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Fichamento do texto “O ponto de vista"

Giulia Souza Guimarães nº matrícula 202097009

GAUDREAULT, André; JOST, François. “O ponto de vista”. In: A narrativa


cinematográfica. Brasília: Editora UnB, 2009, p. 165-183.

Enquanto na ordem da “surpresa”, a narrativa só transmite as informações


conhecidas pelos personagens à mesa, na do “suspense”, a narrativa dá mais
informações, não conhecidas por estes, notadamente apresentando uma ação que
não testemunharam e, logo, ignoram. O problema [...] não é mais saber quem conta
a narrativa [...], mas qual é o “núcleo” que alimenta o que Genette chama de
“perspectiva” narrativa. (p. 165-166)

6.1 A focalização em Genette


[...] Genette (1972) propõe o termo focalização, que remete ao núcleo da narrativa
(focus em inglês). É daí que chegamos à seguinte tripartição:
a) narrativa não focalizada ou com focalização zero, quando o narrador é
“onisciente”, isto é, ele diz mais do que sabe qualquer personagem;
b) narrativa com focalização interna: fixa, quando a narrativa mostra os
acontecimentos como que filtrados pela consciência de um único personagem [...];
variável, quando o personagem focal muda no decurso do romance [...]; múltiplo,
quando o mesmo acontecimento é evocado várias vezes segundo o ponto de vista
de diferentes personagens [...];
c) narrativa com focalização externa: quando ao leitor ou espectador não é facultado
conhecer os pensamentos ou sentimentos do herói [...]. (p. 166-167)

6.2 Saber e ver: focalização e ocularização


Se essa confusão entre saber e ver, ambos reunidos sob o mesmo termo
“focalização”, pode parecer legítima em se tratando do romance, pois fala-se de
uma visão no sentido metafórico; ao se refletir sobre a representação do ponto de
vista de uma arte visual como o cinema, tal confusão passa a ser incômoda. (p. 167)
[...] existem três possíveis atitudes em relação à imagem cinematográfica: ou é
considerada como vista por um olho, o que faz com que se remeta a um
personagem; ou o estatuto e a posição da câmera vencem e passamos a atribuí-los
a uma instância externa ao mundo representado[...]; ou tentamos apagar até mesmo
a existência desse eixo: é a famosa ilusão da transparência. (p. 169)

A ocularização interna primária


Essa ocularização pode ter várias configurações. Primeiro caso: [...] sugerir o olhar,
sem obrigatoriamente ter de mostrá-lo; para tanto, a imagem é construída como
índice, como um vestígio que permite ao espectador estabelecer uma conexão
imediata entre aquilo que vê e o instrumento de captura das imagens que gravou ou
reproduziu o real, pela construção de uma analogia à sua própria percepção. (p.
169-170)

O olhar também pode ser construído diretamente pela interposição de uma máscara
sugerindo a presença de um olho: curaco de fechadura, binóculos, microscópio, etc.
(p. 170)

Temos ainda o que às vezes é chamado de movimento de “câmera subjetiva”, que


remete a um corpo, seja por causa do “tremido”, da “brusquidão” ou de sua posição
em relação ao objeto olhado [...]. (p. 170)

A ocularização interna secundária


Ela é definida pelo fato de a subjetividade da imagem estar construída pelos
raccords (como em campo-contracampo), por uma contextualização. Qualquer
imagem que faz raccord com um olhar mostrado na tela, com a condição de que
algumas regras de sintaxe sejam respeitadas, estará ancorada nesse olhar. (p. 171)

A ocularização zero
Quando a imagem não é vista por nenhuma instância intradiegética, nenhum
personagem, quando ela é um puro nobody’s shot, como dizem os americanos,
falaremos de ocularização zero. (p. 172)
a) a câmera pode estar fora de qualquer personagem, em uma posição não
marcada [...]. (p. 172)
b) a posição ou o movimento da câmera podem sublinhar a autonomia do narrador
em relação aos personagens de sua diegese [...]. (p. 172)
c) a posição da câmera também pode remeter, além de sua função narrativa, a uma
escolha estilística que expõe e identifica o autor [...]. (p. 172)

6.3 A escuta: a auricularização


Dificuldades de construir a posição auditiva de um personagem:
a) a localização dos sons
Contrariamente à imagem que de algum modo remete a uma localização da câmera
no espaço (e, na continuação, a um olhar… ou não), o som fílmico é na maioria dos
casos desprovido da dimensão espacial. (p. 173)

A maior parte do tempo “ o som fílmico flutua no espaço de projeção” como afirma
Odin (1977, p. 111), a escuta é acusmática, ou seja, ouvimos sem ver a origem do
som. (p. 173)

b) a individualização da escuta
Esse efeito é ainda mais acentuado no cinema, que possui apenas uma perspectiva
sonora de duas dimensões, no sentido de que “não localiza um ponto, mas sim uma
superfície.” (BERNHART, 1949). Aquilo a que chamamos de ambiência em um filme
é precisamente esse tecido sonoro que recobre tanto o campo quanto o fora de
campo adjacente, de modo indiferenciado. (p. 173)

c) a inteligibilidade dos diálogos


Tudo isso faz com que a restrição da sonorização a um ponto de vista preciso seja
algo bem complexo e na maioria dos casos o filme de consumo corrente não tome
posição auricular, mas sim privilegie a inteligibilidade do diálogo, reduzindo as
informações sonoras ao mínimo indispensável […] (p. 174)

Auricularização interna secundária


Quando a restrição entre o que é ouvido e o escutado constrói-se por meio da
montagem e/ou da representação visual. (p. 174)
Auricularização interna primária
Quando não sabemos qual a distância da origem do som e não dispomos de
referências que signifiquem uma escuta ativa, não é fácil saber se o som é filtrado
pelo ouvido de um personagem. É por causa disso que um som não pode remeter a
uma instância invisível, a menos que certas deformações (filtragem, perda de uma
parte das frequências, etc.) articulem uma escuta específica [...]. (p. 174)

Auricularização zero
Quando [...] a mixagem faz os níveis variarem como movidos unicamente por
critérios de inteligibilidade [...], é porque o som não é produzido por nenhuma
instância intradiegética e remete, pois, ao narrador implícito. (p. 175)

6.4 As imagens mentais


[...] o cinema das origens tomou emprestados procedimentos do teatro do século
XIX, história em quadrinhos e lanterna mágica. [...] Tais códigos, quaisquer que
sejam, permitiam significar que as imagens por eles introduzidas não eram
declaradas reais, mas sim imaginárias; pois, de fato, permitiam a introdução de uma
diferença de modo (no sentido gramatical). Chamamos esses procedimentos de
operadores de modalização. (p. 175)

[...] pouco a pouco, elas foram fixadas ao sujeito que imagina através do olhar,
primeiramente com um operador de modalização [...], e, em seguida, por um raccord
de olhar [...]. A partir daí, a imagem mental não mais se diferenciou da ocularização
interna [...]. (p. 176)

6.5 A focalização cinematográfica


[...] o que é visto não pode ser automaticamente assimilado ao que é sabido. (p.
176)

a) o valor cognitivo da ocularização pode depender das ações representados e do


cenário
[...]
Para atribuir um valor cognitivo a uma ocularização, é preciso levar em conta as
informações narrativas representadas, bem como as ações que foram mostradas e
examinar sua pertinência em função da compreensão da história. (p. 176-177)

b) o valor cognitivo da ocularização pode depender da voz over


Quando ouvimos a voz de um narrador explícito, é geralmente o ponto de vista
verbal que permite fixar as imagens em um ou outro personagem. (p. 177)

6.5.1 Focalização interna


Existe focalização interna quando a narrativa está restrita àquilo que pode saber o
personagem [...]. Isso pressupõe que o personagem esteja presente em todas as
sequências do filme ou que diga como obteve informações que não testemunhou.
(p. 177)

Essa restrição dos acontecimentos ao saber de um personagem não implica, em


compensação, que compartilhemos sempre seu olhar, como foi postulado pela
teoria literária. (p. 177)

Quando as ações são comentadas por uma voz off, a focalização interna está
geralmente associada a uma ocularização zero e conduzida por ocularizações
internas secundárias. O que importa para a compreensão do espectador é menos a
perfeita correspondência entre o que viu um personagem e o que sabe e mais uma
coerência global da montagem [...] (p. 178)

6.5.2 Focalização externa


Para que a exterioridade seja pertinente, do ponto de vista da distribuição das
informações narrativas, deve levar a uma restrição de nosso saber em relação ao
saber do personagem, de modo que essa restrição produza efeitos narrativos. (p.
179)

6.5.3 Focalização espectatorial


Em vez de sonegar algumas informações, o narrador pode, ao contrário, oferecer
uma vantagem cognitiva sobre os personagens ao espectador. Esse procedimento
já era muito utilizado no teatro, graças à direção ou ao cenário [...]. Foi, pois, muito
naturalmente que o imagista utilizou essas várias alternativas de agenciamento do
espaço para fornecer, no próprio interior de um só plano, informações ignoradas
pelos personagens. (p. 180)

[...] também pode ter um efeito cômico. É claro que algumas gags se baseiam na
surpresa; outras, porém, talvez as melhores, pedem uma preparação do espectador
mediante a geração de previsões de eventos, que o narrador irá ou não frustrar [...].
(p. 181)

[...] a focalização não pode ser deduzida do que o narrador (seja ele explícito ou
não) supostamente conhece, mas sim da posição temporal que toma em relação ao
herói cuja história está relatando. (p. 182)

6.6 Focalização e gênero


Poucos filmes utilizam um único ponto de vista ao longo da narrativa, mas isso pode
acontecer. [...] Porém, apesar da existência de casos como esses, é muito mais
comum que a focalização varie ao longo de uma mesma narrativa fílmica, em
função dos sentimentos ou emoções que se deseje transmitir. (p. 182)

[...] é mais importante, no entanto, em função do gênero da narrativa ou dos


momentos do filme, colocar o espectador em posições diferentes. Globalmente, a
focalização interna permite a elucidação progressiva dos acontecimentos
(descobrimos os fatos ao mesmo tempo em que o personagem) e daí decorre ser a
forma privilegiada de investigação. A focalização externa é a figura do enigma: ela
pode armar a intriga ou colocar uma pergunta que o filme tratará de resolver.
Quando a focalização espectatorial, já foi suficientemente repetido, opera como
motor do suspense ou do cômico. (p 183)

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