Você está na página 1de 12

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Não obstante a atividade administrativa seja inerente a qualquer grupo


social organizado, ainda que primitivamente, foi somente com o Estado Liberal
que o Direito Administrativo surgiu como disciplina autônoma.

No início o liberalismo enxergava o Estado como um mal necessário, do


qual careciam os homens sempre ávidos a transgredir normas. Por outro lado,
entendia-o, como resultado de um consenso, configurado num pacto, qual seja:
O Estado existiria para cumprir fins que os homens isoladamente não poderiam
realizar.

Avançando no tempo, após a histórica Declaração dos Direitos do Homem


e do Cidadão na França (1789) e a Declaração de Independência dos Estados
Unidos (1796), o Estado Liberal de Direito passou caracterizar-se pela:

1) Submissão estatal à lei;


2) Divisão dos Poderes;
3) Garantia dos Direitos Individuais;

Com a evolução do direito público (pós-Segunda Guerra Mundial), foram


acrescidos aos direitos e liberdades individuais (direitos de primeira geração) os
direitos de destinação coletiva (direitos de segunda e terceira geração),
marcando assim a transição do Estado Liberal de Direito para o Estado Social de
Direito.

1
CONCEITO

Várias são as correntes que tentam conceituar o direito administrativo


segundo o seu objeto, levando-se em conta alguns critérios quais sejam: a)
critério do serviço público; b) critério do poder executivo; c) critério das
relações jurídicas; d) critério teleológico → conjunto de princípios e regras que
dirigem o Poder Público para a consecução de seus fins; e) critério residual →
retiradas as funções legislativa e jurisdicional do Estado, o restante é o objeto do
direito administrativo; f) critério da distinção entre as relações jurídicas e a
atividade social do Estado → o direito administrativo preocupa-se com as
relações jurídicas e não com a atividade social, objeto de ciências como a
sociologia; g) critério da Administração Pública → concepção que envolve os
três critérios anteriores defendida por Hely Lopes Meirelles, podendo assim ser
sintetizada:

“Conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os


agentes e as atividades administrativas tendentes a realizar concreta, direta
e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.

Decompondo esse conceito, temos:

a) atividade direta → independe de provocação, de modo que fica


afastada a atividade jurisdicional que é indireta, inerte, dependendo de
provocação para agir;
2
b) atividade concreta → aqui fica afastada a função legislativa que, em
regra, é abstrata;
c) atividade imediata → aqui fica afastada a atuação mediata que é a
função social;
d) fins do Estado → são definidos pelo direito constitucional e realizados
pelo direito administrativo.

José dos Santos Carvalho Filho por sua vez, conceitua o Direito
Administrativo como sendo um conjunto de normas e princípios que,
visando sempre o interesse público, regem as relações jurídicas entre as
pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que deve servir.

ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO.

ESTADO → Composto por três elementos (povo, território e governo


soberano) e estruturado sobre três poderes independentes e harmônicos entre si
(Legislativo, Executivo e Judiciário), o Estado é pessoa jurídica de público que
atua tanto no campo do direito público como no do direito privado.

FUNÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS

Os poderes exercem função pública, o que significa exercer uma atividade


em nome e no interesse de outro, no caso, o povo. Esta função pode ser
típica/principal/primária ou atípica/acessória/secundária, conforme o
disposto abaixo:
3
a) função administrativa → objetiva realizar concreta, direta e
imediatamente os fins desejados pelo Estado, que são aqueles expressos em lei,
ou seja, frutos da atividade legislativa. Portanto não há que se falar em inovação
do ordenamento jurídico;

b) função legislativa → objetiva regular comportamentos, define direitos


e deveres das pessoas e do próprio Estado. A função legislativa inova o
ordenamento jurídico, é direta, abstrata e tem aplicação geral;

c) função jurisdicional → objetiva compor conflitos de interesses entre as


partes. Não inova o ordenamento jurídico, pois apenas aplica a legislação
existente. É função indireta, em regra individual e concreta. Apenas a função
jurisdicional faz coisa julgada.

Enfim, a cada um dos Poderes do Estado foi atribuída determinada função.


Assim, ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa; ao Executivo a
função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional.

Ocorre que, não há exclusividade no exercício das funções pelos


respectivos Poderes. Há sim, preponderância. As linhas definidoras das funções
exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. A
propósito, é nesse sentido que há de se entender a independência e harmonia
entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a
qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição.

Por essa razão é que os poderes estatais, embora tenham suas funções
normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente

4
deveriam pertencer a poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a
Constituição o autorize.

O legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce função


jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos
crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF). Exerce também a função administrativa
quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV e 52, XIII, CF).

O judiciário por sua vez, afora sua função típica, pratica atos no exercício
de função normativa quando da elaboração dos regimentos internos dos
Tribunais (art. 96, I, a, CF). Quanto ao Executivo, temos como exemplo de função
atípica a edição de medidas provisórias.

GOVERNO → Conjunto de poderes e órgãos constitucionais responsáveis


pela condução política do Estado. É o comando a ser seguido pelo Estado. As
atribuições do governo decorrem da Constituição Federal.

Para que o Estado seja independente, há a necessidade de governo


soberano. Ademais, soberania é independência na ordem internacional e
supremacia na ordem interna.

ADMINISTRAÇÃO → Em sentido amplo, envolve governo (aquele que


traça as diretrizes) e a administração em sentido estrito (aquela que vai executar
as diretrizes do governo).

Sob outro prisma, consoante preleção de José dos Santos Carvalho Filho,
para entender a Administração Pública, é necessária se valer de dois enfoques:

5
sentido objetivo, segundo o qual a administração pública (letras minúsculas)
consiste na própria atividade administrativa exercida pelo Estado, por seus
órgãos e agentes (exemplo: serviços públicos); o sentido subjetivo
(Administração Pública com letras maiúsculas), que designa o conjunto de
agentes, órgãos e entidades que exercem a função administrativa do Estado.

Melhor explicando... enquanto o conceito subjetivo leva em consideração


os sujeitos que exercem a atividade administrativa, o objetivo consiste na própria
atividade exercida por eles.

Pois bem, aproveitando este raciocínio, nós não podemos perder de vista
que a Administração Pública, quanto às pessoas jurídicas que integram o
aparelhamento estatal, pode ser dividida em DIRETA e INDIRETA.

A Administração Pública Direta é composta pela União, Estados, Distrito


Federal e Municípios, bem como seus Ministérios e Secretarias. Aqui nós temos a
atividade administrativa prestada de forma direta ou centralizada.

A Administração Pública Indireta é o conjunto de pessoas jurídicas (com


personalidade jurídica própria) vinculadas à Administração Direta que irão
desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada. É composta
pelas Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista (Art. 4º, Dec.-Lei nº 200/67).

  Art. 4° A Administração Federal compreende:


        I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na
estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

6
        II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias
de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
        a) Autarquias;
        b) Empresas Públicas;
        c) Sociedades de Economia Mista.
        d) fundações públicas. 
Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta
vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada
sua principal atividade.

As pessoas pertencentes à Administração Indireta possuem em comum as


seguintes características:

a) patrimônio próprio;
b) autonomia administrativa (mas não tem competência legislativa);
c) necessidade de lei para existência e extinção;
Atenção! As Autarquias são criadas por lei específica, já as Fundações
Públicas, Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista terão sua criação
autorizadas por lei específica, de modo que para passarem a existir precisam ter
seus atos constitutivos registrados junto aos Cartórios de Registro de Pessoas
Jurídicas.
d) controle externo realizado pela entidade da Administração Direta que as
criou (mero controle finalístico).
Atenção! Não há que se falar em controle hierárquico, pois este só se
manifesta internamente.

CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO
7
CENTRALIZAÇÃO → ocorre quando o Estado executa suas tarefas por meio
dos órgãos e agentes integrantes da Administração Direta. Na centralização os
serviços são prestados diretamente pelos órgãos do Estado, despersonalizados,
integrantes de um mesmo ente político.

DESCENTRALIZAÇÃO → visando resguardar o interesse público e


buscando uma maior eficiência no exercício da função pública, o Estado transfere
o exercício de atividades administrativas que lhe são pertinentes para outras
pessoas jurídicas por ele criadas com esse fim ou para particulares.

Portanto, a descentralização pressupõe duas pessoas jurídicas distintas: o


Estado e a entidade que executará o serviço, por ter recebido do Estado essa
atribuição. Ex: criação de uma autarquia.

A descentralização pode ocorrer de duas formas:

a) por serviço ou outorga: lei atribui ou autoriza que outra pessoa detenha
a titularidade e a execução do serviço, sendo normalmente concedida por prazo
indeterminado.

É o que ocorre relativamente às entidades da Administração Indireta de


direito público prestadoras de serviço público → o Estado descentraliza a
prestação, outorgando-os a outras entidades (autarquias e fundações públicas
de direito público).

8
b) por colaboração ou delegação: através de contrato ou ato unilateral
atribui-se a outra pessoa de direito privado somente a execução do serviço.

Obs* - Esse assunto não é tão pacífico quanto parece no que tange à
transferência para as pessoas da Administração Indireta regidas pelo direito
privado. Boa parte da doutrina sustenta que a transferência por outorga só
seria possível para as pessoas jurídicas da Administração Indireta de “direito
público”. Sendo assim, para as pessoas jurídicas de direito privado
(pertencentes à Administração Indireta) a descentralização se dá com a
transferência da execução, tão somente, dos serviços, por intermédio de
delegação formalizada através de “lei”.

Para ajudar assimilar...

TRANSFERE-SE A TITULARIDADE E A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS


PÚBLICOS

É EXCLUSIVA PARA AS PESSOAS DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DE


OUTORGA
DIREITO PÚBLICO: AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS DE DIREITO
PÚBLICO

REALIZA-SE POR LEI

TRANSFERE SOMENTE A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

ÀS PESSOAS JURÍDICAS DA ADMINISTRAÇÃO


INDIRETA DE DIREITO PRIVADO: EMPRESAS
DELEGAÇÃO REALIZA-SE POR LEI PÚBLICAS; SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA
E FUNDAÇÃOES PÚBLICAS DE DIREITO
PRIVADO

POR CONTRATO
AOS PARTICULARES: CONCESSÃO E PERMISSÃO
ADMINISTRATIVO

9
CONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO

CONCENTRAÇÃO → ocorreria caso uma pessoa jurídica não apresentasse


divisões em sua estrutura interna, o que é quase impossível, pois qualquer
pessoa jurídica minimamente organizada divide-se em departamentos, seções
etc.

Um exemplo fictício seria um pequeno município que presta todos os


serviços diretamente, sem estar dividido em órgãos, concentrando todas suas
atribuições na mesma unidade administrativa.

DESCONCENTRAÇÃO → acontece quando a entidade da Administração


encarregada de executar um ou mais serviços, distribui competências, no âmbito
de sua própria estrutura, a fim de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos
serviços.

Portanto, a desconcentração pressupõe, obrigatoriamente, a existência de


uma só pessoa jurídica.

Em suma...

Distribuição da Atividade Administrativa:

DESCONCENTRAÇÃO DESCENTRALIZAÇÃO

Distribuição dentro da mesma Deslocamento para uma nova


pessoa. pessoa.

Baseia-se na hierarquia. Há Não existe hierarquia, mas há um


10
subordinação. controle. Não há subordinação.

Atenção! A desconcentração administrativa nada mais é que do que a


divisão de atribuições entre os vários órgãos que pertencem a uma mesma
pessoa jurídica.

Três teorias ao longo do tempo procuraram explicar a situação dos órgãos


públicos, vejamos:

a) TEORIA DO MANDATO: os agentes públicos que compunham as


repartições internas eram tidos como mandatários.
Crítica à teoria: não foi adequada porque não se poderia conceber que o
Estado tivesse vontade autônoma. O Estado é uma ficção jurídica e assim não
poderia ter vontade. A vontade aqui não seria do Estado, mas sim de seus
agentes.

b) TEORIA DA REPRESENTAÇÃO: os agentes públicos que compunham o


Estado seriam seus representantes.
Crítica: não foi bem aceita, pois quando se fala em representação, remete-
se a idéia de ausência de capacidade plena, necessidade de alguém para
representá-lo.

c) TEORIA DO ÓRGÃO: assim como todo ato de agente público é


imputado (teoria da imputação volitiva) ao órgão ao qual pertence, todo ato de
um órgão é imputado diretamente à pessoa jurídica da qual é integrante. A ideia
aqui é a de que os órgãos públicos nada mais são que partes do corpo da pessoa
jurídica. Criador dessa teoria: Otto Gierke.
11
OBS* - Para Hely, os órgãos públicos são centros especializados de
competência.

Atenção! Princípio da Imputação Volitiva ou Princípio da Imputação da


Vontade » a atuação do órgão será imputada ao Estado.

Órgão público, segundo Carvalho Filho » “Compartimento na estrutura


estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes
que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado.”

Agentes Públicos » caracterizam o elemento físico da Administração


Pública. Denotam todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função
pública como prepostos do Estado.

Atenção! Em regra os Órgãos Públicos não têm capacidade processual


ativa, mas existem exceções. Essa situação especial acaba acontecendo no caso
de órgãos mais elevados na estrutura estatal (patamar constitucional).

OBS-1* - O CDC admite que órgãos públicos promovam a liquidação e


execução de indenizações referentes à defesa dos interesses e direitos por ele
protegidos (art.82, III, CDC). É o caso do PROCON!
OBS-2* - A jurisprudência tem admitido também, em algumas situações
excepcionais, capacidade processual à Câmara dos Vereadores e à Câmara dos
Deputados, não obstante serem órgãos.

12

Você também pode gostar