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CPOOC

OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL


DO ESTADO NOVO

Mônica Pimenta Velloso

FUNOIÇIO GETULIO VaRGaS


CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAçAO DE
HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO
1987
CPDOC

OS INTELECTUAIS E A POLíT ICA CULTURAL


DO ESTADO NOVO

Mônica Pimenta Velloso

FUNOlçaO GETULIO 'IRSIS


CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE
HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL

RIO DE JANEIRO
1987
Coordenação editorial: C r i s t ina Mary P a e s da Cunha

Revisão de texto: E l i z abeth Xavier de Ara ú j o

Datilografia: Márcia de Azevedo Rodrigues

Nota:

Documento de traba lho rea l i zado em 1 983 .

V44 l i

VELLOSO , Môn ica Pimenta.

Os inte lec tua i s e a po l í tica cultura l do


E s tado Novo / Môn ica Pimenta V e l l o s o . Rio
d e Jane iro : Centro de Pe squi sa e Docu­
men tação de H i stória Contemporânea do Bra­
s i l , 1987 .

50 p .

1 . p o l í t i c a cul tura l Brasil 19 3 7 -


1945 . 2 . I n t e l ec tu a i s e pO l í tica - Bra s i l
- 19 3 7 - 194 5 . 3 . Nac ion a l i smo Bra s i l
1 9 3 7 - 19 4 5 . 4 . Bra s i l. Departamento d e
Imprensa e Propaganda . I . Centro de Pes­
quisa e Documentação de H i stória Con tempo­
rânea do B ra s i l . 11. Título .

CDU 7 . 078 (81 )


CDD 3 0 1 . 2981
CPOOC /J,\J01PV
Fund:lçF.o G'3túlb Vargan
'. _-.. --
SUMÁRIO

A construção d a nac iona l id ad e : o s inte l ectuais e o poder 01

D a " torre d e marfim " à arena pO l í t ic a 07

A po l í t ic a nao e ma i s a " ma d r a s t a d a inte l igincia " ; surge


Get�lio Varga s o " pa i dos intelec tua i s " 13

DIP : a entidade onipre sente 19

As ra í z e s d a bra s i l idade: os intelectuais modern i s t a s e


o E s tado Novo 42

Observações finais 46
A const rucão da nac iona l idad e : o s int e l ec tu a i s e o pod e r

A re lação dos i n t e l e c t u a i s com o s i s t ema d e poder t e m s i

do extremamente imbricada e compl exa , uma vez que , ao longo da

h i stória , e l e s freqüentemente s e a t r ibuíram a função de agentes


l
d a consc iênc i a e do d i scurso . No Bra s i l, a nossa e s trutura pa -

triarc a l e autor i t á r i a e a própria cond ição de pa í s peri férico -

d e grande contingente d e ana l f abetos - acabaram por r e forçar ao

extremo este t ipo de prá t ic a . A s s i m , o idea l da representação,

o falar em nome dos d e s t ituídos de capacidade de d i s c ern imento e

expre s s a 0 , foi f a c i lmente absorvido pelo intelectu a l bra s i l e iro .

Sent indo - s e consciência privil egiada do "naciona l " , e l e constan-

temente r e ivindicou para si o pa pe l de guia , condutor e a rauto .

Ba s ta conferir a n o s s a l iteratura soc i a l , c u j o s exemplos sao

pródigos neste s en t ido .

Nos momentos de c r i s e e mudanças h i s tóricas profundas

i n s tauração do Impé r i o , Proc lamação da Repúbl ica , Revolução de

3 0 e E s tado Novo - a s e l i t e s inte l ectua i s marcaram sua presença

1 FOUCAULT , M . e DELEUZE, G i l l e s . O s inte l e ctua i s e o poder .


I n : Micro f í s ic a do pod e r . Rio de Jane iro, Graa l , 1979 . p . 7 1 .
2

no cenário po l ít ic o , de fendendo o d ire ito d e interferirem no

proc e s s o de organ ização naciona l . Logo apó s a Independênc ia ,

quando e s tava em curso o proc e s s o de cons trução da j ovem naçao ,

os intelectua i s portaram-se como verdadeiros guia s , s en t i nd o - s e

pa rticularmente in spirados p e l a idéia nac iona l . Assim, os e s c ri

tores românt icos acredi tavam ter uma m i s são sagrada : a d e c r iar
2
um temário nac iona l i sta , d e s t inado a autova lorização do país

Na pas sagem do regime impe rial para a Repúbl ica , o s int�

lectuais vo ltam a atr ibuir-se o papel de guia na condução do pro

c e s s o de modernização da sociedade bra s i l e ira . Eles aparecem

como verdadeiros " mosqueteiros intelectua i s " que , munidos do inA

trumenta l c i e n t i f i c i s ta buscam remod e l a r o E s tado , lutando con­


3
tra a incapac idade técnica e admin i s tra t iva dos po l í t icos

Na década de 2 0 , quando se fazem sentir os e f e i to s c r í t i

cos do pos-gue rra , com a derrocada do mito c i e n t i f ic i s ta , o ide-


,

aI cosmopo l ita de d e s envolvimento cede lugar ao credo nac iona l i A

ta . A busca de nossas ra í z e s , o i d e a l d e bra s i l idad e , passam ,

então , a construir o foco d a s preocupações intelectua i s . Agru-

pados no movimento modern i s t a , os intelectua i s se j u lgam os indi

víduos ma i s capacitados para conhecer o Bra s i l . E é a t ravés da

arte que e l e s pretendem atingi � a real idade bra s i l e ira , apresen­


4
tando a l terna tivas para o d e s envolvimento da naçã0

2
CÂND I D O , Antônio . L i tera tura e sociedade . são Paulo , Nacio-
na l , 1 9 6 5 . p. 7 .
3
SEVCENKO, Nicolau . Literatura como m i s s ã o ; tensões soc i a i s e
criação cultural na Primeira República . são Paulo , B ra s i l ien-
se, 1983 .
4
VELLOS O , Mônica Pimenta . ° mito da original idade bra s i l e ira ;
a tra j e tória intelectual d e Ca s s iano Ricardo ( dos· anos 20 ao _

Estado Novo ) Rio de Jan e i ro , PUC , 1 9 8 3 . [.d i s ser taçao d e mes­


trado]
3

Fica c lara , portanto , a con s t i tuição da identidade d e s s e

grupo , que , h i s toricamente , sempre buscou d i s t ingu i r - s e do con-

junto da soc iedade . S e j a a t ravés dos idea i s da c i ência ou da

raciona l idade ( geração de 1 8 7 0 ) , d a arte ou intuição ( geração de

1920) ; imbu ídos d e voc ação me s s iânica , senso d e missão ou dever

socia l , os intelectua i s s e auto - e l egeram suc e s s ivamente con s c i ên

c i a i l uminada do nac iona l .

É a pa rtir da década de 3 0 que e l e s passam s i s tema t i c a -

mente a d irec ionar a s u a a tuação para o âmbito d o Estado , tenden

do a ident i f i c á - lo como a representação superior da idéia de na-

çao. Percebendo a soc iedade c i v i l como corpo c o n f l i tuo s o , inde-

feso e fragmentado , os intel ectua i s corpor i f icam no E s tado a

idéia d e ordem, organi zaçã o , unidade . Assim, ele e o ttcérebro "

capaz d e coordenar e fazer funcionar harmon icamente todo o orga-


S
n i smo sociaI . Ape sar d a s d i ferentes propo s t a s de organização

apresentadas pelos inte l ec tua i s ao longo das décadas d e 20 e 3 0

- jurídica ( Franc i s c o Campo s ) .. econômica ( A z evedo Ama ra l ) , espi-

r i tua l ( Jackson de Figueiredo ) -, todas convergem para um mesmo


6
ponto : a so lução autoritária e a de smob i l ização socia 1

No E s tado Novo ( 1 9 3 7-4 5 ) e s ta ma triz autor i t á r i a d e pen-

sarnento , que confere ao E s tado o poder máximo da orga n i z ação so-

c i a l va i adqu irir contornos ma i s d e f in idos . As. e l i t e s intelec-

5
E s t a concepção da organização po l í t ic a , vigente e n t r e os inte­
lectuais da d é c ada de 3 0 , é denominada de " ideo logia de E s t a ­
d o " , segundo Bol ivar Lamounier . Consultar a prop6 s i t o do a s ­
sunto : LAMOUN I ER , B o l i va r . Formação de um pensamento pO l í t ico
auto r i t á r io na prime ira Repúbl ica ; uma interpretaç ão , em Boris
Fausto ( org . ) O Bra s i l Repub l icano ; sociedade e i n s t i tuiçõe s .
( 18 8 9 - 1 9 3 0 ) t. I I l , v . 2 ( são Pau l o , D i fe l , 1 9 7 1 ) . p . 3 4 3 - 7 3 .
6
SADECK , Maria Tere s a . �M
� a � c�h � e ,�m� v� é � i � s � a tragédia ota-
�� �
viana . são Pa u l o , S ímbo lo , 1 9 78 . p. 90 .
4

tuais , das mais d i versas correntes de pensamento , passam a iden­

t i f icar o Estado como o c e rne da nacionalidade bras i l e i ra . Se

h i s toricamente a cons truç ão d o nacionali smo vinha s e c o n s t ituin-

do em uma das preocupações fundamentais dos i n t e lec tuai s , agora

e l e s passar iam a s i tuar a sua tarefa nos domínios do E s tado . Ve­

r i f ica- s e , então , a união das e l i t e s intel ectuais e pO l í t i cas que

s e pre tendem, as verdadeiras expr e s s õ e s de uma pOlít ica supe rio r .

O período do E s tado Novo é par ticularmente rico para a

aná l i s e da relação entre os intel ec tuais e Estado , j á que neste

mesmo período s e r e v e l a a profunda i n s erção d e s t e grupo soc ial

na organ ização pOl í t i c o - id e o l ógica do regime . Neste s entido , ao

longo do t e x to , temos a preocupação de enfocar os inte l ectuais

na qualidade de partic ipan t e s de um " pro j e to pO l í t ico-pedagógi­

c o " , d e s t inado a popularizar e d i fund i r a ideologia do r e g ime .

D e s tacar o vínculo dos i n t e l ec tua i s com e s t e pro j e to , s ignifica

evidenciar a r e lação entre propaganda po l ít ica e educação no Es­

tado Novo . Apr e s entando - s e como o grupo mais e s c lar ecido da so­

c iedade , os i n t e l e c tuais buscam "educar" a c o l e t ividade d e acor­

do com os ideais doutrinár ios do reg ime .

Dentro do pro j e to educativo há que s e d i s t inguir d o i s n í

ve i s de atuação e e s traté g ia : a do M i n i s tério da Educação ( Gus­

tavo Capanema) e a do Departamento de Imprensa e Propaganda

DIP - ( Lourival Fontes ) . Entre e s tas e n t idades ocorreria uma

espécie de divisão do trabalho , vi sando atingir d i s tintas c l ien­

t e las : o m in i stério Capanema voltava - s e para a formaçã o de uma

c u l tura erud i t a , preocupan d o - s e com a educação formal ; enquanto

o D I P buscava , através do controle das comunicaç õe s , orie ntar as

man i f e s taçõ e s da cul tura popu lar . Esta d i vers idade de orienta-
5

çao na pO l í t ic a cul tura l transparece na própria compo s i ç ã o dosirr

te l ectuai s nos r e f e r idos organi smos . o ministério Capanema reu-

n i a um grupo de i n t e l e c t u a i s l igado à vanguarda do movimento mo-

dernista : Carlos Drumrond de Andrade ( ch e f e d e g abinete ) , Lúc io


7
Co s t a , Oscar N i emeyer , Portinar i , Mário de Andrade . Bem dife-

rente era a compo s ição em torno d e Lourival Fonte s , que inc l u í a

nomes como o de C a s s iano Ricardo , Men o t t i D e l picchia e Cândi-

do Motta F i lho . Inte l e c t ua i s e s t e s conhecidos pelo pensamento

centra l i s t a e auto r i tá r i o , que v i r i a a imprimir um r í g ido contro

l e nos meios de comunicação . t e s t e grupo que vai d a r a s l inha�

me stras da po l ít i c a cultura l direcionada às camadas popu l a r e s .

I n t e re s s a - no s , sobretudo , n e s t e traba lho , destacar a açao do

D I P na montagem d e s t a po l ít i c a , demon strar a atuação d e s t a e n t i -

dade n o s e i o da sociedade s e m priv i l e g i a r o pensamento de inte-

l e c t u a i s e spec í f icos . Assim, não nos importa que mui tos deles

tenham pouca pro j e ção o u s e j am anônimo s . Importa -nos , ante s , a�

s inalar como o r e g ime autoritário procurou " socia l i z a r " a sua

doutrina , t r a z endo-a pa ra o cotidiano popu l a r .

O texto s e articula em torno de três i d é i a s . A prime ira

é a de mo s t r a r como s e constrói a argumentação dos i n t e l ec t ua i s

em re lação ao pape l d e vanguarda soc i a l q u e e l e s mesmos se pro-

poem a e x e rc e r . Em nome de que idéias e princípios , eles se

autoconf iguram os pa l ad inos da nac iona l idade bra s i l e ira? Num

s egundo momen to , a idéia é evidenc iar a atuação prá t i c a desse

grupo : sua inserção na vida po l í tic a através da e laboração de

"

7
Para uma aná l i s e da po l í t i c a cu l tural empreendida pe lo M i n i s -
t é r i o da Educação n o E s tado Novo consu l t a r : SCHWARTZMAN , Si­
mon ; COSTA , Wanda M a r i a Ribe iro e BOMENY, H e l e na Bousquet .
Tempos de Capanema . Rio de Janeiro , EDUSP/Paz e Terra . 1984.
6

um pro j eto cultural . D e n o s s a part e , a anál i s e deste pro j eto;

merece atenção e spec ial , quando d e i x a transparecer os efe itos

concretos da absorção d a ideologia pol í t i c a pelas camadas populª

res . Finalizand o , é nosso propó s i to apre sentar as id é i a s que

vão fundamentar o pro j e to cultural do E s tado Novo , analisando a

vinculação dos intelectua i s modern i s t a s com o regime . E s t a vin­

culação é de ext rema importânc i a , uma vez que dá a conhecer um

dos núcleos orga n i z a t ó r i o s ma i s sólidos do regime : a cultura .

E s t e núcleo permite explicar a integração dos vários grupos de

intelectua i s ao regime , a s s im também como a própria organ ização

soc ial gerada a pa r t i r dele .


7

D a " torre de marfim" A a r ena Dolítica

" ( . . . ) a Academia Bra sileira de L e ­


t r a s t em q u e s e r o q u e são a s in s ­
tituiç õ e s análoga s : uma torre de
. . . . "8 .
mar f l.m
( Machado de Assis 1 89 7 )

" a primeira f a s e de vossa ilustre


instituição ( ABL ) decorreu A margem
d a s a tivida d e s g e rais . . . Só no te6
ceiro decênio d e s t e século operou­
s e a simbiose en tre homens de pen-
- 9
sarnento e de aca o " .
( Getú lio Va rgas 2 9 / 1 2 /4 3 )

Atrav é s dos textos acima é pos s ível começar a e s tabe l e -

c e r um confronto entre o pape l d o s inte l e c tuais n o fin a l d o s é -

culo passado e n o regime d o Estado Novo ( 1 9 3 7 - 45 ) . Embora as

8
CAMPOS , Humberto de . An toloGia da Acad emia Bra sileira de Le-
t ra s ; trinta anos de discursos acadêmicos ( 1 8 9 7 -1 9 2 7 ) . Rio
de Janeiro , J o s é O l ímpio , 1 9 35 . p. 5 .
9
BRAS IL . Presidente , 1 95 1 - 5 4 ( Varga s ) Discurso pronunciado na
Academia B r a sil eira de Letras em 2 9 / 1 2 /4 3 . In : A nova po l í ­
tica d o Bra sil . Rio d e Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 4 4 . p . 2 2 1 - 3 7 .
8

perspectivas dos autores s e j am opost a s , a problemá t ica que abor-

dam é comum . Ambos f a l am d a re lação entre a l iteratura e a po l í

t i c a e do pape l da Academia n a cons trução d a naciona l id a d e . Ma -

chado de A s s i s s e r e fere à Academia como uma " torre de m a r f im" ,

onde os inte l e c t ua i s s e r e fugiariam no mundo das idéias , tendo

como único ob j et ivo a preocupação l i te r á r i a . Qo a l to de sua

torre , e l e s contemp l a r i am o mundo , r e f l e t i r iam sobre ele, sem,

no entanto , terem um envolvimento d i reto com as lutas soc i a i s .

o papel do inte l ec tua l e s t á c la ramente f ixado : e l e s " podem e scr�


, , , , 10 ,
ver paginas de h i s toria ma s a h i s to r i a faz-se la fora" . A ideia
,
e a de que e pre c i s o s e r e t i r a r , s e d i s tanc i a r para melhor re-
,

f l e t i r sobre a r e a l idade : ver "claro e �uie t o " .

, 11
No inl.c io do século , conforme l embra N ic· o lau Sevcenko ,

a intelectual idade sofria uma s i tuação de margina l idade por par-

t e do E s tado , princ ipalmente o grupo que se co locava numa pe r s -

pectiva ma i s c r í t i c a e m r e l a ç ã o à soci edade , como e o caso de


,

Euc lides d a Cunha e Lima B a r r e to . Para e s t e s i n t e l e c t ua i s que

se recusavam a ver a l i t e ra tura s imple smente como o "sorriso d a

sociedade", percebendo-a antes como uma m i s sã o , como i n s trumento

de trans formação soc ia l , os caminhos não s e r iam fác e i s . O s obs -

táculos de uma sociedade tradic ion a l vetar iam prontamente os

seus pro j e t o s de atuação pÚblica , r e s t r ingindo e demar c a ndo o

lugar do i n t e l ectua l pa ra fora da arena po l í t ica . Ao i n t e l ect},!

al cabe r i a , portanto , a r e f l exão , a quietude e o saber puramente

10
CAMPOS , Humberto de . Op . c i t o p. 5 .
11
SEVCENKO , Nicolau . L i t e r a tura como mis são; tensões soc i a i s e
criação cu ltura l na prime ira Repúbl ica . são Paulo , B r a s i l ieg
se, 1983 .
9

erudito . D i s tante d a s m i s é r i a s d o mund o , e l e deveria s e r o "cri

ador d a s i lus6e s " capaz d e reve l a r o encanto , o lado feliz e

leve da vida . Dentro d e s t e quadro , po l í t i c a e l it era tura apa-

rec iam como coisas tota lmente d i s t in ta s : a primeira d i z ia res-

peito a o s a spectos mat e r i a i s d a v ida ; enquanto a segunda f a l ava

do espírito , e n f im dos valores t idos como superiore s .

Pro ferido na o c a s i ã o da fundação da Academia B ra s i l e ira

de Letra s , o d i scurso de Machado oferece um intere s sa n t e con-

fronto com a ideologia do E s tado Novo , no que se refere ao pa-

pel do inte l ectua l na sociedad e . Neste sent ido , é interessante

perceber como a doutrina do regime vai incorporar e repe n s a r

e s ta s idé i a s , na perspe c t iva de c r i t ic a r a a t i tude i s o l a c ion i s t a

d o s inte l e c tu a i s . A metá fora da " torre de ma r f im" é i n c e s s a n t e -

mente reproduzida como s ímbo lo da a l ienação pO l ít ica em que vi-

v i a m a s n o s s a s e l i t e s c u l tura i s . o i d e a l e s t e t ic i s ta d a l i t e r a -

tura , o i nt e l e c tu a l erud ito e o academicismo são ob j e to de c r í t i

ca violenta por parte do regim e , que pa s s a a de fender a função

s o c i a l d o inte l e c tua l , chamando-o a par t i c i pa r dos d e s t inos da

nac iona l idad e .

É curioso como um dos ideólogos do E s tado Novo - .Ca s s i. a -

no Ricardo e f e tua o confronto entre Machado de A s s i s e Euc l i ­

des da Cunha . A obra de Machado é c r i t icada pe lo seu " c o smopo-

l i t i smo d i s solvente " . I s to porque toma ria como inspiração ape-

nas o l i tora l , visto como o l ado fa l s o do Bra s i l , onde predomi-

naria a inf luência de valores a l ienígena s . Sua arte , para Cas-

s i a no Ricardo , seria , portanto , ba seada no mime t i smo . Já Euc l i -

d e s da Cunha aparece como aqu e l e que " pe n s a bra s i l e iramente " ; sua

obra representa a " força origina l da terra " , porque falaria a

" l inguagem bra s i l e ira " dos sert6e s . Na arte euc l i d i ana , s e gundo
10

C a s s iano Ricard o , e s t a r i a re tratada toda a vio lincia e força de


12
um mundo novo . No E s tado Novo , a obra de Euc lides é recupe-

rada pe l a sua d imen são region a l i sta , que traduziria a preocupa-

ção do autor com os d e s t inos da nac iona l idade .

A doutrina do regime constrói todo um s i s tema d e v a l o r e s

e m função do qual resgata o u n e g a o valor do intelectual na so-

c iedad e . A s s im , na obra de Euc l id e s , a que s tão da bra s i l idade é

a ins tânc ia máx ima de sua consagração . A idéia do inte l e c tua l

como membro do grupo em comunhão com o naciona l , está , então ,

f irmada .

Antes d e aprofundar a aná l i s e sobre a concepçao de i n t e -

l e c tua l construída pelo regime , cons ideramos impor tante r e t e r a�

gumas i d é i a s anteriore s . Retomando o d i scurso de Machado de

Assis e o de Varga s , vemos que ambos tra tam de uma questão co-

mum : o lugar d e d e s taque confe rido ao inte l e c tua l . Seja isola-

d o n a sua torre de ma r fim, c � iando a s " i l u s 5 e s " nec e s s á r i a s ao

bom andamento d a ordem soc i a l ( tempo de Machado d e Ass is ) , seja

envo lvido na s lutas nac iona i s ( per íodo d o E s tado Novo ) , o inte-

l ectual é caracteri zado pelo e s t igma da d i f e rença . Fabricante

d e i l u s 5 e s ou consc iinc ia da naciona l idade , e l e foge ao padrão do

homem comum . A s s im , o inte l e ctual é sempre d e s ignado para o

exercício de a l guma função e/ou m i s s ã o e s pec i a l" que varia de

acordo com a conj untura h i stórica .

12
RICARD O , C a s s iano . Ma rcha para Oes t e ; a inf luencia da "ba n-
A

d e i ra " na formação soc i a l e po l í t ica do Bra s i l . Rio de Ja­


ne iro , José O l ímpi o , 19 4 0 . p . 546 .
Poster iormente a aná l i s e sobre o pe r f i l de Machado de
As s i s e Euc l id e s d a Cunha foi aprofundada por mim em : A lite­
ratura como espe lho da Nacão; a c r í t i c a l i terária no E s tado
Novo . Rio de Janeiro , CPDOC , 1987 . 38 p.
11

No E s tado Novo o intelectual r e sponde à chamada do r e g i -

m e que o incumbe d e umà mis são : a d e s e r o repre sentante da

consc iência nac ional. Reed i t a - s e , portanto , uma idéia j á enra i z a

da h i s toricamente n o c ampo i n t e l e c tual. o que va r i a é a delim i -

tação d o e s paço de atuação d e s t e grupo da torre de mar f im

para a arena pol í t i c a -, permanecendo o seu papel de vanguarda

soc ia l . o trabalho do int e l ectua l agora enga j ado nos domí-

nios do E s tado deve traduzir as mudanças ocorridas no plano

pO l í t ico .

o melhor exemplo que temos para i lustrar e s ta nova con-

cepçao de intelectual, é a entrada de Getúl io Vargas para a Aca -

demia B ra s i l e ira d e L e t ra s , em de zembro d e 1 9 4 3 . No s eu d i scur-

so de pos s e , Vargas c r i t i caria o antigo papel d a Academia ,

condenando a "torre de ma r f im" que i sol ava o intelectua l do con -

junto d a soc iedade . Argumentava que , por oca s ião de sua funda-

ç a o , a Academia s e cons t i tuíra num "remanso", a lheio às trans fo!:

maçoes soc i a i s . A s s im , po l í t icos e adminis tradores caminhavam

de um lado, e inte l e tua i s de outro, ocupando margens opo s t a s na

torrente d a vida soc i a l" . Segundo Vargas, o poeta seria o " l u-

nático, pe s soa ausente , habitando um mundo de fanta s i a s e 1ma-

gens " , enquanto o li terato era o "te6r ico , pe s fora do solo , ca-
,

beça n a s nuven s , alh e io à s rea l idades cotidianas . . . " predomi-

nava , portanto , o " de sdém do e s pírito pela maté ria , gerando a

d i s persão das energi a s socia i s " . Va rgas argumentava que somente

a partir da décad a de 30 é que teria s ido operada a "s imbiose n�

ce s sária entre homen s de pensamento e de ação" . A pa r t i r da í , a

Academia a s sumiria um novo pape l : o de coordenar i�éias e va lo-


12

13
re s , imprimindo direcão construtiva à vida intelectual .

A entrada de Getúlio Vargas para a Academia vem , portan-

to, reforçar um dos postulados doutrinários mais enfatizados pe -

los regimes repre s entante s do regime : o da união entre o homem

de Dens amento e o homem de acão , entre a pOlítica e a litera-

tura , enfim , entre os intelectuais. e o Estado. Vargas personi-

fica magistralmente e sta simbios e , reunindo em si os atributos

do verbo e da a ç ão , d e idealismo e pragmatismo . Ele e o polí-


,

tico competente , capaz de comandar o j o go político , mas também

é o intelectual capa z de re fletir sobre os de stinos da nacion a -

lidade , na qualidade de autor da "nova pOlítica d o Brasil " . Se-

guindo e s s e en foque , o discurso estado-novista con strói uma "no-

va concepção de intelectual " . Concepção e sta que bu s c a diluir


14
a s fronteira s entre o "homem de letras" e o " homem pOlítico " .

Realiz a - s e então a referida simbiose entre os intelectuais e a

pOlítica . o con flito cede lugar à harmonia .

13
BRASIL . Pre sidente , 1 954-54 ( Varga s ) Discurso pronunciado n a
ABL e m 29/12/4 3 . I n : A nova po l ítica do Bra sil . Rio de Ja­
neiro , José Ol ímpio , 1 9 4 4 . p . 221 - 3 7
14
VELLOSO , Mônica Pimenta . Cultura e poder pOl ítico no Estado
Novo : uma config ura ç ã o do campo intele ctua l . In : Estado No­
yg: id eologia e pod er . Rio de Janeiro , Zahar , 1 9 82 . p . 72 -
108.
13

A política nao é mais a " madrasta da inteligência " ; surge Getú-

lio Varga s o " pai dos intelectuai s "

" Ho j e podemos a firmar que existe


,

uma pOlítica bra sileira que e uma


autêntica expre s são do verdadeiro
, .
e spírito social . Nesse e s p1r1to sQ
cial a j ustaram - s e as n e c e s sidades
,

do nosso presente as conquista s do


nosso p a s s ado , para formarem per­
mis s ã o tríplice da política gue nos
15.
conce d e ag1r,
. pen s ar e cr1ar . . . ,,

A doutrina do regime procura realizar um corte histórico

no tempo , mostrando que o presente veio expurgar os erros 'do pa�

sado . As expre ssões IIEstado Novo " , " Brasil Novo" I " nova ordem"

etc . . . denotam e sta tentativa de marcar o regime como uma fase


16
de redenção , d e " encontro do Brasil consigo mesmo " E sta re-
,

denção s ó pode adquirir s entido , quando contraposta a um per10-

do de c a o s , desord em , d e s a j uste . o liberalismo aparec e , entã o ,

1
5 Cultura política , n� 1, março 1941.

16
VELLOSO , Mônica Pimenta . Cultura e poder político no Esta ­
do Novo : uma con figuração do � ampo intelectual . Op . c ito
p . 83 .
14

como a corporificação d e s t e ma l , como u m verdadeiro d e s a stre pa-

ra a nacionalidade brasileira , porque seria uma ideologia impor-

tada . t, portanto , a partir d a prática libera l que os doutrina-

dores d o regime explicam todos os male s que se abateram sobre o


,
pa 1 s .

t precisamente e s t a re tórica a n tiliberal que iria fund a ­

mentar o novo papel a t ribu ído ao int e l ectual. Assim , no libera-

lismo era a c eitável que o intelec tua l fosse inimigo do E s t ado ,

porque e s t e não repre s entava o verdadeiro Bra sil . A política


- 17
era , entao , '
a " ma d r a s t a d a 1nte 11genc1a 11
. � .
, ,
a medida que a ex-

c l u ía dos proc e s s o s decisório s . No E s tado Novo t.al fato nao

ocorreria mais: o Es tado se trans formava no tutor , no pai da

intelectualidad e , ao s e identificar com as forças sociais . A a r -

gumentação s e d e s envolvia n o seguinte s entido : a partir do mo-

mento em que o E s tado marca a sua pre s ença em todos os domínios

da vida socia l , não há pcr que o intelectual manter a sua antiga

posição de oposicionista ou insistir na ma rgilidade . D e inimigo

do E s tado , o intelectua l deve se conve rter em seu fiel colabora -


, 18
dor , ou s e j a , ele passa a ter um d e ve r para com a sua patr 1. a .

17 Rio
CORREA, Nereu . A inteligência no regime atual .
de Janeiro , 1 3/2/4 3 . p. 4.
18
Através do "d ecálogo do e s c rito r " , e s te senso de dever é minu
ciosamente e s tipulado . Vale a transcrição : "Amar o B rasil uni
do sobre tod a s a s coisa s ; prezar no americanismo a expansão
fraternal de sua bra silidade , contribuir para formação educ a ­
tiva d o povo bra sileiro e s tiliz ada e m ha rmonia com tendênci­
as e costumes nacionais ; rever na família a s íntese mor a l da
pátria , na bàndeira o s ímbolo de uma glória ; honrar a tradi­
ção cristã e c í vica do Bra sil e t erno para o nosso culto ; ser­
vir com O mesmo devotamento is a rmas e is letras; cumprir fi­
e lmente os deveres da vida pOlítica ; lidar pela causa do e n si
no primá rio ; defesa inicial da língua e da raça; s eguir as
grandes lições d o s antepa s sados; santificar pela fé naciona­
lista os dia s heróicos da pá tria e os dias �teis do t rabalho . "
( O dever do e s c ritor . A Manhã , Rio d e Janeiro , 4 de abril de
1943 ) .
15

o nome de Olavo Bilac é cor.stantemente mencionado corno um exem-

plo a ser seguido pela inte l ectualidade , urna vez que teria colo-

cado a arte e a cultura à s erviço da naçã o . Preocupado com a



.
19 ,
"educação cl.vica e sentimental d a s ma s s a s " e ste ·intelectual e

alvo dos maiores elogios. por parte dos ideólogos do regime . D e -

fendendo o Exército corno força educativa disciplinadora e elegen

do o s enso de dever e obediência corno valores supremos da nacio-

nalid ad e , a figura ce Bilac é recuperada corno mod e l o do intelec-

tua l brasileiro .

Fica claro , portanto , o tipo d e comportamento social que

se e s pera , ou melhor dizendo , se exige dos intelectuais : a sua

sa ída da " torre de marfim" e a conquista da atuação pública d e ve

se dar em e strita cons onância com o Estado . Se Estado e que


,

Cf

traça as diretrizes da pOlítica nacional , o intelectual deverá

necessariamente circun s crever sua e s fera de açao aos domínios

oficiais .

O intelectual é eleito o intérprete da vida socia l , por-

que capa z de tran smitir as mú.ltiplas mani fe stações sociais , tra-

zendo- a s para o seio do Estado , que irá discipliná- la s , e coor-


, 20 -
dena-la s . Eles sao vistos corno o s intermediarios que unem go-
,

verno e povo , porque " eles é que pen s a m , eles e que criamll , en-
,

fim , porque " e stão encarregados d e indica r os rumos e stabeleci­


21
dos pela nova política do Bra sil " . E e sta nova pOlítica é pe�

19 de Janeiro ,
Advertência aos ma us polític os . A Manhã , Rio
05/07/ 1 9 4 2 .
20
ANDRJID E , Alm ir de . Intelectuais e políticos . A �lanhã • Rio
de Janeiro , 2 3 j a n . 1944 . p. 4
21
VELLO S O , Mônica Pimenta . Cultura e poder político . . . Op.
cito p. 93 .
16

sonificada n a figura d e Varga s : homem d e pensamento e de açao .

A s s im , e l e é o pa radigma por exce lência a ser seguido por toda a

inte l ectua l idade bra s i l e ira .

Azevedo Ama ra l d i s t i ngue o s int e l ectua i s do con j unto da

soc iedade , mostrando que são e s t e s os ma i s e spec i a lmente ind i c a -

d o s para colaborar com o governo , devido a o s e u senso de ordem

e organi zação . I sto·porque , argumenta o autor , os int e l ectua i s

traba lhariam com a s idé i a s , r e t i ra ndo os s e u s a rgumentos da h i s -

tória e d a fi losofia . Já os vo l tados para outras a t ividades re-

correriam às emoçõe s , transmitind o - a s a través de uma " l inguagem


' 22
pan f l e t a r 1. a " . N a s propo s t a s de orga n i z a ç ã o , a pre sentada s pe-

los i n t e l ec tua i s , o autor percebe um e s tímulo à r e f l e xã o , a or-

dem e à intel igênc ia ; a o pa s so que nas dos demais a incitação à

violênc i a , de sperta nas ma s s a s "pa ixões soc i a i s perigos a s " à boa

condução do processo pO l í t ico . A s s im rac iocinand o , Ama ra l de-

fende a l iberdade de expre s s a 0 de acordo com a " capacidade men­


23
t a l e cul tura l de cada um" .

É clara a h i erarquização dos d ireitos civis que se e v i -

dencia em função d a s di ferenç a s de capacidade . Assim, a l iber-

dade de expressão fica r e s tr i ta aos que s e r iam pretensamente os

ma i s bem dotados : a s e l i t e s pO l í t i c a s e os intelectua i s .

22 ' naCl0-
AMARAL , Azevedo . O Estado autoritario e a realidade
na l . Rio de Jane iro , José O l ímpio , 1938 . p . 268-69 .
23
AMARAL , Azevedo . Ibid. . p. 268-69 .
17

Ve j amos corno o autor conf igura o intelectua l , n a perspec

tiva d e e l egê - l o o col aborador do governo :

"Emergidos da cole tividade corno �

pre s s�es ma i s l�c idas do que a inda


não s e tornou perfei tamente cons c i -
ente n o e spírito d o povo , o s inte­
lectua i s s ã o inv e s t idos da função
de retransmitir às ma s s a s sob for­
ma c lara e compreens iva o que n e l a s
é apenas urna idéia ind e c i s a e urna
a spiração ma l de finida . As s i m , a
e l i t e cul tura l do pa í s tornou - s e n o
E s tado Novo um órgã o n e c e s s a riamen­
t e a s sociado a o poder p�bl i co corno
centro de e l abora ção ideológica e
n�c l eo de irradiação do pensamento
nacional que e l a sublima e coor­
24
dena " .

Aqui encontramos um d o s pos tulados centra i s do pensamen-

to pOlítico autoritário , que é o de entender a sociedade corno

ser ima turo , indeciso e , portanto , carente de um guia c a pa z de

l h e a presentar norma s de a ç ã o e d e conduta . Ma i s do que isto :

capaz de lhe ad ivinhar os a n s e ios , de prec i s á - los , enfim, de lhe

indicar as so luç�e s . O s intelectua i s a pa recem corno porta -voz e s

24
AMARAL , Azevedo . Ibid. p. 272-73 .
18

dos a n s e ios popu l a re s , porque seriam capazes de c a pta r o " sub-

consciente colet ivo" da naciona l idade. Neste subconsciente est�

riam contidas a s verdade ira s res ervas d a bra s i l idade que o Esta -

do Novo viria a recupe ra r , a s s egurando a con t inuidade da con s -

c i ência naciona l . o que na s ma s s a s a inda e urna idéia ind e c i s a

o u a s piração ma l d e fin ida d e i x a de s ê - lo , por intermédio dos

inte l ec tua i s que s e trans formam em seus intérpre te s . Apontados

corno expre s s õ e s ma i s l úc i d a s da sociedad e , os inte lec tua i s sao

vistos corno os prenun c i adores d a s grandes mudanças h i s t 6� i c a s e

a rautos da renovação nac iona l , conforme veremos ma i s a d i a n t e . O

que nos importa reter agora é a idéia do intelectu a l na cond ição

de repre sentante ou de intermed iário , capaz de captar e exprimir

a " vontade popu l a r " , que será rea l i zada pelo Es tado. Na ba s e

desta a rgumentação , transparece a vinculação entre a s e l i t e s in-

te l ec tua i s e po l í tica s : a s prime ira s pen sam ; a s segund a s rea l i -


25
zam. Este pen s a r vinculado à ação po l í tica implica construir

os mecani smos de pe rsuação ideo 16gica , n e c e s s á rios a conso l id a -


,

ç ã o d o regime . Entramo s , então , no terreno da propa ganda pol í -

tica , onde o s inte l ectua i s têm pape l d e importância fundamenta l .

25
Esta idéi a é de fendida por Ca s s i ano Ricardo . Ver Môn ica P i -
menta Ve l l oso . O m i t o da origina l idade bra s i l e i ra . . . Op .
cit o
19

DIP: a entidade onipre sente

"Ne s s e s j orna i s , nessas voz e s que


dominam os espaços rad i o fôn i c o s , ne�
s a s c r i a ç õ e s c inematográ f ic a s ( . . . )
é que e s tã o loca l i z ados os elemen­
tos que proporc i onam o contato di­
reto d o governo com o povo " .

( Anuá r i o d a Imprensa B r a s ileira , R i o


d e Jane i r o , DIP)

É n e s s e período que s e elabora e f e t i vamente a montagem

de uma propaganda s i s t emá t i c a do gove rno , d e s t inada a d i fund i r

e popula r i z a r a ideolog i a d o reg ime j unto à s d i ferentes camadas

soc i a i s . Para dar conta de tal empreend imento , é criado um e f i -

c i ente apara to cultural : o Departamento de Imprensa e Propagan-

da DIP • d i retamente subord inado ao Execut i vo .

Na realida de , a s origens d e s s a i n s t i tu ição remontam a

um período anter ior a o E s tado Novo . Em 1 9 3 4 Va rga s já d e fendera

a n e c e s s idade do governo a s so c i a r o rád i o , c inema e esportes em

um s i s t ema a r t i culado de " educação ment a l , moral e h i g iinic a " .

E s t a i d é i a começou a s e conc r e t i z a r no ano seguinte , quando o


,
prime i ro e s calão do governo s e reun i r i a para fazer uma a v a l iação

da repre s s ã o à Intentona comun i sta . Nesta reun i ã o , seriam la n-


20

ç a d a s dua s semen t e s de rápida fru t i f icação : o DIP e o Tribunal


26
de Segurança Nac ional . C r i ado pelo decreto pre s id e n c i al de

d e z embro d e 19 3 9 , o DIP, sob a d i reção de Lourival Fon tes , viria

ma teriali z a r toda a prá t ica propagand i s t a do governo . A entida-

de abarcava os seguintes setore s : d ivulgaç ã o , radiofu sã o , te-

atro, c inema , turi smo e imprens a . Es.tava incumbida de coorde-

na r , orientar e central i z a r a propaganda interna e ext erna ; fa-

z e r censura a tea tro , c inema , funções e sport iva s e recre a t i va s ;

/ orga n i z a r
·
ma n i fe stações c í v i ca s , f e s t a s patriótic a s , expo s i ç õe s ,

concertos e conferinc i a s e dirigir e organi zar o programa de


27
r ad 1· 0 fu s -
a o o f'1C1a 1 d o governo .
.

Em vários e s t a do s , o D I P pos s u í a órgã os filiados ( DE I P s ) ,

que e s t a vam subord inados a o Rio de Janeiro . E s ta e s trutura altª

mente centralizada i r i a permi t ir ao governo exe rcer e f ic iente

controle da informa ç ã o , a s s egurando-lhe cons iderável domínio em

relação à vida cultural do pa í s . A centralização adm ini s tra tiva

era a pr e s entada como fa tor de modernidade , apelando - s e pa r a 'os

princípios de sua e f i c á c ia e ràcionalidad e .

Por um dos d i sp o s i t i vos da Con s t ituição de 19 3 7 , a im-

prensa pa ssa a ser subordinada ao pod e r públic o . Franc i s c o Cam-

po s , um dos ideólogos da ma ior pro j eção no reg ime e autor da

26
TOTA , Antônio Pedro . A glória a r t í s t i ca nos tempos d e Getú­
lio ; os 40 anos do D I P , a ma i s bem montada máquina da d i t a ­
dura . I sto é 2 j a n . 1980 . p. 46-47; e Anuá rio d a Imprensa
Bra s ileira . Rio de Janeiro , D I P . p. 122
27
O conceito bras ileiro da imprensa e a propaganda no E s tado
Novo . Anuário d a I mprensa Bra s i leira . Rio de Janeiro , D I P ,
s.d. p . 29-32
21

Cons t i tuiç � o , de fende a função pública d a imprensa , a rgumentando

que o controle do E s tado é que irá garantir a "comun icacão di-

reta " entre o governo e o con j unto d a soc iedad e . Alega que e s t a

é a ún ica maneira d e elimina r o s " intermed iários nocivos a o pro-

gresso " . Um a specto que chama pa rt icularmente a a tenção no in-

ter ior d a doutrina , é a " vocação legi sla t iva " a tribuída a �m-
,

prensa , uma vez que consultaria cotidia namente os intere s s e s do

povo . A centralização da informação é apresentada como uma forma

de agilizar o proc e s s o de consulta popular , desca rtando - s e o Pa�

lamento como uma in s t i tuição a nacrônica e d e f ic iente. o j ornal

A Manhã , porta - voz o f i c ial do reg ime , e fetua uma série de in-

quéritos populares sobre a pOl í t i ca do governo , que são pUbl i c a -

dos sob o sug e s t i vo t í tulo : " A rua com a palavra " .

N e s s e s inquéritos bus c a - se sond a r a opinião pública a

propó s i t o d a s realizações governamenta i s . o programa rad i o fôn i -

c o A Hora d o Bra s i l , a legislação trabalh i s t a , a figura de Var-

gas sao alguns dos a s suntos abordados por e s s a s enquetes.

A doutrina do regime busca mo s trar que o E s tado s ó é c a -

p a z de a s s egurar a democ r a c ia , quando consulta d i retamente o po-


, " " _ 28 "
vo nas sua s ma�s leg�t�mas a s p�raçoes. Ass�m , entre o governo
"

e o c o n j unt"o da sociedade não há nece s s idade de intermed iári os ,

quando o chefe s i n t e t i z a a " alma nac iona l " .

2B
Sobre o papel da imprensa no regime ver Mônica Pimenta Ve­
lloso . O mito da originalidade bra s ileira ; a tra j e t ó r i a in­
telectual de C a s s i a no Ricardo ( d os a nos 20 a o E s tado Novo )
Rio de Jane iro , PUC , 1983 [d i s sertação de mestrado p. 6 - 1 0 . ]
22

De modo gera l , o s cana i s de expre s s ã o da sociedade c i v i l

s a o transformados e m e spaço d e veiculação d a ideologia do Esta-

do . Muit a s d a s organ i z a ç õ e s c u l tura i s do períOdo vão s e r incor-

pora d a s pelo governo , como é o c a s o da Rádio Nac iona l ( 1940 ) e

dos jorna i s A Manhã (RJ ) e A Noite ( Sp ) .

Em 1 9 d e abr i l de 1 9 42, d i a do aniversário de Varga s ,

sao inaugurados os novos e s túd ios d a Rádio Nac iona l . N a c e r imô-

nia , em que Gi lberto de Andrade e empos sado como d ire tor da ra-
,

dio , partic ipam e d i scursam Lour iva l Font e s e o min i s tro Gustavo

Capanema . G i lberto de And rade a nuncia que um dos seus objet ivos

é o de " trans formar a rád io em veículo de d i fusão cul tura l - a r t í�


29
t ic a e d e bra s i l idade " .

Atra vés d e ssa emi s sora , o regime buscava monopo l i z a r a

audiência popu l a r , contratando uma equipe exc lus iva da rád io , on

de figuravam nomes como os de Lama rtine Babo , Almirante , Ari BaK

ros o , Emi l inha . Borba , S í l v i o Ca lda s , Vicente C e l e s t ino . Para

dar ma ior a t ra t ivo aos programa s , o governo i n s t i tuiu concursos

mu s ic a i s , a través dos qua i s a opinião púb l i c a e l egia os seus co�

po s i tores favor itos . D e s s e s concur sos pa rti c ipavam os grandes

a s tros da epoca : Franc i sco Alve s , Ca rmem Miranda , Heitor dos


,

Pra zeres e Donga . o curioso é que a s apuraçoes dos concursos

eram rea l i z a d a s na s ede do D I P e os resultados transmi tidos du­


30
rante o noticiá rio da Hora do Bra s i l . Uma maneira e f iciente ,

29
RE I S , N é l io . o dia do pre s idente e os novos e s túd ios da Rá-
dio N a c i ona 1 . A Manhã , 19 abr o 1942 . p. 5
30
TOTA, Antônio Pedro. Op . ci t . p. 46 .
23

portanto , d e garantir a audiência popu l a r , obrigando o púb l i c o a

manter o rá dio l igado .

Para amp l i a r a audiência do programa e tornar ma i s agra­

dável a sua recepçao j unto ao púb l i c o , os representantes do re-

gime l a nçam mão de uma série de inovaçõe s . Assim, em 1942 e


,

criada uma s e s s ã o de mús ica f o l c l óric a ; outra de crônic a s , Ta l -

vez nem todos s a ibam que . . . , d e s t inada a dar in forma ções sobre

a vida econômica , pO l í tica e m i l i ta r ; e a Nota H i stórica , onde

eram rememora d a s as grandes d a t a s e heró i s expre s s ivos d a n a c i o -

na l idade . De fendendo o ponto de v i s ta d e que A Hora do Bra s i l

não seria apenas a " pa l a vra d o govern o " , ma s a "voz s incera do

povo " , o regime faz rea l i zar uma série de entrevistas rad iofô-

nicas sobre a po l í t ic a do governo . o ob j e t i vo destas entre v i s -

ta s , con forme e s c lareceria o D I P , era o de sub s t i tuir os longos


31
e monótonos d i scurso s pe lo depoimento vivo dos popu l a re s . Pa-

ra evi tar o desgaste da doutrina , muda - s e o " locutor-govern o " Pª

ra o " l ocutor-povo " . o governo deixa de emi tir soz inho o seu

d i s curso , quando pa s sa a int errogar o povo sobre as suas a ç oe s ,

e s forçand o - s e para envo l vê - l o na pO l í t ic a o f i c ia l . E s tra tégia

e f icien t e , sem dúvida , s e l embrarmos que o programa A Hora do

Bra s i l era ironicamente chamado de " o fa la soz inho . . . "

D e s t a cando o rá dio pelo seu notável poder de pers u a s ã o e

como o " ma ior potenc i a l sociali zador do mundo c i v i l izado " , o re-

gime d e fende a nece s s idade d e exercer vigil ante a s s i s tência e s�

31
A imprensa e a propaganda no qüinquenio 19 3 7 -42; o DNP e o
DIP. Cul tura po l í t i ca , n . 2 1 , nov o 1942 or
p . 1 6 8 - 8 7 e �A��H �
��
do Bra s i l . O Bra s i l de hoje, ontem e de amanhã . fev . 1940 .
p. 44-45
24

. - 32
vera f .1 s c a 1 1zaçao no s e tor . A radiofusão l i vre e v i s ta como
,

temerá r i a , uma vez que d e svirtuaria a obra educ a t iva v i s ada pelo

governo .

Ocorre que a opinião púb l ica prec i s a va ser conqu i s tada ,

quando a inda não e s tava tota lmente iso lada da inf luincia de ou-

tras fon tes de informaç ão . " Coagir a soc iedade por dentro " , es-

vaziar a l e g i t imidad e dos outros cana i s cul tura i s foram e s traté-

gias amplamente u t i l izada s pe l o s que buscavam levar avante o


33
pro j e to educa t ivo do " novo" E s tado . E s t e é apresen tado como a

ún ica e n t idade capaz de transmi t i r uma adequada educação po l í -

t i c a a o con j unto da sociedade , por e s t a r desvinculando dos in-

teresses privados . Nesta perspect iva , a ideologia oficial deve

preva l ecer porque é capaz de unificar e dar coesão às d i ferentes

visões do mundo soci a l , que s ã o por natureza fragmentá r ia s . ° E�

tado aparec e , então , como o único inter locutor l e g í t imo para fa -

l a r com e pela soc i edad e . E s ta concepção transparece no próprio

pro j e t o radiofônico então i n s t i tuído , que d e staca a " homogeneidª

de cul tura l " e a " un i formi zação da l íngua e da d ic ç ã o " como seus

obj e t ivos fundamenta i s .

A homogeneidade no campo cu ltura l é v i s ta como forma de

a s s egura r a organização d o regime , que busca inva l idar a s dema i s

ma ni f e s tações d e cul tura como pre j ud i c i a i s ao intere s s e nacio-

na! . Assim, o rádio deveria " a per feiçoar" a s relações entre a s

32
SALGADO , Á l varo . Ra d iofusão soc ia l . Cul tura política , n. 6,
ago . 1 9 41 . p. 79 - 9 3 .
33
A aná l i s e da propaganda tota l i tária é d e s envo lvida por Hannah
Arendt : As origen s d o tota l i t ar ismo ; tota l i t a r i smo , o pa ro­
xi smo do poder . Rio de Janeiro , D ocumentário , 19 7 9 . v . 111.
25

camada s c u l ta s e as popu l a re s , sendo o portador do " bom e x emplo ,

do certo e do d i r e i t o " . Quando u t i l izado contra estes princ í-

pios , pa s s a va a a fetar a própria segurança nac iona l . Para evitar

esta s i tuaç ã o , Júlio Barata , d i r � tor da d ivisão radiofônica do

D I P , d e fendeu a n e c e s s idade de s e empreender ampla obra de " sa_


34
neamento socia l " no setor .

A doutrina d o regime procura d i ferenciar a " ma u r�di o " ,

vol tado para a d iversã o , e s porte e humor , do rádio enquanto v e í -

c u l o de c u l tura . No entanto , e s t e dua l i smo de rádio-diversão X

rádio- c u l tura , não preva l eceu , pois oca s iona ria fata lmente a im-

popu l a r idade da mensagem governamental. A estra tégia u t i l izada

foi bem ma i s hábi l : a de agradar o gosto popu la r , depurando - o

dos seus " co stumes d i s s o l ventes e imora i s " . Assim, no lia lambi-

que da c i v i l ização e progre s s o " s e e f e tuaria a "destilação" ne-

c e s sá r i a , a s s egurando a homogeneidade c u l tura l a lme j ada pelo re­

. 35
g1me .

É a educação popu l a r que irá garantir esta homogeneidade

d e cul tura e valore s . Neste período s e de senvo lve intensa po lê-

mica em torno da pa r t i c i pação do int e l e c tua l nos programa s radiQ

fônico s . Até que ponto o rádio s e ria capaz de ga rantir o a l to

nível da produção inte l ectual? Enquanto fosse veículo de comu­

nicação d e s t inado à s ma s sa s , não teria e l e propen sões a vulga ri­

zar e s t a produção? Estas pergun ta s , l evantadas pe los ideólogos

34
ROCHA, A l u í s io . Nova orientação para a radiofusão naciona l ;
uma entrevista com Júlio Barata . Revista Bra s i l e ira de Mu-
s i c a , fa se. I , v . VI I , 1 9 4 0 . p. 8 4 - 8 8
35
SALGADO , Á l va ro . Ibidem .
26

do reg ime , s e inscrevem no próprio deba te em torno da função da

obra de arte na modernidade: objeto de fa scín io d e s t inado a uns

poucos ou e l emento a ser d i vulgado pa ra um público cada vez ma i s

amplo? Para o s ideólogos do regime , con forme já foi visto , a

a r t e deveria e s t a r vo l tada pa ra fins u t i l itários e nao ornamen-

ta i s . Amp l i a r o a c e s s o à a r t e s i gnific a , nesta concepção , amp l i

a r a própria e s f era de abrangência d a doutrina e s tado-novi s ta .

A figura d e Paul Va liry i o grande a l vo dessa d i sc u s s ã o

por de fender o ponto de v i s t a de q u e o r á d i o d e s f igur a r i a a pro-

dução intelec tua l . Para os ideólogos e s ta idiia era inteiramen-

te fa l s a : enquanto os in t e l ec tua i s n ã o ocuparem e s t e e s pa ç o , os

, p· r ograma s l iterários continuariam sendo f e i tos por e s c r i tores im

provisados e " be l e t r i s t a s de terc e i ra ordem" . A c o l a boração

dos i n t e l e c tua i s no setor , s ó pod e r i a e l evar o nível dos progra -

ma s e garantir o seu respeito junto ao público ouvin t e . Na

pe rspect iva de refutar a t e s e de Va liry são rea li zada s vá ria s eg

trevi s t a s no meio da inte l e c tua l ida de . Os nomes de Roquete P i n -

to , Ba stos Tigre , Menotti D e l Picchia , Brito Broca e outros são

c i tados corno exemplos de inte l e c tua i s eng a j ados no setor radio-

fônico. Predomina o ponto de vista de que o rádio não imp l i c a a

de squa l i f icação do pensamento , ma s a democ r a t i z ação socia l . Ar-

gument a - se que a pa la vra f a l a d a va i a o encontro ati do ouv inte

ind i feren t e , identi ficando - s e por isto com a " d ivina arte " , ca-

pa z de a t ingir a todo s . O rádio aparece , então , corno veículo d e

democracia porque i capaz de " fa z e r a produção inte l e c tua 1 re-


36
tornar ao povo a t ra vi s d a l i nguagem ora l " . Este re torno se

36 Cu l t ura
CASTELO , Ma rtin s . O rádio e a produção inte l ectua l .
po l í tica , n . 1 9. set . 1942 . p . 203- 205 .
27

d á , à med ida que os i n t e l e c t ua i s decod i f iquem e soc i a l izem a

sua l inguagem , revivendo o " encanto m í s t ico " das comuni d a d e s


37
prl.ml.tl.va s .
• o .

A integração pO l ít i c a , através do mito , foi um dos re-

cursos mais u t i l i z ados pe l o regime . Franc i sco Campos , d e fende a

técnica i n t e l e c tua l i s t a d e u t i l i z ação d o inconsc iente c o l e t ivo


38
para o contro l e poll.tl.cO d a naç ao . Nesta perspec t iva , cabe r i a
-

' o

ao intelec t ua l f a l a r a l inguagem d e s s e incon sc i e nt e , composto d e

forças telúricas e emoções primit i va s . A idéia e a de que o


,

irrac ion a l tem muito ma i s força persua s iva do que a razao , por -

que é capaz de tocar o universo ínt imo d a s cama d a s popu l a re s . N�

l e,. o mito da nação e do herói encontrariam plena receptividad e .

D a í o fato do regime incansave lmente recorrer aos drama s épi-

cos , narrativas heróica s , l endas e crônica s . o c iv i smo e a exa�

t a ç ão aos valores pátrios compõem inevitave lmente o pano d e fun-

d o , sobre o qual s e d e s en r o l am e s s a s narrativa s .

Dentro d e s t a v i são doutr inária é que se procura dar uma

nova orientação ao programa Rádio-teatro , no sent ido d e explorar

os fatos h i stóricos para melhor atingir o gosto popu l a r . Recomen

da-se evitar o e s t i l o dogmá t ico dos h i s toriadores e o tom doutri

nário dos sociólogos , em pro l da narrativa romanceada . Assim,

o drama amoroso de Mar í l ia e Dirceu torn a - s e mais convincente

para transmi tir o senso de amor c ívico do que o puro r e l ato dos

37
CASTELO, Mart ins . A força comunica t iva da palavra , um curl.o­
so depoimento sobre a que s tão da l i t era tura no rádio . Vamos
Ler , 1 6 j u l . 1 9 4 2 . p . 14 .
38
CAMPO S , Francisco . O E s tado Nac iona l; sua estrutura , seu cog
teúdo ideológico . Rio de Jane iro , José O l ímpio , 1 9 4 1 . p . 1 2 .
28

39
fa tos . A h i s t6ria exemplar da Inconfidincia Mineira pene tra

no un iverso cotidiano do ouvinte , porque é contada de forma a

criar identidade de valores. Vá rios t e a t r6 l ogos e h i storiadores

s ã o convidados para a tuar no Rád io-tea tro . É o caso de Jora c i

Camargo , que e screve uma s é r i e d e drama s h i s t6ricos R e t i rada da

Laguna , Abo l i ção da e s c rava tura ,


Proc lamação da Repúb l i c a - P2.
.
40
ra serem transmi t idos pe l a Hora do Bra s i l " . O programa Rádio-

tea tro pO l i c i a l segue e s s a mesma l inha doutriná r ia , so que em

termos de conduta mora l. Ne l e , o locutor narra as aventura s de

um detet ive que , apesar de s u a s trapa lhada s , tem um grande me-


,

r i to : o de c o laborar sempre com a s autoridad e s. ° ob j e t ivo do

programa é o de transmitir ao públ ico uma " concepção da vida

j u s ta " e " confiança s a lutar na organiz ação po l ic ia l " do regi


41
me .

Personificar pa drões ét icos de comportamen t o , a p e l a r pa -

ra a empa t i a e a s emoç oe s , foram recursos amplamente u t i l izados

pe lo governo . Este tinha mui to c l aro que um art igo pO l í t i co de

doutr ina , por s i s6 . era inc a pa z de s en s ibi l i z a r um púb l i c o ma i s

amplo. Para a trair os " o lhos femininos e infant i s " ( n esta c a t e -

goria e s t ã o também os operá r ios ) nada melhor do que os conto s ,


42 '
a s crônica s e a s e s tampas. N e s ta l i tera tura o pensamento e r�

39
REI S , Né l i o . Rádio . A Manhã , 2 2 abr o 1942 . p . 5.
40
CASTELO , Ma rtin s . Rád i o . Cultura p o l í t ica . n . 3 , ma io 1 9 4 1 .
p . 304 .
41
Idem .

42
Anua' r10
. d e Imprensa e P ropaga n d a . Rio de Janeiro , D I P. p. 90 .
29

sumido em fórmu l a s " o u apena s sugerido d e ma n e i ra a nao provocar

nenhum e s forço inte l ec tua l por pa rte do receptor . . Por outro

lado , bus c a - s e impor s ímbo l o s e mitos de " fá c i l universa l idad e "

que reduze� �ã ind ividu a l idade e o cará ter concreto d a s experiin-


43
C.1a s . Nos contos e cron1COS predomina sempre
A •

o a specto do

exemp l a r . Os vultos h i stóricos e s tabe l e c em a tra j e tória do

j á vivido , experimentado e consagrado . B a s ta segui- los .

D e modo gera l , os programas rad iofôn icos se não end o s s am

plenamente a orientação do gove rno , a seguem muito de perto .

Censuras e recompe n s a s fazem pa rte de um mesmo s i s t ema , a través

do qua l o regime controla o s meios de comunicação . Em fevereiro

d e 1 9 4 2 a Secretaria d e Educ ação e Cul tura institui o primio Hen

rique Dod sworth para a rádio que melhor segu i s s e a orientação do


44
DIP.

A Rádio D i fusora da Prefe itura e apontada como mod e l o ,

n o qua l dever iam inspira r- s e a s dema i s emissora s . Toda a sua

programa ção é marcada por forte tom dout rinário: Saúde e Músi-

�, cu j o ob j et ivo e r a o de popu l a r i z a r princípios de educação

sanitária ; curso de e s tudos sobre a Ama z ônia , mini s trado pe l o cQ

rone l pio Borge s ; e An tologia do Pensamento Bra s i l e i ro d e s t i nada

a divulgar l i ç õ e s de c i v i smo . Dentre a s i n i c i a t ivas cu l tura i s

43 ,
E s t e s a s pectos sao apontados pelos c r 1 t i c o s da cultura de ma�
s a e arrolados em: ECO , Umbe rto . Apoca l ípt icos e integrados .
são Paulo , Perspectiva , 1 9 7 9 . p . 39-43 . Co ns iderando que no
Estado Novo os meios de comunicação estão sob o ma i s r ígido
con t ro l e , e s t e s a spectos s e ma n i f e s tam qua s e de forma o s t en­
s i va .
44
Vamos Ler . 1 9 fev . 1942 . p. 47 .
30

da emi s s o ra sao de stacada s : . a organizaçio d e uma d i scoteca in-

fantil e uma c o l etânea da mús ica popu l a r bra s i l e ira . Na d i scot�

ca busc a - s e educar a s en s ibi l idade infant i l para as mú s i c a s de

caráter c ívico , canto or feônico e folc lórico . Já o o b j e t ivo da

c o l etânea é o de d ivulgar j unto aos tur i s t a s o chamado " s amba d e


45
verdad e " .

No interior do pro j eto cu ltura l e s tado-novis ta , a mús i -

c a ocupa lugar de grande importância. Apontada como m e io ma i s

e f ic iente d e educaçio , e l a seria capaz d e atrair para a s e s fe r a s


46
da c i vi l i zaçio o s " indivíduos a n a l fabeto s , broncos e rude s " . -

Nio é à toa , portanto , a preocupaçio do regime em interferir na

produçio da mús ica popu lar. Esta é v i s t a como o retrato fiel

d o povo n a sua poe s ia e l ir i smo e spontâneo s . Porém, estas ex-

pressões de c u l tura devem s e r po l ic iadas n a sua e spontane idad e ,

imped indo- s e que a s mús i c a s abordem " temas imora i s ou d e " c a fa -


. 47
J e s tagem " .

A l inguagem dos sambi s t a s e a s g í r i a s populares sao v i s -


, .
t a s com de sconfianç a , devido ao seu i n s t into s a t l .rl.CO , capaz de

depreciar os fatos e c r i t icar os acontec imen tos . Para os doutri

nadores do reg ime , a l íngua s e con s t i t u i em patrimônio naciona l ,


,
no sent ido ' de que preserva a " s egurança e unidade " do pa l. s . As

45
A propó s i to da programaçio e at ivida d e s da Rádio D i fu s ora cOQ
s u l tar a s crônicas d e Martins Ca s t e l o publ icadas na r e v i s ta
Vamos Ler , j u lho 1 9 4 2 .
46
SALGADO , Álvaro . Radiofusão soc i a l . Cultura política , n. 6,
ago . 1 9 4 1 . p. 7 9 - 9 3.
47 '
Po e s i a , mús ica e radio para crianç a s . A Manhi , 2 7 j unho 19 4 2 .
p . 14
31

sua s prá t ic a s abu s i va s " devem s e r , por tanto , cuidadosamente loc-ª.

l i zadas para s e rem comba t ida s . Proced e - s e , enti o ; a um levanta-

mento minuc ioso dos e spa ços onde s e ma n i f e s t a esta l inguagem nio

permitida: nos noticiários po l i c ia i s , nos teatros de revi s ta ,

no cinema que d ivulga o l ingua j a r de a r t i s t a s e s trange iros e no-

tadamente no rádio a t ravés dos locuto res e sportivos e samb i s -


48
ta s . As compo s i ç õ e s carna va l e s c a s sio pa rticularment e visa-

da s , por recorrerem à pa ródia e à carica tura. É neste t e rreno

que o D I P entrava em a ç i o , c ensurando as l e tras que iam contra

a é t ica do regime .

R i tmos como o samba , frevo e max i x e eram considerados

s e l vagen s ; suas origens os tornavam pouco recomendáve i s. A FreI!

te Negra B ra s i l e i ra · ( 1 9 3 l ) como entidade independent e , nao con-

seguiria sobreviver no E s tado Novo , sendo fechada por ordem de

Varga s . Pa ra l e lamente a e s t a repr e s s a o e de squa l i ficaçio contra

o negro e s t imulava - s e a pe squisa sobre a sua contribuiçio na

- 49 Acreditamos que esta a t i tude ambí-


forma çao de nossa cul tura .
gua por pa rte do regime r e f l ita a própria diversidade de orien-

taçio cul tura l entre o M i n i s tério da Educaçio e o D I P . Os i n t e -

l ectua i s eram incentivados a pesqu isar sobre o a s sunto podendo

48
A boa l i nguagem na s rua s . Es tudos � Conferênc ia s , Rio de J a -
neiro , D I P . n 2 1 , abr i l de 1 9 4 0 . p . 81- 100
49
Ver Má r io de Andrad e . O samba rura l . pa u l i sta . Revista do
Arqu ivo Mun icipa l , v . 4 1 , p . 3 7 - 1 1 6 , nov o 1937 . C i tado em
Thoma s Sk idmore . Preto no branco ; raça e na c iona l idade no
pensamento bra s i l e i ro . Rio de Jane i ro , Pa z e Terra , 1976 .
p . 3 15 . Ver também a seçio da rev i s ta Cul tura p o l í t i c a deno­
minada "O povo bra s i l e i ro a través do folc lore " .
32

a t é mesmo ena ltecer os a s pectos po s i t i vo s da cultura a f ricana . O

que nao podia ocorrer é que o samba continua s s e d i fundindo va lo-

res que fugiam ao controle do E s tado . O púb l i co que lê pe squi-

sas é bem d i ferente daqu e l e que e scuta no rádio as compos ições

dos sambi s ta s . Para cada públ ic o uma e stratégia .

S e era , de certa forma inevitáve l conviver com o ritmo

bárbaro do samba , pelo menos , a s sua s l e t r a s pod eriam ser "ci-

v i l i zada s " . P a s sa - s e , então , a de fender o samba enquanto ins-

trumento pedagógico : e l e deve ser educado para educa r . E s ta i-

d é i a é c l a ramente expre s sa por um d o s locutores d a rád io d o go-

verno :

.. . . . 0 samba , que traz na sua e t imo­


logia a marca do sen sua l i smo é feio ,
indecente , desarmônico e a r r í tmico ,
" mas pa c i ê ncia : não repudiemos e s s e
n o s s o irmão pelos defe itos que con-
tém . Se j amo s benévolos ; lanc emos
mão da i n t e l igênc ia e da c iv i l i za­
ção . Tentemos nevagar inho torná­
lo ma i s p.ducado e soci a l . Pouco im­
porta d e quem e l e seja f i lho .. . 50

A idéia é a de que e s te f i lho de pa i s e s púr io s , s e educ�

do corretamente poderia red imir - s e e produzir bons frutos soci-

50 SALGADO I Álvaro . Ibidem .


33

ais. As s im , o samba pa s s a a , ser de fendido como e l emento d e so-

c i a l i zação , quando forma bons hábi tos , c u l t iva sentimentos de

cordia l idade , cooperaçao e s impa t ia , permitindo a troca de ex­


51
periência . Temas como a boemia e ma landragem, que j á s e cons­

t i tuíam numa tradição do samba , não poderiam ma i s conviver com a

ideologia do traba l h i smo. A figura do ma landro e vista como

herança de um pa s sado ingrato que margina l i z a ra os e x - e s c ravos

d o mercado de traba lho . No E stado Novo , com o surgimento das

l e i s traba l h i s t a s q u e protegem o traba lhado r , e s ta figura " fo l -

c 16rica " perde a sua razão d e s e r. Logo , a ideologia da ma lan-

dragem deve ser e l iminada do imaginário popu lar porque pertence

a uma outra epoca . o regime busca , entã o , construir uma nova


,

' imagem do sambi sta : e l e é o trabalhador dedicado que so fa z sam-

ba depois qu e s a i da fábrica . Nos sábado s de " pa lheta e terno

branco muito bem engomado " va i até a soc iedade recrea t i va , onde
52
s e exercita no " c onvívio s o c i a l " . O universo cotidiano do

compo s itor s e d e s l oca da Lapa Centro da boemia car ioca - para a

fábrica e o traba lho . Esta mudança de temá t ica é vista como uma

evolução na h ist6ria do samba , a medida que os compo s i t or e s d e i -

x a m d e s e preocupar com o amor e a vida fác i l " c onc i l iados no

conformismo d a s Amé l ia s " . Em vez da s " t ragédias domé s t ica s l1 ,


53
a s " vantagens d o traba lho " . Dentro d e sta l inha e s tão a s comp2

51
ME IRELES , Cecí lia . Samba · e Educação . A Manhã , Rio de J a n e i -
ro , 1 8 j a n . 19 4 2 . p. 9
52 Cul tura
CASTELO , Mart ins . O s amba e o conc e ito de traba lho .
po l í tica , n. 2 2 , d e z . 1 9 4 2 . p . 1 7 4 - 7 6.
53
Rádio . Cultura polít ica , n. 1 3 , março 194 2 . p. 29 2 .
34

s i ç5 e s : " Eu traba lh e i " ( Jorge Fa ray ) , Z� Marmi ta ( Lu í s Antônio e

Bra s inha ) e Bonde de sio Janu� r i o " ( At a u l fo Alves e W i l son B a -

t i s ta ) • Tod a s e l a s natura lmente ena l tec endo o traba lho em d e t ri

mento da boemia que " n i o d� camisa pra ningu�m" . Temos , então ,


54
o " samba d a l e g i t imidade ,, , atrav�s do qua l o regime busca e x e!:.

c e r uma pr� t ic a d i scipl inadora sobre a s man i fe s taç5es popu l a re s .

Nada melho r , porta nto , para retratar a h i s tória d e s s e pe

r íodo do que o repertório d a nossa mús ica popu l a r . Ne l e , a po l í

tica governamenta l encontra a sua a po l ogia e g l ória . Na Ma rcha

pa ra o o e s t e ( Joio de Ba rro e Alberto Ribe i ro 1938 ) , temos o

apoio a o pro j e to de colonizaçio do interior ; em G l ória s do Bra -

s i l ( Z� Pretinho e Antônio G i lberto dos Santos - 1 9 3 8 ) , o endo s -

so à repre s s i o a o l evante d e 3 5 e 3 8 ; e m É n egócio c a s a r ( At a u 1 -

fo A l v e s e F e l i sberto M a r t i n s - 1 9 4 1 ) , propagand e i a - s e a lei

que incent iva o cres c imento d a popu l a ç i o . A figura de Va rga s n�

tura lmente tamb�m seria motivo de inspiraçio em : O sorr i s o do

pre s i d en t e " ( Alberto Ribe iro e Alcir Pires Verme lho - 1935) e
55
Sa lve 1 9 de abr i l ( Bened ito Lacerda e D a r c i de Oliveira _ 1943 ) .

F icam c l a ro , portanto , os e s forços do governo no s e n t ido

de u t i l i z a r as man i f e s t a ç 5 e s d a cu l tura popu l a r como canal de

d i fusio da ideo log i a o f i c i a l . Exemplo notório e a o f i c i a l i z a ç i o

do carnava l . Se a ntes o evento vinha sendo de i n i c i a t iva pa r t i -

cular, f i na n c iado pe l o s comerciantes ma i s abastados da cidade ,

54
Ve r Antônio Pedro Tota . O Samba da l egitimidad e . sio Paulo,
USP, 1 9 8 1 . [te s e de mestrado)
55 ' , a r,
S EVER I ANO , J a i ro . e,-=.
G",
" t"",
u l'";
i",::
o :-,
V
:-: ;.:a
'Ô"=::,
rgc: a
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s -,- a--, -,;
p.,-;,-; ; :-;u
m ,s i"
"",-= c,.,a ,,,o
"--->
p pu,-,l
"-"", ","-" __ b r-,,
"", a,-,,,-,
s i_ -,,
leira . Rio de Janeiro , FGV/CPDOC , 19A3 .
35

no E s tado Novo o quadro era bem d i ferent e , quand o , a través do

s e tor de turi smo do D I P . a pre f e i tura pa s s a r i a a org a n i z a r o

carnava l de rua . A pa rtir d a i a po l i t i c a tornava - s e figurante

obr igatória nas f o l ia s .

O s sambas e ma rchas carna v a l e s c a s sofrem mod i f icação ra-

dic a l , a ponto de s e rem apontados como dignos de compor uma " a n -


. , 56
t o 1 ogla C 1V1ca ,, Por um dos decretos con s t i tuciona i s d e 1 9 3 7 ,
o

f icava impo sto " c a rá t er d idá t i c o " à s e s c o l a s d e samba e rancho s ,

que deveriam abordar tema s n a c i ona i s e pa trióticos . Em 1 9 3 9 , a

e sc o l a d e samba c a r ioca Viz inha f a l a d e i ra foi desc l a s s i f icada

por ter e scolhido como tema de enredo a "branca de neve " . A c e n -

sura a l egou q u e a temá t i c a havia s ido v e t a d a por ser internacio-


57
n a l 1o s t a .

Na c on j untura de guerra , o governo promove o " carnava l

d a v i tór i a " c u j o s l oga n é " c o laboro me smo quando me d ivirto " . O

programa constava de um d e s f i l e de carros a l egóricos que re-


,

presentavam tema s de cunho pa triota como " Apoio a po l i t i c a de

guerra do governo " , " União nac iona l " , " C r i t ica às dou tr i n a s tot�
58
l i tári a s " , enc e rrando - s e com o carro da "Apoteose a vitória " .

A guerra é a presentada como resultado do choque de duas menta l i -

dad e s , que s e d ig l a d i a m manique i s t icamente : as forç a s do bem

são representadas pe l a democracia e c r i s t i a n i smo ; enquanto as

d o ma l são corpor i f i c a d a s pelo to t a l i t a r i smo e a t e i smo . Neste

56
MEIRELES , Cec i l i a . Samba e educ a ç ã o . Q2 . c i t o p . 9
57
No s s o sécu lo , n2 2 5 . p. 197.
58
A Manhã , Rio de Janeiro , 2 8 fev . 1943 . p. 5 .
36

conte x t o , ganha força a idéia de ame r i c a n i smo , de mundo novo em

contrapo s ição a decadência d a c i v i l ização europé i a .

Em agosto d e 1 9 4 2 é l a nçado o f i lme nor t e - amer ic a no Alô

amigos . o fi lme , c u j a s e s s ã o inaugur a l é patrocinada por Darci

Varga s , é v i s t o como verdade ira apoteo s e de nosso pa í s e d o nos -

so povo . N e l e , o e loqüente z é Carioca mo s t ra a s c o i s a s be l a s do

B r a s i l a o Pato Dona ld . A figura do zé Ca rioca , c r i ada e spec i a l -

mente por Wa l t D i sney pa ra o Bra s i l , é a que ta lvez represente

me lhor a tenta t iva de popu l a r i z a ç ã o d a ideologia do ame r i c a n i s -


59
mo . Segundo o j o rn a l A Manhã o personagem exprimia com per-

f e ição o j e ito do c a rioca : ma l a ndro , chapéu embicado , gua rda -

chuva , charuto e s e u humor com tendênc i a a reso lver tudo na p i a -


60
da . E s t e protótipo do bra s i l e iro sugere a própria figura de

Varga s : amis toso , sorridente e a t é ma l andro quando s e trata de

resolver a s d i f í c e i s j og a d a s pOl í t i ca s . Nenhuma imagem pod e r i a

surtir ma i s' e f e i t o s popu l a r e s d o que e s ta , garant indo a profunda

ident i f icação do pres idente com o ethos e as coi s a s n a c iona i s .

No cinema , torna - s e obrigatória a pro j eção do C inejorna l

bra s i l e i r o , onde os documentos c inematográ ficos ex ibem desfiles

c ívicos , viagens pre s idenc i a i s , comemoraçoes como a s d o aniver-

s á r io de Varga s , aniversário do regime , Dia do Traba lho , Dia


61
d a Band e i r a , Semana d a P á t r i a etc . Nesta " c rônica de pa l a n -

59
A propó s i t o da d ivulgação da ideo log ia d a americanização ver
Gerson Moura . Tio Sam chega a o Bra s i l : a pene tração c u l tura l
americana . Rio de Ja n e i r o , B ra s i l i e n s e , 1 9 8 4 .
60
MORAES , Vinicius . Cinema . A Manhã . 2 7 ago . 1942. p . 5
61
A propó s i t o da programa ç a o d a s f e s t a s c í v i ca s , con s u l ta r o
j orna l A Manhã nos d i a s 1 8 a 2 2 abr o 1 9 4 3 e 6 , 1 1 e 1 9 d e novo
1942 . Sobre o j o rna l c i n ematográ fi c o , ver A Manhã , 1 2 fev .
1943 .
37

que s " e s t � o regis tro d e uma �poca person i ficada na figura de

Varga s : e l e " vi s ita , recebe , ina ugura , pre s ide , assiste , dis-

cursa , excurs iona , veraneia , emba rca , re torna , parte , pa s s e i a ,

inic ia , encerra , exorta , so luciona , j oga muito golfe ( s e u e spor­


62
t e pred i l e to ) e na tura lmente aniversaria a 19 de abr i l " . O ca-

l e.nd�rio o f i c i a l marca a s g r a nd e s d a ta s , transmi t indo a imagem

de uma f e s t a c ívica con s t a nt e . Atra v�s dos ritua i s patrióti-

cos s e forta lece o sentimento d e unidade e exa l ta ção popu l a r ,

ind i s pens�veis pa ra um regime que bu scava apresenta r - s e como o

s a lvador da n a c ional idade . E s t a imagem de grandeza e g ló r i a ,

f a z - s e sentir tamb�m na a rqui tetura da �poc a , cujas construções

sugerem a força e pu j a nça do reg ime . D a ta d e s t e período a c r i a -

ção d o s pr�dios do Minist�rio da Educação e Saúde , Minist�rio

do Traba lho , Minist�rio da Guerra , Central do Bra s i l etc . . . O

Estado Novo aparece como o tempo d a s grandes rea l i zaçõe s , que


,
viria por fim a o mara smo em que s e encontrava o pa 1 s .

Este mara smo no meio cul tura l � explicado em função do

d e scuido d a s e l it e s i n t e l e c t ua i s quanto à educação popu l a r . O

tea tro , notadamente o de revi sta , vo ltava - s e exclus ivamente para

a diversã o , d i vulgando v a l o r e s pre j ud i c i a i s à ordem socia l . As-

s im como a impren sa , r�dio e c inema tamb�m o teatro no E s t ado

Novo deveria torn a r - s e instrumento educ a t ivo por excelência . O

problema da educação ope r � r i a � d e s ta c a do como uma das pr inc i ­

pais meta s d o Estado , me rec endo por i s s o e s tra t�g ia s e a t enção

e s pecia i s . Dentre d e s t e propó s i to � que s e c r iava em são Paulo

62
TAVARES , Zulmira �ibe i ro . Getúlio Va rga s no c ine jorna l - jÚ­
bilos naciona i s . Folh e t i m , 1 7 abr o 1 98 3 . p. 3
38

o " Tea tro Pro l e t � r i o " , c u j o ob j e t ivo s er ia o de fazer propaganda

pró- s indic a l i zação a través do l a z e r dos operários e de sua s fami

lias . E s t e t e a tro d i d � t i c o - c ívico apre s entaria exemplos de com-

portamento , modelos de cumprimento do deve r , construindo a s s im

a figura do " oper� r i o - padrão " . Para d inami zar este empreend i -

mento c u l tura l , o M i n i s t é r i o d o Traba.lho pa trocina um concurso

l iter�rio d e s tinado à produçã � de romances e peç a s teatrais di-

r igidos a o púb l i c o ope r�rio . Era uma e s tratégia defens iva con-

tra o que o r e g ime j ul g a va ser uma l i t e r a tura d e s tinada a " s ub-

versão mora l " e à a g i t a ção popul a r . Os inte lectua i s são conc l a -

mad o s a partic ipar nesta " re forma e s p i r i tua l " das ma s sa s , tra -

zendo a sua mens agem de o t imismo , e sperança e ordem . No ed i t a l

do concurso , Marcond e s F i lho e s c l a receria que a s obra s pre l imin�

res seriam pub l i c a d a s em edições popu l a r e s a serem d i s t ribuíd a s

aos traba lhadores a travé s dos s indica tos ; e a peça vencedora se-
. , , 63
r1a encenada n o s s indicatos a s vespera s d o Nata l . O DIP e o

Ministério do Trabalho agiriam em íntima conexã o , poi s ambos t i -

nham como ponto comum a e laboração de uma po l í t i c a cul tura l d e s -

t inada à s cama d a s popu l a r e s .

O regime teria uma pos ição ambígua quanto ao tea tro de

revista : se o c r i t icava pe l a s sua s espor�d ica s demon strações de

c ivi smo e seu agudo senso de s�tira social; procurava, suprimir ao mes-

63
Sobre a questão do tea tro pro l e t � r i o , consulta r : A Manhã , 16
j a n . 1944 , p . 5 ; Cena Muda , 27 j u l . 194 3 , p . 6 ; � B r�
0��� a�
s��
1' �
1 �e
d=
hoje, d e ontem e de "manhã , j a n . 1940 , p . 14- 16 e E s tudos e
Conferência s , n � 19 , abr o 1943 , p . 59.
39

,
mo tempo , pene trar n e s s e e s paço . Reve r ter , na medida do PO S S l. -

ve l , a l inguagem s a t í r ica e humo r í s t i c a aos objet ivos do regime

foi então a tá t ic a ma i s a c e r tada . N a s peç a s d e c r í t i c a po l í t ic a

era c omum Varga s encena r a f igura do "bom malandro " , c a pa z de

qua lquer j ogada para de fender a s sua s i d é ia s . ° IHP f ic a va

s a t i s fe i to com e s t a imagem e o povo também, porque " t inha um ma -


64
la ndro que tomava conta d e l e s " . A s s im , o próprio Vargas iria

e s t imu l a r piadas a seu r e s pe i t o , a rgumentando que eram " uma es-


65
pé c i e de t e rm�metro d o s e n timento popu l a r " . Apropr iando - s e

d e expre s sões , id é i a s e v a l o r e s popu l a re s , o regime bus c a va s i n -

toniza r - s e ideo logicamente com o con j unto d a soc ied ade . Pa ra ob-

ter e s ta s intonia , de um lado a cen sura , de outro certa f l e x ibi-

l idade ou tolerância com os valores que s e mos tra s s em c a pa ze s de

s e r em integrados à ideologia o f i c i a l .

P e l o expo s to a t é agora , fica c l a ra a e f i c i ên c i a do DIP

n a montagem d a doutrina e s t ado-novi s ta . Funcionando como org a -

i n i smo onipresente que penetra todos os poros da soc i edade , e s ta

entidade constrói uma ideologia que abarca desde a s c a r t i l h a s in

fantis a o s j orna i s nacion a i s , pa s sando pelo teatro , mú s i c a , ci-

nema e ma rcando a sua presença inc lus ive n o ca rnava l . Pode - s e

mesmo a f irmar que nenhum governo anterior teve tanto empenho em

s e l e g i t imar e nem recorreu a a pa r a t o s de propaganda tão sofis-

t icados conforme fez o E s tado Novo . É evidente que na constru-

64
LAGO , Mário . Mário Lago sem nenhuma vaidade p . 8 , ci tado por
GARC I A , N é l son Ja h r . Ideo logia e propaganda po l í t i c a . são
Pa u l o , Loyo l a , 1 9 8 2 .
65 '
P E I XOTO A I z i r a Va r g a s d o Ama r a 1 .
, G�
.." e t�
,-�u 1�i 0 ..V
�.L. !C a r7g
...: ,,-,- ,:,a s,
=-,,-,- __ =me,-,
u,,--,:,
p,:: c- '
a:-:i
p . 7 3 , c i tado por GARC I A , Né l son Jahr . Op . cit o p. 101 .
40

ç a o d e s s a ime n s a e compa c t a rede ideológica , o s intelectua i s s e -

rao personagens de importincia e s sencia l . . Atrav�s das pUb l i c a -

ç õ e s o f i c i a i s do regime , como a revista Cul tura pol í t i c a ( d i re -

ç ã o de Almir de Andrade ) e o jorna l A Manhã ( d ireção de Cassia-

n o Ricardo ) , � po s s íve l t e r - s e uma dimensão da e f ic iência do

E s tado na montagem do seu pro j e to cultura l . As pub l i c a ç õ e s sur-

preendem pela sua capacidade orga n i z a t iva em termos ed i tor i a i s

e intelectua i s . Reunindo a s correntes ma i s h e terogênea s da in-

\
te l ec t ua l idade bra s i l e ira como C a r l o s D rummond de Andrade , Oli-

veira Viana , C ec í l ia Meire l e s , G i lberto Freyr e , Vinícius de Mo-

raes , Gustavo Barroso , Jos� Lins do Rego , Ma nuel Bandeira e ou-

t ros , o j ornal procura a t r a i r para o s e i o do E s tado toda a e l ite

intel ectua l do período , integrando-a ao regime . o mesmo ocorre

com a revista Cul tura p o l í t i ca , que conta entre o s seus colabor�

dores intelectua i s com N � l son Werneck Sodr� , Gi lberto Freyre e

a t� o próprio Gra c i l i ano Ramo s .

A ques tão do naciona l i smo , ac irrada na con j untura de

guerra , funciona como pod eroso e l emento aglut inador , capaz de

integrar qua s e toda a inte l e c tua l idade do período . A revista e

enfáti ca n e s t e sentido , quando a f irma a c e itar a colabora ção de

todo s , independente do seu cunho ideológ ico . Dec lara nao ter

pa rtidos po l í ticos , po i s a sua preocupa ç ao fundamenta l e a de

'
" e spe l h a r tud o o que e genu1namente
' '
b r a S 1 1e 1ro ,, . 6 6

66
A propó s i t o d a r e v i s t a Cul tura po l í t i ca , consultar o a r tigo
de minha autoria : Cul tura e poder po l í tico no Es tado Novo ;
uma conf igura ção do campo intelectua l . In: =E�s
��t a� � N o�
d�o v
�o�:
���
ideologia e poder . Rio d e Janeiro , Zaha r , 19 8 2 . p . 7 2 -108 .
41

Cabe a o inte l e c tua l d e scobrir e s t e veio de a u t e n t i c ida -

d e , porque e l e é a persona l idade ma i s próxima do nac iona l . Dota-

do d e " s enso d e mistério " , o inte l e c tua l é id enti ficado c omo O

arauto •. capaz d e prenun c i a r a s grandes mudanças h i s tórica s . Nes-

ta pe rspec tiva , ele deve exercer o pape l po l í t ico para o qua l é

prede s t inado . p o l í t i c a e profecia encontram- s e , então , int ima -

mente vincula d a s :

" O po l í t ic o consciente do seu pa­


pel e d e sua vocação e sempre um
profeta da rea l idade . E, na verd a -
de, o rea l nao e somente o que co-
- .

nhecemos , ma s oque existe mesmo


67
sem ser conhecido " .

E s t a idéia d o inte l e c tua l -pro f e t a é amplamente d i fundida

no inter ior da doutrina e s t ado-novi s t a . É a través d e l a que o r�

gime procura e s tabe l e c e r seus vínculos com O movimento moderni s -

ta d a década d e 2 0 , mo s trando que ambos os movimentos se enqua -

dram no idea l d e renovaçao n a c iona l .

67
O pensamento po l í t i co d o pr e s ident e . Separata d e a r tigos e
edito r i a i s dos pr ime i ros 2 5 números da revista Cul tura Po l í -
tica , abr i l 1 9 4 3 . p. 112-17 .
42

As r a í z e s d a bra s i l idad e ; os inte lec tua i s modernistas e o E s tado

Novo

" A s forç a s c o l e t iva s que provocaram


o movimento revolucionário do mode�
n i smo na l i teratura bra s i l e ira ( . . . )
foram a s mesma s que prec ipitaram , no
campo soc i a l e po l í tico , a revo lu-
çao vitoriosa de 1930 ( . . .) pa s s a -
dos os primeiros instantes e obt i -
d a s a s prime iras conqu i s t a s ma i s am
pIo , ma i s gera l , ma i s complexo , si­
muI taneamente reformador e conser-
vador . . . "

( D i scurso pronunc iado por Varg a s na


Universidade do Bra s i l em 2 8. 7. 5 1 ) .

Uma d a s preocupa ç o e s ma rcantes dos ideó logos do E s tado e

a de mo s trar que o reg ime do Estado Novo nao e mero produto po-

l ít i c o , ma s possui s ó l i da ba s e r.u l tura l . A argumentação se de-

s envolve no sen tido de mo s trar que a i n s tauração do regime e x c e -

d e o âmbito po l í t i c o , uma v e z que viria concre t i zar os anseios

de renovaçao naciona l . Sob e s t e ponto de vista , Getúlio Va rgas

não seria um " caud i lho" que s e apo s sa r i a arbitrar iamente do po-

d e r , ma s viria a tender os a n s e i o s do povo bra s i l e i r o , encar-


43

68
nando os idea i s d a renova ç a o nac iona l . Ainda nessa l inha de

rac ioc ínio , o autoritari smo d e i x a de s e r visto como um recurso

e s tratégico do poder pa ra vir a conc r e t i z a r um anseio l a tente na

própria sociedade . E s t e a n s e i o e s ta r i a presente h� a l gum tempo

na c o l e t ividade , man i fe s tand o - s e em todos os domí nios da vida SQ

c ia l . S e e l e não ec lodia é porque havia uma d i s sociação entre

c u l tura e pO l í t ic a , inte lec tua i s e governo , enfim, entre o E s t a -

do e a socieda de .

Con forme j� vimos a n t e r iormente pelo d i scurso de Vargas

n a Academia Bra s i l e i ra de L e t ra s , e s ta d i s sociação da s ener-

g i a s soc i a i s come ç a r i a a ser superada ' n a década de 30, como uma

consequencia da revo lução l i ter�ria dos anos 20 . A idéia e a


,

d e que a revolução i i t e r� r i a , pondo em cheque os mod e l o s estéti-

cos importado s , e s t a r i a compl e t a com a revolução pO l í tica do

E s tado Novo , c u j o ob j e t ivo s e r i a o de comba ter os mod e l o s po l í -

t icos tidos como a l ienígena s , como O l ibera l i smo e comu n i smo . O

i d e a l da bra s i l idade e d a renovacão nac iona l é , ent ão , apresentª

do como o e l o comum que v i r i a unir as dua s revoluções : a a r t í s ti

ca e a pO l í t ic a .

N a tura lmente que e s t a l i gação entre modernismo e E s tado

Novo e uma invenção do regime que se apropria do evento mod erni�

t a como um todo uni forme , não d i s t inguindo a s v�ria s correntes

de pensamento que a integra ram . Na rea l id ad e , a herança moder-

n i s ta no inte rior da ideo log ia e s tado-novista é bastante d e l imi-

68
MON I Z , H e i tor . As origens culturais da revolução bra s i l e i ra .
A Manhã , Rio de Janeiro , 5 fev . 1 9 4 4 .
44

tada , à medida que recupera a p e n a s a doutrina de um grupo : a dos

verde - ama r e l o s , compo s t a por C a s s iano Ricardo , Menotti Del P i�

c h iá e P l ínio S a l gado . A presença de Ca s s iano Rica rd o em po s -

t o s chaves n o aparelho de E s t ado - diretor d o Departamento E s t a -

dual d e Imprensa e Propaganda ( são Paulo ) ; d i retor do Depa rta-

mento Cul tura l d a Rádio Nac iona l e do Jorn a l A Manhã - , e s c l a re -

c e a e spec i f i c idade d e víncul o s entre a ideologia modern i s t a e

a do E s tado Novo .

No E s tado Novo a questão da cu l tura popu la r , a busca d a s

r a í z e s d a bra s i l idade ganham uma outra d imen são . o Estado mo s -

tra - s e ma i s preocupado em converter a c u l tura em ins trumento de

doutrinação do que propriamente de pesquisa e de r e f l e xã o . As-

s im , a bu sca d a bra s i l id a d e va i d e s embocar na consagraçao da

tradição, dos s ímbo los e heró i s nac iona i s . Temos , entã o , a his-

tória dos grandes vu l t o s , d a s grandes e femé r ides , d o B r a s i l " im-

pávido c o l o s so " . As person a l idades de C a x i a s e Tiradent e s sao

apontadas como exemplos lumino sos , onde o pa í s deve bu scar ins­


69
piração e força para supe rar a c r i s e d a mod ernidade . A s s im sen-

do , a visão c r í tica d a cultura , apontada por a lguma�s corrent e s

modern i s ta s , v a i s e r subst ituída pelo ufanismo Dentro deste


-----

quadro grand i oso nao há ma i s lugar para o a n t i - herói e a sua

preguiça . Natura lmente que a d e s s a c r a l i zação do herói mo strar-

s e - i a inc ompa t íve l para um reg ime que se preocupava em fixar as


,

b a s e s mít ica s de um Est ado fort e . Assim, a versão macunalma do

69
Ver Glória a �iradente s . A Manhã , Rio de Jane iro , 21 abr o
1 9 4 2 e A s ignificação do culto de Ca x ia s . A Manhã , Rio de
Jane iro , 16 ago . 1 9 4 2 .
45

s e r n a c i on a l c ed e lugar a v e r sao mítica e apoteótica d a " raça d e

g ig a n t e s " , criada pelo grupo Verd e - ama r e l o .

E s t a vinculação entre mod ernismo e Estado Novo e e x t rema­

mente importante , uma vez que demonstra o e s forço do regime pa ­

ra ser identi ficado como d e fensor d e id é i a s a rro j a d a s no campo

da c u l tura . Os fatos demon s tram que e s t e e s forço nao foi em

va o . Poucos i n t e l e c t ua i s cons eguem r e s i s t i r aos a pe l os d e inte-

graçao por parte do E s tado .

S e a vertente modernista con s e rvadora é a vitoriosa no

inter ior da doutrina e s tado-nov i sta ; o regime nao exlui a cola­

boração d e outros in t e l e c tua i s que d e f endiam pro j e tos cul tura i s

ma i s inovadore s , como é o c a s o d e C a r l o s Drummond d e And rade e

Mário d e Andra d e . É n e c e s s á r i o , po rtanto , a n a l i s a r as di feren-

t e s i n s e r ç õ e s d e s t e s i n t e l e c t ua i s n o apare lho de Estado . Se o

E s tado absorve grande pa rte dos intelec tua i s modern i s ta s , a abso,!:.

çao s e dá d e forma di ferenciada . D a í a compl e x idade e mesmo am-

big�idade da po l í t ica c u l tura l do regime , que agrega int e l e c tu­

a i s d a s ma i s d i fe r e n t e s correntes de pensamento , como os mod e r ­

n i s ta s , pos itivista s , integra l i s ta s . católicos e até socia l i s ­

ta s .
46

Observacõ e s f i n a i s

Um dos a spectos q u e chamam pa r t i c u l a rmente a a tenção no

interior do pro jeto cu l tura l e s tado-novi s ta é o e s forço ideo l ó -

g i c o , n o s entido de reconc e i tu a r o popu l a r . Este pa ssa a s e r d�

finido como a expr e s s ã o ma i s autêntica da a lma nac iona l . Oc or-

r e , porém , que este ovo depo s i tário da bra s i l idade - e con-

figurado s imu l taneamente como incon s c i ente , ana l fabeto e dese-

ducado . Esta ambigü idade em r e l a ção ao popu l a r m i s t o d e po-

s i t ividade e negat ividade - va i s e r equacionada a t ravés de um

pro j e to " po l í t ic o - pedagógico" implementado pe l a s


.
nossas el ites .
--

t , portanto , a t ravés da " educa ção popu l a r " que se bu sca

a s s egurar a pos i t ividade d e s sa c a t e goria soc i a l , imped indo que

s e desc ambe para o ca o s , a de sordem, a negação .

Nesta reconcei tuação do popu l a r há um e l emento novo : a

sua po s i t ividade . De modo gera l , o nosso pensamento pO l í t i co vi

nha loca l i zando no povo a s r a í z e s da problemá t ica nac iona l e do

nosso d e s compa sso . A s s im a s origens r a c i a i s , o caráter ina to

eram i d é i a s recorren te s , a través d a s qua i s as e lites procuravam

j u s t i f i c a r a d e f a s agem do Bra s i l em r e l a ç ã o aos centros hegemô-

nicos europeus . E s ta visão ideológica come ç a r i a a s e r re formul�

da no . .f:ina l da década de � l O , ma i s pr e c i samente em 1918 . A te-


47

s e da saúde pública , apontando a doença e o ana l fa b e t i smo como

os fatores re sponsáve i s pe l o a tra so , viria então isentar a f i gu-

ra do Jeca Tatu dos ma l e s des ma �" e s do Bra s i l . Na c é l ebre frase

d e Monteiro Loba to " E le (o Jeca ) não é a s sim ma s e s tá a s s i m"

fica expl í c i ta e s ta mudança de menta l idade . o povo deixa de

s e r equiparado à ca tegoria d a negação e , se e l e apresenta a s pec-

t o s nega tivo s , i s to ind epende " d e l e . Depend e antes d e uma boa ag

minis tração governamenta l , capa z d e sanar os erros e corrigir a s

d e fic iênci a s .

V e r i f i ca - s e , porta nto , um � e s locamento d e per spe t i v a s no

deba t e po l í tico . Come amos a não ma i s a s soc iar povo a crise


,

- lugar comum até então - para pa s s a r a r e l a c ionar e l i t e s à c r i -

se . Esta mudança d e e n foque va i abrir novos e s paços para s e pen

sar o popu lar no con j unto naciona l .

É no d i s curso modern i s ta que e s t a concepçao começa a en-

volver certa carga d e po s i ti vidade . Através das ma ni fe staçõe s

da cul tura popul a r , temos a pista para conhecer e reve lar o Bra -

s i l autêntico . É , porém , no per íodo do Estado Novo que vemos m�

ni f e s ta r , na sua forma ma i s bem acaba da , e s ta construção ideoló-

gica que ins taura a po s i tiv idade do po u l a r . E é importante a s -

s i na lar um dado . Agora , e s t a cons truçã o id e o lógica apa re c e ar-

ticulada d entro d e uma e s tra tégia pO l í t ica d e f i n ida : a do Est ado

ce ntra li zado e autoritár io . Ne l e , o povo é i s ento de re spon s a -

b i l i dade pelo que vinha a contec endo com o pa í s . Num pa s s e d e m-ª-

gi ca , tudo s e tra n s f e r e para a s e l i t e s . Esta s , s im , é que sao

a s verdad e i r a s re spon sáve i s pela crise naciona l . Revert e - s e to-

ta lmente o quadro . o povo é a " a lma da nac iona l ida d e " , as eli-

t e s é que s e d i s tancia ram d e sta a lma , quando se d e i x aram fasci-


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n a r p e l o s exemplos a l i en ígen a s . Dando a s c o s t a s pa r a o "país

r e a l " e l a s s e ausentaram, s e ex imiram d e sua re sponsabi l i dade

frente à naç ão . Por i s t o , c abe somente a e l a s redescob r i r a n a -

c iona l idade que sempre e s teve presente intuit ivamente no povo .

E s t e t i po de r a c i o c í n i o vem , portanto , fund amen t a r a in-

t e rvenção do E s tado na orga n i za ç ã o soc ia l . E isto tem l6gi c a ,

posto que e l e e vi s to como a única entidade capaz de sa lvar a


, ,
identidade n a c i ona l . Para l evar a e f e i to t a l mi s s ã o e nec e s s a -

rio, entã o , e laborar um pro j e to " pO l í t i co-pedag6gico " , destina-

do a " educa r " a s camada s popu l a re s . Predomina a idé i a de povo

c a rente que nec e s s i ta de condução f i rme e de voz e s que possam f�

l a r por e l e , expr imindo seus impu l s o s e a n s e i o s . A grosso modo ,


-

o rac ioc í n i o constr6 i - s e da seguinte forma : o povo é potenc i a l -

mente rico e m virtudes - pure z a , espontaneida d e , aute n t i c idade - ,

mas para ma n i fe s t a r e s te seu a specto pos i t ivo , pre c i s a � i n t e r -

med i a ç ã o d a s i n s tânc i a s supe r i o r e s . E s t a s tim o dom da expr e s -

sao ( in t e l ectua i s ) e o d a org a n i z ação e ordem ( po l í t i co s ) . A

imagem do Est ado " p a i -grande " e a do i n t e l e c tua l sa l v a c i o n i s t a

s e entrec ruza m , entã o , em d i reção a o popu l a r .

Cabe a o inte l ec t ua l auscu l t a r a s fon t e s viva s da n a c i on�

l idade , de · onde emana a a u t i n t i c a cu l tura . Nesta pe r spec t i va , a

sua reflexão sobre a nac iona l idade deve nece s s a r i a mente s e r 1 n s -

pirada n o r i c o mananc i a l popu l a r . Ent r e tanto esta ida a o popu-

l a r imp l i c a um retorn o , uma vez que e s t e é configurado como moti

vo de inspira ç ã o , ou como matér i a bruta a ser traba lhada por um

saber supe rior . Não s e trata , portanto , de consagrar o popu l a r

" e rrado d o morro " , ma s s im de procurar r e s g a t a r o espírito de


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'
gran d e z a s ub J· a cente a s suas ma n 1. f e s taçoes .
-71

É e s ta conc epçao co popu l a r que permeia todo o pro j e to

cultural do Est ado Novo , conforme tivemos oca s i ão de mostrar .

Apre s entando - s e como a " c onsc.iência " e " expr e s s ã o ma i s lúcida "

da sociedad e , o inte l e c tua l a s sume pa pe l de " educa r " a s man i f e s -

tações popu l a re s . A s s im o id e a l ci v i l i za tório das elites d eve

s e sobrepor a e s t a s man i f e s t a ç õ e s a fim de educá - l a s , ou , rr e l hor

d i zendo , de homogeneizá - la s . E s t e en foque homogeneizador natu-

ra lmente irá se mo s t rar impermeáve l às d i ferença s sócio-�-

ra i s , só a s reconh e cendo enqua nto e l ementos capa z e s d e s�rem in-

t egrados no E s tado Na c iona l .

Esta visão d e um todo homogêneo ( Estado ) capa z de im or

a ordem socia l , s e j a e la ba s e ada nos pr incípios da razão ou in-

tuição , vem a té os nossos d i a s . Freqüentemente e l a compa r e c e cQ

mo fundamento à s pO l í t i c a s c u l tura i s que tomam como ba s e d e sua

açao a s controve rt ida s c a t egoria s de povo e naçao .

Assim, a c u l tura popu lar é ; i s ta como expre s s ã o do genul

namente nac iona l , cabendo a o E s tado a f�nção de re sgQa rd á - a das


-
inva s õ e s " a l i e n ígena s " , s e j a m e l a s e x ternas ou interna s . Dos au-
)
x í l i o s " d i s creto s " ( subvençõ e s , doaç õ e s , apoi os ) a intervenção

7 organizada e centra l i z adora , o E s tado sempre impôs a sua pr e s e n -

71
E s t e conce i to d e popu l a r é expr e s s o por um dos apolog i s t a s do
traba lho mus ica l d e V i l l a Lobos no E s tado Novo . Ver Sque f f ,
Enio e W I SN I K , J o s é Migue l . Músi ca . são Paulo , Bra s i l ien s e ,
1982 . [o Naciona l e o popu l a r na cu ltura bra s i l e ira]
50

ç a n o s domí nios d a c u l tura . . A po l í t ica c u l tura l dos anos 70

particularmente n o governo G e i s e l - l embra em muitos a spectos

a do E s tado Novo , pelo seu forte tom centra l i s ta e pela qua nt idª

d e de recursos inve s t idos no setor . A part ir de 1 9 75 , sob o pa ­

trocínio do E s tado , observa - s e uma verdadeira pro l i feração de

e n t idades cul tura i s : Funa rte , ( Fundação Na c ional de Artes ) ,

Concine ( Conselho Nacional d e C inema ) , CNDA ( Conselho Nac ior:a l

de D i r e itos Autora i s ) . Reorga n i za - s e a Embra f i lme e incent ivam- o

s e pro j e tos e spec í f icos como o Pro j e to Pixinguinha , o Pro j e to

Univers idade , o Pro j e to Barroso Mineiro etc . . .

Apesar d a s d i ferenç a s de contexto h i s tórico que d e ram

origem as pO l í t i c a s cul tura i s do E s tado Novo e do pós - 6 4 , a inda

preva l e c e a visão da c u l tura enquanto a r ea e s tratégica do Esta­

do . O que pa rece ocorrer é uma e spéc i e de recic lagem h i s tórica

d e conc eitos - nação , povo e cultura - para rea j u s t � - los aos

obj e t ivos dos regime s . " Área de segurança nac iona 1 " ou " núcleo

da identidade bra s i l e ira " , a nossa produção cultural sempre es­

t e v e na mira d o E s t ado .
TEXTOS CPDOC

Mônica Pimenta Velloso A brasilidade verde-amarela:

nacionalismo e regionalismo paulista

Dulce Chaves Pandolfi Da Revolução de 30 ao Golpa de 37:

e Mário Grynszpan a depuração das elites

Angela Maria de C. Gomes Getulismo e trabalhismo: tensões e dimensões

e Maria Colina S. D' Araújo do Partido Trabalhista Brasileiro

Mônica Pimenta Velloso Os intelectuais e a pol ltica

cultural do Estado Novo

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