Diferenciais Primeiraaula

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Equações diferenciais

(Referências desta secção 4.8, Mathematical Models in Biology, Leah Edelstein-Keshet)

Terminologia

Podemos representar a primeira derivada de uma função y=f(x) como dy/dx, y'. A derivada de
ordem n representar-se-ia por dny/dxn=y(n). Uma equação diferencial ordinária é uma expressão
matemática que liga a função às suas derivadas e a uma variável independente,

Isto é, por exemplo,


F(x,y,y',y'', … , yn)=0

A ordem da equação é n, isto é, o maior grau da derivada que aparece na equação.

Uma equação de primeira ordem será por exemplo,

dy
−Ky=0
dx

Uma equação de segunda ordem será por exemplo,


2
d y dy
a 2
b c=0
dx dx

A solução de uma equação diferencial ordinária é uma função do tipo y=f(x) que satisfaz a equação
para cada um dos valores da variável independente.

Equações ditas de lineares têm a forma especial,

a 0 y na 1 y n −1 ...a n −2 y ' 'a n−1 y ' a n y=g  x

Isto é, não existem múltiplos ou outras não-linearidades em y (ver exemplos abaixo).

Os coeficientes a0,a1,...,an podem ser funções da variável independente x ou podem ser constantes
(isto é, não dependem da variável independente x).

A equação é dita de homogénea quando o termo isolado (sem y ou suas derivadas) na variável
independente é igual a zero, isto é, g(x)=0.

Vejamos então alguns exemplos,

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Exemplo 1: Equação diferencial ordinária, não homogénea, não linear

Variável independente = x
Função desconhecida = y(x)
Ordem = 2
d2 y dy 2 Termo isolado em
2y  y =sin  x 
dx
2
dx x. Como não é
nulo, a equação
diz-se não-
homogénea
Termo linear Termo não- Termo não-
linear linear

Exemplo 2: Equação diferencial ordinária, homogénea, linear, e com coeficientes não-constantes

Variável independente = x
Função desconhecida = y(x)

Ordem = 3
3
d y dy Termo
3
2x  x 2 y =0 isolado em
dx dx
x nulo, a
equação
diz-se
Termo Termo homogénea
Termo
linear linear com linear com
coeficiente coeficiente
de dy/dx de y não
não- constante
constante

Exemplo 3: Equação diferencial ordinária, não-homogénea, linear, e com coeficientes constantes

Função desconhecida = y(t)


Variável independente = t
Ordem = n

dn y d n−1 y
a b ... p y=g t 
dt n dt n −1 Equação
homogénea
apenas se
Coeficientes g(t)=0
constantes

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Exemplos introdutórios

(Refs. 4.11 e 4.1, Mathematical Models in Biology, Leah Edelstein-Keshet)

Depois de construídas algumas bases de álgebra linear e cálculo infinitesimal, podemos avançar
para o tópico das equações diferenciais, que está intimamente relacionado com os tópicos anteriores
e que é de larga aplicabilidade na modelação de sistemas biológicos e fisiológicos. Escrever uma
equação diferencial que descreva um dado sistema com algum grau de realismo é um processo que
requer alguma prática mas que confere um elevado grau de entendimento sobre o mesmo e uma
elevada capacidade de previsão de fenómenos.

Vejamos um exemplo. Em muitas situações são administrados fármacos a pacientes injectando-os


directamente na circulação sanguínea, por exemplo, através de infusão contínua. Deste modo os
pacientes recebem um nível constante de medicação ao longo de um intervalo de tempo prolongado.
Por exemplo, no tratamento da diabetes ou em quimioterapia oncológica. Idealmente, gostaríamos
de poder calcular qual é a melhor maneira de fornecer o fármaco para obter o melhor resultado
terapêutico possível (determinando variáveis como, concentração do fármaco, fluxo mais adequado
por unidade de tempo, número de células tumorais esperadas ao fim de determinado tempo, etc.)

Esta questão nunca poderá ser respondida de forma conclusiva a menos que tenhamos informação
detalhada sobre a taxa de crescimento do tumor, a capacidade do fármaco em matar células
tumorais, assim como outros efeitos como geometria, o efeito em células saudáveis, etc.

Contudo, para que o aluno possa perceber na generalidade o primeiro passo da construção de um
modelo matemático baseado em equações diferenciais, vamos simplificar o sistema o mais possível.
Pretende-se que se inteire do processo de construção e não dos detalhes em particular, pelo menos
para já, neste exemplo.

Assuma que se pretende tratar um tumor no fígado por infusão contínua. Consideremos que a
bomba de infusão, o fígado, e a artéria hepática são compartimentos interconectados através dos
quais vai fluir o sangue e o fármaco, tal como descreve a imagem,

Referência: Cap. 4.11, Mathematical Models in Biology, Leah Edelstein-Keshet


N(t) = número de células tumorais por unidade de volume de sangue
C(t) = número de unidades de fármaco em circulação por unidade de volume de sangue

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O número de células tumorais está restrito apenas ao fígado. Nesta idealização podemos assumir
que o sangue que irriga o tumor está perfeitamente misturado e que as células tumorais são todas
expostas ao fármaco de igual forma. Isto é, claramente, uma grande simplificação.

De qualquer das formas, escrevamos para a variação de número de células tumorais N(t) com o
tempo

dN
=taxa de crescimento células tumorais−taxa de morte induzida pelo fármaco
dt

E para o número de unidades de fármaco C(t)

dC Taxa administração Taxa absorção


= − − Taxa remoção
dt fármaco fármaco pelas células pela circulação

Depois de escritas estas expressões para o nosso modelo simples, poderíamos começar a especificar
da forma mais fisicamente realista possível cada uma das taxas. Teríamos alguns problemas, como
por exemplo, o facto de quem nem todas as células tumorais se reproduzem à mesma taxa, devido a
variabilidades internas e a diferenças na exposição ao oxigénio e nutrientes no sangue.

Algumas quantidades seriam provavelmente úteis nessa especificação:


• C0= concentração de fármaco na bomba de infusão
• F=caudal da bomba de infusão (volume/unidade de tempo)
• V=volume de sangue em contacto com a área do tumor

Se por um lado C0 e F sejam facilmente conhecidos e reguláveis uma vez que o aparelho vem
calibrado pelo fabricante, por outro lado estimar o volume de sangue em contacto com o tumor já
seria muito mais difícil. Seria ainda difícil estimar a taxa de remoção de sangue da área do tumor.

Deverá ser também mencionado que este modelo de quimioterapia é um pouco irrealista, porque
trata todas as células por igual. Na maioria dos tratamentos, os fármacos são dirigidos aos vários
estágios do ciclo celular, e como tal, os modelos com aplicação clínica directa têm de ter em conta
esse mesmo ciclo.

De qualquer das formas, é precisamente o aspecto clínico que importa salientar. Depois de construir
todo o modelo, mesmo neste caso simples, o conhecimento das soluções N(t) e C(t) para vários
parâmetros de entrada levariam à construção de terapêuticas optimizadas uma vez que se
conseguiria prever com maior ou menor grau de exactidão o comportamento do sistema! E é
também esse um dos objectivos da modelação matemática.

Deixaremos de parte para já a construção das equações diferenciais e a modelação de sistemas


biológicos, e concentremo-nos apenas na sua resolução. Para isso, usamos como exemplo uma das
experiências mais simples em microbiologia, que consiste em criar uma cultura de organismos
unicelulares como bactérias e acompanhar as alterações na sua população ao longo de vários dias.
Tipicamente, uma pequena gota de suspensão de bactérias é introduzido num frasco ou tubo de teste
que contém nutrientes. Depois deste processo de inoculação, a cultura é mantida em condições

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compatíveis com a do crescimento (por exemplo, temperaturas adequadas) e mantida num estado
agitado. As bactérias reproduzem-se então por sucessivas divisões celulares e portanto o seu número
(e densidade) aumentam bastante.

Nota: existem várias maneiras de determinar as densidades de bactérias numa cultura. Uma das
maneiras é contando o número de células em volumes pequenos retirados da cultura. Outra, mais
conveniente, é determinando a densidade óptica da cultura, que está correlacionada com a
densidade de células.

Neste tipo de casos, se desenharmos um gráfico do logaritmo da densidade de bactérias em função


do tempo, as observações coincidem com a de uma recta, pelo menos para certas fases do
crescimento: após a adaptação inicial do organismo e antes do substrato de nutrientes começar a
escassear.

Para introduzirmos as equações diferenciais vamos então analisar este caso em maior detalhe.

Seja,

N(t) = a densidade de bactérias observada no instante t.

Suponhamos que conseguíamos observar as células durante uma unidade de tempo. Uma bactéria
divide-se, as suas filhas dividem-se, e por aí adiante, levando a que nesta unidade de tempo surjam
K novas bactérias. Se definirmos a taxa de reprodução das bactérias pela constante K (K>0) vem
que,

K=taxa de reprodução por unidade de tempo

Suponha agora que as densidades são observadas em dois intervalos de tempo próximos, em t e
em t+t . Se negligenciarmos as mortes celulares, então o número de células no instante t+t como
função do número de células no instante t é,

N(t+t)≃N(t)+KN(t)t

Densidade Densidade Aumento na


total no no instante densidade devido à
instante t reprodução celular
t+t no intervalo t

Isto implica que,

N t  t − N t 
=KN t 
t

Aproximamos agora N (que se formos rigorosos é um número inteiro muito grande, por exemplo,
N=106 bactérias por ml, e que por isso a adição de um ou mais indivíduos tem poucas

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consequências) por uma variável contínua N(t).

Assim no limite em que t0 a equação acima pode ser aproximada pela equação diferencial
ordinária,

dN
=KN
dt
Esta equação simples é por vezes conhecida como lei de Malthus. Podemos resolvê-la
rapidamente isolando do lado direito os termos na variável tempo e no lado esquerdo os termos na
variável densidade,

dN
=Kdt
N

Integrando entre 0 e t vem que,


t t

∫ dN =∫ Kds
0 N 0

t
[ln N t ]0 =Kt

ln N t −ln N  0=Kt

ln N t =Kt a

onde a=ln N(0). Esta expressão explica porque é que um gráfico do logaritmo de N(t) com o tempo
é uma função linear, pelo menos na fase do crescimento em que K é constante.

Se agora aplicarmos a função exponencial em ambos os membros da equação vem,


Kt
N t =N 0 e

As populações que obedecem a uma equação deste tipo estão a sofrer um crescimento exponencial.
Este constitui o modelo mais simples para o crescimento de bactérias. Foi aplicado por Malthus em
1798 a populações humanas num tratado que causou sensação na comunidade científica da época.
(Ele afirmou que excluindo desastres naturais, a população cresceria exponencialmente e por isso,
eventualmente, excederia os recursos; concluindo que fome em massa se iria abater sobre a
humanidade).

A equação na sua forma exponencial, embora muito simples, surge em bastantes processos
naturais. Mudando o sinal de K obtemos um modelo da população em que uma fracção K de
indivíduos é removida continuamente por unidade de tempo, como por exemplo por morte ou
migração. A equação,
−Kt
N t =N 0 e , com K>0

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Descreve uma população em decaimento. Esta equação é usada frequentemente para descrever o
decaimento radioactivo (utilizará esta equação em outras unidades curriculares do Curso).

Definimos o tempo para duplicação da população 2 (quando K>0) ou semi-vida 1 /2


(quando K<0). Para K positivo escrevemos então,

N  2 
=2
N0
Substituindo na equação de N(t),

2N 0=N 0 e K  2

E aplicando logaritmo,
ln 2=K  2

ln 2
2 =
K

Ou seja, o tempo necessário para que a população duplique é inversamente proporcional à taxa de
reprodução constante K.

Mas, voltemos ao problema biológico.

1. Como afirmámos anteriormente, o modelo para o crescimento das bactérias é irrealista para
todos os instantes, uma vez que a dado ponto, o crescimento desacelera se a concentração de
nutrientes diminuir. Isto parece implicar que a taxa de crescimento K depende também do
tempo.
2. Suponhamos que conhecemos a taxa de crescimento em função do tempo, isto é K(t). Então,
t t

∫ dN =∫ K  s ds
0 N 0

t
ln N −ln N 0=∫ K  s ds
0

t
ln N =ln N 0∫ K  s ds e efetuando a exponencial,
0

∫ K  s ds
N t =N 0 e 0

3. Na generalidade não conhecemos a dependência exata no tempo da taxa de reprodução.


Contudo, podemos saber que depende direta ou indiretamente da densidade da população.

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4. Outra possibilidade é a de que a taxa de crescimento depende diretamente dos recursos


disponíveis na população, por exemplo, do nível de nutrientes remanescente no frasco.
Suponhamos que a taxa de reprodução é diretamente proporcional à concentração de
nutrientes C(t), isto é,

K(C)=kC

Assuma ainda que α unidades de nutriente são consumidas no incremento da população em uma
unidade. Isto implica que o crescimento da população e o consumo de nutrientes sejam descritos
pelas equações,

dN
=K C  N =kCN
dt

dC dN
=− =− kCN
dt dt

Encontremos em primeiro lugar a função C(t). Para isso integramos a segunda equação
diferencial,

dC dN
∫ dt dt=∫ −
dt
dt

C t =− N t C 0

Substituindo para t=0, C 0 N 0=C 0 . Se a população for inicialmente muito pequena,
então C0 é aproximadamente igual à concentração inicial de nutrientes no frasco. Ou seja,

C t =− N t C 0

Substituindo agora a equação de C(t) na equação de N(t) vem que,

dN
=k − NtC 0 N
dt

Repare que por comparação com a equação original em que K era constante, na prática o que temos
é,

dN
=K  N  N , onde K  N =k C 0 − N t
dt

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Ou seja, a taxa de reprodução K(N) depende da densidade!


dN
=k − N t C 0 N
dt

O comportamento de N(t) nas condições acima indicadas é dito de “crescimento logístico”, e a


forma da solução é semelhante à do gráfico abaixo representado:

Referência: Cap. 4, Mathematical Models in Biology, Leah Edelstein-Keshet

Apresentaremos a forma de resolver esta equação diferencial adiante. Para já, vamos sistematizar o
que aprendemos e aprender a resolver equações diferenciais ditas de separáveis recorrendo a
exemplos simples.

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