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Certa vez eu fui, não sabendo ao certo o porquê, para um manicômio.

Era domingo cedinho,


pedia cachimbo, mas eu havia perdido o meu. Entediado, e tendo em vista um dia inteiro pela
frente, logo me apressei em sair de casa. Peguei o meu casaco velho de linho – eu nunca saio
sem ele, para se por acaso o tempo decidir revoltar-se contra mim –, minha bengala, meu
guarda-chuva, minha boina e meti-me Mundo a fora, assim, meio sem rumo, largado ao Deus-
dará. Sabia eu coisa alguma sobre o meu destino, pois sequer tinha noção de qual o seria. Digo
que saí pelo excesso do ócio que me acometeu, mas afundo o motivo certo era o vício. Com
absoluta consciência do fato foi que eu abri a porta, tentando convencer a mim mesmo do
contrário.

Acontece que há 24 anos que não largo mão do meu ritual; de manhã, em seguida do
meu despertar – comumente às 5 horas – , arrumo minha cama, tomo um banho, retiro meu
pijama e o troco pela roupa do dia, tomo um chazinho com bolo, escovo meus dentes, e, não
muito depois, arranco meu cachimbo de onde o guardo e o fumo em beira da calçada de
minha casa. Ocorreu, contudo, para a minha infelicidade e inquietação, que perdi o meu
melhor e único cachimbo, isso há 4 dias. Não digo que ele é o melhor somente porque é o
único que possuo, mas sim porque ele vem de longas datas, possuindo grande valor
sentimental e grandíssimo valor financeiro. Ganhei-o de herança de meu pai, que por sua vez
ganhou de meu avo, que, como previsível, ganhou do meu bisa. É um cachimbo de Ébano,
madeira caríssima e de cor esplêndida. Diz meu pai que o meu bisa o ganhou de um prefeito
afamado de sua época como recompensa de uma delação, que, a princípio, não seria
premiada. A denúncia, por ter sido feita sem visar lucro pessoal, mas apenas o bem estar
público, foi muito elogiada.

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