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ESCOLA DE DIREITO
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ADMINISTRATIVO
Direitos Fundamentais
BRAGA
Janeiro de 2021
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2. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – Processo 2482/17.2BELSB
de 15/02/2018
A decisão recorrida foi tomada no âmbito do despacho liminar. Não houve lugar,
portanto, à apresentação da correspondente contestação ou à junção do processo
administrativo aos autos. Assim, julgou inadequado o meio processual utilizado,
considerando que inexistia o pressuposto de urgência que exigido no art.º 109.º, n.º 1, do
CPTA, porquanto o Autor alegava que tinha apresentado, em 25-01-2016, um pedido de
autorização de residência, que foi deferido tacitamente e que desde esse pedido decorreram
22 meses até à interposição da ação. Foi considerado pelo juízo a quo a inércia do Autor
para fazer uso de um meio judicial para acautelar o seu direito.
Ademais, alegou que desde que ficou em situação ilegal deixou de conseguir
trabalhar, ou de ter estabilidade laboral e que desde Junho de 2017 passou a auferir
remunerações abaixo do salário mínimo nacional e a trabalhar “de sol a sol”, sendo um
“escravo moderno”. Também que deixando de estar legal, deixaria de pagar as taxas para o
sistema de saúde e tributos e perderia o seu direito de acesso à saúde. Pela situação ilegal
não ia ao país de origem há 4 anos e que sem o título de residência não poderia visitar a
família, a mulher e os filhos, ou de tentar o reagrupamento familiar, ficando em causa o seu
direito à família.
4
2.3 Da fundamentação do acórdão
O Tribunal manifestou desde logo que a decisão recorrida teria de ser revogada. O
erro dessa decisão, resulta do fato de ter conhecido no despacho liminar a que alude o art.º
109.º, n.º 1, do CPTA, não apenas dos pressupostos processuais da intimação, mas, ainda,
do mérito do pedido subsidiário como improcedente. O conhecimento do mérito do pedido
subsidiário só poderia ocorrer, primeiro, se a intimação fosse admitida e prosseguisse até
ao final dos articulados e, depois, se claudicasse o pedido feito a título principal.
Também afirmou que não se pode considerar, em sede de despacho liminar, que
não estão verificados os pressupostos para o uso da intimação para a defesa de direitos,
liberdades e garantias.
Ademais, afirmou que a instrução ficou prejudicada ao passo que com a rejeição
liminar, a demandada não foi citada para apresentar contestação e, consequentemente, não
juntou o processo administrativo aos autos.
Aduziu também que não é possível concluir uma inércia imputável ao Recorrente
que retire o carácter de urgência na tutela judicial, tal como vem indicado no art.º 109.º, n.º
1, do CPTA. Diversamente, o Recorrente em 11-10-2017 insistiu junto do SEF para saber
informações acerca dos seus pedidos e em 05-11-2017 o apresentou a ação inicial.
3. Comentários pontuais
O programa referido deixa muito claro que o país precisa da imigração para
sustentar o seu desenvolvimento, tanto no plano económico como no demográfico. Ocorre
que o SEF parece não estar alinhado com a execução administrativa pretendida. Tanto que
o governo faz menção específica de intenção de alteração na organização administrativa do
SEF, quando propõe estabelecer uma separação orgânica muito clara entre as funções
policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes.
1
Programa do XXII Governo Constitucional 2019-2023. Disponível em:
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-do-xxii-governo-constitucional
[acesso em 19/12/2020 20:30:00], pp. 114-120.
2
DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de direito administrativo”, vol. I, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2020,
p. 40. 6
de vida e que, verificados os condicionalismos legais, pode dar um contributo útil
para a sustentabilidade demográfica e o desenvolvimento económico do nosso
país. Importa, pois, respeitar a dignidade de quem procura o nosso país para viver,
assegurando um exercício adequado e proporcional dos poderes de autoridade por
parte do Estado. Assim, e sem prejuízo de uma atuação determinada no combate
às redes de tráfico humano ou na prevenção do terrorismo, há que reconfigurar a
forma como os serviços públicos lidam com o fenómeno da imigração, adotando
uma abordagem mais humanista e menos burocrática, em consonância com o
objetivo de atração regular e ordenada de mão-de-obra para o desempenho de
funções em diferentes setores de atividade3”.
3
Programa do XXII Governo Constitucional 2019-2023. Disponível em:
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-do-xxii-governo-constitucional
[acesso em 19/12/2020 20:30:00], pp. 116-117.
4
ISABEL CELESTE M. FONSECA, “Curso de direito administrativo – Teoria geral da organização
administrativa”, 1ª ed., Coimbra, Gestlegal, 2020, p.125-126.
5
Programa do XXII Governo Constitucional 2019-2023. Disponível 7em:
Ou seja, mais uma vez com estas previsões em um programa futuro, resta claro que
ainda não é moderna e desburocratizada a administração pública no que tange aos
estrangeiros. DIOGO FREITAS DO AMARAL diz que “é um princípio difícil de aplicar,
mas que consta da Constituição e impõe ao legislador, e à própria Administração, que esta
permanentemente se renove nas suas estruturas e nos seus métodos de funcionamento, para
conseguir alcançar tal objetivo6”.
Nosso estudo está baseado exatamente nessa ótica. As falhas na administração
pública no que tange aos imigrantes, com reflexos de abalo aos direitos mais fundamentais.
Uma atuação morosa, sem transparência e sem acesso a informação por parte do SEF,
influencia nos atos mais essenciais da vida humana.
O presente acórdão é um dos poucos exemplos que encontramos que enfrenta a
questão de limitação de direitos, liberdades e garantias por má atuação do SEF. E podemos
afirmar, com toda a certeza, que na prática são inúmeros os casos de imigrantes com a vida
suspensa pela atual prática administrativa do SEF.
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-do-xxii-governo-constitucional
[acesso em 19/12/2020 20:30:00], p. 117
6
DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de direito administrativo”, vol. I, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2020,
p. 40.
7
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina,
Coimbra, 2003, p. 393.
8
NOVAIS, Jorge Reis. A Dignidade da Pessoa Humana, Dignidade e Inconstitucionalidade, Vol. II, Almedina,
Coimbra, 2016, p. 35. 8
modo a balizar, inclusive, as decisões políticas. Nesse sentido, a dignidade humana tem a
capacidade de acrescentar seu conteúdo a todas as normas, como também orientar a sua
interpretação, de modo a evitar qualquer análise que eventualmente a viole9.
O acórdão explicita, nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, que “A intimação
para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão
de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva
ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito,
liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o
decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º”.
9
PÉREZ, Jesús González. La Dignidad de la Persona y el Derecho Administrativo, Revista de Direito
Administrativo e Constitucional, ano 7, n. 29, Belo Horizonte, 2007, pp. 11-35. 9
Aduz o Tribunal que se trata de uma tutela subsidiária, configurada para ser
acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar
aquela situação concreta. Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão
de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um
direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja
possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma
providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
10
GOMES, Carla Amado. Pretexto, contexto e texto da intimação para proteção de direitos, liberdades e
garantias, Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Lisboa, 2003, p. 20.
11
NOVAIS, Jorge Reis. Direito, liberdade ou garantia": uma noção constitucional imprestável na justiça
administrativa? – Anotação ao acórdão do TCAS de 6.6.2007, P. 2539/07», CJA, n.º 73, JaneiroFevereiro, 2009,
p. 44-59. 10
4. Conclusões
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5. Bibliografia
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