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O desenvolvimento econémico segundo uma interpretagado estruturalista* CARLOS VON DOELLINGER** 1. Introdugdo; 2. Uma retrospectiva histérica; 3. Alguns deli- neamentos e conceitos bdsicos; 4. Uma teoria institucionalista. 1, Introdugao As modernas estruturas teéricas neocldssicas ou keynesianas tém-se eviden- ciado claramente insuficientes ao equacionamento de muitos dos problemas das economias subdesenvolvidas. Isso poderia em parte explicar por que os famosos modelos de desenvolvimento, tao aplaudidos nos anos 50 e 60, sairam de moda sem acrescentar muito além do que jd nos havia sido ensi- nado pelos classicos do século XIX. Um aspecto desconcertante dessas estruturas tedricas é tomar como um dado todo o complexo institucional da sociedade. A curto prazo, qualquer transformacdo mais relevante € descartada por ser simplesmente invidvel ou implicar em altos custos sociais. Por outro lado, no longo prazo, supde-se que tudo ja esteja adequadamente ajustado, e nenhuma transformagao seria necessdria. Fica omisso assim todo o periodo intermedidrio, que constitui precisamente o cerne do desenvolvimento econémico. E por essa razdo que a maioria dos estudos de casos, apoiados nesses mo- delos, acabaram por perder-se em detalhes ¢ ntimeros, sem oferecer muita contribuicao efetiva a compreensdo da realidade social dos pafses em de- senvolvimento. Desses trabalhos ficaram, em geral, conclusdes triviais. S6 recentemente a observagdo mais atenta dos paises em estdgio interme- diario de desenvolvimento, dentre eles o Brasil, tem evidenciado claramente a importAncia de fendmenos até entao negligenciados, talvez por escaparem * Documento apresentado a0 Seminario de Economia Institucional realizado pela Escola Brasileira de Administracio Publica nos dias 16 e 17 de abril de 1979. ** Do Instituto de Pesquisas do IPEA. R_ Adm, publ, Rio de Janiero, T41)-62-77, jan.[mar. 1980 do dominio estrito da teoria econémica tradicional, mas que sempre estive- ram na base dos sistemas ¢ parecem apontar no sentido de causas impor- tantes, senéo da prépria esséncia do desenvolvimento econémico. Extrai-se dessas observagdes algumas evidéncias de que nao raro sao alcangaveis as condigées fisicas do desenvolvimento. O que importa, porém, € 0 estudo das formas por meio das quais torna-se vidvel a uma sociedade a ampliagdo crescente de suas fronteiras de possibilidades de produgao, ou seja, os veiculos pelos quais podem efetivamente se processar os aumentos da oferta e da produtividade dos fatores de produgao: capital financeiro, fisico e humano; tecnologia, organizagio administrativa, etc. Isso porque, de um lado, reforgaram-se as convicgdes de que, A exceg&o dos casos pato- légicos de pobreza extrema aliada a explosio demogréfica, a limitagéo de recursos naturais nao é tao relevante quanto se imaginava. Por outro lado, a firme determinagao de um povo, traduzida no trabalho aplicado a tecnolo- gia, parece capaz de superar muitas das dificuldades derivadas da caréncia de infra-estrutura econémica e social. Até mesmo 0 torturante circulo vicioso da pobreza ficou bastante enfraquecido. Sob certas condigdes, qualquer so- ciedade poupa e investe. Reside justamente ai o amago da questo. Por que algumas sociedades em condi¢6es iniciais tao desfavordveis superaram as aparentes adversidades e seguiram na rota do pleno desenvolvimento, enquanto outras, com tantas precondigGes econémicas a seu favor, em determinadas épocas, acabam sendo citadas como tendo perdido o bonde da hist6ria?* As interpretagdes com base na tradigao tedrica convencional, na yerdade, no conseguiram responder a essas questdes. Limitaram-se, quando muito, a adicionar detalhes da experiéncia hist6rica de cada caso, concluindo, entao, post hoc, ergo propter hoc, que tudo aquilo foi possivel porque ocorreu. Tomemos a questo em seu aspecto primordial. A mobilizagao de uma sociedade com vistas ao desenvolvimento pressupde, em esséncia, o des- pertar de um adequado espirito associativo entre as diversas parcelas que a compéem, os proprietdérios dos fatores de produgéo. Sao, em esséncia, requisitos psicossociais. Na auséncia desse espirito, mesmo que haja esforco de cada um, ou de cada grupo, a resultante pode ser nula, pela inefetivi- dade da divisio do trabalho, e a sociedade pode permanecer indefinida- mente estagnada. Nao ha desenvolvimento auto-sustentado a longo prazo sob o espectro da desconfianga mutua, embora possam ocorrer surtos de crescimento ou de moderniza¢do sob formas coercitivas de organizagao social. Em que condigdes, porém, se estabelece 0 jogo associativo? O que leva os diversos grupos sociais a complementar suas agdes, a equacionar seus conflitos de forma a solidificar a confianga mutua, ao invés da suspicdcia 1 © exemplo mais tipico, sempre citado, € 0 da Espanha no século XVI. A causa dessa faléncia histérica é, amitide, atribuida a incapacidade de desenvolvimento ¢ aplicagdo da tecnologia as atividades produtivas. Fica claro, no entanto, que o fator inibidor desse processo, por exceléncia, foi o rigido e antidesenvolvimentista com- plexo institucional politico-religioso entéo vigente. Desenvolvimento econdmico 63 permanente? O que faz com que 0s conflitos potenciais desabrochem em solugées positivas, onde todos podem ganhar (embora, é certo, alguns mais que outros), ao invés de intermindveis impasses coercitivos, onde sempre 0 ganho de uns é perda de outros? Questées dessa natureza cré-se possam vir a ser analisadas a luz de teorias que permitam generalizar experiéncias possivelmente semelhantes, em seus aspectos essenciais, da cristalizagao ins- titucional desse espirito associativo nos paises desenvolvidos e naqueles em processo de desenvolvimento. ‘A preocupagao fundamental na elaboragdo de teorias desse tipo deveria ser tanto explicar o desenvolvimento econémico, enquanto vem acontecendo nos paises ainda nao industrializados, como buscar uma maior generalizacao para certos tépicos da teoria econémica convencional. Trata-se, na verdade, da retomada do enfoque institucionalista de pensamento econdmico, desen- volvido a partir dos anos 30 por economistas ¢ socidlogos americans, porém quase abandonado no pés-guerra. Esse descaso deveu-se provavelmente ao fascinio dos economistas pela légica ¢ & conveniéncia dos modelos de equi- librio a curto prazo ao equacionamento dos problemas das economias ma- duras. O estudo do desenvolvimento, contudo, muito deixou de ganhar com isso. Nesses termos, o objetivo desse trabalho € propor alguns conceitos basicos com relacdo & idéia de instituigdo e algumas de suas propriedades, bem como sugerir alguns lineamentos de algo como uma teoria institucionalista. Antes, contudo, parece-nos titil desenvolver algumas consideragdes com respeito ao surgimento da escola institucionalista no moderno pensamento econémico. 2, Uma retrospectiva histérica © pensamento liberal anglo-saxdo, embora predominante na histéria da economia, sempre sofreu refutagdes bem conhecidas. Além da tradicional divergéncia da linha marxista, as que mais profundamente marcaram sua posigao por discordar da natureza e do método da doutrina classica foram as chamadas escolas Aistdrica e institucionalista. E por esse motivo que a divergéncia parece ressurgir atualmente, nao obstante a aparente unanimi- dade dos economistas na aceitacao de um corpo de conceitos basicos e gerais.* 2 Nido obstante as profundas divergéncias doutrinérais, 0 “modelo econdmico” apre- sentado por Marx se apdia em categorias classicas, usa o método cssencialmente dedutivo, procura a abstracio e a generalizagio e dispensaria, no que concerne A sua consisténcia I6gica, a inducdo histérica e a dialética de Hegel. Uma excelente apresentacdo em forma de modelo de desenvolvimento é dada por Adelman, Irma. Teorias del desarrollo econdmico, México, Fundo de Cultura Econémica, 1964, p. 108 © seg. Adelman, contudo, aponta seguidas inconsisténcias Iégicas no modelo, agravadas pelas indugdes histéricas. J4 nas doutrinas institucionalistas, notam-se divergéncias na prépria concepgio do modus operandi dos sistemas econdmicos, como procuraremos evidenciar mais adiante no texto. Por outro lado, a recente redescoberta de Veblen e sua obra me- moravel nos parece uma boa indicacio da insatisfacio predominante nos _meios académicos com a insuficiéncia do instrumental teérico sedimentado nas duas iiltimas décadas. 64 RAP. 1/80

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