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ex: Jog 3. O espirito e o cérebro O que é um espirito capaz de conceber um cérebro capaz. de produzir um espirito? ‘Quem poderia duvidar da presenga do espirito? Renunciar & ilusdo que negara sua exst@ncia, mas, 0 contro, comegar areconhecer a complexidade, a riqueza, a insondavel profundidade da beranga, genética e cultural, bem como da experiéncia pessoal salma uma “substincia”imateial no significa consciente ou no as quai, juntas, constituemaserque somos, tinico einegvel testemunha de si mesmo, Jacques Monod Se etwas “igaon Balicha' patel dbdeie'a in! palace i sar av eEaEG Pail pd Contr erica upto an textioac 1 aig ose atte ede gue ives vento ecompst io dine nt cclr ana efile do expe ado do and, 0 am peblics deport nomala meatal 8 ie oo, esa uss explodes so igualmente gies, mafia, atbiria smbicas A hiptese do Espino em tad mais fantstiea do que ada Mai 6. hing O extraordindrio problema Eis aqui duas nogdes, 0 cérebro e o espirito,ligadas por um n6 26rdio que nio se pode desatar, em tomo do qual giram as visBes de 78. OMét000 3 ‘mundo, do homem, do conhecimento, em relagio as quais $6 se pode decidir com um birbaro golpe de espada, Nesse sentido, eles so dois aspectos do mesmo. Mas, simul- taneamente, que fosso ontol6gico, légico, epistemol6gico, ha entre 0 <érebro eo espitito! O que tem a ver esse miolo gelatinoso com as idéias, com a. religito, a filosofia, a bondade, a piedade, o amor, a poesia, com a liberdade? Como pode essa massa mole, tdo surpreendente quanto 0 abd@men da rainha das Wacas, gerar e tages, -imento? Como pode ser que essa substincia indolor nos dé a dor? Que sabe esse magma insensivel da infelicidade e da felicidade que nos faz. conhecer? Inversamente, 0 que sabe 0 espitito do cérebro? Espontaneamente, nada. O espirito é de uma cegueira extraordindria em relagdo ao cérebro, sem o qual no existiria. A pratica médica reconheceu, desde Hipécrates, o papel espiritual do (Ebr; 0 Conhecimento experimental comecou a exploré-lo, O espirito nada sabe, por si mesmo, do cérebro que o produz, ‘© qual nada sabe do espirito que o-concebe. Hii ao mesmo tempo mo ontoldgico e opacidade miitua entre, de um lado, um érgiio_ cerebral constitufdo de mithares de neuronios ligados por redes, movidos por processos elétricos e quimicos, e, de outro lado, a Ima- gem, a Idéia, o Pensamento. Contudo é juntos, mas sem se conhecer, que eles conhecem. A unidades deles é conhecimento, sem que disso ‘enkam conhecimento. Sio estudados em separado: ui pelas ciénci- as biol6gicas, 0 outro pelas ciéncias humanas. Psicociéncias rociéncias ni se comunicam, embora a questio principal para am- bas tivesse de ser a da ligagdo entre elas, 0 grande cisma Um mesmo paradigma nao para de impor um antagonismo in- superivel as nossas concepeses do espirito e do cérebro. Estas per- ‘manecem condenaulas a disjungdo,& redugdo (do espirito ao cerebro) 0118 subordinagao (do cérebro ao espirito). A Grande Disjungio que reinana cultura ocidental desde o século XVI ventilou 0 cérebro no teino da Ciéncia, submetendo-o as leis deterministas e mecanicisias dda matéria, enquanto o espirito, refugiado no reino da Filosofia e das 79 2 legs 6 elo letra Eboxr Moris Humanidades, vive na imaterialidade, na idade e na liberdade. ‘Quando os dois reinos se encontram, entregam-se a Guerra metal ca do Espirito livre contra a Matéria determinista, e serd no terreno \ dittelagio espitito-cérebro que se disputaré a principal batalha, vy O antagonismo do materialismo ¢ do espiritualismo § | ainda mais radical porque cada concepgao é hegem@nica e redutora: ¢ | assim, 0 materialismo reduz tudo o que é espiritual a uma simples / emanagio da matéria, e o espiritualismo reduz tado-o que é material ¢| 2m Subproduto do espirito. ‘ A polémica entre as duas obsessdes metafisicas do materialis- \__ moe do espirituatismo estimulou ao mesmo tempo a pesquisa e atro- fiou a reflexao sobre o espitito e o cérebro. As duas concepedes de- vem, porém, ser compreendidas. Compreende-se que o espirito cons- ciente tenha aparecido como entidade superior governando pensa- mento, a decisdo, a agio, e que se tenha considerado o universo como animado por um principio espiritual. O Espirito de Deus, segundo as Escrituras e a Razo teolégica, cr undo, a vida, os homens, A riagio descia do Superior ao infer jas, no século XIX, 0 Espiri- to teve de desce no universo da cigneia, um ferrivel aviltamento; com Lamarck, e depois Darwin, deu-se a inversio: tudo ti 6rio, para ascender, evolui para Alto, € Cespirito tornava-se fruto Gitmo da evolugio, no mais autor pri- meio da Criagio. Ao mesmo tempo, a ciéncia do século XIX esten- dia a todos os dominios o determinismo material em detrimento, cla- ro, da liberdade de espirito. Por isso, era natural que se afirmasse {riunfalmente o monismo materialista de um Vogt, para quem o cére~ bro “excreta os sentim. iM como os rins excretam a urina”. O espirito, nessa concepedo, s6 pode ser um fantasma, De fato, as descobertas do fim do século XIX, revelaram que {todas as atividades mentais ou intelectuais sao localizadas ou ao me- nos inscritas no cérebro. O espitito recua, dobra-se, fragmenta-se e, Sob 0 efeito das vit6rias deterministas e simplificadoras, parece ter de volatilizar- ‘ ‘Mas, nessa derrota, Bergson empreendeu uma batalha do Marne capaz de estabilizar uma frente de resisténcia. Bergson reconhece as aquisigdes da pesquisa cerebral para melhor afirmar que o espitito transborda por todos os lados a sua expresso em termos de 80 © MeTon0 3 cérebro, o qual é uma “imagem” produzida pelo nosso espirito. Ao longo do século XX, a resisténcia do espirito foi encoraja- da por uma crise inespet ol at nha obtido a sua mais impressionante vitOria: na base da realidade fisica. Com efeito, 0 desabamento conjunto da substancialidade da/ “=~ tum enigma © um mistério sobre 08 quais se precipitou o ¢ 10, retomando a esperanga de reconquistar © mundo, niio mais ape- sar dos progressos da ciéncia, mas desde entio gragas a eles, Mas, se a materialidade fisica perde terreno, a materialidade bioquimica do eérebro ganha. As neurociéncias dio novos saltos para 4 frente, Descobre-se que nio ha atividade intelectual, movimento de alma, delicadeza de sentimento, o menor sopro de espirito, que iio corresponda a interagdes moleculares € nao dependa de uma qui- mica cerebral, F nessas condigées que o espiritualismo, reforgado fisicamente mas diminufdo cerebralmente, tenta estabelecer uma co- ‘xisléncia pacifico-belicosa entre as duas substineias que, a despei- di execragtio miitua, aceitam alguns servigos provisérios uma da ra, enquanto esperam a reconquista definitiva. ic Certo, os materialistas continuam a considerar o espftito como ilusio ou, ao menos, como epifendmeno. Mas os espiritualistas ad- ititio'o e6rebro como suporte, espécie de antena captando mensa- gens “transmateriais" trocadas num campo psiquico ou informacio- nal, O eérebro nio-“produz” o espirito, mas 0 “deteeta” (Burt, Ee- cles). A informagdo que penetra pelos sentidos “materializa-se” em substiineias quimicas e em modificagGes neuroniais que armazenam fisicamente a significagio simbélica das recepgdes sensoriais. O es- piritualismo, obrigado a compor com a realidade material do cére- bro, desemboca num dualismo colaborador ou interacionista que acei- lu que a realidade espiritual realiza as suas operagdes com a coopera- ‘glo da realidade material A unidualidade cérebro —- espirito O debate entre materialismo e espiritualismo, cada um consi- derado como principio explicativo, niio tem mais, hoje, nenhum inte- esse pliblico, pois 0 “espitito, depois de ter tudo explicado, tornou-se 81 boar Mon ‘© que deve ser explicado” (Bateson, 1980, p. 20), 0 mesmo valendo, doravante, para a matéria, Nao podemos tampouco “aceitar que 0 caminho da ciéneia leva & eliminagio do espirito” (A. Heyting) nem que o caminho da filosofia conduz a eliminagao do cérebro. Ambos sto necessérios, mas insuficientes isoladamente. O es- Pirito dos fildsofos necessita do cérebro destes; 0 universo sem espi Tito e sem consciéncia dos cientistas necessita do espirito e da cons ciéncia destes, Mais ainda: toda negacao do espirito ilustra a surpre- endente poténcia das idéias, logo do espirito, pois & bem o espitito {que recusa a sua propria existéncia para ndo afetar a idéia que tem da matéria! Devemos pois partir do reconhecimento dessas duas realida- des insepariveis: nenhuma operago do espirito escapa a uma ativi- dade local e geral do cérebro e deve-se abandonar toda idéia de um fendmeno psiquico independente de um fendmeno biofisico. Devemos, igualmente, recusat-nos a qualquer subordinago unilateral do espirito ao cérebro e vice-versa, mas antes conceber ‘uma dupla subordinagio. Antes de tudo, num primeito nfvel, impde-se uma relagio ine- gavel de dependéncia do espirito em relagio ao c&rebro. Pode-se es- ‘timular, modificar, aniquilar todos os aspectos do espirito agindo de maneira quimica, elétrica ou anatémica sobre 0 cérebro. Pode-se des- ‘tuir a consciéneia com secgdes ou lesdes do cérebro; pode-se modi ficar os estados de consciéncia com drogas; pode-se manipular a cons- ciéncia e toré-la inconsciente das manipulagées sofridas; interven- Ges elétricas ou quimicas em certas zonas do cértex provocam vi- s0es, alucinagées, sentimentos, emogGes, o que nos mostra bem 0 Quanto o espitito se torna cego em fungao de alteragées fisico-quimi- cas, Além disso, aprendemos cada vez mais que os estados psicolé- sgicos dependem estreitamente da falta ou do excesso deste ou daque- le complexo molecular (assim, a depressiio corresponde a uma redu- io de serotonina no cérebro). Pelo outro lado, o que afeta o espitito afeta o cérebro e, atra- vés do cérebro, todo 0 organismo. Assim, sabe-se que a dor do luto ou a depressio grave enfraquecem o sistema imunolégico durante varios meses e que os males do espirito podem tornar-se doengas 82 OMero00 3 do corpo (psicossométicas). 0 condicionamento do espirito pelo es- pirito pode modificar, via cérebro, as atividades viscerais e humorai (Skinner); a hipnose pode desencadear perturbagdes fisiol6gicas e somiticas; a auto-educagdo da vontade pode levar ao controle dos batimentos do coragio (yogismo). Além disso, o fendmeno mais it tensamente psicocultural, a fé, pode provocar morte ou cura; assim, 6 tabus, encantamentos, maldigdes, podem matar; os milagres, cu- rar, € 05 placebos si eficazes num tergo das doengas. Por isso, a relagio do espfrito com 0 cérebro no pode ser simplesmente concebida como a do produto com o produtor, do efei- (0 com a causa, do emanado com a Fonte, pois o produto pode retro- Aagir sobre o produtor € 0 efeito sobre a causa. Tudo isso nos indica uma ago reciproca, um efeito miituo, uma causalidade circular, Em eonseqiiéncia, devemos conceber, na sua propria dependén- cia, certa autonomia do espirito, Assim, enquanto comega a decadén- ca biol6gica do cérebro, parece, depois dos vinte anos, 0 espirito con- inua o seu desenvolvimento, o qual pode prosseguir na senescéncia. ‘Como entio compreender e explicar a dupla subordinagao espirito/eérebro ‘elativa autonomia de ambos? Por um neodualismo que salienta a ‘complementaridade indissolivel entre as entidades materiais - cére- bro, organismo~e as entidades “transmateriais” —informagoes, sim- bolos, valores? Mas esse neodualismo’€scamoteia a propria unidade do eérebro e do espirito. Por um neomonismo?nem espiritual, nem ‘material, que pretende se basear no “identismo” e na co-referén 6 Se)a, na co-referéncia dos estados mentais a uma mesma identida- do? Bssa tese ¢ totalmente aceitavel, mas sob a condigio de reconhe- ‘©0r a) que a identidade comum a que se referem espirito e eérebro ainda niio foi identificada; b) que a identidade do cérebro e do espi- ‘ilo Comporta uma contradigdo pois se trata evidentemente da identi- ddade do nio-idéntico. Ora, precisamos no escamotear nem evitar contradiga0, mas, ao contrério, enfrenté-la Assim, como viu com muita Incider André Bourguignon, solugiio do problema corpo-espitito s6 pode ser contraditéria: 0 cor- po (atividade nervosa encefélica) e o espirito (atividade psfquica) slo ao mesmo tempo idénticos, equivalentes e diferentes, distintos. io impSe nunca privilegiar um dos termos da contradigio em essa 83 Afo tba Epox Monin beneficio do outro, sobretudo quando se trata de pesquisa cientifica” (Bourguignon, 1981). ‘A contradigdo remete-nos ao efrculo paradoxal entre as: no- ‘Bes de cérebro e de espirito. Com efeito, se 0 cérebro pode ser con- cebido como instrumento do pensamento, este pode ser concebido como insirumento do cérebro. A nogao de eérebro foi, efetivamente, © produto de um longo trabalho do espfrito, mas o espirito é 0 produ- to de uma ainda mais longa evolugio do cérebro. A atividade do ito € uma produedo do eérebro, mas a concepeio do cérebro € ‘uma produgao do espirito. O espirito apresenta-se como uma eflores- ‘céncia do cérebro, mas este aparece como uma representacdo do es- . Assim, constitui-se um circulo aparentemente infernal onde cada termo, incapaz de explicar a si mesmo como de explicar 0 ou- {1o, dissolve-se no outro ao infinito, Mas esse cfrculo significa tam- bem a necessidade mitua existente entre os dois termos. Océrebro nao explica o espitito, mas necessita do espirito para explicar-se a si mesmo; o espitito nao explica o eérebro, mas necessita do cérebro para explicar-se a si mesmo. Assim, 0 cérebro s6 pode con- ccober-se via espfrito, ¢ este s6 pode conceber-se via cérebro. O problema passa.a ser entdo: quais sfo a realidade do cérebro € a realidade do espirito que os obrigam a ter necessidade um do ‘outro enquanto tendem a excluir-se? Fica claro, agora, que qualquer concepedio incapaz. de levar em consideragao 0 vinculo, ao mesmo tempo gérdio e paradoxal, da relagdo cérebro/espitito seria mutila- dora. E preciso enfrentar a sua unidualidade complexa nos seus as- pectos proprios e originais: © a impossibilidade de eliminagdo e a irredutibilidade de cada tum desses termos; © a unidade inseparvel deles; © a insuficiéncia reciproca, a necessidade mitua e a relago circular que os caracteriza; © a contradicio insuperivel posta por essa unidade. fudo isso se exprime no paradoxo essencial: ~O que é um espirito que pode conceber 0 cérebro que ‘produz, ¢.0 que é um cérebro que pode produzir um espirito que 0 concebe? 84 OMEo0 3 la 0 espfrito do eérebro nem 0 eérebro do espf- Fito, Além disso, ndo se pode isolar 0 espirito/cérebro da cultura. Com efeito, sem cultura, isto & sem linguagem, savoir-faire e saberes acumulados no patriménio social, o espirito humano nao teria atin- gido 0 mesmo desenvolvimento € o cérebro do homo sapiens teria ficado limitado as computagdes de um primata do mais baixo grau. |/A COMPLEXIDADE DAS CONDIGOES DO CONHECIMENTO] COMPLEXFICAGAO LMITADA cultura soctedade [ess I _ compexiricacao ceneratizana —! to, que depende do cérebro, depende de outra manei- ra, mas niéo menos necessariamente, da cultura, E preciso que os ‘G6dligos linglifsticos e simbélicos sejam gravados e transmitidos numa ‘cultura para que se déa emergéncia do espirito. A cultura é indispen- sdvel para a emergéncia do espirito e para 0 desenvolvimento total do cérebro, os quais sio indispensdveis & cultura e A sociedade hu- mana, as quais s6 existem e ganham consisténcia na e pelas intera- Enfim, a esfera das coisas do espirito é e continua insepardvel a da cultura: mitos, religiées, erengas, teorias, idéias. Essa esfera submete 0 espirito, desde a infaincia, através da familia, da escola, da universidade, etc., a um imprinting cultural; influéncia em volta que criaré na geografia do cérebro ligagdes e circuitos inter- sindpticos, isto é seus caminhos, vias, limites. Assim, a cultura deve da esf 85 é 8 8 . e v oar Morn fazer parte da unidualidade espirito/eérebro, transformando-a em trin- dade. Ela 6, nfo um estranho, mas um terceiro includo na identidade do espiritofeérebro™ Nao abordaremos aqui 0 terceiro termo da triade, pois seré tratado no livro consagrado as condigdes culturais, sociais e hist6ri- cas do conhecimento™ Mas era necéssério assinalar a sua existéncia antes de entrar no coragio do paradoxo de um espirito que concebe 0 cérebro que 0 produz, e de um cérebro que produz 0 espfrito que 0 concebe. A suspensdo das oposigdes absolutas Como superar a dificuldade secular da relagao entre, de um lado, matéria, corpo, cérebro e, de outro lado, espfrito e alma, isto é, ‘a disjuncZo entre a substancialidade do ser e a imaterialidade do co- hecer? De fato, pode-se doravante suspender a disjungao em mit plos niveis: 1. Suspensao fisica 4a) Suspensdo informacional: a nogao de informagao, introdu- ida por Shannon, é plenamente fisica na sua dependéncia da ener- ¢gia, mesmo sendo imaterial, no sentido de que nao é redutivel a mas- sa ou @ energia (cf. Méthode 1, pp. 301ss) b) Suspensiio microfisica: a energia nao € substancial, ea mate~ rialidade (massa), apenas um dos seus aspectos: o féton ndo tem subs- tancia; a particula s6 se define em termos materiais num aspecto. ¢) Suspensao sistémica ou organizacional: a organizagao dos sistemas materiais ¢ imaterial no sentido de que nao é nem dimens- vel, nem, como acabamos de dizer a respeito da informagao, redut vel a massa ou energia. Contudo € ela que di realidade material aos niicleos e étomos & a realidade prépria aos sistemas. Assim, ndo somente a matéria ndo tem mais a “base” de toda realidade fisica, mas ainda a propria realidade fisica comporta reali- dades imateriais como a informagio ¢ a organizagao, as quais sao, no metafisicas, mas fundamentalmente fisicas"*. Ora, vimos que 86 OMerop0 3 cra necessério conceber a realidade viva, no como substincia, mas como organizagdo (Méthode 2). Poemos assim perceber que 0 cére- bro e 0 espirito tem em comum alguma coisa imaterial e transmateri- al: a organizagdo. Podemos suspender aqui a incompatibilidade do material e do imaterial. Mas isso é evidentemente insuficiente para conceber 0 vinculo entre dois tipos de organizagao tao extraordinari- amente diferentes quanto, por um lado, uma organizago bio-quimi- ca-elétrica realizando-se em rede/cabos neuroniais e, por outro lado, ‘uma organizacio lingtifstico-I6gica articulando palavras e idéias em discursos ¢ teorias. 2. Suspensdo bioldgica aqui que podemos operar-a suspensio biol6gica da disjun- io, dado que a computagio viva comporta e diz respeito & unidade do ser e do conhecer. Recapitulemos os dois primeiros capitulos: 1. Todo ato biologicamente organizador comporta uma dimen- silo cognitiva e € sob esse Angulo que a formula de Piaget toma o sentido forte; “Em determinada profundidade, a organizagao vital e organizago mental constituem uma tinica coisa”. Assim, o corpo € uma replica de milhares de células, isto é, de seres-maquinas ‘computantes cujas inter-poli-computages organizacionais produzem sem descontinuidade a realidade que chamamos corpo. O corpo é ‘apenas a concretizagao de intercomputagoes, das quais, a0 mesmo tempo, é produto e produtor. Significa que a organizacdo do corpo humano comporta uma dimenso cognitiva. 2. 0 aparelho neurocerebral & constituido de células, os neu- rénios, com a mesma origem e as mesmas caracteristicas fundamen- tais das outras células do corpo: sdo seres-méguinas computantes dispondo da mesma informago genética, Mas tém fungdes especi- alizadas que permitem computagdes e comunicagdes destinadas pro- priamente as atividades cognitivas*. Os neurénios do eértex cere- bral, necessérios as atividades intelectuais e ao pensamento, nao se diferenciam em nada dos demais neurdnios: “Nenhuma categoria celular, nenhum tipo de circuito particular é especifico do cértex ce- rebral” (Changeux, 1983, p. 114). 87 Epc Monn OMEt00 3 Como vimos também, a atividade cognitiva do cérebro animal cerebral do homo sapiens, mas somente nas condigées culturais de pode ser considerada como uma megacomputagZo envolvendo, ana- 5 aprendizagem e de comunicagao ligadas & linguagem humana; con- lisando e sintetizando computagdes de computagdes. A originalida- digdes que s6 puderam surgir gragas ao desenvolvimento cerebrall de do aparelho neurocerebral do homem, em relagiio ao de seus pre- © _ intelectual do homo sapiens ao longo dessa dialética multidimensio- y S decessores, consiste em dispor de uma complexidade organizacional < nal que foi a hominizagao, Assim, o espirito retroage sobre o conjun- es que Ihe permite desenvolver e transformar as computagoes em “co- © to das suas condigées (cerebrais, sociais, culturais) de emergéncia Se gitagdes” ou pensamento, através da linguagem, do conceito e da

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