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COLECAO pha uulelers fat ? ee c ONO Na Ah COMO LINGUAGEM Oa NT a’ AFREUD x aa Te Dex PSICANALISE E PSTN EUa.Y AFORMACAO DOP UGS 1901: Nasce em Paris, no dia 13 de abril, Jacques Marie Emile Lacan, pri= meiro ftho de uma prés- pera familia catslica 1907: Nascimento de seu immao cagula, Marc-Marie, que mais tarde entrar para a ordem dos beneditinos com 0 nome de Marc: Frangois 1919; Matriculase na fa- culdade de medicina. Para- lelamente,estuda literatura e filosofia,aproximando-se dos surrealist 1928: Trabalha como interno da Enfermaria Especial para alienados da Chefatura de Policia, dirigida por Gaétan Ga- tian de Cérambault, que mais tarde reconheceré como seu tnico mestre na psiquiatria 1931: Apés examinat ‘Marguerite Pantaine, que havia tentado assassinar a atriz Huguette Duflos, escreve sobre 0 episédio (conhecido como "Caso Aimée’) uma monografia ‘que esti na génese de sua tese de doutorado 1932: Inicia sua andlise com Rudolf Loewenstein, Defende a sua tese de doutorado, Da psicose pa- rasica em suas rags com a persnalidade 193.4: Casa-se com Marie- Louise Blondin, com quem terd trés filhos; Caroline (1937), Thibault (1939) ¢ Sybille (1940) 1936: Sua comunicagéo sobre o ‘estédio do espe- Iho’, durante congresso da Associagio Internacional de Psicandlise (IPA) em Marienbad, € interrom- pida no meio por Ernest Jones, discipulo ebiégrafo de Freud 1938: Inicia relagdes com Sylvia Bataille, ex-mu- Iher do escrtor € fil6sofo Georges Bataille. Torna-se ‘membro da Sociedade Psi- canalitca de Paris (SPP) 1941: Separa-se de Ma- rie-Louise, Nasce Judith Sophie, ha de Lacan com Sylvia 1951; Sua técnica de ses- s®es curtas gera contro- vérsias na SPP. Dé inicio aos Seminérios, uma série deapresentacdes orais que onstituirdo 0 niicleo de seu trabalho te6rico 1953: Em meio & crise na SPP, faz conferéncias, fundamentais como mito individual do neuré- tico" (em que utiliza pela primeira vez a expressio nome do pai), "O real, 0 simbélico ¢ 0 imaginério” (que coloca suas teorias sob 0 signo do “retorno a Freud!) Fungioe campo da palavra da linguagem ‘em psicandlise" (pronun ciada em Roma). Deixa a SPP junto com Daniel La- gache, Francoise Dolto e outros 40 analistes. Funda a Sociedade Francesa de Psicandlise (SFP). Realiza WWW. VIVERMENTECEREBRO.COM.BR (0 seminstio Os ert te- icnsde Freud, primeito a ser registrado por estenotipis- ta, possibilitando posterior publicacao 1963: A IPA admite a filingao da SEP 1964: Lacan funda a Esco- |a Freudiana de Paris (EFP) com antigos alunos como Frangoise Dolto, Maud ¢ ‘Octave Mannoni, Serge Leclaire, Moustapha Sa- fouan e Frangois Pertiet 1966: Publicacao de Es- cries € criagio da colegio Campo Freudiano, digi da por Lacan 1967: Propée a criagio do “passe, dispositivo re- gulador da formacio do analista 1968: Langamento da revista Scie, do Campo Freudiano 1973: Publicagdo da trans ‘tigdo do Serninério XI, Os quatro conceitos fundamen- tai de pscandlie, realizado em 1964. A partir daf, os seminérios passam a ser editados segundo esse procedimento. Caroline morre num acidente de automével 1975: angamento de Or rican, boletim do Campo Freudiano 1980: Anuncia a disso- lugao da FFP e funda em outubro a Escola da Causa Freudiana 1981: Morre em Paris no ia 9 de setembro VIVER MENTE& CEREBRO PARA A PSICANALI ‘CLINICA DO REAL JACQUES LACAN, O MENINO. aris dormia is 3 horas da madrugada, Uma voz ga- ‘gucjante atendeao telefonema que Ihe interrompeu ‘omelhor do sono: ~ Ale. =A, Richard? — Aloo. = Alo, Martin Richard? = Sim, quem & = Lacan, = Quem? — Jacques Lacan. = Decteur? Oui, bom dia —Escute, Richard, espero no o estar incomodando. estou lendo um trabalho seu a respeito de A carta sobre os cegos, de Diderot, que eu aprecio muito, ¢ eu gostaria de discutir certos pontos, pessoalmente, com voce. = Mas com o maior prazer, Doutor — Que bom! Quando vocé pode? — Quando 0 senhor quiser, Doutor,é s6 me dizer que ‘vou encontré-lo. — Ah, como voce é amével, Richard, aguardo voce, entio, no café da esquina da Saint Michel com o cais, dentro de trinta minutos. E desligou Martin Richard ficou com o telefone na méo, com pouco tempo para decidir o que fazer. Nao tinha coragem de ligar de volta para Lacan, eram trés e cinco da manhi, no se fazia isso. Também no podia deixar o Doutor — assim ele era chamado pelos préximos ~ esperando-o sozinho em um café 6 teve tempo de calgar seus jeans, ténis,jaqueta, pegar sua bolsa de livros, descer correndo as escadas, montar VIVER MENTESCEREBRO RENOVADOR DO PENSAMENTO FREUDIANO, LACAN TROUXE = ELEMENTOS ESTRUTURALISTAS E CRIOU UMA APTA A ENTENDER O SUJEITO POS-MODERNO POR JORGE FORRES em sua bicicleta aproveitar 0 leve declive do Boulevard ‘Magenta para ganhar velocidade. Entrou no café disfargando a falta de ar e se deparou com Lacan em uma mesa de canto, rodeado de papéis. Com o melhor dos seus sorrisos, o Doutor Ihe estende a mio repetindo: —Puxa, como voce é gentil, Richard. Jacques Lacan gostava de dizer que tinha cinco anos. Aos cinco anos a pessoa tem um querer direto, sem intermediérios. E diferente do querer querelante € rei- vindicativo dos quinze, ¢ do querer conforme as regras do adulto. Mas vale um detalhe: ter cinco anos apés uma andlise, chegar aos cinco anos pelo convivio diério com 0 Real — conceito lacaniano que se refere & impossibilidade da nomeagio total de seu desejo (‘o que seré que seré que ‘nunca tem nome nem nunca terd2")—€ diferente de té-los por biologia ou retardo. Jacques-Lacan tinha cinco anos. JACQUES LACAN, O CIENTISTA ~"Eu sinto. que vocé..” Essa frase acabou se incluindo no repert6rio caricatural dos analistas, junto com a barba, a reserva pessoal, e.05 “hums-hums’. Ela se refere & forma como foi entendida a “contratransferéncia". Mais ou menos assim: quando 0 analisando ficar em siléncio, gaguejar oft se enganat, oanalista pode Ihe dizera verdade que lhe esta cescapando, através do seu sentimento, o do analista. Pensa- se que por ter feito uma andlise o analista esteja apto para se valer do seu sentimento como arauto do que o analisando teria dificuldade de dizer. F como se tudo fosse dizivel se nao fossem as dificuldades, e nao que haja na estruturagio humana um impossivel fundamental, impossfvel que esta na base da singularidade criativa da espécie. ESPECIAL LACAN, Jacques Marie Emile Lacan Jacques Lacan foi contrério a essa forma de compre- ensio da psicanélise, desde seu Seminario I, em 1953. ‘Al, ele no nega a existéncia da contratransferéncia, 36 defende que esse fenémeno — conhecido desde sempre: a reciprocidade empdtica ~ nao € uma técnica freudiana e, se utilizado na andlise, leva 0 analisando a sc identificar com o analista tal como uma pessoa vé 0 mundo pela 6ptica de sua familia, de como seus pais lhe interpretaram o mundo A contratransferéncia sensitiva Lacan antepés um projeto de cientificidade de escuta, Valeu-se da lingitstica estrutural de Ferdinand de Saussure que, com seu peso de iéncia, conforme Lacan explica em seu texto A insncia [ da letra no inconscente, ajudou a revelar que o inconsciente freudiano segue regras l6gicas a serem detectadas, pelo analista, na escuta da légica do significante. O incons ciente freudiano seria, para ele, estruturado como uma linguagem, ¢ nio por fantasias primitivas selvagens que teriam de ser domadas em uma suposta maternagem compreensiva analitica Sc lermosa contracapa de seus Escrtes, cole, langada em 1966, Ié veremos que Lacan queria pér a psicandlise na orientacio das ‘luzes’, do Tluminismo. Seu trabalho teve tanta repercussao, muito além de seus alunos, que ainda hoje muitos associam Lacan 3 lingistica, 1 que & desconhecer o que veio depois, especialmente depois de 1970. JACQUES LACAN, ENCORE, AS DUAS CLINICAS titulo do Seminario XX, Encore, "Mais, Ainda’, de 1973, destaca o fato de que nem tudo fot dito na clinica do sujeito do inconsciente, na légica do significante, nem tudo af pode ser tratado, ha algo "mais ainda’, que insiste LACAN QUERIA POR A PSICANALISE NA ORIENTAGAO J DAS “LUZES", DO ILUMINISMO ‘além das tentativas da ordenagio simbélica. E.0 tempo da clinica que dé primazia a0 Real, 8 certeza, nao & verdade; A conseqqéncia, mais que 20 sentido, a um Real sem lei de formacio, distinto do formulado pela ciéncia; a um Real do corpo distinto do biol6gico, 0 que explica 0 jogo de palavras do titulo original Encore, que em francés é homé- fono de ‘na corpo" PARIS EM 1930, época em que Lacan realizava estudos para especializar-se em piquiat’a : i ESCUTA DO SIGNIFICANTE. Lacan se valeu da lingstica estrutural de Ferdinand Saussure (20 lado) para desvendar as regraslégicas do inconsciente Ha, portanto, duas clinicasem Lacan: uma primeira que privilegia o simbalico, chamada de clinica do signifcante, € uma segunda que privilegia o real, chamada de clinica do ato, ou do real, ou, ainda, borromeana, referéncia & uma topologia nao cartesiana, Lembro que Lacan propés trés registros para o estudo da experiéncia humana, na seqiténcia daqueles propostos por Freud, 0 Id, o Ego ¢ 0 Superego, a saber: o Real, o Simbélico eo Imaginétio. Sua cexplicagio ultrapassa 0 escopo deste artigo Entre as duas clinicas, varias sao as diferencas, em especial quanto a0 término do tratamento, E comum falar que uma pessoa faz ou deve fazer anise para se conhecer melhor e, se conhecendo mais, ter maior possibilidade de acerto em suas escolhas, em seu caminho. O final da andlise seria um acréscimo de saber sobre o nao sabido, o “inconsciente’, ea sua verdade légica. E uma referéncia da primeira clinica. Jana segunda clinica, 0 objetivo nio é saber mais: quase aocontrario, Lacan fazuma virada de 180 graus nos anos 70, Para sustentar que o que e trata €o limite do saber, eno 0 seutacréscimo, €que o final da anilise esté do lado do saber fazer (savoir faire) com 0 nao sabido, com o inconscienie, ¢ ‘no do lado do fazer saber (faire savoir) a seu respeito. No podenco ter garantia desua aco em uma verdade prévia, resta uma aposta baseada em uma certeza a ser provada a postriori, Nao ha nada além da palavra, 0 que cequivale a dizer que além da cena esté 0 obsceno e no tum conhecimento maior Um analisando diz = Doutor, cheguei & conclusdo de que sou péssimo marido, mau amante e um pai mediocre. ‘Como reagir? Estamos habituados a ouvir intervengoes do género: ~ Por que 0 senhor diz isso2, ou: ~ Por que 0 senhor se deprecia dessa forma’, ou ainda: ~ O senhor cconhece alguma pessoa assim, na sua familia? Agora, imaginemos que a resposta sea —O fato de o senhor me dizer que é péssimo marido, ‘mau amante e um pai mediocre no diminui em nada a possibilidade de o senhor ser um péssimo marido, mau amante e um pai mediocre, Nota-se a diferenca, as pessoas passaram a achar que hi sempre alguma coisa além da palavra, logo, a0 se autocriti- carem o fazem com uma certeza intima de que nao é nada disso do que estio dizendo, poisaverdarle estéencobertaeé melhor quea aparéncia, Pois bem, segunda clinica de Lacan cexige conseqiéncia e responsabilidade, dando um basta no relativismo. Comentaremos mais no tito item. WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.8R JACQUES LACAN, O FORMADOR Diferentemente de Freud, que fez uma Sociedade de analistas, Lacan fez uma Escola de psicandlise. Pés 0 acento na tarefa, no no clube de classe, e nao titubeou em cis- solver sua pr6pria Escola Freudiana de Paris, aos 80 anos de idade, por considerar que os efeitos grupais estavam JORGE FORBES é psicanalista e psiquiatra; preside o Instituto dda Psicanlise Lacaniana (IPLA) e 6 membro das Escolas Brasl- leira e Européia de Psicanalise.Dirige 0 Projeto Analise (www. projetoanalise.com.br). Estabeleceu com Jacques Alain Miller © Campo Freudiano no Brasil efolaluno de Jacques Lacan, Seu lltime Tivo € Voce quero que desefa?” (Best Seller) VIVER MENTES&CEREBRO 10 A ALDEIA ESTRUTURALISTA Zvi Strauss © Barthes como pajés da nova order intelectual Lacan em 1966: “O inconsciente ests estruturado ‘como uma linguagem”. Lacan em 1972: "Meu dizer que ‘9 inconsciente €estruturado como uma linguagem nao é ddo campo da lingUistica”. Essas duas afirmagoesassinalam dois momentos distintos de um percurso ~ mas que no so necessariamente excludentes entresi.~ Como escreve jorge Forbes no texto publicado ne ‘as paginas, hd uma momento em que Lacan priv © simbélico e outro em que privilegia o real. De todo ‘modo, algumas categorias lacanianas, se nao se esgotam na lingiistica, talvez fossem impensaveis sem ela e sem 0 ‘estruturalismo —o movimento de pensamento que props encontrar, no solo comum das ciéncias humanas, certos invariantes que nao esto no sujeito ou na realidade em- pirica, mas no sistema de signos que funda suas relagbes e constitul seus agentes. Lacan compartilha com os estruturalistas dos anos 60 2 mesma rejeicao a “filosofia do sujeito” que fez com que, por exemplo, o fildsofo Michel Foucault e (© semidlogo Roland Barthes questionassem a no¢ao de “autor”, deslocando a teflexao para o ambito des- subjetivado das epistemes ou dos mitemas; ou que tez ‘com que 0 etnélogo Claude Lévi-Strauss abandonasse VIVER MENTESCEREBRO DO SIGNO. Acima, desento de 1967 em que Maurice Henry mostra (a partir de exquerdo) Foucault, hipoteses naturalistas ou biologizantes em relagao as eis ‘que regulam as relacdes sociais (em especial o incesto, ‘que passa a ser explicado dentro de uma economia de trocas simbélicas). Nesse sentido, o “retomo a Freud” que Lacan dizia ‘star fazendo tem algo de paradoxal, pois significa ao mesmo tempo despir o pai da psicandlise de algumas impregnagées darwinistas originais (que para Lacan ‘ameacavam deturpar a psicandlise em “psicologia do, Ego”). E, ao fazé-lo, langa mao das mesmas referéncias a lingtistas adotadas pelos demais estruturalistas ~ como Saussure ou 0 russo Roman jakobson (que, alids, foi um ilustre frequentador dos seminérios lacanianos).. Num segundo momento, fica claro 0 peso que tem «em suas teoras as referencias anteriores ao estruturalis- ‘mo, como Hegel e a fenomenologia (via Kojéve e Koyré) ‘ou Heidegger ~ nao faltando quem veja nas “trindades” lacanianas e numa expresso como “nome do pal” 0. teflexo de uma formacio catélica (seu irmao cacula, € bom lembrar, tornou-se monge beneditino). ‘Ainda assim, se podemos dizer que Lacan foi mais do que um estruturalista, certamente nao foi menos. do que isso. —McP ESPECIAL LACAN ira : AAS ESTRUTURAS NAO DESCEM A RUA. fase, escrita numa lousa de sala de aula da Sorbonne, ‘mostra como ae manilestagbes de estudantes ¢ operstcsfranceres em maio de 1968 colocaramn em xeque a eectualdade francesa, principalmente os estruturaistas, Sepedindo o trabalho que deveria ser feito. Chamou-se de Pere severe’, um pai severo e perseverante, duro de Seompanhar. Nao hi psicandlise sem psicanalistas, o que faz da for- secio de analisas um problema crucial paraa psicandlise, Sex aforismo “o analista s6 se autoriza de si mesmo’ foi ‘=I compreendido, Pensou.se que bastava se autonomear sseslists, sem qualquer outro crtério além da vontade. ‘OPH VIVERMENTECEREBRO.COM.BR (O engano é simples: confundiu-se ’si mesmo" com ‘eu mesmo". © “si mesma" € 0 ponto de intimidade estranha, de "extimidade’, que um analisante se confronta, em sua analise pessoal, muito diferente do nareisico “eu mesmo" A formacio lacaniana é complexae bem mais exigente que auniversitaria, uma vez que nao é padronizada, o que im- pede o cumprimento de formulas prontas, o "cumprimento de tarefas’. E uma formagio de um a um, € nfo em bloco. VIVER MENTE&CEREBRO " 12 DE LA PSYCHOSE PARANOIAQUE DANS SES RAPPORTS AVEC LA PERSONNALITE, Precmay Nore wee rete eaten Nio hi ‘turma’ de analistas, com ano de formacio, como hé turma de médicos, ou de advogados. sua proposta de escola feita em 1964, em um mundo ainda industrial, deve ser repensada quarenta anosdepois, em uma nova era da globalizagao: sera necessério decidir se € 0 caso de aprimorar 0 anteriormente estabelecido ou de mudar o paradigma JACQUES LACAN, O ANALISTA DO FUTURO E aurioso falar de um analista do futuro quando nos acostumamos a pensar em psicanalistas do passado. A idéia de que fazer anslise seja remexer no velho ba da infancia contribuiu para montarmos uma caricatura do psicanalista semethante antiga imagem do guarda-livros— uma pessoa ‘empoeirada e opaca Jacques Lacan é muito diferente dos modelos que podemos construir hollywoodianamente. Em vida, ele soube romper com todas as expectativas aprisionadoras. Apés sua morte, sua obra continua surpreendendo pela novidade, E, como se ndo bastasse 0 j& publicado, hi VIVER MENTE& CEREBRO i or) ey f6 também os Novos escrits, volume de 600 paginas que vém se adicionar as anteriores Lacan é um cléssico, no sentido de um pensador que resiste 20 tempo por nao se deixar aprender em nenhuma interpretacdo classificatéria. Sempre hd mais Lacan do que aquilo que se pode aprender, da mesma maneira que ha sempre mais S6focles do que qualquer representagio de Fdipo rei, ou mais Shakespeare, ou mais Van Gogh, ou mais Drummond, ou mais Tarsila Essas pessoas nao morrem porque nao ha timulo que as contenha, nao ha palavra que as explique. Se Foucault tinha razio ao dizer que a palavra é a morte da coisa, 15 cléssicos sio mais coisa do que palavra, € por isso falamos deles sem esgoté-los. Lacan evitou que a psicanélise se transformasse em metodo tolo de adaptacio social, armadifha & qual, infeliz- mente, alguns pés-freudianos néo conseguiram escapar. Ele pds o futuro na psicanslise. Demonstrou que as tentativas de explicagio de si mesmo acabam, inevitavelmente, em tum ponto duro, real, resistente — como em fisica fala-se ESPECIAL LACAN cem resisténcia dos materiais —a qualquer nomeagio, se- melhante ao “que ser que seré que nunca tem nome nem nunca ters’, cantado por Chico ¢ Milton. Na impossibilidade de se garantir por meio de uma explicaggo causalista ¢ reducionista do passado, o anali- sando € levado, na orientagio lacaniana, a inventar-se um futuro, sem nenhuma outra razio além daquela do desejo. E uma posigao nem sempre muito confortavel, apesar de mais se dedica a ser parte de um grande ideal ~ ndo hi mais grandes ideais —, quando a horizontalidade é mais importante do que a verticalidade anterior, Lacan prope que uma anilise possa ser conduzida além do Edipo, além das significages consagradas no ideal paterno ¢ de seus representantes, Ea andlise do futuro, de um sujeito de uma nova cra, Estamos comegando a desbravar esse caminho, seguindo as pistas deixadas por Lacan, . ANALISE LACANIANA PARECE A MAIS ee DIANTE DO FENOMENO DA GLOBALIZACAO centusiasmante, pois se trata de uma invengo sem garantia repartida, sem o beneplécito da accitagio grupal,seja de que grupo for. AtencZo: que no se pense ou se confunda essa invencio do futuro, na légica do desejo, com indivi- dualismo barato ou hedonismo de ocasio. ‘A anilise lacaniana parece a mais cocrente com as cconseaiiéncias da globalizacio sobre as pessoas, com 0 sujeito pés-moderno, Vivemos um momento de transigdo histérica do sujeito da era industrial para o da cra da slobalizagio, O sujeito industrial caracterizou-se pelo privilégio do eixo vertical das identificagoes. E 0 que cexplica a organizagio piramidal da sociedade industrial, presente na familia e nas corporacoes dessa época, Para entender esse sujeito,a estrutura do Complexo de Edipo proposta por Freud mostrou toda a sua importancia. (© Complexo de Edipo também € uma estrutura que privilegia o eixo vertical das identificagSes basta ver 0 papel fundamental que pai tem nesse modelo. Agora, quando entramos na globalizacao, quando o sujeito nao UNIV: sift CARTE DE \WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR FACULTE DES LETTRES TANT.’ SALA Tit Pern Re tao De seu legado, eu poria em relevo trés expressoes: “conseqiiéncia’,‘responsabilidade” “novo amor’. *Conseqiiéncia porque, contrariamente ao que pos- sa parecer, palavras no sio sé palavras. Nao hi nada a ser buscado além delas e sim nelas, como 0s. poetas que renovam 0 termo mais banal dando-lhe uma nova dimensio. O analista empresta conseqiiéncia is palavras do analisando. "Responsabilidade’ nao no sentido moral, mas no sentido ético. Lacan diferencia moral — usos ¢ costumes —de ética, posi¢ao subjetiva. A psicanilise lacaniana ensina que nao ha como nao se responsabilizar pelo acaso ¢ pela surpresa. A pessoa nao é s6 0 que escolhe, voluntaria- mente livre, mas também o que Ihe ocorre: "Eu sou o meu acontecimento’, “Novo amor’: psicanilise, dizia Lacan, no foi capaz de inventar um novo pecado, uma nova perverséo, Talvez seja capaz de inventar um novo amor, que nao seja volta- do ao pai em dltima instancia, mas que, sabendo dele se servir, possa ir além do chamado (em psicandlise, goz0 fico) ecaptaralgo do real feminino. Tanto a globalizagio quanto a psicandlise de hoje revelam que en- tramos em um nove momento, mais propicio & esséncia feminina. Muito dla cpidemia depressiva ce nossos dias fica esclarecida pela desorientagso cocasionada pela perda da orientagio rmasculina Lacan previuesses acontecimentos cedeixou os instrumentos para traté-los. Foium analista do futuro, one 'AFORMAGAO LACANIANA é comploxa e ‘bem mals exigente do que auniverstéria. ‘Ao lado, a cartsira de estudante de Lacan VIVER MENTE&CEREBRO- B 14 4 uma certa variagio ~ relevante, diga-se de passagem — na maneira como as diferentes reas de conhecimento, ou as diferentes linhas te6ri ‘cas dentro das mesmas disciplinas, abordam as questoes psiquicas, ou as chamadas “doencas mentais’. Quantas sii essas “‘cloencas’, como se origina, que conseqtiéncias trazem aqueles que sio acometidlos por elas, se sio ou néo passives de tratamento ou de mudangas significativas, tudo isto remete a nosografas distintas, isto é, a diver: sas formas metodologicas de descrevé-las ¢ também de traté-las. E nesse sentido que referir-se as manifestacdes psiquicas como “quadro clinico” ou Yestrutura clinica’ si0 coisas distintas: enquanto o primeiro tem uma etiologia médica e baseia-se no conjunto visfvel © momenténeo das manifestagdes sintomaticas (objetivase subjetivas) de uma doenca, a segunda refere-se 2 uma dada ordenacéo um dado relacionamento entre os varios elementos que compéem um conjunto ~ 0 psiquismo. Sem pretender tracar comparagoes entre quadro © estrutura clinica, meu objetivo aqui é descrever sucinta mente 0 que € a estrutura psiquica, quais os elementos que a compoem e suas subdivisoes. De qualquer modo, trata-se de um termo teorizado pela psicandlise, mais, cespecificamente por Jacques Lacan, Sigmund Freud nao se referiu em sua obra 20 termo cestrutura, mas afirmou intimeras vezes que ainda néo hé, no ser humano quando nasce, uma unidade comparével a0 ‘cu, O que ha € um certo caos resultante de um corpo ainda fragmentado e descontinuo.Para Freud, essa unidade 6 pode ser apreendida a partir de um esquema mental. Lacan, por sua vez, afimou que esse esquema mental no é um dado natural, mas antecipado para o bebé por LACAN IDENTIFICOU NA NEUROSE, NA PSICOSE E NA PERVE RSAO TRES MODALIDADES DISTINTAS DE “FALTA” QUE DETERMINAM AS FORMAS DE DEFESA CONTRA O GOZO DO OUTRO Por Laura BATTAGLIA um Outro antes mesmo de sua capacidade motora se ex- pressar. (Outro, aqui, nfo como semelhante ou parceiro com quem o sujeito buscaré identificar-se, mas como aquele que esta para além de uma dimensio imaginéria, sendo 0 portador de um tesouro de significantes. Ito &, uma instincia que é feita de palavras e que as porta até 0 individuo, permitindo-the aceder as representagies © assim estabelecer diferencas entre aquilo que aparente- mente ~ ou imaginariamente — pode parecer semelhante. Incluam-se aa diferenca entre os sexos e as gerages que estabelecem as relagdes de parentesco. Quem primeiro ocupa esse lugar de Outro, para a crianca, € aquele que exerce a fungio materna.) ‘Ou scia, a apreensio da imagem do corpo proprio € unificado é fornecida antecipadamente por um Outro 20 bebs, permitindo que haja a instalacdo das experiéncias subjetiva ¢ cognitiva nele, O corpo préprio nao é um objeto fisico-quimico que responde natural e instintiva mente 20 mundo que o cerca (como seria adequado dizer a respeito do organismo), mas sim a partir da apreensdo da propria imagem fornecida pelo exterior, a partir de uma perspectiva privilegiada e individualizada pela qual apreen- de também os objetos do mundo. Tal imagem, portanto, ngo é uma informacao passiva dada ao individuo, ela é pregnante ¢ tem uma importante fungio formadora, F ela {que permite ao corpo sair do caos incial de fragmentago passar a unificacao, tornando-se ao mesmo tempo lugar das representagoes psfquicas. ‘A necessidade de Freud falar da representagio psfquica € da formacéo de uma unidade chamada “eu partiu de seu aprofundamento sobre as questes relacionadas & natureza € a0 tratamento dos sintomas psfquicos, mais [ALETRA EA VOZ. Conhecido pela transmisio oral de suas teores por meio ‘dos Seminiros, Lacan também produziuensaiosreunidos em livros como ertos e Outros excites. Ao lado, manuscito inéclito de uma anotagdo em que comenta ume passagem do flisofo ruso Alexandre Koyré VIVER MENTESCEREBRO ESPECIAL LACAN | lng: EMM *Arenbinn Gintnc jo Me plecsant fa th eg the” Atey dre Kayne’ a to ode fo nal oe ened le fed Mia’ ab She Ms tetine - sa Ue twit nee AMtimy Ade ds lohan: OU a tae at ALY ‘ Gust hut allindus # dye’ Chrabdnitne for te fare tadnr dav, | Lingphas —» Vorle gu brefnen ree rtm Pome gue bonlia ee Bey aD fu 16 (© CORPO nto & come @ organism, um objeto fiico-quimico que responde instinsvamente ao mundo que 0 cerca, mas. sim a apreensio da prépria imager fomecida pelo exterior, {que he permite sairdo caos ical de fragmentacto e passar 3 Unifeagso, tornando:se lugar das represenitagdes psiquicas. Ao lado, Estudo para Calypso (1934), de Henri Matisse especificamente sobre a histeria, tema que havia muito 44 vinha Ihe despertando a atengo. Descobriu, durante 1 atendimentos clinicos a suas pacientes histéricas, que «sts, a0 falarem, faziam desaparecer momentaneamente 10s sintomas ou entio deslocavam-nos para o corpo. No entanto, o que de mais significativo ele escutou destas mulheres foi que seus sintomas estavam intima e indisso- ciavelmente ligados 3 sexualidade. Da teoria inicial sobre o trauma infantil da seducio perversa praticada por um adulto, passando pela formu- lagio do trauma como psfquico, para finalmente chegar& teoria da estratégia do desejo insatiseito, Freud percorreu tum longo caminho até a construgéo da psicandlise pro- priamente dita. Nesse percurso, a questo central que 0 guiou foi o sintoma como defesa necesséria contra uma representagio sexual intolerével DESVIOS PERVERSOS E POLIMORFOS ‘A sexualidade humana néo tem por objetivo natural um tinico ¢estanque propésito de reproducao da espécie. ‘Tampouco se exerce de uma maneira padrio. O homem nao se relaciona sempre com alguém de sexo oposto, ele ndo visa necessariamente o prazer sexual sem sofrimento; a sexualidade nio precisa se expressar por meio dos geni- tals, mas pode ser praticada por meio de outras partes do corpo, adornos ou aderegos; seu inicio nao ocorre numa idade ou situacdo predeterminada, a sexualidade sequer tem de ocorrer na relago ou na presenga de um outro ser hhumano, podendo se dar com animais, objetos ou mesmo com 0 préprio corpo ¢ imaginaco. Em resumo, Freud nao s6 constatou, mas teorizou a respeito da inexisténcia de um caminho natural para a sexualidade humana, que se manifesta por meio de desvios perversos € polimorfos. Nao ha portanto uma maneira tinica de satisfazer 0 desejo {sempre sexual], 0 que confere ao humano a sina de estar sempre insatiseito frente aeste em nome desses desvios que Freud falou em pulsio sexual (sempre variével, portanto exercida de formas patciais) ¢ no em instinto (padrao de comportamen- to préprio de cada espécie animal). A libido é 0 que penetra, percorre e marca 0 corpo, sinalizando-o pela preméncia de ser satisfito. Freud diz que, no inicio da vida de cada bebé, hé um tempo mitico em que ele tem suas necessidades todas satisfeitas pela mc, ¢ que seria 0 retorno a essa experiéncia de satisfacdo que o individuo ‘VIVER MENTES&CEREBRO ESPECIAL LACAN WWWLVIVERMENTECEREBRO.COM.BR buscaria pelo resto de sua vida, sem jamais encontrar. ‘Avangando na leitura particular que faz de Freud, La- can nomeia gozo essa busca pela plenitude (como se fosse possivel encontrarmo-nos com o objeto completo de sa- tisfagdo!) Portanto, para ele, o Outro, aque nos referimos anteriormente, no s6 fomece a imagem ideal do corpo, como também o marca perpassando-o pela libido ou, dito de outra forma, pelas pulses sexuais que o percorrem € nele entram pelos orifcios comporas, deixando marcas do g0z0 do Outro. A IMAGEM UNIFICADORA DO CORPO O corpo € 0 lugar continuo de introjecio de ideais de identificagio e da sexualidade, Ele € objeto do Outro, ao ‘mesmo tempo em que é lugar onde os objetos préprios se particularizam. O que a imagem unificadora do corpo faz é fornecer uma certa configuracao da distribuigao dos objetos, uma certa organizagio do espago ¢ do campo conde estes aparecem. A imagem fornece a representagio de um campo visivel, € no simplesmente a reprodugio de propriedades naturais dos objetos. Essa imagem fornecida pelo Outro, marcada por sua sexualidade, e que € ao fundamental paraa consttuiglo do euedo sujeito, evela, ao mesmo tempo, um drama: aim- posigio do desejo do Outro, em contraposicdo a0 préprio ‘desejo. Essa imagem fornece elementos para compreender ‘o que Lacan denominou registro Imaginario, o campo dos ideais introjetados e sedimentadas pelo Outro, o registro do engodo das imagens ideais e globalizadoras. O mundo objetal — do qual faz parte 0 proprio sujeito — é sempre constituido através do Outro, e é por isto que a percepcio dos objetos é sempre conformada & imagem corporal. (drama fica ainda mais intenso se pensarmos que esse g020 ~ a marca da sexualidade do Outro no sujeito ~ € traumético. A propria sexuagao no corpo ainda prematuro de um bebé € traumatica, como um gozo enorme que 0 invade, tornando-se a expressio da funglo pervertida da sexualidade que a crianca experimenta como sendo pré- pra, isso precocemente. Para escapar desse encontro constante com a imagem de si mesmo e do trauma sexual, ito €, para que 0 sujeito se salve da submissao ao Outro, € preciso que ele sustente © seu proprio desejo. Podemos entender desejo como a negatividade do mundo narcisico, isto €, como aquilo para o que nao ha objeto dado e conformado de satisfagao plena, como LAURA BATTAGLIA €é psic6ioga clinica e mestre em psicologia pela USP, docente da Faculdade de Psicologia da Universidade Mackenzie. VIVER MENTE&CEREBRO 7 18 fazem parecer as imagens ideais. O desejo € sempre de coutra coisa, que nfo complementa aimagem e no satistaz a8 pulsdes — 0 desejo pressupée a falta. Falta que, als, ‘marca uma das diferencas entre Freud e Lacan: enquanto para Freud o desejo tem uma génese empirica na perda da simbiose do bebé com sua mae, para Lacan o desejo ¢ a necessaria relagéo do ser com a falta. (© DESEIO ter, para Freud, uma génese empirca na perda da “Smbiose clo bebe com sua mae. Ao lado, Famifa do acrobata cam tum macaco (1905), de Picasso do significante nio para 0s sintomas, mas sobretudo na constituigao do aparelho psfquico. Mas dentre os signi ficantes, Lacan destaca um que é fundamental: 0 Nome: do.Pai, osignificante da castragio que intercede em favor do sujeito,justamente salvaguardando-o de sucumbir 20 ozo total do Outro. Para a linguistica de Saussure, o “significado” é um cconceito, uma idéia referenciada & palavra, e nfo 0 objeto real aque sc refere. Da mesma forma, 0 significante’ nao 6 0 som pronunciado ao se enunciar uma palavra, mas a sua imagem actstica. O signficante ¢ o significado tém absoluta independéncia um do outro, aparecendo como tum par associado, mas no estanque € fixo. Jé para Lacan, o significante ndo s6 € auténomo em relacio 20 significado, como também tem uma impor- tncia essencial que nfo pode ser igualmente atribufda 20 significado: antes de querer significar 0 mundo, o que & televante aos bebezinhos éa relagao que eles mantém com 1s fonemas, Diante da sustentacio simbdlica do Outro, ‘os jogos vocélicos a que se entregam sao visivelmente prazerosos e, como se verifica na andlise pessoal a que se submeetem os pacientes, esses jogos so fundamentals para a constituigio do psiquismo. Freud, ao destacar a fala como instrumento fundamen- tal do trabalho analitico, o fez subvertendo 0 conceit que se tinha na época dos atos falhos e correlatos, entio entendidos como falhas de linguagem. Se era uma situagao corriqueira nio se considerar um lapso de linguagem, ou tum ato falho, ou mesmo um esquecimento. fatos reve- ladores e significativos, foi justamente af, nesse campo, que Freud buscou a riz de todo psiquismo. Uma palavra “imal empregada’ néo é casual ou desprovida de sentido para aquele que a proferiu, pois justamente ela revela um PARA FREUD, O DESEJO TEM GENESE EMPIRICA, PARA LACAN, E A NECESSARIA RELACAO DO SER COM A FALTA O que da forma a este desejo é a Lei, 0 que Lacan designou Simbélico, um registro psiquico ligado a funcSo dla linguagem, Nao da linguagem comumente associada & ccomunicacio de contetido, mas especificamente do signi- ficante como Lacan o toma da lingitistica de Saussure: uma realidade psfquica produzida por uma imagem acistica Freud deu & palavra sua importancia para a criagio ea dissolucao dos sintomas, e Lacan reconheceu a primazia \VIVER MENTE&CEREBRO pouco daquilo que 0 recalque tenta encobrir: 0 descjo suscitado pela falta aberta no aparelho psiquico, quando da entrada da sexualidade nele. A forma de estas palavras se apresentarem na boca do falante (chistes, atos falhos, lapsos), constitu, juntamente com os sonhos, o que Freud denominou formacées do inconsciente E nesse sentido que toda palavra significante revela uma parte da verdade do sujeito, mas nao toda, ja que seu ESPECIAL LACAN. desnudamento total seria insuportavel. £ sempre preciso proferir outros “erros" para se configurar um tantinho mais dessa verdade psiquica, Assim, vai-se de uma palavra relevante a outra (ou, dito de um modo lacaniano, de um significantea outro), compondo uma rede de significagbes. Pode-se dizer, entio, que os signficantes dialogam entre psiquismo pela falta, pela precocidade e pela incompletude humana, pelo fato deo homem saber-se mortal sem poder evitara chegada do fim da pr6pria existencia, O traumatico existente no pulsional se déjustamente porque o significante nfo consegue assimilar toda libido no aparelho psfquico, deixando transparecer o furo, a insatisfacdo que a energia cS SIGNIFICANTES DIALOGAM ENTRE SI, REVELANDO UM SENTIDO EXPRESSO E OUTRO LATENTE si, deslizam de um a outro revelando sempre um sentido expresso ¢ outro latente — este ultimo s6 parcialmente clarificado pela emergéncia de um outro significante Nessa formagao em rede, nessa passagem de uma pa- layra a outra, Freud identificou dois mecanismos basicos (distintos, mas complementares): o deslocamento e a condensagéo, responsiveis pelas formagées do incons- iente. Lacan, por sua vez, utilizando-se novamente de termos da lingiistica, os denominou, respectivamente, metonimia e metafora. que tai palavras significantes nao revelam—a0 mesmo tempo em que mostram ~ € 0 buraco necessério aberto no ! i i i : i crrante abre no corpo. Enfim, as palavras de certo modo substituem e mantém um tanto distante o inevitivel horror que o limite da vida reserva a cada um. Sao elas que tornam simbolicamente suportavel 0 vazio inevitavel da falta, isto 6, sfo clas que tentam fixar a pulsdo a um representante, dando-the diregao, Esse tanto de fluxo pulsional, que per ‘manece errante ¢ sem representante, é0 que causa o préprio aparelho psiquico, no sentido de que é um buraco Real que clama por um significante que o fixe a um objeto e por uma imagem que lhe dé consisténcia, mas tudo o que encontra é amarca de um objeto ausente (denominado por Lacan objeto 4), oiléncio, Mas o Real & mais do que o abd a; ele € 0 JACQUES LACAN durante apresentagao promovida pela Escola Freudiana de Pars em Roma (1974) WWW. VIVERMENTECERE8RO.COM.BR VIVER MENTES:CEREBRO 19 imponderdvel, o sem sentido que retorna incessantemente uestionando 0 sujeto e sua existéncia Estes trés elementos ~ Real, Simbslico ¢ Imaginario —sio, para Lacan, absolutamente indissociaveis. Registros {que se entrelacam e, juntos, dio consisténcia e existéncia a0 psiquismo. ‘Na teoria lacaniana, portanto, 0 aparelho psiquico € ‘uma estrutura tinica composta pelo Real e pelos registros Ja na privacdo 0 sujeito se ressente da auséncia de um objeto Simb6lico. Ha uma aco Real, uma falta Real sobre a qual 0 Simbélico nao tem efeito, deixando exposta a ferida de um furo aberto. A pulsdo permanece errante sem fixacio no organismo ¢ o recobrimento significante ne- cessirio para dar-the existéncia corporal nfo se apresenta de forma consistente para compor a rede de signficagdes. O furo Real ¢, € agente Imaginario nao consegue aceder REAL, SIMBOLICO E IMAGINARIO SE ENTRELACAM E DAO CONSISTENCIA E EXISTENCIA AO PSIQUISMO do Imaginario e do Simbélico, que se configuram em torno do furo inicial, isto é, do objeto a. O que Lacan demonstra nessa articulacio entre os elementos € que eles podem se ccompor de trés manciras diferentes, resultando em trés “subestruturas' distintas, conforme o recobrimento que se dé a esse objeto a Estas trés subestruturas clinicas referem-se as trés for- mas diversas de defesa contra o trauma, contra 0 g0z0. Sao elas: a neurose (resultante do recalque); a psicose, (resultante da forcasio) e a perverséo (resultante da dene ‘gacdo). Para cada uma delas, hd uma modalidade distinta de falta, que sao, respectivamente: a castragao, a privacso ea frustracio. Dito de outro modo, a castragao — que € a Lei, 0 que interdita 0 incesto, ou ilusdo de completude ima- ginéria entre mae e bebe — fundamenta-se pela falta de um objeto Imaginério, Ou seja, é uma ag3o Simbélica que rompe com a ilusio de uma satisfagdo plena ¢ de um par complementar. O agente que opera este corte € um agente Real, encarnado pela mae que introduz & crianga um outro elemento (além deles dois), que Ihes servird de intermedidrio e marcard que entre um ¢ outro hha um abismo de incompreensio ~ este elemento € 0 significante Nome-do-Pai, Desse corte resultam a neu- rose ¢ suas trés derivagdes: a histeria (como insatisfagio do desejo, em que a excitacao sexual é desligada de sua representacao, instalando-se no corpo), a neurose ob- sessiva (como impossibilidade de realizacio do desejo devido 2 permanéncia da excitago sexual no aparelho psiquico, mas deslocada de representacio), ea fobia (como evitagao do desejo, por conta da emergéncia da angiistia resultante do confronto com o objeto do desejo do Outro) INEUROSE, PSICOSE, PERVERSAO. Lacan demonstra que a artculagio entre o Reale 0s regjstros da Imagindrio e do Simbico resulta em ts "subestruturas”distntas VIVER MENTES:CEREBRO- 20 Simbélico recobrindo-o. O que resulta dessa agio é a psicose € suas variagdes: a parandia (em que a auséncia do Nome-do-Pai faz com que toda vez que 0 Simbélico €convocado a responder a invasao do Outro, o que surge tem seu lugar € a alucinacio como resposta Real, sendo caracterizada pelo delirio de grandeza e de perseguicio e pela erotomania, ambos utilizados para tentar reinvestir os objetos € dar-Ihes 0 contorno que © simbélico nao ESPECIAL LACAN dew); a esquizofrenia (onde nao hé, como na parandia, @ recurso do delirio, onde os objetos de perseguicio sao rmultifragmentads, invadindo macigamente 0 individuo eapsicose manfaco-depressiva (caracterizada pela confu so indissocisvel entre desejo e goz0). Por fim, 2 frustragio, que é sentida imaginariamente pelo sujeito como um dano. Ele se sente lesado por nao Ihe ter sido dado (por “direito” incontestével) um objeto precioso ¢ Real. Nesse plano, areivindicagao pelo “direi rio tem fim ¢ nio respeita leis ¢ interdicBes — 0 agente Simbélico fica, assim, atado ¢ sem acio efetiva que possi bilite ao sujeito suportar a falta imposta pelo Real. Estamos aqui no dominio da perversao Desse modo, a contribuigdo essencial (¢ diferencial) de Jacques Lacan & compreensio do aparelho psfauico, de seus acometimentos € seu tratamento, situa-se no fato de que, a partir de suas id€ias, os fendmenos, comporta rmentos ¢ as manifestacdes sintomidticas no sto, em si fatores determinantes sobre os quais se possa hasear um diagnéstico clinico, E preciso, para tanto, escutar em cada sujeito a forma de o significante Nome-do-Pai operarede a pulsio ser enredada e fixada na rede de representacdes, situando o significante ¢ 0 objeto em relacio 20 Real Simbélico ¢ Imaginario, Ea composicao desses elementos que dard a dimen- so da estrutura sobre a qual se deve operar, € 0 ponto \WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR ‘OFLUXO. PULSIONAL, ‘que permanece cerrante sem representante, aque causa préprio apareho psiquico, € um uraco Real ‘que ciama por ‘um significante que ofixe aum objeto por uma Imagem que the

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