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carentes seja de ordem interna, seja de uma

clara coordenação de conjunto2.

Em face dessa situação, que


prejudica uma compreensão segura do marco
jurídico do setor elétrico, desnecessariamente
nascem disputas, retraem-se investimentos,
torna-se complexo o exercício de competências

Racionalização da públicas e não se logra obter o pleno


entendimento, por parte dos consumidores, de
Base Normativa seus direitos e deveres.

do Setor Elétrico Em síntese: perdem o Estado e


a Sociedade.
Brasileiro
A iniciativa ora apresentada do
Luiz Gustavo Kaercher Loureiro1 Grupo de Estudos em Direito de Recursos
Naturais da Faculdade de Direito da
Projeto de pesquisa submetido ao Decanato de Universidade de Brasília – GERN⁄UnB3
Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade de
Brasília como requisito para participação no parte de tais constatações. Seguindo
Programa de Iniciação Cientifica – UnB- 2010-2011
procedimentos e critérios que serão detalhados
adiante, propõe-se elaborar uma sistematização
das normas relativas ao setor elétrico.

Introdução
O Diagnóstico

É opinião comum de tantos


quantos se ocupam do Setor Elétrico Brasileiro A presente proposta nasce da
– entes institucionais, agentes econômicos, constatação da complexidade do marco
consumidores e estudiosos – que sua base normativo do setor elétrico, antes
normativa é extensa e pouco orgânica. Mesmo genericamente referida, a qual pode ser
no plano da legislação ordinária, encontram-se articulada em dois tipos de problemas: (a.) um
leis e atos equivalentes editados em épocas primeiro, de incerteza relativa aos diplomas
muito diversas, sob pressupostos
2
Esta é situação que vem de há muito. Com efeito, já na
constitucionais, sociais e econômicos década de 50 do século passado começou-se a cogitar de
diferentes, por vezes bastante extensos e uma Codificação para o setor, parcialmente realizada com
o Decreto 41.019, de 1957 (cf. adiante).

1 3
Professor Doutor da Faculdade de Direito da Grupo certificado pela UnB no Diretório de Grupos de
Universidade de Brasília – Matrícula: 01432515 Pesquisa no Brasil do CNPq (aqui)

1
normativos (“Problemas relativos às Leis”); do mesmo período, e com seu Regulamento, o
(b.) um segundo, atinente aos textos desses Dec. 41.019, de 1957 (outra norma complexa,
diplomas (“Problemas de Textos”). que supera os 200 artigos, integralmente
dedicados à indústria elétrica).
I. Os problemas relativos às Leis
Prosseguindo no tempo,
Ressentindo-se da ausência de
encontram-se as Leis 3.890-A, de 1961, 5.655,
uma Lei-Quadro ou Lei Geral - existente, por
exemplo, no âmbito das telecomunicações - há de 1971, 8.631 de 1993, para mencionar
algumas poucas. Todas elas convivem com as
hoje no país uma enorme quantidade de Leis,
Decretos e Atos Administrativos Normativos Leis do chamado Novo Modelo, editadas entre
1995 e 2002 (Leis 9.074, de 1995, 9.427, de
(AAN’s) pouco articulados entre si.
1997, 9.648, de 1998, 10.438, de 2002, as mais
Em números aproximados, há relevantes), as quais, por sua vez, foram
cerca de 40 leis ordinárias, de períodos severamente alteradas pelas Leis do
diferentes, que tratam de temas ligados à “Novíssimo Modelo”, de 2004 (sobretudo a
indústria elétrica, ainda relevantes. O número Lei 10.848, de 2004).
de Decretos supera a centena e muito mais
Em segundo lugar, esses
numerosas são as Resoluções, Portarias e
diplomas dispersos no tempo tratam parcial e
outros AAN’s baixados por diversos centros de
fragmentariamente de tópicos da indústria
competência tais como a Agência Nacional de
elétrica. Possuem pouca organicidade interna e
Energia Elétrica – ANEEL e o Ministério de
Minas e Energia – MME. Ao problema do quase nenhuma externa. Quanto a isto, é digno

número exacerbado, somam-se outros de nota que boa parte das principais leis do

complicadores. setor elétrico - Leis 9.648, 10.438, 10.847 e


10.848 - longas e complexas como são, não
Em primeiro lugar, o arco possuem qualquer tipo de estrutura ou divisão
temporal é bastante extenso, cobrindo mais de de seus artigos em Seções, Capítulos, Títulos
4
70 anos de regulação da indústria . ou Livros, mas apenas texto corrido.

Norma com força de Lei, o É frequente que uma Lei trate


Código de Águas (Decreto 24.643) composto de um tema sem que se tenham lançado, antes,
de mais de 200 artigos ainda hoje é utilizado os pressupostos para sua plena compreensão ou
por agentes setoriais, estudiosos e inclusive (o que acaba por ter o mesmo efeito), que trate
referido nos contratos de concessão e outros apenas parcialmente de certas figuras jurídicas,
atos de delegação, juntamente com outras Leis fazendo com que a complementação venha a
posteriori, no bojo de outra Lei que “resgata”
4
Para um apanhado histórico, LOUREIRO, Luiz Gustavo os assuntos pendentes, também ela, por isso,
Kaercher. A indústria elétrica e o Código de Águas – O
regime jurídico das empresas de energia entre a forçada a assumir uma forma tortuosa,
concession de service public e a regulation of public
utilities, Porto Alegre: Fabris, 2007. fragmentária.

2
Pode ser citada como exemplo estabilidade regulatória e a compreensão do
a regulação da atividade de geração, cujas intérprete. Não é incomum que grande parte de
figuras do concessionário de serviço público, uma Lei seja dedicada a alterar e a revogar
do autoprodutor e do produtor independente dispositivos precedentes.
foram criadas pela Lei 9.074 de 1995, sem que
Assim, para fazer outro
restasse estabelecida aí (dentre outros
exemplo, as funções e competências do
aspectos) a importantíssima questão acerca da
Operador Nacional do Sistema foram
natureza do despacho de energia, objeto de
originalmente estabelecidas pelo art. 14 da Lei
disciplina legal apenas em 1998, com a Lei
9.648⁄98 (depois da instituição de seus
9.6485. Ainda com respeito à última figura
“operados”, i.e., geradores despachados
mencionada, seu efetivo regime jurídico só
centralizadamente e transmissores integrantes
pouco a pouco restou claro, com a disciplina
da Rede Básica). Em 2002 esse artigo foi
contratual instituída posteriormente, também
alterado pela Lei 10.433 sem que durasse o
pela Lei 9.648.
novo arranjo, refeito novamente pela Lei
No âmbito da distribuição de 10.848, de 2004.
energia coisa semelhante ocorreu, bastando
Modificações como essa
lembrar a tardia e apenas parcial introdução do
abundam nas normas setoriais6 e aumentam de
“regime econômico-financeiro” dessas
muito a instabilidade jurídica, além de
prestadoras de serviço público pela Lei
contribuírem para a incerteza acerca do exato
9.427⁄96 (arts. 14-19), depois de já iniciado o
alcance de um determinado dispositivo.
processo de privatizações (Light e Escelsa). Os
exemplos poderiam multiplicar-se. Para além do problema
causado por inúmeras leis, de diferentes
Nesses casos, perdeu-se muito
períodos, com conteúdo regulatório parcial e
de inteligibilidade jurídica por conta de
fragmentário e sem coordenação firme entre si,
espasmódicas disposições pertencentes a
a situação é ainda agravada por outra ordem de
diferentes leis de diferentes períodos.
problemas.
Em um panorama como o
II. Os problemas relativos aos textos
descrito acima, é inevitável que existam na
legislação alterações, revogações totais ou
Muito comum, também, é o
mesmo revogações parciais de um dispositivo
caso das revogações tácitas ou do conflito, um
por outro mais novo, com uma velocidade e
problema que não é apenas de leis, mas de seus
frequência que muitíssimo prejudicam a
textos. É que por vezes um texto mais recente
5
Na verdade, a situação é ainda mais delicada, pois as limita-se a regular de modo (parcialmente)
modalidades de operação previstas no Decreto 2003, de
1996, já tratavam do despacho centralizado, apenas para
o produtor independente de energia e autoprodutor e sem
6
que lei alguma tivesse previamente disciplinado o tema. Veja-se também o art. 26 da Lei 9.427

3
diverso tema já tratado por outro, sem qualquer problema causado pela dimensão demasiada
referência à sorte da norma anterior. diz respeito à estrutura dos períodos sintáticos
das normas.
Para completar o diagnóstico
dos problemas atuais, é de notar-se o singular É que não só os textos são
hábito do legislador de elaborar longuíssimos e estruturalmente longos, com profusão de
complexos artigos nas leis setoriais. E não são parágrafos, incisos e alíneas, mas também a
poucos os problemas que daí advêm. construção de certos períodos não obedece à
ordem direta e, por sobreposição de muitas
São frequentes artigos com
unidades sintáticas, apresentam eles uma
mais de 10 parágrafos – o art. 4º da Lei 10.438
estrutura complexa, que contém uma variedade
contém nada menos do que 17 deles - um
de proposições normativas dentro de um
maior número de incisos e alíneas - o art. 2º da
mesmo período sintático.
Lei 10.848 possui 15 parágrafos e um
impressionante número de incisos espalhados Tudo isso novamente em
por entre eles - dentro dos quais são regulados desacordo com as exigências de clareza e
assuntos os mais diversos, muitos dos quais precisão da Lei Complementar 95⁄989. Como
sem qualquer relação com o caput do artigo7, o dito antes, é inegável o prejuízo ao país e à
que configura prática em completo desacordo Sociedade que essa situação traz.
com a exigência de “ordem lógica” feita pela
Lei Complementar n. 95⁄988.

Os prejuízos de compreensão
decorrentes desta prática são óbvios e
começam com a dificuldade de individuar o
9
objeto do artigo em questão e com a ainda Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com
clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse
maior dificuldade de recolher todos as normas propósito, as seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
relativas a um mesmo tema, pelo simples (...)
b) usar frases curtas e concisas;
exame do caput dos artigos. O segundo tipo de c) construir as orações na ordem direta, evitando
preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
7 d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o
Veja-se o art. 31 da Lei 9.427 texto das normas legais, dando preferência ao tempo
8
“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas presente ou ao futuro simples do presente;
com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa,
esse propósito, as seguintes normas: evitando os abusos de caráter estilístico;
(...) II - para a obtenção de precisão:
III - para a obtenção de ordem lógica: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a
seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo
relacionadas com o objeto da lei; e o alcance que o legislador pretende dar à norma;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio
assunto ou princípio; das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos com propósito meramente estilístico;
complementares à norma enunciada no caput do artigo e (...)
as exceções à regra por este estabelecida; g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de
d) promover as discriminações e enumerações por meio remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’,
dos incisos, alíneas e itens”. (Grifos nossos) ‘seguinte’ ou equivalentes;

4
trabalho de coleta e compilação, as limitações
Modelos e Hipóteses de
dessa iniciativa tornam-se mais agudas.
Ordenação Normativa Com efeito, ao juntar inteiros
diplomas obedecendo a uma ordem de inserção
externa, i.e., não setorial (hierarquia e data),
O projeto vislumbra quatro
ela não elimina ou mitiga os problemas antes
possibilidades para melhorar a atual
apontados, mas dá deles uma ideia mais exata
conformação normativa. Tais alternativas, que
e mais dramática. Não é uma ordem de leitura
serão mais bem analisadas no desenvolvimento
que ofereça solução para o problema das “leis”
da pesquisa, são: (a.) a Coletânea; (b.) a
(não propõe uma organização temática própria)
Disposição Ordenada ou “Texto Único”; (c.) a
ou para o problema “dos textos” (não faz
Consolidação e (d.) a Codificação.
qualquer esforço de simplificação dos
dispositivos singulares).
I - A Coletânea

II. A Codificação
Consiste a Coletânea na
simples reunião das diferentes normas (Leis,
Situada no outro extremo do
Regulamentos, Atos Administrativos
esforço de racionalização está a codificação.
Normativos vários), segundo uma disposição
Ao longo do século XX, várias foram as
determinada.
tentativas que envolveram o SEB, todas elas
Normalmente, a ordem é
sem êxito10.
fundada na relação de hierarquia e na
Deixando de lado discussões
cronologia, ou combina ambas. Neste último
teóricas acerca da possibilidade, conveniência
caso, a Coletânea é inicialmente ordenada por
ou oportunidade de submeter a tal processo
tipo de ato normativo (conjunto das Leis,
inteiros ramos do Direito ou a regulação de
seguido dos Regulamentos e, sucessivamente,
setores específicos da atividade econômica
dos Atos Administrativos Normativos), e
como a indústria elétrica11, considera-se que
internamente, por ordem temporal, da mais
antiga à mais recente, por exemplo.
10
A primeira iniciativa, malograda, data de 17 de agosto
É inegável o auxílio que a de 1954, com o Decreto 36.062 que instituiu uma
Coletânea presta à melhor compreensão das Comissão encarregada de propor um Código de Energia
Elétrica. Depois disto, no final da década de 60 e início
normas, ainda mais se forem elas reunidas em da de 70, foi feita nova e infrutífera tentativa, iniciada
com o Decreto 62.529⁄68. Mais recentemente, nova
meio eletrônico dotado de motores de busca e proposta de Código de Energia foi elaborada no âmbito
do Projeto RE-SEB. Por último, há valiosa proposta da
pesquisa, simples ou sofisticados que sejam. lavra de Vilson Christofari e da Associação Brasileira de
Concessionários de Energia Elétrica – ABCE,
Por outro lado, não dispondo o especialmente considerada no presente estudo.
setor elétrico de uma Lei Geral que possa
11
No plano da teoria geral do direito, consulte-se
servir como ponto de partida e de apoio para o Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito
privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

5
uma iniciativa deste tipo está fora das As suas vantagens são
competências e atribuições de um Projeto inúmeras e ela resolveria em grande parte os
elaborado por estudiosos destituídos de problemas apontados no Diagnóstico.
representação ou de atribuições políticas. Ainda que juridicamente uma
É que ela envolve vontade Consolidação não deva alterar o status quo
política, manifestada na elaboração ex novo da normativo, sua realização também envolve
regulação e desconsideração, ao menos do vontade política e, conforme utilize com maior
ponto de vista formal, de todo o material ou menor intensidade as possibilidades de
normativo em vigor. Por esse motivo, antes de manejo de textos oferecidas pelos incisos do §
requerer labor de organização e racionalização, 2º do art.13, funda-se em certa dose de
depende de escolhas de conteúdo que por sua discricionariedade por parte do intérprete
vez retratam valorações sobre a melhor forma encarregado da tarefa. Tal será o caso,
de tratar os diferentes aspectos da indústria sobretudo, em se tratando de fundir
elétrica; em síntese, o resultado alcançado pela “disposições repetitivas” ou de “valor
codificação vai muito além de uma simples normativo idêntico” (inc.III), ou de atualizar
racionalização normativa. “modos de escrita ultrapassados” (inc. V) e,
Além da limitação política, há
que se reconhecer que, atualmente, do ponto de § 1º A consolidação consistirá na integração de todas as
leis pertinentes a determinada matéria num único diploma
vista institucional, não parece ser necessário legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à
consolidação, sem modificação do alcance nem
e/ou recomendável refazer a regulação que a interrupção da força normativa dos dispositivos
consolidados.
duras penas vem alcançando a desejada § 2° Preservando-se o conteúdo normativo original dos
dispositivos consolidados, poderão ser feitas as seguintes
estabilidade e eficiência normativa. alterações nos projetos de lei de consolidação:
I – introdução de novas divisões do texto legal base;
II – diferente colocação e numeração dos artigos
consolidados;
III. A Consolidação III – fusão de disposições repetitivas ou de valor
normativo idêntico;
IV – atualização da denominação de órgãos e entidades
da administração pública;
O procedimento de V – atualização de termos antiquados e modos de escrita
ultrapassados;
consolidação conta com algumas experiências VI – atualização do valor de penas pecuniárias, com base
em indexação padrão;
bem-sucedidas no Direito brasileiro, a começar VII – eliminação de ambigüidades decorrentes do mau
uso do vernáculo;
pela grandiosa Consolidação das Leis Civis de VIII – homogeneização terminológica do texto;
Teixeira de Freitas, monumento legislativo do IX – supressão de dispositivos declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal,
século XIX. Ela esta inclusive regulada no observada, no que couber, a suspensão pelo Senado
Federal de execução de dispositivos, na
Direito Positivo, na Lei Complementar n. forma do art. 52, X, da Constituição Federal;
X – indicação de dispositivos não recepcionados pela
95⁄9812. Constituição Federal;
XI – declaração expressa de revogação de dispositivos
implicitamente revogados por leis posteriores.
§ 3° As providências a que se referem os incisos IX, X e
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Art. 13. As leis federais serão reunidas em XI do § 2o deverão ser expressa e fundadamente
codificações e consolidações, integradas por volumes justificadas, com indicação precisa das fontes de
contendo matérias conexas ou afins, constituindo em seu informação que lhes serviram de base.
todo a Consolidação da Legislação Federal.

6
tanto mais, caso se proceda à “eliminação de assim, entre a Consolidação e a Coletânea e
ambiguidades decorrentes do mau uso do pode ser visto como uma etapa preparatória
vernáculo” (inc. VII) e “homogeneização para primeira, dotada ao mesmo tempo de
terminológica do texto” (inc. VIII). Com a valor intrínseco.
utilização desses recursos não é de se excluir Resumidamente, trata-se de (i.)
que o texto resultante não guarde integralmente elaborar uma base temática e (ii.) inserir nesta
os dispositivos consolidados, e que acabe por base os textos das normas vigentes sem alterar-
modificar, de fato, o direito positivo; ou que os lhes o texto.
destinatários das normas assim percebam o Essa sucinta descrição
resultado do trabalho. genérica sugere que a Disposição Ordenada
Por esses motivos, parece pode ter vários graus de detalhamento. Os
adequado, antes de proceder-se à Consolidação mecanismos de afinamento são tanto a base
propriamente dita, em que textos são alterados, temática quanto a unidade normativa que será
elaborar um itinerário de indexação utilizada.
normativa, na qual apoiar os diferentes textos Por base temática entende-se
do direito positivo vigente, de modo a garantir- toda e qualquer estrutura organizativa que
se uma estrutura transparente e controlável identifique os temas principais a serem
para o trabalho de preenchimento do conteúdo regulados, na qual os textos normativos serão
consolidado. depositados.
Esse itinerário é qualificado A sua configuração concreta
como Disposição Ordenada ou Texto Único. depende de duas decisões, uma relativa à
escolha dos temas ou blocos de assuntos que
IV. A Disposição Ordenada ou Texto nela figurarão e outra relativa ao grau de
Único profundidade que apresentará. Quanto a este
último aspecto, ela pode ter poucos ou vários

Esse procedimento não realiza níveis de ordenação, representados por Livros,

– inicialmente qualquer modificação nos textos Títulos, Capítulos, Seções e Subseções.

a serem organizados. Também não se resume a Grosso modo, servem de

uma mera reunião de Leis, Decretos e Atos subsídios para essas decisões os modelos de

Administrativos Normativos. codificações de outros países (e outros recursos

Ele procura, em síntese, de direito comparado), tentativas anteriores de

resolver o maior número dos problemas codificação ou consolidação, e mesmo um

apontados, na medida em que isso é possível processo “indutivo” proporcionado pela leitura

de ser obtido sem alteração de textos13. Fica, prévia das normas em vigor.
No que respeita à unidade

13
normativa, deve-se escolher qual será a menor
Por óbvio que ela também não elimina os problemas
decorrentes de mudanças legislativas e sucessivas fração destacável dos diplomas considerados,
alterações do status quo normativo.

7
se o artigo, o parágrafo, o inciso ou mesmo a Na primeira, trata-se de elaborar a base
alínea. O limite fundamental para essa escolha temática e realizar a ordenação das leis
é a manutenção do sentido normativo íntegro, setoriais e atos de igual hierarquia.
i.e., a unidade escolhida deve ser capaz de É que já esse restrito universo
veicular ao menos uma proposição completa. oferece material em abundância e de
Respeitado esse limite, a decisão deve pautar- complexidade aprecíavel. Considera-se que,
se pela busca de um equilíbrio que evite, de um uma vez apresentadas de modo sistemático e
lado, a excessiva fragmentação dos textos e, de orgânico esse núcleo, o trabalho posterior
outro, a excessiva complexidade normativa que tornar-se-á consideravelmente mais intuitivo.
resultaria da manutenção indivisa de várias Principiar levando em consideração a
proposições, dadas as peculiaridades das totalidade dos diplomas normativos tornaria
normas do setor elétrico apontadas acima. não só incontrolável a massa a ser ordenada,
Também, deve-se notar que há mas prejudicaria a clareza organizativa.
uma relação estreita, diretamente proporcional,
entre o detalhamento da base temática e o I – A unidade normativa escolhida e
fracionamento da unidade normativa. Quanto a base temática provisória
mais detalhada for a base temática, mais I.1. Unidade normativa
apropriado se faz o uso de menores unidades
Considerando as características
normativas (e vice-versa).
acima apontadas das leis de regência do setor
Em todo o caso, a Disposição
elétrico – textos complexos, com pluralidade
Ordenada em hipótese alguma altera o teor dos
de proposições prescritivas em uma mesma
dispositivos, suprime ambiguidades ou elimina
unidade sintática; artigos com vários
textos “equivalentes”. A manipulação que
parágrafos e incisos, muitas vezes sem relação
deles faz consiste em segregá-los segundo a
imediata e direta com o caput respectivo
unidade adotada e distribuí-los na base
considera-se conveniente, a bem da clareza,
normativa escolhida.
adotar por princípio a mais intensa segregação
possível de ser obtida sem eliminação de
Metodologia critérios de identificação da norma.
Em outras palavras: optou-se
Ainda que o objetivo último de por fracionar as diversas partes dos artigos das
um esforço de racionalização seja a ordenação leis setoriais até onde permanecer uma
de todos os diplomas que regulam o setor estrutura normativa reconhecível.
elétrico (Leis, Decretos e Atos Concretamente, a unidade normativa básica da
Administrativos), uma apreciação realista do Disposição Ordenada será o parágrafo.
estado atual das normas sugere segregar-se o Esse procedimento permite
trabalho em duas fases, cada uma com um trabalhar com unidades significativas mais
resultado útil a se stante, como sua conclusão. simples, ao mesmo tempo em que,

8
formalmente, mantém se a estrutura e redação algum Capítulo ou mesmo destas unidades
do texto original de onde provém. Por outro mais específicas.
lado, convém esclarecer que nem sempre – e Não se consideram, porém,
talvez nem na maior parte das operações – a prováveis alterações significativas nos
divisão chegará efetivamente a este nível. elementos de maior generalidade, como
Quando possível serão mantidas unidas Capítulos, Títulos ou Livros.
estruturas mais completas – o artigo inteiro. Considerando-se a estabilidade
A decisão metodológica dos grandes blocos, pode-se afirmar que o fio
significa, assim, que, se for necessária, a condutor da base normativa é a ordenação do
separação de textos de um determinado artigo material legal a partir dos grandes temas ou
poderá chegar ao nível dos parágrafos, os agentes, antes que os títulos. Ou seja, preferiu-
quais serão separados do texto principal e se visualizar o setor elétrico desde a
dispostos nos tópicos apropriados da base perspectiva da geração, transmissão,
temática. distribuição, comercialização, competências
públicas e contratos inter setoriais, ao invés de
II.2. Os fundamentos da base temática centrar a atenção na concessão de serviço
Para elaboração da estrutura público, concessão de uso de bem público,
proposta serão consultados, dentre outros, autorização e permissão.
referências colhidas com auxílio das Preferiu-se essa divisão
investigações em Direito Comparado. Nesse porque, no setor elétrico, a evolução
particular: econômica (na qual desponta a exigência de
• Electricity Act, 1989 (Inglaterra) desverticalização) e tecnológica fez com que
• Energy Act, 1990 (Noruega) crescessem as disposições específicas para
• Electricity Act, 1994 (Austrália) cada atividade e, também porque,
• Electric Power Law of the People’s Republic paralelamente a isto, os diferentes títulos
of China - 1996
jurídicos passaram a ter uma flexibilidade e
• Energy Act, 2004 (Inglaterra)
heterogeneidade que não possuíam antes, que
• Decreto con Fuerza de Ley n. 4⁄2007 (Chile)
muito dificulta um tratamento das normas do
• Decreto 41.019⁄1957
• Leis vigentes do setor elétrico brasileiro
setor elétrico a partir deles.

• Projeto Vilson Christofari Em síntese, não se pode mais


A estrutura ora apresentada falar no “concessionário de serviços de energia
poderá sofrer alterações e adaptações sugeridas elétrica” tout court. Além disso, “concessão”,
pelo próprio trabalho de disposição ordenada, “permissão” e “autorização” são títulos
i.e., à medida que as leis forem sendo dispostas genéricos, classes de atos administrativos que
em seu interior, os próprios textos trabalhados nada possuem de setorialmente específico14.
poderão determinar mudança ou supressão de
14
subseções ou seções e alteração de titulação de De resto, a Disposição Ordenada seguirá os ditames da
Lei Complementar 95, também aqui, em particular:

9
Tal crença decorre do fato de
Resultados Esperados
que, depois de operada a racionalização
normativa em tais bases, as futuras inovações
normativas dar-se-ão já no âmbito de um
Este projeto busca oferecer sistema relacional complexo e dinamicamente
um referencial analítico estruturado sobre estruturado, no qual as consequências jurídicas
índices distintivos que subsidiem a decorrentes da positivação de novos conteúdos
reestruturação normativa do Setor Elétrico serão aferíveis em um espectro mais bem
Brasileiro de modo a conferir organicidade à definido, e por isso passível de cognição mais
sua evolução e inteligibilidade ao seu rigorosa e de interpretação menos arcana.
conteúdo.
A escolha adequada da
Acredita-se que tal esforço técnica de ordenação normativa é, portanto,
de pesquisa contribuirá de forma determinante fundamental para o tratamento de institutos,
não apenas para a compreensão do marco fatos e atos jurídicos bastante complexos e
regulatório vigente, mas principalmente para a mutáveis – e, muitas vezes, baseados em
acomodação e a conformação coerentes da ficções e metáforas, dada a peculiaridade
intensa produção normativa, que é fenomênica da energia na natureza e em seu
consequência da evolução econômica e périplo pelos sistemas físicos em relação aos
tecnológica ínsita à dinâmica setorial. institutos jurídicos comumente aplicáveis a
bens móveis.
Art. 10. Os textos legais serão articulados com
observância dos seguintes princípios:
Tal organização normativa
I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado
pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até diminuirá a incerteza regulatória, em favor da
o nono e cardinal a partir deste;
II - os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em consolidação de expectativas de direito –
incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e
as alíneas em itens; deveres, obrigações, ônus e faculdades – para
III - os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico
"§", seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a os diversos atores setoriais. Tal fato trará
partir deste, utilizando-se, quando existente apenas um, a
expressão "parágrafo único" por extenso; consigo benefícios sociais e econômicos muito
IV - os incisos serão representados por algarismos
expressivos, na medida em que os riscos de
romanos, as alíneas por letras minúsculas e os itens por
algarismos arábicos; investimento, além de diminuir, tornam-se
V - o agrupamento de artigos poderá constituir
Subseções; o de Subseções, a Seção; o de Seções, o mais claros e, em boa medida, gerenciáveis.
Capítulo; o de Capítulos, o Título; o de Títulos, o Livro e
o de Livros, a Parte;
VI - os Capítulos, Títulos, Livros e Partes serão grafados Há que se ressaltar, por sua
em letras maiúsculas e identificados por algarismos
romanos, podendo estas últimas desdobrar-se em Parte vez, os benefícios políticos auferidos em razão
Geral e Parte Especial ou ser subdivididas em partes
expressas em numeral ordinal, por extenso; de o controle público e a participação cidadã
VII - as Subseções e Seções serão identificadas em tornarem-se mais efetivos – porque
algarismos romanos, grafadas em letras minúsculas e
postas em negrito ou caracteres que as coloquem em compreensíveis - e menos onerosos, porque
realce;
VIII - a composição prevista no inciso V poderá também mais acessíveis.
compreender agrupamentos em Disposições Preliminares,
Gerais, Finais ou Transitórias, conforme necessário.

10
Em razão disso, pretende-se Sendo estas as considerações
levar à discussão pública, nos órgãos julgadas relevantes para fins de apresentação e
reguladores setoriais, sobretudo no órgão aprovação do projeto, requer-se sua
normativo de primeira ordem -- o Congresso consideração para os propósitos do Programa
Nacional --, os resultados obtidos a fim de que de Iniciação Científica da UnB.
se possa interferir de forma autorizada e
Brasília, 26 de maio de 2010
construtiva no trâmite das proposições
legislativas em curso que pretendam consolidar
o marco regulatório do SEB15.
Prof. Dr. Luiz Gustavo Kaercher Loureiro
Além disso, antes mesmo do
Grupo de Estudos em Direito de Recursos Naturais
contato mais estreito com as instituições e
atores políticos envolvidos no processo de
consolidação normativa em curso no
Congresso Nacional, buscar-se-á analisar, a
partir do atual modelo de governança dos
agentes integrantes do SEB, sobretudo daquele
conferido à Agência Nacional de Energia
Elétrica, o índice de poder normativo que se
lhes confere, a fim de que tais agentes
contribuam, a seu turno, para que o esforço de
organização do quadro normativo se dê forma
ampla, atingindo o âmbito de suas atribuições.

Nesse passo, pretende-se,


também, dar relevo ao papel desses entes
setoriais na definição e redefinição conjuntural
das balizas normativas secundárias, com vistas
a irradiar o quadro de consequências
benfazejas decorrentes do esforço de
organização normativa16.

15
No momento, tramita na Câmara dos Deputados o
Projeto de Consolidação das Leis Aplicáveis ao SEB,
consubstanciado no PL nº 4035/2008, sob a relatoria do
Dep. Arnaldo Jardim. acervo – congregado por normas de mesma hierarquia –
16
“Qualquer proposta de organização das normas que pode resultar numa opção “não ótima” de organização”.
regem a indústria brasileira de energia elétrica deve estar CAMARGO, Luiz Gustavo Barduco Cugler. CÓDIGO
consubstanciada em estudo da inter-relação existente BRASILEIRO DOS SERVIÇOS DE ENERGIA
entre os diversos tipos normativos e entre esses e seus ELÉTRICA – Curso de Especialização em Direito
usuários, de sorte que a utilidade proporcionada seja Regulatório da Energia Elétrica – FD-UnB, 2009 (No
maximizada. Proceder com uma análise isolada de cada prelo).

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