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Resolução do caso prático nº3 - fases do Procedimento do Ato Administrativo

1.Introdução ao caso 
 

    Adão e Berta reabilitaram um imóvel, do qual pretendem fazer um hostel. Por terem
fracassado numa experiência anterior, querem que a Administração faça a gestão do
hostel, sendo que Adão e Berta ficariam apenas em posição reativa. Por outras
palavras, pretendiam que fosse a Administração Pública a iniciar o procedimento
administrativo, como ato interno, sem que Adão e Berta tenham que interferir. No
entanto, terão que ter uma posição proativa, pois são eles mesmos, enquanto
particulares interessados, que têm de iniciar o procedimento administrativo, através de
requerimento.
 

2. Resposta às questões, em concreto:


 

2.1. Questão 1)
 

   Como já sabemos, as fases do Procedimento do Ato Administrativo são seis: a fase


inicial; a fase da instrução; a fase da audiência dos interessados; a fase da preparação
da decisão; a fase da decisão; e, por fim, a fase complementar.
   Na presente questão interroga-se o que será necessário na primeira fase do
Procedimento, ou seja, na fase inicial. Visto que Adão e Berta figuram como
particulares interessados, o início do Procedimento tem que ser desencadeado através
de requerimento, apresentado pelos mesmos (conforme o art. 53º CPA). 
   O requerimento (regulado pelo art.102º CPA), deve ser feito por escrito, ou enviado
por correio eletrónico, e deve conter:      
 designação do órgão administrativo a que se dirige;
 identificação do requerente (nome, domicílio, nº do cc e NIF);
 factos em que se baseia o pedido e, se possível, os respectivos fundamentos
de Direito;
 indicação do pedido, de forma clara e precisa;
 data e assinatura do requerente, ou de outrem a seu rogo;
 identificação do domicílio onde pretende receber a notificação;
 e, finalmente, indicar número de fax, telemóvel, ou de caixa postal eletrónica
(art. 63º/nº1 CPA).
   Quanto às formas de apresentação dos requerimentos, estas vêm enunciadas no
art.104º CPA, podendo ser: a) entregue nos serviços, valendo como data de
apresentação a da respetiva entrega; b) remessa por correio, sob registo, valendo
como data de apresentação a da efetivação do registo postal; c) e d) envio através de
telefax ou transmição eletrónica de dados, valendo como data de apresentação a do
termo da expedição. O requerimento deve ser sempre registado assim que
apresentado pelo particular, nos termos do art.105º CPA. O interessado pode ainda
pedir um recibo que vale como comprovativo da entrega do requerimento (art.106º
CPA).
   Caso o requerimento não esteja conforme os requisitos enumerados pelo art.102º
CPA, o serviço receptor deve proferir um despacho de aperfeiçoamento ou de
indeferimento liminar. Nesse caso, os particulares devem rever e suprir as deficiências
dos seus atos, pois compreende-se que, se fosse a Administração Pública a efetuar
essa correção, estaria a dedicar-se à prossecução de um interesse privado, violando o
princípio da prossecução do interesse público, consagrado pelo art.266/nº1 CRP.
   Podem ainda, nesta fase inicial, estabelecer-se medidas provisórias (art.89ºCPA). A
ordenação e/ou alteração de medidas provisórias não carece de audiência prévia, de
ser fundamentada e de fixar prazo para a sua vigência (art.89º/nº2). As formas de
caducidade destas medidas provisórias encontram-se enumeradas pelo art.90º CPA.
 

2.2. Questão 2)
 

   A segunda fase do Procedimento do Ato Administrativo é a fase de instrução,


regulada pelos art.115º a 120º CPA, que se destina à recolha de provas e averiguação
dos factos que se figuram necessários para a tomada da decisão final. Nesta fase
importa considerar o princípio do inquisitório (art.58ºCPA), segundo o qual, o
responsável pela direção do Procedimento deve proceder a quaisquer diligências que
se revelem necessárias e adequadas à preparação da decisão final. Para esse efeito,
podem recorrer-se a todos os meios de prova admitidos pelo Direito (art.115º/nº1
CPA). 
   O responsável pela direção do procedimento será o órgão competente para a
decisão final (art.55º CPA), podendo este ainda delegar a direção do procedimento a
um inferior hierárquico seu (55º/nº2 CPA). A direção da instrução pode também
requerer aos interessados, a prestação de informações, apresentação de documentos,
sujeição a inspeções e requisitar a sua colaboração noutros meios de prova
(art.117º/nº1 CPA), e se estes se recusarem a prestar, sem fundamento legal, a falta
de cumprimento é apreciada para efeitos de prova (117º/nº2).
   Por sua vez, o interessado pode anexar documentos ou requerer diligências de
prova que considere úteis para o esclarecimentos dos factos com interesse para a
decisão final (art. 116º/nº3 CPA), devendo ainda provar os factos que tenham alegado.
   Em matéria de prova, deve assim verificar-se:
 o dever de averiguação dos factos por parte da Administração Pública e a
admissão ampla de meios probatórios (art.115º/nº1 CPA);
 a livre apreciação da prova (art.119º/nº2 CPA);
 o ónus da prova a cargo dos interessados quanto aos factos que aleguem, sem
prejuízo do dever de averiguação a cargo da Administração (116º/nº1 CPA).
   Durante esta fase, o particular que haja iniciado o procedimento pode ainda ser
ouvido. No entanto, essa audiência deve centrar-se na diligência instrutória, já que o
exercício do direito de participação e de defesa está reservado para a terceira fase do
procedimento administrativo, a fase da audiência dos interessados.

2.3. Questão 3)
 

  Adão e Berta, enquanto particulares interessados que deram início ao procedimento


do ato administrativo, podem participar nesta segunda fase por três diferentes razões:
 caso pretendam anexar documentos ou requere diligências de prova úteis para
o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão final (art.116º/nº3 CPA);
 caso sejam notificados pela a Administração para prestarem informações,
apresentarem documentos ou coisas, se sujeitarem a inspeções ou para colaborarem
noutros meios de prova (art.117º/nº1 CPA);
 e, por fim, caso pretendam ser ouvidos em audiência, nesta fase de instrução,
tendo em conta que o tema desta audiência serão apenas as diligências instrutórias
(art.212º Lei 35º/2014);
  Quanto ao carácter de obrigatoriedade, os particulares só terão a necessidade de
prestar à Administração todos os documentos, provas e colaboração que lhes for, por
esta, requisitada. Se, nesta situação, os interessados não prestarem a colaboração
requerida, e se as informações ou documentos requisitados pela Administração sejam
considerados fundamentais para o procedimento, pode o órgão responsável
suspender o procedimento do ato administrativo (art.119º/nº2 e 3 CPA). Para além de
que a falta de cumprimento poderá sempre ser apreciada para efeitos de prova.
 

2.4.Questão 4)
 

   Questiona-se sobre a possibilidade da Administração ignorar a fase da audiência


dos interessados, passando logo para a fase da decisão final. 
   A fase da audiência dos interessados espelha dois princípios de extrema importância
para o CPA: o princípio da colaboração da Administração com os particulares
(art.11º/nº1 CPA); e o princípio da participação (art.12º CPA + art.267º/nº5 CRP).
Estes princípios procuram salvaguardar o direito de defesa dos interessados e a
impedir que a Administração tome, por si só, a decisão final do procedimento. Na falta
desta audiência, o interessado nunca poderia ter a certeza de que o seu pedido havia
sido convenientemente estudado ou de que as suas razões haviam sido devidamente
ponderadas. Deve assim existir a hipótese da participação dos particulares na
formação das decisões que lhes dizem respeito.
   Os interessados devem receber notificação para se pronunciarem sobre todas as
questões com interesse para a decisão final, acompanhada do projeto de decisão e
demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os
aspectos relevantes para a decisão (art.122º/nº2 CPA). 
   Contudo existem situações em que a lei confere a possibilidade de dispensa desta
fase do procedimento, enunciadas pelo art.124º/nº1 CPA:
 a) Caso a decisão seja urgente;
 b) Se os interessados tiverem solicitado o adiamento da audiência oral e, por
facto que lhes seja imputável, não tenha sido possível acordar uma nova data;
 c) Caso seja razoável prever que certa diligência possa comprometer a
utilidade ou execução da decisão;
 d) Se o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a
audiência se torne impraticável, devendo proceder-se a consulta pública;
 e) Caso os interessados já se tenham pronunciado, no procedimento, sobre as
questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
 f) Ou se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão
inteiramente favorável aos interessados.
   Assim sendo, como na presente hipótese a Administração não tem quaisquer
dúvidas em licenciar o hostel, considera-se que pode ser ignorada a fase da audiência
dos interessados, ao abrigo do art.124º/nº1/f) do CPA.                   

2.5. Questão 5)
 

  Esta hipótese pode dividir-se em duas questões:


   A primeira seria se, tendo a Administração Pública ignorado a fase da audiência dos
interessados, podem Adão e Berta exigir ser ouvidos. Caso a Administração tome a
decisão final, sem que seja concedida a audiência aos interessados, estes podem
requerer a anulabilidade do ato final do procedimento, por vício de forma, de acordo
com o art. 163º/nº1 CPA. Por outras palavras, podem requerer a anulabilidade do ato
se considerarem que a excepção alegada não preenche os requisitos necessários
para tal. No entanto, não fará muito sentido neste caso, visto que a decisão tomada
pela Administração é totalmente conforme com os interesses dos particulares.
   Há na doutrina quem defende que não será tanto a anulabilidade mas sim a nulidade
do ato, pois consideram o direito à audiência prévia como um direito fundamental
(art.161º/nº2/d) CPA). No entanto, a jurisprudência parece dar preferência à
anulabilidade, não considerando o direito à audiência prévia como um direito
fundamental.
   A segunda questão seria se, marcada uma data para uma audiência oral, Adão e
Berta não pudessem comparecer, sendo que só teriam disponibilidade para tal, um
mês depois. A verdade é que, de acordo com o art.123º/nº2 CPA, é possível o
adiamento da audiência, caso seja apresentada justificação da falta até ao momento
fixado para a audiência. No entanto, o nº3 do mesmo artigo refere que, verificado o
adiamento, o órgão responsável pela direção do procedimento deve tentar chegar a
um acordo com o interessado sobre a nova data da audiência, que em qualquer caso,
deve realizar-se dentro dos vinte dias seguintes. Desta forma, se Adão e Berta não
poderem comparecer nem à audiência marcada nem remarcá-la mas um dos 20 dias
seguintes, não poderão exigir ser ouvidos pela Administração Pública.
 

Caso Prático nº4 - Resolução


Trazendo à memória as fases do procedimento Administrativo (na divisão proposta
pelo professor Freitas do Amaral, fase inicial, fase da instrução, fase da audiência dos
interessados, fase da preparação da decisão, fase da decisão e fase complementar)
estamos, neste momento, na quinta fase do procedimento, fase da decisão. Esta
representa o grande objectivo, o fim ultimo e principal causa de extinção do
procedimento (pelo art. 93º CPA, aferimos que existem outras, mas esta é a mais
significativa). Nos termos do art. 127º, pode resultar na prática de um acto
administrativo ou na celebração de um contrato.

De todos os princípios gerais da actividade administrativa que o CPA consagra, o mais


relevante para esta fase é o Principio da decisão, previsto no art. 13º. Este institui o
dever de a Administração Pública (AP) se pronunciar sempre que para tanto é
solicitada pelos particulares (este dever não se cinge ao procedimento de iniciativa
particular, mas para o caso concreto em questão, é o que releva). Citando o professor
Freitas do Amaral, estão protegidas pelo dever de decisão “todas as pessoas (públicas
ou privadas) cuja posição jurídica esteja dependente de uma decisão procedimental”.
Este dever de decisão apenas pode ser excluído na situação prevista no nº2 do art.
13º.

A esta fase, a da decisão, aplicam-se os artigos 13º, 93º a 95º e 126º a 134º do
Código do Procedimento Administrativo.

Passando agora à resolução concreta do caso prático:

1. Quando faltam apenas 10 dias para se atingir o prazo da decisão, um violento


terramoto sacode a cidade de Lisboa, arrasando por completo a colina de Santa
Catarina/Chiado. Pode considerar-se o procedimento extinto?
 

Do art. 93º CPA retira-se que o procedimento se extingue com a tomada de decisão
ou outra causa tipificada no código. Contudo, afere-se do nº1 do art. 95º que o
procedimento é declarado extinto se a finalidade ou objecto se tornarem impossíveis
ou inúteis. Sendo o objecto deste procedimento um hostel oitocentista no Chiado, zona
que ficou completamente arrasado por um terramoto, este tornou-se impossível.
Assim, considera-se, de facto, o procedimento extinto, mediante declaração
fundamentada pelo órgão competente para a decisão (neste caso, a Câmara Municipal
de Lisboa).

 
2. Afinal o cenário fatídico não se verificou, tinha sido apenas um pesadelo de
Adão e a vida corre normalmente. Contudo, atingido o prazo para a decisão a
Administração Pública não se pronuncia. Qual a consequência?
 

A contagem de prazos para a decisão da AP está prevista no art. 128º nº1 CPA. O
mesmo diz-nos que os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no
prazo de 90 dias (salvo se outro prazo decorrer da lei). O director do procedimento
pode prorrogar este prazo nos termos da segunda parte do mesmo artigo, 128º, nº1.
Como tal facto não se verificou, o órgão competente para a decisão (CML) está a
incumprir o dever de decisão (art. 13º). Pelo art. 129º, Adão e Berta têm, assim, a
possibilidade de recorrer aos meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados
para corrigir a situação (ausência de decisão).

O incumprimento do dever de informação não origina deferimento tácito uma vez que
o art. 128º não o prevê e este apenas ocorre quando a lei assim determine.

3. Poderia vir a Administração Pública, no final do prazo para a prática do ato de


licenciamento, propor a celebração de um contrato com o mesmo objeto?
Nos termos do previsto no art. 127º, o procedimento pode terminar com a prática de
um acto administrativo ou pela celebração de um contrato. Desde que cumprido o
dever de decisão, a AP  pode propor a celebração de um contrato com o mesmo
objecto, visto ser esta uma das formas de extinção do procedimento previstas no CPA.

4. Carlos vem mais tarde notar que, tendo em conta que o hostel se encontra
numa área que já detém plano de pormenor, não é necessário licenciamento, mas
apenas uma comunicação prévia. O que significa isto, procedimentalmente?
 

Procedimentalmente, quer isto dizer que para Adão e Berta verem produzidos os
efeitos jurídicos do seu interesse (o licenciamento e consequente abertura do hostel)
não precisam de percorrer todas as fases do procedimento e aguardar a tomada de
decisão pelo órgão decisor. Desde que se encontrem preenchidos os pressupostos
legais e regulamentos exigidos pelo “plano de pormenor” referido no enunciado, os
interessados apenas têm de comunicar tal facto ao órgão competente, previamente ao
início da actividade. Aplica-se, nesta situação, o art. 134º.

Caso seja estipulado, por lei, um prazo para a comunicação prévia estamos perante
uma comunicação prévia com prazo. No silêncio da lei, relativamente ao prazo,
estamos perante a figura da mera comunicação prévia. As duas distinguem-se na
medida em que na segunda (mera comunicação) a actividade económica pode ser
iniciada de imediato enquanto que na comunicação com prazo é necessário aguardar
o término do mesmo.

Quanto ao procedimento que até aqui já tinha decorrido, Adão e Berta podem desistir
ou desertar o mesmo, nos termos dos arts. 131º/1 e 132º/1, respectivamente.

5. Adão e Berta reapresentam todos os documentos que Carlos entende


legalmente necessários. A entidade competente para verificar a comunicação nada diz
no prazo de 30 dias. Há deferimento tácito?
 

Quando a lei atribui ao silêncio da Administração um determinado significado/ valor,


estamos perante uma decisão tácita do procedimento, um acto permissivo. Este valor
pode adoptar diversas formas jurídicas, sendo as mais frequentes a licença e a
autorização. É pelo art. 130º/ nº1 que ficamos a saber que só existe deferimento tácito
nos casos expressamente previstos por lei.

Tratando-se de uma comunicação prévia, caso a AP nada diga não viola o dever de
decisão, mas também não se forma deferimento tácito (art. 134º, nº3), pois este último
é revogável (nos termos do art. 167º, nº 2, por estarem sujeitos ao regime dos actos
constitutivos de direitos) ao contrário da comunicação prévia. Esta está apenas sujeita
a medidas de fiscalização e defesa da legalidade à posteriori.

No caso concreto em análise, estamos perante uma situação de comunicação com


prazo. Assim, Adão e Berta podem iniciar a sua actividade económica, não há lugar a
deferimento tácito e a AP apenas pode reagir em sede de fiscalização e defesa da
legalidade.

Resolução do caso prático nº5


Breves considerações:

Autoridade nacional de proteção civil (ministério da administração interna) é um


organismo central de natureza operacional, da administração directa central do
estado. 

Os regulamentos emanados pela autoridade nacional de protecção civil são


regulamentos complementares ou de execução neste caso da lei orgânica da
autoridade nacional de proteção  civil DL 163/2014, e são também regulamentos
gerais pois destinam-se a vigorar em todo o território. 
Relativamente às autarquias locais, estas dispõem de poder regulamentar,
directamente atribuído pelo artigo 241 CRP com vista à prossecução dos interesses
próprios das respectivas populações (artigo 235º/2 CRP). Este poder regulamentar
autónomo permite responder  às especificidades locais e materiais, às quais nem o
legislador nem os regulamentos governamentais conseguem responder, permite
confiar à responsabilidade própria dos grupos sociais a regulação dos assuntos que
lhes dizem respeito e que eles são capazes de avaliar melhor do que ninguém. 
 

A concessão do poder regulamentar a uma autarquia habilita todos os seus


regulamentos, que só têm de invocar a lei que concede o poder regulamentar. Os
poderes regulamentares das autarquias não exigem deste modo uma lei prévia e
individualizadora para cada caso.  

O regulamento da ANPC e o regulamento camarário em causa, são regulamentos de


execução, são regulamentos que que desenvolvem/ aprofundam a disciplina jurídica
constante de uma lei. 

1) No respeitante às catástrofes naturais e a situações análogas caso exista um


conflito, entre o regulamento da ANPC e um regulamento camarário deve prevalecer o
regulamento da ANPC pois estas matérias relativas a situações de
emergência encontram-se nas atribuições da lei orgânica da ANPC ( DL 163/2014),
apenas se aplicaria o regulamento camarário caso o regulamento contivesse normas
especiais sobre o tema em causa- artigo 138/1 CPA. Porém pelo enunciado do caso
prático podemos concluir que neste campo ambos os regulamentos pretendem dizer o
mesmo, o que nos leva a concluir que as questões de conflito entre estes dois
regulamentos se encontram nos "múltiplos aspectos do quotidiano", e estes casos não
estão abrangidos pelas atribuições constantes na lei orgânica da ANPC, pelo que
entendo que a ANPC não poderia regular sobre estas matérias por falta da existência
de uma lei habilitante que atribua poder regulamentar nestas áreas, esta lei habilitante
é um requisito essencial para a existência de poder regulamentar como podemos
retirar da leitura do artigo 136/1 CPA. Considero portanto aplicável aos aspectos do
quotidiano o regulamento camarário, pois as autarquias locais têm o poder de regular
no interesse das respectivas populações conferido pelos artigos 241 CRP e 235/2
CRP.

Assim sendo, o regulamento da ANPC seria considerado inválido ao abrigo do 143/2


c) CPA, cujo regime de invalidade se encontra no artigo 144 CPA.

2) Antes de mais referir a possibilidade de modificação do regulamento pelo órgão


competente segundo o artigo 142/1 CPA. Referir também que o artigo 141/1 CPA
proíbe a atribuição de eficácia retroactiva aos regulamentos.

No caso de Adão e Berta, tendo em conta a proibição da eficácia retroactiva dos


regulamentos administrativos constante no artigo 141 CPA, e o facto de já se ter
procedido à audiência previa (artigo 121 CPA) onde é comunicado o sentido provável
da decisão e desse modo são criadas expectativas a Adão e Berta e devemos ter
sempre em conta o principio da boa-fé constante no artigo 10º CPA em especial o nº2,
entendo que as modificações que o regulamento sofreu, não são aplicáveis pelos dois
motivos que mencionei anteriormente, sendo que o regulamento deve ser aplicado
sem as alterações.

Não existe invalidade do regulamento alterado, existe sim uma ineficácia jurídica
relativamente ao caso concreto.

Caso o órgão local insista na aplicação das alterações do regulamento ao caso de


Adão e Berta, podem estes recorrer às reclamações e recursos administrativos
constante no artigo 147º CPA.

3) Do modo como resolvi o caso quem iria revogar o regulamento seria a ANPC e
deste modo deve ser aplicável o artigo 146 CPA que irei de seguida explicar.

Segundo o artigo 146/1 CPA, os regulamentos podem ser revogados pelos órgãos


competentes para a sua emissão, no presente caso a ANPC pode revogar o seu
regulamento; o nº2 refere que os regulamentos necessários à execução das leis não
podem ser objecto de revogação, sem que a respectiva matéria seja simultaneamente
objecto de nova regulamentação, ou seja, a ANPC não poderia revogar o seu
regulamento sem aprovar outro regulamento da mesma matéria. Porém o que nos é
dito no enunciado do caso é que a ANPC revogou o seu regulamento sem aprovar um
outro regulamento, pelo que tal situação nos leva a aplicar o número 3 do artigo 146º
CPA e que estabelece que se mantêm em vigor até ao início da vigência do novo
regulamento as normas complementares do regulamento revogado de que dependa a
aplicabilidade da lei exequenda, que no caso concreto é o DL 163/2014.

Caso a ANPC não aprove um novo regulamento no prazo de 90 dias (137/1CPA) os


interessados Adão e Berta podem requerer a emissão do regulamento à ANPC nos
termos do artigo 97 e seguintes CPA sem prejuízo de ser ressarcidos dos danos
sofridos 137/2 CPA.

"Invalidade do Ato administrativo"


É o valor negativo, que afecta o ato administrativo, em virtude da sua inaptidão
intrínseca para produzir efeitos jurídicos.

Se o ato não observar requisitos de validade, este ato é inválido, pode ser contestado
perante a própria Administração, e perante os tribunais.

Durante muitos anos, a ilegalidade era considerada a única fonte de invalidade, todo
ato administrativo ilegal era inválido, e vice-versa. Hoje em dia, existem outras fontes
de invalidade, tais como: ilicitude, vícios de vontade, entre outras.

Ilegalidade: quando o ato administrativo é contrario a lei (Constituição, leis ordinárias,


regulamentos).

As formas de ilegalidade dos atos administrativo são conhecidas por Vícios do ato
administrativos. As ilegalidades,  podem ser de natureza orgânica, formal, ou material.

Tipos de Vícios de Ato administrativo:

1. Usurpação de poder
2. Incompetência
3. Vício de forma ou ilegalidade formal
4. Violação de lei
5. Desvio de poder
6. Falta de legitimação do sujeito
 

1.Usurpação de poder: acontece quando 1 órgão administrativo pratica atos de poder


legislativo ou judicial. Ex: Tribunal administrativo revogar a lei X.

Surgiu a partir do momento em que se consagrou o princípio de separação de


poderes, com a Revolução francesa. Proibição do tribunal judicial, julgar questões
administrativas, mas foi necessário proibir administração de se imiscuir de questões
judiciais.

 Divide se em:
Usurpação do poder legislativo: ex: criação de impostos pelo ministro, através de
despacho ministerial ou deliberação camararia.

Usurpação judicial: administração pratica ato pertencente ao tribunal. Ex: Camara


Municipal ordenar demolição de obras feitas num terreno.

 
2. Incompetência: pratica de um ato por um órgão, ato este incluído nas
atribuições ou competências de outro órgão da administração. Ela pode ser:
 Absoluta ou por falta de atribuição: pratica atos fora da atribuição da pessoa
colectiva.
 Relativa: um órgão pratica atos que não lhe compete, mas pertence a
competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva.
 Em razão da matéria: um órgão invade poderes conferidos a outro órgão em
função de natureza dos assuntos ou matérias. Ex: subalterno praticar actos que não
constam na delegação de poderes a si conferida.
 Em razão da hierarquia: quando a invasão de poderes conferidos a outro
órgão em função grau hierárquico. Ex: subalterno invade competência do superior.
 Em razão do lugar: quando a invasão ocorre, tendo em conta o território. Ex.:
a camara municipal de Sintra deliberar sobre matérias competente a Camara de
Cascais.
 Em razão do tempo: um órgão exercer poderes em relação ao passado ou
futuro, a competência tem de ser estabelecido em relação ao presente.
 

3. Vícios de forma ou ilegalidade formal: consiste na preterição de


formalidades essenciais ou carência de forma legal. Existem três modalidades:
 Preterições de formalidades anteriores a pratica do ato. Exemplo: falta de
audiência prévia.
 Preterições de formalidades relativas a pratica do ato. Exemplo: falta de
votação em decisão na assembleia /decisão colegial.
 Carência de forma legal: ex 1 regulamento se não for escrito, não é valido 112º
nº 6 Constituição da República Portuguesa
 

4. Violação de Lei: quando a administração nada decide quando a lei exige uma


decisão, ou decidir coisa diversa da que a lei exige. Deve haver um respeito ao
princípio de legalidade. Tem como modalidades:
 Falta de base legal: não há lei que autoriza pratica de certo ato- falta de
precedência de lei.
 Incerteza ou ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo
 Incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objecto do ato
 Dos pressupostos relativos ao conteúdo do ato
 Ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela administração no
conteúdo do ato
5. Desvio do poder: exercício de poder discricionário, por motivo principal que
não coincida com o fim que a lei visou conferir o poder, há uma discrepância entre o
fim legal e o fim real, ou fim prosseguido pela administração.
Para verificar se existe um desvio de poder, deve se: 1º apurar o fim visado pela lei ao
dar um poder a certo órgão; 2º o motivo principal para a pratica do ato; 3º ver se o
motivo principal condiz com o fim legal: se haver coincidência é válido, caso não haja é
ilegal, por desvio de poder logo é inválido.

 
Modalidades de desvio de poder:

 Desvio por motivo de interesse público: visa alcançar o fim de interesse


público, embora diverso do imposto por lei.
 Desvio de poder por motivo de interesse privado: por motivo de privilégio a
parentes, ou por corrupção.
 

6. Falta de legitimação do sujeito: atuação do titular de um órgão em situação


de impedimento do órgão previstas no 69º nº1 do CPA, normalmente são anuláveis, 
excepto as faltas graves que geram nulidade ( no caso de falta de quórum),
inobservância das regras que disciplinam a constituição, convocação e modo de
funcionamento dos órgãos colegiais, quórum 29ºCPA e maioria exigível para deliberar
30º e 13º CPA.
Cumulação de Vícios:
 Pode existir o caso em que dois ou mais vícios concorrem, no mesmo ato. Os vícios
são cumuláveis, ou o mesmo ato violar várias leis ou formas legais.

Como pode existir um ato que viole a lei, e seja desvio de poder.

Ilicitude: coincide com a ilegalidade, o ato torna se ilícito por ser ilegal.
Existem atos ilícitos, sem ser ilegal: ofensa de direito absoluto do particular (ex:
propriedade), violação do contrato não administrativo, ofensa de bons costumes e
ordem publica, ato que contem a forma de usura.

Formas de ilegalidade: consequências que a lei determina para atos inválidos


administrativos.
1. Nulidade: 161º CPA, é a forma mais grave de invalidade do ato administrativo,
tem carater excepcional, as causas de nulidade são taxativas. O ato nulo é totalmente
ineficaz desde o inicio, não produzem efeito. É insanável por decurso de tempo, ou
ratificação, ou conversão, são invocadas a todo tempo a título principal ou incidental –
vide artigo 164ª CPA.
Os particulares, assim como os funcionários tem direito de resistência a ordens
nulas, ou seja direito de desobediência, e direito de resistência passiva (direito
fundamental).

A todo tempo, e junto de qualquer tribunal, podem ser impugnados atos


administrativos junto de qualquer tribunal, seja administrativo ou não. Existem
domínios em que leis especiais sujeita essa invocação a prazos, nos casos do 69º nº4
do regime jurídico da urbanização e edificação, e pré-contratuais 100º nº1 e 101ª
CPTA, no prazo de 1 mês.

Nulidades por natureza: atos de conteúdo ou objectos impossíveis, atos cuja prática
consiste num crime ou envolvem práticas de crime, e atos que violam direitos
fundamentais. A lei não admite situações de nulidades por natureza, devem ter
previsão legal expressa.

2. Anulabilidade: 163º CPA é considerada menos grave invalidade. São eficazes


até virem a ser anulados, tem uma presunção de legalidade dos atos administrativos.
Os efeitos produzem se a títulos precários, e podem ser destruídos desde o início-
efeito retroativo.
É sanável por decurso de tempo, por ratificação, conversão, ou reforma. Os atos nulos
só são objectos de reforma ou conversão.

Até  não forem anulados, são obrigatórios para os funcionários, e para os particulares,
e não se podem opor a resistência, tem um prazo curto para serem impugnados, de
acordo com os números 2 e 4 do artigo 163º CPA, e podem ser impugnados por
qualquer interessado, que retira vantagens dessa anulação. E o pedido é feito ao
tribunal administrativo, ou a própria administração.

De acordo com o artigo 58ºnº2 do CPTA, deixam de poder ser impugnados fim de 1
ano.

De acordo com 163º nº5 do CPA conjugado com 71º numero 2 do CPTA, quando se
verificam algumas destas circunstancias, automaticamente afasta ex lege a
possibilidade de anulação do ato administrativo, vinculam o juiz, o Ministério Público, e
a própria administração.

Revogação e Anulação Administrativa


1. Introdução
Os efeitos jurídicos do ato administrativo podem ser extintos ou modificados de
diversas maneiras.

Em certos casos os efeitos cessam imediatamente com a prática do ato: atos de


execução instantânea, p. ex., ordem policial que manda avançar ou parar o trânsito,
num cruzamento; noutros casos, os efeitos administrativos perduram no tempo,
extinguindo-se com o passar deste: atos de ação continuada, p. ex., concessão de
utilização privativa de um bem de domínio público ou a autorização dada pela
Administração para a prática de um horário de laboração contínua numa empresa
fabril; a certos atos aplica-se  um termo final ou condição resolutiva que, atingido o
termo ou verificada a condição, cessam os seus efeitos, p. ex., concessão de uma
bolsa de estudo durante um ano letivo. Para além destes casos, existe ainda a
situação em que um órgão administrativo pratica atos expressamente destinados a
extinguir os efeitos de um ato anterior – tanto cessando-os para o futuro, quanto
destruindo-os desde o momento da prática do ato – é neste caso que nos
encontramos perante as figuras da revogação e da anulação administrativa.

O novo CPA vem concretizar e aprofundar a distinção entre a revogação propriamente


dita e a revogação anulatória, passando esta a ser designada por “anulação
administrativa” (artigo 165º). As alterações introduzidas são, essencialmente
inspiradas pela lei alemã do procedimento. No CPA de 1991 os artigos 140º e 141º
delineavam o regime da revogação, baseado na distinção entre atos válidos e
inválidos.

2. Revogação e Anulação Administrativa

Regime legal: 166º a 172º CPA

REVOGAÇÃO: (165º/1 CPA) é o ato que decide extinguir, por razões de mérito,


conveniência ou oportunidade, no todo ou em parte, os efeitos de um ato
administrativo anterior. Neste caso, o autor do ato revogatório exerce uma
competência dispositiva idêntica à que está na origem do ato revogado,
desenvolvendo uma função de administração ativa, com um sentido negativo,
eliminando a disciplina do ato revogado, sem no entanto introduzir uma nova.
 Fim prosseguido: melhor prossecução do interesse público atual, adequando a
situação existente a novas exigências, sendo que a prática de atos revogatórios com
vista à prossecução de outros fins, padece de desvio de poder. Outro fim previsto é a
defesa da legalidade.
 Fundamento: uma inconveniência fundada numa valoração administrativa
(juízo de mérito), à luz do interesse público, sobre os efeitos atuais ou futuros de um
ato anterior, sem qualquer avaliação da legalidade do ato. Admite-se também a
imposição da revogação como uma sanção administrativa, isto é, uma revogação
sancionatória de incumprimento de cláusulas, deveres ou obrigações que um ato
primário tenha imposto a um particular.
 Efeitos jurídicos: (171º/1, 1ª parte) - por regra, apenas produz efeitos para o
futuro, é a chamada revogação ab-rogatória (típica da revogação) ou ex nunc (“desde
agora”), todavia mas o autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe eficácia
retroativa, quando favorável aos interessados ou quando haja concordância expressa
dos mesmos e não estejam em causa direitos ou interesses indisponíveis.
Efeitos jurídicos da revogação sancionatória: considera-se como princípio geral de
Direito o de as sanções jurídicas em geral não terem efeitos retroativos, o que significa
que este tipo de revogação apenas produzirá efeitos para o futuro – salvo se a lei
dispuser de modo diferente.

ANULAÇÃO: (165º/2 CPA) é o ato administrativo que, fundado na invalidade de um


ato anterior, se destina a destruir os seus efeitos. Aqui, o autor da anulação já exerce
um poder de controlo, em vista da reposição da legalidade. 

 Fim prosseguido: a reintegração da legalidade violada, eliminando um ato


anulável da ordem jurídica.
 Fundamento: invalidade que se pretende suprimir, reintegrando a ordem
jurídica violada.
 Efeitos jurídicos: (171º/3, 1ª parte) – salvo disposição em especial, reporta a
sua eficácia ao momento da prática do ato anulado, destruindo todos os efeitos já
produzidos no passado. Esta é a chamada anulação com eficácia retroativa (típica da
anulação) ou ex tunc (“desde então”). No entanto, o autor da anulação pode, na
própria decisão, atribuir-lhe mera eficácia para o futuro, quando o ato se tenha tornado
inimpugnável por via jurisdicional (171º/3 CPA). Tudo se passa como se o ato nunca
tivesse existido.
 Consequências: a anulação constitui a Administração no dever de reconstituir a
situação que existiria caso o ato anulável não tivesse sido praticado, bem como de dar
cumprimento aos deveres que não tenha cumprido na sequência daquele ato (172º/1
CPA). Assim, a Administração terá poder para praticar atos dotados de eficácia
retroativa, desde que não estejam envolvidas imposições prejudiciais aos destinatários
do ato (172º/2 CPA).
Analisando as particularidades de cada uma destas figuras, percebe-se que uma
anulação administrativa tem caráter mais duro e agravado, precisamente por interferir
tanto com o futuro, quanto com o passado, o que claramente abala a confiança do
público na Administração, bem como afeta o princípio da segurança jurídica.

A eficácia ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo competente


tenha resolvido que um determinado ato anterior se tornou inconveniente ao interesse
público; já a eficácia retroativa está reservada, por lei, para os casos de anulação
administrativa respeitante a atos inválidos. Excecionalmente, a retroatividade pode ser
utilizada para casos de inconveniência do ato, ao invés da invalidade. Isto acontece
nos casos em que não tenha sido afetada a confiança pública na Administração, esses
casos estão previstos na 2ª parte do nº1, do artigo 171º CPA – concordância expressa
dos interessados ou a não afetação dos direitos ou interesses indisponíveis.
Esta diferença de regimes entende-se no sentido de se proteger e não ameaçar os
legítimos interesses e expectativas fundadas dos particulares.

O efeito geral da extinção do ato anterior por uma destas vias, é o do desaparecimento
dos respetivos efeitos jurídicos, sendo por isso, a revogação e a anulação integradas
na categoria de atos secundários ou atos sobre atos, pois os seus efeitos não fazem
sentido algum sem a existência de um “pré-ato”.

 Conteúdo do ato de revogação ou de anulação: decisão da extinção dos efeitos


jurídicos produzidos pelo ato revogado.
 Objeto: o ato revogado ou anulado.
A anulação administrativa e a revogação são, elas mesmas, atos administrativos (165º
CPA), sendo-lhes aplicável o regime jurídico dos atos administrativos.

3. Tipos

Existem dois critérios principais de distinção da espécie de revogação e de anulação


administrativa, sendo estes o da:

1. Iniciativa – repartido em dois tipos: i) espontâneas – que são denominadas


revogação oficiosa e anulação oficiosa – pois são praticadas pelo órgão competente
independentemente da solicitação de qualquer interessado; ii) provocadas – são
fundamentadas num requerimento do interessado (reclamação ou recurso
administrativo – 169º/1 CPA); e o do:
2. Autor – efectuado por um de dois sujeitos: i) próprio autor do ato revogado ou
anulado – no caso a revogação assume a designação de retratação; ii) órgão
administrativo diferente – onde o ato anulatório ou revogatório é praticado pelo a)
superior hierárquico do autor do ato anulado ou revogado em relação a atos de um
subalterne (não se tratando de um ato de exclusividade do subalterne, no caso da
revogação), ou b) pelo delegante ou subdelegado, respetivamente, ou ainda c) pelos
órgãos com poderes de superintendência ou tutela administrativa, em relação a atos
praticados por órgãos sujeitos a tais poderes (169º/2 a 5 CPA).
4. Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa

Existem atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa porque, por um


lado faltam os efeitos a extinguir ou a destruir, por outro lado, simplesmente porque a
lei não o admite. Estes atos podem ser três:

1. Atos nulos (166º/1, alínea a) CPA) – pois estes não estão, por natureza, aptos
a produzir efeitos jurídicos;
2. Atos cujos efeitos já tenham sido destruídos  (166º/1, alíneas b) e c)) – nesta
situação não há lugar a atos de anulação contenciosa nem de revogação com eficácia
retroativa;
3. Atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem todos produzidos ou
esgotados (166º/2 CPA) – nos atos com esta característica não pode haver revogação
para o futuro, visto que já não se encontram a produzir efeitos, podem porém ser
objeto de anulação e de revogação com eficácia retroativa, pois o que se pretende
aqui é eliminar os efeitos já produzidos pelo ato e que ainda perdurem na ordem
jurídica.
 5. Condicionalismos aplicáveis à revogação

Os condicionalismos referentes à revogação estão previstos no artigo 167º CPA. Esta


norma não estabelece um regime único de revogação idêntico para todos os atos
administrativos. A lei parece distinguir entre:

1. atos livremente revogáveis (proémio do nº1);


2. atos de revogação proibida (alíneas a) e c) do nº1);
3. atos de revogação condicionada (alínea b) do nº1 e nº2).
 

1. A regra geral extrai-se do nº1 do artigo 165º CPA, em articulação com as


regras em matéria de iniciativa e competência do artigo 169º CPA: os atos
administrativos, por norma, são livremente revogáveis, revogação essa que, não se
fundando em ilegalidade mas em inconveniência, produz em princípio os efeitos
apenas para o futuro (171º/1, 1ª parte). Esta regra subordina a Administração ao
princípio constitucional da prossecução do interesse público. Apesar desta regra,
ainda assim, o princípio da legalidade pode condicionar a livre revogabilidade do ato –
se não se revogou uma ordem dirigida a A, também não se revogará a B, poderá
contudo revogar-se simultâneamente as duas ordens.
2. Existem situações em que o órgão Administrativo é sujeito à proibição de
revogação, casos previstos no artigo 166º CPA, em que não sendo acatada a
proibição, o ato revogatório padecerá de ilegalidade do seu conteúdo. Neste domínio
são essencialmente duas situações a destacar:
1. Não devem ser revogados atos que tenham sido praticados no
exercício de poderes vinculados ou em estrita obediência a uma imposição legal
(167º/1, 1ª parte CPA), sob pena de revogação ilegal;
2. Não podem ser revogados atos administrativos válidos de que resultem
obrigações legais ou direitos irrenunciáveis (167º/1, 2ª parte CPA), também sob pena
de prática de uma revogação ilegal.
3. São também de revogação condicionada os atos constitutivos de direitos
(direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos - 167º/3 CPA). Embora exista
a possibilidade de revogação deste tipo de atos, por respeito do princípio geral da
segurança jurídica e da proteção da confiança, só são revogáveis verificadas
determinadas situações (167º/2 CPA):
1. Quando desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários (alínea a));
2. Quando haja uma concordância geral dos interessados sobre a
revogação do ato (alínea b));
3. Existindo uma reserva de revogação (alínea d) e 149º/1 CPA), em caso
desta, o destinatário sabe à partida que a vantagem atribuída tem um caráter precário.
Tal cláusula tem como finalidade evitar a formação de expectativas que a
Administração não tenciona realizar;
4. Perante situações de garantia de prevalência do interesse público –
aqui até se pode gerar uma certa confiança legítima, porém ponderadas as vantagens
para o interesse público e os inconvenientes para os interesses privados, o primeiro
deve prevalecer;
5. Quando haja fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos
e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais,
num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados (alínea c)).
Os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos
do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício, mas quando a
afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine ou restrinja o conteúdo
essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem direito a uma
indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do
direito que tiver sido restringida (167.º/4, 5 e 6 CPA).

 
 6. Condicionalismos aplicáveis à anulação

Os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa vêm previstos no artigo 168º


CPA, e consistem, essencialmente nos prazos, cabendo aqui uma distinção entre os
vários tipos de atos administrativos. Assim sendo:

1. Generalidade de atos administrativos, ou seja, atos não constitutivos de


direitos: 168º/1 CPA – neste caso, os atos podem ser objeto de anulação
administrativa no prazo de seis meses, tendo que ser determinado o momento em que
a Administração toma conhecimento da ilegalidade do ato e da respetiva causa, desde
que o ato anulável não tenha sido praticado há mais de cinco anos;
2. Atos constitutivos de direitos:
1. Prazo geral – um ano a contar da data da respetiva emissão (168º/2
CPA);
2. Prazo especial – salvo a lei ou o Direito da União Europeia
prescreverem prazos diferentes, a anulação administrativa deve ser feita no prazo de
cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias
(168º/4 CPA):
1. Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício
fraudulento com vista à obtenção da sua prática;
2. Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos
relativos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada;
 Quando se trate de atos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da
lei aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um
ano, com imposição de restituição das quantias indevidamente recebidas.
O nº6 do artigo 168º contém prevista a tutela da confiança legítima dos beneficiários,
atribuindo a estes o direito de serem indemnizados por danos anormais que sofram
em consequência da anulação, sempre que esteja em causa o desconhecimento sem
culpa da invalidade e tenham auferido da posição de vantagem atribuído pelo ato.

7. Competências para a revogação e para a anulação administrativa e seus


fundamentos

Esta matéria tem previsão legal no artigo 169º CPA:

1. O Autor do ato (nº2 e 3) – quanto à revogação, o autor tem habilidade legal para
decidir, conforme entenda melhor, em relação ao caso em concreto; quanto à
anulação, este tem o poder de autocontrolo da legalidade associado ao exercício da
competência, isto é, quem pratica o ato administrativo, está obrigado a controlar a
legalidade do seu exercício.
Coloca-se aqui a questão de saber quem tem competência revogatória ou anulatória
em casos de prática do ato por órgão incompetente: (nº6) os atos administrativos
praticados por órgão incompetente podem ser objeto de anulação administrativa
praticados pelo órgão competente para a sua prática; porém não podem ser por este
revogados, pois o dever de anular atos ilegais não inclui o poder de os revogar por
motivos de mérito.

2. O Superior hierárquico (nº1 do artigo 169º e 197º/1 CPA) - seguido ao autor do ato,


é competente para a sua anulação ou revogação, o superior hierárquico, que apenas
fica impedido de o exercer em situações de atos de competência exclusiva do
subalterne. Tal pode resultar da avocação do próprio superior hierárquico ou da
interposição de recurso hierárquico por parte do interessado;
3. O delegante ou subdelegante (nº4) – relativamente aos atos praticados pelo
delegado ou pelo subdelegado, no âmbito dos poderes cujo exercício lhes foi
transferido. No caso, ao existir uma delegação de poderes, a relação hierárquica como
que “paralisa” e, o subalterne passa a poder atuar no lugar do superior delegante –
“quem pode o mais pode o menos”. Naturalmente, o delegado não pode, no exercício
dos poderes que são objeto da delegação, revogar ou anular atos praticados pelo
delegante na mesma matéria em momento posterior à delegação.
4. O órgão com poderes de superintendência ou tutela (nº5) – em princípio, este órgão
não possui poderes de revogação ou anulação, tal só acontecerá, a título excecional,
caso seja expressamente prevista essa competência no elenco dos poderes de
superintendência ou tutela administrativa.
 

8.Obrigatoriedade da anulação dos atos administrativos

Discute-se na doutrina se existe um dever jurídico de anulação administrativa ou se


este é um poder discricionário, meramente facultativo.

Durante muitos anos defendeu-se a não existência desse dever de revogar. Contudo,
hoje em dia inclina-se mais para a situação de obrigatoriedade, sendo este um poder
vinculado.

 Primeiramente, por força do princípio da legalidade ou por um dever de justiça,


a Administração tem o dever de anular os atos que considere ilegais, atos estes
apreciados em sede de reclamação, de recurso hierárquico e recurso hierárquico
impróprio ou de recurso tutelar. Isto porque, nas situações referidas, entra em jogo um
direito constitucional do interessado de obter uma decisão justa (52º/1 CRP).
 Seguidamente, nos casos em que a Administração se apercebe, por si mesma
ou por denúncia de alguém, de que praticou um ato ilegal, esta tem o dever “ex officio”
de o anular.
 Também, a própria lei consagra um dever de anulação administrativa em
determinados casos (168º/7).
 Por fim, em situação de existência de fundamento legal para a prática de
revogação sancionatória, deve considerar-se sempre obrigatória, pois dar o direito à
Administração de não aplicar sanções, com o propósito de se fazer cumprir as normas
jurídicas, equivale a permitir ao Poder Executivo incumprir as normas emanadas do
Poder Legislativo. Bem como, nos casos de prática de um ato administrativo favorável
a um certo particular, com imposição de encargos para o seu destinatário, significa
que a vantagem conferida realiza o interesse público apenas se o particular
beneficiário cumprir os deveres que o ato administrativo lhe impõe. Tudo isto, para se
evitar que se criem situações de desvio do poder superveniente, ou mesmo um crime
de corrupção.
 

9.Natureza jurídica da revogação e da anulação administrativa

Há certos autores que consideram que a revogação ou a anulação administrativa são


essencialmente atos de natureza negativa ou destrutiva – através deles, o órgão
administrativo extingue os efeitos de um ato anterior, eliminando da ordem jurídica
uma determinada decisão. Apenas um órgão com competência dispositiva poderá
acrescentar à revogação ou à anulação uma nova decisão sobre o mesmo caso
concreto (173º e 172º/1 e 2 CPA), porém, esta já será uma nova configuração de um
ato administrativo, diferente da revogação ou anulação administrativa sendo, por isso,
um novo ato.
Outros autores entendem os dois atos como de natureza positiva ou construtiva,
através dos quais se substitui certa decisão por outro, ao contrário da primeira teoria
enunciada. Esta corrente atribui o efeito repristinatório à revogação ou à anulação,
fundamentando com a previsão legal do nº4 do artigo 171º CPA.

Simulação de Julgamento
Interposição de Garantia Administrativa- Decisão da Administração
 

Introdução
                A Constituição da República Portuguesa, no seu título IX, dedicado à
Administração Pública, visa como principal função desta a prossecução do interesse
público, com respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, com dever de
obediência à lei, bem como aos princípios basilares do Estado, tais como a igualdade,
a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e a boa-fé.

                Neste sentido, foram criados, pela ordem jurídica, diversos meios capazes
de tutelar os interesses legítimos dos particulares ou as ofensas dos direitos
subjetivos, assim como as violações do direito objetivo ou o demérito da ação
administrativa, evitando ou sancionando as condutas da Administração Pública. 

                Estes meios são designados por garantias, havendo essencialmente três
tipos: as garantias políticas, as garantias administrativas e as garantias contenciosas.

                A consagração dos direitos e garantias dos administrados vem


expressamente prevista nos nºs 4 e 5, do artigo 268º da Constituição.

Garantias Políticas
                As garantias políticas são efetivadas através dos órgãos políticos do Estado,
sendo por isso mais garantias do ordenamento constitucional do que propriamente
garantias dos cidadãos. As mesmas repartem-se em duas vias – o direito de
resistência, consagrado no artigo 21º CRP e, o direito de petição, quando exercido
perante um órgão da soberania, previsto no artigo 52º CRP.

DIREITO DE RESISTÊNCIA

                Por este direto entende-se a faculdade de se opor a qualquer ordem que
ofenda os direitos, liberdades e garantias e de repelir por força qualquer agressão, em
situação de impossibilidade de recurso à autoridade pública. Este tipo de garantia
tanto serve para se reagir contra atuações dos privados, quanto contra atos da
autoridade pública.

DIREITO DE PETIÇÃO

                O direito de petição permite aos cidadãos, individual ou coletivamente,


apresentar contestações acerca de problemas de interesse geral, de modo a evocar a
atenção dos órgãos de soberania ou entidades públicas, a respeito de atos ou
situações, ilegais ou injustas. Quer isto dizer que, o direito em questão, não comporta
tanto um caráter impugnatório, quanto reivindicativo.

                Este direito não se destina a ser exercido perante os tribunais, contudo pode
ser praticado por qualquer pessoa residente em território português, além de que não
se encontra sujeito a processos ou formalidades específicas.
 

Análise do Caso em concreto


                O direito de ação popular é reconhecido, pela Constituição da República
Portuguesa, como um direito fundamental de participação e intervenção política dos
cidadãos. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos
interesses em causa, nos casos e termos previstos na lei (artigo 52º/3 CRP). O direito
de ação popular é um corolário do princípio democrático e da democracia participativa
(2º CRP), na medida em que permite a participação política e a intervenção
democrática dos cidadãos na vida política, para fiscalizar a legalidade e defender os
interesses da coletividade. Este direito vem também definido na Lei nº 83/95, de 31 de
agosto, sobre o Direito de Participação procedimental de Ação Popular (LAP).

                A ação praticada pelo grupo de moradores de Listejo, nomeadamente a


retirada dos parquímetros, instalados pela empresa municipal EMULTA, por via do uso
da “força de braços”, poderia ser vista como uma ação popular, com fundamento nos
propósitos elencados pelos particulares e que, por sua vez, estão previstos no nº 2 do
1º artigo, da Lei nº 83/95, de 31 de agosto, bem como na alínea b) do nº 3, do artigo
52º CRP, que tratam da ação popular como fim de proteção da qualidade de vida e do
domínio público e, da defesa dos bens do Estado e das autarquias locais. No entanto,
nem a LAP nem a CRP preveem como pressuposto da ação popular o uso da força,
sendo antes este um requisito da ação direta, previsto no artigo 336º, nº1 do Código
Civil. Ainda assim, o uso da força é permitido apenas nas situações em que não seja
possível, em tempo útil, o recurso aos meios coercivos normais, não devendo, em
caso de tal, exceder o que for necessário para evitar o prejuízo, nem sacrificar
interesses superiores àqueles que se pretendem assegurar.

                Neste sentido, entende-se não preenchido o pressuposto da impossibilidade


de recurso às autoridades públicas, visto existirem outros meios, que não a força, para
se prosseguir os fins desejados, nomeadamente o recurso a outras garantias
administrativas, tais como o direito de petição (52º CRP), entre outras, a serem
tratadas mais adiante.

                Parece-nos assim que, a denominada “ação popular” aqui apreciada, é de


caráter abusivo, precisamente por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim
social e económico do direito em questão, nos termos do artigo 334º CC. Sendo,
portanto, o direito à ação popular, neste caso em concreto, ilegítimo.

                Por último, colocando a situação hipotética de se ter praticado o direito de


resistência, equiparemos esta situação a um outro exemplo. Tomemos para tal a
demolição de um lar de idosos ou de uma escola no decorrer do ano letivo. Em
qualquer uma destas posições, os particulares têm todo o direito de praticar a
resistência, de modo a impedir a causa de danos e prejuízos maiores para os
utilizadores daqueles estabelecimentos públicos, sendo estes a falta de outros
estabelecimentos onde os idosos possam habitar, ou onde os alunos possam
continuar a frequência das aulas e dos estudos devidos, visto que o direito de
resistência tem como ultima ratio a proteção dos direitos e garantias dos particulares
em momento útil, urgente e quando a restituição dos direitos tenha um determinado
grau de complexidade. Já a retirada de parquímetros com o uso da “força de braços”,
sem que antes se tenha tentado uma via mais pacífica, parece dar lugar à prática de
atos de vandalismo, pois a existência de tais instrumentos não traz um prejuízo
excessivamente gravoso para os particulares, até ao momento da resolução do
conflito e da tomada de uma decisão devidamente adequada aos seus interesses.
Pelo que estes possuem meios, bem como o tempo necessário, para a resolução
deste tipo de litígios.
                Assim, consideramos não haver cabimento ao direito de resistência no
presente caso.

Garantias Petitórias
                As garantias petitórias dividem-se em cinco espécies: no direito de petição,
no direito de representação, no direito de queixa, no de denúncia e, por fim, no direito
de oposição administrativa. Todas estas modalidades assentam na existência de um
pedido dirigido à Administração, de modo a que esta considere o ponto de vista do
particular, devidamente fundamentado. No entanto, iremos apenas tecer algumas
considerações relativas às garantias que mais se enquadram ao caso.

                Em primeiro lugar, o direito de petição está relacionado com a faculdade de


dirigir pedidos à Administração Pública para que esta tome certas decisões, preste
informações ou permita o acesso aos seus arquivos e a processos pendentes.

                Contudo, a petição não tem cariz impugnatório. Deste modo, não se trata de
atacar uma decisão já tomada, pelo contrário, pressupõe-se a falta de uma certa
decisão ou ainda que é necessário consultar algo que apenas a Administração pode
facultar.

                Este direito materializa-se, por exemplo, no direito de reagir contra a


omissão ilegal dos atos administrativos, solicitando-se a emissão do ato pretendido,
nos termos do artigo 184.º, nº1, alínea b) do CPA. Ora, no nosso caso prático,
considerámos que existe uma omissão no tocante à requalificação do centro histórico
e à construção de parques de estacionamento para a zona em questão, uma vez que
estes compromissos nunca foram efetivamente cumpridos pela Câmara Municipal. Por
conseguinte, os interessados, neste caso os moradores de Carnitas, têm o direito de
reagir contra esse ato omisso, de modo a que se proceda à emissão dos dois atos em
questão.

                Em segundo lugar, o direito de queixa traduz-se na faculdade de promover a


abertura de um processo que resultará na aplicação de uma sanção a uma entidade
pública. Esta é uma figura um pouco diferente das restantes: não é petitória em
sentido estrito, dado que quem exerce este direito não faz apenas um pedido genérico,
mas também não é impugnatória. No fundo, o direito de queixa desencadeia, sim, um
verdadeiro poder sancionatório a que um funcionário público está submetido. Em
síntese, nestes casos, o particular queixa-se do comportamento de uma entidade
pública e não de um ato, sendo que uma sanção futura poderá              ser-lhe
aplicada.

Prevalecendo-se do direito de queixa, os moradores de Carnitas podem queixar-se da


conduta do casal Filião, com fundamento na violação do princípio da imparcialidade,
que iremos agora abordar.

                Como a defesa alegou, a nomeação do Presidente do Conselho de


Administração da EMULTA compete ao município de Listejo, nos termos dos artigos
8º/1 e 11º/1 dos Estatutos da EMEL, aplicados analogicamente à EMULTA. De facto,
não houve aqui uma nomeação ilícita de Penélope para o cargo. Todavia, essa não é
a questão fulcral. A questão fulcral é a de que, como é evidente, existe uma relação
muito estreita e íntima entre a EMULTA e o Município de Listejo, que deve ser
assegurada por um critério de imparcialidade. Veja-se também a este propósito o
artigo 12.º do mesmo diploma, que prevê analogicamente que os contratos de gestão
da EMULTA devem refletir as orientações estratégicas definidas pela Câmara
Municipal, que mais uma vez comprova a existência dessa relação. Portanto, não
existe aqui qualquer margem para atuações parciais.
                Como vimos, logo após Francisco Filião ter criticado a atuação da
população, assim como o comportamento do autarca, Penélope ordena a recolocação
dos parquímetros, agindo imediatamente no interesse do seu cônjuge, sem ter ouvido
os outros interesses em jogo. Assim, decidimos que houve uma violação do princípio
da imparcialidade, que decorre do artigo 266.º, nº 2 da CRP e do artigo 9.º do CPA.
Deste modo, há um impedimento, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea b). Este artigo
prevê situações em que as entidades públicas não podem intervir em procedimento
administrativo, em ato ou contrato público ou privado da Administração Pública, se
nele tiver interesse o seu cônjuge, dado que seria de esperar uma conduta parcial
nestas circunstâncias. Como consequência, nos termos do artigo 76º, nº 1 do CPA, o
ato de recolocação dos parquímetros é anulável nos termos gerais.

                Por último, existe, ainda, a figura da oposição administrativa. Esta


modalidade das garantias petitórias representa a possibilidade de, no âmbito de certos
procedimentos administrativos, os contra-interessados poderem combater os pedidos
formulados por outra pessoa à Administração e, para além disto, contestar as
iniciativas da Administração divulgadas ao público.

                Por exemplo, imagine-se que a Administração divulga um certo projeto de


interesse público, como a construção de uma estrada ou barragem, de forma a permitir
uma margem de oposição a certas pessoas singulares ou coletivas. Essas pessoas
poderiam ser os moradores da área sobre a qual incidiria o projeto da Administração,
por exemplo. Assim, a lei atribui-lhes o direito de apresentarem motivos válidos que
suportem a oposição a esses projetos, cabendo à Administração a decisão final, que
tem a obrigação de ouvir os interessados e de ponderar os seus argumentos.

                No tocante ao caso em julgamento, a recolocação imediata dos


parquímetros, ordenada pela Presidente do Conselho de Administração da EMULTA,
apresenta algumas semelhanças ao exemplo descrito. Aqui, ao ordenar a recolocação
dos parquímetros, a EMULTA está a divulgar publicamente um projeto administrativo
que pretende executar. Deste modo, os moradores de Carnitas podem, em
concordância com esta modalidade de garantia petitória, opor-se à recolocação dos
parquímetros, de forma fundamentada. Como observado, a lei atribui aos moradores o
direito de fazerem valer as suas razões contra esse projeto administrativo.
Consequentemente, a Administração teria a obrigação de os ouvir, de ponderar os
seus argumentos e explicar detalhadamente por que motivos considera, se for esse o
caso, os seus argumentos infundados. Portanto, neste caso, os moradores podem
prevalecer-se desta figura de forma a combater a iniciativa administrativa em questão.

Garantias Impugnatórias
                As garantias impugnatórias têm por base a impugnação de um ato jurídico já
praticado pela Administração, com vista à sua revogação, modificação, ou anulação
administrativa. A impugnação pode fundar-se em motivos de ilegalidade ou de mérito
cfr. art. 185º/3 CPA, e as autarquias locais têm legitimidade para reclamar ou recorrer,
por força do art. 68º/2 c) ex vi do art. 186º/1 b).

                Reclamação é o meio de impugnação do ato administrativo perante o seu


autor. Esta figura justifica-se pelo facto de os atos administrativos, em geral, poderem
ser revogados ou anulados pelo órgão que os praticou. Salvo lei especial, o prazo para
apresentar uma reclamação é de 15 dias cfr. art. 191º, nº 3 CPA, e o prazo para o
órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias cfr. art. 192º, nº 2 CPA.

                No caso sub judice é possível efetuar uma reclamação do ato de colocação
e recolocação dos parquímetros por parte da EMULTA ao órgão que o praticou. Com
base no art. 1º/1 do Estatuto da EMULTA, verificamos que se trata de uma pessoa
coletiva própria, dotada de autonomia administrativa financeira e patrimonial.
Consequentemente, tem atribuições e órgãos que prosseguem essas atribuições
através de competências. As atribuições da EMULTA são as consagradas no art. 3º/2
do seu Estatuto. Através do art. 14º/ 1 c) do Estatuto, verificamos que é a Presidente
do Conselho da Administração que representa a empresa municipal em relação aos
atos praticados, consequentemente, seria perante este órgão que se reclamaria o ato
praticado. Não parece, contudo, que tal possa ser feito mediante juízos de legalidade,
uma vez que segundo o art. 5º/1 d) do Código de Estrada, a colocação de
parquímetros é da competência da Câmara Municipal, e que esta pode delegar esta
competência à EMULTA, por força do art. 5º/1 a) do Estatuto, do art. 5º/3 d) do Código
da Estrada e do art. 62º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na
Via Pública.

                O recurso hierárquico consiste tanto na impugnação de atos administrativos


praticados, como na reação contra a omissão ilegal de atos administrativos, dirigida ao
superior hierárquico do autor do ato cfr. art. 193º/1 CPA. Se o órgão subalterno
dispuser de competência exclusiva, apenas pode ser obrigado à prática do ato cfr. art.
197º, nº 1 CPA. Este recurso carateriza-se por uma estrutura tripartida: o recorrente é
o particular, o recorrido é o órgão subalterno- órgão a quo- e o órgão decisório é o
órgão superior- órgão ad quem. Para poder haver recurso é necessário existir
hierarquia e é necessário que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo
por um subalterno que não goze de competência exclusiva.

                Podem ser classificados em recursos de legalidade, se o particular alegar


como fundamento a ilegalidade do ato ou da omissão do ato, de mérito, se o motivo for
de mera inconveniência, ou mistos, se o particular alegar ilegalidade e inconveniência.

                O recurso tem que ser apresentado ao órgão a quo cfr. art. 194º, nº 2 CPA,
e sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do mesmo cfr. art. 194º, nº 1
CPA, salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.

                Quanto aos prazos para a interposição do recurso, nos casos em que o
objeto é a impugnação de um ato, estes encontram-se estipulados legalmente nos
arts. 188º, nº 1 e 2 e 198º, nº 1 CPA, sendo, em regra, o prazo de 30 dias. Se o objeto
do recurso for a contestação da omissão de um ato, o prazo conta-se da data do
incumprimento do dever de decisão cfr. art. 188º, nº 3 CPA. A interposição do recurso
pode ter consequências suspensivas ou não suspensivas, ocorrendo a suspensão
automática do ato em causa até à reapreciação do superior hierárquico. A
autoridade ad quem deve pronunciar-se em 30 dias, podendo alongar-se o prazo até
aos 90 dias cfr. art. 198º, nº 1 e 2 CPA.

                Consequentemente, a autoridade pode: rejeitar o recurso por questões de


forma cfr. art. 196º CPA, negar o provimento, mantendo-se o ato que foi recorrido, ou
conceder o provimento, podendo implicar a revogação, anulação, modificação ou
substituição do ato recorrido.

                No caso sub judice, o ato praticado pela Presidente do Conselho de


Administração da EMULTA não é suscetível de ser alvo de recurso hierárquico, uma
vez que esta não tem superior hierárquico.

                Quanto à omissão, as autarquias locais inserem-se na administração


autónoma do Estado, prosseguindo fins próprios. São autarquias locais os Municípios
cfr. art. 236º/1 CRP, são pessoas coletivas próprias cfr. art. 235º/2 CRP, cujo órgão
executivo é a Câmara Municipal cfr. art. 252º CRP. Uma vez que não há superior
hierárquico da Câmara Municipal, não é possível efetuar um recurso hierárquico.
                Quanto aos recursos hierárquicos impróprios, o ato administrativo é
impugnado a um órgão da mesma pessoa coletiva daquele que praticou o ato, que
exerce poderes de supervisão sobre o órgão que praticou o ato. Só admissível nos
casos expressamente previstos por lei cfr. art. 199º, nº 1 a) CPA. São aplicáveis a este
recurso, subsidiariamente, as disposições que regulam o recurso hierárquico (art.
199º, nº 5 CPA).

                Não parece haver órgão da EMULTA que exerça poderes de supervisão
sobre o Conselho de Administração ou sobre a Presidente do Conselho de
Administração.

                Quanto à omissão por parte da Câmara Municipal, é possível efetuar recurso
hierárquico impróprio perante a Assembleia Municipal, pois ela fiscaliza a atividade da
Câmara Municipal, conforme o art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.

                O recurso tutelar consiste numa impugnação do ato ou omissão de uma


pessoa coletiva autónoma a um órgão de outra pessoa coletiva pública, que sobre ela
exerça poderes de tutela ou de superintendência. Tem natureza excecional, logo só é
possível quando a lei expressamente o previr cfr. art. 199º, nº 1 c) CPA. Só pode ter
por fundamento a inconveniência nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de
mérito cfr. art. 199º, nº 3 CPA. É englobado no CPA nos “recursos administrativos
especiais” (art. 199º, nºs 3, 4 e 5). Trata-se de um recurso tutelar, por exemplo,
quando a lei sujeita a recurso para o Governo certas deliberações das câmaras
municipais.

                Quanto ao ato praticado pela EMULTA, verificamos que a Câmara Municipal
do Listejo exerce poderes de tutela e de superintendência sobre a mesma cfr. art. 20º
do Estatuto, podendo ser feita uma impugnação tutelar do ato praticado pela
Presidente do Conselho de Administração à Câmara Municipal. No entanto, dada a
relação estrita entre ambos os órgãos, não parece que esta garantia seja a que melhor
salvaguarde os interesses dos particulares. No entanto, também a Assembleia
Municipal fiscaliza a sua atividade, exercendo poderes de fiscalização sobre a mesma,
mediante art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.

                A Câmara Municipal está sujeita a um poder de tutela de legalidade por


parte do Estado, e o Estado não se pode imiscuir nas suas atuações. Se a omissão
consubstanciar uma ilegalidade, aí o Estado pode controlar e fiscalizar a atuação da
Câmara Municipal de Listejo.

Queixa ao Provedor de Justiça


                A figura do Provedor de Justiça é bastante peculiar e inovadora na ordem
jurídica. Vem prevista no artigo 23º da Constituição, onde a sua atividade é
caracterizada como independente do Governo, da Administração e dos Tribunais,
tratando-se de uma alta autoridade administrativa, designada pela Assembleia da
República. Para além do preceito acima enunciado, esta figura rege-se por um
estatuto próprio, que consta da Lei nº 9/91, de 9 de abril (alterada pelas Leis nº 30/96,
de 14 de agosto, e 52-A/2005, de 10 de outubro).

                O principal foco da sua função é atender às queixas dos particulares, direito
este presente no artigo 3º da Lei 9/91, de 9 de abril, contra ações ou omissões da
Administração Pública. Para tal, utiliza o seu poder de persuasão para levar as
autoridades administrativas a reparar ou a alterar as suas decisões, quando injustas
ou ilegais, consideradas de “má administração”.
                Este órgão serve de recurso naquelas situações em que as outras garantias
não são capazes de satisfazer totalmente o interesse dos particulares. Isto é,
enquanto as garantias administrativas apelam para às próprias autoridades
administrativas, que muitas vezes agem conforme a sua visão da legalidade ou do
interesse público, acabando por não dar razão aos interesses legítimos dos
particulares, as garantias contenciosas permitem aos mesmos solicitar aos tribunais a
anulação de decisões ilegais da Administração Pública ou obter a reparação dos
prejuízos causados por esta. Todavia, acaba por ficar sempre um leque de problemas
por cobrir, sobretudo momentos que não estejam relacionados com a ilegalidade das
decisões ou os prejuízos por estas causado, mas sim com questões de mérito da ação
administrativa. Por esta razão, existe a figura do Provedor de Justiça, que trata de
controlar a legalidade, justiça e funcionalidade da atividade administrativa, não
possuindo um poder decisório para a anulação ou revogação de atos administrativos,
praticando atos que considere legalmente devidos, ou atos injustos e inconvenientes,
por aqueles que ache mais adequados; tão pouco se poderá fazer substituir às
autoridades competentes para cumprir os seus deveres.

                O verdadeiro poder do Provedor de Justiça é persuasivo. Cabe-lhe estudar


cada caso em concreto e, se entender que o particular tem razão no seu pedido, deve
dirigir recomendações jurídicas às autoridades competentes, para que se faça valer o
direito de modo mais acertado. E, também, deve dialogar e incitar a Administração a
cumprir a lei ou a corrigir os seus erros ou omissões.

                Nas situações em que as suas recomendações não sejam acatadas, o


mesmo tem a capacidade de emitir notas oficiosas ou de conferências de imprensa, ou
ainda tornar público, através do relatório anual, enviado à Assembleia da República,
as denúncias às autoridades administrativas que se recusem a cumprir os seus
deveres.

                Assim sendo, concluímos que a natureza jurídica do Provedor de Justiça é a


de um órgão administrativo central do Estado, com caráter independente, ao qual têm
os particulares a faculdade de dirigir queixas, sempre que se encontrem perante casos
de insatisfação dos seus interesses.

Análise do Caso em concreto


                Feita esta análise, percebemos que os particulares podem, a qualquer
momento, dirigir uma queixa ao órgão do Provedor de Justiça, de modo a que o
mesmo se pronuncie sobre o caso, no âmbito da sua imparcialidade e independência
relativamente a outros órgãos da Administração Pública. Caso o Provedor dê razão
aos particulares, este não poderá anular qualquer tipo de ato, nem modificá-lo. Porém,
deverá emitir uma recomendação, dirigida aos órgãos da Câmara Municipal, para que
esta proceda à modificação ou até mesmo à prática daquilo que fora omitido ou
realizado de modo indevido.

Decisão Administrativa
                A primeira garantia administrativa, de cariz impugnatório: arts. 184º/1 a) e
191º/1 do CPA, destina-se a combater a instalação dos parquímetros e é
fundamentada pela inconveniência do ato praticado, em conformidade com o requisito
exigido pelo art. 185º/3 CPA. Os interessados arguiram que a instalação dos
parquímetros constituiu um ato grosseiro por não ter sido convenientemente
acompanhado pela construção de parques de estacionamento para a população das
Carnitas, o que colocou todos os seus residentes e trabalhadores numa situação
comparativamente pior com a situação verificada originariamente quando o
estacionamento dos seus veículos não acarretava quaisquer custos.

                Os munícipes sustentam ainda que a ponderação própria da função


administrativa não foi sensata colidindo ipso facto com o princípio de justiça e
razoabilidade, elencado no art. 8º CPA. Além da falta de bom senso foram ainda
identificadas a falta de tutela dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4º) e a
ausência de confiança suscitada à contraparte através da atuação empreendida e do
objetivo que a mesma pretendeu alcançar (10º/2).

                Corroborados os factos e atenta a fundamentação dos interessados, cumpre


ao órgão apreciar a impugnação interposta conferindo provimento à reclamação
aduzida.

                A impugnação administrativa do Regulamento Geral de Estacionamento


poderá ser intentada, caso o ato legislativo contenha normas lesivas de direitos
subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares, estando também
prevista a hipótese da sua modificação ou suspensão (art. 147º/1). Contudo esta
garantia terá de ser deduzida perante a autora do regulamento ora contestado, a
Assembleia Municipal (art. 147º/2)

                A última garantia administrativa, de cariz não-impugnatório ou petitório,


pretende opor-se à inércia verificada quanto à admissibilidade inicial da necessidade
de requalificação do centro histórico e de construção de parques de estacionamento
para a zona em questão: o acordo ora mencionado foi assumido pelo município de
Listejo, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visando deste modo produzir
efeitos jurídicos externos (148º/1) concernentes à satisfação destas pretensões em
particular. Contanto ter sido previamente discutido o problema junto da autarquia e
tendo sido inclusivamente tomada uma deliberação positiva referente a este assunto, a
omissão do ato subsequente configura uma situação de incumprimento do dever legal
de decidir (art. 13º/1 CPA).

                Apesar da epígrafe deste artigo ser “Princípio da decisão”, todavia, o mesmo
encerra dois princípios: o da pronúncia e o da decisão. Se o primeiro obriga sempre a
Administração a tomar posição perante qualquer petição formulada por um particular,
correspondendo a tal dever o direito fundamental de petição, em matérias que lhes
digam respeito ou à Constituição e às leis dos cidadãos (arts. 52º da CRP e 102º e ss.
do CPA e Lei nº 43/90 de 10 de agosto) o segundo liga-se a uma exigência de
conclusão dos procedimentos, com a consequente prática de um ato administrativo
(arts. 59º e 106º a 109º do CPA). Na mediação semântica da lei ordinária a pluralidade
vocabular revela que o dever constitucional de apreciação se cumpre pelo dever de
pronúncia e pelo dever de decisão. E, quanto ao âmbito deste último, os autores do
“Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª ed.” Mário Esteves de
Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, interpretam a lei com o
sentido de que, face às petições dos particulares formuladas em defesa de interesses
próprios, individuais e concretos, o dever de pronúncia exigido à Administração é um
dever de praticar um ato administrativo de aplicação da lei à situação jurídica do
peticionante. Quando assim é, o dever de pronúncia do órgão administrativo não pode,
pois, quedar-se pelo mero dever constitucional de resposta que existe sempre, para
qualquer assunto que lhe seja apresentado, correspondente ao direito fundamental de
petição dos cidadãos. Salvo se ocorrer a situação de dispensa, de discricionariedade
de silêncio, prevista no nº 2 do art. 13º do CPA, a lei exige-lhe mais do que uma mera
resposta. Impõe-lhe uma decisão que, ao abrigo de normas de direito administrativo
produza efeitos na situação individual e concreta do pretendente.
                Face à diferente natureza destes princípios, também o seu incumprimento
tem de ter naturalmente consequências diferentes: assim, o dever de pronúncia e,
consequentemente, o direito de pronúncia, sendo um direito de cariz politico-
constitucional, é aí que, essencialmente, se encontra o seu regime. Todavia, quando o
destinatário de uma petição é a própria Administração Pública, e está em causa uma
questão administrativa, a falta de pronúncia pode sancionar-se quer com uma ação
para o reconhecimento de um direito, ou porventura, com uma intimação das previstas
no art. 86º da LPTA. Bem diferente, é a sanção para o incumprimento do dever de
decisão. Em tal hipótese, haverá lugar à ação para reconhecimento de um direito e,
eventualmente, a Administração Pública ser responsabilizada civilmente pela prática
de um ato ilícito de gestão pública.

                A petição termina com a ressalva de que, não obstante serem deficitários os
atuais saldos das finanças públicas, na eventualidade da ocorrência de eleições
autárquicas existem sempre verbas suficientes para, por exemplo, afetar a uma
reabilitação rodoviária implementada de forma ordinal e prioritária. Mas quando é
preciso tutelar os direitos subjetivos e/ou interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, as autarquias acabam por se imiscuir das respetivas atribuições e postergar
as competências materiais que lhes foram legalmente acometidas, como resulta ex
vi a incumbência de assegurar a manutenção e recuperação do património cultural e
urbanístico do município (art. 33º/1/t) LAL) ou a designação para deliberar sobre o
estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos (art. 33º/1/rr)
LAL).

                Com base na omissão ilegal apurada, o órgão declarou a petição procedente
determinando também a emissão dos atos pretendidos pelos interessados ao abrigo
dos artigos 184º/1/b) e 191º/1 do CPA.

Simulação de Julgamento- Grupo do pedido de invalidade do ato


   1.Pedido de invalidade do ato de recolocação dos parquímetros
   
 

    Iremos pronunciarmo-nos quanto ao pedido de invalidade do ato administrativo, que


consistiu na recolocação dos parquímetros, e eventuais questões de mérito em
relação às atuações da Administração.
    Em primeiro lugar, parece-nos que compete à Emulta a recolocação dos
parquímetros, de acordo com o art.3º/nº2/a) da Lei nº50/2012 (Estatutos da Emel,
aplicados por analogia). Por outro lado, de acordo com art.33º/nº1/ee) da Lei
nº75/2013, a matéria de estacionamento municipal encontra-se também na
competência da Câmara Municipal.
    No entanto, sendo a Emulta uma empresa pública municipal, a Câmara Municipal,
face à revolta dos cidadãos interessados, deveria procurar ouvi-los em primeira
instância, de acordo com o princípio da colaboração dos particulares (art.11º/nº1
CPA), através de consulta pública (art.100º/nº1/c)/2ªparte e art.101º do CPA), sendo
que se considera que o número de interessados será de tal ordem que a audiência
dos interessados terá que se fazer substituir pela consulta pública. Tudo isto não obsta
a importância de se proceder à consulta pública, antes da recolocação dos
parquímetros.
  
1.1.Incompetência relativa
 
    Posteriormente, verifica-se a ordenação da recolocação dos parquímetros, sem
prévia consulta pública, por parte da Emulta, com recurso à Polícia Municipal. Ora,
esta força de segurança é uma das atribuições do Município, que visa a promoção e
salvaguarda dos interesses próprios da população, de acordo com o art.23º/nº2/o) da
Lei nº75/2013. A Polícia Municipal encontra-se ainda hierarquicamente dependente do
Presidente da Câmara, segundo o art.6º/nº1 e 2 da Lei nº19/2004 (Lei da Polícia
Municipal). Não cabe, de facto, à Presidente do Conselho da Administração da Emulta,
comandar a Polícia Municipal, o que constitui uma incompetência relativa, que se
verifica quando um órgão administrativo pratica um ato que está fora da sua
competência, mas pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva
(neste caso, a Câmara Municipal). Já a incompetência absoluta, consiste na prática de
um ato fora das atribuições da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence, pelo
que não pode ser aplicada neste caso. Segundo o professor Mário Aroso de Almeida,
a incompetência relativa deve originar a anulabilidade do ato, nos termos do
art.163º/nº1 CPA, e não a nulidade, que nos termos do art.161º/nº2/b) CPA, só deve
abranger a incompetência absoluta. Seguindo, portanto, a doutrina do referido
professor, este ato seria anulável, nos termos do art.163º/nº1 CPA.
    O desvio de poder, não pode ser considerado para o caso, visto que consiste na
aplicação de certa lei, pretendendo-se dessa forma alcançar determinado fim, que no
entanto não é o fim que essa lei visou. Também a usurpação de poder não deve
traduzir o caso analisado, pois esta só se verifica quando um órgão administrativo
pratica um ato reservado a um órgão do poder legislativo, moderador ou judicial.
 
1.2. Violação do princípio da Imparcialidade  
 

    Apesar de já se ter registado esta incompetência relativa, que levaria à


anulabilidade do ato, ainda mais relevante é, a nosso ver, a violação do princípio da
imparcialidade, consagrado no art.9º CPA, para além das violações dos princípios da
participação dos interessados (art.11º CPA) e da participação (art.12º CPA).
    Porque se regista a violação do princípio da imparcialidade? Pois, após a
manifestação da revolta dos particulares, o Presidente da Câmara apenas interveio
para criticar a ação do Presidente da Junta de Freguesia, não procedendo à consulta
pública exigida e ainda deixou que a Presidente do Conselho de Administração da
Emulta, sua esposa, utilizasse a Polícia Municipal para ordenar a recolocação dos
parquímetros. É assim evidente a parcialidade entre estes dois sujeitos, em detrimento
do interesse público. De acordo com o art.69º/nº1/b) CPA, que versa sobre os casos
de impedimento, quanto às garantias de imparcialidade: “(…) os titulares de órgãos da
Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades
que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes
públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato (…), nos
seguintes casos: (…) b) Quando, por si ou como representantes ou gestores de
negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem
viva em condições análogas às dos cônjuges (…)”. Aplicando este artigo ao caso
analisado, verificasse a efetiva violação da imparcialidade, cuja sanção, de acordo
com o art.76º/nº1 CPA, é a anulabilidade do ato, nos termos gerais do art.163º/nº1
CPA.
    Os grupos da defesa do município e da defesa da Emulta, na primeira cessão da
simulação, debateram sobre a hipótese de Penélope Filião ter sido escolhida para o
cargo antes ou depois da eleição do marido. Esta discussão é, a nosso ver, irrelevante
pois o que importa para o caso são os cargos que cada um ocupa no momento do ato,
o facto de serem cônjuges e a efetiva parcialidade que se verifica entre os cargos que
ocupam.
 
 2. Conclusão
 

    Concluindo, defendemos a clara anulabilidade do ato, nos termos do art.163º/nº1


CPA. Assim se justifica a providência cautelar, visto que segundo o referido artigo, o
ato anulável, até que seja transitado em julgado, produz efeitos. Daí que seja
necessário interpor também a providência para interromper os efeitos do ato até à
decisão judicial, que no caso da anulabilidade, de qualquer modo, pode ter efeitos
retroativos.
 

As garantias administrativas- legalidade e mérito


Segundo João Caupers, as garantias são meios jurídicos de defesa dos particulares
contra o comportamento lesivo da Administração Pública. Existem vários tipos de
garantias: as garantias políticas, as garantias administrativas e garantias contenciosas.

Este post incidir-se-á sobre as garantias administrativas, dentro das quais temos de
distinguir, por um lado, entre aquelas que funcionam como garantias de legalidade e
as que funcionam como garantias de mérito, ou seja, que não visam apreciar a
legalidade de um ato, mas o seu mérito. Por um lado, é importante distinguir as
garantias petitórias, dentro das quais se insere o direito de queixa, o direito de petição,
o direito de representação, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa
que têm por base um pedido, das garantias impugnatórias, nas quais se insere a
reclamação e os recursos hierárquicos, que têm por base uma impugnação, nas quais
há um ato administrativo a impugnar.

Posto isto, podemos definir as garantias administrativas como aquelas que se efetivam
através de um órgão da Administração Pública, aproveitando, de certa forma, as
próprias estruturas administrativas e os controlos de mérito e de legalidade por elas
utilizadas. Por outras palavras, as garantias são instrumentos que o Direito
Administrativo concede aos particulares para que estes possam defender os seus
interesses e direitos, e defender-se quando entendam que a atuação da administração
poderá estar a ser lesiva em alguma medida. O recurso das garantias administrativas
encontra-se devidamente expresso tanto no CPA, como no CPTA. Analise-se agora as
garantias administrativas em si.

As garantias petitórias

No âmbito das garantias petitórias é importante considerar o direito de petição, o


direito de representação, o direito de queixa, o direito de denúncia e o direito de
oposição administrativa. Analise-se agora cada um destes direitos.

O direito de petição consiste na faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública


para que tome determinadas decisões, forneça informações ou permita o acesso a
arquivos seus a processos pendentes. Assim, entende-se que este direito não tem
caráter impugnatório, pelo contrário, pressupõe que falta uma determinada decisão ou
que é necessário fornecer informação adicional que só a Administração Pública pode
facultar.

O direito de representação é a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou


uma decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências
negativas da sua execução. Desta forma, entende-se que no direito de representação
pressupõe-se a existência de uma decisão anterior e, nesta medida, trata-se de uma
figura distinta do direito de petição. Neste sentido, entende-se que o particular aceita,
em principio a decisão já tomada, ou pelo menos não a vai impugnar para já, ao
contrário do que acontece nas reclamações e nos recursos.
Assim, o particular exerce o seu direito de representação, não para que a
Administração Pública revogue ou substitua a decisão tomada, mas sim para chamar a
atenção do órgão competente para as possíveis consequências da decisão e para
obter do seu autor uma reponderação e uma confirmação escrita da decisão em
causa, de modo a excluir a responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar a
decisão.

Quanto ao direito de queixa, este consiste na faculdade de promover a abertura de


um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeita
ao poder sancionatório da Administração. Neste sentido, não estamos perante uma
figura petitória stricto sensu, porque não se limita a fazer um pedido genérico, nem
estamos perante uma figura impugnatória, porque não se pressupõe a existência de
uma decisão prévia tomada pelo órgão ou agente de quem se apresenta queixa. Desta
forma, o poder cujo o exercício a queixa desencadeia é o poder sancionatório, ou seja,
o poder de aplicae sanções administrativas a alguém.

Assim, o particular queixa-se do comportamento de alguém, não se queixa do ato em


si, visto que não há queixas de atos jurídicos, mas sim de pessoas ou de
comportamentos de pessoas, com vista à aplicação de sanções adequadas a essas
mesmas pessoas. No que diz respeito ao direito de denúncia, este é o ato pelo qual o
particular leva ao conhecimento de certa autoridade a ocorrência de um determinado
facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela autoridade tenha,
por dever de ofício, a obrigação de investigar. Neste sentido, há uma relação entre a
queixa e a denúncia, pois toda a queixa é uma denúncia em que se faz a denúncia do
comportamento de alguém.

No entanto, nem toda a denúncia é uma queixa, pois só há queixa quando esta tem
por objeto o comportamento de uma certa entidade, ao passo que pode haver
denúncias que tenham por objeto outras realidades que não o comportamento de
pessoas singulares ou coletivas.

Por fim, temos então o direito de oposição administrativa. Este define-se como uma
figura de contestação que em certos procedimentos administrativos, os contra-
interessados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos formulados
por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta tenha
resolvido divulgar ao público. Neste contexto, admite-se direito de oposição
administrativa ao pedido formulado por um particular à Administração Pública. Por
exemplo, um particular solicita à Administração Pública licença para exercer uma certa
atividade condicionada, sendo que a lei prevê que os seus concorrentes do mesmo
ramo de negócios venham ao processo deduzir oposição ao pedido do particular, a fim
de fazerem valer as razões legais que porventura tenham contra o deferimento da
pretensão apresentada.

No entanto, existe outra modalidade de contestação, aquela em que a Administração


Pública toma a iniciativa de divulgar um determinado projeto de interesse público, por
exemplo, a construção de uma estrada, sendo que a lei concede a certas pessoas ou
entidades o direito de deduzirem oposição a esse projeto da Administração.

Assim, após a análise destes direitos, depreende-se que estamos perante garantias
petitórias porque todos assentam na existência de um pedido dirigido à Administração
Pública para que esta considere as razoes ou pontos de vista do particular que
executa o pedido.

As garantias Impugnatórias

As garantias impugnatórias têm como pressuposto uma atuação da administração


que seja lesiva para o particular e, podem definir-se como meio de defesa do particular
relativamente a tal comportamento com determinados fundamentos, com vista à sua
revogação, anulação administrativa ou modificação, nos termos do artigo 184º/1 e 2
CPA.

As garantias impugnatórias podem definir-se, assim, como meios de impugnação de


atos administrativos perante os órgãos da Administração Pública. Os principais tipos
de garantias administrativas estão presentes nos artigos 191º a 199º do CPA.

Estas garantias podem assumir a forma de reclamação, que consiste no meio de


impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio autor. Desta forma,
fundamenta-se esta garantia na circunstância de os atos administrativos poderem ser
revogados ou anulados pelo órgão que os tiver praticado e, assim, depreende-se que
quem praticou um ato administrativo não se recusará a rever e, eventualmente, a
revogar, anular, substituir ou modificar um ato por si anteriormente praticado.

Em regra, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo, no entanto, não é possível


reclamar de ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, salvo com
fundamento em omissão de pronúncia, de acordo com o disposto no artigo 191º CPA.
Caso contrário, todas as decisões de reclamações seriam suscetíveis de novas
reclamações.

A reclamação, quando interposta, suspende o prazo de impugnação contenciosa do


ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida
sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal,
conforme expresso no artigo 190º/3 CPA. No entanto, a suspensão não impede o
interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da
impugnação administrativa nem de requerer a adoção de providências cautelares
(Artigo 190º/4 CPA).

O prazo para apresentar uma reclamação, salvo lei especial, é de 15 dias (Artigo
191º/3 CPA) e, o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30
dias (Artigo 192º/2 CPA). Em caso de silêncio do órgão competente, segue-se um
novo regime de reação contra a omissão de atos ilegais, o recurso administrativo ou
ação de condenação à prática do ato devido (Artigo 192º/3 CPA). Relativamente ao
efeito suspensivo ou não suspensivo da reclamação, veja-se os artigos 189º e 190º do
CPA.

As garantias impugnatórias podem também assumir a forma de recurso hierárquico.


O recurso hierárquico define-se como a garantia administrativa dos particulares que
consiste em requerer aos superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou
anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato
ilegalmente omitido. O regime aplicável a esta garantia encontra-se nos artigos 193º e
seguintes do CPA. Transcrevendo as palavras de João Caupers, a decisão do recurso
hierárquico não tem sempre o mesmo âmbito material: o superior hierárquico pode,
com fundamento nos poderes hierárquicos, confirmar ou revogar o ato recorrido ou,
ainda reclamar a respetiva nulidade.

O ato pode ainda ser substituído ou modificado, exceto quando existe competência
exclusiva do autor, ou seja, quando o superior hierárquico carece de competência
dispositiva sobre a matéria em causa. Desta forma, entende-se que tanto no caso da
impugnação de atos ilegais como no de reação contra omissão ilegal de atos, o
superior hierárquico pode substituir-se ao subalterno, exceto se este dispuser de
competência exclusiva, caso em que, se der provimento a recurso, só pode ordenar ao
subalterno a prática de atos que se lhe afigurarem adequados, de acordo com o
disposto no artigo 197º/1 CPA.
O recurso hierárquico apresenta uma estrutura tripartida. Por um lado, temos o
recorrente, ou seja, o particular que interpõe o recurso; por outro lado, temos o
recorrido, ou seja, o órgão subalterno de cuja a decisão se recorre; e, por fim, temos o
órgão decisório, entenda-se este como órgão superior para quem se recorre e que
deve legalmente decidir o recurso.

Assim, são pressupostos do recurso hierárquico, a existência de uma hierarquia, que


tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno e, por fim,
que esse subalterno não tenha competência exclusiva. Estes pressupostos são
cumulativos.

O recurso hierárquico é sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor


do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se encontrar delegada ou
subdelegada, conforme o disposto no artigo 194º/1 CPA.

Quanto ao prazo do recurso, se este tiver por objetivo a impugnação de um ato, e este
tiver de ser notificado ao interessado, o prazo só corre a partir da data de notificação,
de acordo com o artigo 188º/1 CPA. No entanto, nos restantes casos, o prazo conta-se
a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução,
conforme o que ocorre no primeiro (188º/2 CPA); vigora o disposto no artigo 198º/1 do
CPA que determina que quando a lei não fixe o prazo diferente, então o prazo é de 30
dias para o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário. Se o recurso tiver
por objeto contestar a omissão legal de um ato, o prazo para a respetiva interposição,
conta-se da data do incumprimento do dever de decisão, de acordo com o nº3 do
artigo 188º do CPA.

Desta forma, a lei fixa o prazo de 30 dias para a interposição do recurso, salvo nos
casos especialmente previstos na lei. Desta forma, se o recurso não for interposto
dentro do prazo, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o ato
pelo qual o superior decida o recurso será extemporânea e, consequentemente,
rejeitada por ter sido proposta fora do prazo estabelecido.

Assim, a interposição do recurso hierárquico, como qualquer outro recurso, pode


produzir efeitos jurídicos, como o efeito suspensivo e o efeito não suspensivo. Por um
lado, o primeiro efeito jurídico, o efeito suspensivo, consiste na suspensão automática
da eficácia do ato recorrido, ou seja, o ato impugnado fica suspenso atá à decisão final
do recurso. No nosso Direito, os recursos hierárquicos necessários têm efeito
suspensivo, ao passo que os facultativos não têm (Artigo 189º/1 e 2 CPA), salvo se a
lei ou o órgão decidir em contrário, conforme o nº 2 a 4 do mesmo artigo.

Por outro lado, o segundo efeito jurídico, o efeito não suspensivo, consiste no facto de
o ato recorrido manter a sua eficácia, enquanto o superior hierárquico competente não
decidir sobre ele, sem prejuízo de um superior hierárquico poder, oficiosamente ou a
requerimento do interessado, suspender o ato recorrido (Artigo 189º/ 2 a 4 CPA).

No caso de ser interposto um recurso hierárquico de certo ato administrativo, e a


autoridade não se pronunciar no prazo normal, aplica-se o disposto nos artigos 66º e
seguintes do CPTA, em matéria de ação administrativa de condenação à prática do
ato devido.

No entender de Freitas do Amaral, a decisão do recurso hierárquico nunca pode ser


qualificada como ato da função jurisdicional, pois falta-lhe as principais características
dessa função, nomeadamente a intervenção de um tribunal e a produção do caso
julgado.

As garantias impugnatórias também podem apresentar a forma de recursos


hierárquicos impróprios, em que a impugnação é feita perante autoridades
administrativas que, não sendo superiores hierárquicos do autor do ato impugnado,
são órgãos da mesma pessoa coletiva e exercem sobre o autor do ato impugnado
poderes de supervisão (recursos administrativos especiais, segundo o artigo
199ºCPA).

Por fim, estas garantias podem ainda assumir a forma de recurso tutelar, em que a
impugnação é feita perante uma entidade tutelar, isto é, perante um órgão de outra
pessoa coletiva diferente daquele cujo órgão praticou o ato impugnado e que exerce
sobre esta poderes de tutela ou de superintendência (recurso administrativo especial,
segundo o artigo 199ºCPA).

A queixa ao Provedor de Justiça

Trata-se de uma alta autoridade administrativa, eleita pelo Parlamento, que é


independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, e que tem por função
receber queixas dos particulares contra ações ou omissões da Administração Pública
e utilizar a sua autoridade, o seu poder de persuasão, para levar as autoridades
administrativas a reparar as injustiças ou as ilegalidades que tiverem cometido, ou a
alterar as decisões que possam ser consideradas má administração.

Neste contexto, é importante conceber uma alta autoridade, independente, que, com
espírito de justiça, estude, nos casos concretos que lhe sejam apresentados pelos
particulares, as queixas que eles tiverem para lhe formular.

O Provedor de Justiça pode ocupar-se de quaisquer questões que sejam levadas


perante ele relativamente às atividades dos poderes públicos, por ação ou omissão,
podendo ele ocupar-se tanto de questões de legalidade como de questões de mérito.
No entanto, no âmbito da prática portuguesa, o Provedor de Justiça funciona como
órgão de controlo de legalidade administrativa, de caráter gratuito e mais rápido que
os tribunais administrativos.

Assim, é importante realçar que o Provedor de Justiça não tem poder decisório, ou
seja, não pode anular ou revogar atos administrativos, nem pode substituir-se às
autoridades competentes para praticar em vez delas os atos que considere legalmente
devidos, ou para substituir atos injustos ou inconvenientes por atos que considere
mais justos ou mais convenientes.

Os poderes deste são apenas poderes persuasórios, uma vez que estuda cada caso
concreto e, se entender que o particular tem razão na sua queixa, dirige
recomendações às autoridades competentes.

O Provedor de Justiça só pode formular recomendações jurídicas necessárias para


prevenir ou reparar injustiças, além de, o uso da teoria dos poderes implícitos, poder
dialogar com as autoridades administrativas em causa e, até certo ponto, pressioná-
las para que cumpram a lei ou corrijam os erros ou omissões, no sentido de revogar,
anular ou substituir um ato, ou ainda, no caso de o ato ter sido omitido ou que esteja a
tardar, no sentido de ser rapidamente praticado.

Simulação de julgamento: Contestação - Defesa da EMULTA


 

A defesa da empresa municipal EMULTA têm algumas considerações a apresentar


sobre o caso agora em julgamento.

            Antes de mais, consideramos ter de salientar que, nos termos do artigo 1º/1 do
seu Estatuto, a EMULTA tem personalidade jurídica própria. Constitui, portanto, uma
entidade distinta da Câmara Municipal de Listejo (CM).
            Em relação à instalação de parquímetros, nos termos do artigo 5º/2 do
Regulamento Geral de Estacionamento do Município de Listejo, a autorização para
prática destes atos é da CM, regime que vai conforme ao previsto no artigo 5º/1 alínea
d) do Decreto-lei nº 44/2005. A EMULTA é o meio encontrado pela CM para construir,
gerir, explorar, manter e vigiar os locais de estacionamento público, conforme o artigo
3º/2 do seu Estatuto. Para este efeito, a CM pode delegar algumas das suas
competências, nos termos do artigo 5º do Estatuto da EMULTA, à EMULTA. Assim
sendo, não vemos motivos para considerar ilegal a colocação dos parquímetros.

            Talvez seja possível contestar a instalação dos parquímetros ao alegar que,
nos termos do artigo 16º/1 ff) da Lei nº 75/2013, que a competência para proceder à
manutenção e conservação dos passeios é da competência da Junta de Freguesia.
Mas não nos confundamos! A competência para manter e conservar os passeios nada
mais estabelece que isso mesmo. Quer isto dizer que não se confunde com a
competência para decidir ou não da instalação de parquímetros. Essa competência,
como foi estabelecido em cima, é da CM.

            Consideraremos, agora, a atuação dos particulares ao recorrer à força para


retirar os parquímetros que tinham sido legalmente instalados. O Presidente da Junta
de Freguesia fala numa ação popular direta. Ação popular certamente não será. Nos
termos do artigo 52º/3 CRP, é conferido o direito de ação popular a pessoas
singulares e a associações de defesa dos interesses em causa. A Junta de Freguesia
nem é uma, nem outra. Mesmo que fossem apenas os moradores de Carnitas, o
mecanismo da ação popular é, atendendo ao disposto no artigo 12º da Lei nº 83/95,
um direito de índole processual.

            Também não estamos perante uma ação direta, nos termos do artigo 336º CC,
uma vez que não preenche os pressupostos de impossibilidade de recurso aos meios
de tutela normais, bem como o requisito da indispensabilidade da ação. O mesmo se
diga do direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP, justamente por não
preencher o pressuposto de impossibilidade de recurso para uma autoridade.

            Também podemos recusar a licitude da ação pela existência de estado de


necessidade da Administração, em relação a Fábio Sem Terra, uma vez que, nos
termos do artigo 3º/2 CPA, esta conduta teria de ser a única possível para assegurar
os direitos da população. De novo, o caso em julgamento não parece cumprir os
requisitos.

            Tendo em conta o que acima foi dito, não podemos considerar a ação dos
habitantes de Carnitas como legal. Num Estado de Direito, com meios de tutela
legitimados para o efeito, afigura-se-nos impensável este recurso automático à
autotutela. Preocupante, também, é a liderança do autarca. Como uma figura que
deveria liderar e encorajar os habitantes da freguesia a cumprirem com ideias de
justiça e de legalidade, faz um trabalho desadequado. Prefere a violência de um
Estado de Natureza digno do pensamento de Rousseau a um Estado de Direito e a
sua inerente civilização, que têm como princípio geral a proibição do uso da força.

            A atuação dos moradores de Carnitas e do Presidente da Junta de Freguesia é


proibida e punida, uma vez que constitui uma intervenção não autorizada no
equipamento de controlo de acesso e estacionamento, para efeitos do disposto no
artigo 4º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento do Município de Listejo.

            Em relação à recolocação dos parquímetros pela Polícia Municipal há alguns


aspetos a referir. Primeiro, pode parecer estranho à primeira vista ver a Presidente do
Conselho de Administração da EMULTA a dar ordens à Polícia Municipal. No entanto,
esta situação é perfeitamente conforme a lei, nomeadamente com o artigo 5º/2 alínea
a) dos Estatutos da EMULTA, que permite a delegação de competências e
prerrogativas de autoridade, tanto para defesa do património da EMULTA como para a
fiscalização do cumprimento do Código da Estrada e outros diplomas
complementares, como o Regulamento Geral de Estacionamento do Município de
Lisboa.

            Em segundo lugar, a recolocação dos parquímetros não é um ato que deva ser
encarado com desconfiança. Eles foram instalados legalmente e depois desinstalados
de forma ilícita. A sua recolocação é apenas o retorno ao cenário que existiria se a lei
tivesse sido constantemente observada.

            Importa, agora, referir o abaixo-assinado entregue a Francisco Filião por Fábio
Sem Terra. Antes de mais, a CRP consagra, no seu artigo 52º/1, um direito de petição
a qualquer autoridade. Portanto, é possível apresentar tal abaixo-assinado. Coisa
distinta são os efeitos da sua apresentação. Obviamente, por respeito ao princípio da
prossecução do interesse público, consagrado nos artigos 266º/1 CRP e 4º CPA, ele
deve ser considerado pelo decisor, neste caso a CM. No entanto, como notam os
professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, a atividade
administrativa prende-se, frequentemente, com a limitação de direitos particulares em
prol do interesse da comunidade. Pelo que o decisor não pode ficar vinculado ao
abaixo-assinado, sendo-lhe legítimo decidir de forma contrária a este.

            Em relação à acusação de Fábio Sem Terra, da ilegalidade da liderança do


“casal Filião” do destino do município, podemos questionar a sua legitimidade. Tanto
Penélope como Francisco foram escolhidos para os seus cargos através dos modos
previstos na lei. Embora a nomeação do Presidente do Conselho de Administração da
EMULTA compita ao município de Lisboa, nos termos dos artigos 8º/1 e 11º/1 dos
Estatutos da EMULTA, não podemos apenas com base nisto afirmar que existe uma
nomeação ilícita de Penélope para o cargo. Apesar de ser mulher do Presidente da
CM, nada impede que seja também a pessoa indicada para o cargo. E sem
acrescentar qualquer prova à sua declaração, Fábio Sem Terra parece apenas estar a
injuriar o bom nome de Penélope Filião.

            Em relação às pretensões de Fábio Sem Terra, pensamos que, do que já foi
dito, se ter provado para lá de qualquer dúvida, a legalidade das ações de colocação e
recolocação dos parquímetros. Em relação às repetidas exigências de requalificação
do centro histórico e de construção de parques de estacionamento, não sendo
nenhuma delas de competência da EMULTA, mas sim da CM, não nos compete tecer
qualquer comentário. O mesmo se diga em relação à anulação do Regulamento Geral
de Estacionamento.

            Concluímos, assim pela inocência da EMULTA, que viu a sua propriedade ser
ilegalmente removida e reagiu licitamente ao ordenar a sua recolocação. As calúnias
de Fábio Sem Terra também carecem de qualquer fundamento.

Simulação de julgamento: Defesa da junta de freguesia


Exmo. Senhores Drs. Juízes de Direito

Do Tribunal Administrativo do 2º Ano, Turma B, Subturma 10

da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

FÁBIO SEM TERRA, cidadão com CC nº XXXX, NIF YYYY, em colaboração com os
moradores da Junta de Freguesia de Carnitas, Listejo, vem pela presente petição
inicial propor ação de impugnação de ato administrativo, nos termos dos artigos 50º e
ss. do CPTA, e providência cautelar, nos termos do artigo 182º, nº3, do CPA,
contra CÂMARA MUNICIPAL DE LISTEJO, com em sede em ZZZZZ, Listejo,
e EMULTA – Empresa Municipal de Parques de Estacionamento, com sede em
Listejo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

I – DOS FACTOS

O Autor é Presidente da Junta de Freguesia de Carnitas, em Listejo.

Os moradores da freguesia de Carnitas alertaram, várias vezes ao longo dos últimos


anos, para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona, sobretudo no
centro histórico.

Para dar resposta positiva a esses alertas, o Autor celebrara um acordo com a
primeira Ré, na pessoa de Francisco Filão, Presidente da Câmara Municipal de
Listejo, no qual esta se comprometeu a requalificar o centro histórico e a construir
parques de estacionamento para a zona em questão.

No passado dia 31 (trinta e um) de março, a segunda Ré, por indicação da primeira,
procedeu à instalação de parquímetros na zona histórica da autarquia.

Isto apesar de, até à data, os compromissos assumidos nesse acordo não terem sido
cumpridos.

Ora, no passado dia 1 (um) de abril, um grupo de moradores de Carnitas, liderado pelo
Autor, procedeu à retirada dos parquímetros instalados na zona do centro histórico da
autarquia.

Os parquímetros ficaram guardados para serem devolvidos à segunda Ré, na sede da


Junta de Freguesia.

 

Porém, os parquímetros acabaram por ter sido confiscados pela PSP.

No dia seguinte, a segunda Ré, na pessoa de Penélope Filão, Presidente do Conselho


de Administração, e esposa de Francisco Filão, Presidente da Câmara Municipal de
Listejo, ordenou a imediata recolocação dos parquímetros.

10º

Ao mesmo tempo, ordenou a Polícia Municipal «que repusesse e velasse pela


manutenção da ordem pública na freguesia».

11º

Ora, o Autor, na sequência de uma reunião com os moradores de Carnitas, solicitou


uma audiência urgente ao Presidente da Câmara para entregar um abaixo-assinado
da população contra a instalação dos parquímetros.

12º

O Autor pretende também reagir contra a recolocação forçada dos parquímetros por
ação da Polícia Municipal e obrigar a primeira Ré a cumprir os seus compromissos
relativos à requalificação do centro histórico e à construção de parques de
estacionamento.

II – DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) Da audiência de interessados
 

13º

Os moradores de Carnitas, estando sujeitos à instalação dos parquímetros nessa


zona, são interessados no procedimento (artigo 68º/1 CPA), pelo que são sujeitos da
relação jurídica procedimental (artigo 65º/1 CPA).

14º

Não houve audiência prévia dos interessados para o ato de instalação dos
parquímetros em Carnitas.
 

15º

A audiência prévia dos interessados é uma das fases do procedimento administrativo,


consagrada nos artigos 80º, 100º e 121º e ss. CPA, e onde os interessados têm “o
direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final” (artigo
121º, nº1, CPA).

16º

Não se prevê quaisquer das situações dispostas no nº1 do artigo 124º CPA, pelo que
não é admissível qualquer dispensa de audiência dos interessados.

17º

A audiência dos interessados decorre dos princípios da colaboração com os


particulares e da participação (artigos 11º e 12º CPA), bem como do princípio da
democracia participativa, consagrados no artigo 2º CRP.

18º

Consagra ainda o artigo 267º, nº5, CRP, que “O processamento da actividade


administrativa (…) assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das
decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

19º

Tendo em conta a sua consagração na Constituição, lei fundamental, e a relevância


desta fase para o procedimento, o direito de audiência prévia dos interessados deve
ser interpretado como um direito fundamental.

20º

Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, como o direito


de audiência prévia dos interessados, são nulos (artigo 161º, nº2, alínea d), CPA), pelo
que não produzem quaisquer efeitos (artigo 162º, nº1, CPA).

B) Do dever de auxílio administrativo


 
21º
Pelo princípio da legalidade (artigo 3º CPA), os órgãos da Administração Pública
devem atuar em obediência à lei e ao Direito, dentro dos limites dos poderes que lhes
foram conferidos em conformidade com os respetivos fins a alcançar.

22º

Nos termos do artigo 33º, nº1, alínea rr), da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro,
doravante denominada Lei das Autarquais Locais (LAL), compete à câmara municipal
deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares
públicos.

23º

Não obstante, as freguesias dispõem de atribuições nos domínios do ordenamento e


do equipamento urbano, nos termos do disposto no artigo 7º, nº2, alíneas a) e j), LAL.

23º

Deve-se ainda conjugar com a Lei nº 56/2012, referente à Reorganização


Administrativa de Lisboa, cujo artigo 12º, nº1, alínea g), consagra que é da
competência própria das juntas de freguesia: “Atribuir licenças de utilização/ocupação
da via pública (…)”.

24º

Por argumento de identidade de razão, parece-nos razoável a aplicação analógica da


Lei nº 56/2012 ao município de Listejo.

25º

Portanto, o parqueamento urbano engloba-se tanto nas competências do município


como nas atribuições e competências da junta de freguesia.

26º

Deste modo, parece-nos que haveria um dever da primeira Ré solicitar o auxílio da


junta de freguesia de Carnitas, através da figura do auxílio administrativo, que consta
no artigo 66º CPA.

27º

O dever de solicitar auxílio administrativo revela-se, neste caso, como uma exigência
do princípio da boa fé, do qual decorrem deveres acessórios de lealdade, informação e
proteção.

 
28º

Deveres esses que não foram respeitados, na medida em que a junta de freguesia não
foi devidamente informada acerca da instalação dos parquímetros, matéria sobre a
qual apresenta competências próprias que decorrem da lei.

C) Da exceção de não cumprimento no contrato interadministrativo


 
29º

O acordo celebrado entre o Autor e a primeira Ré consiste num contrato


interadministrativo, visto que se trata de um acordo de vontades que tem por fim gerar
obrigações recíprocas entre dois entes públicos.

30º

Neste caso, o município obriga-se a requalificar a zona histórica e a criar novos


parques de estacionamento, enquanto a junta de freguesia fica obrigada a permitir a
instalação de parquímetros nessa zona.

 31º

Os contratos interadministrativos encontram-se regulados no artigo 338º CCP, sendo


que o seu nº1 estabelece que o regime substantivo dos contratos administrativos não
se aplica aos contraentes que se contratem em posição jurídica paritária e seguindo
uma ótica de harmonização do desempenho das respetivas atribuições.

32º

Ora, já se sabe que, em matéria de parqueamento urbano, tanto a junta de freguesia


como o município têm atribuições e competências nessa área (cf. pontos 22º, 23º, 24º
e 25º da presente petição inicial).

33º

No contrato celebrado entre o Autor e a primeira Ré, estamos, portanto, perante uma
situação de bilateralidade e paridade jurídica – existência de obrigações recíprocas
entre os dois entes públicos – e em que há uma tentativa de harmonização das
atribuições dos órgãos em matéria de parqueamento urbano.

34º

Todavia, seguimos o entendimento que alguns institutos jurídicos do regime


substantivo dos contratos administrativos também se aplicam aos contratos
interadministrativos entre contraentes em situação de paridade jurídica, como é o caso
da exceção de não cumprimento (neste sentido, cf. ALEXANDRA LEITÃO, Lições de
Direito dos Contratos Públicos, Parte Geral, AAFDL, 2014).
 

35º

Nos contratos de cooperação partidária, a exceção ao não cumprimento do contrato


pode ser invocada por todos os contraentes, pois a sua aplicação não depende de
quem são as partes, mas sim da natureza sinalagmática do contrato.

36º

A exceção de não cumprimento encontra-se regulada nos artigos 327º CCP e 428º
CC, de onde se retiram os seguintes pressupostos: i) bilateralidade do contrato; ii)
prazos idênticos para as obrigações; iii) a recusa em cumprir não implica grave
prejuízo para a realização do interesse público.

37º

Não há dúvidas de que o primeiro pressuposto se encontra preenchido, como já


foi supra mencionado (cf. pontos 29º, 30º e 33º).

38º

A existência de prazos diferentes é limite “apenas ao contraente que esteja obrigado a


cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à
excepção de não cumprimento” (cf. Acórdão do STJ, de 22-01-
2013: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b6bf335b22c72
33c80257afd004ee70f?OpenDocument).

39º

No presente caso, foi a Ré que primeiramente se comprometeu a restaurar o centro


histórico e a construir parques de estacionamento na zona.

40º

Logo, encontra-se igualmente preenchido o segundo pressuposto, que decorre do


artigo 428º, nº1, CC.

41º

Por fim, a recusa em aceitar a implementação de parquímetros em Carnitas não causa


prejuízo à prossecução do interesse público.

42º
Isto porque, neste caso, o interesse público subjacente à instalação de parquímetros
corresponde, sobretudo, ao interesse dos moradores da junta de freguesia de Carnitas
em terem a situação do estacionamento nessa área mais regularizada.

43º

E, como se verificou através da ação popular, é do interesse geral dos moradores e


dos comerciantes de Carnitas que não sejam instalados parquímetros na autarquia
antes de ser feita a restauração do seu centro histórico e de serem criados parques de
estacionamento.

44º

O princípio da prossecução do interesse público decorre dos artigos 266º, nº1, CRP e
4º CPA e constitui "o verdadeiro fio condutor da actividade administrativa pública" (cfr.
JOÃO CAUPERS, Introdução Ao Direito Administrativo, 11ª edição).

45º

Decorre ainda do nº 1 do artigo 235º CRP que as “autarquias locais (…) visam a
prossecução de interesses próprios das populações respetivas”.

46º

Logo, cabe à junta e ao município, em primeiro lugar, garantir e satisfazer as


necessidades coletivas que as respetivas populações sintam.

47º

O que, neste caso, não se verifica com a instalação dos parquímetros, visto que nem
os próprios moradores aceitam a antecipação da sua implementação. E é o interesse
dos moradores que deve ser tido em principal consideração.

48º

Portanto, o incumprimento da obrigação de acatar a instalação dos parquímetros não


gera nenhum prejuízo para a prossecução do interesse público, estando assim
verificado o terceiro requisito.

49º

Logo, pode a junta de freguesia recusar-se a aceitar a instalação de parquímetros,


com base na exceção de não cumprimento do contrato (artigos 327º, nº1, CCP e 428º,
nº1, CC).

 
50º

A primeira Ré está, portanto, obrigada à requalificação do centro histórico da autarquia


e à construção de parques de estacionamento nessa zona.

D) Do direito de resistência, ação direta e de ação popular


 

51º

O uso da força, para afastar ou impedir a produção de efeitos em ordens que ofendam
direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, pode ser legitimado com base
no direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP.

52º

A ordem de instalação dos parquímetros ofende diversos direitos e interesses dos


moradores de Carnitas, nomeadamente o direito de audiência prévia dos interessados,
como já foi supra mencionado (cfr. pontos 13º e ss.).

53º

Outro meio legítimo de auto-tutela é o de ação direta, cujo regime se encontra no


artigo 336º CC e se pode aplicar por analogia à presente situação, seguindo um
argumento de identidade de razão.

54º

De facto, estão verificados os requisitos que constam do artigo 336º, nº1, CC, para a
ação direta: i) recurso à força; ii) fim de assegurar um direito (ou interesse) próprio; iii)
impossibilidade de recorrer em tempo útil à hetero-tutela, de modo a evitar inutilidade
prática do direito; iv) proporcionalidade entre o direito a proteger e o dano ou prejuízo
causado.

55º

O Autor e os moradores da autarquia recorreram à força, retirando os parquímetros,


de modo a assegurarem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, sejam
eles o direito de audiência prévia dos interessados ou o direito de a primeira Ré
cumprir primeiramente com os seus compromissos.

56º

Além disso, recorrer à hetero-tutela não traria efeito útil à proteção dos
direitos supra mencionados, pois os meios coercivos normais poderiam agir tarde de
mais ou poderiam implicar custos desnecessários aos interessados.
 

57º

Por fim, há adequação entre o direito a assegurar e o dano causado, pois os


parquímetros foram arrancados com o intuito de serem devolvidos à segunda Ré,
encontrando-se em bom estado, sem qualquer sinal de deterioração.

58º

Consideramos, portanto, lícito o comportamento do Autor e dos moradores, visto que


se insere no âmbito da ação direta, um meio legítimo de auto-tutela.

59º

A Constituição consagra ainda, no seu artigo 52º, nº3, o direito de ação popular: um
direito fundamental de tutela de interesses transindividuais, de uma totalidade de
titulares, para fins diversos.

60º

Alguns desses fins encontram-se elencados no artigo 1º, nº2, da Lei nº 83/95, de 31
de agosto (doravante Lei do Direito de Ação Popular, LAP), sendo de destacar, no
presente caso, a proteção da qualidade de vida e do domínio público, bem como a
defesa da autarquia local.

61º

Nos termos do artigo 2º, nº1, LAP, “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis
e políticos” são titulares do direito de ação popular.

62º

O artigo 12º, nº1, LAP remete as formas de ação popular administrativa, neste caso,
para o artigo 9º, nº2, CPTA, que prevê a ação popular administrativa genérica,
segundo a qual “qualquer pessoa, bem como (…) as autarquias locais (…) têm
legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos
principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente
protegidos, como (…) o urbanismo (…) e os bens do Estado, (…) e das autarquias
locais”.

63º

Portanto, é legítima esta ação popular de impugnação de atos administrativos lesivos


de direitos e interesses coletivos.
 

E) Da imparcialidade e incompetência da segunda Ré


 

64º

O artigo 9º CPA consagra o princípio da imparcialidade, segundo o qual a


Administração Pública deve adotar soluções procedimentais que preservem a isenção
administrativa e a confiança nessa isenção.

65º

Os titulares de órgãos da Administração Pública não podem intervir em procedimento


ou ato administrativo quando nele tenha interesse o seu cônjuge, segundo o artigo
69º, nº1, alínea b), CPA.

66º

Ora, foi exatamente isso que aconteceu quando Penélope Filião, esposa do
Presidente da Câmara e Presidente do Conselho de Administração da EMULTA,
segunda Ré, ordenou a imediata recolocação dos parquímetros.

67º

O nosso ordenamento jurídico não admite situações de promiscuidade e de ausência


de imparcialidade como a que ocorreu, pelo que este ato onde interveio Penélope
Filião deve ser anulado, nos termos do artigo 76º, nº1, CPA.

68º

Mais ainda, a segunda Ré não tem atribuições no domínio da Polícia municipal, pelo
que a Presidente do Conselho de Administração não lhes pode dar ordens.

 69º

Quem dispõe de atribuições nesse domínio é o Município, nos termos do artigo 23º,
nº2, alínea o), LAL.

70º

Portanto, é nula a ordem à Polícia Municipal, por vício de incompetência absoluta da


EMULTA nesse domínio, nos termos do artigo 161º, nº2, alínea b), CPA.

III – DO VALOR DA CAUSA

 
Valor: X milhares de euros

IV – DA PROVA TESTEMUNHAL

[inserir moradores da junta de Freguesia de Carnitas]

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente


suprirão, deverá a presente ação ser julgada procedente por provada.

Os Advogados

O princípio da imparcialidade
O princípio da imparcialidade decorre do artigo 266.º, nº2 da CRP e do artigo 9.º do
CPA (ou artigo 6.º do antigo CPA). Anteriormente, este princípio era entendido como
um mero entrave à forma como os particulares eram encarados pela administração,
dado que esta estava proibida de os favorecer ou, pelo contrário, desfavorecer. Isto
justificava-se através de razões relacionadas com os titulares dos órgãos ou agentes
administrativos na posição de decidir ou atuar. Atualmente, o princípio da
imparcialidade ordena, sucintamente, a que a Administração atenda aos interesses
públicos e privados de forma ponderada e considerada, sem que os seus próprios
interesses particulares interfiram no procedimento. Este princípio adota duas vertentes
distintas: a negativa e a positiva. A vertente negativa remete-nos para a ideia de
que, casuisticamente, a Administração está proibida de considerar e/ou ponderar
interesses públicos ou privados que sejam irrelevantes para a decisão, tendo em conta
o fim legal a ser prosseguido. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, espelhando a
conceção de SÉRVULO CORREIA, afirma que esta vertente é, de facto, um pouco
redundante, uma vez que pouco ou nada acrescenta àquilo que conhecemos por
princípio da legalidade, sendo que este princípio já determina que as decisões
administrativas fundadas em interesses irrelevantes significariam uma invalidade por
desvio de poder.

Inversamente, a dimensão positiva traduz-se numa obrigação atribuída à


administração de, anteriormente à decisão de um determinado caso, poder tomar em
consideração e ponderar os interesses públicos e privados que sejam relevantes para
a decisão. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA remete-nos para a opinião de autores
como SÉRVULO CORREIA, VIEIRA DE ANDRADE e GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA relativamente ao seguinte: devem considerar-se parciais os atos
administrativos que não resultem de uma ponderação dos diversos interesses
juridicamente protegidos presentes no caso concreto.

Adicionalmente, como é referido por MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ


SALGADOS DE MATOS, o princípio da imparcialidade não contém quaisquer critérios
referentes à ponderação de interesses nem permite aferir qual o resultado dessa
ponderação. Assim, estes decorrerem de outras normas ou princípios como, por
exemplo, do princípio da proporcionalidade.

Conceito diferente é o da parcialidade, sendo esta também uma característica


essencial e inerente à ação administrativa. De modo a traçar uma distinção sucinta,
afirmemos que a administração é parcial na prossecução do interesse público,
mas imparcial na ponderação dos interesses públicos e privados. MÁRIO ESTEVES
DE OLIVEIRA retira de VIEIRA DE ANDRADE que a administração diz-se imparcial
quando uma determinada decisão emitida pela Administração resulta da ponderação
do peso relativo de todos os interesses juridicamente protegidos presentes no caso
concreto, sem que essa ponderação seja distorcida, alterada ou influenciada pelos
mais variados interesses particulares como, por exemplo, interesses individuais,
coletivos, partidários ou até mesmo por interesses políticos do Governo. 

Os mecanismos preventivos

O acatamento deste princípio não é garantido através de uma mera prescrição. Deste
modo, é necessária a imposição de mecanismos, cujo objetivo é o de assegurar que
os titulares dos órgãos e agentes administrativos não influenciem certas decisões
tomadas em procedimentos nos quais seria de esperar uma atuação parcial por parte
destes. Estes mecanismos surgiram não só devido à dificuldade de provar a violação
do princípio da imparcialidade, como também porque este princípio está dependente
de circunstâncias relativas (na sua vertente negativa).

Estes mecanismos traduzem-se, essencialmente, num impedimento dos titulares de


órgãos e agentes administrativos no tocante à sua participação em certos
procedimentos administrativos e na formulação de decisões. Entre outros autores,
JOÃO CAUPERS diferencia os impedimentos das escusas e suspeições, alegando
que, relativamente aos primeiros, há uma proibição absoluta de intervenção (artigo
69.º do CPA); nos segundos, a intervenção do titular de órgão/agente administrativo
deve ser excluída meramente por iniciativa do próprio (artigo 73.º do CPA).

Para MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, o


impedimento reveste ainda uma escala de gravidade, podendo ser aferida através da
comparação entre o artigo 69.º (impedimento absoluto) e o artigo 73.º (suspeições e
escusas) do CPA. Com efeito, verificamos que, nos termos do artigo 69.º, nº1, do CPA
existe um impedimento de maior gravidade e absoluto relativamente a várias
situações que envolvem uma perigosa e indubitável ligação entre o titular de órgão ou
agente e interesses privados no procedimento. Por exemplo, na alínea b) deste artigo,
estamos perante situações que envolvem diretamente os interesses do próprio
agente/titular de órgão, do seu cônjuge, parente ou afim em linha reta ou até ao
segundo grau da linha colateral, assim como qualquer pessoa com quem vive em
economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou
apadrinhamento civil.

De modo a ilustrar que tipo de casos podem enquadrar-se no artigo 69.º do CPA,
referimos um caso hipotético em que uma determinada Sociedade de Advogados é
responsável por um concurso público para aquisição de equipamentos informáticos,
mas prestou serviços jurídicos a um dos participantes privados nesse concurso há
menos de 3 anos. Aqui, há um impedimento grave e a Sociedade de Advogados é
impedida de prestar esses serviços jurídicos, nos termos do artigo 69.º, nº3 CPA.
Caso os impedimentos previstos nos artigos 69.º e seguintes do CPA se verifiquem, é
necessário comunicar a situação ao superior hierárquico, presidentes do órgão
colegial ou a quem tenha poder para concretizar a substituição (artigo 70.º, nºs 1,2,4 e
5 do CPA), de forma a que a atuação do titular de órgão/agente administração nesse
determinado caso cesse (artigo 70.º, nº1 do CPA). Assim que o impedimento é
comunicado e a sua ação cesse, o impedido é substituído pelo suplente (artigo 72.º do
CPA).

Uma situação diferente consta do artigo 73.º, nº1 do CPA, em que são referidas
situações que, por apenas suscitarem dúvidas acerca da proximidade entre os
interesses particulares e o titular de órgão ou agente administrativo, o seu grau não é
tão intenso quanto a situação decorrente do artigo 69.º do CPA.

Em primeiro lugar, existe um dever de pedir substituição no procedimento nos termos


do artigo 73.º, nº1, CPA, à semelhança da situação que decorre do artigo 69.º, nº1,
CPA. Adicionalmente, refere-se que os casos de escusa presentes no artigo 73.º do
CPA são meramente exemplificativos e não taxativos.

Assim, imaginemos que o filho de membro de júri de concurso público recebeu, a título
gratuito, uma viagem paga por uma empresa que participa nesse concurso. Neste
caso, o membro de júri deve pedir escusa (artigo 73.º, nº1, alínea c) do CPA). Deste
exemplo, aferimos que, embora a situação não seja tão grave quanto o exemplo
supramencionado (decorrente do artigo 69.º, nº3, CPA), continua a constituir um
impedimento.

O procedimento é semelhante ao regime dos impedimentos graves. Em primeiro lugar,


é imperativo comunicar a situação ao superior hierárquico, presidente do órgão
colegial, ou a quem tenha poder para concretizar a substituição – vide o artigo 70.º nºs
1,2,4 e 5 do CPA. O prazo de decisão é de oito dias (artigo 75.º nº2 do CPA),
sucedendo-se a substituição pelo suplente ou o funcionamento do órgão sem o
membro (artigo 75.º nº3 e 72.º do CPA).

Da violação do princípio da imparcialidade resultam sanções tipificadas no artigo 76.º


do CPA, sendo este destinado tanto ao regime dos impedimentos, como ao das
suspeições. Assim, verificamos, em primeiro lugar, a anulabilidade nos termos gerais
dos atos ou contratos em que tenham intervindo titulares de órgãos ou agentes
impedidos. Em segundo lugar, a violação do dever de comunicação (artigo 70.º, nº1
CPA) constitui falta disciplinar grave. Em terceiro lugar, o prestador de serviços fica
obrigado a indemnizar a Administração Pública e terceiros de boa fé pela anulação
dos atos ou contratos. JOÃO TIAGO SILVEIRA coloca ainda a questão de se saber
quais as consequências nos casos de escusa não solicitada, tendo em consideração
que as sanções apenas se aplicam a casos de impedimento, questão esta não
resolvida pela lei.

Por fim, é de referir que a discrepância dos regimes das suspeições e dos
impedimentos graves é mínima, suscitando a questão de se aferir se se justifica, de
facto, a existência de um regime separado para cada uma das situações. MARCELO
REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS respondem afirmativamente: a
diferença parcial de regimes jurídicos justifica-se em virtude da intensidade do perigo
de violação do princípio da imparcialidade, que, como já verificámos, difere de uma
situação para a outra.

Caso Prático 7
O presente caso suscita algumas dúvidas quanto aos tipos de actos que são
executados pela Administração e aos efeitos que produzem, ainda que a matéria seja
a do regime de anulação administrativa.

Como tal, é necessário começar pela distinção teórica entre os tipos de actos que
podem ser executados para extinguir ou modificar efeitos, e quais os efeitos da sua
aplicação tendo em consideração o seu objectivo.

Os efeitos de um acto jurídico podem ser extintos ou modificados.

Quanto à extinção dos efeitos. Estes podem esgotar-se com a execução do acto num
determinado momento – uma ordem policial que manda parar ou avançar o trânsito,
por exemplo - ou perdurar, extinguindo-se decorrido determinado período de tempo –
é o caso da concessão da utilização privativa de um bem do domínio público. Assim,
os actos podem ser de execução instantânea ou de execução continuada, conforme o
momento da extinção dos seus efeitos.

Já através da mencionada anulação administrativa, ou através da revogação


administrativa o objectivo do acto é extinguir os efeitos de um acto anteior – seja
suspendendo os seus efeitos para o futuro, cessando-os no caso da primeira, seja
destruindo-os desde o momento da prática desse acto no caso da segunda - conforme
os números 1 e 2 do artigo 165º do Código de Procedimento Administrativo.

Há modificação sempre que se faz de um acto outro diferente mas isto envolve
sempre uma interferência com os efeitos do acto primário.

Outra questão são os fins prosseguidos pelos actos. Mais uma vez o artigo 165º do
Código de Procedimento administrativo estabalece uma distinção. No número relativo
à revogação estabalece que esta ocorre “ por razões de mérito, conveniência ou
oportunidade.”, o que significa que existe uma valoração relativa ao acto revogado que
não se liga aos seus requisitos. Já no caso da anulação essa ligação existe uma vez
que o mesmo artigo estabelece que a destruição dos efeitos de outro acto tem como
fundamento a invalidade.

Segundo a doutrina há um terceiro acto que prossegue um fim duplo, a revogação


sancionatória. Em essencia esta funcionaria como uma sanção administrativa  pelo
incumprimento, pelo particular, de cláusulas, deveres ou obrigações que haviam sido
impostas pelo acto primário. Os fins seriam a defesa da legalidade e a prossecução do
interesse público.

1. Pode a licença ser anulada?


O problema que se coloca é o de se saber se  a validade do pressuposto do acto
primário, o acto externo que deu origem ao acto administrativo, pode afectar os efeitos
desse mesmo acto.

Sendo o pressuposto uma situação de facto que está na base da possibilidade, ou do


dever legal, de praticar um determinado acto administrativo, ou de o dotar de
determinado conteúdo, a resposta é afirmativa.

Não estando em causa um acto nulo – uma vez qua  licença produziu efeitos jurídicos
–  anulado contenciosamente, ou revogado com eficácia retroactica – uma vez que se
trata de um acto primário (a atribuição da licença), não se aplica o nº 1 do artigo 164.
Também não se aplicará o nº 2 uma vez que os efeitos não caducaram, nem se
encontram esgotados.

Logo, sim, a licença pode ser anulada, desde que sejam observados os
condicionalismos aplicáveis ao regime da anulação previstos no artigo 168º.
2. Pode o acto de atribuição do subsídio ser anulado ?
A anulação do acto de atribuição de subsídio ocorreria por violação do regíme jurídico,
mais concretamente por não terem sido cumpridas obrigações pelos particulares no
que toca aos resultados do investimento. É afastado o nº 2 do artigo 165º por não se
tratar de uma questão de ilegalidade.

No entanto, a valoração feita pode levar à consideração da aplicação do regime da


revogação, aplicando o artigo 165º/1, e, considerando a violação do regime, seria
possível classificar o acto como sendo uma revogação sancionatória.

3. Em aso afirmativo, há, em algum dos casos, lugar a indemnização ?


No primeiro caso o acto administrativo primário é anulado porque o acto que o origina
é inválido, sendo aquele permissivo, atribuindo ao particular um direito que seria
relativamente proibido por lei. A sua anulação está sujeita aos condicionalismos do
artigo 168º. O nº 6 estabelece que devem ser indemnizados os particulares quando
desconhecessem sem culpa a existência da invalidade, aplicar-se-á a contrario, uma
vez que o particular utilizou um artifício fraudulento para obtenção do seu direito. Não
haverá direito a indemnização.

No segundo caso, não existe anulação, mas sim revogação. A acto de atribuição do
subsídio “para início do próprio negócio” é um acto de redução de encargo suportado
pelo particular, pelo que se aplicam os números 2 e 3 do artigo 167º.
Os indicadores de resultados são aspectos técnicos supervenientes, pelo que há a
aplicação da alínea c) do nº 2 e a consideração do nº 5 do mesmo artigo.

Apesar do disposto no nº 5, não haveria lugar a indemnização pela cessação da


atribuição do subsídio uma vez que esta resulta de uma obrigação emergente do
próprio regime jurídico. No entanto, atendendo ao regime relativo às indemnizações
pelo sacrifício estabelecido pelo artigo 16º da Lei nº67/2007, alterada pela Lei º
31/2008 poderia levantar-se a questão de saber se a reposição das verbas de 3 anos
não consistiria um dano “especial e anormal”, cabendo assim na letra do preceito.

Para efeitos de resolução, a resposta é negativa. Não há lugar a indemnização uma


vez que:

1. Há violação do regíme jurídico do subsídio em causa.


2. Há que atender ao período de tempo durante o qual iria ser atribuído o
subsídio. O subsídio ira ser atribuído durante 6 anos, e só o foi por 3. Seria duvidoso
dizer que a cessação trouxe danos especialmente gravosos para o particular num
período de 3 anos, que é relatativamente curto.
3. A violação do regíme resulta da própria incapacidade do particular para
maximizar os ganhos do estabelecimento. Sendo um investimento particular, o risco
recai sobre o investidor.
 

4. Imagine que, por força da licença, a Câmara tinha autorizado a construção de


uma esplanada. Deve considerar-se que a esplanada deve ser desmontada/demolida?
Aplicando-se à extinção dos efeitos da licença o regime da anulação, com fundamento
em invalidade, por força do artigo 165º/1 e do artigo 172º aquela retroage até ao
momento da constituição do acto anterior, devendo a Administração repor a situação
como se o acto anulado não tivesse sido praticado, por via do artigo 172º/1.
Sendo a licença anulada, o titular perdendo o direito anteriormente atribuído, e tendo
sido a esplanada feita ao abrigo daquela, então deve ser demolida.

Caso diferente será se a autorização de construção de esplanada tiver sido um acto


ulterior à atribuição da licença. Nesse caso, será um acto administrativo diverso, e a
resposta será negativa.

5. Vários fornecedores do hostel deviam ainda receber pagamentos provenientes


das verbas referentes ao apoio concedido e que ainda não tinha sido integralmente
gasto. Beneficiam de algum tipo de protecção ?
Por apoio concedido entende-se o subsídio atribuído pela Administração Pública. Este
é um acto administrativo, e por força do artigo 149º “produz efeitos jurídicos externos
numa situação individual e concreta”.

O fim do apoio é o investimento no próprio negócio, mas a gestão é feita pelos


particulares, neste caso proprietários do hotel. São estes quem responde pela má
utilização dos recursos, uma vez que a administração do hostel é de âmbito privado.

Também a relação contractual entre os fornecedores do hostel e os proprietários do


mesmo se dá no âmbito do direito privado, ainda que parte  dos recursos provenham
da Administração Pública. Tendo isto em consideração conclui-se que a os
fornecedores beneficiam de protecção no âmbito do direito privado.

No entanto, considerando o disposto no artigo 149º parece ser defensável a ideia de


que havendo eficácia externa do acto, este altera não só uma situação jurídica, mas
também as relações entre os sujeitos na ordem jurídica, pelo que os interessados no
acto beneficiam de alguma protecção em relação ao mesmo. No caso, os
fornecedores terão direito a receber as verbas ainda não gastas.

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