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Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier Ao TTL DIREITO E JUSTICA [REVISTA DA FACULDADE D8 DIREITO DA’ DADE CATOLICA PORTUGUESA Propriedade: Universidade Catdica Portuguesa Edigao: Faculdase de Drto Fundador oto de Castro Mendes: Antigos Diretores ‘ole de Castro Merce ‘Mario JOio de Almeica Costa ‘ctonio de Sousa Franco ‘Germano Marques da Siva ui Medeiros ‘Maria da Gléria Garcia Redagéo @ Administragao Faculdade de Direto Universidade Cardia Portuguesa Pama de Cma 1849-023 Lsboa Toler: 21.721 4176 Fax: 2172141 77 “Toda a corespondéncia destinada & revista ~ nciuindo pedidos de assinaturs, egimentos © atorapées de enderaco ~ deve ser drigida a FACULDADE DE DIRETTO LUnwersidade Catélica Portuguesa Paina de Cima 4649-025 Lisboa Execugae Grafica, ‘Seriito-Empresa Gréfica, Lda. Trager: 300 ex. Depesito legal n 128771188 ISSN: 0671-0836 IGEN: 978-072-5#-0480-7 Editora LUNIVERSIDADE CATOLICA EDITORA Paima de Cima - 1649-023 Lisboa Tol: 21 72% 4020 Fax: 21721 4029 Loe@ucedtora.ucp pt ~ wre uosdtora.ucp.pt Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier Volume Ill UNIVERSIDADE CATOLICA EDITORA, Lisboo 2015 Acgio de reconhecimento da existéncia de contrato de trabalho Breves reflexées (e algumas perplexidades) PAULA PoNcES CAMANHO* 1. Notas prévias presente estudo nfo pretende analisar, de forma exaustiva, todo 0 regime desta nova acgéo, introdurida no ordenamento juridico portugues pela Lei n° 63/2013, de 27 de Agosto que, além de alterar 0 Cédigo do Proceso do Trabalho’, alterou igualmente algumas regras relativas 20 regime processual aplicivel és contra-ordenagSes laborais ¢ de seguranga social’ Pretende-se, tio-s6, reflectir sobre algumas questées que esta nova acgaio tem colocado, face & forma como o legislador a configurou que, com ‘uma intengo louvvel — 0 combate aos “falsos recibos verdes” —, veio contudo a colocar sérias dividas sobre papel de cada um dos “actores” desta acgo e Tevando mesmo a que, num curto espaco de vigencia, nos deparemos com decisdes completamente contraditérias sobre a interpre- * Assistente da Universidade Catblica Portuguese, Escola de Direito Porto. Advogeda. > Dorevante CPT. As alteap6es consistirum, além do adtamento de um nove capitalo, com as disposipbes aplicdveis a esta acsdo, na alter do art. 26. * Conferindo uma nova competincia da Autoridade para as Condigbes de Trabalho (doravante ACT) ~ art 2° a Lei n® 10712009, de 14 de Setembro ~ e estabelecendo 0 ‘procedimento eadoptarnos casos deutlizagao indevida do contrat de presiasio de sevigos, ‘matéria que se encontearegulada no at. 15°-A da Lain” 107/2009, de 14 de Setembro. 60 PAULA PONCES CAMANHO. tagaio dos preccitos contidos nos artigos 186.°-K e ss. do CPT e até com decisbes que declararam inconstitucionais alguns dos seus preceitos. 2. Inicio do proceso. ‘No caso de um inspector da ACT verificar # existéacia de indicios de uma situagio de prestagio de actividade, aparentemente auténoma, cem condigdes andlogas a0 contrato de trabalho (art. 12.° do Cédigo do Trabalho’) lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situago ou se pronunciar sobre a mesma (niimero 1 do art. 15.%-A da Lei n° 107/2009, de 14 de Setembro). Se o emprogador fizer prova da regularizagao da situagao do trabalha~ dor por uma das formas previstas no n.° 2 deste art. 15.*-A, 0 proceso 6 arquivado. Contudo, se o empregador nao “regularizar” a situagio, mas apresentar resposta escrita ACT, eventualmente acompanhada de meios proba- térios que poderao apontar para a existéncia de um verdadeiro contrato de prestagiio de servigos, ndo obstante se verificarem dois dos ind{cios provistos no art, 12.° do CT, a ACT deveria ter a possibilidade de inves- tigar e, concluindo pela inexisténcia de contrato de trabalho, arquivar 0 proceso. Contudo, parece que tal hipétese nem sequer foi equacionada pelo legislador porquanto, apesar de permitir que o empregador apresente resposta esorita, prevé que, ndo havendo regularizagao da situagio, a ‘ACT remete 0 processo para os servigos do Ministério Pablico da érea do trabelhador, para fins de instauragtio de acgao de reconhecimento a existéncia de contrato de trabalho ~ n.°3 do ari. 152-A. Pode entio, questionar-se sobre a utilidade da resposta escrita do empregador em que este se pode pronunciar sobre a situagao (pode até apresentar prova que infirme a presung0 do art. 12.” do CT) se, qualquer que cla seja, © processo continua. Recebida a participagao da ACT, o Ministério Pablico dispée de 20 dias para intentar acgo de reconhecimento do contrato de trabalho™*, » Doravante CT. « Relativamente& presunglo vd. injba ponto 6. Este praza ¢ de eaducidade, e nao meramente ordenador. * A instauragdo da acgdo de reconkecimento suspense, sé ao trinsito em julgado da ecisto, o procedimente contra-ordenacional (n.°4 doar, 15°-A da Lei n° 10712009, de 14/9), Esta regra, que € comproensivel ~ mas que pode, como veremos, levantarquestbes relativas aos efeitos (eventual caso julgado) da decisio proferida pelo tribunal que apre- fae ‘ACCKO DE RECONHIECIMENTO DA EXISTENCIA DB CONTRATO DS TRABALHO 'BREVES REFLEXOSS (F ALGUMAS PERPLEXIDADES) 67 E desde logo estranho que a lei estabelega que neste momento — rece- bimento da participasio — ocorreo inicio da instincia (art. 26, .° 6, do CPT), Na verdade, nlo se verificou ainda qualquer actividade judicial ou judiciria, ndo h& qualquer relagao processual (que pode, como veremos, znom sequer vir a existir) pois ndo hé partes, n2o ha petigio inicial pelo que é estranho fazer coincidir este momento como inicio da instncia’. ‘Uma questio que a este propésito se pode colocar é se 0 Ministério Piblico tem legitimidade para, mediante os factos que Ihe sto levados pela ACT (acompanhados, se for 0 caso, da resposta e outros meios pro- batérios apresentados pelo empregador), ¢ concluindo pela inexisténcia de contrato de trabalho, ndo intentar a acgdo ou se € obrigado a fazé-lo! Entendemos que 0 Ministério Piblico é livre de exercer a acgao porquanto sé esta posigio ¢ consentinea com o principio da autonomia do Ministério Pablico consagrado no art. 2.° do Estatuto do Ministério cea acyBo de reconhecimento ~ leva a que a ACT tenhs que levantar 2 autos distntos da Lei n 107/2008, de 149, € 0 auto da contra-ordenagio), sendo que se for aplicade coima pela ACT ¢ esta decisdo vier a ser abjecto de recurso pelo “empregadce” podemos ter? teibunaisdistintos a apreciar a mesma questo juridice.. [Na verdade, o tibunal competente para a aoso prevista nos ats. 186.-K ess. do CPT €.0 tribunal da rea de residéncia do “Wabalbador” enquanto o tribunal competente para apreciar © recurso do processo contra-ordenacional 0 da drea da prétca da inffacgto “art 34° do DL 107/2008, de 14 de Setembro, 9 Cf, art,259.%,n 1, do Cidigo do Processo Civil (doravante CPC). Como referem Riva Lono XAviéa, IMS FocHADELA € GONCALO ANDRADE & CASTRO (Elementos de Direito Processual Civil ~ Teorla Geral. Prinelpios. Pressupastos, UCP Eaitora—Porto, 2014, pig, 93), "as atas processuais sd0 pratades pelos sujelios da relagdo Jurkdica rocessual que se estabelece ene cada uma das partes e 0 iibunal. Partes so 0 autor = aquele que propde a argo, 0 que toma a intclaiva de amar (.) —¢ 0 réu (AS artes ficam idenificadas logo na peticdoinicial (cfr. art. 525. "1, a). do CPC”. Ora, tal ago sucede na presemte acgfo porquanto, até este momento, 0 nico interveniente € ‘@ ACT, 0 que 6 contririo & concepedo subjacente as regras de Direito process civil. ‘Quanto & questo de saber qual o destino a dar a tal participagdo va. Viuato Rass «© DIOGO RAVARA, “Reforta do Procesto Civil e do Processo do Trabalho”, in O novo Processo Civil, Caderno IV do CEI, pags. 105 ¢ 106. * ste pareve ser tambéon o entendimento de PEDRO PETRUCCI DE FREITAS, «Da acgto de reconhecimento da existéncia de contreto de trabalho: breves comenticiosy, a ROA, ‘Ano 73, 2013, pig 1429, nota 14. 'No sentida de que © Minisério Pablico ¢ obrigado a fazé-o, vd. sentenga ¢o Tri- ‘bunal da Comarce do Porto ~ Instincia Central ~ Lt Seopao do Trabalko (11) (Proc. B41/14,1TTRPT). 68 PAULA PONCES CAMANHO, Pablico’ (aprovado pela Lei n° 47/86, de 15 de Outubro) e na Consti- tuigdo (art. 219.9)", ‘Na verdade, como jé foi decidido pelos nossos tribunais, 0 artigo 186.-K-sera inconstitucional se interpretado no sentido de obrigar 0 Ministério Publico a intentar a acgao" ‘Acresce que outra solugdo seria considerar que 0 Ministério Publico cstaria vinculado a uma decisio da ACT 0 que setia contra legem, face aos principios e normas supra referidos, bem como a que menciona a independéncia daquole érgio face aos outros poderes da administragao central — art. 2.° do Estatuto do Ministério Publico. ‘© momento em que o Ministério Publico intenta a acgio de reco- nhecimento da existéncia de contrato de trabalho determina, na nossa opinigo, e como veremos infra, a cessagdo da intervengao do Ministério P&blico na presente ac¢o"*. Qu seje, ao MP cabe promover somente 0 ‘impulso processual inicial (rectus, intentar a acgio de reconhecimento da existéncia de contrato de trabalho porquanto o impulso processual, da forma como a acgao esti configurada, até parece ser da ACT por forma do disposto no art. 26.%, n° 6, do CPT). “1 — 0 Ministério Publico gaza de autonomia em relagdo 20s demais érgos do poder conta, regional ¢ loa, 20s termos da presente lei, 2— A antonomia do Minisé- rio Pébiico carscteriza-se pela sua vinculaglo 2 citérios de legalidade e objectividade ¢ pela exclusiva sujeipto dos magistrados do Ministério Pablico as drectivas, ordens © instugdes provistas nesta 1 Neste sentido, veja-se VitiaTo Rats e Diogo Ravata, “Reforma do Processo Civil «¢do Procesto do Trabalho”, in O novo Processo Cwil, Cagerno TV do CEI, pags. 105 € 106. (tip raw cej ms pucefrecusoslebooks/ProcessoCivilCademo_IV_Novo¥420_Pro- ‘ess _Civil 2edicen.pa) "Neate sentido, foi considerado pelo Tribunal da Comarea do Porto ~ Instincia Central — 1* Seegto do Trabalho (J1) (Proc. 841/14.1TTRPT), que “a ACT, entidade administativa, &quem, em bom rigor, determina a propositurade uma accao declarativa (20 Minitério Piblico, retirando-the qualquer autonomla para decir da respectiva viablidade, 0 que viola 0 Bstatuto do Minitério Pablico (at 2.*) ¢ a Constituigao da Repiilica Portuguesa (v. ar. 219.°, n° 2)", coneluindo:se “ao abrigo do artigo 204.° da CRP, decide-e recusar @ aplicaydo das normas constantes dos ats. 26°/1, ai) ¢ 6, 186°K a 186°R do CP Trabalho, introduzidas pela Lei n.° 63/2013 de 27 de Agosio por violagao das prinlplos do Estado de Direito Democrético, da Liberdade, da Iniciativa Privade, da Liberdade de Escolha do Género de Trabalho, da Igualdade, da Autonomia cdo Ministerio Pubico e do Direito a um Processo Equitativo". ® Except nos ceS0s em que assuma 0 patroinio do “trabalhador” nos termos do an. 7 do CPT, como veremos no ponto seguinte. CKO DERECONHECIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DE TRABALIO AREVES REFLEXORS (5 ALOUMAS PERPLEXIDADES) 69 Na verdade, a partir dese momento, 0 Ministério Paiblico no pode intervir por iniciativa propria. Como veremos, os artigos 186°-N ¢ 1869-0 do CPT, que estabelecem as regras da tramitagao subsequente, no prevéem qualquer outra intervengio do Ministerio Publico. 3, Tramitagio Na petigio inicial 0 Ministério Pablico deveré, de forma sucinta, expot 08 furndamentos ¢ juntar todos elementos de prova recolhidos até a momento ~ n° 1 do art. 186°%-L do CPT — sendo o “empregador” citado para cortestar no prazo de 10 dias (n° 2 do mesmo preceito). Nem 4 petigdo nem a contestacdo carecem de forma articulada, devendo ser apresentadas em duplicado (n.° 3 do mesmo preceito)" ‘Caso 0 “empregador” nio apresente contestagio, o juiz profere deci- so condenatéria, a no ser que ocorram, de forma evidente, excepydes dilatérias ou que pedido seja manifestamente improcedento — artigo 1862-M do CPT. © duplicado da petigZo inicial e da contestagio sio rometidos a0 “trabalhador”, simaltancamente com a notificagdo da data de audiéncia (n° 4 do art. 186.°L do CPT). Este pode, no prazo de 10 dias, aderir 208 factos apresentados pelo Ministério Pablico, apresentar articulado ¢ constituir mandatéro. A partir do momento que intervém na lide, 0 Trabalhador passa a ser parte, ficando syjeito as regras em sede de patrocinio judicidrio -art. 40.1, 3), do CPC--, sendo obrigatSria a constituigo de mandatrio nas eausas em que seja sempre admissivel recurso, independentemeate do valor, o que sucede na presente acgdo por forga do disposto no art. 186.%-P do CPT. ‘Tal implica que,nfio constituindo mandatirio, verifica-sea fltade um pres- -suposto processual que impede conhecimento do mérito da cansae queconduz. 4 absolvigio da R¢ da instncia, nos termos do disposto no art. 41.° do crc. E claro que Ministério Pablico pode intervir, nos termos do art. 7.° do CPT, come representante do trabalhador, mas s6 nessa qualidade, ¢ se para tanto for mandatado pelo trabalhador. Caso o “trabalhador” constitua mandatério cessa intervengao do Ministério Pablico ~ artigo 9° do CPT Claro que se “empregador” estiverrepesentado por mandatério nko se apica esta ‘ogra, porquanto acontestago seri enviads cbrigatoriamente através da pataorma cls 0 PAULA PONCES CAMANHO Seo “trabalhador” apresentar articulado, o 0 CPT no prevé a possibi- lidade de o “empregador” apresentar resposta, Contudo, tal possibilidade niio Ihe pode ser vedada, ao abrigo do principio do contraditério, previsto no art. 3.°, .°3, do CPC, aplicével ex vi art. 1°, n.°2, al. a), do CPT". 4, A tentativa de conciliagao ‘Antes da audiéncia de julgamento, que deveré ser marcado no prazo de 30 dias (art. 186°-N, n.° 2) teré lugar a audiéncia de partes, onde o juiz procurard concilié-las (186.0, n° 1, do CPT). Qualquer tentativa de conciliagdo tem como objectivo par termo a0 litigio, mediante uma resolugo amigavel e equitativa. Contudo, esta tentativa de conciliagao tem a paricularidade de poder ocorrer sem que cexista qualquer litigio entre as pares. Basta pensarmos nas situages em ‘que 0 alegado trabalhador, tal como o “empregador”, considera que o vinculo que mantém com o alegado empregador configura um contrato de prestagao de servigos. ‘Nesta audliéncia estio presentes “empregador e o trabalhador", mesmo ue este nfo tenha tido qualquer intervengo processual até ao momento, A lei nio prevé qualquer intervencao do Ministério Pablico nesta fase". Podem colocar-se varias questies a propdsito desta tentativa de con- ciliagao. A primeira tem a ver com os termos em que as partes de podem coneiliar. Na opinio de ViriATO REIS ¢ Dioco RAVARA, “da conciliagtio prevista no art.° 186-0 do CPT, apenas pode resultar um acordo de “estrta legalidade”, a semelhanga do que sucede no proceso emengente de acidente de trabalho, no podendo relevar a eventual manifestagdo de vontade das partes contraria aos indicios de subordinagio juridica e, por isso, & verificagdo da presungao de laboralidade que motivaram a participago dos factos feita ao Ministério Pablico pela ACT e integram ‘a causa de pedir invocada na petizio inicial da ago, ‘Sendo 0s factos de que se dispie na ago até esse momento da trami- tagaio processual os mesmos que a ACT havia apurado, enquanto indicios da subordinagdo juridica, aquanéo da elaboragio do auto previsto no n2 1, do art" 15.”-A, do RPCLSS, a conciliagao a realizar no proceso judicial apenas pode ter como objetivo a “regularizagio da situagdo do "Bm sentido oposto, vd. Peto Prmucci Ds FRETAS, ob. cit, pigs. 1432 © 1433, "© A nfo ser se, nos termes supra anaisados, 0 tabalhador tiver de constituir man- datério © MP actue em representago dequele nos tenos do art. 7.° do CPT. [ACCAO DE RECONHECIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DF TRABALHO ‘BREVES RETLEXOTS (E ALGUMAS PEAPLEXIDADES) a trabalhador” que o empregador podia ter efetuado antes de a participagiio ter sido remetida pela ACT a0 Ministétio Pablico’** ‘No podemos concordar com esta posigo porquanto a mestna m0 cequivale a uma verdadeira conciliagao”. Ou seja, a conciliagao pode ppassar por este reconhecimento, mas nada impede que passe pelo reco- nhecimento, pelo “trabalhador” de que a relagdo juridica que mantém com 0 “empregador” configura um contrato de prestagiio de servicos. Na verdade, nos termos do disposto o art. 52.° do CPT a conciliagao das partes poder traduzir-se numa desisténcia, confissdo ou transaccdo'. AA finalidade da transace20 e 0 seu efeito principal é “por fim a um litigio pendente em tribunal. E assim um “negocio processual” na medida em que modifica ou extingue uma situago processual, sendo expresso da autonomia das partes em processo civil”, [Na verdade, nesta acy, nfo esté em causa, como interesse principal ou preponderante, o interesse ptblico ou da colectividade, mas antes 0 interesse proprio (e, em consequéncia, 0 direito) de uma das partes da relagio juridica beneficiar da tutela proporcionada pela lei & sua situagao, cuja eventual laboratidade decorre do modo como cumpre a prestago a que se obrigou. O interesse piblico em causa é proporcionar um meio adequado ¢ eficiente de tutela juridica a quem dela necesita ¢ a pre- tende, Uma vez iniciada a insténcia, o interesse protegido em cada acco de reconhecimento da existéncia de contrato de trabalho é 0 do sujeito a concreta relagdo juridica em apreciagio. O interesse que a presente acpdo visa acautelar é, apenas, 0 do putativo trabalhador, traduzido na pretenso de que mantém um contrato de trabalho. ‘Trata-se de direitos disponiveis pelo que, desde que nfo haja fraude & lei e as partes manifestem livremente a sua vontade, no se pode retirar as partes o poder de decisto, Neste sentido, como foi doutamente con- siderado pelo Tribunal da Relago de Lisboa (Ac. de 24 de Setembro de 2014, wwrw.dgsi.pt): “Embora, no caso, a “trabalhadora” nao tivesse aderido 20s factos apresentados pelo M.P., nem apresentado articulado proprio ou constituido mandatério, como Ihe ta facultado pelo n° 4 do art. 186°-L, a partir do momento em que foi ouvida em audiéncia de ' 0b, cit, pag. 108. 1 Tratar-so antes de uma confisst. Como presereve o art. $1, n° 2, do CPT, a “tentativa de conclisgdo é presidiga pelo juiz,e destina-se a pér temo ao litigio modiants um acordo equitativ * Rrra Lono Xavier, ints FoutaneL, GONCALO ANORADEE CASTRO, ob. cit, Pi 35 RD PAULA PONCES CAMANHO partes, conforme previsto no n.° 1 do art, 186-0, assumiu, inequivoca- mente a posigdo de parte na acco, mais precisamente de autora, uma vez que ¢ titular da relago material controvertida, tendo por isso interesse directo na demanda, que se exprime pela utilidade que para si derivaria da procedéncia da acgao. Em suma, tem legitimidade activa (cf. at. 30.” do CPC). A propria previsdo legal desta diligéncia — audiéncia de partes, com “empregador” ¢ “trabalhador” - revela que o legislador equaciona acco em causa como visando resolver a duivida que se suscita quanto Aquela concreta relacdo, considerando o “‘trabalhador” como parte, ainda que 0 mesmo nao tenha até endo aderido aos factos apresentados pelo ‘MP. ou sequer apresentado articulado proprio, Assim sendo e tratando-se, como vimos, de um direito disponivel, podia a “trabalhadora” desistir do pedido conforme previsto no art. 283.° do CPC." Outra questo que tem sido colocada frequentemente tem a ver com a intervengo do Ministério Puiblico nesta fase (conciliago). Como se afirmou supra, a intervengdio do Ministério Pablico neste processo cessa ‘com a propositura da ace, nfo sendo legitimo que o Ministério Publico imponha (ou impega) uma solugdo que é a pretendida pelas partes. Desta forma, no nos parece que o Ministério Piblico tenha legitimidade para se opor a uma solugio pretendida pelas partes (v.g., as partes manifes- tarem a sua conciliagdo, declarando que o vinculo juridico que mantém & um contrato de prestago de servigos ou declarem cessar 0 vinculo cexistente, qualificando 0 mesmo como prestagdio de servigos — mediante 0 agamento de uma compensagao ou mesmo sem que este so verifique)*. De todo o modo, mesmo perante a declaragzo de oposizo do Minis- tério Péblico, deverd o Juiz. homologar a conciliagao alcangada entre as partes desde que se verifiquem os requisitos do art. 290., n° 3, do CPC. Veja-se, neste sentido, a sentenga homologatéria de conciliago, proferida pelo Tribunal da Comarca do Porto/Este — Insténcia Central ® Note-se que o que se discutia nos autos era a validade ds homologagHo de uma desisténcia da trabalbadorae nfo de uma conciliago, pelo que es argumentos de que 0 ‘Tribunal da Relaco de Lisboa se socorreasBo, por maiora de rezo,aplcaveis a uma «80 de conclias20 que, ais, ¢objecto de previso legal espectfica no &mbito desta acpho especial ~ art. 186°-0, n° 1, do CPT. 2 Em sentda opasto, ViRITO RES € DOGO RAVARA, ob. ct, pags. 108, afm: “0 Ministério Piblico deverd manifesta a sua oposiedo a um eventucl acordo entre 0 trabathador e o empregadar que passe pela recusa da aceitagdo da exsiénca de uma relagdo de trabalho subordinado e, por sua vez, 0 juz nao podera dar como verifcada 4 legalidade de wm acordo celebrado nesses termos" ACGKO DE RECONHBCIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DE TRABALHO 'DREVES REFLEXOES (= ALGUMAS PERYLEXIDADES) B — 1 Secg80 do Trabalho (Proc. 1082/14.3TTPNF) onde se afirma, a propésito do sentido do art. 186.°-O do CPT, e depois de considerar que 1 intervenga0 do Ministério Publico neste processo se fitz, em primeira Jinha, na defesa do interesse do préprio “trabalhador” a que a acgo diz respeito, relegando para segundo plano o interesse do Estado no combate 1 ulilizagdo indevida do contrato de prestago de servigos em relagbes de natureza laboral, que: “foi intengo do legislador deixar claro para 20 intérprete que o direito em causa ~ de ver jurisdicionalmente definida a qualificagao juridica do contrato —¢ dispon.vel, pois de outro modo no se compreenderia a previsio legal de tal tentativa de conciliagio, sendo certo que 0 que esté em causa neste tipo de acgdo é, apenas ¢ to $6, 0 reconhecimento da existéncia de um contrato de trabalho, configurando assim uma aco de simples apreciagao positiva.”. Na verdade, tal como foi considerado pelo Tribunal da Relagfo de Lisboa (Ac. de 24 de Setembro de 2014), “entre as fungSes que Ihe (ao MP) so conferidas por lei, conta-se, nos termos dos arts. 186,"-K. © 186-L do CPT, a propositura desta nova acco especial de simples apreciagao positiva, denominada de reconhecimento da existéncia de contrato de trabalho, sempre que a ACT the participe factos que indiciem que determinada relago, sob a aparéncia de prestagZo de servigos ou de trabalho auténomo, configura na tealidade uma situagdo andloga a0 contrato de trabalho. Subjacente a tal actuagdo do MP afigura-se-nos estar, antes de mais, © interesse do proprio ‘trabalhador’ a que a acco diz respeito, e s6 num plano secundétio, o interesse da colectividade no combate & precarie- dade no trabalho — que afecta sobretudo, mas niio 86, os jovens, e que, como é sabido, tem reflexos to negativos no todo social, como &, por exemplo o acentuado decréscimo da natalidade, que as estatisticas vém revelando (se bem que haja também outros factores para tal) ‘Apesar de a lei determinar que 0 Ministé:io Pablico intente tal acgo, quando Ihe forem participados os factos perinentes para 0 cfeito, sendo, como é, indiscutivelmente, o contrato de trabalho um contrato de dirvito de privado, cremos no poder negar-se aos outorgantes do contrato cuja ‘qualificago juridica ¢ suscitada em tribunal pelo MP, o dircito de ver, ‘ou niio, essa questo jurisdicionalmente decidida. E, alids, a lei que, ao estabelecer no art. 186.°-0 do CPT que ‘se 0 empregador ¢ 0 trabalha~ dor estiverem presentes ou representados, o juiz.realiza a audiéneia de partes, procurando concilié-los’, deixa clare que o direito em causa ~ de ver jurisdicionalmente definida a qualificaydo juridica do contrato ~ é 74 PAULA TONCES CAMANHO dispontvel, pois, de outro modo, no se compreenderia a previstio legal de tal tentativa de conciliago, sendo certo que o que esta em causa na acgdo € apenas ¢ s6 0 reconhecimento da existéncia de um contrato de trabalho, Nao faria sentido, salvo 0 devido respeito, prever a realizaga0, de uma tentativa de conciliagdo se a tinica conciliago possivel passasse ‘apenas pela confisséo, por parte do empregador, da pretensio formulada ‘nos autos, como vem sustentar o recorrente. A tentativa de conciliago visa, ‘em principio, alcangar uma transaceao, através de cedéncias reciprocas.” Assim, se nos autos ambas as partes do contrato expressaram os seus interesses ¢ estes no sdo antagénicos ou conflituantes — estando assim de acordo quanto & configuragao juridica da relago que mantém -, no se ‘vé que outros interesses possam vir a ser satisfeitos por via de sentenga 4que se limita a declarar a natureza do vinculo contratual estabelecido, Acresce que, em nossa opinido, 0 n.° | do art, 1862-0 do CPT seré ‘inconstitucional quando interpretado no sentido de que as partes nao podem acordar que a relagdo contratual que mantém configura um con- trato de prestagdo de servigos. Na verdade, a possibilidade conferida a terceiro de, sem interesse dos contraentes, nem conflito entre cles, ¢, neste caso, contra a vontade destes, convocar a tutela jurisdicional do Estado para qualificar 0 vinculo que estes mantém, num ordenamento Juridico caracterizado pela liberdade contratual ¢ autonomia da vontade, infringe a protecgiio da confianca fnsita no principio do Estado de Direito democritico. Uma intempretagiio que reconhecesse ao Ministério Pablico 4 autoria desta acgio, remetendo 0 “trabalhador” para um papel mera- mente acessério ou de assisténcia e subordinando # vontade deste a uma posigio prevalecente do Ministério Pablico, designadamente para efeitos de conciliagto a realizar em sede de audiéneia de partes, infringiria a conformagéo constitucional de situagdes juridicas ainda decorrente do Estado de Direito democritico, designadamente a liberdade de escolha do género de trabalho, bem como, noutro plano, a liberdade de iniciativa econémica. Por outro lado, estaria ainda em causa o direito de aco, na medida em que a vontade prevalecente na composigdo de interesses sub- jJacente ao litigio judicial pertenceria a terveiro que nao é parte na relagdo ‘material controvertida, em acgo que se limita a qualificar a natureza desta, Diga-se, finalmente, que poria em causa a liberdade de escolha do género de trabalho porque a prestagdo oferecida a titulo profissional poderia ser reconduzida a um modelo contratual tipico (in casu, 0 con- {rato de trabalho) por efeito de vontade de terceiro, sem consideragio pelos interesses especificos de quem a realiza, nem pelas opgdes destes. 0 RECONTIECAENTO DA EXSTINCIA DE CONTRATODDE TRABALHO neon 'BREVES REFLEXOES (E ALOUMAS PERPLEXIDADES) 5 5, O julgamento Se no houver conciliagHo entre “trabalhador” ¢ “empregador” teré lugar a audiéncia de julgamento. O art. 186.-N, n° 3, do CPT estabelece uma regra especial para esta acco e que consiste no facto de as provas — todos 08 meios probatérios — serem oferecidas na audiéncia, podendo cada parte apresentar até 3 testemunhas. (Caso o “trabalhador” nao tenha apresentado articulado (¢ arrolado testemunhas), as testemunhas serdo as arroladas (c/ou apresentadas) pelo Ministerio Pablico, Contudo, caso 0 “trabalbador” tenha apresentado tes- ‘emunhas, $6 estas serio ouvides, nilo podendo ser ouvidas as arroledas apresentadas pelo Ministério Piblico. Na verdade, constituindo-se como parte, cessa intervengio Ministério Piblico, pelo que este nfl pode oferecer nem produzir prova nos autos. Qualquer entendimento que reconhecesse cssa faculdade ao Ministério Pablico (ao lado das testemunhas arroladas pelo “trabalhador”) violaria o principio da igualdade entre as partes (em todas as suas vertentes, designadamente igualdade de armas) ~ artigo 42 do CPC, que tem consagragio constitucional nos artigos 13.°, n° 2, ¢ 18°, n° 2, da CRP (respectivamente os principios da igualdade ¢ da proporcionalidade). A admitir-se tal solug20, a Ré ver-se-ia confrontada com “dois Autores" com igual posigo perante os autos ¢ com faculdade auténoma de prova. ‘Caso alguma das partes ou mandatérios falte ~ ainda que justificada- mente -, tal nfo constitui motivo de adiamento da audiéncia (art, 186:-O, 18 3, do CPT). Caso o “empregador” e o “‘trabalhadoc” no constituam ‘mandatirio a inquiriglo das testemunkas € efeciuada pelo juiz (art. 186:-O, n2 4, do CPT). Esta norma permite, mais uma vez, concluir pela ces- sago da intervengio do Ministério Pablico com a propositura da acco pporquanto a lei determina que a inquirigao ¢ levada a cabo pelos manda- térios e, na auséneia deste(s), pelo juiz. A sentenca é ditada para a acta ¢ pode reconhecer a existéncia de um contrato de trabalho, sendo que, neste caso, deve fixar a data de inicio da relagio laboral (art. 186.°-O, an’ 8, do CPT), Pode, diversamente, niio recouhecer # existéncia de 2 rege que prosrove ou a sentega& ida par aca rive (¢ prt meat incneqlvel om vine acomplia ds eds cos de no Se obi: Ue js compos doi pela tnpossbidae de ponder equa dh prov, face tnecensaade de poe deio de mt que madinamene. Nese seid, Pwo Pence Fass ob pl 15.

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