Nao hé filsofos no Brasil” seja um fato do tipo, digamos, de “Nao hd janelas em meu quarto” ou “Nao havia livros de Heidegger em Caran- 20 Julio Cabrera diru”. Sustentarei que, dadaa complexidade da propria questio acerca dq natureza da Filosofia, hé pel ive muitos filésofos no Brasil nos séculos anteriores ao 20. E que, “especialistas” universitarios competentes, ¢ as Jo menos um sentido em que € possivel dizer que how atualmente, a0 lado dos vezes entre eles, continua a haver fildsofos, ou, a0 menos, a continuar querendo existir, contra tudo e apesar de tudo. Averdade ou falsidade daquela frase (“Nao hd fildsofos no Brasil”) vai depender, pelo menos, de trés questdes preliminares, que vém ja como embutidas na prépria emissio da mesma: (1) O que significam as palavras “filésofos” e “Filosofia”. (2) O que significa a expressao “no Brasil”. (3) 0 que significa “haver” nas expressdes “no ha”, “nao houve”, “no havera”. Vou abordar estas questées nessa ordem, como se a frase em questio tivesse a seguinte sequéncia: “Fildsofos — no Brasil — nio ha (nao houve, nao havera)”. Fago, pois, um convite aos jovens estudantes de Filosofia para empreendermos, juntos, esta viagem; descobriremos muitas coisas cruciais para futuras escolhas. Segao 1. O que significa afinal, “fildsof de perder as oF “Filosofia” e quem sao, 0s”? (Uma tentativa definicdes) No atual pz @ ; atual panorama académice de F | Problema inicial nao € a dificuld, pelo contr ilosofia profissionalizada, © iso pablegey ide em saber o que seja Filosofia, mass © problema de suberm ; acordo e 0s perfeitame: a cordo com os padres monoy perfeitamente o que ela seja. De aes onamente recita ; fil6sofos, Filosofia € atividad, ie reeitados pela comunidade d¢ ade de teflexdo tegr; ©xA0 te6rica, com vocagio univer sal, qu filoséf O prot sabé-l) aFilo € prot uma ¢ Marg. uma‘ coisa, ser vi de in ignor com manit Nest dos t deac poré que: num apen ousa com de: des: os t prot Parte | — Acerca da Expresso “Wao Ha Floor n Bra” 21 sal, que opera com métodos argumentativos em contato com a tradigio filos6fica ocidental. Todo mundo aceita esta caracterizagio de Filosofia. O problema nao €, pois, o de nao sabermos o que seja Filosofia, mas de sabé-lo demasiado, Eu gostaria de poder recuperar aquele ambito onde a Filosofia nao consegue ser definida com tanta precisio, onde ela ainda é problema. Recuso-me, em geral, a partir do pressuposto de que Filosofia seja uma coisa s6, que todo mundo sabe 0 que é. Os leitores de meu livro Margens das Filosofias da Linguagem (Brasilia, 2003) sabem que sustento uma visio plural do filosofar, que Filosofia nao € para mim uma tnica coisa, mas muitas coisas. Num primeiro pensamento, filosofar poderia ser visto, num viés um tanto romintico, como a maneira fundamental de instalago do homem no mundo, uma mancira insegura, temerosa, ignorante, insatisfeita, desejante, incompleta. Pode-se vincular o filosofar com 0 desamparo da finitude, seja qual for o mbito em que a reflexao se manifeste, seja na Filosofia da Matematica ou na Filosofia da existéncia. Nesta visio, o cardter filoséfico nao se adquire mediante a apropriagio dos tecnicismos do pensamento, mas com o préprio ser no mundo. E, de acordo com ela, todos somos filésofos. Num segundo pensamento, porém, nem todos somos fildsofos, apenas aqueles seres perguntantes que ndo s6 vivem as suas insegurangas insatisfeitas mas as transformam numa forma de sensibilidade para 0 esclarecimento. O fildsofo nao sera apenas 0 humano desamparado c incompleto, mas aquele humano que ousa langar-se sobre seu desamparo ¢ incompletude com paixio reflexiva, com menos medo da loucura que da mediania. A Filosofia profissionalizada potencializou os meios de indagagio de assuntos e, de certa forma, levou-os a um grande aperfeigoamento desde 0 ponto de vista de sua tecnicalidade instrumental. Também os transformou num poderoso mecanismo de dominagio. A Filosofia profissional, contudo, nao criou nada, simplesmente processou e inter » Julio Cabrera pretou a finitude de uma maneira determinada, © desampato Fc com, seutto ou camuflado embaixo das formas profissionalizadas do lossy, tanto na Filosofia analitica quanto nos estudos dos “especialistas em Nietzsche". A fragilidade intrinseca a todo filosofar (a todo viver) fgg como disfargada numa maneira aparentemente firme, segura técnica de “dominar os assuntos” € construir argumentos, mas nem mesmo alj 0 filosofar consegue esconder seu desamparo original. Pensar, indagar ¢ indagar-se nao sao coisas que 0 humano faga por op¢ao, mas algo a0 qual ele é impulsionado pelo simples fato de ser. Este € 0 ambiente onde prefiro pensar a Filosofia: um lugar onde cla perde a insolente precisio da sua atual definigao académica. Filosofar, pois, nesta minha primeira visio, nfio é uma forma de vida entre outras, mas a forma humana de viver, inclusive a daqueles que nunca leram os “grandes filésofos”, nem tiveram contato com a “tradigl0 filoséfica”, mesmo a daqueles que sequer sabem ou entendem o signi- ficado da palavra “Filosofia”. A insergdo humana no mundo é sempre reflexiva, embora 0 seja no nivel mais elementar primério, ou se exprima nas linguagens mais primitivas e balbuciantes. Trata-se de um tipo de saber (ede ignorancia) que tenta satisfazer-nos e atormentar-nos €m oss Proprio ser, em nosso ter-surgido, n’io apenas em nossas necessidades intramundanas. No fil losofar nao primordial a aquisigaio de informagie® Pelo contrario, de certa forma, ancita filosofar pode ver-se como uma manel de desinformar-se, de descartar informa tem, de fi A se s, de virar-se com 0 que § er reflexdes minimai . sesso de 'm se deixar atordoar pelo excesse dados. Como, filésofos nao se trata de “ ber mai : 84¢90 sobre © mundo, E lésofo, Possa Vira Ser, nunca d mais mediante uma ind; is", mas de erudiro que u" leveria esquecer d nao demand: AE 0 Constitui, © que simple ai mples consumaygo numa forma d jt earéncia fundament!l nento ou le existéncia, atisfagdo, mas Parte | — Acerca da Expresso “Mao Ha Filésofos no Brasil” 23 Nes a trilha, quero vera Filosofia como a vida exuberante, variada € autocriada do pensamento, como um grande anseio de expandir-se, de ser mais € de ser de muitas formas. Quando a vida do pensamento explode, no sabemos se vai manifestar-se critica ou acriticamente, ra- dical ou nao radicalmente, racional ou no racionalmente. A expansio diversificagao do pensamento caracterizam a vida da Filosofia, a vida do pensamento, € nao a sua postura “critica”, ou “racional”, ou “fundado- ra” ou “universal”. Proclamar inicialmente que a Filosofia ser critica, radical ou racional, € como tentar prever as suas insuspeitadas formas de desenvolvimento. Para preservar a concepgio vital da Filosofia con- servando seu pluralismo de formas, quero concebé-la na sua variedade itredutivel e, por conseguinte, com todas as Filosofias em andamento, sem nenhuma delas eliminando as outras. A minha ideia inicial 6, pois, que a Filosofia tem uma natureza mihipla, e que a partit dela surgem muitos tipos de textos (orais ou escritos) que podem se considerar filos6ficos, desde textos de andlise légica e consideragao cientifica até escritos existenciais, misticos e auto- biogréficos. Nao gasto meu tempo tentando mostrar que algum pensador “pao faz Filosofia” ou que “ndo é filésofo”. Nao assumo aqui nenhuma atitude de escindalo diante da multiplicidade ou do “caos” do termo “Bilosofia”, ou de impaciente exasperagio diante de sua “indefinigio”, pois vejo a multiplicidade do filosofar como um desdobramento da sua propria natureza, nao como um penoso acidente histéricoa ser lamentado € resolvido. Nesse ambito reflexivo eu coloco, neste Disirio, uma critica contra a “Filosofia profissional” nfo pelo fato de ela erguer uma certa visio de Filosofia, mas por ter entendido essa forma como uma definigio per manente e redutiva das suas miiltiplas formas; nao por ter desenvolvido a vida da Filosofia numa certa diregao vidvel, mas por ter pretendido Julio Cabrera 24 Jar sobre ess exuberante forma de vida chamada Pensamento, x legislar sob Filosofia deva s * 8 agdes académicas do que a Filosofia deva ser ou nio, Pateceny articu . pe adapack sa como impulso variado e incerto de indagagzo, descarta-la A Filosofia, como a vida mesma, desenvolve-se num Continuum ital de pensamentos, desde a maxima articulagio l6gico-analitica ae g vital de ” istenci x0 do vivido. Anilise ¢ existéncia sto su mergulho existencial no flu: : polaridades, e as Filosofias se desenvolvem numa gama rica © vatiada dentro desses extremos. As escolhas filosdficas sao norteadas pelos dois grandes medos do ser humano: 0 medo a incerteza € 0 medo A certeza, 0 medo de tudo estar indeterminado, ¢ o medo de tudo estar determinado, o medo a perder o sentido ¢ 0 medo de perder a liberdade. Na minha concepgdo da Filosofia, a opgio pelo pluralismo é a opgao de deixar os humanos terem os medos que se possam permitir. Nao obrigé-los a viver medos dos quais nao saibam se defender. Nenhuma estrutura académica deveria determinar como a vida filos6fica de um ser humano dever4 desenvolver-se, mas fazer tudo para que as mais variadas formas surjam, se oponham e convivam. ‘Tampouco a Filosofia, como eu a vejo, seja ela a mais analitica ou a mais existencial, tem especiais compromissos com o mais “profundo”, com o interessante, o importante ¢ nao banal, com 0 novo ou menos evi- dente. O fildsofo nao é um malabarista sempre na obrigacao de apresentat © inaudito. Uma das coisas que um filésofo, €o particular nivel de “profundidade” em capaz de se de: paz de se desenvolver, Devera encontrar Proprio ar, o meio onde instintivamente, “escolhe” que seu pensamento ser seu préprio ambiente, seu Possa respirar livremente. fil6sofo ge ‘ivialidades, coisas que Buino nXo pensa tentando evi 1 Seja na superficie ou me essos de Filosofia por Ne Sesaiba”). Un pensam, Prt | — here da Expres 25 de trivialidades, enquanto se ja importante colocé-las novamente. Um ildsofo poders enc i Poderd encontrar 0 que procura na superficie do pensamento, nas coisas que todo mundo visualiza. © tento aqui definir a Filosofia, mas, pelo contririo, despojé-la de toda definigao fixa, deixa-la o mais livre possivel para ela mesma achar suas definigdes mais cabiveis, provisérias, celebradas ou desabonadas. Assim como quero vé-la livre de qualquer obrigagao “critica”, “teérica” ou “profunda”, gostaria de vivé-la sem o estigma do afirmativismo edifi- canve que a tem perseguido ao longo dos arduos tempos, como uma luta contra a retérica, 0 relativismo, 0 ceticismo, 0 pessimismo € 0 niilismo. Creio que a Filosofia nao tem o dever de buscar a edificagao concei- tual, a salvagao pelas ideias, ou a construgdo de uma sociedade justa. Quanto menos “tarefas” ela tiver, melhor. Nao descarto a possibilidade de a sofistica, a retérica, 0 relativismo, 0 ceticismo, o pessimismo ou 0 niilismo serem poderosas formas de pensamento. Nao é a minha tarefa como filésofo “vencer o ceticismo”, “superar o relativismo”, “ir além do niilismo”, ou “nao se deixar abater pelo pessimismo”, mas ponderar se 0 ceticismo, relativismo, niilismo ou 0 pessimismo podem desenvolver-se como legitimas possibilidades do pensamento. Se 0 ceticismo for correto, deveremos ser céticos. Se 0 relativismo vé aspectos importantes do real, deveremos ser relativistas. Se a nossa reflexdo nos leva a ver o mundo como nada, deveremos ser niilistas e pessimistas. Um fildsofo nao tem apostolados nem misses nem a obrigagiio de se engajar em cruzadas. Nao tenho, pois, nesse sentido, qualquer concepgio afirmativa do filosofar. A atividade filos6fica é, para mim, impiedosa, incisiva ¢ sem perdio ¢ vai até onde as suas categorias a conduzam. Uma Filosofia podera abalar os valores que sustentam a nossa sociedade, ou poderd, inclusive, destruir seu proprio sustentador. E uma tarefa perigosa, cujos desfechos nao podem ser previstos. Julio Cabrera « por “fy ar ea Por “falta de cérebro filosdfico”. “filosofe S Sent . N6sofos brasileitos"), Isto e ente fildsofos (nao digamos erado, ¢ i aa tado, © nao simplesmente 'UiF uM erro fi “Ao futuro da by ilosofia, nore pe MMe peripo p, I, eap 2 de apres arum hoje estudan presentar U ilosofia no Brasil e para og jovens que men o Br chile ente outr exp Por mas vale con filo que disi elal tral ma am: ma Ba pr vic de pr ra q ex arte l— Acerca da Expressin “Wa Ha filésofos no Brasil” au ‘A minha conviegio € que exist am no passado ¢ existem atual- mente filésofos brasileiros, neste sentido de filésofos que pensam desde 0 Brasi (E também, € claro, existiram ¢ existem fil6sofos argentinos, chilenos, bolivianos, paraguaios, indianos, japoneses € afticanos. Assim se entendermos Filosofia no apenas como uma atividade profissional entre outras, mas como um modo de ser do humano, com toda a imprecisio exposta na segao primeira, como poderia um povo existir sem Filosofia’). Por outro lado, filésofos podem existir no Bra i © em outros lugares, mas se nao existirem os mecanismos informacionais, institucionais ¢ valorativos, que permita visualizé-los, eles nao sero descobertos. Pelo contririo, tentarei mostrar que a estructura atual de nossa comunidade filos6fica tende a ocultar e mesmo eliminar sistematicamente 0 filosofar quando ele aparece. De nada serve alguma coisa existir se a légica da distribuigdo de informagdes impede que as pessoas @ vejam. Hoje nés temos um aparato de informacao (publicagao de livros, elaboragio de bibliografias) que nos permite visualizar perfeitamente trabalhos filoséficos alemies € norte-americanos de todos os niveis, mas que nos impede a visualizagao de grandes esforgos reflexivos sul- americanos. Todo mundo conhece Mortal Questions, de Thomas Nagel, mas poucos conhecem a Metafisica de la Muerte, do mexicano Agustin Basave Fernandez, publicado 14 anos antes do livro de Nagel. Quantos professores de Filosofia brasileiros conhecem 0 pensamento de Octa- vio Paz, Angel Vasallo ou Francisco Miré Quesada? A “nao existéncia” de Filosofia no Brasil (¢ em muitos outros paises) pode ser um efeito produzido pela particular distribuigdo da informagio hoje imperante no mundo, pela particular estrutura das instituigoes de ensinoe de pesquisa ¢ por ideias unilaterais do que tenha ou nao valor como Filosofia. Alte- rando estas condigdes, comegaremos a “ver” os nossos fildsofos, ou seja, quando deixarmos de buscé-los nos lugares errados € com as imagens € expectativas erradas. Julio Cabrera 32 a atual profissionalizagao da Filosofia Pel sontexto da a ae Dentro do co ‘rio, a qu igdes pa nm di Coe emos de criar as condigdes para cles virem algum dig a 5 éssi Brasil, € tives estiio se coloca como Se nfo existissem ainda filésofos no ae s que nao acreditam numa Filosofia no Brasil (nem no sen. Sa aareee “Filosofia brasileira” nem mesmo numa Filosofia os nacional a vniversalists” ou “internacionalistas”, quanto os que a a questio toda esta colocada em me fortememte sociais € institucionais. Os primeiros pensam que € necessario criar uma comunidade de estudiosos de textos, de bons comentadores ¢ conhe- cedores de Filosofia classica e moderna, capazes de Se € livros que possam concorrer dignamente no plano internacional. a deve ser considerada, segundo eles, como a contribuigao brasileira a Filosofia. A ideologia universalista parece-me hoje predominante entre os professors de Filosofia de todo o mundo, mas com feigées prdprias no Brasil e demais paises de América Latina, de acordo com a atual geopolitica filos6fica. Por outro lado, os ssos criticos da Filosofia académica defendem que se deve criar condigGes sociais, culturais e mesmo institucionais que favoregam um pensamento original e criador, devendo-se lutar contra 0 colonialismo ainda presente nas mentes dos pensadores brasileiros, que os leva a copiar moldes externos em vez de “pensar por si mesmos”. Em ambos os casos, sodo o problema do filosofar original e criador é pensado dentro dos termos de um preparo sociocultural que permitiria um fucuro desenvolvimento do pensamento filoséfico: do Ponto de vista universa- lista, ditos e comentadores, criando-se ores & Filosofia internacional; do “se criar uma “q, abale as estruturas da condigoes para um pens; deve-se preparar geragdes de eru “nto uma comunidade de contribuid lado independentista, dey © Jargdo) qu ‘asa critica” (para empregit dependéncia cult mento independente aide: ” © prepare as AD6s assumir Spe de abordaye AME UM filésofy de Filosofia ex Mm deve deixarng, Ta exposta na segao anterion est@ “U-NOS totalmente ms ‘ fe pe i St © pata de gum eb Poe SHEE algu i ‘sum ambiente Sociopolitico € Pate — Acerca da Expresso "Wo Hi Fils no Bras” ce) cultural favoravel, de tal forma que, dadas certas condigoes, 0 filésofo podera surgir. Daf que a posigao dominante tanto quanto seus detratores gastem muito tempo falando das condigdes sociais e culturais de criagio de Filosofia, das condigdes da formagio filoséfica no atual contexto cul- tural, do mimero de tradugées existentes, da criagio de pés-graduagies de nivel, ¢ assim por diante, como se estas questées fossem as Gnicas decisivas para a gestagio de um pensamento filoséfico auténtico e criador, como se a partir de condigées sociais determinadas fosse surgi, agora sim, um auténtico filésofo. Apés a primeira perplexidade que isto produz, comego a pensar na melhor maneira de formularas minhas préprias ideias a respeito desta dificil questdo. Creio que em todas essas anilises € sistematicamente ¢s- quecido o motivo profundamente singular do ato de filosofar, singularida- de que independe, inclusive, do tipo de filosofar de que se trate: pode ser «um pensamento fortemente pessoal (tipo Kierkegaard) ou mareadamente social (tipo Marx) ou mesmo acentuadamente erudito (tipo Husserl ou Heidegger), sem que essa singularidade deixe de se manifestar. Ainda que surja, inevitavelmente, num meio social e cultural particular, este no sera suficiente para gerar um pensamento sem a participagio decisiva de uma personalidade que sofre determinados problemas no pode evitar colocé-los em textos, escritos ou orais, O pensamento surge da propria vida do filésofo, tanto de seus desgarramentos pessoais quanto de suas perplexidades intelectuais, insepariveis uns dos outros. Certo que seu pensamento estaré inserido num determinado meio social ¢ cultural que ele ind, de uma forma ou outra, refletir, Algném no comeca a filosofar contudo, somente porque as condigées sociais ¢ culturais do pats onde poracaso vive chegaram a um ponto em que filosofar se tornou possivel. O filosofar proprio surge também de uma vontade s ngular de expor 0 mundo de uma maneira inevitavelmente pessoal (m smo que se trate de um filosofar social € puiblico). Julio Cabrera 34 Oato singul as “condigdes F ‘ fi iso das coisas — do ser, do conhecime, anifestar uma VISaO) das cois: conhecimento, ar de flosofar pode inclusive provocar uma forte ry xigrentes”, € COMUMENKE & PIOVOEA. A poderox, tura com vontade de m: da ética, da estética, da fé, do numero ou da Mente ~ estg gem, da da ling’ . aT aoiciee smasociedade hist6rica e culeuralmente datada, Esta cons uma : inser jamais serd suficiente para explic deragio sociocultural, no entanto, jam: ; : P icarou motivar o surgir de um pensamento filos6fico. uO no ambiente de Kierkegaard algo como uma “Filosofia dinamarquesa”, ou um particular “ambiente filoséfico” que pudesse prever 0 surgimento do caso Kierke- gard? Nem antes nem depois de Kierkegaard existiu algo como um ambiente social ¢ cultural dinamarqués que propiciasse o surgimento de um pensador tio profundamente original (¢ tao profundamente nérdico!) quanto Kierkegaard. Este foi, simplesmente, um pensador torturado por motivos pessoais (a influéncia do pai, seu aspecto fisico desconsolador, seu noivado) ¢ intelectuais (a questo religiosa, a questo estética), que teve a yontade, a sensibilidade ¢ 0 talento de colocar em discursos e em livros sua particular visio do mundo, mesmo que 0 que ele escrevesse fora tecido (como parece inevitavel!) com os elementos que sua época ¢ seu ambiente The proporcionaram, em particular o vizinho ambiente emo Se for verdade que “nio hé filésofos no Brasil” (como nfo os avia na Dinamarca), no sera , ole digbes sociais e cul 14 somente por nfo termos aqui as “con- sociais € culturais” para 6 sure; a surgir de um fi épri 7 também estar faltando (por motiy losofar proprio. Pod ‘0s aye outro elemento, a decisio ‘i complexos que tentarei analisar) 0 loséfi . ica fi Me natural almente MUILOS OUtKOS. pas © a. um se, DULIOS Daisey latino-ameri ™ segundo ponto, No Brasil ¢ em etieg se tem a ide : MA ideia de que se Anos (© talvez, pensament Precisa ¢ também em outros) © prop " a de material a Pro, ore Preparo” para gerar um c aApas” Filosof, Udo (Cradues > 4M primeirg ae fa coment © cruel WOES, ete), uma seq cira de aquisigao etudita, ¢ Segundy "86. ftalmente, gent Ae Slaboragio de uma de Fi i worisi ~~ losofia original Parte I — Acerca da Expresso "Nao Ha Filbsofos no Brasil” ao ¢ propria. Fala-se (¢ isso me deixa literalmente atertorizado) de queimar geragées © geragdes de jovens filésofos em prol do atingir uma geragio que, finalmente, far Filosofia, Acredito que esta ideia de que para filo- sofar se precisa de um grande “embalo” seja perigosamente destruidora e simplesmente falsa. A mesma esta baseada na acentuagao desmedida na preparagio das “condigGes sociais ¢ culturais” € na vida aquisigio de informagies, sem que a singularidade e afirmagio do ato criador filo- séfico se ponham em relevo, De certa maneira, enquanto as condiges sociais ¢ culturais sio extensivas, ¢ tomam muito tempo, 0 ato singular de filosofar € intensivo e pontual, ¢ pode ser assumido em qualquer mo- mento (com resultados 05 mais variados). Nao estou sugerindo que um filésofo surja por milagre s6 pela propria vontade; 0 ato singular € uma aventura e comporta sempre um grande risco. Para assumir este risco, porém, no se precisa de nenhum “embalo”, nem queimar geragbes, nem absolutamente nenhum “preparo” prévio além do que jé temos: estamos em condigées de tentar filosofar por contra prépria se tivermos a sensibilidade e a vontade de fazé-lo, o que sempre sera uma empreitada 4rdua, um salto nas trevas, como sempre tem sido. O profissional académico certamente contestaré esta minha con- cepgdo da Filosofia. Dir que se trata de uma concepgio “abstrata” da atividade filos6fica que parece surgir do nada, sem histéria nem socie- dade, uma concep¢ao subjetivista ou arbitraria, que torna a Filosofia um acidente gratuito, magico ¢ inexplicdvel. Parece ponto pacifico, entre- tanto, conceder que um filosofar precise de uma base na pratica social na qual 0 filésofo esta inserido, ¢ isto nunca sera aqui negado. A minha tese € que um fil6sofo nao surge automaticamente de uma pritica social ou de um meio social favoravel, nem deixa de surgir num desfavorivel (como 0 menino do filme inglés “Billy Elliot”, que se torna bailarino numa comunidade de minciros). Permitam, por favor, que fale de meu caso particular (lembre-si isto € um Didrio): que eu nascesse num pais (Argentina), numa cidade (Cérdoba) com uma intensa atividade chamada Julio Cabrera 36 ‘as universidades mais antig; vaqwofia endade com ut G25 UF gas da Améticg Filosofia O13), com um bom departamento de Filosofia, ete, ty la em oly “endo. (fundada er mau) fildsofo. O jsso, per se, NAO ME tornou um (bom ou ) - O que me tornoy jss0, per st : eee (bom ou mau) filésofo foi uma experiéncia primordial ¢ a vontade de um : Sica al: foi ai os jicité-la por meio da escrita ¢ da exposigio oral; foi a infelicidade, » explicité-| cas ; . * desamparo, um certo tipo de sensibilidade diante da desonestidade das jesampato, . . pessoas, um grande inconformismo com as maneiras falaciosas com que aspessoas raciocinavam, ete. Claro que, de maneira inevitavel, eu acabei descrevendo estas experiéncias precisamente nos termos que a minha cultura me proporcionara, mas isso € trivial e ninguém iré negé-lo, O fil6sofo poders, inclusive, surgir em opasigdo as praticas vigentes (como eu penso que deverd, em grande medida, acontecer no Brasil, como tentarei mostrar depois). Um certo conjunto de praticas poderd nao possibilitar (ou mesmo impedir) 0 surgimento de fildsofos, € estes poderio surgir reativamente. Mesmo nesses casos, todavia, eles vio dar expressio as suas Filosofias nos termos (mesmo que opositivos ¢ nao confirmadores) que as suas comunidades Ihes fornegam; € por isso que seu ato singular de filosofar nao sera nem “magico” nem “inexplicvel”, mas alguém teré de decidir, as vezes contra a desmoralizagao imposta rela c Pela comunidade (como aconteceu, por exemplo, no caso de Frege), 4# ird filosofar, apesar de tudo e contra tudo. O paradox 0 de u m filosofar que no surge automaticameme amenizado distinguindo a , 0 reflete, pode set Aone Perspect a 5 tiv; ecisfio si Perspectiva da insercao desse fil a da decisio singular de filosofat ¢ ‘ilosofa far num meio e numa época. Nie imayinamos Kierk. gaard dizend, lo aly represente oq © ange 0 como: “CG, a ive do Pont de vista y } como: “Construirei uma obra que noder ximadame nte no . “Karis Cth au ty ‘obrea moralidade” (que € apt” let ; 05 que selaeyre faz dele em Afier Virte)- Sdeuma Bj ‘ilosofia da existéncia”, pois = sociveul turais j tis introduayi, zido: de fora” do ato singulat gio nav en ou si a

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