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Reconstrução

Em 3 de julho, dia da libertação de Jossei Toda, o governo decretou finalmente a redução de 10% das
rações alimentares.
A pobreza extrema do povo, já cansado de sua má sorte, não podia mais ser camuflada. O padrão
diário da ração do arroz para o adulto passou a ser 297 gramas. Entretanto, quando fosse distribuída a
ração substitutiva como batatas, batatinhas, feijão, massas de soja, centeio, etc-, o peso destes eram
descontados do arroz racionado.
Os peixes eram distribuídos na proporção de um a cada quatro dias, e mesmo assim, quase sempre, era
apenas uma sardinha.
A unidade calórica do povo desceu até 1200 calorias. Isto significa a metade da caloria média do povo
antes da guerra, avaliada em 2160 calorias por pessoa. Esta quantidade permitia somente ficar quieto,
sem se mover. Se tentasse trabalhar nessas condições, logicamente se manifestariam em seguida os
sinais de desnutrição. A desnutrição não existia somente na prisão. Acontecia também fora dela.
No período que vai desde o Inicio da etapa final da guerra até após o fim da mesma, a nação inteira
estava sendo invadida, antes de tudo, pela fome. Isto foi em conseqüência da falta da quantidade
mínima de alimentos necessários em virtude do bloqueio marítimo.

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Notava-se no povo o rápido declínio do aspecto físico. A maioria da população andava com olhos
incrustados na fossa orbitária, roupas cada vez mais folgadas no corpo emagrecido, dificuldade de
respiração e falta crescente de coragem. Isto não era o aspecto de uma ou de outra pessoa, mas sim, da
maioria absoluta do povo.
Como é desesperadora a vida humana em condições de profunda miséria!
Se os líderes da nação Japonesa fossem mais inteligentes, teriam conduzido o povo para uma vida
melhor e mais segura.
Jamais o povo deverá esquecer-se desta amarga experiência.
Apesar desta situação, o governo proclamava a batalha decisiva na ilha principal e continuava
pregando ao povo "o sacrifício dos cem milhões" para não se render. Ninguém, entretanto, podia
acreditar em tal lema' e o espírito combativo foi se enfraquecendo dia por dia.
Além disso, não havia ninguém que apresentasse um plano concreto para mudar o curso da guerra ou
para possibilitar a negociação de paz.
Após a rendição incondicional da Alemanha em ma'o, a derrota tornou-se inevitável.
De maio a agosto desse ano, a nação inteira viveu num estado estranho de inércia e imobilidade.
Nessa época, os aviões americanos atacavam diariamente as cidades pequenas e médias,
bombardeando todo o território s5o pais. O exército e a marinha do Japão perderam quase totalmente
o poder de resistência.
Os bombardeios atingiram 90 cidades e, com isso, cerca de um terço de todas as cidades do Japão foi
reduzido a cinzas. O arrasamento da ilha principal estava sendo progressivamente executado.
O plano de ação do governo para a batalha decisiva na ilha principal consistia simplesmente em
mobilizar os
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soldados em todo o país. De fevereiro a maio, o exército criou às pressas 45 divisões e elevou para
3.000.000 o número de soldados para a defesa, distribuindo-os para iodos os recantos do país.
Entretanto, novos corpos de soldados assim formados eram exércitos completamente desprovidos de
equipamentos, não possuindo nem armas de fogo e nem baionetas.
A marinha já se havia tornado em "marinha sem esquadra". Assim, não havia outro plano senão o de
aumentar os soldados em terra para reorganizar a defesa costeira.
Em 1944, oitenta e nove por cento dos homens, de 20 a 40 anos, já haviam sido convocados para o
serviço militar, mas, em 1945, essa proporção foi para noventa por cento. Isto quer dizer que todos os
rapazes haviam sido mobilizados, com exceção de doentes e aleijados.
Esse exército, que parecia mais um bando de escravos, tinha como ação militar, única e
exclusivamente, a de cavar trincheiras ou túneis.
Quantos milhões de jovens, que poderiam construir o futuro, morreram nesta guerra! Quantos
milhares de famílias pacíficas foram destruídas!
Não havia dúvida de que era o próprio povo quem mais odiava a tolice dos líderes, os responsáveis
pela tristeza de tantos sacrificados.
Okínawa, que se orgulhava por sua fortaleza indestrutível, foi tomada, enfim, diante dos intensos
ataques das forças americanas, por ar, terra e mar, que se valeram de seus abundantes materiais de
guerra. Essa luta desesperada acabou no mês de junho.
Durante essa luta, todos os aviões Kamikaze foram mobilizados para cumprir a missão dos ataques
suicidas. O arrasamento da ilha foi completo. Morreram mais de cem mil soldados japoneses, e o
número de mortos entre os habitantes da ilha ultrapassou cento e cinqüenta mil.

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Crianças, velhos e mulheres, que nada tinham a ver com a guerra, foram também banhadas pelo fogo
de artilharia. A batalha de Okinawa criou numerosas tragédias, tal como a tragédia do Corpo
Himeyuri, grupo de moças estudantes que foi convocado para socorrer os feridos.
Esses numerosos casos trágicos de crueldade e de miséria não eram senão o mau presságio de um
destino desesperador da batalha final, da ilha principal que se aproximava passo a passo.
A essa altura, o povo já havia perdido a coragem para reagir, tanto física como espiritualmente. A
medida que foram aumentando as vitimas de guerra, tornavam-se cada vez mais numerosas as pessoas
que, perdendo o teto para o abrigo, vagavam sem destino pelas ruas junto com suas famílias e com os
utensílios domésticos, os poucos que restaram do incêndio da guerra, abandonando os restantes, as
casas e outros pertences, já tudo queimado pelo fogo, todos perambulavam com fisionomias
completamente conformados; às vezes, entretanto, trocavam-se, entre eles, palestras com
surpreendente senso de humor.
— Até que enfim, fui também atingido ontem à noite, dizia um homem. Respondia então, um outro
como ele.
— Mas, o senhor também! Fui atingido igualmente há 10 dias, e tudo ficou queimado tão limpinho.
Ah, ah, ah- Conversavam ambos como se estivessem falando para si, enquanto limpavam seus rostos,
pretos de fumaça, com toalhas sujas. Isto era pelo menos uma troca de consolação e de resignação. A
realidade era bem pior. O problema não era mais o de se apavorar peia perda do espírito combativo. O
estado de profunda apatia já cobria, desde há muito, a vida do povo.
Quantas infelicidades se amontoaram até chegar a esse estado de coisas! A "batalha decisiva" já não
passava de umas simples palavras. Nesse ínterim, aproximava-

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-se, a cada segundo, o momento do balanço final do povo japonês.
Enquanto a nação japonesa estava sendo conduzida, a passos acelerados, para o destino diabólico.
Toda passou a primeira noite em seu lar, após dois anos de ausência.
Ele acordou, quando o céu ia clareando. Após respirar profundamente o ar fresco da manhã de verão,
abrindo a janela de vidro, permaneceu-se deitado sobre o leito.
Reinava um profundo silêncio. Parecia até que a correnteza do tempo tivesse parado.
A madrugada era o momento mais importante para ele.
Sobre seu leito, sem ser importunado por ninguém, com a mente fresca recém-acordada, podia cair,
como de costume, em profunda meditação, raciocinando até as últimas implicações dos seus variados
planos.
"Reconstrução" era o único pensamento que circulava velozmente na sua mente — a reconstrução da
Gakkai. Para que isto fosse possível, era necessário, antes de mais nada, resolver o problema da
restauração da sua empresa. Para isso, não havia nenhuma compaixão pelo amparo de si próprio.
Dentro da prisão, ele Já sabia que o seu negócio havia ido ao colapso, mas não havia meio de verificar
o que realmente acontecera. Resolveu averiguar os fatos reais que levaram a esta situação adversa, tais
como; o controle das empresas, a mobilização de quase todos os seus empregados com idade para
alistamento, os edifícios das empresas que foram danificados peio incêndio, evacuação de seus
auxiliares, a paralisada situação económica e outras tantas condições desfavoráveis.
Para descobrir o fio da meada do inicio da reconstrução, precisava conhecer o verdadeiro aspecto de
pelo

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menos uma das suas numerosas empresas. Isso foi necessário porque não haveria reconstrução sem
constatar a realidade. O futuro brilha na vida de quem se dedica inteiramente a reconstrução. Sabe-se
que o triunfo ou a derrota de uma existência decidem-se com a construção da sua última vitória.
A força propulsora de todas as obras é, enfim, o próprio homem. A chave do sucesso está inteiramente
na própria revolução humana do indivíduo. Controlar perfeitamente o negócio ou ser controlado pelo
mesmo, eis o que decide o futuro destino da empresa.
Toda decidiu procurar imediatamente seu advogado em Shibuya, a quem havia encarregado o trabalho
de resolver todo o seu negócio. — tudo partia disso.
Finalizou prontamente o seu Gongyo e, terminada a refeição matinal, solicitou à sua esposa que
providenciasse o seu terno de verão.
Ikue opôs-se à saída do marido, preocupada com sua saúde precária.
De fato, a sua debilidade física dificultava a caminhada. Ontem precisara mais de duas horas até
chegar a casa, na volta da prisão de Toyotama.
Por que deve sair em pleno calor do dia? Por que precisa ser hoje? Não pode chamar o advogado em
casa? Ikue protestou veementemente, apresentando diversos motivos, mas a decisão de Toda era mais
veemente.
— Irei sim. Não se preocupe. Estou bem disposto. Deve haver numerosos documentos arquivados lá e
não ficaria nada bem, se o chamasse aqui. Devo ir lá e examinar todos os documentos. Se não fizer
isso, não poderei fazer nada. Queira trazer o meu terno de linho imediatamente?!
Observando o clima de inquietação entre ambos, Seiji Matsui disse, com sorriso forçado:
— Ikue, é melhor você concordar com ele e ir Junto.

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Vocês poderão ir descansando várias vezes no caminho! Vão devagar, sem fazer sacrifícios.
— Ah, ah, ah... Papai, como Ikue se tornou forte, não acha? disse Toda, rindo.
— Sim, deveras! replicou Ikue. Pois, fui a mulher que viveu sob as armas.
Ouvindo as palavras da esposa, Toda disse, após conter a estourada gargalhada:
— Não, não sob as armas, e sim sob a prisão. Toda ficou surpreendido ao vestir o seu terno de linho,
pois era tão folgado como se estivesse com o terno emprestado por um estranho. Ao colocar o seu
chapéu Panamá, este caiu até a altura dos olhos. Embora seus cabelos haviam sido cortados
completamente, parecia que até a cabeça emagrecera. Pensando nos raios quentes do sol, Ikue trouxe o
chapéu de caçador. O forro do chapéu estava completamente coberto de mofo. Ikue limpou-o com
força, pois o mofo estava fortemente impregnado.
Enfim, terminados os preparativos para a salda, disse Toda, calçando o sapato na porta da casa:
— Oh, não é possível!
O sapato também estava tão folgado, apesar de ser o mesmo que usava anteriormente. Ikue abaixou
seu corpo ao alcance do sapato e apertou o cordão.
— ótimo. Nós não vamos correr. Está bem assim — disse Toda inocentemente, batendo várias vezes o
seu sapato folgado contra o chão.
Era, para ele, uma rara oportunidade de passeio. Era um prazer idêntico aos dos alunos do curso
primário que vão participar de um piquenique.
Entretanto, tinha o aspecto de um convalescente de uma doença crônica, o qual estivesse fazendo
exercício de recuperação, caminhando vagarosamente, passo a
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passo, auxiliado pela bengala. Sua companheira trajada de calça gaúcha parecia uma enfermeira.
Assim, a luta pela reconstrução iniciou já na manhã do dia seguinte à saída do presídio. Não havia um
dia sequer de folga.
O casal Toda deixou a residência. Os arredores eram uma devastação em ruína. Será isto o que se
chama a "cidade de inferno"?
Embora a condição física fosse grave, a sua energia vital palpitante impulsionava vigorosamente os
trabalhos. sem se preocupar com os obstáculos. Quem marcha a um objetivo nobre possui sempre a
vitalidade propulsora.
Entretanto, não havia um que percebesse isto.
O advogado de Shibuya, responsável pelo balanço dos bens de Toda, mostrou uma por uma, a
realidade das dezessete empresas de Toda. A situação não era apenas o encerramento do negócio por
causa da guerra. Era bem pior que isso, uma completa bancarrota.
Disse o advogado, com uma fisionomia embaraçosa:
— Tenho pena do senhor! Mas quem irá endireitar a situação nacional?... Na verdade, não posso dizer
nada. Não posso fazer nada quanto a isso.
— Entendo. Mas. então, como ficará o balanço total?
Toda apressou a conclusão — tais pretextos consoladores nada significavam por ora. O tempo exigia
apenas a conclusão. Precisava saber, antes de tudo, os números concretos.
O advogado ordenou ao seu secretário trazer o resultado final do balanço, entregando-lhe um pacote
de documentos. O secretário fez contas, movimentando os grãos de soroban*, escreveu os números
numa folha

Sorobam * Ábaco. Instrumento que os japoneses e os chineses usam para fazer cálculos.

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separada e colocou-a sobre a mesa do advogado. Este observou atentamente a folha e depois a passou
para Toda.
Toda retirou os óculos e leu com a folha muito perto do seu rosto.
O balanço total calculava-se em dois milhões e tantos ienes.
— Este é preto ou vermelho?
— É vermelho — o advogado respondeu sumariamente.
Disse Toda em murmúrio:
— É o déficit de dois milhões e quinhentos mil ienes?
Ikue, que permanecia ao seu lado, tremeu de susto ao ouvir essa quantia. Isso foi o balanço total do
resultado dos negócios de Toda em conseqüência dos dois anos da sua inocente vida presidiária.
Retornava com os passos vagarosos o caminho da sua casa, cheio de ira, sob os ardentes raios do sol.
Ele compreendeu que não havia outro caminho senão organizar um novo trabalho para a reconstrução
de sua vida. Não havia, entretanto, dinheiro nem meios. Não havia pessoas que pudessem auxiliá-lo.
Nem imaginava o tipo de trabalho que iria começar.
Como homem de negócio, precisava reconhecer o seu grave ferimento, financeiramente vital.
Se estabelecermos o índice de preço por atacado, 3,5 seria 360 atualmente. Então, aquele déficit seria
hoje aumentado mais de cem vezes, correspondendo 300 milhões de ienes.
— Não se preocupe. Enquanto estou vivo, nunca se preocupe, sim? — disse Toda, consolando a sua
esposa que o acompanhava tristemente.
Era realmente uma situação desesperadora- Não havia um plano sequer. Havia apenas uma convicção

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dentro do seu coração que, entretanto, ninguém podia compreender.
Ikue estava a ponto de chorar, A semente da sua tristeza era a saúde do seu marido, visivelmente
perdida. Perguntou ela, levantando a cabeça:
— Está bem mesmo? Não acha melhor tratar da saúde por enquanto?
— O meu corpo? Poderia melhorar de saúde, mas nunca poderá ficar pior do que está. Não se
preocupe com isso também. — disse Toda, decisivamente, movimentando a sua bengala.
Havia muita gente andando nesse caminho. Todos estavam desalojados. Como o casal Toda, eles
também perambulavam carregando sofrimentos, ora maiores ora menores,
A mesma cidade, após o incêndio, parecia bem menor do que antes. Visto pela plataforma da estação
de Shibuya, tudo parecia espantosamente próximo; assim, o campo de Yoyogui, a avenida
Doguenzaka, o distrito de Daíkanyama, pareciam muito próximos dos olhos.
No momento em que o casal retornava para casa, anunciava-se o alarme antiaéreo, pelo toque da
sirena. O rádio anunciava que 100 aviões P51 estavam penetrando na altura do mar de Kashima,
conduzidas por dois B29. Era aproximadamente onze horas da manhã. Nesse dia, os aviões
americanos bombardearam os aeroportos de Ibaraki, Totigui e Tiba, continuamente, até o meio-dia.
No dia 5, Toda permaneceu em casa a tarde inteira. Ele estava extremamente fatigado. Fez o seu
repouso no leito, limpando freqüentemente a transpiração do corpo. Seu pensamento, não obstante,
girava ativamente dentro da cabeça.
Vinham à sua procura alguns de seus antigos empregados. Era a turma de velhos que pareciam ser os
amigos da antiga empresa. Eram pessoas que haviam

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perdido o emprego. Eram pessoas que lhe pediam favores, mas que não se podia contar com eles. Suas
conversações eram como se tentassem procurar coisas no escuro.
Altas horas da noite, sozinho, Toda pensava intensamente, segurando o travesseiro. Era seu costume
quando meditava. A um certo momento lembrou-se de uma idéia: — Que tal um curso por
correspondência?
Visão, confiança e resolução constituem elementos essenciais para o êxito de um negócio.
No dia 1.° de março, o governo promulgou o Plano de Educação em condições de emergência,
ordenando a suspensão das escolas por um ano. mas isto já estava sendo posto em prática.
- Todas as crianças do grau primário foram transferidas em agrupamentos ou em casas de parentes
fora de Tóquio. Os estudantes do curso secundário foram mobilizados para trabalhar nas fábricas e
assim foram retiradas todas as oportunidades para os estudos. Ele sabia através da sua longa
experiência, daquela avidez de assimilação no espírito da mocidade estudantil, como o broto que
absorve tudo e cresce rapidamente. Confiou no amor pelo estudo da mocidade inocente que nunca
perderia o entusiasmo e que voltaria sempre ao seu lugar ao sol, mesmo que a guerra criasse situações
piores ou que viesse uma derrota inesperada. Tinha paixão ao reconhecer que havia sede de aprender
no espírito da mocidade.
— Enviarei, pensava ele, estudos para estas mentes sedentas de conhecimento. Para isto, na situação
do momento, não há outro meio senão o curso por correspondência. — Sua meditação foi-se
solidificando cada vez mais.
Não precisaria de muitos auxiliares porque ele mesmo poderia planejar o estudo. O único problema
con-

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sistia em determinar a época para começar e o capital
para iniciar o trabalho.
O plano assim idealizado ia avançando progressivamente para a concretização. Como poderia angariar
fundos para a execução do seu plano? Lembrou-se então daquelas palavras que o advogado de
Shibuya disse ontem sorrindo:
— Estão aqui as apólices de seguro contra os incêndios, Poderá receber o pagamento de algumas
parcelas destas, como ocorreu na ocasião do grande terremoto de Kanto. Não posso dizer que possa
receber já. Um dia o governo certamente deverá tomar providências. A única coisa que poderia
alimentar algumas esperanças são estas apólices de seguro. Ha, ha, ha . .!
Agora, sem querer, lembrava-se daquelas palavras. Dentre os prédios pertencentes à sua empresa,
havia vários classificados como destruídos pelo incêndio. O valor do seguro atingia cento e tantos mil
ienes. Era praxe que as companhias de seguro não se responsabilizavam pelo pagamento dos danos
causados pelos incêndios quando eram provocados pela guerra. O governo, entretanto, via se
forçosamente na obrigação de fazer alguma coisa para reparar mais de três milhões de casas destruídas
pelo incêndio em todo o país. Na ocasião do grande terremoto de Kanto. as companhias de seguro do
Japão insistiam em manter a não obrigação de reparar os danos. As agências estrangeiras de seguro,
entretanto, prontamente pagaram. A opinião pública estava muito indignada com isso e o governo não
teve outro meio senão o de tomar atitudes a pagar algumas parcelas obrigatoriamente pêlos danos.
Ele compreendeu que estas apólices de seguro poderiam converter-se em fundos para suas finanças.
Resolveu trocar idéias com o seu velho amigo, o advogado

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Kiyoshi Ozawa, antes de dar um passo para a realização 'de sua obra.
• Quem é possuidor de uma visão polida nunca chegará ao desespero. Uma vez desenvolvidas as
idéias até chegar ao ponto final da conclusão, ele adormeceu profunda e tranqüilamente.
Houve, até agora, alguma obra grandiosa construída com êxito sem o entusiasmo? Não! Nunca! Toda
apressou-se impacientemente a fim de formar uma base para a reconstrução da Gakkai, a Sociedade
Religiosa. Para isso, ele enfronhou seriamente no seu negócio.
Na manhã do dia 6 mandou recolher todos os documentos sobre os seguros que estavam nas mãos do
advogado de Shibuya. Após então, saiu de casa, acompanhado pela sua esposa Ikue. O céu estava
nublado e nem por isso deixava de ser um dia de calor.
Foram à estação de Suidobashi pela linha Sho, e tomaram o bonde para Yatiyotyo, onde ambos
desceram. Era uma visita após muitos anos de ausência.
Aquelas ruas que ele ainda lembrava, não haviam sido incendiadas. Deixando a rua principal, chegou
a Shinsaka. Até aquele momento não havia percebido que aquela ladeira era tão Íngreme. Chegou até
a pensar que viera pelo caminho errado.
O esforço pela caminhada abalava muito a sua resistência física debilitada. A cada cinco ou seis
metros precisava parar e descansar a fim de que pudesse caminhar novamente. Aquela subida parecia
terrivelmente longa para ele. Ao chegar a uma grande curva situada no meio da subida, enfim, abaixou
o corpo. As nuvens já haviam desaparecido e caíam sobre ele os raios ardentes do sol de verão. Seu
corpo ficou totalmente banhado de suor. Ikue ficou desesperada.
—• É um sacrifício demasiado! Está doente! Que tolice fiz eu! Devo, por enquanto, impedir a sua
saída.

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Ela se arrependeu e com muito remorso procurava fazer sombra com o seu próprio corpo sobre o de
Toda abaixado. O rosto do seu marido estava pálido. Ela fez Daimoku silenciosamente dentro do seu
coração.
Parecia ser lipotimia, devido à isquemia cerebral. Enfim voltava a se avermelhar as maçãs do rosto.
Ele limpou o suor do rosto até o pescoço. Após então, levantou-se com firmeza, apoiando sobre a
bengala.
— É logo aí. Mas, como faz calor!
Ainda não estava por terminar a subida, porém, Ikue foi subindo como se estivesse empurrando o seu
marido por trás.
Ao terminar a subida, virando à esquerda, achava-se a residência de Ozawa. Era um suntuoso palacete
cercado de muros decorados com tijolos ornamentais.
Como fora avisado previamente pelo telefone, Ozawa estava ansioso à espera de Toda. Ao tocar a
campainha, a esposa de Ozawa veio correndo para recebê-los. Foram convidados a entrar numa sala
de visitas cujo forro era bem alto. No jardim havia pedras ainda molhadas pelo recente esguicho de
água, porém, o aquário permanecia seco. Estendia-se o piso de pedra numa extensão de dois tatami*,
como sempre, ao longo da varanda.
Os velhos amigos trocaram simultaneamente as palavras ao cumprimentar uns aos outros.
— Oh!
— Oh!
— Como você está magro, não acha? — Ozawa surpreendeu-se com a debilidade Tísica de Toda.
— Sim, emagreci. Há alguém que sai gordo da prisão?
— Mas, está bem mesmo?
Tatami ' As esteiras com cerca de 1 x2 m e quando estendidas servem de assoalho.

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