Você está na página 1de 13

.

Aplicações da Genética Quantitativa no


Melhoramento de Plantas Autógamas

Magno Antonio Patto Ramalho Angela de Fátima Barbosa Abreu


João Bosco dos Santos José Airton Rodrigues Nunes
.

Sumário
.

Capítulo 1

Melhoramento Genético: contribuições


e desafios
"Quantitative genetics upon
which modern plant and animal
breeding is based in an
attempt to produce knowledge
by a systematization of
ignorance"(LEWONTIN, 1974).

Introdução

O que é o melhoramento genético das plantas? O conceito de melhoramento tem


sido apresentado de diferentes modos. Kempthorne (1957) disse que: "Plant breeding is
applied quantitative genetics". O Doutor Kempthorne era geneticista quantitativo.
Talvez por essa razão tenha colocado o melhoramento restrito como uma aplicação da
genética quantitativa. Allard (1999), por sua vez, um melhorista/evolucionista disse:
"Plant Breeding is the controlled evolution of plant and animal by humans with the goal
of producing population that have superior agricultural and economic characteristics".
Lee (2006) conceituou melhoramento como: "Plant breeding is the genetic adaptation of
plant species to the desires of human, societies and the demands of nature in the context
of agriculture". Bernardo (2002) apresentou o conceito que reflete todos os pontos
envolvidos pelos demais melhoristas, ou seja: "Plant breeding is the science, art and
business of improving plants for human benefit". Por esse conceito fica evidente que o
melhoramento envolve arte, ciência, capacidade gerencial e o aspecto comercial.
O melhoramento como arte começou com a domesticação das plantas. É fácil
imaginar a astúcia que os nossos antepassados, sem nenhum conhecimento científico,
tiveram ao escolher algumas espécies para serem domesticadas e outras não. E mais do
que isto, a grande destreza de selecionar indivíduos mais adaptados às diferentes
condições de cultivo e com fenótipo para diversas características que atendessem os
seus anseios de produção de alimentos e fibras. Isto só foi possível pela habilidade de
alguns indivíduos em deixar para reproduzir apenas as plantas que atendiam as suas
necessidades. O melhoramento como arte persiste até os dias atuais, porém auxiliado de
outras ferramentas para tornar o processo mais eficiente. Essas ferramentas foram
fornecidas pela ciência. Elas começaram no início do século XX, quando em 1900
foram redescobertas as leis de Mendel. Durante o último século, acumularam-se
inúmeros conhecimentos não só na genética, mas em muitas outras ciências como na
biometria e na biologia molecular, que possibilitaram o desenvolvimento de cultivares
.

de modo muito mais eficiente que no passado. Para isto, foi necessária também a
ampliação da capacidade gerencial dos melhoristas.
O gerente é aquele profissional que toma decisões constantemente. Nesse
contexto, os melhoristas atuam como gerente, pois tomam inúmeras decisões no seu dia
a dia, tais como: quais populações ou linhagens utilizar para iniciar o trabalho; como
proceder as hibridações; qual o procedimento para condução das populações
segregantes; quantas progênies deverão ser avaliadas e inúmeras outras.
O que diferencia um bom gerente de outro é a capacidade de tomar as decisões
mais acertadas. Assim, quanto maior o conhecimento científico tanto maior deve ser a
habilidade gerencial do melhorista. Um conhecimento indispensável nesse contexto é a
genética quantitativa. Isto porque a genética quantitativa estuda os caracteres que
apresentam distribuição contínua. Isto é, não formam classes distintas. Como a maioria
dos caracteres que os melhoristas trabalham tem distribuição contínua, fica fácil
entender a importância desta área da genética na obtenção de novas cultivares.
Nesse contexto, essa publicação tem por finalidade melhorar a capacidade
gerencial dos melhoristas de plantas autógamas, por meio de informações de genética
quantitativa que estejam intimamente associadas ao seu trabalho. O que se deseja, em
última análise, é mostrar que a genética quantitativa pode auxiliar os melhoristas em
todas as suas atividades. Para isto, serão utilizados, predominantemente, exemplos que
foram acumulados no programa de melhoramento do feijoeiro na Universidade Federal
de Lavras, nos últimos quarenta anos.

Contribuições e Perspectivas do Melhoramento Genético


de Plantas no Mundo e no Brasil

Estima-se que existam 350.000 espécies de plantas, destas 10 a 20 mil são


cultivadas pelo homem para vários propósitos. Cerca de 300 são cultivadas como
alimento, 100 a 150 são de maior importância econômica e apenas 14 (arroz, trigo,
milho, cevada, sorgo, cana-de-açúcar, batata, batata doce, mandioca, soja, feijão,
guandu, coco, e banana) são responsáveis pela produção de mais de 80% das colorias e
50% das proteínas consumidas pelo homem.
O melhoramento genético iniciou com a domesticação destas plantas. Embora
existam dúvidas, estima-se que a domesticação começou há 10.000 anos. Gepts (2004)
comenta que entre as tecnologias e/ou contribuições, a agricultura é provavelmente a
única que se originou independentemente em mais de um local. O geneticista russo
Vavilov citado por Allard (1999), foi o primeiro a associar a diversidade genética de
uma espécie, em especial a existência de ancestrais selvagens, como o local de origem
daquela espécie. O mesmo geneticista, posteriormente, optou por substituir centro de
origem por grupos ecológicos. Esses grupos foram estabelecidos em função das
respostas ao fotoperíodo, temperatura, reação aos patógenos e adaptação específica
dentro de um ambiente particular. Harlan (1992) optou por substituir o termo centro de
origem por regiões ecológicas.
Atualmente, embora ainda ocorram controvérsias, são consideradas seis regiões
ecológicas onde a agricultura originou-se. A Mesoamericana; a região dos Andes; o
Sudoeste da Ásia, conhecido como fértil crescente; a África; o Sudeste da China e o
Sudeste da Ásia (GEPTS, 2004).
O início da domesticação, ou seja, origem da agricultura foi o marco na
sociedade humana, pois essa passou de ser nômade e deu origem aos primeiros
.

povoados. Foi o período do melhoramento apenas como arte. Alguns dos nossos
antepassados utilizaram, sobretudo, acuidade visual e a sensibilidade para selecionar
alguns indivíduos para a reprodução e outros não.
Esse processo inicial foi demorado, contudo, muito eficaz. O que mais chama
atenção no processo de domesticação e, posteriormente, no melhoramento propriamente
dito, foi a obtenção de plantas, via seleção, adaptadas a ambientes completamente
diferentes do que elas se originaram. Na maioria das situações com desempenho muito
superior ao obtido no local de origem. Outro aspecto expressivo no melhoramento
foram as alterações, também via seleção, à que as plantas foram submetidas visando
atender às necessidades nutritivas e de manejo. Inúmeros exemplos poderiam ser
citados. No caso do feijão, por exemplo, é interessante o que ocorreu com o
denominado "pop-bean". Esse é um feijão da espécie Phaseolus vulgaris L. adaptado às
condições dos Andes. Nessa região devido às baixas temperaturas e à escassez de
combustível, o feijão tradicional dificilmente poderia ser consumido por exigir grande
quantidade de energia para o seu preparo. Foram selecionadas plantas, cujo tegumento
dos grãos estouram quando aquecidos por poucos minutos (pop-bean) e os grãos podem
ser consumidos como castanhas, sendo uma das fontes de proteínas dos habitantes
daquela região. Outro exemplo, que foi realizado para facilitar o manejo, ocorreu na
cultura da soja. As cultivares primitivas desta leguminosa eram completamente
decumbentes cobrindo todo o solo. Foram selecionadas plantas eretas, que deram
origem às cultivares atuais que, por serem bem eretas, facilitam o manejo da cultura em
praticamente todas as suas etapas.
Não existem muitos relatos com respeito à produtividade por área da plantas
recém domesticadas. Contudo, os resultados mais expressivos ocorreram a partir do
século XX, sobretudo após a segunda grande guerra mundial, por meio do
melhoramento genético associado à novas técnicas de manejo das culturas, em especial
o emprego de fertilizantes nitrogenados e posteriormente dos defensivos agrícolas. No
século XX o crescimento populacional foi enorme. A população do planeta passou de
pouco mais de um bilhão de habitantes em 1900 para mais de 6,9 bilhões no ano 2010.
Devido ao crescimento na produtividade por área, estamos conseguindo alimentar uma
população 2,17 vezes maior que a existente em 1961, com praticamente a mesma área
cultivada. Isto porque em 1961 eram cultivados 1,37 bilhões de hectares e em 2007 esse
número foi somente 13,1% acima, ou seja, 1,55 bilhões de hectares. Acrescenta-se que o
incremento na área cultivada ocorreu predominantemente na África, em que a
tecnologia agrícola ainda é baixa.
São inúmeros os trabalhos realizados visando à quantificação do progresso
genético nas principais espécies cultivadas (MILES; PANDEY, 2004; TRACY; GOLDMAN;
TIEFENTHALER, 2004). De modo geral, essas pesquisas mostram que houve expressivo
sucesso com o melhoramento genético em todas elas.
No Brasil a contribuição do melhoramento de plantas para a sociedade tem sido
marcante. Não devemos esquecer que devido à interação dos genótipos x ambientes, as
pesquisas visando obtenção de novas cultivares tiveram que ser todas realizadas aqui.
Não existia sob condições tropicais nenhum programa de geração de novas linhagens
que pudesse suprir o mercado brasileiro. Além do mais, os problemas ambientais nas
condições tropicais, tornam o desafio de obter novas cultivares muito difícil.
Embora houvesse alguns programas de melhoramento em alguns estados
brasileiros antes de 1970, eles realmente se intensificaram a partir desta data com a
criação dos primeiros programas de pós-graduação e da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA). Os primeiros resultados foram, como já mencionado,
.

expressivos. O caso da cultura da soja é um ótimo exemplo. Essa leguminosa é


originária de uma região da China de latitude de 30 o a 40o N. Quando ela é cultivada em
baixas latitudes, próximo do equador, como ocorre no Brasil, o comprimento do dia é
menor. Nessa condição o florescimento ocorre mais precocemente em detrimento do
crescimento vegetativo que é reduzido. Desse modo, as linhagens de soja provenientes
de condições de alta latitude quando cultivadas no Brasil apresentam produtividade de
grãos por área muito pequena que inviabilizaria o seu cultivo (PIPOLO; ALMEIDA; KIIHL,
2002). Antes de 1970 a cultura da soja no Brasil concentrava-se apenas nos estados do
Sul. Para permitir o cultivo nas regiões Sudeste e especificamente Centro-Oeste e Norte
do Brasil, foi necessário desenvolver plantas com período juvenil longo ( BONATO,
1989).
Conforme Vencovsky & Ramalho (2006) comentam, o sucesso da expansão da
cultura da soja, dependeu também da obtenção de plantas mais tolerantes ao calor e às
condições de fertilidade do solo prevalecendo nas regiões sob vegetação de cerrado. São
dignas de menção as pesquisas realizadas para a seleção de estirpes de Rhizobium
adaptadas às regiões do Centro-Oeste e Norte. Como conseqüência não há aplicação de
nitrogênio na cultura da soja no Brasil. Essas pesquisas e várias outras possibilitaram
que a área com a cultura de soja, que era, em 1962, de 240 mil hectares, ultrapassasse os
20 milhões de hectares quarenta anos após. A conseqüência não foi só tornar a soja a
principal espécie cultivada no Brasil, com maior faturamento nas exportações, mas
também proporcionar o desenvolvimento de novas cidades nas regiões Centro-Oeste e
Norte, acompanhando o avanço do seu cultivo.
Na tabela 1.1 é mostrado o que ocorreu em termos de produtividade, no Brasil,
de alguns produtos agrícolas. Veja que o ganho percentual anual, no período de 1974 a
2004, foi alto. As estimativas do incremento em produtividade são até superiores às
relatadas em outros países do mesmo período. Há evidências que 50% desse progresso
devam ser creditados ao melhoramento genético.

Tabela 1.1: Produtividade das principais culturas agrícolas no Brasil no período de 1974
a 2004 com o ganho percentual anual. Adaptado de Ramalho & Vencovsky (2006).

Cultura Intercepto Coeficiente de regressão linear Ganho


a (kg/ha) b (kg/ha) percentual anual
Arroz 1.010,73 71,54 6,61
Café 462,05 11,26 2,37
Cana de Açúcar 49.888,97 761,00 1,5
Feijão 393,99 9,89 2,74
Maçã 3.996,76 961,65 19,51
Milho 1.134,66 65,83 5,48
Soja 1.333,60 38,34 2,79
Tomate 20.148,23 1.138,41 5,34
Trigo 735,29 41,53 5,35

A partir de 1980, começou a chamada era da genômica. As novas tecnologias


descortinaram a possibilidade de seleção diretamente no DNA. Os avanços em termos
de conhecimento básico foram acima da expectativa. Porém, as aplicações práticas na
obtenção de novas cultivares têm sido inferiores ao que se imaginava.
Os desafios a serem superados pelos trabalhos do melhoramento genético das
plantas para os próximos anos são ainda maiores do que ocorrido durante o século XX.
.

Tomando como referência o Brasil, um país que tem no agronegócio mais de 30% de
sua renda, esses desafios ficam evidentes pelas seguintes razões:

1. Continuar atendendo a demanda interna de alimentos: A população brasileira deverá,


nos próximos anos, ser superior a 200 milhões de indivíduos e com perspectiva de
incremento na renda per capita. Nessa condição, a demanda interna de alimentos será
enorme. Adicionalmente, o Brasil deverá continuar sendo um dos maiores exportadores
de grãos e derivados do planeta. A produção mundial atual de alguns produtos e a
demanda estimada para 2005 é apresentada na tabela 1.2. O Brasil é uma das poucas
nações em condições de incrementar a área agrícola e a produtividade por área para
atender essa demanda.

Tabela 1.2: Produção atual e demanda futura mundial por alimentos e fibras (em
milhões de toneladas).

Produção Demanda Produção


Produtos Anual (2005) estimada (2025) Nacional
Cereais 2.219,40 3.140,40 921
Oleaginosas 595,05 750,97 155,96
Perenes 242,81 321,99 70,18
Anuais 352,2 437,98 85,78
Café 7,72 9,4 1,68
Fibras 28,5 36,37 7,87
Madeira 3.401,90 4.148,40 746,5
Adaptado: AGROANALYSIS, 2007.

2. Contribuir na produção de energia para atender a demanda interna: Embora o país


seja praticamente auto-suficiente em combustíveis fósseis, a política das últimas
décadas é ter outras fontes renováveis de energia. A produção de álcool a partir da cana-
de-açúcar tem sido muito eficiente. Contudo, a demanda de álcool é crescente e
inúmeras usinas de álcool estão sendo implantadas no Brasil, o que exigirá a expansão
do cultivo de cana-de-açúcar e uma procura acentuada para o incremento na
produtividade de álcool por área, que já é alta. Adicionalmente há estimulo
governamental de produzir óleos vegetais para serem misturados ao diesel. O programa
de biodiesel, ao que tudo indica, tem enorme desafio. O consumo de diesel no Brasil é
superior a 40 bilhões de litros. A estimativa é misturar até 5% de óleo vegetal até 2012,
mais de dois bilhões de litros/ano. Apenas utilizando a soja dificilmente a meta será
atendida, pois a produção média de óleo de soja é de 600 l/ha. Há outras espécies com
maior potencial de rendimento, porém todas elas estão em fase de domesticação. Será
necessário muito esforço de melhoramento para que o potencial de produtividade seja
atendido.

3. Produzir fibras, celulose e carvão de modo a atender a demanda interna e externa:


Será preciso incremento na produtividade de madeira, especialmente eucalipto, que já é
bem alta e também incorporar novas áreas ao processo produtivo. No contexto de
essências florestais, o melhoramento já deu enorme contribuição em termos de volume
de madeira (SILVA; BARRICHELO, 2006). A etapa atual é continuar com o incremento
em volume associado à qualidade da madeira. No caso específico de celulose, com
.

menor teor de lignina e densidade. Já para carvão o objetivo é oposto, aumentar a


lignina e a densidade.

4. Reduzir ao máximo o impacto ambiental advindo da agricultura: O sucesso do


passado em termos de resistência a pragas especialmente patógenos mostra que é
possível continuar obtendo resistência aos estresses bióticos. Entretanto, a ocorrência de
pragas e patógenos é crescente. Especialmente os patógenos apresentam grande
variabilidade patogênica, o que torna o processo de obtenção de resistência uma
atividade permanente em qualquer programa de melhoramento.

Depreende-se que a demanda para o trabalho dos melhoristas será enorme nos
próximos anos, especialmente no Brasil. O que preocupa é que o número de melhoristas
em todo o mundo está reduzindo (KNIGHT, 2002; LEE; DUDLEY, 2006). Isto ocorre
porque, com o advento das técnicas biotecnológicas, poucos jovens querem se dedicar
ao melhoramento convencional. O problema é agravado porque os programas de
melhoramento das Universidades, pelas facilidades de financiamento das pesquisas,
substituem os melhoristas por especialistas em técnicas biotecnológicas. Infelizmente
não dispomos de dados a respeito do número efetivo de melhoristas trabalhando no
Brasil. É certo, contudo, que é bem inferior ao desejado. A demanda de profissionais
qualificados nessa área é crescente, especificamente pelo setor privado.
Há atualmente consenso que a era do melhoramento por meio do fenótipo é
insubstituível. Não é uma ciência em extinção como alguns imaginavam. Para vencer
todos os desafios colocados será necessário que a seleção fenotípica seja ainda mais
eficiente que no passado. Para isto, todo o conhecimento, não só de genética mendeliana
como das áreas biotecnológicas serão necessários.
.

Capítulo 2

Habilidades requeridas para um bom


melhorista
No final do século XX e início deste século a preocupação com a formação de
Melhoristas de Plantas tem sido questionada em algumas oportunidades ( BAENZIGER,
2006; LEE; DUDLEY, 2006). Há evidente redução do número de melhoristas em todo o
mundo (KNIGHT, 2002) Esse fato é preocupante, pois como Lee & Dudley (2006)
escreveram, "without being overly dramatic we could say that plant-breeding as vital to
the continued survival of the human race, without well educated plant breeders, progress
in food, fiber and forage production will not keep up with the increasing human
population". Esse fato é particularmente preocupante para um país como o Brasil, que
tem no agronegócio uma de suas principais fontes de renda. Conhecer as habilidades
necessárias para ser um bom melhorista é fundamental na sua qualificação.
Como definido por Bernardo (2002), o melhoramento de plantas é a ciência, a
arte e o gerenciamento dos recursos para o aperfeiçoamento das plantas visando o
benefício da sociedade humana. Por esse conceito fica explícito que o melhorista deve
ter: conhecimento científico; habilidades individuais (arte) na seleção das plantas e/ou
progênies; a destreza de um bom gerente; e, sobretudo, uma visão holística da
agricultura e suas interações com a sociedade humana. Neste contexto, é que são
propostas algumas habilidades que os melhoristas devem ter. Nós não temos a intenção
de colocar todas as qualidades requeridas, mas acreditamos que sejam as principais:

Gostar do que faz

Essa é uma condição primordial para se ter sucesso em qualquer atividade


humana. No melhoramento, que exige dedicação de longo prazo, é fácil entender sua
importância. As diferentes aptidões que um indivíduo possui são, em parte, hereditárias.
Mas a aptidão por si só, não possibilita que o indivíduo goste do que faz. Na nossa
opinião é possível aprender a gostar do que se faz com o tempo, principalmente no caso
do melhoramento de plantas, haja vista ser uma atividade cativante e fascinante.

Ter muita persistência

Tudo na vida exige persistência. Mas essa qualidade é importante nos


melhoristas, porque se trata de uma atividade cujo sucesso normalmente é alcançado em
longo prazo. Muitos melhoristas trabalham arduamente por vários anos e só depois é
.

que conseguem recomendar uma cultivar que seja efetivamente adotada por milhares de
agricultores, melhorando sua produtividade e reduzindo o emprego de insumos. Como
consequência toda a sociedade que consome aquele produto é beneficiada. Muitos
melhoristas não persistem. A qualquer insucesso ou surgimento de uma nova ferramenta
paralisam o que estão fazendo e migram para novas áreas, atraídos muitas vezes, pela
maior facilidade de obtenção de recursos. Há no outro extremo o melhorista contumaz.
Aquele que realiza seu trabalho sempre do mesmo modo, acreditando que só o que ele
faz é eficiente. Persistência não se aprende. É uma aptidão herdada, mas pode ser
aperfeiçoada, sobretudo quando se está gostando do que faz. É difícil avaliar o que é
realmente o melhorista persistente no sentido de não perder o foco da sua linha de
pesquisa, porém é preciso estar atento às mudanças que possam auxiliá-lo a alcançar
seus objetivos.

Ter capacidade de eliminar

Normalmente se pensa que o melhorista seleciona os melhores. Em realidade, na


maior parte do seu tempo ele está é eliminando os piores. Em uma grande empresa de
sementes, o melhorista avalia anualmente quase 100 mil progênies F 4:5, por exemplo, na
esperança de no final obter pelo menos uma que substitua com vantagens as pré-
existentes. Há relatos que em 75 anos do programa de melhoramento de trigo da
Universidade de Cornell, EUA, foram avaliadas mais de 100 milhões de plantas e
recomendadas apenas 11 cultivares. Estima-se que no melhoramento de milho nos EUA
foram avaliadas mais de um milhão de linhagens e apenas algumas permaneceram na
obtenção de híbridos.
Segundo Baenziger (2006) o melhoramento é um jogo de números. Quanto
maior o número de indivíduos que você avalia em princípio, maior é sua chance de
sucesso. O mesmo autor comenta que os melhoristas são otimistas ao extremo, pois
descartam mais de 99,99% de suas plantas ou progênies para encontrar uma que irá se
transformar em uma rara cultivar de sucesso.
Fica evidente o que foi comentado no início do tópico, o melhorista elimina a
maioria dos indivíduos. Ele não pode ter remorso, acreditando que entre os indivíduos
eliminados está o que iria originar uma cultivar de sucesso. Quando ele atua assim,
acumula uma infinidade de progênies. Dificilmente todas elas podem ser avaliadas com
precisão, além do mais, as câmaras de armazenamento de germoplasma têm capacidade
limitada. Só devem ser utilizadas para armazenar o que for realmente promissor.

Ter conhecimento da Cultura

Como já mencionado, o melhorista deve ter uma visão holística da agricultura.


Em se tratando da espécie que está trabalhando, é indispensável que ele conheça todos
os aspectos de manejo envolvidos como também de mercado. Só assim, ele poderá focar
o seu trabalho na obtenção de cultivares que realmente irão solucionar os problemas dos
agricultores e atender as necessidades dos consumidores. Os melhoristas devem ser
agrônomos por excelência, conhecendo todos os detalhes das culturas. Recentemente,
profissionais de outras áreas estão direcionando seu aperfeiçoamento para a área de
melhoramento.
.

Para que eles possam ser bons melhoristas integralmente, e não apenas
"doutores" em algumas ferramentas que auxiliam os melhoristas, é necessário que
dediquem parte considerável de seu tempo no estudo de disciplinas envolvidas com o
manejo das culturas. Sem isso não terão persistência no melhoramento, pois a maioria
das ferramentas são úteis por algum tempo e depois são substituídas, mas o processo de
obtenção de cultivares, que se constitui o cerne do melhoramento, as avaliações em
condições de campo, não serão substituídas nunca e dependem, como já enfatizado, de
um amplo conhecimento da cultura em questão.

Ter conhecimento básico

O melhoramento fundamenta-se em algumas disciplinas básicas. Entre elas


estão: Genética, Estatística Experimental, Citogenética, Genética Quantitativa, Genética
de Populações, Biologia Celular e Molecular. Lee & Dudley (2006) comentam que há
diferença entre o treinamento e a educação. O treinamento é o direcionamento do
estudante para atingir determinado objetivo ou resultado. É geralmente alcançado por
meio de inúmeras repetições de uma determinada tarefa. Por exemplo, para realizar
hibridações no feijoeiro são necessárias inúmeras repetições da operação, para que o
futuro melhorista possa obter o maior "vingamento" possível das flores cruzadas, em
vagens. Já a educação é o conhecimento científico, visando o fornecimento da
informação para entender os princípios básicos do que está sendo feito.
É desejável que o melhorista tenha conhecimento científico bem fundamentado
em todas as áreas mencionadas. Isto porque são freqüentes as novidades em ciência e os
melhoristas devem ter informação para saber o que pode ser útil ou não, para o seu
programa de melhoramento. Por exemplo, na área de experimentação tem ocorrido
recentemente ênfase acentuada no emprego de modelos mistos, especialmente o BLUP
(Best Linear Unbiased Predictor) (RESENDE, 2002). Há situações em que a metodologia
é útil, contudo, não é a solução para todos os problemas na seleção de plantas e/ou
progênies. De modo análogo, tem-se a biotecnologia que coloca frequentemente uma
infinidade de técnicas à disposição dos melhoristas, tais como a genômica funcional,
metabolômica, transcriptômica e outras. Aqui também há situações que a ferramenta
pode ser útil, porém em muitos casos há exagero nas suas possibilidades em termos de
suas efetivas contribuições para o melhoramento de plantas. O conhecimento científico
é fundamental para poder discernir o que possa ser de fato útil e não desviar do seu
objetivo principal que é a obtenção de novas cultivares. Lee & Dudley (2006)
comentam que nem sempre a melhor ciência é a de alta tecnologia "high-tech science".
Enfatizam que os melhoristas, em realidade, praticam a mais complexa das ciências no
grupo das "ômicas", isto é, a "fenômica".
Do exposto os melhoristas devem ter uma sólida formação básica e necessitam
ler assiduamente para acompanhar os principais avanços nas diferentes áreas da ciência.
Mesmo que ele não esteja envolvido na nova tecnologia, pode associar-se a outros
grupos que dominam esse conhecimento e integrá-los no seu programa.

Ter capacidade gerencial

Diariamente os melhoristas atuam como gerente. Na condução de um programa


de melhoramento estão envolvidos uma série de recursos humanos, de infraestrutura e
.

materiais. O bom gerente é aquele capaz de manusear esses recursos de modo mais
eficiente possível.
Na maioria dos programas de melhoramento os recursos são escassos. É nessa
situação que se identifica o bom administrador. É comum, por exemplo, haver
deficiência de pessoal de apoio nas atividades de campo. A deficiência não é apenas no
número, mas também na falta de motivação, sobretudo devido aos baixos salários. O
melhorista tem que utilizar todas as suas habilidades gerenciais para motivar o pessoal
de apoio, de modo que eles se sintam co-responsáveis pelos resultados que serão
obtidos.
Existem ainda inúmeras atividades gerenciais associadas ao melhoramento
propriamente dito, que exigem decisões constantes, tais como: Qual população, cultivar
ou linhagem utilizar para iniciar o trabalho? Como proceder as hibridações? Qual
método de melhoramento utilizar? Quantas progênies deverão ser avaliadas? Quando
iniciar a seleção? Que alternativas utilizar para melhorar a eficiência do processo
seletivo? Entre inúmeras outras.
A capacidade gerencial pode e deve ser treinada continuamente. Essa publicação
tem por objetivo fornecer conhecimento e auxiliar os melhoristas na tomada de
decisões. Contudo é o trabalho do dia-a-dia que irá aguçar suas habilidades gerenciais.

Ter flexibilidade para trabalhar em equipe

Conversando com alguns responsáveis por programas de melhoramento em


grandes empresas produtoras de sementes, indagamos qual é o maior problema dos
recém-contratados. Eles argumentaram que são problemas de relacionamento, a
dificuldade que alguns melhoristas novos têm de trabalhar em equipe. Perde-se muito
tempo devido a problemas de relacionamento. O mesmo fato é frequente nos programas
menores das universidades e institutos de pesquisa.
Os problemas a serem resolvidos atualmente, exigem a participação de uma
equipe, muitas vezes multidisciplinar. Para que a equipe funcione, os indivíduos devem
ter flexibilidade para trabalhar em conjunto. É necessário aceitar a opinião dos outros,
valorizar o trabalho do grupo e ter humildade para reconhecer a importância de todos
que estão envolvidos na pesquisa. Mas não é apenas isto, é preciso que o melhorista
utilize todos os argumentos para expor suas idéias, estimular que elas sejam debatidas.
Não se pode simplesmente aceitar tudo o que é proposto sem nenhuma reflexão
científica mais aprofundada.
A flexibilidade para trabalhar em equipe pode e deve ser treinada já na
universidade, estimulando o trabalho em grupo. Na pós-graduação é necessário que as
pesquisas que estão sendo realizadas sejam comunitárias. Assim, o treinamento torna-se
muito mais amplo e os pós-graduandos adquirem maior flexibilidade para atuar em
grupo quando deixarem a universidade.

Ser empreendedor

Empreendedor é o indivíduo que procura realizar as atividades fora do comum.


É um melhorista mais arrojado. Que dedique pelo menos parte de seu tempo a
atividades científicas ainda não realizadas. O empreendedor é acima de tudo um
"futurólogo". Isto é, que identifica oportunidades que irão ocorrer nos próximos anos.
.

Sobretudo na obtenção de cultivares, que é um processo demorado. O melhorista que é


capaz de antever um problema ou mudança na forma de cultivo para os próximos anos
leva enorme vantagem. Quando o "fato novo" ocorrer ele já possui a totalidade ou pelo
menos parte da solução do problema.
A maioria simplesmente repete os trabalhos que estão sendo realizados. Quando
isso acontece a probabilidade de sucesso a médio e longo prazo é pequena. O
empreendedorismo é relacionado com outra habilidade muito importante que é a
capacidade de visualizar problemas relevantes, uma oportunidade de dar sua
contribuição na solução. É uma qualidade inata. Difícil de ser desenvolvida, mas
passível de ser aperfeiçoada. Esse aperfeiçoamento é possível por meio de uma visão
sistêmica do agronegócio.

Ter habilidade para expressar os resultados

O sucesso de um melhorista é medido pelas cultivares produzidas e efetivamente


adotadas pelos agricultores e também por sua produção científica. Sobretudo, aqueles
que são melhoristas nas universidades ou institutos públicos de pesquisa. Sem
produtividade de pesquisa ele não irá conseguir recursos para seus projetos. Se atuar na
pós-graduação não irá receber novos orientados e não irá contribuir para o avanço de
seu programa de pós-graduação.
O melhorista deve publicar seus resultados em periódicos especializados. Alguns
melhoristas importantes não publicam quase nada e, portanto deixam de dar sua
contribuição científica. Publicar não é uma tarefa fácil. As exigências dos comitês
editoriais são crescentes. A aceitação dos artigos é cada vez mais difícil e é preciso estar
preparado para receber críticas e aceitá-las ou refutá-las. Não se deve acomodar nunca.
O reinício é sempre mais difícil.

Ter sensibilidade social e política

Todo pesquisador, especificamente os que trabalham no setor público, devem ter


a visão bem clara de que seu trabalho visa o bem estar da sociedade. Ele é financiado
por ela. Embora muitas vezes não seja cobrado, ela espera o retorno do investimento
realizado. Todas as pessoas, direta ou indiretamente, pagam impostos. São esses que
custeiam a pesquisa. Portanto a sociedade tem o direito de obter o retorno do seu
investimento.
Muitos pesquisadores fazem pesquisa com o objetivo em primeiro plano, de
equipar seus laboratórios. Estão sempre à procura de um equipamento novo. Muitas
vezes se esquecem de procurar uma idéia nova. Fazem pesquisa sem se preocupar com
o foco social. Quando isso ocorre, a sua vida profissional torna-se efêmera.
Toda atividade humana é política. A científica não é diferente. O pesquisador
deve ter sensibilidade na política científica. Ela não deve e não pode ser confundida
com a política institucional. Aquela envolvida em cargos administrativos. A política é o
envolvimento no sentido de promover o engrandecimento da área de atuação. Sem essa
participação científica dificilmente o pesquisador terá recursos para seus trabalhos. A
sua área de atuação poderá perder espaço para outras com menor expressão. É preciso
ter em mente que os interesses de sua área de atuação devem ser politicamente tratados
por todos os cientistas da área.

Você também pode gostar