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Tribunal de Justiça do Piauí

PJe - Processo Judicial Eletrônico

26/01/2022

Número: 0750265-21.2022.8.18.0000
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Órgão julgador colegiado: 3ª Câmara de Direito Público
Órgão julgador: Desembargador FRANCISCO ANTONIO PAES LANDIM FILHO
Última distribuição : 19/01/2022
Valor da causa: R$ 1.000,00
Processo referência: 0807849-02.2021.8.18.0026
Assuntos: Liminar
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MUNICIPIO DE CAMPO MAIOR (AGRAVANTE)
FUNDACAO DR MILTON SOLDANI AFONSO (AGRAVADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
60844 26/01/2022 11:04 Decisão Decisão
68
poder judiciário
tribunal de justiça do estado do piauí
GABINETE DO Desembargador FRANCISCO ANTONIO PAES LANDIM FILHO

PROCESSO Nº: 0750265-21.2022.8.18.0000


CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
ASSUNTO(S): [Liminar]
AGRAVANTE: MUNICIPIO DE CAMPO MAIOR

AGRAVADO: FUNDACAO DR MILTON SOLDANI AFONSO

DECISÃO MONOCRÁTICA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO.


DOAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO. INVIABILIDADE. CUSTEIO DA
UNIDADE ESCOLAR POR VERBAS PÚBLICAS. APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SUPREMACIA PÚBLICA. EFEITO SUSPENSIVO
DEFERIDO.

Vistos etc.

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE CAMPO MAIOR –


PI em face de decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Campo Maior – PI, que,
nos autos do Mandado de Segurança impetrado pela FUNDAÇÃO DOUTOR MILTON SOLDANI
AFONSO, deferiu o pedido de tutela urgência formulado na exordial, nos seguintes termos:

“ANTE O EXPOSTO, demonstrada a presença dos requisitos legais exigidos


para a sua concessão, com fulcro no art. 300 do CPC, DEFIRO O PEDIDO
DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA EM CARÁTER LIMINAR
pleiteado na inicial, para:

1. determinar a nulidade de todos os Decretos Municipais que nomearam


pessoas para o exercício de cargo de confiança na escola Milton Soldani

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Afonso, criada e mantida pela Fundação Dr. Milton Soldani Afonso, por se
tratar de pessoa jurídica de direito privado (art. 44, III, do Código Civil);

2. determinar a obrigação de não fazer, no sentido de que o Prefeito


Municipal, ora autoridade coatora, cesse os atos de intervenção ilegal e com
abuso de poder praticados em detrimento da Fundação Dr. Milton Soldani
Afonso e da respectiva escola Milton Soldani Afonso, uma vez que esta não
faz parte da Administração Pública municipal” (ID 6023811 – p. 05).

Em suas razões recursais, o Agravante alega que: i) a Fundação Agravada distorce a


realidade dos fatos e oculta a informação que a gestão anterior, no exercício do ano de 2020,
teria rescindido o Termo de Convênio nº 001/2020, que tinha como finalidade manter a Fundação
na gerência/gestão da Unidade Escolar Municipal; ii) considerando que a Fundação está sem
cobertura “contratual” para prestar seus serviços na Unidade Escolar, cabe ao Município gerir a
Unidade Escolar, através de sua Secretaria Municipal de Educação, para cumprir as metas e o
calendário escolar; iii) diante a rescisão/inexistência do termo/contrato com a Fundação Agravada
para o desempenho dos serviços nos exercícios seguintes - atual gestão -, ocorreu o chamado
instituto da “reversão”, no qual o Município de Campo Maior - PI, através de sua Secretaria
Municipal de Educação, retomou a gerência/administração da Unidade Escolar e de todos os
bens necessários à continuidade da prestação do serviço público, que eram da Fundação
Agravada, principalmente, se tratando de serviço de caráter essencial; iv) as obrigações
impostas, interferem sobremaneira na atribuição exclusiva do Município de Campo Maior - PI, em
nítida e indevida interferência jurisdicional na esfera de outro Poder. Com base nisso, requereu o
conhecimento e provimento ao recurso, bem como a atribuição de efeito suspensivo ao mesmo
para que sejam sustados os efeitos da decisão agravada.

Sem contrarrazões.

É o relatório. Passo a decidir o pedido de tutela provisória.

Ab initio, verifico que o presente recurso é cabível, uma vez que interposto em face de
decisão que versa sobre tutela provisória (art. 1.015, I, do CPC), bem como foi interposto
tempestivamente por parte legítima e interessada, dispensada do recolhimento do preparo
recursal por força do art. 1.007, §1º do CPC.

Quanto ao pleito de tutela antecipada formulado no presente Agravo de Instrumento,

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ressalto que os requisitos para sua concessão encontram-se previstos no art. 995, parágrafo
único do CPC:

Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição


legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa


por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver
risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar
demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Conforme relatado, o Agravante alega que as imposições determinadas pelo juízo a


quo são totalmente indevidas, tendo em vista que a Unidade Escolar Dr. Milton Soldani Afonso é
de sua propriedade e o contrato de convênio com a Agravada foi rescindido, razão pela qual não
existe óbice a retomada da administração do colégio pelo Município de Campo Maior – PI.

Com efeito, o regime de utilização dos bens públicos subdivide-se em três categorias,
quais sejam, os bens de uso comum (uso facultado a toda coletividade), os de uso especial
(afetados à prestação de serviços públicos e administrativos) e os de uso privativo (utilizados por
particulares de forma exclusiva).

In casu, ainda que o Agravante fale em inexistência de “convênio” e “contrato”


com a referida fundação Agravada para o uso privativo da Unidade Escolar Dr. Milton
Soldani Afonso, consta nos autos cópia da Lei Municipal nº 002/2011 que o referido imóvel,
onde está situada a escola, foi efetivamente doado à Recorrida em 13/04/2011.

Entretanto, antes de adentrar na discussão sobre a possibilidade do Município de


Campo Maior poder, atualmente, se imiscuir na administração da aludida Unidade Escolar,
consigno dois importantes fatos que se extraem dos autos do presente recurso.

Primeiro, que a doação realizada pelo Município de Campo Maior, no ano de 2011,
se deu fora das hipóteses taxativas do art. 17, I, b, da Lei 8.666/93, legislação federal que
disciplina o regime de alienação dos bens de todos entes públicos:

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Art.17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à
existência de interesse público devidamente justificado, será precedida
de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

[…]

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos


da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para
todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação
prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta
nos seguintes casos:

[…]

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da


administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o
disposto nas alíneas f, h e i;

[…]

f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de


uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos,
destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais
ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos
ou entidades da administração pública;

h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de


uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de
âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros
quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária
de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração
pública;

i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de


terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o
limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952, de 25 de junho de 2009,
para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais;

Segundo, que, apesar de o imóvel e a estrutura da escola ser, a princípio, de


propriedade da fundação Agravada, o Agravante juntou aos autos comprovantes de que
servidores públicos, pagos pela Municipalidade, integram o quadro de “funcionários” da
escola, de vigias até professores, assim como faturas de água e de energia elétrica (ID
6024718), custeadas pelo Poder Público.

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Firmada essa premissa, passo a analisar a possibilidade do Município Agravante
nomear os diretores da Unidade Escolar Dr. Milton Soldani Afonso.

Como já explicitado, o terreno doado ao Agravado consiste em “imóvel [que] possui


como destinação o funcionamento da Unidade Escolar Dr. Milton Soldani Afonso e as instalações
que da Fundação que a mantém” (ID 6038132).

Consigno, que apesar dos fins e dos serviços ofertados pela Fundação Agravada
serem louváveis, o ordenamento pátrio possui inúmeros outros instrumentos jurídicos que
são mais adequados a formalizar uma colaboração do poder público com o chamado
terceiro setor, principalmente para fins de regularização da utilização de bens e verbas
públicas, seja por meio de licença/autorização para uso privativo de bem público, seja por
instrumentos mais complexos, como os termos de colaboração, fomento e cooperação,
previstos na Lei Federal nº 13.019/2014.

Não obstante a isso, a partir do ato de doação – que, apesar de sua nulidade
decorrente da violação ao disposto no art. 17, I, b, da Lei 8.666/93, ainda se mantém produzindo
efeitos e não é mais passível de anulação pela Administração por conta do deslinde do prazo
quinquenal para exercício da autotutela (o que não exclui a possibilidade de tal anulação ser feita
na via judicial) – o imóvel passou a ser de propriedade da Agravada, que deveria, em tese,
arcar com todas as suas despesas, como corolário natural do direito de domínio e o
consequente uso de sua estrutura.

No que se refere a tal modalidade de bem público, esta pode se dar de forma gratuita
ou onerosa, mas, em qualquer dos casos, pode se dar a reversão ao patrimônio público na
hipótese de desvirtuação na finalidade de uso do bem.

Ocorre que, a despeito da afirmação da Agravada que desde o ato de doação


custeia o funcionamento do imóvel que lhe foi doado, o Município Agravante comprovou
que ainda se mantém custeando a maior parte dos gastos da Unidade Escolar.

Para comprovar tal afirmação juntou aos autos a relação de doze funcionários públicos,
entre vigias e auxiliares gerais (ID 6024718 – p. 01/02), vinte e quatro professores (ID 6024718 –

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p. 03/24), faturas de água (ID 6024718 – p. 25/32) e energia elétrica (ID 6024718 – p. 38), e até
mesmo a realização de reforma na estrutura da escola no ano de 2019, através da Carta Convite
nº 12/2019.

Por conseguinte, independente do teor do suposto “convênio” que existia entre as


partes após o ato de doação (porquanto nem o Município nem a Fundação juntaram o
instrumento aos autos), é notório que a situação se configura como uma verdadeira aberração
jurídica, na qual a Agravada se tornou, irregularmente, proprietária do imóvel e da estrutura da
Unidade Escolar, mas em que o Município se mantém até hoje custeando quase que a totalidade
das despesas básicas para o funcionamento da escola sem qualquer formalização.

Ora, a Fundação Agravada deixou de colacionar ao seu mandamus o instrumento


contratual que, por ventura, estabelecesse contrapartidas por parte do Município, e ainda
se beneficia, continuamente, de verbas públicas, mesmo após a rescisão do convênio, uma
vez que as contas e os funcionários continuam a serem pagos pelo Município, situação
que configura verdadeira confusão patrimonial entre os litigantes, fruto de inúmeros atos
juridicamente incorretos e de condutas reprováveis no cuidado com o patrimônio público.

Assim, considerando os profundos vícios no ato de doação do imóvel e da Unidade


Escolar à Agravada, bem como o fato do Município se manter custeando o funcionamento da
escola, entendo que, em observância ao princípio da supremacia do interesse público, o
Agravante detém a prerrogativa de nomear servidores para os cargos de direção e coordenação,
dado o fato do Município arcar com quase todos os ônus do referido serviço público.

Afinal de contas, a Fundação Agravada manteve-se inerte em face de todos os outros


autos atos de “ingerência” do Poder Público na Unidade Escolar, inclusive quanto à nomeação e
pagamento de professores, vigias e auxiliares (que também são da mesma natureza do ato
impugnado no writ, qual seja, nomeação de pessoal), de modo que não se justifica a sua
irresignação apenas em relação a escolha de diretores e coordenadores.

Ressalto ainda que o princípio da supremacia pública detém grande relevância na


presente discussão, haja vista se tratar de um limbo jurídico, situado entre um ato de doação
eminentemente nulo – mas nunca anulado pela Administração ou pelo Judiciário – e de inúmeros
repasses de recursos financeiros/pessoais do Município a entidade privada sem qualquer
formalização, de modo que a medida mais prudente a ser tomada é o resguardo do patrimônio
público, em atenção ao instituto da indisponibilidade dos bens públicos.

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Ademais, na hipótese de reconhecimento da plena propriedade da Unidade Escolar
pela Fundação Agravada e da impossibilidade de ingerência do Município na mesma, como
consectário lógico desta medida, deveriam ser suspensos todo e qualquer tipo de pagamento em
prol da Recorrida, o que sequer foi cogitado, tendo em vista que, muito provavelmente, tal fato
importaria na paralisação das atividades educacionais ofertadas pela escola.

Logo, entendo que a pretensão do Agravante goza de fumus bonis iuris e de periculum
in mora, eis que as nomeações impugnadas pela Agravada possuem relação direta com o plano
de trabalho da Administração Municipal, de modo que o seu impedimento tem o condão de
ocasionar embaraços significativos à oferta do aludido serviço.

À vista disso, conheço o Agravo de Instrumento em epígrafe, assim como defiro


o efeito suspensivo requerido ao recurso para sustar todos os efeitos da liminar deferida
pelo juízo a quo.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Após, voltem-me os autos conclusos.

Teresina – PI, data no sistema.

DES. FRANCISCO ANTÔNIO PAES LANDIM FILHO

RELATOR

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