Você está na página 1de 353
JORGE CARVALHO DO NASCIMENTO 5G TREN GNOMES G REALONE RY e escotismo de estado no Brasil A ESCOLA DE BADEN-POWELL Uma boa parte dos estudos a respeito do Escotismo colocou 0 movimento fundado pelo lord Ba- den-Powell no Ambito das inter- pretagGes que denunciaram os movimentos nacionalistas dos primeiros 50 anos do século XX e a escola capitalista durante as décadas de 60, 70 e 80 da mesma. centtiria. A maioria dos analistas viu o Escotismo como espago de reprodugdo de uma cultura con- servadora, fundada sobre valores civicos. Talvez seja necessario re- por o debate sobre 0 Escotismo, tal como se fez nos anos 80 e 90 com o movimento da Escola’ Nova, para que, antes de qual- quer coisa, sejamos capazes de compreender a Pedagogia esco- teira, antes mesmo de denun- cid-la. Hé ainda muita informa. go sobre o assunto a ser analisa- da, a comegar pelas prdticas do movimento escoteiro. Talvez es- teja na hora de atenuar as ané- lises que centraram os seus argu- mentos, quase que exclusivamen- te sobre a dentincia de supostas relages promiscuas entre o mo- A ESCOLA DE BADEN-POWELL JORGE CARVALHO DO NASCIMENTO A ESCOLA DE BADEN-POWELL CULTURA ESCOTEIRA, ASSOCIAGAO VOLUNTARIA E ESCOTISMO DE ESTADO NO BRASIL IMAGO Titulo Original ‘A Escola do Baden-Powell — Cultura Escotcira, Associagao Voluntéria ‘@ Escotismo de Estado no Brasil Copyright © Jorge Carvalho do Nascimento, 2008 Capa: Julio Moreira CIP-Brasil. Catalogacao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Ru. 195 Nascimento, Jorge Carvalho do, 1956- ‘escola de Baden-Powoll: cultura escoteira, associacao voluntaria ce escotismo de Estado no Brasil / Jorge Carvalho do Nascimento. — Rio de Janeiro: Imago, 2008. 352 pp. Inclui bibtiografia ISBN 978-85-312-1028-0 4. Escotismo — Histéria. 2. Escotismo — Brasil — Histéria, 3, Lideranga. I. Titulo. 08-1817. cop = 369.43 DU — 061.213 Reservados todos os dirotos. Nenhuma parte dosta ‘obra podera ser reproduzida por fotocdpia, micro- filme, proceso folomecanico ou eletrénico som permissdo expressa da Editora. Os direitos morais {do autor foram assogurados. 2008 IMAGO EDITORA Rua da Quitanda, 52/8° andar — Centro 2011-030 — Rio de Janeiro-RJ Tel. (21) 2242-0627 — Fax: (21) 2224-8359 E-mail imago@imagoeditora.com.br ‘wor imagoeditora.com.br Impresso no Brasil Printed in Brezil SUMARIO INTRODUGAO O Escotismo como objeto dos estudos académicos Notas Capitulo I: A PEDAGOGIA DO ESCOTISMO Estudante, militar e escoteiro O Escotismo e a sua Pedagogia O lobinho O escoteiro O escoteiro do mar O escoteiro do ar O pioneiro A bandeirante O chefe escoteiro Notas Capitulo I: A CULTURA ESCOTEIRA O adestramento Escotismo e natureza A formagao moral A formagao politica 29 60 64 66 68 68 23 80. 86 101 107 124 148 |A\ DB BADEN-POWI A Pedagogia dos simbolos 152 Os jogos 162 O Escotismo e os impressos 170 Notas 185 Capitulo I: 7 O ESCOTISMO COMO ASSOCIACAO VOLUNTARIA O duplo cardter do Escotismo no Brasil — [As associagdes voluntérias ¢ o Pragmatismo norte-americano 205 O Escotismo como organizagio internacional 224 A organizagio do Escotismo brasileiro como ai voluntaria 232 Escotismo feminino no Brasil 243 agao do Escotismo brasileiro 249 254 Capitulo IV: 0 ESCOTISMO DE ESTADO gio da infancia 265 Escotismo eséolar 278 Escotismo e nacionalismo no Brasil 296 Escotismo do Mar e Bscotismo de Estado 314 Notas 316 CONSIDERAGOES FINAIS 329 Notas 336 BIBLIOGRAFIA 337 INTRODUCAO O Escotismo como objeto dos estudos académicos O movimento escoteiro é uma forma de associagao voluntaria’, uma organizagdo ndo-governamental internacional. Os principais estudos sobre 0 Escotismo publicados no Brasil por pesquisadores ligados ao campo da Histéria da Educagao, contudo, costumam ana- lisar 0 Escotismo apenas a partir de alguns aspectos sob os quais 0 projeto de Baden-Powell foi apropriado no pais, reduzindo-o a uma proposta politico-ideolégica de construgdo da nacionalidade. Assim, 0 Escotismo € visto como mero movimento de militarizagio da infiincia, pratica de natureza patriGtica, civico-militar presente na escola primaria no inicio do século XX, ao lado da gindstica e dos exercicios militares. O projeto de Baden-Powell foi reduzido, muitas vezes, no Brasil, a0 conjunto de praticas do Escotismo escolar domi- nantes nas décadas de 10 e 20 do século passado e identificado como movimento militarista nacionalista na Educagio brasileira. Em algumas ocasides, para 0 pesquisador de Histéria da Edu- cagio, analisar priticas de Educagio extra-escolar como o Esco- tismo 6, em certa medida, ainda deparar-se com aquilo que pode causar alguma estranheza. Nao obstante, contactar com aquilo que A ESCOLA DE BADEN-POWELE. nao é usualmente objeto de estudo do campo facilita observar as semelhangas e diferencas em face das possibilidades de compreen- der os objetos convencionais de estudo da area, mostrando caracte- risticas universais e particulares. Diante de ohjetos como 0 Esco- tismo, é necessirio que o historiador da Educagao seja capaz de resistir 4s tentagdes do julgamento do passado e tente ex dele apenas os sentidos que originalmente ali estavam postos, compreen- dendo as prerrogativas que s4o proprias A escola como agéncia edu- cativa e aquelas que esto em outros espagos, outras agéncias de Educacio organizadas pelas pratieas da vida social. Como a escola, 0 movimento escoteiro é um lugar de memoria. Tal como afirma Maria Cecilia Cortez Christiano de Souza acerea da instituigdo escolar, é possivel dizer também quanto ao Escotismo: “Quando o olhar pode atravessar a espessura do tempo, distingu vestigios reconheciveis de sua histéria”.? Para entender aquilo que 0 lord Baden-Powell propés e colocou em prdtica, é fundamental que se compreenda a sua maneira de pensar, captar as diferengas da sua proposta em face do que tal pro- jeto pretendia ser, observando as recomendagdes metodolégicas formuladas por Robert Darnton, quanto arbitrariedade utilizada para classificar os objetos de estudo: Ordenamos 0 mundo de acordo com eategorias qué consi- deramos evidentes simplesmente porque estio estabelecidas. Ocupam um espago epistemolégico anterior ao pensamento e, assim, tém um extraordindrio poder de resisténcia. Postos diante de uma maneira estranha de organizar a experiéneia, no entanto, sentimos a fragilidade de nossas préprias categorias e tudo ameaga desfazer-se. As coisas s apenas porque podem ser en tério que permanece inconteste.* e mantém organizadas xadas num,esquema classifica- B possivel captar as praticas do Escotismo, com 0 auxilio de categorias como praticas e representagées, difundidas no campo da Historia da Educagao principalmente por Roger Chartier, bem como em face das contribuigdes que se podem extrair de categorias de anélise como taticas e estratégias, defendidas por Michel de Cer- teau. Para este tiltimo, é importante explicitar 0 processo de pro- dugao do discurso historiogréfico, o modo através do qual os fatos sao tornados inteligiveis, os sentidos que sio dados aos registros Introducéo documentais, a narrativa e a interpretagao. & necessirio confront constantemente teoria ¢ empiria, de modo a reinventar os concei- tos, considerando nao apenas as certezs aquilo que revelam os registros documentais Portanto, é fundamental inventariar as praticas do movimento: escoteiro, compreendendo ser este um importante objeto da His- t6ria da Educagio, buscando a sua etnografia, as suas evocagées, a sedugdo produzida por este movimento na meméria daqueles que foram escoteiros e escotistas.+ Sedugio que se expressou nas suas praticas de normalizagio social e nas representagdes que se fizeram de tais praticas. Participar do movimento escoteiro era, assim, parti- cipar do universo de uma nova cultura, uma cultura que ofereci uma visio de mundo articulada em torno de uma propost: formagao, que produzia forte impacto nas emogdes, nas paixdes, na paisagem natural, na paisagem urbana, nos processos de aprendi- zagem da vida, nas experiéncias de contato com a natureza, na pro- dugio de uma identidade cidada § fundamental que se verifiquem as dificuldades que existiram em diferentes Estados nacionais para que estes se apropriassem da proposta do Escotismo ¢ a adaptassem as suas necessidades, sem desfiguré-la. Construir 0 Escotismo em cada uma das sociedades nacionais, considerando as diferentes necessidades e as distintas formas de enraizamento cultural. Por isto, 0 Escotismo deve ser con- siderado como uma cultura, que se ajustou a diferentes culturas infantis e juvenis. possivel inferir da contribuigdo de Dominique Julia ao conceito de cultura escolar elementos que contribuem para o entendimento da cultura escoteira. Julia apresenta ar s teéricas, mas também de auto- a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculear, e um conjunto de prdticas que permitem a transmissio de: € a incorporagao desses comportamentos; normas e priticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religios lizagio).> -s conheeimentos ociopoliticas ou simplesmente de so Tomando por empréstimo a interpretag faz este autor, 6 possivel dizer que a cultura escoteira constituiu um conjunto de normas que definiram valores e condutas a inculear, através de pri tieas que levaram A auto-inorporagao desses valores, normas ¢ com- io que 9 (COLA DE BADE portamentos, que expressaram objetivos religiosos, da vida coletiva e dos interesses individuais. Assim, cultura escoteira foi, acima de tudo, cultura infanto-juvenil que se afastou da cultura escolar ¢ da cultura familiar. Haver compartilhado essa cultura aproxima os individuos pelas mareas que restaram na memoria destes, através dos registros que ficaram em fotogratias, pela sensagao de pertencimento, de comu- nhao, de uma certa intimidade que reduz distancias entre todos, que faz com que todos se regozijem naqueles que fizeram sucesso, dentre muitos, como se fora uma obra coletiva. Todos unidos pelas imagens que restaram dos acampamentos, das solenidades, das festas, das reunides, das hist6rias de vida, do relacionamento com os dirigentes, do uso dos uniformes. ‘A cultura escoteira, portanto, expressou toda a vida do esco- teiro, no mesmo sentido empregado por Viftao Frago para explicitar © que compreende por cultura escolar:* fatos e idéias, mentes e eorpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer, 0 espago eo tempo das praticas, as praticas discursivas e as tecnologias que foram préprias ao fazer do Escotismo. Apropriado por distintas sociedades, 0 movimento escoteiro gestou diferentes culturas esco- teiras, algumas delas razoavelmente distanciadas do projeto conee- bido pelo general Baden-Powell. Assim, da mesma maneira que Vifiao Frago fala de culturas escolares, 6 razodvel afirmar-se a exis- téncia de culturas escoteiras, no plural, para distinguir os modos através dos quais o Escotismo foi apropriado. O conceito de culturas escoteiras, portanto, diz respeito a um conjunto de teorias, id principios, normas, pautas, rituais, inércias, habitos € prdticas. Formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos sedi- mentados sob a forma de tradigées, regularidades, regras do jogo, tal como observado em relagdo as culturas escolares. as, Assumir as praticas do Bscotismo como cultura escoteira é uma tomada de posigao que revela para 0 pesquisador a necessidade de compreender a configuragio hist6rica do Eseotismo na sua unidade, a partir de distintas formagées sociais. Entender os varios caminhos que o Escotismo utilizou nas suas prédicas civilizatérias, oferecendo formagio aos seus jovens adeptos, produzindo um passado comum a todos eles, um patriménio cultural coletivo. Dafa importincia de investigar 0 modo através do qual escoteiros e escotistas reme- moram suas experiéneias, as maneiras através das quais estabele- 10 Introdugao ceram relagées, utilizaram estratégias, produziram a si como sojei- tos da Hist6ria. A Historia da Educagio necessita entender esse conjunto de praticas no apenas pelos olhares dos critics do Esco- tismo, mas também em face dos olhares dos préprios agentes do movimento ¢ dos familiares dos escoteiros. 5 neces: ado por Baden-Powell fez com que surgissem varios projetos similares ao longo das primeiras décadas do século XX, boa parte deles por dis- cordar de alguns fundamentos do Escotismo. Propostas di que muitas yezes sio apanhadas pelos analistas, como se estas fossem proprias Aquilo que propunha o pedagogo inglés. Exemplos como o dos National Peace Scouts, os Escoteiros Nacionais da Paz, que se constituiram em nome da defesa do pacifismo; 0 Empire Scouts, os Escoteiros do Império, movimento claramente militarista que se organizou na Inglaterra; ou 0 British Boy-Scouts, os Escotei- ros Britinicos, defensores de um nacionalismo agressivo. Quo movi- mento fundado por John Hargrave, no qual Escotismo e misticismo se confundiam na difuséo de valores medievais. rio observar que 0 éxito do movimento cri sidentes A memiGria dos participantes do movimento escoteiro no pode ser desconsiderada como fonte a ser utilizada para a compreensio da Pedagogia de Baden-Powell. Os historiadores necessitam recor: rer a tal mem6ria e confronté-la com outras fontes para interpretar 0 processo de organizagio do movimento escoteiro e as suas pra- ticas. Os militantes do Escotismo sio sujeitos histéricos que atua ram tomando por base 0 projeto do fandador do movimento e as limitacdes que a realidade lhes impunha, em face das condigées de cada tempo ¢ lugar, dos valores que portavam e das escolhas feitas por estes em distintas oportunidades. Somente desta maneira pode- mos entender a inadequagio de algumas interpretagdes generali- zantes, que consideram apenas fontes produzidas pelo Estado e nio entendem que os sujeitos histéricos que militaram no movimento escoteiro nfo eram undnimes diante da totalidade dos principios estabelecidos pelo lord Baden-Powell e dos usos que 0 Estado pre- tendeu fazer do Escotismo. Assim, os escoteiros, em diferentes oportunidades, também divergiram entre si, estabeleceram dis- tintas formas de alteridade, produziram identidades diversas e per- correram caminhos que nem sempre foram os mesmos ‘a sua Pedagogia, Baden-Powell rejeitava a idéia de que os esco- teiros deveriam aprender ordem unida, ndo vendo em tal pritica i AFSCOL\ DE BADEN-POWELL qualquer tipo de beneficio para o desenvolvimento fisico dos jovens Nao considerava que colocar jovens em forma, fazer com que estes dessem voltas ¢ mais voltas, marchas ¢ contramarchas fosse um meio eficaz de desenvolver 0 jovem fisicamente ou mesmo levé-lo ao aprendizado da disciplina. Ao contrério, afirmava que existiam, em tal pratica, riscos de aparecimento de dilatagées da aorta, do cora- gio ou qualquer outro transtorno dessa natureza. Além disso, consi- derava que o treinamento militar nao era Educagdo, mas sim apenas instrug’o. Ademais, o fundador do Escotismo se opunha aos exeret- cios militares, afirmando que alguns chefes eseoteiros menos capazes, nao podendo aprender 08 elevados objetivos do Escotismo (a bem dizer, o desabrochar da individualidade) e outros, mesmo tendo-o percebido, nao pacidade para ensiné-lo, caem todos eles na ordem unida, como uma solugio facil para conseguir que seus jovens exibam certa eficiéneia em uma parada ou apresentagio coletiva. possuindo ea ‘A Histéria da Educagao necessita entender que em 100 anos foram miiltiplos os projetos de Escotismo postos como instru- mentos apropriados 4 Educagdo de criangas ¢ jovens. E necessario que se recuperem os sinais deixados por essas praticas, dentre eles os documentos biograficos e autobiograficos dos sujeitos do movi- mento escoteiro. £ importante buscar 0 memorialismo escoteiro, mesmo quando os memorialistas forem autores que nao obti consagragao, levando em conta o papel de cada um deles. A partir de 1907, quando Robert Baden-Powell iniciou as ativi- dades do movimento escoteiro, duas formas de praticar 0 Escotismo se consolidaram. A primeira tinha um forte enr preensio do movimento escoteiro como Pedagogia; a segunda colo- cava a sua énfase apenas nas priticas, sem maiores preocupagoes com os fundamentos pedagégicos do Escotismo. A primeira escola yalorizava a conseiéneia social, a transmissao dos valores, inferindo um método escoteiro que tinha 0 seu foco sobre a Educa ‘A segunda nao dava prioridade a tais aspectos, valorizando sobre- modo o treinamento, as praticas de adestramento, A tiltima ten- déncia foi, muitas vezes, criticada pela primeira que considerava este tipo de Escotismo uma espécie de jardim de infancia do esco- teiro. Jé os adeptos desta tiltima tendéncia costumavam afirmar que eram mento na com- 2 Introdugéo os primeiros transformavam 0 movimento num jogo de perseguigio ao arco-iris. Os adeptos do Eseotismo como Pedagogia, na pritica, ‘em diferentes oportunidades, fizeram menos sucesso que os adeptos do treinamento. A interpretagio dos registros referentes a essas tendéncias pos- sibilita que se considere a voz de todos os agentes do movimento escoteiro. O Escotismo proposto por Baden-Powell, na verdade, nao dispensava nenhum desses dois aspectos. Para interpreté-lo, € fun- damental considerar os seus elementos tedricos, como Pedagogia destinada a fixagao de valores, ¢ as suas proposigdes de praticas que objetivavam o adestramento. O movimento eriado por Baden-Powell foi singular desde o principio, pois 0 seu fundador falou diretamente aos jovens, dispensando intermediagées, ensinando através dos jogos da vida ao ar livre, do compromisso voluntario, da auto-alirmagio pessoal, da auto-Educagio. Através da utilizagio dos diferentes ves- tigios deixados pela pritica do Escotismo esta pesquisa trilhou os seus caminhos, identificando as varias referéncias histéricas. os Uma boa parte dos estudos a respeito do Escotismo colocou 0 movimento fundado pelo lord Baden-Powell no ambito das interpre- tagdes que denunciaram os movimentos nacionalistas dos primeiros 50 anos do século XX e a escola capitalista durante as décadas de 60, 70 e 80 da mesma centtiria. A maioria dos analistas viu 0 como espago de reproducao de uma cultura conservadora, fundada sobre valores cfvivos. Talvez seja necessdrio repor 0 debate sobre 0 Escotismo, tal como se fez nos anos 80 e 90 com o movimento da Escola Nova, para que, antes de qualquer coisa, sejamos capazes de compreender a Pedagogia escoteira, antes mesmo de denuncié-la. Ha ainda muita informagao sobre o assunto a ser analisada, a comegar pelas priiticas do movimento escoteiro. Talvez esteja na hora de atenuar as anélises que centraram os seus argumentos, quase que exclusivamente sobre a dentincia de supostas relagdes promiscuas entre 0 movimento escoteiro e 0 Estado autoritario, substituindo o foco por uma tentativa de compreendes praticas culturais escoteiras. Assim, o Escotismo poderd ser iluminado como uma cultura que levou a incorporagao de valores, comportamentos € hAbitos centrados na légica do autogoverno, cotismo E possivel acrescer aquilo que tem sido uma das formas de and- lise corrente dos estudos de Histéria da Edueagio acerea do movi- mento escoteiro, a observagao que faz, a partir do trabalho de Eric 13 A ESCOLA DE BADEN-POWELL Hobsbawm, Maria Ceeflia Cortez Christiano de Souza, para expli- citar os problemas que envolvem a meméria que se produziu em torno da escola ¢ as distintas interpretagdes dos historiadores: ha momentos eruciais em que uma tradigdo é inventada, mo- os fortes da histéria em que certas vers lagdes dos acontecimentos se cristali como regras incorporadas, tornando-se ecos nao reconhecidos dos passados. Principalmente quando os sujeitos nao tenham passados de forma suficiente para reconhecer seus tragos na atualidade eles se tornam fundantes de formulag6es e priiticas nao diseu- tidas.® es € certas formu- met 1m e passam a ser vividas articulado essa tradigao ou se distanciado di Como pratica social, o Escotismo foi muito pouco estudado pela historiografia brasileira e menos ainda como pritica educacional As principais pesqui das sobre o assunto sio muito recen- s e tém centrado suas andlises fundamentalmente sobre a pratica escoteira em trés Estados: Sao Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A Pedagogia do Escotismo constituiu, de fato, um discurso que tinha propésitos normatizadores. O cariter de disciplinador de comportamentos tem sido enfatizado em diferentes estudos sobre 0 tema. A Pedagogia escoteira esté imbuida de fortes elementos nacionalistas, sem nenhuma diivida, e reflete o ambiente e as inquie- tagdes das demandas de industrializagao e urbanizagao que estavam postas no inicio do século XX, o que também tem sido a ténica de muitos discursos académicos sobre 0 movimento escoteiro. Con- tudo, outros aspectos tao importantes quanto estes tem sido secun- darizados por muitos estudiosos do Escotismo. B necessério ainda, para uma melhor compreensdo da proposta do Escotismo, que se reflita sobre os elementos é o sentido da sua Pedagogia. Ainda sao muitas as davidas a respeito do tema que nao foram inventariadas por pesquisadores de Historia da Educagao. Como se alirmou anteriormente, até agora 0 movimento escoteiro no Brasil foi analisado, predominantemente, como uma espécie de atividade oriunda do discurso nacionalista. Diferentemente daquilo que afirmam muitos estudos acadé- micos, ao acentuar 0 nacionalismo e a militarizagdo com caracteris ticas da cultura escoteira, a Pedagogia do Escotismo esta articulada avalores e prine{pios cientificos que a fazem ir para além do Ambito 44 Inerodugéo de uma simples metodologia educativa. Baden-Powell ancorou o seu projeto no conhecimento cientifico da Psicologia que se irradiava velozmente durante as primeiras décadas dos anos novecentos. ‘A este estudo, preocupa o modo como cireulam no ambiente académico brasileiro alguns conceitos e perspectivas de andlise que sio empregados a diversos objetos, a partir de um determinado tipo de apropriagdo que termina por orientar muitos aportes tedricos. No caso do Escotismo, hé um evidente esforgo para caracterizar 0 fundador do Escotismo, Robert Baden-Powell, como homem com- prometido com um nacionalismo xenéfobo. Os elementos que for- jaram a Pedagogia escoteira foram quase sempre secundarizados por boa parte dos estudos mais conhecidos. Por qualquer Angulo que se queira olhar a realidade do Bscotismo, boa parte da teoria até agora empregada para a sua andlise tomou predominantemente um determinado viés. Por isto, aqui se considera que as falas sobre 0 Escotismo sao to importantes quanto os siléncios produzidos em torno do movimento escoteiro. A critica ao movimento escoteiro no Brasil é ainda, em sintese, a mesma que alguns opositores do Escotismo produziram na Ingla- terra, durante as primeiras décadas do século XX, logo apés a fun- dagio do movimento. Baden-Powell foi, muitas vezes, acusado de haver criado uma maquina de propaganda com 0 objetivo de dou- trinar a juventude e difundir idéias belicosas. Contudo, os militares acusavam o fundador do Escotismo de nao incutir nos jovens 0 espi- rito militar, transformando aquilo que deveria ser a vida militar num. jogo de jovens estudantes. Essa polémica fez com que os pacifi ingleses fundassem a National Peace Scouts, enquanto os milita- ristas fundaram a British Boy-Scouts ¢ a Empire Scouts. Os socia- listas costumavam acusar 0 general inglés de ser anti-socialista e de fazer pregacdo contra os sindicatos, usando como argumento 0 segundo artigo da lei: O Bscoteiro é leal ao Rei, ao seu pais, aos seus pais, aos seus empregadores e aqueles sob sua responsabilidade. Os conservadores, contudo, 0 consideravam um socialista e para de- monstré-lo repetiam 0 quarto artigo da lei do escoteiro concebida por Baden-Powell: © Escoteiro é amigo de todos e irmao dos demais escoteiros nao importando a classe social e 0 credo ao qual per- tenga. O fundador do Escotismo foi também acusado pelos irlan- deses, que publicaram posters ¢ panfletos com a seguinte adver- téncia: “Os Escoteiros de Baden-Powell estabeleceram-se em Dublin 15, AA ESCOLA DB BADEN-POWELL para convencer os jovens irlandeses a prometerem fidelidade ao Rei da Inglaterra treiné-los para lutar nas guerras inglesas”.” Os reli- siosos acusaram 0 movimento pelo fato de o seu manual possuir apenas duas paginas dedicadas aos deveres para com Deus Carlo Ginzburg considera que, muitas vezes, 0 historiador Ié nos documentos “o que ja sabe, ou eré saber, por outras vias, ¢ pre- tende demonstrar”.” Tendo voltado sua atengdo para o problema do Escotismo, Rosa Fatima de Souza estudou a hist6ria das disci- plinas do ensino primdrio e das praticas escolares de natureza civico-patridticas: os batalhdes infantis, o Escotismo escolar ¢ as comemoragées efvicas. No seu estudo, o Escotismo é interpretado apenas como movimento nacionalista que cumpria a tarefa de mili- tarizar a infancia Um outro pesquisador que tem investigado as praticas do Esco- tismo, principalmente em sua forma escolar, é Adalson de Oliveira imento. Para ele, 0 Escotismo exprimiu um tipo de naciona- smo especifico, desenvolvido por idedlogos e politicos de direita. Assim, afirmou que a proposta de Baden-Powell viu no fortaleci- mento da nagio uma solugio para a crise dos paises europeus, através das organizagées paramilitares dé treinamento da juven- tude, que deveria estar preparada para defender a nagao. Uma das suas conclusdes foi a de que o criador do movimento objetivou dar a juventude uma Edueagio militarista. E muito importante para o historiador considerar que o modo como ele interpreta e narra a Histéria, muitas vezes, se restringe a consideragées sobre coincidéncias, sem aleangar um panorama mais amplo, manifestando dificuldades em compartilhar as opinides dos homens de diferentes épocas. O historiador necessita estabele- cer conexdes, relagdes e paralelisnios que nem sempre so documen- tados de modo direto. Adalson Nascimento acentuou que, no Brasil, 0 Escotismo recebeu 0 apoio dos politicos e intelectuais preo- cupados em promover a integragio das massas e er controle sobre estas, sendo visto como ferramenta eficaz para a educagiio das criangas e dos jovens. Para ele, 0 sucesso do Escotismo no pais esteve relacionado a um contexto de crise e de valorizagio da idéia de nagao e de nacionalismo ¢ de surgimento de novas priticas peda- gogicas que valorizavam atividades inovadoras na formagdo moral dos educandos. Sublinhou como evidéncia deste seu ponto de vista 0 entusiasmo demonstrado para com o movimento escoteiro pela Liga 16 Introdugdo de Defesa Nacional, de Olavo Bilac, que via no Escotismo a possibili- dade de grandeza da patria. Adalson de Oliveira Nascimento elencou um conjunto de dados para demonstrar a sua hiptese: O ministro da Justiga, Afonso Pena Junior, foi o primeiro presidente da Unifio dos Escoteiros do Brasil e, em 1936, publicou 0 livro A educagao pelo Escotismo; a Igreja Catélica apoiou 0 movimento e criou, em 1921, a Associagio de Escoteiros Catélicos do Brasi rcito manifestou interesse pela doutrina de Baden-Powell; 0 Governo promoveu a adogio da instru- gio e da edueagao sob 0 método escoteiro nas escolas; a Associagio Brasileira de Educagéo — ABE, fundada em 1924, manifestou muita simpatia pelo Escotismo; o Escotismo formava cidadios patriotas e integrados a sociedade. seu livro Negativos em vidro: colegdo de imagens do Colégio Anténio Vieira (1920-1930), a pesquisadora Stela Borges de Almei- da associou 0 movimento escoteiro ao idedrio nazista, afirmando que as priticas do Escotismo pareciam estar associadas aos partidos fascistas. Todavia, existem trabalhos académicos que apresentam um outro tipo de entendimento. Talvez, a partir do trabalho desses pes- quisadores seja possivel advogar a necessidade de se produzir mais do que uma Hist6ria do Escotismo, uma Histéria dos seus atores, das sociabilidades. Destacando 0 caréter plural do Escotismo e insis- tindo quanto a necessidade de se estudar as distintas apropriacées ¢ a produgao de uma cultura escoteira, pode parecer arriseado pre- tender estudar a diversidade de contextos sob os quais se praticou 0 Escotismo. Mas é indispensével apanbar a pluralidade de entendi- mentos existentes acerca do Escotismo e a escassez de uma litera- tura que dé suporte a esse tipo de empreendimento Autores como Ana Clara Bortoleto Nery advogaram que os refor- madores do ensino em S40 Paulo promoveram intervengées ao pro- jeto de Baden-Powell, para aproveitar a popularidade ¢ 0 prestigio nacional e internacional do Escotismo, de modo a militarizar a infancia, estatizando o projeto inglés por meio do Escotismo esco- lar. Essa perspectiva variou a partir da reforma Sampaio Doria,” acentuando-se um pouco no periodo em que a Instrugao Publica de Sao Paulo esteve sob a responsabilidade de Guilherme Kuhlmann,!? chegando ao grau maximo de militarizagdo com Pedro Voss. 17 AFSCOLA 1 POWELL Semelhante foi a interpretagdo feita por José Silvério Bafa Horta, que também nao viu o Escotismo como movimento de caré- ter militar. Ao analisar 0 caso brasileiro, o autor esclareceu que os militares temiam a perda do monopélio do ensino militar, optando pela apropriagdo do Escotismo, como meio de estender a zona de influéncia do Exéreito até a infancia. O Escotismo permitiria criar a mistica da erianca-soldado e possibilitaria ao Exéreito buscar a suas raizes na infancia sem a preocupagdo de um militarismo estrei- to. Sob a sua Stica, alguns militares propuseram de modo muito claro a substituigao da instrugao pré-militar pelo Escotismo, enquan- to outros nao concordavam com tal proposta, preferindo organizar movimentos juvenis que apanhassem no Escotismo apenas alguns dos seus elementos metodolégicos como forma de motivar os jovens. Este tiltimo caso foi o do proprio Estado-Maior do Exéreito que contrapunha a proposta de militarizagio miliciana da juven- tude, oriunda do Ministério da Justiga, um projeto de criagio de um movimento nacional de,juventude nos moldes do Escotismo. Judith Zuquim e Roney Cytrynowicz foram dos raros autores brasileiros que produziram estudos sobre o tema, tomando como ponto de partida a compreensao de ser o Escotismo uma Pedagogia que condensou diversas vertentes de movimentos de intervengéo extra-escolar na educagao das criangas ¢ jovens desde 0 século XIX, enfatizando a insuficiéncia da escola. Judith Zuquim, em sua tese de doutorado defendida em 2001, demonstrou as relagdes existentes entre a proposta de Baden-Powell ¢ 0 projeto de formagio moral for- mulado pelos estudos de Psicologia realizados por Stanley Hall. Sob a perspectiva da Histéria da Educagio, Yara Cristina Gabriel produziu um estudo mais completo, tentando compreender 0 mé todo educativo que objetivava a auto-Educagio do cardter, formu- lado por Baden-Powell. Buscou explicitar a preocupagao do método como movimento juvenil extra-escolar, um conjunto de praticas for- malmente organizadas pelas necessidades didtico-pedagdgicas do perfodo. Ademais, esta autora explicitou a impossibilidade de con- cordar com as formulages que identificaram o Escotismo como uma das praticas civico-militares. Segundo Nilson Thomé, a imagem do movimento escoteiro foi duramente prejudicada no Brasil pelo modo como algumas lide- rangas do Escotismo brasileiro, prineipalmente na regifo Sul, se envolveram com o Integralismo e com as organizagdes teuto-brasi- 18 Introdugéo leiras, logo apés a deeretagiio do Estado Novo, em novembro de 1937, muitas vezes associando 0 movimento fundado pelo lord Baden-Powell com o movimento da Juventude Hitlerista ¢ com o Integralismo. Portanto, sem desconsiderar os acertos existentes nas anilises produzidas por pesquisadores como Rosa Fatima de Souza, Stela Borges de Almeida e Adalson Oliveira do Nascimento, mesmo con- cordando em que muitas vezes 0 fio condutor assumido por estes autores revel. io de mundo original, é necessério nfio secun- darizar interpretagdes como as realizadas por Yara Cristina Gabriel, Ana Clara Bortoleto Nery, José Silvério Baia Horta, Nilson Thomé, Judith Zuquim e Roney Cytrynowiez, buscando alargar a compreen- sio do projeto de Baden-Powell como uma contribuigdo aos rumos que a Pedagogia Moderna ganhou no inicio do século XX sob a perspectiva de ser tal projeto uma proposta de Pedagogia ativa e nio-diretiva, realizada no ambito extra-escolar, buscando uma Edu- cagio integral. Certamente muitos equivocos presentes em estudos produzidos por pesquisadores do campo da Histéria da Educagao quando este se debrugaram sobre 0 Escotismo podem ser imputados A parea pre- senga deste tema na bibliografia brasileira da area. Assim, esta redu- zida cultura de pesquisas sobre 0 assunto nao permitiu que até o presente se estabelecesse uma maior fertilidade teérica emi torno do objeto, substituida muitas vezes pela aspereza intelectual de um certo tipo de Marxismo imbuido de forte padrao inquisitorial uma vis Este estudo tem como objetivo chamar a atengao para a dimen- so mais importante do Escotismo: a de ser 0 movimento fundado pelo lord Baden-Powell uma Pedagogia Ativa, inserida no contexto das reformas educacionais que embalaram diferentes paises euro- peus e americanos durante as primeiras décadas do século XX. ‘Assim, buscou os fundamentos pedagégicos a partir dos quais ope- rou o lord Baden-Powell e identificou os intelectuais escolanovistas com os quais ele concordava. O trabalho buscou apoiar-se em ampla bibliografia, enfatizando a diversidade de fontes, nos textos fundadores do Escotismo, nos arquivos do Centro Cultural do Movimento Escoteiro, nos textos de militantes do Escotismo, nos livros, revistas, jornais ¢ outros impressos, bem como no uso da rede Web como fonte. 19 A FSCOLA DE BADEN: POWELL Diante das fontes existentes, este trabalho adotou como marco inicial de seu estudo 0 ano de 1907, no qual foi criado 0 movimento escoteiro. Tal adogao implica uma tomada de posigdo quanto ao papel desempenhado pelo Escotismo no inicio do século XX, isto é, da fundagéo de um movimento de juventude, uma instituigdo de Educagdo extra-escolar que se tornou mundial e exerceu um papel muito importante na Historia da Educagio, ainda nao investigado devidamente pelos pesquisadores da 4rea. Um movimento que buscou educar a partir dos preceitos estabelecidos pelas vertentes pedag6gicas oriundas da Escola Ativa européia e da Escola Nova norte-americana. A pesquisa teve como marco final 0 ano de 1950, quando a Unido dos Escoteiros do Brasil ganhou autonomia efetiva e, cada vez mais, adquiriu condigdes para conduzir o Escotismo no pais sob a condigao de associagao voluntaria. A preocupagdo com 0 movimento escoteiro como objeto da His- toria da Educagao surgiu em 2004, estimulada por um estudo ante- rior, de minha autoria, a respeito do ensino agricola em Sergipe Naquela ocasido, verifiquei que o Escotismo fora importante como pratica pedagégica no Patronato Agricola S40 Mauricio, a partir de 1925, quando o presidente do Estado, Mauricio Graccho Cardoso, inaugurou aquela instituigao. Assim, comecei a perceber a existéncia de uma farta documen- tagao sobre Escotismo, existente nos arquivos escolares de todos os Estados brasileiros, Prosseguindo, percebi que o problema era ainda mais complexo, posto que no apenas nos arquivos escolares era possivel identificar tal documentagao. Portanto, foi necess lizar um esforgo que buscou dar conta da variedade documental na qual era possivel estudar 0 tema e recortar diversos objetos. Aos documentos escolares somei a legislacio do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas estaduais e das Cmaras de Vereadores dos municipios; o levantamento em revistas especializadas e outras de variedades, jornais (os da grande imprensa e os editados pelo pro- prio movimento escoteiro), fotografias, depoimentos, biografias, autobiografias, livros publicados por Robert Baden-Powell e por outros autores brasileiros e estrangeiros. Consultei a imensidao de documentos depositados no Centro Cultural do Movimento Esco- teiro, onde foi possivel encontrar livros publicados por escoteiros e intelectuais brasileiros ¢ estrangeiros, atas, relatérios ¢ correspon- déncia. E, por fim, descobri as multiplas possibilidades de investi- rio rea- 20 Introdugao gagdo na rede Web. Em outra diregao, procurei dialogar com a produgio académica sobre o Escotismo existente no Brasil, nao obstante ser esta ainda muito reduzida. Para dar conta de todas essas fontes, senti a necessidade de uma profunda reflexio tedrico-metodoldgica, buscando compreender 0 que havia de singular em cada um desses conjuntos de fontes, a fim de realizar aquilo que os estudiosos da Histéria costumam deno- minar operagio historiografica. Estabeleci um paralelo com aquilo que afirma Diana Vidal, sublinhando 0 grande impulso que tem sido dado organizagao de arquivos escolares ¢ & conservagiio de documen- taco sobre a escolarizagio de saberes e fazeres, com a consti- io de Centros de Meméria e Documentagao. No entanto, coloca-se como imperativo a criagio de mecanismos de sociali- zagio das fontes depositadas em Arquivos Pablicos e Centros, por meio da publicagao de guias e inventarios e da d lizagio das informagdes em meio eletrénico como sites de pesquisa e CDROMs. ios ssponibi Era essencial entender a circulagio dos dois modelos de Esco- tismo que tinha como hipétese existirem no Brasil: 0 das associa- ges voluntarias ¢ aquilo que considerei Escotismo de Estado. Dois modelos culturais, com forte enraizamento politico, constituidos em diferentes momentos histéricos. Tentei entender a constitui- gao do Escotismo no pais, suas propostas suas concepgdes, seus projetos e suas praticas pedagégicas, além das suas priticas esco- lares. Dentre outros, os relatérios ministeriais e dos dirigentes de outras instituigdes estatais, bem como a legislagio, foram fontes indispensaveis neste trabalho, pois trouxeram A tona 0 discurso gestado no interior do Estado brasileiro, com 0 objetivo de se apro- priar do movimento escoteiro, transformando-o em politica de Estado. Assim, representaram o discurso do poder. Em alguns casos, foram também enfatizados os relat6rios de alguns Presi dentes de Estado. O CGME — Centro Cultural do Movimento Escoteiro forneceu a maior parte dos documentos utilizados nesta pesquisa. O Centro tem como objetivo preservar a meméria do Escotismo no Brasil Além de manter um grande acervo bibliografico e documental, o CCME vem organizando a publicagao de uma série de livros com o 21

Você também pode gostar