Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANAIS 2020
V ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA
Organizadores
Dr. César Augusto Bubolz Queirós
Ma. Francisca Deusa Sena da Costa
Ma. Isabel Saraiva Silva
Ma. Johmara Assis dos Santos
Me. Leandro Coelho de Aguiar
Promoção
ANPUH Amazonas
Apoio
ANPUH Brasil
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas
Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas
Universidade Federal do Amazonas
Texto integrado dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH Amazonas
- Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César Augusto Bubolz
Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; et al (Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM;
Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conselho Fiscal
Ma. Francisca Deusa Sena da Costa – TRT11
Ma. Johmara Assis dos Santos – SEMED Manaus / SESI-AM
Me. Juarez da Silva Jr. – TJAM
Subcomissão Editorial
Equipe das Revistas Manduarisawa e Canoa do Tempo
Davi Abreu – SEMED Manaus
Mestranda Evelyn Ramos – PPGH UFAM
Isabela Albuquerque – História UFAM
Mestranda Kívia Mirrana de Souza Pereira – SEDUC-AM
Mestranda Larissa Leite – PPGH UFAM
Graduanda Paola Rodrigues – UFAM
Graduando Wenderson Macedo de Lima – UFAM
Texto integrado dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH Amazonas
- Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César Augusto Bubolz
Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; et al (Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM;
Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ISBN: 978-65-5839-004-6
CDU 94(811.3)
Observações:
a) Todas as questões tratadas e abordadas nos textos que integram esta publicação são de
exclusiva responsabilidade dos respectivos autores.
b) Como critério de organização dos textos, foi utilizada a ordem alfabética dos autores.
Texto integrado dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH Amazonas
- Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César Augusto Bubolz
Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; et al (Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM;
Universidade Federal do Amazonas, 2020.
SUMÁRIO
PREFÁCIO ……………………………………………………………………………………….……………………….………….. P. 10
APRESENTAÇÃO ……………………………………………………………………………………….……………………....…... P. 13
TEXTOS COMPLETOS
JANAÍNA ARTIAGO
TRABALHO DOMÉSTICO DE MENINAS: CIRCULAÇÃO DAS “CRIAS DE FAMÍLIA” EM MANAUS (1970) …………..…P. 295
TATIANE BARTMANN
ENTRE ASSÉDIOS E PERSEGUIÇÕES: AS RESCISÕES DE CONTRATO DAS/OS TRABALHADORAS/ES NA
1ª JCJ DE PORTO ALEGRE (1941-1945) …….…………………………………………………….……………………………..….P. 514
PREFÁCIO
Um Encontro Estadual em tempos de pandemia
A História é feita cotidianamente. Em meio a pequenos detalhes, a experiência cotidiana
vai se desenrolando, a vida vai sendo construída e as vivências vão se constituindo como
elementos formadores da cultura e servindo de base para o trabalho dos historiadores. Sempre
é bom lembrarmos da metáfora de Marc Bloch, quando afirmava que “o historiador é como o
ogro da lenda. Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça”. Neste sentido, a história
é lentamente construída por homens e mulheres que bravamente vão construindo estratégias de
sobrevivência e perambulam pelas ruas das grandes cidades, pelas plantações, florestas e rios.
São operários, donas de casa, carvoeiros, seringueiros, comerciantes, professores, cozinheiros,
motoristas, enfim, mulheres e homens comuns que silenciosa e corajosamente teimam em
sobreviver.
No entanto, de tempos em tempos costumam acontecer momentos que, por sua
grandiosidade e repercussões, tomam de assalto a História e se impõem de forma incontornável.
Este é o caso da pandemia do COVID19, que afetou de forma trágica e brusca o mundo inteiro,
com um impacto muito mais significativo entre os mais pobres, os mais frágeis, os mais
vulneráveis. Inevitavelmente, o ano de 2020 vai ficar conhecido no futuro como o “ano da
pandemia” – da mesma forma que a ‘peste negra’ é um elemento fundamental para a
compreensão da crise do século XIV e a ‘gripe espanhola’ permanece bastante nítida em nossa
memória, o Coronavírus marcará indelevelmente a nossa História e pode trazer consequências
bastantes profundas em nossa organização social. No momento em que escrevo, já ocorreram
no Brasil mais de 136 mil mortes. Globalmente, até o momento, são 957.633 mortes pelo
COVID19. Sozinho, o Brasil já contabiliza 14,2% de todas as mortes por Coronavírus ocorridas
neste ano. No estado do Amazonas, já estamos em quase 4 mil mortos e com a chegada de uma
segunda onda do vírus. Se, por um lado, está sendo possível verificar uma rede de solidariedade
com o próximo através da organização de coletas de alimentos e de redes de apoio, por outro,
observamos uma acentuação do individualismo e do relativismo. Solidariedade ou
individualismo? Qual caminho tomaremos?
Neste cenário de pandemia e de descaso, a Associação Nacional de História – seção
Amazonas vinha trabalhando desde 2018 no planejamento do V Encontro Estadual de História.
10
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Diante das sucessivas ameaças às instituições e à democracia e dos constantes ataques aos
direitos sociais e trabalhistas que vêm sistematicamente ocorrendo desde o golpe de 2016 e se
intensificado a partir de 2018, a diretoria da ANPUH-AM propôs que o evento estadual de
2020 tivesse como tema “Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia”.
Em assembleia realizada no final de 2018 com os associados, a proposta foi aprovada por
unanimidade. De lá para cá, o que temos visto é a intensificação de pautas que precarizam a
situação da classe trabalhadora, fragilizam o Estado e as instituições e legitimam o avanço
predatório sobre o meio ambiente. Realmente, estão “passando a boiada”!
Com o tema definido e aprovado em assembleia, chegamos à conclusão de que
deveríamos realizar o V Encontro Estadual de História no período das férias dos estudantes e
definimos o período entre 28 e 31 de julho. O ano de 2019 foi de intensa preparação para a
realização do evento. A diretoria contou com a ajuda de diversos colaboradores que pensaram
os mínimos detalhes para a realização de um grande evento. No entanto, na fase final das
inscrições para proposição de Simpósios Temáticos e Minicursos, fomos surpreendidos – como
de resto, todos – pela pandemia do COVID 19 e tivemos que discutir internamente qual seria
a melhor solução. Assim, com este cenário triste e preocupante, no dia 21 de março, a diretoria
estadual suspendeu a realização do V Encontro Estadual de História da ANPUH-AM. Foi uma
difícil decisão pois, naquele momento, ninguém imaginava o tempo que levaria para que
pudéssemos superar aquela situação. Naquele momento, imaginávamos poder realizar o evento
de forma presencial em uma outra data, assim que fosse possível superar o vírus.
Com o prolongamento da pandemia, no dia 18 de maio de 2020, a diretoria da ANPUH-
AM se reuniu novamente e decidiu que, se por um lado, seria impossível a realização do evento
de forma presencial no ano de 2020, em virtude dos riscos de transmissão, por outro lado, a
realização do evento era fundamental para a consolidação da associação no estado e para a
dinamização do debate científico e acadêmico. Em um momento como este, de crise não apenas
epidemiológica mas humanitária, a reflexão crítica sistematizada e o debate científico se fazem
urgentes e essenciais. Ademais, os encontros realizados pelas seções estaduais da ANPUH já
fazem parte do calendário acadêmico da área de História e sua realização já é uma tradição.
Assim, a diretoria estadual buscou viabilizar a realização de nosso tradicional evento tendo
como premissa básica a necessidade de garantir a saúde e o bem estar de todo(a)s e impedir a
11
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
12
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
APRESENTAÇÃO
13
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
14
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
No Brasil dos anos 1930, intensificaram-se as medidas de combate a lepra. Por isso o tripé
leprosários, dispensários e preventórios foi instituído nas regiões que apresentavam casos
confirmados de doentes, com o intuito de prevenir que a doença se disseminasse entre a
população. Os preventórios eram instituições onde as crianças sadias, retiradas dos pais doentes
de lepra, eram isoladas. Em Manaus o Educandário Gustavo Capanema foi construído em
parceria do governo estadual, união, município e iniciativa privada, composta pela Sociedade
Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a lepra. Inaugurado oficialmente em
1942, funcionou na cidade até ser desativado, em 1979.
Introdução
A lepra é uma doença carregada de estigmas, principalmente pelo medo de contágio,
pois, em sua forma mais avançada, aparecem as deformidades físicas que uma pessoa
acometida pela doença pode ter. No Brasil no final dos anos 1920 e início da década de 30,
houve uma intensificação das políticas voltadas para a prevenção da doença. Essas medidas,
colocadas em prática pela Campanha contra a Lepra, estava carregada de ideais eugênicos que,
com a chegada de Getúlio Vargas ao poder como presidente da República, serão intensificados
pelo discurso de construção de uma nação forte voltada para o trabalho. Assim, essa nação não
poderia estar doente, precisava estar apta para o trabalho. É nesse contexto que Manaus está
inserida, o de colocar em prática as políticas para combater a doença.
Em Manaus, a lepra já era uma doença sobre a qual os médicos se debruçavam para
tentar dar um melhor tratamento e isolamento aos doentes já diagnosticados. Existiam na
15
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
cidade, antes dos anos 1940, o Leprosário “Belisário Pena”, ou como ficou mais conhecido,
Leprosaria de Paricatuba, o Dispensário “Oswaldo Cruz” e pequenos locais que serviram como
preventórios, a Casa São José e o abrigo Menino Jesus, onde as crianças cujos pais eram
diagnosticados positivamente com lepra eram levadas para morar. Para melhor
aprofundamento sobre o modelo tripé dos anos 1900 a 1942, ver dissertação de mestrado em
História Adriana B. B. Cabral, “De lazareto a leprosário: políticas de combate a lepra em
Manaus (1921-1942). Chegados os anos 40, era preciso um local mais adequado para atender
as crianças sadias filhas, de pais leprosos da cidade. Impulsionados pela Campanha contra a
Lepra fora pensada a construção de um preventório para a cidade. Assim temos a gestação do
preventório para Manaus.
16
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
17
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
dever e cuidado para com os doentes de lepra e seus filhos, quando afirma que o trabalho deve
ser sem “distinção de nacionalidade, cor, ou crença religiosa.” (RELATÓRIO, 1940, p. 6).
A partir dos relatórios, pode-se verificar o nome de vários homens e mulheres que
compõe a sociedade civil de Manaus como contribuintes regulares para a construção e
manutenção das obras da Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra
a Lepra. Alguns nomes de mulheres que arrecadavam dinheiro através de listas: Esther Ribeiro,
Rosa Cordeiro de Magalhães, Amazilis Cavalcante Maia, Ophelia Seixas Pereira, Isabel Soares
Nogueira, Zulmira Uchôa Bittencourt, Maria de Miranda Leão, Nathalia Uchôa, Milburges
Bezerra de Araújo. Contribuíram com mensalidades “cito apenas algumas empresas”: J.G.
Araújo, Armando Lima e Cia, Banco Nacional Ultramarino, Diário Oficial, Associações
Comerciais, Fábrica Minerva de Carvalho e Irmão, Casa 22 Paulista, J. Soares e Cia, Lojas
Maçônicas. A partir desse grupo de pessoas e empresas podemos observar que havia um
empenho em proteger os demais componentes da sociedade do perigo da doença e, ao mesmo
tempo, salvaguardar os doentes de lepra que viviam na cidade, assim como seus filhos. E a
cada ano novos doadores iam sendo adicionados à lista de contribuições da instituição.
O Educandário Gustavo Capanema foi construído com a ação conjunta entre Governo
do Estado do Amazonas, União, município e iniciativa privada da Sociedade Amazonense de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Foi inaugurado oficialmente em fevereiro de
18
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
1942. Na dissertação de Vicente Saul Santos há uma indicação sobre o nome dado ao
educandário ser uma homenagem ao Ministro da Saúde e Educação do governo varguista,
A segunda etapa composta por “refeitório, passagem coberta, duas salas de aulas,
corredor de circulação, rouparia, quarto e 2 dormitórios com os respectivos sanitários e
banheiros.”. Pelo relatório, observa-se que a cada término das etapas vai-se aos poucos
começando a utilização das dependências do preventório.
19
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Constam neste regulamento as regras gerais para admissão nos Preventórios, a saber:
“os nascidos nos leprosários; os que se acharem em focos que ofereçam maior perigo de
contágio; os mais necessitados, por falta absoluta de recursos ou assistência; os de mais tenra
idade; os que não possam ser submetidos a vigilância adequada”.
Tendo esses requisitos de entrada, os menores eram inscritos no livro geral de matrícula
institucional. Havia também limites ou situações especiais para admissão no preventório como,
por exemplo, a idade máxima de homens até 15 anos e mulheres até 18 anos. Esses critérios de
entrada no preventório só poderiam ser mudados por entendimento da direção do preventório
ou motivos de ordem administrativa, desde que fossem aprovados pela autoridade sanitária
competente. Toda movimentação de entrada e saída de internos é referida nos relatórios
semestrais e anuais da Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a
Lepra.
Quanto aos quesitos exigidos para saída ou baixa no preventório, eram: falecimento, a
contaminação por lepra, o limite de idade, casamento, existência de parentes que pudessem
cuidar e educar a criança interna ou indisciplina grave. Essas formas da “saída” só poderiam
ser com o aval da autoridade sanitária. O limite de idade máxima para ficar no preventório era:
homens aos 18 anos e mulheres aos 21 anos.
Caso alguma criança interna se destacasse nas letras artes ou ciência, a direção arcaria
com as despesas dos estudos para aprofundamento do conhecimento do interno. No preventório
20
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
haveria o curso de cultura física e educação moral e cívica, para incentivar o culto à pátria e à
bandeira nacional (Art. 22). Todos os programas e horários das aulas foram previamente
apresentados à direção para o registro e devida aprovação. Após a aprovação, era colocado em
prática dentro do preventório.
Um ponto interessante que cabe aqui ser ressaltado é que no regulamento não consta a
preocupação com uma educação profissional para os internos do Educandário Gustavo
Capanema, porém aos poucos será pensada e implementada, pois era preciso dar essa formação
profissional já que o interno sairia somente com a maioridade, tanto homem quanto mulher.
Conclusão
Em Manaus, houve pequenos locais de acolhimento aos filhos retirados dos pais
diagnosticados com a lepra. Assim tivemos o abrigo Menino Jesus e a Casa São José. Apesar
dessas instituições abrigarem essas crianças, não tinham sido criadas para esse fim. Por isso,
chegados os anos 1940, tem-se a gestação e a construção do Educandário Gustavo Capanema,
nome dado em homenagem ao então ministro da Educação e Saúde do Governo Vargas.
Inaugurado oficialmente em 1942, abrigou durante seu funcionamento cerca de 200 crianças.
21
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Sua desativação enquanto educandário fez parte da política de desativação colocada em prática
efetivamente em 1979. Posteriormente, tornou-se uma escola da rede municipal de ensino.
Essa pesquisa é apenas um breve histórico que faz parte das políticas de combate a
lepra, implementadas na cidade de Manaus dos anos 1940. E busca contribuir para as novas
pesquisas que surgem sobre a instituição preventorial no Brasil.
Referências
CABRAL, Adriana Brito Barata. De lazareto a leprosário: políticas de combate a lepra em
Manaus (1921-1942). Dissertação em História Social. Universidade Federal do Amazonas.
2010.
GOMIDE, Leila Regina Scalia. “Órfãos de pais vivos” A lepra e as instituições preventoriais
no Brasil: estigmas, preconceitos e segregação. Dissertação de mestrado. Universidade de São
Paulo, 1991.
MONTEIRO, Yara Nogueira. Violência e profilaxia: os preventórios paulistas para filhos de
portadores de hanseníase. Saúde e Sociedade, 7. 1998. P, 4. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v7n1/02.pdf
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades Filantrópicas e políticas públicas no combate
à lepra: Ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Fiocruz, Rio de Janeiro. 2006.
Fontes
⚫ Histórico da Cooperação Privada no Combate à Lepra no Brasil. Relatório Apresentado
a S. Ex. o Sr. Dr. Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde Pública, pela 1ª
vice-presidente e presidente em exercício, da federação das Sociedades de Assistência
aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra. Sra. América Xavier da Silveira. Julho de 1938.
Papelaria Passos. Rio de Janeiro.
⚫ Relatório apresentado ao presidente e mais membros do Conselho Deliberativo da
Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, pela sua
presidente D. Esther Ribeiro. Imprensa Pública. Manaus. 1940.
⚫ Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Relatório
da Diretoria apresentado ao Conselho Deliberativo. Ano de 1940. Imprensa Pública.
Manaus 1941.
⚫ Regulamento dos Preventórios para filhos de Lázaros instalados no Brasil. Ministério
da Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 13 de março de 1943
⚫ Relatório das Atividades da Federação das Sociedades de Assistência aos lázaros
durante o período de 26.01. 1942 a 24.01.1944. Rio de Janeiro, 1944
⚫ Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra. Relatório
da Diretoria, apresentado ao Presidente e mais membros do Conselho Deliberativo da
Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, pela
22
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
23
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
Silvino Santos foi um português radicado no Norte do Brasil, que desenvolveu seu
trabalho como fotógrafo e cineasta em Manaus, onde morreu em 1970, aos 84 anos. São dele
alguns dos mais importantes registros visuais da Amazônia, como o filme “No Paiz das
Amazonas” (1921). O acervo fotográfico em questão trata-se de um pioneiro da fotografia e do
24
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
cinema no Brasil, que legou importantes registros da vida social e cultural da Amazônia da
primeira metade do século XX.
O projeto
O projeto teve início em 2018, constando a autora deste artigo fazendo parte de outro
programa (Programa Institucional de Bolsas de Extensão - Pibex) ofertado pela Universidade
Federal do Amazonas – UFAM. Neste momento as atividades ficaram especificamente na
realização do diagnóstico do acervo e do instrumento de pesquisa. Como resultado dessa etapa,
pôde ser observados: a desatualização do instrumento de pesquisa existente, com o não registro
de parte do acervo e falhas nas informações de sua localização física; a não organização da
documentação referente aos trâmites de doação do acervo ao Museu; além da própria falta de
segurança acerca do acervo, por exemplo, com a falta de notação por item documental, fazendo
com que não se tivesse controle acerca da quantidade real de fotos por pasta. Diante de tal
situação, achou-se por bem uma nova proposta de projeto, mas agora de pesquisa, tendo em
vista todo o trabalho de pesquisa que envolve a elaboração do instrumento. Em 2019 o projeto
continuava em andamento, agora fazendo parte de um projeto de pesquisa, ainda como bolsista
a autora deste artigo, mudando apenas o grau de bolsa, ambos passando a fazer parte do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - Pibic.
Parte deste acervo encontra-se hoje sob guarda do Museu Amazônico da Ufam,
adquirida pela instituição através de compra e alguns itens por doação. Com cerca de 1610
itens, formada por fotografias, negativos em vidro, filmes, equipamentos fotográficos,
documentos e objetos pessoais, recortes de jornais, revistas, livros e manuscritos.
25
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
As atividades no acervo
Já iniciando as atividades, notou-se que havia quatro pastas, onde não estavam
identificadas ou numeradas e não seguiam nenhuma ordem de guarda ou cronológica. Então,
foi estabelecido uma numeração simples para cada pasta, ficando em pasta 1, 2, 3 e 4, a fim de
facilitar nas análises e coleta de dados. Como o acervo era amplo e complexo, foi acordado
que, para melhor entendimento da documentação, seguir a ordem cronológica dos documentos.
No primeiro momento, foi identificado diversos tipos documentais, fazendo com que fosse
necessário escolhermos um tipo documental para dar início aos estudos. Sendo assim, ficou de
comum acordo que a análise iniciaria pelos documentos administrativos relacionados a
tramitação do acervo.
26
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Durante esses estudos feitos em cada pasta, percebia-se que existiam muitas cópias e
poucos documentos originais, o que logo após me foi apresentado os documentos originais que
estavam no local em um armário, conservados e armazenados em condições favoráveis.
Seguindo a proposta de montar uma ordem cronológica, fui esquematizando tal ordem
em minhas anotações, conforme os documentos que tinham em cada pasta. Com o decorrer das
análises notava-se que em apenas uma pasta, como exemplo a pasta 3, havia pelo menos 5 anos
distintos (1986, 1987, 1988, 1991 e 1992).
27
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
consulta quando necessário pela equipe do Museu juntamente com os pesquisadores quando
realizavam pesquisas no acervo.
Conclusão
Devido ao tamanho do acervo, o projeto ainda não foi finalizado, mas como já citado é
possível avaliar a importância do mesmo, para a preservação física e intelectual do patrimônio
28
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
29
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo abordar um novo prisma de uma cosmovisão indígena como
agentes de sua própria história, sempre observando a diversidade dos povos indígenas e seu
protagonismo crescente elencado pelas pesquisas contemporâneas. O artigo aborda direitos
conquistados pelo movimento indígena e a implantação da temática indígena no currículo
educacional brasileiro, apesar de toda a luta e conquista, há ainda uma vasta carência de
conhecimento que, resultando na proliferação de estereótipos e preconceitos sobre a cultura
que assolam a sociedade, tendo como problemática a imagem do indígena como sujeito passivo
e invisível. A pesquisa é de caráter bibliográfico e observou a relevância da luta indígena pelo
seu reconhecimento como formador da história do Brasil. Para tanto se fez necessário uma
pesquisa exploratória e comparativa, com procedimentos de leituras dos seguintes referenciais
teóricos: Manoela Carneiro da Cunha, Maria Regina Celestino de Almeida, Gersem dos Santos
Luciano e José Ribamar Bessa Freire. Vindo de encontro com estas leituras, foi possível o
conhecimento para a elaboração de tal artigo.
Palavras-chave: sujeito; diversidade; (re)escrita.
Introdução
Apesar das vastas conquistas que os povos indígenas alçaram perante o seu direito na
constituição e o reconhecimento na participação na formação do Brasil, assim como a
agregação de sua cultura e história no currículo educacional o seu espaço ainda é limitado.
30
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Assim, na atualidade a forma como estes indivíduos e sua cultura são tratados é
incoerente com a importância que os mesmos possuem na formação do Brasil. Segundo Freire
(2002, p. 2) os índios já estavam nas terras atualmente conhecidas como brasileiras desde a
colonização dos europeus, aliás, até antes disso, pouco se sabe realmente da história dos índios.
Existem traços da cultura indígena em tudo que nos cerca, desde a vestimenta até a nossa
culinária.
Há grande desconhecimento da cultura indígena por uma parcela significativa da
população e isso gera uma série de equívocos a respeito dos índios. Toda essa falta de
informação causa deturpação na figura dos indígenas perante a sociedade.
As abordagens teóricas metodológicas irão ocorrer em volta de Manuela Carneiro da
Cunha (1992) que desbrava um cenário até então desconhecido para sua época apresentando o
foco na temática indigenista, assim como Maria Regina Celestino de Almeida (2012) que irá
refletir em seu artigo o lugar do indígena na história assumindo o cerne a invisibilidade como
sujeitos de sua própria história, assim como, Gersem dos Santos Luciano (2006) que abrirá um
diálogo sobre a luta pelos direitos indígenas entrelaçados aos valores multiculturais da
autonomia trazendo consigo a sustentabilidade que rege o movimento social indígena. Por fim,
José Ribamar Bessa Freire (2000) aborda equívocos que cercam o Brasil a respeito dos povos
indígenas.
Tendo assim, como o objetivo para tal trabalho, o prisma de uma cosmovisão indigenista
como agentes de sua própria história no século XXI, abordando os povos indígenas em busca
de seu espaço.
Um novo prisma da historiografia: povos indígenas como sujeitos de sua própria História
31
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Os povos indígenas, assim como tudo que os cerca, foi deixado de lado durante anos por
muitos estudiosos e pesquisadores que alegavam que esse povo não tinha história, no entanto
é possível notar que um dos grandes motivos deste grupo citado acima não ter sua história
relatada com frequência é o descaso com que a cultura indígena é tratada, sendo deixada à
margem da história do Brasil quando deveria estar no centro, sendo que, “A cultura permite ao
homem não somente adaptar-se a seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio homem,
a suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da
natureza.” (CUCHE, 1999, p. 10).
Com a aproximação da História com a Antropologia, a temática indígena vem ganhando
espaço entre os estudiosos, que criam conceitos para pensar nas relações sociais e intertribais,
pois fomenta uma produção para envolver numa sociedade complexa, dinâmica e produto de
sua própria história, a noção de cultura e etnia vem andando juntos durante esse percurso árduo,
a fim de, abrir uma nova cosmovisão e desvendar até então paradigmas e preceitos sobre os
povos indígenas que cerca a sociedade. Para Almeida o método usado perante os estudos gira
em torno de:
Logo, as mudanças que ocorrem em uma etnia indígena ganham uma nova forma de se
ver e estabelece novas posturas perante os estudos, assim como sua identidade na qual, foi
transformada em meros coadjuvantes em sua própria história e na formação do Brasil,
invisibilizado perante os séculos, hoje elas eclodem mostrando e rompendo essa imagem
equivocada que está longe da verdade.
No Período Colonial, havia leis que reconheciam os direitos dos povos indígenas,
algumas delas eram vinculadas à terra, as Cartas Régia de 1609 e o Alvará de 1680 as
compõem, mas não eram aplicadas com êxito. Assim, durante o Período Imperial, os indígenas,
para terem direito primários pela terra, teriam que ter a comprovação étnica por causa da lei de
32
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Terras de 1850. Percebe-se que o interesse que se tinha pela mão-de-obra indígena tem um
novo foco: terras. No Período Republicano, na Constituição de 1934, foram respeitadas as
terras indígenas, somente o Estado tinha a autonomia para legislar sobre a integração dos
‘silvícolas’ e a sociedade nacional. Logo, as Constituições de 1937 e 1946 a mantêm, e em
1967 as terras indígenas são incorporadas, tornando-se pertencentes à União, com isso, a
preservação dos seus direitos ocorre.
Desta forma, foi no final do século XX que os índios começaram a conquistar espaços,
por meio da mobilização, dos movimentos sociais indigenistas criados por eles mesmos e pelo
apoio de organizações; uma das mais emblemáticas é a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
criada em 1967, por conseguinte, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e a
União das Nações Indígenas (UNI), em 1980. Desta maneira, conseguiram se emancipar como
sujeitos de sua própria história e garantir direitos na Constituição Brasileira de 1988 que
estabelece:
Art. 231. São reconhecimento aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo. (VADE MECUM, 2007, p.
69).
Apesar dos direitos conquistados arduamente, ainda tem muito a se alcançar, um dos
vieses se constitui a própria autonomia dos povos indígenas no Brasil, pois estereótipos e
preconceitos norteiam a história do país, para tal, a desconstrução da imagem eurocêntrica e
etnocêntrica colonial europeia é fundamental para se ter a inclusão social, respeitando sempre
a diversidade das etnias.
33
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A trajetória destes nativos, com suas lutas e conquistas, está interligada a trajetória do
povo brasileiro, segundo Cunha (1992, p. 18), a “percepção de uma política e de uma
consciência histórica em que os índios são sujeitos e não apenas vítimas, só é nova
eventualmente para nós. Para os índios, ela parece ser costumeira [...]”.
Os indígenas não são todos iguais, não falam a mesma língua, não têm as mesmas
crenças, não comem os mesmos alimentos, não têm a mesma aparência, existem tribos que
acreditam em determinados deuses, enquanto outros veneram deuses diferentes, existem
inúmeros deuses, como o deus Tupã, a deusa Jaci, o deus Guaraci, deusa Akuanduba, deus
34
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Sumé, deus Anhangá, deusa Ceuci, dentre vários outros. Cada povo indígena possuindo sua
própria etnia, sendo assim, segundo Santos e Palomares (2010, p. 124), “Etnia refere-se ao
âmbito cultural; um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades
linguísticas, culturais e semelhanças genéticas. Essas comunidades geralmente reclamam para
si uma estrutura social, política e um território”.
As línguas são distintas e cada língua traz consigo contos, poesias, músicas e
conhecimentos que são repassados ao longo dos anos pelos índios mais velhos aos mais jovens
através da oralidade, mantendo vivas as suas tradições que, inclusive, chegaram até nós.
Do mesmo modo que qualquer grupo, os povos indígenas também podem modificar
alguns aspectos de sua cultura e seu modo de vida como suas vestimentas, sua alimentação,
seu corte de cabelo, até mesmo aprender outra língua, isso não os descaracteriza. No entanto,
existe o preconceito de que o índio só é índio se vive na floresta, nu e distante de outras
civilizações, ou seja, longe dos atuais meios tecnológicos como, por exemplo, aparelho celular
e computador. O que deve ser compreendido é que a aproximação desses povos com as
tecnologias não significa necessariamente a negação de sua cultura de origem e tudo que a
envolve.
Então, não é correto afirmar que todos os povos indígenas são idênticos, apesar de
existirem muitos aspectos em comum entre as etnias que os faz se reconhecerem como
indígenas, cada uma possui suas peculiaridades, sua diversidade cultural, linguística, social,
religiosa, sua própria forma de ver o mundo e se posicionar nele, e essas diferenças estão muito
além dos estereótipos. Freire (2000) cita “Hoje vivem no Brasil mais de 200 etnias, falando
188 línguas diferentes. Cada povo tem sua língua, sua religião, sua arte, sua ciência, sua
dinâmica histórica própria, que são diferentes de um povo para outro”. (FREIRE. 2000, p. 4).
Segundo Pacheco de Oliveira:
35
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A Lei 10.639/03 foi alterada Lei pela 11.645/2008, que estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, determinando incorporar no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática História da África, Cultura Afro-brasileira e indígena em todos os
âmbitos educacionais, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares. Essa foi uma grande
vitória para os povos indígenas, pois segundo Paladino e Russo (2016):
A incorporação ou não das culturas e história dos povos indígenas no
currículo deve ser compreendida no campo das disputas políticas e
ideológicas no qual as diferenças são produzidas e hierarquizadas em nossa
sociedade [...]. (PALADINO E RUSSO, 2016, p. 902).
Esse currículo possibilita os estudantes a terem contato com a vasta cultura dos povos
indígenas resultando em um prisma que desmistifica pensamentos errôneos e eurocêntricos
sobre a temática indigenista, ainda mais no cenário amazônico.
Mas, o espaço reservado à população indígena continua sendo abordado em pequena
escala, inclusive nos livros didáticos, onde o conteúdo trabalhado em alguns casos, retrata os
indígenas como agentes passivos ou vítimas. Essa concepção dos povos indígenas é errônea e
contribui com estereótipos preconceituosos, esta carência de informações causa um impacto
negativo, tendo essa a justificativa para tal trabalho. Diante disso, o historiador Everaldo Rocha
salienta sobre o etnocentrismo diante as culturas de povos, “Na nossa chamada ‘civilização
ocidental’, nas sociedades complexas e industriais contemporâneas, existem diversos
mecanismos de reforço para o seu estilo de vida através de representações negativas do
‘outro’”. (ROCHA, 2006, p. 15).
Então, para conhecermos profundamente nossa história enquanto nação temos que
buscar nossas raízes que estão entranhadas na cultura indígena e para isso, deve-se esquecer o
olhar eurocêntrico e etnocêntrico que norteiam a escrita histórica, só assim a cosmovisão
indigenista ganhará voz, pois apesar da influência deste povo em nossa formação cultural, o
mesmo foi e continua sendo negligenciado, apesar de ter desempenhado um papel de
protagonistas na construção do Brasil. Portanto, mostrar a grandeza e a importância desse
36
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
pedaço do Brasil é fundamental para não termos uma história do Brasil fragmentada ou em
partes silenciada, para assim termos o acesso a um novo prisma, uma nova (re)escrita da
história.
Conclusão
A ideia de que índio é apenas aquele que mora em aldeia, no meio da floresta é algo
totalmente fora da realidade, pois os indígenas se encontram nas mais diversas áreas, nos mais
diversos lugares, eles estão onde desejam estar, é uma escolha individual. O local em que
habita, suas vestimentas, seus bens ou a profissão que segue não o descaracteriza como
indígena. Muitos indígenas vivem em área urbana e seguem uma rotina como a das demais
pessoas que residem em cidades.
Diante disso, a urbanização destes indígenas se deve a alguns fatores, dentre eles o
crescimento das áreas urbanas que acabam entrando em áreas indígenas, bem como a migração
destes indígenas para as cidades. Esses povos indígenas sofrem com preconceitos por parte da
falta de informação de pessoas que insistem que o lugar do índio não é na cidade, essas pessoas
se valem de estereótipos que passam uma imagem errada dos povos indígenas e seu modo de
vida.
Assim, os que vão para as cidades buscam o mesmo que todas as outras pessoas,
melhoria de vida tanto na educação quanto na saúde, seja através dos estudos ou do trabalho,
no entanto, quando chegam à cidade lidam com várias dificuldades como a discriminação por
não terem qualificação profissional.
Durante todo o tempo que passou desde a colonização até os dias atuais os indígenas
buscam reafirmar sua cultura e seu modo de vida, entretanto em meio a isso procuram melhoria
de vida fora de seu ambiente usual o que não exclui sua ancestralidade e suas crenças, pois seja
onde este estiver leva consigo seus costumes e sua fé.
Referências
37
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ALMEIDA. Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil no século XIX: da
invisibilidade ao protagonismo. In Revista História Hoje, v. 1, no 2, p. 21-39 – 2012.
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Edição: MEC/Unesco, Brasília, DF, NOV de 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira e Africana. Novembro de 2009.
CUNHA, Manuela Carneiro da.“Introdução a uma história indígena”. In: CUNHA, Manuela
Carneiro da. (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CUCHC, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais / Denys Cuchc; introdução de Viviane
Ribeiro. - Bauru: EDUSC, 1999.
FREIRE, J. R. Bessa. Cinco idéias equivocadas sobre o índio. In Revista do Centro de Estudos
do Comportamento Humano (CENESCH). N° 01- setembro 2000. Manaus- Amazonas.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: O que você precisa saber sobre os povos
indígenas no brasil hoje.In Coleção Educação Para Todos. Série Vias dos Saberes, volume 1.
Brasília: Ministério de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; Rio:
LACED/Museu Nacional, 2006. ISBN 85-98171-57-3.
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? São Paulo: editora Brasiliense, 2006.
SANTOS, Diego Júnior da Silva; PALOMARES, Nathália Barbosa; NORMANDO, David;
QUINTÃO, Cátia Cardoso Abdo. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental
Press J. Orthod. 2010.
VADE MECUM/ obra coletiva da autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio
Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. -- 4. ed. atual.
e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.
38
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
Na presente comunicação analisaremos a representação da América Meridional no
Mapa-Múndi de 1544, atribuído ao cartógrafo, navegador e explorador veneziano Sebastião
Caboto. Interessa-nos, sobretudo, analisar o contexto histórico de produção desse mapa, bem
como os possíveis significados da rica iconografia que ornamenta as extremidades do território
que delimita a América do Sul.
39
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
40
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
belga, Levinus Hulsius e, cujas semelhanças com uma carta de 1602, impressa na Oficina de
Bry, são facilmente percebidas. Não se trata de mera cópia ou plágio, mas de influências mais
abrangentes, sobretudo políticas, sociais e religiosas. Havia ainda no contexto dos séculos XVI
e XVII, o caso de famílias inteiras de cartógrafos, que podiam reproduzir por gerações, mapas
muito semelhantes em estilo, forma e conteúdo.
Por fim, o contexto da sociedade do qual o produtor de mapas participa como indivíduo
e artista. Conforme observa Harley, o cartógrafo é o agente individual, inserido numa estrutura
mais ampla que é a sociedade (HARLEY, 2005, p. 72). Esse princípio sintetiza os anteriores,
uma vez que um determinado mapa passa a ser ponderado como produto de um meio histórico
e social. Isso significa conjecturar os reais motivos que levaram a produção de um determinado
gráfico, qual o seu fim e o que ele deseja expressar em seu quadro. Assim sendo: “Todos os
mapas estão relacionados com a ordem social de um período e local específicos [...] não são a
sociedade exterior, fazem parte dela, são elementos constitutivos dentro do mundo em geral”
(HARLEY, 2005, p. 72).
O Mapa-Múndi de 1544
41
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
por John Cabot, de acordo com a versão inglesa do nome. Caboto filho fora educado na
Inglaterra, no período que seu pai prestava serviço para a coroa deste reino. Após a morte do
navegador João Dias de Solis, Caboto assumiu o cargo de piloto-mor da Casa de Contratação
(GUEDES, 2012, p. 50). Em 3 de abril de 1526, fez parte de uma expedição que pretendia
contornar a América do Sul pelo Estreito de Magalhães para, dessa forma, chegar até às ilhas
das especiarias (MEDINA, 1908, p. 320). O mapa original foi encontrado na Baviera, no ano
de 1843, e imputado ao referido navegador devido menção em seu nome em um dos painéis do
flanco dos textos em espanhol e latim nas colunas do gráfico.
Invertendo-se a ordem e começando pela leitura do segundo flanco, encontram-se as
descrições sobre seres monstruosos e/ou criaturas fantásticas que, segundo o imaginário
europeu quinhentista, deveriam habitar o oriente geográfico do orbe, região genericamente
denominada Índias Orientais: monstros semelhantes a homens, cujas orelhas enormes cobriam
todo o corpo, outros que não possuíam articulações nos joelhos e tampouco nos pés, e que
viviam sobre os domínios do Grande Cã. Segundo o texto, havia ainda homens selvagens que
habitavam as montanhas e florestas dos limites fronteiriços do território do poderoso soberano
mongol. (CABOT, 1544, TABVLA SECVNDA).
Na tábula primeira do mapa, encontra-se a descrição dos povos e monstros que
deveriam habitar às Índias Ocidentais, terra “descoberta” pelo almirante Cristóvão Colombo
em 1492, como reforça a inscrição no flanco. O texto destaca que na Ilha Espanhola havia
muito ouro e muito açúcar. São Domingos era uma cidade muito boa, onde a Santa Fé Católica
já havia penetrado e os reis governavam a todos com muita justiça e retidão. Na cidade do
México também existia muito ouro, prata, toda sorte de pedras preciosas, seda muito boa e
algodão. (CABOT, 1544, TABVLA PRIMA).
Nessas terras do Novo Mundo habitavam também homens selvagens, carentes de pão e
vinho, gente má e salteadora. Um pouco adiante deste povo de selvagens, viviam seres
monstruosos, cuja aparência de homem se mesclava com a de porco, e que grunhiam como tais.
Nas cercanias do Rio da Prata existiam serras de onde se retiravam infinitíssimas quantidades
de ouro e prata, além de homens com cabeça de cachorro e outros com as partes abaixo dos
joelhos semelhantes às de avestruz (CABOT, 1544, TABVLA PRIMA).
42
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura, 1. Mapa-Múndi de Sebastião Caboto. Ano de publicação: 1544. Fonte: Biblioteca Nacional da França.
A transposição do fantástico outrora localizado no Oriente para às terras “recém-
descobertas” da América foi um processo que se deu por etapas. Pouco a pouco, os diferentes
mitos clássicos, provenientes do imaginário medieval/renascentista europeu, seriam
transportados principalmente para a geografia da América do Sul. Sobre esse fenômeno, o
historiador chileno Roja Mix ainda observa que:
1 Tradução nossa. Em espanhol: “El descubrimiento de América significó un enorme trasvasijamiento del
imaginario europeo en las nuevas tierras descubiertas. Los mitos, las leyendas, el mundo teratológico, las
quimeras, todo va a adquirir carta de ciudadanía en América, y todo a ser buscado allí con ahínco por los
rastreadores de fortuna y los cazadores de sueños. De esta forma, se produce un enorme desplazamiento
geográfico del fantástico medieval, un resurgimiento del fantástico clásico e incluso un fantástico originário...”
(ROJA MIX, 1993, p. 125).
43
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
44
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura, 2. “O Rio das Amazonas”. Fragmento extraído do Mapa-Múndi de Sebastião Caboto. Publicado em 1544.
Fonte: Biblioteca Nacional da França.
No extremo Sul da América, vemos surgir outro famoso mito produzido pela
imaginação europeia quinhentista: a“Regio Gigantum” (Região dos Gigantes). Quem
inaugurou essa lenda foi o marinheiro e cronista italiano Antônio de Pigafetta (1491-1531),
responsável por descrever os acontecimentos da primeira viagem de circum-navegação ao
redor do globo. Tal expedição, comandada por Fernão de Magalhães/ Juan Sebastián Elcano,
entre os anos de 1519 e 1521, tinha como objetivo contornar a imensa massa territorial do
continente americano e chegar até a ilhas dos Condimentos (Ilhas Molucas) (MAGASICH-
AIROLA; DE BEER, 2000, p. 261).
Ao chegar na Baía de San Julián (atual Patagônia Argentina), no dia 19 de maio de
1520, Pigafetta anotou em seu diário de bordo, o seguinte relato, após ter avistado os habitantes
do estreito:
Transcorreram dois meses sem que víssemos nenhum habitante do país. Um
dia, quando menos esperávamos, um homem de figura gigantesca se
apresentou ante nós. Estava sobre a areia, quase nu, e cantava e dançava ao
mesmo tempo, jogando poeira sobre a cabeça. O capitão enviou à terra um de
nossos marinheiros, com ordem de fazer os mesmos gestos em sinal de paz e
45
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
amizade, o que foi muito bem compreendido pelo gigante, que se deixou
conduzir a uma pequena ilha, onde o capitão havia descido. Eu me encontrava
ali com muitos outros. Deu mostras de grande estranheza ao ver-nos e
levantando o dedo queria dizer que acreditava que nós havíamos descido do
céu. Este homem era tão grande que nossas cabeças chegavam apenas até à
sua cintura. De porte formoso, seu rosto era largo e pintado de vermelho,
exceto os olhos, que eram rodeados por um círculo amarelo e dois traços em
forma de coração nas bochechas. Seus cabelos, escassos, pareciam
branqueados por algum pó [...] (PIGAFETTA, 2019, p. 58-59).
2 Tradução nossa. Em espanhol: “Este estrecho detodos santos descubrio Hernando de Magalhanes, Capitan que
mando hazar la S. c. c. m. del Imperator Dom Carlos y Rey nuestro sennor para el descubrimiento delas islas
Maluco. Ay eneste estrecho hombres de tan grande estatura que parecen Gigantes, es tierra muy desierta, y visten
se de pielos de animales” CABOT, 1544, Tabvla Prima).
46
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura, 3. A “Região dos Gigantes”. Fragmento extraído do Mapa-Múndi de Sebastião Caboto. Publicado em
1544. Fonte: Biblioteca Nacional da França.
47
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
Referências
BLACK, Jeremy. Mapas e História: Construindo imagens do passado. Bauru, SP: Edusc,
2005.
CABOT, Sébastien. [Mappemonde / par Sébastien Cabot en guise de titre, une inscription
bilingue dont le texte latin est le suivant]...1544. Biblioteca Nacional da França. Disponível
em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b55011003p/f1.item.zoom. Acesso em: 16 de junho
de 2020.
CARVAJAL, Gaspar de. Descobrimento do rio das Amazonas. Trad. C. de Mello Leitão. 5ª
Ed. – São Paulo: Ed. Brasiliana, 1941.
GUEDES, Max Justo. A cartografia impressa do Brasil: os 100 mapas mais influentes/1506-
1922. Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2012.
48
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
49
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este trabalho é um estudo sobre documentos que tratam de uma devassa no último quartel do
século XVIII, que ocorreu na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, na Capitania do Mato
Grosso. O padre de nome Bento de Andrade Vyeira sofreu um processo por ter expressado
opinião contra sua majestade, emitida durante uma discussão em que defendia os interesses de
seus sequazes na vila. No auto de denúncia o sacerdote foi acusado de inconfidente. Assim, ele
foi imediatamente preso e seu caso foi levado ao Conselho Ultramarino e à Coroa, em Portugal.
Nessa composição busca-se compreender qual é o contexto de acusação do padre e a razão pela
qual relacionaram seu caso com o movimento inconfidente. Busca-se compreender também o
significado do fato no contexto de relações colônia e metrópole e qual o conhecimento dos
locais sobre o movimento de inconfidências ocorridos na capitania de Minas Gerais e suas
eventuais consequências.
Introdução
A presente pesquisa procura analisar a massa documental de uma devassa litigiosa
realizada na Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, na Capitania do Mato Grosso, entre os
anos de 1774 a 1777. A denúncia foi dirigida contra o clérigo de hábito de São Pedro e
coadjutor da comarca eclesiástica da Vila, Bento de Andrade Vieira, pelo denunciante
Francisco Xavier Correa dos Reis. O motivo da devassa alude a uma “disputa de palavras”
entre o padre e demais membros da elite cuiabana. A peleja, supostamente iniciada pelo
eclesiástico, ficou marcada pela ousadia de Bento de Andrade, que proferiu: “Sim também lá
50
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
no Reino se dá em El Rey com hum pau”, o que acarretou em sua prisão, e consequentemente,
na produção material que será analisada.
A partir dessa fonte documental, tem-se como objetivo investigar os conflitos que se
desenrolaram em consequência deste evento, a fim de compreender o porquê da punição
atribuída ao padre. Para entender a devassa em questão, é proposta também uma análise,
considerando as interpretações contemporâneas de Norbert Elias, a respeito de como se
desenvolvia o contexto microssômico da época em consonância com os eventos que ocorriam
em escala nacional. Ou seja, se intenta identificar como os agentes da devassa defendiam seus
interesses em disputa com outros indivíduos e segmentos da sociedade cuiabana, sendo ao
mesmo tempo, interferentes e interferidos pelo contexto macropolítico do país no último quarto
do século XVIII.
Aspectos metodológicos
51
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
sua volta à coadjutoria paroquial; e por fim, seu último registro se apresenta nos Anais de Vila
Bela 1734-1789, mencionando sua prisão e soltura por ordem Real de Dona Mariana Victória.
Descrição documental
Discussão histórico-teórica
O clérigo Bento de Andrade Vieira, residente na Vila Real, era paulista, nascido em
1723, habilitado de genere, filho de Izabel Vieira e Luiz de Andrade, ordenado no bispado de
52
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
São Paulo, doutor em Teologia e Letras Canônicas e coadjutor na Matriz do Senhor Bom Jesus.
Foi preso na Villa Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá, por denúncia de ter proferido,
segundo o denunciante, o licenciado Francisco Xavier Corrêa dos Reys, as mais “sacrílegas
palavras contra a pessoa Del Rey”. O fato ocorreu em uma “noite de diversão” do ano de 1773,
e, casa do capitão Miguel José Rodrigues, por não concordar com um procedimento judicial
realizado naquela ocasião.
Entre os presentes, havia decidido que poderia ser tomado o cavalo de Pedro Gonçalves,
amigo do padre, para que o cirurgião da vila fosse examinar um cadáver. Esse procedimento
seria correto por ser um serviço de interesse de Sua Majestade, tal como se procedia em
Portugal. Segundo o denunciante, era plenamente justificada por uma “Lei do Corregedor de
Pinhel e do Cônigo da Guarda”, sancionada no Reino.
O padre Bento Vieira teria discordado da decisão, levantando-se da cadeira a qual
estava sentado, e na presença de todos, ele proferiu uma inesperada frase: “Sim também la no
Reino se dá em El Rey com hum pau”. A qual, segundo o relato das testemunhas arroladas na
Devassa procedida pelo escrivão da Câmara e provedor das fazendas dos defuntos e ausentes,
cappatas, e reziduos, João da Silva Nogueira, deixou todos atônitos.
A frase que o clérigo teria dito não significaria apenas uma simples demonstração de
insatisfação individual com o que se havia decidido naquela noite. Não se tratava apenas de
achar injusto tomar o animal para o “bem do serviço D’El Rey”, mas também transparecia certo
sentimento de contestação às ações praticadas pelo monarca o que poderia ser entendido como
ofensivo e conspiratório. Vale lembrar que, nesse período, já circulavam ideias de conjuração
em terras coloniais e, poucos anos depois, como ocorreu o simbólico caso de Vila Rica, nas
Minas Gerais, vários padres estiveram ativamente envolvidos no movimento de Inconfidência.
Muitos clérigos da América portuguesa do século XVIII passaram a participar
diretamente da política, principalmente os que eram formados na Universidade de Coimbra,
como o caso do religioso Bento de Andrade Vyeira. Estes seriam do maior interesse da
Metrópole investigar suspeitas atitudes dos eclesiásticos, pois eram os principais responsáveis
pela “difusão dos princípios iluministas e liberais entre seus membros, envolvidos cada vez
mais na vida política nacional”.
53
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Por quatro anos o religioso ficou preso em Cuiabá. O clérigo pediu a sua liberdade
alegando não ser um inconfidente, não ter cometido tal crime; declarou a ilegitimidade
jurisdicional, através de requerimentos, da “Lei do Corregedor de Pinhel e do Cônigo da
Guarda”; e alegou ser vítima de uma perseguição do denunciante, Francisco Xavier Correa dos
Reys, juntamente ao procurador do povo que deu entrada em sua acusação, Manoel Francisco
da Silva.
Na sua devassa, foi relatado pela testemunha Manoel Mendes Machado, que ao saber
da prisão do religioso, foram realizados dois banquetes na casa do licenciado, com direito a
convidados que estiveram presentes na noite da denúncia. E em outra intimação, um desses
relatou “por ouvir dizer” que Francisco Xavier havia se referido da seguinte maneira a Bento
de Andrade “hera revoltozo, e agora havia de hir ver Lisboa”, aparentando ter ciência de
aspectos tanto específicos da investigação, como do fato de que os julgamentos realizados à
égide do Tribunal da Inconfidência estendiam-se à alçada de Lisboa para Inquirição.
O padre Bento só conseguiu sua liberdade em 1777, com o indulto da rainha regente,
Dona Mariana Victória. Após isso, o padre secular voltou à coadjutoria paroquial, como consta
nos “Annaes do Senado da Câmara do Cuyaba 1719-1834”, e em 25 de março de 1778, foi
orador nas celebrações das exéquias reais feitas na Igreja Matriz da Vila Real, realizando, pelo
mesmo Rei a quem supostamente ameaçou no Reino, “a ação mais fúnebre por quem recitou a
oração com lágrimas”. O padre também foi o pregador, em 1º de agosto do mesmo ano, da
Missa Cantada na nova matriz da freguesia de Santa Ana da Chapada.
E o último relato de sua presença na Capitania de Mato Grosso é de uma carta do
Capelão José Correa Leitão ao governador Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres,
em 1779, na qual caracteriza Bento de Andrade da seguinte forma:
Esteve preso e foi solto por ordem de V. Exa. por execução de uma sua carta
que recebi em dezembro próximo passado me recomenda muito este
sacerdote e que o contempla com os maiores obséquios e atenções, e me
afirma que nisso lhe farei gosto e serviço. Além disso, está cheio de impingem
e outras moléstias, que o obrigam a viver no uso de remédios, e em grande
dieta, é para muito pouco, sendo o de maior instrução.
54
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
55
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
figura monárquica de Dona Mariana Victória, rainha regente e símbolo da soberania portuguesa
em 1778.
Esse vínculo estrito entre colônia e metrópole, que expõe uma atuação política ferrenha
dos órgãos portugueses nas províncias locais, se mantém por dois motivos principais. De
acordo com Carvalho, a sustentação desse aparato se encontra no enfraquecimento das
comunicações interprovinciais e, ao mesmo tempo, no fortalecimento dos conflitos locais
intraprovinciais (inofensivos ao cenário político nacional). Os conflitos locais se tornam, em
outras palavras, mecanismos de controle da metrópole sobre a colônia. No caso estudado, é
visível como esse conflito entre as autoridades civil (o capitão-general Luiz de Albuquerque e
seus “parceais” - o licenciado denunciante Francisco Xavier; o procurador Manoel Francisco)
e religiosa (o padre denunciado Bento de Andrade Vieyra, que representava o clientelismo
local) é dependente - como indica a teoria de Elias - da autoridade suprema do Rei para que
um desfecho lhe seja atribuído. Por mais que cada agente possuísse seus interesses particulares
vinculados à devassa, cabe à figura do Rei legitimar ou não esses interesses. Ou seja, mesmo
que esses interesses particulares jamais influenciassem diretamente o contexto macrossômico
do Brasil Colônia ou a vida do Rei, eles continuam sendo atribuídos aos tribunais do Reino de
Portugal, de forma a preservar a centralidade autocrática do governo colonial.
A postura inconfidente foge dessa dinâmica de poder. O envolvimento de um padre de
Cuyabá com um movimento separatista originário da província mineira significaria não
somente o resgate da comunicação não comercial entre as províncias como também a
destituição do Rei como árbitro final dos conflitos locais. Num contexto macro-político, o
movimento inconfidente, se bem sucedido, implicaria a desvalorização da figura do Rei como
autoridade absoluta. O julgamento do padre e sua prisão, decretada pelos órgãos de autoridade
jurídica portugueses, significam a manutenção da ordem portuguesa de dominação.
Por mais que o objetivo inconfidente jamais seja confirmado nas ações do Padre Bento,
é conveniente para a metrópole se utilizar desse discurso para garantir sua autoridade. Dessa
forma, uma ameaça diante da pauta separatista pode ser estabelecida na comunidade civil, os
jogos de poder entre as elites locais seguem com suas performances e a coroa portuguesa
mantém sua hegemonia sólida sobre a colônia. É importante ressaltar também que, no aspecto
56
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
57
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
nas províncias, herança da administração pombalina, por exemplo, explica os conflitos locais
serem atendidos pela burocracia da metrópole.
Um ponto que é preciso sublinhar é a caracterização feita por parte do acusador, onde
imputa ao padre a qualidade de inconfidente. `Visto que demonstra compreensão dos processos
“revolucionários” que ocorriam na província mineira. Uma vez que esse termo na acusação só
tem sentido se o seu autor tem um mínimo de percepção que um inconfidente é alguém
contrário à figura soberana da coroa portuguesa em território sul-americano. E igualmente tem
conhecimento da gravidade do crime e da jurisdição própria de apreciação desse modelo de
caso.
Não há, por parte do estudo, de se apresentar uma completa integração entre as
províncias, como foi fundamentado anteriormente sobre suas relações diretas com o reino
europeu, diminuindo a integração. Mas de demonstrar que as elites coloniais locais, sim,
possuíam uma visão mais global dos eventos. Assim como mantinham íntimas relações com
as elites metropolitanas a fim de se utilizarem das diferentes instâncias de poder em benefício
próprio e como meio de solucionar conflitos a seu favor.
Por fim, é necessário evidenciar a conexão entre o padre como representante da igreja
secular e poder eclesiástico disputando espaço sócio-político com o poder estatal. Já que o
período também é marcado por essa questão, tanto com a expulsão dos jesuítas, duas décadas
antes, como pequenas tensões que surgem no período exatamente pela expansão da máquina
burocrática.
Referências
BRANDÃO, Carlos F. A teoria dos processos de civilização de Norbert Elias: o controle das
emoções no contexto da psicogênese e da sociogênese. Tese (Doutorado) Marília, S.P. :
Universidade Estadual Paulista – UNESP, 2000.
CORBALAN, Kleber R. L. O clero católico na fronteira ocidental da América portuguesa
(Mato Grosso colonial, 1720 – 1808). Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Tese apresentada à Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título
de Doutor em História.
58
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes documentais
⚫
AHU-MT, Caixa 17, Doc. 1086. OFICIO do [governador e capitão-general da
Capitania de Mato Grosso] Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres ao
[secretário de estado da Marinha e Ultramar] Martinho de Melo e Castro sobre a prisão,
na Vila de Cuiabá, do padre Bento de Andrade Vieira, que proferiu as mais sacrílegas
palavras à pessoa do Rei. Vila Bela, setembro de 1774.
⚫ AHU-MT, Caixa 19. Doc. 1159. REQUERIMENTO do padre Bento de Andrade
Vieira, preso na Cadeia da Vila de Cuiabá, à rainha [D. Maria I] em que pede para ser
solto e indenizado pelo seu denunciante. Vila do Cuiabá, 1777.
⚫ ANAIS de Vila Bela 1734-1789. Janaina Amado, Leny Caselli Anzai, organizadoras.
Cuiabá: Carlini & Caniato: EdUFMT, 2006 (Coleção documentos preciosos).
⚫ ANNAES do Senado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830 [transcrição e organização
Yumiko Takamoto Suzuki]. Cuiabá: Entrelinhas; Arquivo Público de Mato Grosso,
2007.
59
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo mostrar-nos como o ensino da história da África
e da Cultura afro-brasileira pode ser uma ferramenta para luta contra o racismo que está
impregnado na sociedade brasileira. O ensino foi escolhido para tal, pois a classe estudantil é
o futuro da sociedade, e a educação é um forte agente da transformação social.
Dividido em três partes, este trabalho reúne teoria e prática, mostrando que é possível
ambas andarem juntas, e obter bons resultados. Tal artigo apresenta as mudanças ocorridas na
60
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
escrita da África, através de autores que reescrevem a história da África e como estas mudanças
atingem a sociedade e o ensino brasileiro.
O uso do ensino de História da África e cultura afro-brasileira como viés a luta contra o
racismo
(Re) escrita Africana: A África em um novo prisma.
Desta maneira, cada povo e nação possui sua identidade, e é a história que apresenta as
qualidades de determinado grupo. Porém essa identidade histórica é distorcida, quando agentes
exógenos vêm e constroem narrativas errôneas sobre uma civilização ou nação. À vista disso,
a escrita sobre o continente africano é assentada no eurocentrismo, onde proporcionou
preconceitos e visões improcedentes de povos africanos a partir destas reflexões.
No passado havia o pensamento de que os povos que não possuíam a escrita, não tinham
cultura e por isso eram esquecidos. Por conta do receio dos pesquisadores em utilizar a história
oral, a narrativa de vários povos foi escondida e negligenciada durante um longo tempo. Muitos
estudiosos tinham desconfianças a respeito da oralidade, os mesmos contestavam sua
61
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
veracidade e se era aconselhável confiar em algo que simplesmente foi falado, pois existia a
ideia de que somente documentos escritos eram confiáveis e dignos de credibilidade, porém,
essa visão se mostrou errada e felizmente se tornou obsoleta.
Com essa crença, não poderia existir uma história da África, mas, sim a história dos
europeus no continente africano recorrendo sempre às fontes externas, incapaz de considerar
as sociedades africanas como possuidora de uma cultura original que se perpetuou durante os
séculos.
Os europeus acreditavam que eram impossíveis as misturas entre etnias e povos, visto
que o Saara era impenetrável, logo não poderiam ocorrer trocas de bens materiais, apesar de
que foram presenciados impérios que possuíam uma sociedade politicamente organizada que
se assemelhava a situação mesopotâmica. Alberto da Costa e Silva na obra A manilha e o
Libambo elenca reinos que possuíam grande desenvoltura comercial, assim:
Nos grandes reinos da savana sudanesa, como Gana, Mali, Canem-Bornu, Songai
e, mais tarde, Oió, os reis eram os maiores proprietários agrícolas. Muitas
plantações, contudo, pertenciam a particulares, que colocavam nos mercados boa
parte da produção. Ou a exportavam. O milhete do Mali, por exemplo — isto nos
diz Ibn Batuta —, era consumido, na metade do século XIV, nas minas de sal de
Tagaza. (SILVA, 2011, p. 36).
Com o avanço da hermenêutica foi revelado que essa visão sobre a África sem história
não tinha fundamento, nos anos 1950 surge uma escola revisionista originada em meados do
século XX durante o processo de descolonização, já com público significativo mesmo sem ter
62
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
muito enfoque, assim à história da África vinha sendo contada entre os leitores franceses e isso
fez com que surgir um novo prisma. Uma (re) escrita histórica onde os africanos são os sujeitos
e não objeto de sua própria história, o historiador Elikia M’Bokolo aponta em sua obra
intitulado África negra: História e Civilização o real valor dessa nova visão da África. Para a
elaboração de tal processo, foram usadas as tradições orais e a escrita, esse método era inédito
para a época em que se desdobrou, assim segundo o autor:
A herança não se perde, dado que a memória tem o papel de guardar a cultura e é nas
lembranças de cada indivíduo que reside a história. A escrita não deve menosprezar o
conhecimento adquirido, uma vez que ambas possuem seu valor e sua finalidade na valorização
e no resgate da história.
63
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Por conseguinte, a vegetação se domesticou, do mesmo modo que alguns animais, mas,
segundo Costa e Silva (2006) em seu livro A enxada e a Lança, eles nunca foram amansados
de forma sistemática. Assim, a fauna é um dos grandes pontos de riqueza da África, superando
até mesmo a flora. As práticas de trabalho se diferenciam de grupos para grupos, assim como
a tronco linguístico e seus ritos e crenças.
64
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
expedição da Lei 10.639/03 e sua alteração pela Lei 11.645/2008 estabeleceu as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, e determinou a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática História da África, Cultura Afro-brasileira e Indígena, em todas as
escolas tanto pública como particulares, estimulou assim o uso de novos métodos de ensino,
para enriquecer essa temática em sala de aula salientado o ensino prazeroso para o estudante.
65
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
filmes, novelas e jogos interativos, carregam consigo uma grande massa de informação,
possibilitando um amplo acesso.
Logo, foi desenvolvido este trabalho em sala de aula com alunos do 6º “01”, com 32
alunos; 6º “02” com a participação de 35 estudantes; 6º “03”, com 31 alunos; e 7º ano “01”
participou 38 alunos, do Ensino Fundamental no turno matutino na Escola Estadual Corintho
Borges Façanha, município de Tefé – Amazonas, no ano de 2019.
66
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
formando uma nova perspectiva da riqueza que compõe arte, cultura e religiosidade dos povos
africanos. Segundo Monti, “Se a máscara teve, pois, um papel de grande importância em muitas
culturas, sobretudo nos primórdios [...] na África, ao contrário, provavelmente pelo grau de
primitivismo mantido pelas populações através dos séculos, ela manteve sua preeminência
intacta”. (MONTI, 1992, p.8). Para finalizar a atividade, foram confeccionadas máscaras com
algumas características dos povos africanos, a escolha do material foi a critério do aluno, já
que queríamos diversidade e, para isso, as máscaras tinham que ser diferentes em sua
construção e estética.
67
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
A educação tem um grande papel na sociedade, se existe algum âmbito social que
mudará, ou que seja o pontapé inicial para a mudança social, este é a educação. No início do
projeto “Vista minha pele" não se imaginava que ele teria grande impacto na vida dos alunos e
dos envolvidos. A participação da escola, da classe de professores e, sobretudo dos alunos foi
de suma importância para a realização. Destaca-se a classe de discentes da escola que abraçou
68
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
esse projeto, se envolveu na criação das atividades proposta e relataram suas experiências com
preconceito racial.
Portanto, este projeto expõe que é possível trabalhar como novas metodologias que
possibilitam o ensino prazeroso e dinâmico. Filmes, séries, imagens, charges e até mesmo a
poesia, são exemplos de suportes que podem auxiliar e facilitar o aprendizado, tornando-o mais
convidativo e envolvente. No mais, acredita-se na possibilidade de militar contra o racismo por
meio da Educação, fazendo uso do ensino da história da África e cultura afro-brasileira.
Referências
BARBOSA. Muryatan Santana. Eurocentrismo, História e História da África. Revista
Sankofa, n.1, jun. 2008. p.47.
COSTA, Renilda Aparecida. Reconhecimento das identidades étnico-raciais e a
implementação políticas educacionais no Brasil. Rio de Janeiro, 2018.
CUCHC, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais / Denys Cuchc; introdução de Viviane
Ribeiro. - - Bauru: EDUSC, 1999.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1992.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HAMPATE BÂ. A tradição viva. In KIZERBO, J. História Geral II da África Metodologia e
pré-história. São Paulo: Ática, Paris: UNESCO, 1982.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico / Roque 14.ed. de Barros
Laraia. — 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge"Zahar Ed., 2001.
M’BOKOLO, Elikis. África negra: História e civilização/ Elikia M’Bokolo; com a colaboração
de Sophie le Callennec e de Thiemo Bah; tradução de Manuel Resende; revisão acadêmica da
tradução para a edição brasileira, Daniela Moreau, Valdemir Zamporoni; assistente: Bruno
Perssoti. – Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa das Áfricas, 2011.
MONTI, Franco. As máscaras africanas. Trad. Luís Eduardo de Lima Brandão. 1. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 154 p, 1992.
SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: A África antes dos portugueses/ Alberto da
Costa e Silva. – 5.ed.,ver.e ampl.-Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700 /
Alberto da Costa e Silva. - 2.ed. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2011.
Site: WWW.BONECASABAYOMI.COM.BR acessado em 17/10/2020
69
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
A construção da ferrovia Madeira-Mamoré foi um processo exploratório de trabalho
humano antes de um empreendimento pioneiro, heroico, civilizatório e moderno. No início do
século XX, as inovações tecnológicas visando uma conexão produtiva e comercial sob a égide
do capital industrial, produziram novos significados de modernidade e progresso que
70
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
71
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
dos locais de moradia da ferrovia, analisarei algumas dessas habitações, como os barracões,
acampamentos e casarões.
Teoricamente, há uma separação entre os “espaços de trabalho” e “espaços de moradia”.
Seguindo as discussões de Danielli Colucci e Marcus Souto (2011), o “espaço” é formado pela
inter-relação entre “meio físico” e as esferas sociais, ou seja, espaço é a interação entre os
homens e o meio físico, no movimento de apropriação dos recursos e produção/reprodução da
existência. Nestes espaços, há os “locais”, aquilo que é “próprio do lugar” das especificidades,
das vivências, da interação maior entre os sujeitos. Tudo isso pertence ao território, uma vez
que “território” se refere ao estabelecimento de relações de poder institucional sobre o espaço
delimitado por extensão de terra e dinâmicas sociais dos locais. Barracões, acampamentos e
residências são locais que compõe os espaços de trabalho e moradia dentro do território da
Companhia.
Durante a construção, os barracões eram montados por turmas de exploração, projeto e
qualquer outro serviço envolvendo o assentamento dos trilhos, de modo que, por serem
trabalhos que exigiam constantemente maior locomoção, os barracões eram práticos por serem
armados com maior rapidez. De lona ou palha de coqueiro, eram dispostos de 10 em 10
quilômetros. Se diferenciavam pela qualidade do material utilizado para cobertura do teto;
pelos seus recursos, que em alguns trechos da ferrovia podiam ser escassos devido à distância
dos barracões do ponto central do complexo ferroviário; e, de acordo com os homens a serem
acomodados, como os operários responsáveis pelos serviços sob a supervisão de um técnico
para fiscalização e os engenheiros temporariamente a serviço pela linha férrea.
Evandro Lopes (1995, p. 24) também identificou no complexo central da construção,
em Porto Velho, habitações coletivas com a designação de “barracões”, organizadas de acordo
com as funções de trabalho, como “barracão para mecânicos”, “barracão para artífices” e
“barracão para trabalhadores”.
O empregado Henry Tomlinson faz uma descrição peculiar sobre essas barracas:
“desordenadas dos negros e dos trabalhadores nativos, que eram construídas suspensas do chão,
para permitir a ventilação, e tinha uma vala em volta, fétida com esgoto e desgraças com cheiro,
uma Coloenis, uma borboleta escarlate com asas estreitas, como as asas de uma andorinha,
costumava flamejar, e frequentemente pousaria ali” (p. 402). Helio Rocha (2011, p. 235)
72
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
73
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
necessário manter grandes turmas de trabalhadores, geralmente compostas de gente que não
prima pela constância no serviço” (SEGNINI, 1982, p. 53).
Alguns acampamentos cresceram em aglomeração, atraindo o comércio, servindo como
entrepostos para a Companhia e constituindo vilas, posteriormente à conclusão da ferrovia,
enquanto outros acampamentos transformaram-se em estruturas abandonadas, à medida que os
homens outrora ali mobilizados concluíam seus trabalhos e eram transferidos para outros
serviços ou, simplesmente, morriam durante os trabalhos prestados.
As casas ou chamadas residências, eram erguidas para os empregados de hierarquias
mais altas, como os representantes oficiais, empreiteiros e gerente geral da ferrovia, no
complexo central, em Porto Velho, mas em terras relativamente distantes dos escritórios e
oficinas (locais de trabalho). Geralmente eram compostas apenas por um pavimento e
esteticamente recriavam um ambiente que não se distanciasse do modo de vida dos países de
origem “civilizada” dos moradores.
Eric Hobsbawm elabora considerações sobre o “lar burguês” e os interiores que os
cercavam, que ajuda a compreender a configuração de um ambiente e modo de vida transferido
para o espaço da ferrovia. Os registros do interior de uma das residências, pelo fotógrafo
contratado da ferrovia, Dana Merrill, são compostos por objetos (mobília, espreguiçadeiras,
plantas, decoração) e um casal.
Os objetos bem elaborados, como uma mobília trabalhada, expressavam seu custo e
simbolizavam o status, revelavam tanto o “valor em si mesmo como expressões de
personalidade, como sendo o programa e a realidade da vida burguesa” (HOBSBAWM, 2000,
p. 238). Alain Corbin coloca o cuidado com o jardim e plantas como um marcador de
diferenciação entre as classes, que podemos identificar no contexto das residências dos
empreiteiros: “Para o rico, o ar, a luz, o horizonte desimpedido, o retiro do jardim; para o pobre,
o espaço fechado, sombrio, os tetos baixos, a atmosfera pesada, a estagnação dos fedores.”
(CORBIN, 1987, p. 191).
Em síntese, a ocupação dos espaços de moradia é construída pelas relações sociais a
partir da convivência entre sujeitos e grupos, porque o local é a esfera de interação.
Os trabalhadores são formados por dois abrangentes grupos, os operários (realizam o
serviço braçal) e os empregados (não realizam serviços que envolvem força física). Os de
74
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
categoria mais alta, como empreiteiros, moram em residências de melhor qualidade e mais
afastadas do local de trabalho, suas interações ocorrem em grande parte do tempo em um
círculo limitado de homens que compõem os cargos mais altos.
Os que moram em barracões geralmente são operários, trabalham ao ar livre no leito da
estrada ferro, onde moram e trabalham no mesmo espaço; por serem moradias que vão se
distanciando do complexo central, há um esmaecimento do controle da Companhia sob esse
território, fazendo com que outros trabalhadores livres somem-se aos barracões, aumentando o
horizonte de suas interações.
Os moradores dos acampamentos podem ser operários ou empregados; alguns
acampamentos possuem estrutura melhor, outros não. No acampamento, escritórios e trabalho
na linha férrea são os locais de trabalho, em que alguns possuem um conforto maior do que
outros, mas conjuntamente, em algum momento podem compartilhar uma precariedade
independente das funções. São acampamentos próximos do local de trabalho.
Dessa forma, a ocupação é determinada pelas relações de trabalho, que produzem
diferentes experiências de trabalho. O elo que congrega esses modos distintos de viver é a
relação de exploração criadora das condições históricas em que esses homens, subjugados pela
venda da sua força de trabalho, não podem escolher o modo como vivem, pois é determinado
pela Companhia.
Esse sistema de habitação não era novidade trazida pela ferrovia Madeira-Mamoré. Para
Percival Farquhar, foi mais uma oportunidade não somente da expansão dos seus investimentos
na região amazônica, mas também de experimentação do seu sistema de exploração através de
construções, já que tinha experiência dentro do ramo de exploração dos serviços na América
Latina.
Com as experiências pela Guatemala e Cuba, pode-se afirmar que a ferrovia Madeira-
Mamoré consistiu em campo de experimentação dos seus métodos na implantação de um
sistema hierárquico de trabalho e estrutura habitacional e sanitária, aplicados em cerca de
30.000 homens e mulheres, que se adaptaram, desertaram ou morreram.
Em consonância com a afirmação de Eric Hobsbawm (2000) de que “Os fenômenos
mais superficiais são às vezes os mais profundos” (p. 237), a proposta deste artigo foi discutir
75
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
BENNIT, Ralph Anderson. The Madeira-Mamoré Railway. (thesis). College of engineering,
University of Illinois, 1913.
COLUCCI, Danielle Gregole. SOUTO, Marcus Magno Meira. Espacialidades e
territorialidades: conceituação e exemplificações. Geografias. Belo Horizonte 07 (1). Janeiro-
junho, 2011.
CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
CRUZ, Heloisa de Faria. Trabalhadores em serviços: dominação e resistência (São Paulo –
1900/1920). São Paulo: Marco Zero, 1990.
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São
Paulo – 1927-1934. (Dissertação). UNICAMP, 1983.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução de B. A.
Schumann. São Paulo: Boitempo, 2010.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A ferrovia do diabo. 2. Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
FONSECA, Dante Ribeiro. In idem flumen: as povoações do rio Madeira e a origem de Porto
Velho (séculos XVIII ao XX). Porto Velho: Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia –
IHGR, 2017.
HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade
na selva. 2. Ed. red. E ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro:
Forense, 1986.
HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho. Tradução de Waldea Barcellos e Sandra Bedran.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
KRAVIGNY, Frank W. The Jungle Route. New York: O. Tremaine, 1940.
LOPES, Evandro R. Súditos e Cassacos: os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré (1907-1931). Porto Velho, UFRO, Monografia de Bacharelado em História, 1995.
ROCHA, Hélio Rodrigues. O mar e a selva: relato de viagem de Henry Major Tomlinson ao
Brasil – estudo e tradução. Tese (Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem. Campinas, SP: [s.n], 2011.
SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Ferrovia e ferroviários: uma contribuição para a análise
do poder disciplinar na empresa. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1982.
76
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
Este estudo busca trazer à tona a discussão sobre os limites e os desafios vivenciados
no processo de construção das práticas pedagógicas de valorização da identidade, da memória
e da cultura negras nas escolas localizadas no interior da Bahia. Para além do citado, a despeito
dos limites e desafios enfrentados, busco compreender se existem experiências educativas
ocorrendo nas escolas que apresentam práticas no trato da História e Cultura Afro-Brasileira e
77
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Africana e que possam ser tomadas como referências inspiradoras no processo de consolidação
da política educacional de educação das relações étnico-raciais.
A importância deste estudo reside no fato de que ainda são poucos os trabalhos que se
debruçam sobre as práticas educativas para as relações étnico raciais nas escolas do Sertão da
Bahia. Esta lacuna sinaliza o que foi apontado por Candau (2008): “A nossa formação histórica
está marcada pela eliminação física do outro ou por sua escravização, que também é uma forma
violenta de negação de sua alteridade”, (CANDAU, 2008, p. 17).
78
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
subjetividades, histórias e lutas das pessoas, vividas num mundo regido pela estrutura colonial.
O enfoque e a prática que se desprende da pedagogia decolonial é o diálogo com os
antecedentes crítico-políticos, ao mesmo tempo, em que partem das lutas e práxis de orientação
decolonial para dar vez e voz aos povos que foram subalternizados pela colonização, a exemplo
dos africanos, afrobrasileiros e indígenas.
A identidade nacional de um povo é construída por meio da atuação de vários espaços
sociais. A educação constitui-se um desses espaços porque possui o intento de formar cidadãos
e cidadãs nos modelos existentes na sociedade, mas também com o intuito de edificar o futuro.
Paulo Freire (2011) afirma que, sendo uma prática social, a educação ou o agir educativo de
cada povo ou, nação pauta-se pelas condições e necessidades postas em seus contextos e em
seu tempo. A discussão a respeito da educação para as relações étnico-raciais no Brasil, bem
como das demais subjetividades humanas, tem colocado em evidência a inserção do conceito
de diversidade em um contexto escolar que nasceu e se estruturou a partir da noção de
igualdade. Miguel Arroyo (1995) alertava sobre o fato de que nós, educadores, fazemos parte
de uma tradição pedagógica que aprendeu a lidar com a igualdade, e não com as diferenças.
Por isso, quando precisamos tratar pedagogicamente as diferenças “pensamos que o
pedagógico é superá-las, exigindo de todos a mesma trajetória educativa” (ARROYO, 1995, p.
19).
79
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
conjunto das políticas de promoção da igualdade racial no campo da educação. Como afirma
Gonçalves e Silva (2013, p. 2), “trata-se de uma política curricular de reconhecimento e de
reparação de desigualdades”. Ela integra o grupo de políticas de reconhecimento das
desigualdades e discriminações raciais contra os negros no Brasil e objetiva enfrentar as
injustiças nos sistemas educacionais do país. Segundo Candau:
80
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
escolas, a Escola Municipal Santa Rita de Cássia e a Escola Municipal Reinaldo Ramos Rios
localizadas no distrito de Santa Rita de Cássia do município supracitado.
A educação é um fenômeno complexo que não pode ser estudado sem levar em
consideração os aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais que estão imbricados no
processo pedagógico. Portanto, as práticas pedagógicas não devem atender apenas os
conteúdos formalmente estabelecidos. Elas precisam integrar o questionamento e a análise
crítica, a ação social transformadora, mas também a insurgência e a intervenção nos campos
do poder, saber e ser. Para Freire o ato de educar e educar-se é acima de tudo um ato político,
“sou substantivamente político”, disse, “e só adjetivamente pedagógico” (FREIRE, 2003).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, através da aprovação do parecer
CNE 003/2004 (BRASIL, 2004) e sua Resolução 01/2004 (BRASIL, 2004) são um modelo de
política pública implementada para a modificação do processo de exclusão promovido pelo
nosso sistema educacional e consequentemente as práticas docentes desenvolvidas nos
interiores das instituições escolares.
Vale destacar que a instituição da educação para as relações étnico-raciais como escopo
das práticas pedagógicas sugere questões que devem ser consideradas ao se avaliar as
81
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
condições de oferta da educação, evidenciando que não basta ter acesso a uma educação que,
muitas vezes, reforça apenas uma visão de mundo ou que deveria ser seguida. É necessário
compreender que há resistências, discordâncias, conflitos e tensões que não podem ser
ignoradas no processo de decolonização da formação e do currículo.
É evidente que as escolas localizadas nas regiões Norte e Nordeste, regiões que
aparecem num lugar de subalternidade e exclusão econômica, precisam pensar seus currículos
e adotar pedagogias que possam questionar a matriz da colonialidade, o lugar central da raça,
do racismo e da racialização como elementos constitutivos e fundantes das relações de
dominação e é em meio a estas relações que as práticas pedagógicas de valorização da história,
da memória e da cultura negras e indígenas se desenvolvem em cada região, de acordo com as
possibilidades e realidades de cada contexto específico.
82
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que por sua vez repousam na instalação de um conjunto de tecnologias, de políticas que
‘produzem’ ou promovem novos valores, novas relações e novas subjetividades nas arenas da
prática” (BALL, 2001, p. 103). De tal modo, percebemos que as políticas afirmativas, que vão
ter rebatimento nos currículos da formação de professoras/es, visam induzir novos valores e
novas subjetividades que abordem o racismo nas dimensões das disputas do cotidiano.
A equipe pedagógica registra que preza pelo ensino pautado na realidade local,
valorizando as práticas do cotidiano e as manifestações culturais da localidade. Durante o
ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira os professores buscam desconstruir os
estereótipos que permeiam este tema trazendo filmes, documentários, livros e outros
instrumentos que possam colocar estes sujeitos como protagonistas da sua história. Os
professores priorizam os contos africanos e os livros que tragam representatividade para as
crianças e os jovens negros.
83
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Para além do citado, a escola preza pelo estudo das atividades econômicas do entorno,
dos problemas sociais e ambientais da localidade e pela participação de pais e moradores nas
aulas. Como exemplo, a coordenadora cita o baú itinerante, no qual os alunos (um por vez)
levam o baú com um livro paradidático para sua casa e o responsável por ele tem a missão de
vir à escola para contar a história para toda a turma. É uma forma de estimular a leitura e
envolver os pais no processo de ensino/aprendizagem. Vale destacar que os pais podem
escolher contar histórias ou ensinar brincadeiras de quando eram crianças. A escola também
desenvolve projetos para as datas comemorativas como o treze de maio e o mês da consciência
negra como garantia da continuidade do ciclo de construção e vivência das práticas
pedagógicas de valorização da identidade, da memória e da cultura negras, com reflexão e
consistência.
O Centro Educacional Santa Rita de Cássia registra em seu PPP o compromisso com
uma educação pautada na formação de sujeitos críticos e atuantes. Durante as ACs, os
professores se empenham em traçar estratégias que assegurem uma aprendizagem significativa
e libertadora, pensada na pedagogia da autonomia do ilustre Paulo Freire. Em diálogo com
estes professores percebemos que a maioria tem buscado cursos de aperfeiçoamento tentando
atender às novas demandas que a educação pede. No trato da educação para as relações étnico-
raciais, os profissionais pontuam que buscam desenvolver atividade que levem o aluno a
questionar os padrões sociais e culturais vigentes. Vale ressaltar que os professores entendem
que este tema não deve ser trabalhado apenas em datas específicas e que isto deve fazer parte
do currículo da escola.
Os professores conhecem a lei 10. 639, mas confessam que as práticas pedagógicas para
a educação das relações étnico-raciais na escola ainda estão engatinhando. Percebo que muitos
professores se sentem inseguros, principalmente no que se refere às religiões afro-brasileiras,
evidenciando que os estereótipos ainda estão presentes no seio da nossa sociedade. Apesar das
dificuldades encontradas, as instituições de ensino participantes da pesquisa propõem-se a
construir uma prática na qual a comunidade escolar possua participação ativa na construção e
vivência de sua ação formativa. Entretanto, as formas de participação dos diferentes membros
84
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Algumas considerações
A despeito dos limites e desafios enfrentados, vale dizer que existem experiências
exitosas ocorrendo nas instituições supracitadas e que apresentam práticas no trato da História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana e podem ser tomadas como referências inspiradoras no
processo de consolidação da política nacional de educação para as relações étnico-raciais.
Portanto, as práticas pedagógicas de valorização da identidade, da memória e da cultura negras
são práticas de combate ao racismo, fundamentadas no pensamento negro em diálogo com o
pensamento de Paulo Freire e constituem uma pedagogia crítica e decolonial que estimulam a
autoconsciência e provocam a ação para a existência, a humanização individual e coletiva, e a
libertação.
Referências
85
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto: o processo de construção da identidade racial de
professoras negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.
AZEVEDO, Janete M.L. A Educação como Política Pública. 3. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004.
BALL, Stephen J. Diretrizes Políticas Globais e Relações Políticas Locais em Educação.
Currículo sem Fronteiras, v.1, n.2, jul./Dez 2001, pp. 99-116. Disponível em:
www.curriculosemfronteiras.org.
BRASIL. Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 2003.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004.
______. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. Brasília, 2009.
CANDAU, V. M.: MOREIRA, A. F. Multiculturalismo: Diferenças culturais e Prática
Pedagógicas. 2. ed. Petrópolis. Editora Vozes, 2008
FANON, Franz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Rio de janeiro. Ed. EDUFBA, 2008.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
GEERTZ, C. A Interpretações das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
GOMES, Nilma Lino. Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na
Escola na Perspectiva da Lei 10.639/03. Brasília: MEC; UNESCO, 2012.
GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Lei nº 10.639/2003 – 10 ANOS. Revista
Interfaces de Saberes, Caruaru, v. 1, nº 13, p. 1–13, 2013.
HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira
Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. eral da Africa, v. 1).
MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo
de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El giro
decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global.
Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar/Universidad Central-IESCO/Siglo del Hombre
Editores, 2007.
SOUZA, João Francisco. Prática Pedagógica e Formação de Professores. In: BATISTA NETO,
José; SANTIAGO, Maria Eliete (Orgs.). Formação de Professores e Prática Pedagógica.
Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2009.
WALSH, Catherine. Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e
re-viver.Revista de educação Técnica e Tecnológica em Ciências Agrícolas V.03, n.6, p.25-
42, dez 2012. ISSN 223633.
86
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Assim como a reflexão historiográfica sobre povos indígenas no Brasil, a história ambiental
também é relativamente nova e vêm demandando cada vez mais pesquisas para a grande área
da história. Tanto a história indígena quanto a história ambiental foram relegadas para outras
ciências, a primeira mais inclinada à etnografia e à antropologia e a segunda sem espaço para
o campo das ciências humanas, tradicionalmente voltado a uma análise exclusiva de
sociedade/cultura, portanto, contrário a uma análise homem/natureza. Essa postura de
marginalização de temas não convencionais na história acabou por gerar uma enormidade de
lacunas destacando a necessidade de pesquisas. O presente artigo propõe um entrelaçamento
dos dois temas, indígena e ambiental, visando contribuir com maior aprofundamento de suas
questões para o avanço da grande área da história.
87
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Algumas das ações dos humanos em relação às outras espécies não fazem
ainda parte das reflexões éticas de todos os seres humanos. Talvez fosse
necessário pensar algumas dessas ações como genocídios ou mesmo como
sendo uma guerra travada pelos humanos contra outras espécies. (ARRUDA;
COLACIOS, 2019, p. 68).
Propomos abandonar o exotismo, tão corriqueiro, para então examinar o índio como
homem histórico brasileiro. É crucial superar a ideia dos indígenas nos bastidores da história,
porque também são constitutivos de Brasil, enquanto grande comunidade de povos distintos.
Não necessariamente, precisamos conhecer línguas específicas e tentar se inserir no espaço
organizado de uma aldeia ou procurar um convívio que nos aproxime do cotidiano entre
comunidades indígenas.
88
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Exatamente pelo não abandono de seu próprio capital cultural, possuem maneiras
próprias de conceber a interação homem/natureza. Por outro lado, quanto aos não indígenas,
secularmente perdem a oportunidade de apreender os saberes desses povos. Talvez seja a razão
pela qual “a contemplação da natureza tem tido poucos adeptos no Brasil. O prestígio da
urbanidade, transmitido pelos portugueses como meio de confirmar seu status superior em um
ambiente estranho, sobrevive quase que inato” (DEAN, 1996, p. 379).
89
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
90
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
As diferentes cosmovisões indígenas certamente são lições nos caminhos que a história
ambiental brasileira haverá de adotar em seu manejo. Trata-se de enfrentamentos inadiáveis,
como é o caso da questão indígena. E que se possa finalmente refletir muito mais sobre nós
mesmos do que algo que nos é alheio, exótico, distante, fora de nós. Quem sabe encontraremos
algumas boas chaves de humanidade que não separam índio de não índio, da mesma forma que
não se deve separar homem e natureza? E assim galgarmos o propósito fundamental de
militância pela manutenção da vida.
“A respeito dessa ideia de recurso que se atribui a uma montanha, a um rio, a uma
floresta, em que lugar podemos descobrir um contato entre as nossas visões que nos tire desse
estado de não reconhecimento uns dos outros?” (KRENAK, 2019, p. 51). Quando
consideramos a visão sobre a relação homem/natureza, como aquilo que é próprio do índio e
aquilo que é próprio do não índio, ignoramos que somos uma só humanidade, a diferença são
os caminhos insistentes dos que se separam da terra absurdamente.
Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa
terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas
margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África ou na América Latina.
São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes – a sub-humanidade.
(KRENAK, 2019, p. 21).
Não avaliar o índio enquanto homem histórico é não perceber que muitos dos nossos
impasses em história ambiental poderiam ser totalmente eliminados se nos inteirarmos mais
dos saberes indígenas, ao invés de persistir numa separação de humanidades que destina a esses
povos a “sub-humanidade”, quando, por exemplo, acontece de, comodamente, colocarmos a
temática indígena exclusivamente na conta da antropologia, como se também não fosse
constitutiva da história.
91
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A história não deve permanecer na separação ilusória homem/natureza que apenas nos
faz consumidores, perdendo assim valores fundamentais, afinal “para que ter cidadania,
alteridade, estar no mundo de uma maneira crítica e consciente, se você pode ser um
consumidor? Essa ideia dispensa a experiência de viver numa terra cheia de sentido, numa
plataforma para diferentes cosmovisões” (KRENAK, 2019, p. 24-25).
No entanto, refletir sobre isso não significa que apenas emprestando os olhos dos povos
indígenas teríamos legitimidade para avançar no sentido de uma história ambiental que alarga
seus horizontes. Pois, não se trata de um problema de interpretação das coisas, mas das coisas
92
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
como elas são. Enxergar o homem índio histórico tanto quanto qualquer um dos não índios
poderia iluminar a resolução desses e outros impasses.
Referências
93
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
94
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A historiografia e os índios
95
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Foi somente nos anos 1850, com Varnhagen, que surgiu a obra de história do
Brasil independente mais completa, confiável, documentada, crítica, com
posições explícitas: a História geral do Brasil, [...] refletia uma preocupação
nova no Brasil com a história, com a documentação sobre o passado
brasileiro, que o recém-fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
representava. A História geral do Brasil foi possível porque as condições
históricas do Brasil, o processo de independência política e a constituição do
Estado nacional amadureceram nos anos 1850. E foi no interior desse
processo histórico que ocorreu a outra condição favorável ao surgimento da
obra de Varnhagen: a institucionalização da reflexão e da pesquisa históricas
no IHGB. A independência política consolidada, e reprimidas as lutas internas
geradas por ela, o Brasil possuía um perfil do qual ainda não tomara
conhecimento. Nos anos 1850, Varnhagen desenhará o Perfil do Brasil
independente, oferecerá à nova nação um passado, a partir do qual elaborará
um futuro. (REIS, 2007, p. 23,24)
Mais um dos feitos do século XIX, o IHGB procurou dar uma história para o Brasil,
uma história grandiosa. Varnhagen assumirá a incumbência de escrevê-la, mostrando sua visão
para os habitantes da Terra Brasilis. Quem o patrocinou foi o próprio imperador, pois ele
precisava de historiadores para “legitimar-se no poder”. E nada melhor do que um historiador
para perpetuar seus grandes feitos no tempo, enaltecendo sua gestão e depreciando a fase
anterior a seu mandato.
96
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Mas esse foi o discurso da história proferido e descrito por Varnhagen que, em sua
narrativa, enalteceu o olhar e a atuação do além-mar. Mantinha sua visão apenas voltada do
mar para a praia, ou seja, do português colonizador sobre os índios, apresentados como
vencidos e sem atitude. Essa visão perdurou por muitos anos e, em diversas narrativas se
mantêm presente até a atualidade. Por exemplo, nos anos 1930, Gilberto Freyre fez algo
parecido, classificado como “reelogio à colonização portuguesa” ao apresentar as visões e
sociabilidades da Casa Grande & Senzala, a partir dos brancos. Embora em seu trabalho já se
97
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
façam presentes os negros, sua visão ainda parte da casa grande para a senzala, ou seja, é uma
visão do colonizador para o colonizado, do mar para a praia.
Nos anos 1900, aparecerá na historiografia um emblema para a visão hegemônica da
colonização portuguesa. Com a escrita da história feita por Capistrano de Abreu, o discurso das
três raças, que foi introduzido no Brasil pela escrita de Von Martius,3 apresentará o grande
dilema da ciranda étnica brasileira. Por essa ótica, às três raças atuaram na formação do país.
Capistrano de Abreu, será o “Heródoto do povo brasileiro”, este nasceu em uma Casa Grande,
conviveu proximamente dos escravos. Ao contrário de Varnhagen, que foi patrocinado pela
Monarquia, Capistrano é livre. Escreveu sem receber ônus de ninguém. É claro que entre a
escrita de Varnhagen e a de Capistrano, passaram-se anos de produção e inovação/renovação
historiográfica. José Carlos Reis (2007) afirma que Capistrano era teoricamente confuso! De
fato, em sua narrativa percebemos teorias dissonantes presentes. Há um pouco do historicismo
de Rank, um pouco de positivismo, um pouco de novidade, etc., o que tornou Capistrano um
“mito da historiografia brasileira”.
De fato, cresce no Brasil uma Nova História Indígena, onde os índios são agentes de
sua história, são sujeitos e não apenas vítimas, como propunham anteriormente. São trabalhos
de historiadores, antropólogos e outros cientistas sociais que apresentam o índio num cenário
no qual antes eles eram invisíveis. Tudo isso não surgiu do descobrimento de novas fontes de
novos documentos, porém,
3 A monografia de Von Martius “Como se deve escrever a história do Brasil”, produzida no ano de 1845, aparece
inserida numa preocupação com uma história que tomasse a ideia de um passado nacional, comum a todos os
"brasileiros", que teve início com o surgimento político do Brasil independente. Sua contribuição foi muito
importante para o conhecimento da flora brasileira. No ensaio de 1844, Martius postula a necessidade de o
historiador explicar a participação de cada uma das três ‘raças’ – “a de còr de cobre ou americana, a branca ou
Caucasiana, e enfim a preta ou ethiopica” – que contribuíram para formação do país, recém independente, em
outras palavras, pode-se dizer que a cada uma das raças humanas compete, segundo a sua “índole innata”,
segundo as circunstâncias debaixo das quais ela vive e se desenvolve, um movimento histórico característico e
particular.
98
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Falta de missionários, violência por parte dos diretores, desídia desses diretores, brigas
de diretores, diretores assumindo outros cargos públicos, são alguns dos problemas elencados
pelos presidentes em virtude da Catequese e Civilização. Logo, na segunda metade do século
XIX, as missões se constituíam não como uma simples ferramenta de propagação da fé cristã
e combate a heresia, mas uma forma do governo que, através da Igreja, visava impor aos índios
seus mecanismos de civilização e transformá-los em mão de obra. Mas, através de relatos do
período, vemos que muitas vezes os índios abandonavam esses trabalhos sem sequer
recorrerem a seus salários, o que, na visão ocidental era classificado como preguiça. Preferimos
encarar esses fatos de abandono como práticas de lutas às vezes silenciosas e estratégicas, como
teoriza Michel de Certeau (2012).
A Igreja, assim, operava como intermediária4 e os responsáveis agiam conforme a sua
visão de mundo, sendo que estes não eram os típicos missionários, desbravadores, que
lançavam-se nas regiões mais longínquas em nome da fé. Antes, eram funcionários da
província e possuíam direitos e deveres.
Mesmo atribuindo salários aos sacerdotes para o exercício de Catequese, em 1855, o
presidente da província, Conselheiro Herculano Ferreira Penna, informa que havia apenas três
Missionários atuando em toda a Província: Frei Gregório José Maria de Bene, Frei Pedro de
Ceriana e Frei Joaquim do Espírito Santo Dias e Silva. O mesmo afirma que já encaminhou
uma solicitação ao Imperador e aguardava respostas. (EXPOSIÇÃO, 1855).
Em 1858, o presidente provincial Francisco José Furtado faz um juízo de valor sobre o
estado da catequese e civilização dos índios que se encontrava “em deplorável estado”.
4 Alida Metcalf, define o que são intermediários e identifica três níveis que o intermediário pode assumir: físico,
transacional e representacional. No caso dos missionários, de regimento da Catequese e Civilização dos Índios,
constituem-se de intermediários transacionais, é um nível mais complexo e constitui-se dos “tradutores e
mediadores culturais, que possibilitaram a comunicação, a troca, o comércio, a conquista e a colonização.” Assim,
esses intermediários transacionais inicialmente iam conhecer o conquistado para a seguir aplicar seu objetivo
inicial. Ver: METCALT, Alida C. A Mulher como intermediária. In: MORGA, Antônio Emílio. BARRETO,
Cristiane Manique. (Orgs). Gênero, Sociabilidade e Afetividade. Itajaí. Casa Aberta Editora, 2009, p. 105.
99
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Também mostra que os índios “sofrem toda a sorte de injustiças, violências e fraudes, não só
de algumas autoridades subalternas, como dos seus próprios Diretores e particulares”.
Percebemos que os Diretores pouco estavam fazendo pelo serviço e, além do mais, estavam
colaborando para a escravização do indígena. Para o presidente, a metodologia mais eficiente
para o avanço da catequese e civilização seria a presença de muitos e bons missionários, e
estabelecer casas de educação. Mas, segundo o mesmo, era difícil encontrar pessoas para atuar
na catequese, uma vez que poucos eram os que se dispunham a deixarem as suas cidades,
essencialmente os que moravam em Manaus para se lançarem nos mais longínquos sertões do
Amazonas de então. Para Francisco Furtado, “a história dos índios é o opróbrio da nossa
civilização. Apesar de tantas leis proclamando sua liberdade, e prescrevendo a escravidão
deles, esta subsiste quase de fato”. Ou seja, para o presidente, os índios lutam para defender-
se. Os índios eram e continuam sendo ávidos em conta de brutos e estranhos ao grêmio da
humanidade. “Os índios foram sempre vítimas da avidez e maldade de seculares e eclesiásticos
sem exceção da famosa ordem dos jesuítas.” Aqui o presidente aponta que todos estavam
subordinando o indígena a seus interesses particulares. Soa como uma proposta romântica, na
qual o índio era sempre o violado, o sofrido; esse discurso embasará a “necessidade” de o
estado tutelar os índios.
A catequese e sua construção ao longo do século XIX visou estabelecer e formar
trabalhadores para atuarem nos mais diferentes ofícios e, principalmente, nas obras públicas de
construção civil, antes de ser uma atividade de cunho religioso e moral, era uma atividade de
adestramento, de polimento para o que era considerado civilização àquela época.
Dentro do espaço temporal 1845-1910, a imagem do indígena no Brasil vai se
moldando a diferentes gostos: em 1845, ano da publicação do Regimento das Missões de
Catequese e Civilização dos índios, os mesmos são tutelados pelo estado como sendo brutos,
selvagens e errantes: precisando de civilidade e cultura. Já em 1910, com a República, ainda
na condição de tutelados, os índios passam a ser vistos como indefesos, como povos ignorantes
que precisam ser inseridos no meio da sociedade. Tudo isso, enaltecido nas duas
temporalidades por um forte discurso de apologia ao trabalho:
100
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Essa tríade catequese + trabalho + civilização era uma das maiores bases do Oitocentos na qual
a ideia de trabalho traria a civilização. Porém o índio foge ao padrão de trabalho estabelecido
pelo branco, pois seu tempo e suas idiossincrasias diferem do padrão trazido pela modernidade
de trabalho e produção acelerada visando lucro e capital. Nisso havia uma noção de trabalho
na qual a educação era voltada para o preparo para o labor e a catequese era um mecanismo de
civilização que levaria, no caso dos indígenas, ao mundo civilizado.
Tanto o IHGB quanto a catequese dos índios visavam formar e apresentar ao mundo
um cidadão polido, altivo e trabalhador: o brasileiro, que não era negro, nem indígena, era
branco, fora colonizado e educado por lusos. O IHGB relegou o indígena ao passado histórico
do Brasil, povo sem história. Adolfo de Varnhagen disse “para os índios, povos na infância não
há história, só etnografia”. Nessa lógica, como já mensuramos, os indígenas foram
invisibilizados da história escrita, mas estavam presentes e atuantes na província como
apresentaremos ao longo da tese em construção.
Civilização no século XIX assumiu diferentes funções, e aqui no Amazonas Provincial
foi alocada ao trabalho que deveria assim preparar os índios para o mundo civilizado. Mas tudo
isso era um discurso. Traçamos o seguinte esquema com as diferentes significâncias que o
termo civilização compunha aqui na Província.
Maria Regina Celestino (2003), em sua tese de doutoramento sobre a identidade cultural
nas aldeias do Rio de Janeiro, disserta sobre a presença indígena na colonização daquela
capitania. Ao retratar a questão do trabalho indígena, a autora afirma que, do século XVI ao
101
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Com esta citação, verificamos que a resistência indígena passa por disputas e práticas
que muitas vezes circularam despercebidas na escrita da história. No Amazonas Provincial,
período analisado, diversas resistências políticas ao que era imposto foram incorporadas,
vivenciadas e postas em experiência no cotidiano citadino. No mundo do trabalho, é possível
ver também que aconteciam as lutas, mesmo que silenciosas, por parte dos índios. A inserção
de indígenas nas obras públicas da capital, Manaus, que passava por seu “aformoseamento”,
ou em obras de particulares brotavam de múltiplas motivações e interesses tais como: a
necessidade de mão de obra, o ideal civilizatório, moral e cristão do mundo branco, a
transformação social que a modernidade impunha à população da província, dentre outras.
Considerações finais
Assim, o trabalho indígena era uma alternativa eficiente e racional, uma medida
inteligente para auxiliar uma economia precária que de repente alcançara um boom, tendo
pouco preparo por parte de seus administradores e uma grande falta de trabalhadores. Vale
destacar que os escravos negros estavam cada vez mais presentes nesse corpo de trabalho, mas
102
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
o número maior ainda permanecia com os índios, afinal, a maior parte da população regional
era de índios e caboclos.
Pela leitura das fontes do império, vemos que havia aquilo que o historiador John
Manuel Monteiro (1999) chamou de “ideia de que o índio é naturalmente resistente”, o índio
é rebelde. Para este autor, esta ideia enfatiza uma visão da historiografia mais oficial do Brasil
na qual o indígena tinha/tem uma tendência de “oposição obstinada”. O que queremos destacar
é que se o indígena resiste, se de fato ele luta, não é por valentia ou por se mostrar superior às
vontades dos outros, porém acreditamos que a luta indígena, a resistência, parte de uma ação na
qual:
Referências
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: Identidade e Cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na história do Brasil. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2010.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1 – Artes de Fazer. 19ª ed. Trad. de
Ephraim Ferreira Alves. Rio de Janeiro. Vozes, 2012.
103
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma História Indígena. In: _____. (Org.)
História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal da
Cultura: FAPESP, 1992.
EXPOSIÇÃO feita pelo ao Exmº. 1º Vice-Presidente da Província do Amazonas, o Dr.
Manoel Gomes Correa de Miranda pelo Presidente o Conselheiro Herculano Ferreira Penna,
por ocasião de passar-lhe a administração da mesma Província. Em 11 de Maio de 1855.
Cidade da Barra, Tipografia de Manoel da Silva Ramos, 1855.
GUIMARÃES, M. L. S. Nação e civilização nos trópicos. O IHGB e o projeto de uma
história nacional. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Vértice (1), 1988.
REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil 1: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2007.
METCALT, Alida C. A Mulher como intermediária. In: MORGA, Antônio Emílio.
BARRETO, Cristiane Manique. (Orgs). Gênero, Sociabilidade e Afetividade. Itajaí. Casa
Aberta Editora, 2009.
MONTEIRO, John Manuel. Armas e Armadilhas: História e Resistência dos Índios. In:
NOVAES, Adauto. (Org.) A Outra Margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
104
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Esta apresentação deriva de uma pesquisa mais ampla sobre a categoria dos marítimos do rio
Amazonas na primeira metade do século XX. Vemos aqui como os vestígios do passado de
escravidão negra e indígena impactaram as relações de mando e obediência a bordo dos navios,
abaladas ainda mais pela crise de navegação na Primeira Guerra Mundial. O uso dos castigos
físicos era um recurso usado pela Marinha no mundo todo para demarcar subalternidades de
corpos não-brancos, no caso brasileiro, com maior incidência sob negros e mestiços. A hipótese
é que em Manaus, a luta conjugada pelo fim dos castigos físicos contou com a circulação de
um aprendizado político, agitado por marujos e lideranças operárias itinerantes, como o
anarquista João Gonçalves Monica e sua participação na União dos Marinheiros e Moços do
Amazonas, criada em 1914. Tal entidade também articula a possibilidade do elemento racial
ter sido, dentro de suas particularidades, um fator de aglomeração entre seus sócios, como
ocorrido em outras cidades portuárias deste período.
Palavras-chave: Movimento operário; História Social do Trabalho; Cor.
Introdução
Há muitos anos a historiografia do trabalho marítimo discute os castigos físicos nos navios
militares e mercantes. Muitos/as pesquisadores/as atentam para a particularidade do mundo
flutuante como espaço de labor, onde não havia qualquer regulação de trabalho e o comandante
resumia em si a autoridade jurídica, policial e empresarial. Tal apontamento é consenso em
diferentes recortes de tempo e espaço. No caso aqui estudado, vemos que as leis aplicadas à
marinhagem resultavam, em especial, de regulamentos do Ministério da Marinha que deviam
ser observados pelos capitães do porto. Em tese, ele guardava pela segurança de navios,
mercadorias e pessoas, abrindo sindicâncias e punindo infratores que podiam ser repassados a
105
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
106
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
No Brasil e nos EUA, por exemplo, a aplicação da correção visava quebrar a resistência e a
altivez de homens negros que se declaravam livres. Uma das formas de desqualificar o
sentimento de liberdade era diminuir a autoestima e os valores de virilidade do castigado
perante os colegas. A sevícia desafiava diretamente a masculinidade dos marujos, nivelando-
os a outros membros da sociedade, “passíveis” de punição física: escravizados/as, mulheres e
crianças. Ao redor do globo e em diferentes temporalidades, foi crescente o movimento pelo
fim dos castigos físicos a bordo, com importante participação de abolicionistas (GRIDER,
2010, p. 473).
Apesar da lei de 15 de Outubro de 1886 abolir os açoites no Brasil, nas águas o
disciplinamento por castigo físico permaneceu décadas adentro, culminando enfim na revolta
dos marinheiros no litoral do Rio de Janeiro, em 1910. Antes disso, o chicote permaneceu em
riste tanto em navios militares quanto mercantes. No Amazonas, a escravidão havia sido
extinta, em tese, por decreto provincial, em 10 de julho de 1884. Foi a segunda província a
antecipar a libertação de seus escravizados, atrás somente da do Ceará. O número de cativos
não era significativo caso comparado a outras províncias, entretanto, homens, mulheres e
crianças havia muitos anos equipavam o trânsito interprovincial amazônico. Este contingente
não era arrolado de maneira precisa por conta de sua alta mobilidade, mas não é de se desprezar
a propaganda em torno das possibilidades de refúgio ou de uma nova vida na crescente
expansão da navegação do rio Amazonas – desde 1853, pelos vapores –, potencializada nos
1870 e 1880 com o mercado da borracha. Afinal, foi marcante a presença de africanos livres,
afro-descendentes e ex-cativos matriculados nas Capitanias de Manaus e Belém no período
republicano (SALLES, 1971). Como o marujo descrito por Lourenço Fonseca no Pará, em fins
do Oitocentos: “Um negro, belo tipo da Guiné, calça arregaçada, pé descalço, camisa de linho
americano, riscada de azul, de lápis em punho, vai tomando nota do número de bois já
embarcados” (1895, 44). Sob corpos de homens como este pesou as práticas oriundas do mundo
senhorial, advindas com multidões de diferentes lugares. O uso do açoitamento parecia
legítimo na ação e no pensamento de comandantes e demais marinheiros que assimilavam
condutas de disciplinamento, baseadas em questões raciais e interiorizadas ao longo de anos.
A seguir discuto notícias de castigos físicos que ganharam as páginas do Jornal do
Comércio (JC) de Manaus, principal folha noticiosa da época. Estes episódios aconteceram em
107
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
curto espaço de tempo, numa repetição quase que diária. De fato, o momento não era dos
melhores para empresas e patrões. A conflagração da guerra (1914-1918) catapultou não só
marinheiros, como diversas categorias a “greves, tumultos e explosões reivindicatórias”
(ARAÚJO, 2018). A beneficente União dos Marinheiros e Moços do Amazonas foi organizada
neste contexto, tendo vida longeva até 1968 (já auto-identificada como sindicato desde 1938).
O combate aos castigos físicos parece ter sido o primeiro desafio da entidade e de sua diretoria.
Em Manaus, o ano de 1914 foi bem agitado para o pessoal de convés. Em março estava
estabelecida a União dos Marinheiros e Moços do Amazonas (UMMA) e já começavam as
acusações de maus tratos. Ao que tudo indica, a entidade passou a aglomerar os criados navais,
oferecendo uma proteção antes inexistente a eles. No dia 19, o menor Antonio Ramirez, criado
na lancha Yurimaguas, foi à polícia queixar-se de Manoel L. Mendonça de tê-lo espancado
(JC, 20/3/1914). Outros pareciam esgotados em ter a honra e a liberdade solapadas e passaram
a reagir por conta própria. Acredito que a criação da UMMA tenha encorajado esses movimentos,
na medida em que circulavam notícias de que ela suportaria um grupo, até então, sem qualquer
tipo de assistência social ou representação junto às autoridades civis e portuárias.
Quatro dias depois, na hora do almoço da lancha Cezar, os criados preparavam a mesa
de refeições. Um deles era o potiguar “de cor preta”, Zacarias Custódio do Nascimento, de 17
anos. Sentaram-se à mesa três oficiais, incluindo o maquinista Manoel Antonio Ribeiro, um
amazonense “de cor morena”, de 26 anos de idade. “Por um aborrecimento de ocasião, devido
a uma questão de talheres”, Ribeiro “ameaçou de severo castigo corporal o serventuário
Zacarias”, que tentou se justificar. Também disse que não era filho dele “para apanhar assim
tão facilmente”. Então o maquinista usou de um cipó de boi para açoitá-lo diante da tripulação.
Zacarias não aceitou a reprimenda e assassinou seu algoz com uma facada (JC, 25/3/1914).
Nos anos 1910, os vestígios da escravidão continuavam a impor aos meninos negros,
papéis subservientes e serviçais. A repulsa a tais condições foi permanente, por isso os adultos
os incorporavam à força ao mundo do trabalho, submetendo-os à rigorosa disciplina, castigo
corporal e tarefas estafantes. Zacarias deu os nomes de seus pais na delegacia, evidenciando
uma condição diversa dos órfãos remetidos pelo Estado a mestres de ofício e à Marinha, através
108
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
dos juizados e da polícia. Mães e pais também os enviavam ao trabalho para “corrigir”
comportamentos ou garantir teto e comida aos filhos. O espaço de trabalho deveria “corrigi-
los” pela disciplina das tarefas e, principalmente, pelo castigo corporal (PESSOA, 2015).
Zacarias podia se enquadrar em situação similar. Também em lugares onde apenas de navio se
conseguia chegar, não era incomum o roubo e o recrutamento forçado de crianças para serviços
de bordo, onde eram vulneráveis a todo tipo de exploração.
Parte da grande imprensa foi favorável ao fim dos castigos físicos, retomando antigas
tradições abolicionistas, e o Jornal do Comércio parecia empenhado em denunciar maus tratos.
Para espanto dos redatores, poucos dias depois de Zacarias, reapareceu o “condenável vezo uso
do vergalho em algumas das nossas embarcações fluviais” (9/4/1914). O “caso de açoite,
bárbaro e inclemente” ocorreu no Jonathas Pedrosa, em viagem do rio Javari a Manaus. As
insistentes denúncias se limitavam aos excessos de violência, não contra o trabalho infantil
nem as condições em que ele se efetuava. Vemos isso na forma jornalística dada ao depoimento
do criado Mário da Cunha Souto, “o mísero rapaz sobre quem recaiu, desta vez, a obra do
chicote”. Em primeiro lugar, uma abordagem diferente da de Zacarias: “é de fisionomia
simpática, compleição débil, bastante jovem. Conta, no máximo, quinze anos de idade. Branco
de cor”. O adolescente adentrou sozinho à redação do jornal para contar sua história “em voz
fraca e acanhada”.
Mário estava empregado há oito meses como criado daquele navio, onde auxiliava no
preparo dos pães. “Levava nisto grande parte da noite, mas sempre se esforçando em não
incorrer em falta perante seus superiores”. O articulista não viu nisso “nada demais”. Para a
história virar manchete era preciso que Mário relatasse excesso de castigo e não de trabalho.
Acontece que o despenseiro foi suspenso e o comandante achou por bem encarregá-lo do
serviço, “duplicando-lhe, por tal forma, os afazeres, sendo forçado a trabalhar de dia e de
noite”. Seu corpo franzino não suportou a jornada que realizava caindo de sono e fadiga. Às
17h de 23 de março, Mário desceu para o convés inferior, sentou-se um pouco e adormeceu. O
comandante e proprietário do navio, Henrique Lima, o encontrou ali e perguntou dele se estava
dormindo. Assustado, respondeu que não. O oficial se dirigiu ao camarote e sem sucesso
acionava a campainha para que fosse servido o seu jantar. O reencontro dos dois teria sido já
com o comandante empunhando “uma possante chibata de açoitar cavalo”. Mário foi castigado
109
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
de tal forma que depois de 17 dias ainda eram visíveis as marcas do suplício em seu corpo. Os
jornalistas fotografaram as costas do menino.
Fato é que a imagem do adolescente branco seviciado rodou a cidade e deixou mal
falado o seu algoz. No dia seguinte, o comandante endereçou uma carta ao redator chefe do
Jornal do Comércio (10/4/1914). Ele alegou que os açoites foram para que Mário levasse o
trabalho “a sério”, porque há tempos desobedecia a seus superiores. Disse ainda que “este
castigo, porém, fiz com moderação, como faria a um meu filho”. Em seguida, evidencia que as
relações de trabalho com o criado eram mediadas pelo domínio pessoal e pelo sentimento de
propriedade do corpo alheio. “E o fiz, devo dizê-lo, por se tratar de uma criança a quem
considerava mais como pessoa particular minha, do que como empregado do meu navio”. O
ponto mais intrigante da carta é quando Lima aventa suspeita do porquê de Mário ter ido à
redação: “inimigos” seus teriam feito a cabeça do garoto para denunciá-lo no jornal. Tais
adversários seriam da “própria classe a que pertencemos, e talvez qualquer dos empregados
por último despedidos de bordo do meu navio”. Esta situação visava prejudicá-lo e, segundo
ele, ao próprio Mário, que perdera assim sua “proteção”. A carta reforça a hipótese de alguma
organização de marinheiros empenhada em denunciar e pôr fim aos maus tratos a bordo. A
tática de exposição dos comandantes tiranos parece ter causado o efeito esperado. O caso a
seguir é ainda mais elucidativo de onde estariam se articulando os “inimigos” de gente como
Lima.
110
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
criado particular ao mesmo oficial” (15/4/1914). Boatos diziam que na última viagem do
Marcílio Dias os dois viviam “descompondo-se mutuamente” e se “intrigando perante os
superiores, chegando mesmo, por vezes, às vias de fato”. Ao que tudo indica, a dupla media
forças entre si. A derradeira peraltice teria acontecido por “uma simples questão de pão ao
café”, quando saiu o pequeno espanhol com a “cabeça quebrada a cacete”. Este teria sido o
pivô do castigo.
Naquela manhã alguém se dirigiu à sede da UMMA para solicitar ajuda. A entidade
enviou um representante para verificar o caso a bordo do navio. Também solicitaram da
imprensa que viessem fotografar os adolescentes. Antes disso, o comandante liberou os dois.
Ao repórter do JC, o oficial afirmou que o castigo era expor os meninos à vergonha, amarrados
perante a tripulação e o público em terra por apenas uma hora. Isso foi desmentido pelo
representante da UMMA, que interrogou a tripulação e concluiu que eles estavam assim desde a
noite anterior, das 19h30m às 8h da manhã do dia seguinte.
À noite, o JC recebeu um ofício da UMMA se pronunciando sobre os castigos que há
meses vinham se repetindo no porto de Manaus. A entidade trouxe novas informações
recolhidas a bordo. Por exemplo, a declaração do comandante que, ao ser interpelado,
“respondeu que não tinha que dar satisfação, pois que ele a bordo era ‘rei’”. O interlocutor
reclamou que expor os meninos daquele jeito “ofendia a dignidade” deles. Monteiro retrucou
“que pouco se importava com os outros!” E o expulsou do navio junto com os adolescentes.
Em terra, o menino brasileiro disse chamar-se José Cypriano Filho, filho de Pedro Cypriano –
talvez sua verdadeira identidade. Disse ainda que “neste vapor se aplicava a chibata e a
palmatória” e que o comandante tinha o “hábito de despedir a tripulação, para ir metendo
crianças pelo Baixo Amazonas e outros portos, a fim de fazer o que bem entende”. O ofício da
UMMA endereçado à imprensa reitera que atos iguais a estes “nos humilha e rebaixa” (JC,
15/4/1914). Assina o documento o procurador da entidade, João Gonçalves Demoniz. Meses
depois, os marítimos amazonenses descobririam que seu verdadeiro nome era João Gonçalves
Monica.
111
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
“Demoniz” era recém-chegado de Belém e, ao que tudo indica, veio para ajudar a
organizar a UMMA, apesar de nunca ter sido marítimo. O personagem é conhecido na
historiografia como um aproveitador que enganava para surrupiar os cofres das associações
operárias (PINHEIRO, PINHEIRO, 2017); que entrou em conflitos com lideranças de
trabalhadores, deu calotes e angariou antipatias em Manaus e Belém (TELES, 2018, 170-2).
Entretanto, ao reconstruir parte de sua trajetória, é possível perceber outros meandros que
escapam de tipos ideais a serem “seguidos” ou “evitados” (SCHMIDT, 2017, 48). Tal esforço
soma-se às outras pesquisas que vem resgatando figuras um tanto marginalizadas no
movimento operário do Norte do Brasil. Muitas delas oriundas de outras regiões e países, e
portadoras de ideias assimiladas no percurso entre diferentes localidades (PINHEIRO, 2020).
João Gonçalves Monica possui data e local de nascimento desconhecidos, sendo
provável uma origem ou ascendência portuguesa como os sobrenomes indicam. Seu primeiro
rastro documental é de 1903, quando presidiu a Sociedade Protetora dos Empregados
Domésticos do Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, 7/5/1903) e começou a participar de greves
de diferentes categorias. No ano seguinte, surge como funcionário dos Correios, onde era
responsável pelas malas marítimas (Almanack Laemmert, 1910, 620). Na greve portuária de
1905, foi preso portando armas e se apresentou como estivador, o primeiro registro de sua tática
de identidades falsas para despistar a polícia (Jornal do Brasil, 30/5/1905). Ele fazia isso para
não ser identificado como funcionário público, até ser descoberto em 1910 e exonerado pelo
presidente Nilo Peçanha. O caso teve ampla cobertura jornalística na capital federal, com
acusações de perseguição política da presidência da República, sendo notória a posição
anarquista de Monica. Depois disso, sua vida foi totalmente desorganizada e ele passou a
sobreviver de ajudas e ganhos possíveis no movimento operário. Foi redator de jornais
anarquistas e remunerado minimamente pelo suporte dado a diferentes associações de ofício,
como chegou a fazer de maneira desajeitada em Belém e Manaus.
Em 1912, parece ter começado a se aproximar dos portuários na capital federal. Num
evento da Associação Resistência dos Trabalhadores em Trapiches e Café, foi secretário da
sessão solene em homenagem ao martírio de Francisco Ferrer. Estavam presentes
representantes dos maquinistas, estivadores, vendedores ambulantes etc. (A Época,
15/10/1912). Naquele mesmo ano, foi acusado, de maneira contestável, de ter incendiado
112
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
criminalmente a Associação Mútua Modelar, fundada e presidida por ele, para receber o
dinheiro do seguro. Procurado pela polícia por esse “crime” e pela fama de agitador político,
Monica fugiu para Belém em 1913, onde lá tentou fundar a Mútua Paraense, sem sucesso
(TELES, 2018, 171). Mas foi no bojo das mobilizações cariocas da Primeira República que
passou a simpatizar com marinheiros. Num protesto pelo assassinato de Ferrer na sede da
Federação Operária, exigiu maior energia na represália a empresas espanholas. “É preciso fazer
boicotagem aos gêneros espanhóis. Os marítimos é que devem tomar a frente. [...]. Viva a
revolução social! Morram todas as formas de governo!” (Gazeta de Notícias, 18/10/1909). Foi
também signatário do pedido de anistia aos marinheiros revoltosos de 1910, feito pelo Comitê
de Propaganda Socialista, que tinha por fim a agitação de associações operárias (Correio da
Manhã, 11/6/1912). Por sinal, missão levada por ele ao Norte do país, onde se auto-exilou no
ano seguinte.
A atuação de Monica na diretoria da UMMA revela a circulação de um aprendizado de
enfrentamento político, além de identificações de lutas a nível nacional, como o fim da chibata.
O principal elo identitário dos portuários brasileiros era “uma forte continuidade entre os
escravos e libertos dos velhos tempos imperiais e os proletários da Primeira República”
(VELASCO E CRUZ, 2000, 270-4). Em especial, a proximidade de Monica com a
“Resistência” inferiu a lida com as desigualdades raciais observadas em Manaus. No Rio de
Janeiro, essa entidade era um “verdadeiro reduto negro”, indicador de que escravizados e
homens livres de cor seguraram ferrenhamente seus postos de trabalho desde o tempo da
escravidão. O associativismo de convés no Amazonas não esteve divorciado de outros
movimentos pelo país, e tinha na presença negra, aparentemente, um elemento aglutinador
tradicional. E, pelo visto, dali se valia para impor demandas próprias.
A UMMA se manteve na retaguarda contra as tentativas de federalização da categoria sob
a batuta dos oficiais da Federação Marítima do Amazonas (organizada no mesmo ano de 1914,
ativa até 1916, reorganizada em 1917 e extinta no ano seguinte). Os avanços de federalização
dos marinheiros nunca lograram êxito por causa do altivo associativismo de convés e de fogo
(foguistas e carvoeiros) no Amazonas. A imprensa chegou a afirmar, em 1914, que a UMMA
media forças com a Federação pelo poder de representação da categoria (JC, 29/5/1914). O
113
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que é notável, pois a Federação Marítima procurava aglutinar todos os ofícios de bordo, e a
UMMA somente marinheiros, moços e talvez criados.
Em Salvador, Aldrin Castellucci verificou que trabalhadores “desqualificados” ou
“semi-qualificados” eram resistentes à submissão associativa liderada por artesãos qualificados
e de vínculos políticos com governos – como era o caso da Federação Marítima, cuja lista de
presidentes consta um capitão do porto. A hipótese do autor é que nesses setores “subalternos”
abrigava-se a maioria dos pretos e os que maior sentiam o peso do racismo e da exclusão. Isto
impelia esses trabalhadores a encontrar formas próprias de organização, como faziam os
ganhadores em seus “cantos” no século XIX, e o pessoal da “Resistência” no Rio de Janeiro
(2010, 13; REIS, 2019). Tais experiências devem ter circulado pelo porto de Manaus, conforme
homens pretos e mestiços de diferentes lugares iam ocupando postos de convés. Além disso,
Monica atuou como um “mediador” nesse processo, pois vinha da capital federal e tinha
amizade com portuários pretos organizados por lá.
João Gonçalves Monica foi procurador da UMMA por apenas um ano, e por causa de
disputas entre lideranças operárias locais, partiu para Porto Velho, onde perdi o seu rastro. Vale
dizer que, após 1914, não encontrei recorrência de maus tratos do tipo vistos aqui. É possível
que a UMMA tenha influenciado na aparente extinção do açoitamento disciplinar, com base na
vigilância e na pressão política e social, feita com largo uso da exposição pública pela imprensa.
Monica afirmou ali que o castigo físico humilhava e rebaixava toda a categoria. Tal perspectiva
foi reproduzida em outras associações mundo afora, as quais entendiam o açoite de maneira
mais ampla, como todo o sentido da exploração a que estavam submetidas.
A requisição da UMMA incluía uma ideia de dignidade do trabalho que ia muito além do
castigo físico em si. E isso é evidente quando o marcador racial gerava um elemento de
identificação da marinhagem. Por conta da presença majoritariamente negra e mestiça entre
portuários e marítimos, muitos não os distinguiam entre trabalhadores e vagabundos, “canalha”
e “negrada”. Se “preto” ou “negro” eram sinônimos de “escravo” ou “ex-escravo”, por
extensão, mulheres, homens e crianças de pele escura eram tidos por “perigosos, criminosos e
despreparados para a liberdade”. Havia entre os superiores uma confusão de imagens que
teimavam em abandonar. Dessa forma, conjugada a questão às dimensões de classe, organizar-
se enquanto categoria era uma forma de os trabalhadores livrarem-se da marca da escravidão,
114
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
Bibliografia
115
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes
⚫ Periódicos (Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)
⚫ A Época. Rio de Janeiro (1912); Almanack Laemmert. Rio de Janeiro (1910); Correio
da Manhã. Rio de Janeiro (1912); Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro (1909); Jornal do Brasil.
Rio de Janeiro (1903, 1905); Jornal do Comércio. Manaus (1914).
116
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
117
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
Bloch e os Annales rompem com a ideia de fonte isenta e pronta para revelar o passado
e apresentam-nos a história-problema: o documento, seja qual for, precisa ser questionado,
interrogado, e assim um problema surge, para ser investigado. Esse problema beneficia-se da
possibilidade de o documento gerar diversas leituras, no olhar de múltiplos pesquisadores, pois
lhe dão sentido a partir da visão do presente, já que o documento também é uma construção
(KARNAL; TATSCH, 2013).
Partindo dessa noção ampliada de fonte, procuramos construir uma pesquisa histórica,
discutindo sobre a constituição de um acervo sobre a trajetória de Clinton Thomas, um
missionário norte-americano no Amazonas (BEZERRA; SILVA, 2018, 2020), através do
arquivamento da própria vida, da história oral e do cruzamento de outras fontes.
118
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A mesma colega nos informou que dois filhos do missionário Clinton ainda residiam
em Urucará, e que era conhecido da população o arquivo de imagens que um deles dispunha.
O mesmo publicava fotos antigas da cidade, da família e da igreja, em uma rede social,
alcançando muitos moradores, desejosos de conhecer mais da história de seu município.
Segundo Artières (1998, p. 11), “arquivar a própria vida é se pôr no espelho, é contrapor
à imagem social a imagem íntima de si próprio, e nesse sentido o arquivamento do eu é uma
prática de construção de si mesmo e de resistência”. E nesse arquivamento de si e para si “o
álbum de retratos constitui a memória oficial da família” (ARTIÈRES, 1998, p. 14). As
centenas de fotografias produzidas por Clinton Thomas e familiares ao longo de suas vidas
atende ao que Artières considera um dever da família – produzir lembranças.
Isso nos remete à construção do grande arquivo de Tomé Thomas, pois essas fotos, para
ele, são “patrimônio de família”. Seu trabalho de cotejar esse material lhe custou “muitos anos
119
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ter em mãos aquilo que Bacellar (2014) chama de arquivos privados, constituídos por
acervos de pessoas, famílias, grupos de interesse ou empresas, permitem o acesso à ricas
contribuições no ofício historiográfico. O autor defende que “cabe ao historiador investigar e
localizar onde estão preservados, sob a guarda de quem, e buscar contatos para tentar ter acesso
a esses acervos tão preciosos” (BACELLAR, 2014, p. 43). Tal foi nossa atitude ao buscarmos
Urucará e a família Thomas, mas ficam em aberto as muitas possibilidades que o arquivamento
da vida de Clinton Thomas fornece, atravessando até os Estados Unidos.
120
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nossa pesquisa, tendo como recorte os quarenta anos de Clinton Thomas no Norte do
Brasil (1956-1996), enquadra-se no que Motta (2012, p. 34) denomina história do tempo
presente, construindo “uma narrativa científica acerca do que vivemos, do que estamos
consagrando como memória e, por contraste, do que estamos esquecendo”. A memória, em
uma investigação do tempo presente, não está em segundo plano, mas é essencial às discussões.
Segundo Pollak (1992), a memória apresenta flutuações, as quais são dependentes das
motivações pessoais ou políticas em que é expressa. Construção, social e individual, a memória
é concebida como elemento que constitui o sentimento de identidade, individual e coletivo,
contribuindo para o sentido de continuidade e coerência tanto da pessoa quanto do grupo.
Entretanto, memória e identidade estão em constantes negociações e disputas, em confrontos
sociais e intergrupais (POLLAK, 1992). Esse caráter conflitivo se faz presente em memórias
familiares e de outros grupos, onde se embatem objetivos e conflitos, como aliás, pode ser a
trajetória de Clinton Thomas.
As discussões sobre a memória e sua relação com a história permitiram sua inserção no
território historiográfico, e nisso a metodologia da história oral ocupa um espaço privilegiado
(FERREIRA, 2012), pois permite, conforme a definição de Alberti (2014, p. 155), “o registro
de testemunhos e o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, assim sendo, amplia as
possibilidades de interpretação do passado”. Desde os primeiros momentos, ao tomarmos
conhecimento de Clinton Thomas e sua trajetória em Urucará, percebemos a importância da
história oral para essa investigação, por permitir “a democracia de vozes” (GATTAZ; MEIHY;
SEAWRIGHT, 2019).
121
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ferreira (2012, p. 183) aponta que as memórias “mais do que possibilitar uma
compreensão do passado, atuam no tempo presente”. O relato não é a própria “História”
(ALBERTI, 2014), mas como fonte, a entrevista precisa ser interpretada e analisada. Ferreira
(2012, p. 184) adverte que o historiador “detém instrumentos para lidar com a pluralidade e a
fragmentação” da memória; logo, sua análise é fruto “de um esforço de escrita da história”.
122
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
do missionário relaciona-se com as possíveis tensões geradas por sua presença nessa lacuna da
ação do Estado. A pesquisa pode ainda levantar outras questões, a partir do diálogo com
moradores de Urucará e em outras regiões, e para isso a história oral nos permite acessar essas
memórias, as histórias dentro da história (ALBERTI, 2014).
Uma parte do nosso corpus documental foi fornecido pelos escritos do movimento Igreja de
Cristo, nos sites Movimento de Restauração [3], mantido por membros da Igreja de Cristo no
Brasil, e World Convention [4], da Convenção Mundial das Igrejas de Cristo. Interessada em
falar de si e para si, a Igreja de Cristo reuniu diversos artigos em seus sites, os quais nos
permitem traçar a história e dados do movimento desde sua fundação no início do século XIX
a eventos do século XXI na igreja brasileira.
As fontes da Igreja de Cristo foram nossos primeiros objetos de análise, ainda antes dos
contatos em Urucará, pois nos forneceram não só um pequeno perfil de Clinton Thomas, mas
também compreensão do seu movimento bicentenário, da chegada ao Brasil e estabelecimento
da primeira igreja em 1948, a entrada na Amazônia nos anos seguintes, bem como pontuar a
trajetória desse missionário dentre as dezenas de famílias que vieram ao Brasil nesse projeto
missionário e conversionista (BEZERRA; SILVA, 2018, 2020).
123
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Outras fontes são possíveis, tanto para nossa investigação quanto para outras pesquisas,
como arquivos cartoriais e eclesiásticos, apontados por Bacellar (2014); entretanto, até o
momento estes não nos foram disponibilizados. Cabe destacar que uma visita ao Poder
Legislativo de Urucará resultou no encontro da entrega do título de cidadania para Clinton e
Phyllis Thomas.
Considerações finais
124
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
um sujeito histórico.
Notas
[1] Clinton Benjamin Thomas, natural de Williamsport, Pensilvânia, nasceu em 28 de
setembro de 1930. Faleceu em 21 de abril de 2007, em Knoxville, Tennessee. Cf. Bezerra e
Silva (2018, 2020).
[2] Entrevista realizada com Thomas “Tomé” Joel Thomas, em Urucará, 19/08/2017.
[3] Movimento de Restauração. Disponível em http://movimentoderestauracao.com/.
[4] World Convention. Disponível em https://www.worldconvention.org/.
Referências
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes
históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2014. p. 155-202.
ARTIÈRES, P hilippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
1998, p. 9-34.
BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.).
Fontes históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2014. p. 23-79.
BEZERRA, César Aquino; SILVA, Júlio Claudio da. Entre Williamsport e Urucará: a
trajetória do missionário Clinton Thomas dos EUA ao Amazonas através de fontes orais.
Gnarus Revista de História, v.1, ed. especial, p. 37-45, fev. 2020.
BEZERRA, César Aquino; SILVA, Júlio Claudio da. História Oral e Memória: Clinton
Thomas e a Igreja de Cristo em Urucará. In: Anais IV Encontro Estadual de História:
125
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
126
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O CAMINHO DA TERRA:
OS PATAXÓ DO SUL DA BAHIA E O “FOGO DE 51”
A terra é o elemento principal da narrativa que se inicia com a chegada das naus
portuguesas, em 22 de abril de 1500. A busca de um caminho alternativo para o comércio
colonial com as chamadas “Índias”, via oceano Atlântico, foi usada como justificativa à
chegada em um território que Portugal já tinha o domínio legitimado através do tratado de
Tordesilhas, assinado em 7 de Julho de 1494, dividindo entre o Reino de Portugal e a coroa de
Castela as terras já descobertas e as que estariam a se descobrir no então chamado, para os
europeus, “novo mundo”. Sob outro ponto de vista, para aqueles que já a habitavam, evoca-se
o sagrado, o ciclo da vida. A terra é aquela que gera a natureza da qual se é parte indissociável,
127
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
quem alimenta, quem protege, quem guarda. A terra faz parte da identidade indígena, fazia à
época da chegada portuguesa, faz ainda hoje.
A carta enviada por Pero Vaz de Caminha a El-Rey D. Manuel, consagrada pela
historiografia brasileira nascente no século XIX, é o primeiro documento oficial que dava
notícias da chegada, das coisas da terra e das gentes locais. As imagens de “bondade” e
“inocência”, ou mesmo de “beleza” e “exuberância”, que foram construídas ao longo dos
processos coloniais se contrapunham a outras denominações já que as práticas atribuídas aos
indígenas que não se alinhavam com a cultura europeia também foram chamadas de “barbárie”,
bem como de “bravos” os “homens” e “gentes” que não se submetiam ao trabalho com a
extração do pau-brasil e construção das primeiras vilas, bem como os que resistiam à ação
missionária (POMPA, 2003; GARCIA, 2007).
Em 1798, os juízes absorveram então a administração dos bens dos índios, ainda
categorizados como incapazes de responderem por si. Após 1808, com a transferência da
família Real para o Brasil, as cartas régias determinam que toda a terra conquistada a partir de
uma “guerra justa”, ou seja, um embate com índios que se negavam a determinação portuguesa,
seria considerada “terra devoluta”. O Regulamento das Missões, de 1845, atualizava a
permissão do arrendamento dessas terras e também a remoção e reunião de aldeias. Desta
maneira, o controle da terra poderia ser utilizado para manejar as comunidades, mais uma vez
128
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
enfraquecendo os laços entre os indivíduos, bem como negando as referências com o lugar
ancestral de assentamento. Em 1850, três legislações estiveram intrinsecamente ligadas às
questões da terra, da mão de obra e da colonização do território. A Lei de Terras teve o objetivo
de regulamentar a propriedade das terras doadas desde o período colonial e legalizar as áreas
ocupadas sem autorização, reconhecendo, posteriormente, as terras devolutas pertencentes ao
Estado. Engenheiros eram enviados a estes espaços, e, sob a acusação de estarem “misturados
à massa da população”, de terem “perdido” através da “mistura” as características dos que
seriam os “verdadeiros” índios, muitas vezes representados nas imagens científicas, literárias
e pictóricas do romantismo, muitas aldeias foram consideradas extintas pelo discurso oficial.
Na segunda metade do século XIX, a chamada “Guerra do Paraguai”, ou, para os outros
países envolvidos, a “guerra da tríplice fronteira” (1865-1870) destaca-se a figura de Cândido
Mariano da Silva Rondon (1865-1958). Rondon defendia a “colonização” do Brasil, alinhando
os ideais positivistas num contexto de discussões acerca do futuro indígena. No plano de
estabelecimento de políticas de governo em relação aos povos indígenas baseadas na tutela
destas populações, foi criado em 20 de Junho de 1910, através do Decreto no 8072, o Serviço
de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais, com base em uma política
indigenista que afastasse a catequese e que enxergasse no índio o potencial para um trabalhador
nacional.
129
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
“Fogo de 51” é como ficou conhecido e noticiado nos jornais de Salvador uma série de
perseguições aos Pataxós, marcando o início da dispersão pela região. Por vezes é chamado de
“Revolta dos caboclos”, como foi noticiado no jornal A Tarde, edição de 11 de junho de 1951.
A questão da terra para este evento se evidencia com a medida que cria o Parque Nacional do
130
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A área prevista para o parque adentra a área ocupada pelos indígenas e não há qualquer
referência a estes no corpo do texto publicado, colocando estes povos em uma condição de
instabilidade no que diz respeito à posse e ao uso das terras em que neste momento habitavam.
Diante de uma iminente desapropriação ou mudança de território, a documentação analisada
indica a presença do "capitão" Honório Teixeira, liderança indígena Pataxó. Em 1949, Honório
Teixeira teve a responsabilidade de ir até o Rio de Janeiro, então capital e sede do governo
central do Brasil, na esperança de que houvesse uma intervenção a favor de sua aldeia, a aldeia
Bom Jardim, a fim de lhes assegurar a posse de suas terras, bem como intervir na situação de
precariedade que enfrentam. Segundo Sampaio (2000, p. 35), foi provavelmente a criação do
Parque que incentivou a ida de lideranças indígenas ao Rio de Janeiro, em busca de conseguir
apoio das autoridades, em especial do Marechal Cândido Rondon, à sua causa. No relato sobre
a difícil situação do seu povo e sobre o temor da tomada iminente do território fica indicado na
carta datada de 1o de setembro de 1949.
Do capitão Onoro para (sic) os pobres Chefe da ardea de indio de Belo Jardim
Monte pasqual. Manda pedir roupa para minhas crianças e pesso feramenta
para o meu trabalho faso um pedido que não dei- xe de atender. Peso o favor
de não deixar o pessoal da India tomar minhas terra eles tatando para panhar,
Ardea dos Indios de Belo Jardim Monte Pascual que fica acima de porto
Seguro na Bahia (SPI, 1949).
A situação de instabilidade na terra descrita pelo capitão pode ser evidenciada nos
registros do catálogo da documentação textual do SPI do posto indígena Caramuru-Paraguaçu,
que abrangia as terras ocupadas pela aldeia Bom Jardim. O catálogo registra diversas situações
de arrendamento e posse de terras, bem como procedimentos administrativos e situações de
conflito e/ou de violência. Considerando-se também que outras ocorrências podem não ter sido
registradas, encontram-se para o ano de 1949 o registro de 3 (três) atos de violência e conflitos
de invasão de terras dos indígenas, um deles com referência a campanhas difamatórias contra
os índios. Em 1950 houve 1 (um) registro de invasão e outros 4 (quatro) registros que
antecederam chamado “fogo de 51”. Entre estas ocorrências, chamo a atenção para um ofício
no qual eram solicitadas providências acerca do arrendatário Raimundo Gonçalves de Freitas,
131
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que teria ateado fogo em terras ocupadas por índios. Há ainda a ocorrência de um movimento
reivindicatório dos arrendatários que alegavam a existência de um número reduzido de índios
para justificar a existência de um posto, pedindo, assim, a sua extinção, ocorrido em 1936
liderado por deputados estaduais. E, depois disto, um segundo episódio chamado de
"Revolução do Posto" em que as tropas policiais do Estado da Bahia teriam invadido a área,
insuflados por fazendeiros e políticos sob a alegação de haver grande quantidade de armas entre
os índios e os arrendatários da reserva.
Mesmo antes do decreto que estabelecia a criação do PNMP, já havia insegurança por
parte dos indígenas para garantir a manutenção de suas terras, bem como havia conflitos com
políticos e força policial. Sem encontrar solução para a situação da sua aldeia, Honório busca
ajuda numa instância superior, na esperança de lograr êxito a sua causa. A carta que relata o
pedido desesperado de ajuda, no entanto, não surte o efeito desejado, apesar de ser protocolada
e encaminhada pelo diretor do SPI, em setembro do mesmo ano, a duas inspetorias com
orientação de que se verifique o relatado. Em maio de 1951, portanto aproximadamente um
ano e oito meses depois, ocorreu o massacre e a dispersão dos índios Pataxó da aldeia de Bom
Jardim, também chamada Barra Velha.
Sobre este acontecimento, surgiram muitas versões, inclusive uma que alegou a
movimentação de caráter subversivo dentro da aldeia. O que é descrito no Jornal A Tarde,
edição de 30/05/1951, sugere uma comunidade “em lastimável estado de miséria, todos
passando fome e alguns doentes.” Esta comunidade foi brutalmente invadida e seus integrantes,
quando não foram mortos, foram forçados a fugir, deixando tudo que possuíam para trás, sua
habitação, os lugares considerados sagrados, seus objetos culturais, seu território de
pertencimento. Muitos dispersaram levando consigo profunda dor e desespero. Pelo relatório
“Conflitos Socioambientais e Unidades de Conservação”, de 2000, o fogo de 51 foi uma revolta
da comunidade da região contra os índios. Sobre o que desencadeou o massacre, há narrativas
sobre a participação de dois indivíduos que Honório teria conhecido por ocasião da sua visita
ao Rio de Janeiro. São citados em diversos momentos, como por exemplo, no relato oral do
Pacurumã ao vender seus artesanatos na praia. Também aparecem no discurso de início da
visita à Reserva da Jaqueira em Coroa Vermelha, atração turística local. Ou ainda na edição de
132
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Narrativas indígenas dão outros sentidos e estes eventos. Para a comunidade Pataxó que
organiza o Manual das Atividades de Etnoturismo na Reserva da Jaqueira, o relato ganha outro
corpo. Após o território ter sido ocupado em protesto contra a degradação ambiental provocada
pela empresa que se dizia dona da terra, a área obteve a homologação da demarcação publicada
no Diário Oficial em 18 de outubro de 1997 como terra indígena.
Diz-se no Manual:
Sabendo que nós índios tínhamos direito a este território, o Capitão da Aldeia
Honório Ferreira, Pifânio e mais outro Pataxó, seguiram viagem até o Rio de
133
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Dentre o que se pode acessar da memória coletiva e acerca dos relatos sobre o que
aconteceu nesses dias de horror, destacam-se as vozes de Ideildes e Nayara Pataxó, dos
registros do Manual de atividades de etnoturismo da Reserva Pataxó da Jaqueira:
Ideildes: Eles entravam nas casas com os cavalos, aqueles velhos que não
podiam correr, iam morrendo por ali mesmo. E as crianças que corriam na
frente dos cavalos, eles iam pisando por cima.
O fogo de 51 é um marco de dor, mas que significa a resistência dos Pataxó, significa
o ponto de partida para a construção de um caminho Depois do grande massacre, o resultado
foi a dispersão. A negação da identidade chegou a ser um caminho de sobrevivência. As marcas
são no corpo, de toda sorte de violência e atrocidade; as marcas são na alma, de apagamento e
invisibilidade. A negação do ser índio, de sua herança cultural, daquilo que faz parte do seu
quotidiano. Os Pataxó que sobrevivem se espalham, se misturam. A mistura gera uma mudança
fenotípica. A mudança também abre um caminho de fortalecimento, de retomada, de
reconstrução. É disso que se orgulha hoje, o autoproclamado povo guerreiro, apesar das
tentativas de apagamento. O índio Pataxó considera todas as outras etnias como seus parentes,
organizando-se, interagindo, adentrando na universidade, formando professores indígenas,
134
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
publicando livros, ensinando sobre as diversas formas de ser índio. Muito longe de estar
resolvida, a questão da terra ainda encontra seus percalços, o assunto encontra lugar nas pautas
atuais do Estado. A questão de quem é índio e quem não é segue lado a lado com a
(re)construção de um novo imaginário, um índio que é acima de tudo, brasileiro, em cujo “ser
índio” é revelado em constante mobilidade, em transformação, não mais preso a uma ideia
daquele encontrado a chegada de Cabral. Um índio que não se resume a ele próprio, mas que
habita espaços diversos, em cada qual cumprindo seu papel, seja artesão de biojoias, seja
médico, seja lavrador de sua roça, seja caseiro de uma pousada, seja sociólogo. O lugar do
índio, tão designado a ele por outros, tão justaposto a cada nova política indigenista, encontra
um novo desafio, o de ser ele mesmo, sendo todos, sendo cidadão, sendo, neste caso, Pataxó,
baiano e brasileiro.
Referências
135
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
MATTOS, Hebe. Verbete “Lei de Terras” “in” VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do
Brasil Imperial. Rio de Janeiro: objetiva, 2002, págs. 466/468.
OLIVEIRA, Joao Pacheco; FREIRE, Carlos Augusto. A presença indígena na formação do
Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi e tapuia no Brasil colonial.
Bauru-SP, Edusc, 2003.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do Sertao do
Nordeste do Brasil. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de Sao Paulo: Fapesp, 2002.
136
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Uma reflexão sobre presença da Arte Sacra na história do Brasil, a partir da representação da
Procissão do Fogaréu na Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Uma investigação através do
painel de azulejos instalado na nave da Igreja da Misericórdia e das telas de José Joaquim da
Rocha, expostas no museu de mesmo nome. Para tal pesquisa, além das imagens em exposição,
utilizaram-se também os documentos originais de encomenda e despesas constantes no Centro
de Memória Jorge Calmon, valioso acervo documental da instituição. O eixo narrativo percorre
a história da Santa Casa de Misericórdia da Bahia desde a sua fundação e passa pela construção
do templo da Igreja e suas variadas intervenções. Continua através dos esforços dos provedores
em construir um legado artístico e se estende até a aquisição e uso dos azulejos e das telas que
remetem a Procissão do Fogaréu. Procura ainda, compreender em cada tempo, de que maneira
estes processos se relacionavam com a sociedade local.
Introdução
Não há dúvidas que a Santa Casa da Misericórdia é um dos monumentos mais antigos
e graciosos - em termos arquitetônicos - da Bahia. A assistência social prestada pelas
irmandades no passado tem uma importância tal que muitas vezes não lhe é atribuída, já que
em muitos casos era o único recurso do seu tempo. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia
iniciou sua história praticamente com a história da cidade de Salvador e, assim, se entrelaça a
ela até os dias de hoje. Sua atuação como entidade pia nos conta muito sobre a sociedade
soteropolitana e até mesmo sobre a sociedade baiana como um todo. Envolvida em diversos
contextos, observamos que no rol de provedores e irmãos encontramos nomes importantes,
137
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
tais como: Mém de Sá, o primeiro provedor (1560-1571) que acumulava ainda o cargo de
Governador Geral (1557- 1572), depois dele, 15 outros governadores gerais ocuparam o cargo
entre os anos de 1572 e 1876. De fato, ocupar o cargo de provedor simbolizava um grande
prestígio numa sociedade cujas bases se consolidavam no status dos seus indivíduos. Eram
estas pessoas que de certa maneira movimentavam também a vida artística, responsáveis pelas
encomendas de objetos de arte e decorações que viriam figurar, então, a produção artística
baiana.
A palavra misericórdia tem raízes latinas, misere e cordis, que significa doar seu
coração a alguém. Em latu sensu, doar a quem necessita, dar amor aos carentes ou ainda termos
compaixão ou, piedade (KHOURY, 2004, p. 9). O contexto histórico que envolve o nascimento
das Santas Casas apresenta o povo português em sérias dificuldades, atormentados desde o
século XI pela tríade fome, peste e guerra. A expansão marítima e a atividade portuária e
comercial faziam de Lisboa um centro de grande fluxo de pessoas. Além do mais, devido aos
constantes naufrágios e batalhas oriundas das grandes navegações, multiplicava-se o número
de viúvas e órfãos, sem contar a situação preocupante dos encarcerados nas prisões do Reino.
Foi diante desta realidade turbulenta que D. Leonor, rainha viúva de D. João II, instituiu
a Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia no verão de 1498, no dia 15 de
agosto, dia de assunção da Virgem. A nova irmandade foi sediada na Capela de Nossa Senhora
da Piedade ou da Terra Solta, Sé de Lisboa. A partir de então, as misericórdias se proliferaram
por todos os domínios portugueses e carregavam sempre uma forte dicotomia: os que podem
dar e os que pedem.
138
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
a) Espirituais: ensinar os simples; dar bom conselho a quem pede; castigar com caridade
os que erram; consolar os tristes e desconsolados; perdoar as injúrias recebidas; suportar com
paciência as deficiências dos próximos; rogar a Deus pelos vivos e mortos,
b) Corporais: remir cativos e presos; visitar e curar os enfermos; cobrir os nus; dar de
comer aos famintos e pobres, dar de beber aos que tem sede; dar pousada aos peregrinos e
pobres, sepultar os finados.
Além de legados pios, desde a sua fundação, a Santa Casa pode contar ainda com apoio
oficial do governo. É provável que estes recursos tenham contribuído para que, por volta de
1500, tenha sido construída a primeira Igreja da Santa Casa de Misericórdia que, na descrição
de Gabriel de Souza, em 1584, consta que: “Não era grande, mas muito bem acabada e
ornamentada” (Ibid., p. 18). A obra da fachada terminou em 1728, quando se concluiu a fase
superior da torre quando a Bahia passava por um período de intensa atividade arquitetônica e,
com as transformações empreendidas, a igreja da Santa Casa certamente ocupou um lugar de
grande destaque aos olhos dos fiéis. Logo após levantar o teto da nave, já com os dois coros e
a fachada prontos, foram encomendados azulejos para o revestimento das paredes da nave. O
assunto aparece em carta escrita ao procurador da Santa Casa em Lisboa. Foram encomendados
na rua da Almada, próximo a Santa Catarina do Monte Sinai, ao azulejador Antonio de Abreu.
Não foi ele o pintor dos azulejos, mas um empreiteiro que aceitava as encomendas. Não se tem
certeza acerca da chegada e da colocação das peças, ainda que tenhamos realizado pesquisa na
139
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A Procissão do Fogaréu
140
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A Procissão do Fogaréu já acontecia desde pelo menos 1618 e continuou a ser realizada
por mais dois séculos e meio (CAMPOS, p. 298). Era um verdadeiro espetáculo que atraía
grande participação popular. A concentração de pessoas começava às 16 horas da quinta-feira
Santa, na frente da Igreja da Misericórdia, aguardando o pôr do sol para se dar o início. Ao
anoitecer, por volta das 19 horas, saía a procissão com a chegada de um personagem muito
peculiar: o Gato da Misericórdia.
[...] entre os entabulados painéis a escaldada procissão dos fogaréus, onde
a turbulenta chusma de satânicos moleques amotinam de assovios e
apedrejam de apupadas o formidável Gato da Misericórdia, ouvindo-se o
afogado eco das trombetas da Paixão, unidos as compassadas batidelas da
matraca velha! Eis-me na sexta-feira maior vendo o funeral sepulcro onde
os mantos e cortinas sombreadas escurecem o brilho das telas que ornam o
trono do omnipotente. O cântico saudoso acompanha o ato do enterro do
Deus homem, cujo corpo sagrado vai envolto no dourado esquife onde
reacendem o incenso, a mirra e os bálsamos preciosos (Do jornal A
Verdadeira Marmota, de 16/04/1851)
141
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
(espécie de capa preta de mangas largas com capuz repuxado para a cabeça). Aqueles que
faziam parte da mesa administrativa usavam uma cruz de tecido azul costurada no lado
esquerdo do peito. Atrás, seguia um irmão carregando a bandeira da Misericórdia. Dois outros
irmãos seguiam ao lado deste com tocheiros acesos e, na sequência do cortejo, outros irmãos
da Santa Casa levavam às sete insígnias da Paixão, e os painéis pintados a óleo por José
Joaquim de Souza. À frente de cada painel, andavam uns encapuzados portando fogaréus e
outros, varas pretas. Os condutores dos fogaréus eram escravos da Santa Casa que na rotina de
trabalho diário cuidavam de acender os candeeiros da iluminação pública e, que neste dia, eram
dispensados do serviço de rotina. O provedor da casa e o escrivão seguiam o grupo dos painéis
e fogaréus. Atrás deles, vinham outro grupo de irmãos e a orquestra com os músicos
acompanhando os cânticos, como Cadena (2019) nos relata. Ainda faziam parte do cortejo
homens vestidos de soldados romanos portando lança e sabre figurando a busca por Jesus para
capturá-lo. Quando passava, o povo gritava e vaiava: judeus, judeus!
Com o passar dos anos, mesmo com a proteção policial, as agressões ao Gato da
Misericórdia aumentaram consideravelmente até que o povo resolveu não só bater e beliscar,
começando então a apedrejá-lo. Numa ocasião, as pedras atingiram não só o personagem, mas
outras pessoas que acompanhavam o cortejo, inclusive autoridades. Após este acontecimento,
em acordo com o arcebispado, a Santa Casa decidiu deixar de realizar a Procissão do Fogaréu,
substituindo-a pelo ato do lava pés, em 1873.
José Joaquim da Rocha era pintor e dourador, nasceu em 1737, vindo a falecer em 1807
na cidade de Salvador, Bahia. Estudou em Lisboa, Portugal, onde aprendeu o ofício de pintor
e se aprofundou na técnica de pintura em perspectiva. Retornou a Salvador em 1764, residindo
em um sobrado pertencente a Santa Casa. Nesta época, estudou pintura ilusionista com o pintor
português Antônio Simões Ribeiro. José Joaquim foi fundador da Escola Baiana de Pintura,
deixando diversos discípulos como José Teófilo de Jesus e Antônio Franco Velasco.
Em 1786, José Joaquim da Rocha pintou diversos painéis em óleo sobre tela, retratando
os passos da Paixão de Cristo. Cada painel possui um correspondente simbólico, representado
por um anjo e suas insígnias e foram inspirados nos desenhos do gravador francês Edu de Bois.
142
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O conjunto de painéis custou 64$000 (sessenta e quatro mil réis) conforme consta no orçamento
feito pelo pintor, juntamente com o douramento de castiçais que, juntas, somavam 73$720
(setenta e três mil e setecentos e vinte réis, sem data. Consta ainda na Portaria de 23 de Abril
de 1786 uma ordem ao tesoureiro da Santa Casa para que se fizesse o pagamento, cujo recibo
feito ao pintor data de 26 de abril de 1786 e o registro no Livro de Despesa da Santa Casa em
26 de abril de 1786.
Dezesseis telas foram encomendadas a José Joaquim da Rocha. Destas, apenas quatorze
estão em exibição no Museu da Misericórdia. O museu nos informou que até o presente
momento, as pesquisas não apontaram qualquer referência documental sobre as telas que
representariam a crucificação de Cristo e que seriam, o sétimo passo. Na verdade, não se sabe
se estas telas chegaram a ser sequer pintadas por José Joaquim ou ainda se poderiam ter se
perdido ao longo do tempo.
Os painéis que retratam as cenas da paixão, morte e ressurreição de Cristo são bifases,
isto é, foram concebidos para serem exibidos na procissão em frente e verso e é possível
perceber características comuns quanto ao estilo da pintura barroca, onde as cenas apresentam
a dualidade do claro e escuro, utilizando-se ainda deste recurso para colocar em evidência a luz
como correspondente da ação ou intervenção divina . Em várias telas, Jesus apresenta rosto ou
corpo em coloração diferente dos demais, aparecendo também com mandorla na maioria das
representações. Há também forte indicação de movimento nos personagens, assim como
dramaticidade em cada expressão, inclusive dos anjos.
O vulto da paixão é um dos objetos mais importantes da procissão, cada painel carrega
o simbolismo cristão que deve ser capaz de contar os passos de Cristo em seus últimos
momentos. O poder de comunicação das telas tem o objetivo de captar a atenção do fiel de
modo a transladá-lo para aquele tempo e espaço, levando-o a experimentar através das imagens,
o contexto de constrição e sofrimento em que os fatos ocorreram. Sem dúvida, a composição
das telas de Joaquim José da Rocha atenderam a este quesito, fato pelo qual se justifica sua
conservação até os dias atuais, tendo para a memória da Santa Casa de Misericórdia um lugar
de merecido destaque.
O painel de Azulejos
143
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A palavra azulejo tem origem árabe, al-zuleij, que significa pedra pintada. A tradição
portuguesa de azulejos começou no ano de 1498 quando D. Manuel I, rei de Portugal, viajou à
Espanha e se encantou com os interiores mouriscos e a multiplicação das cores nos
revestimentos das paredes. Os azulejos, mais tarde, se tornaram uma base de referência de arte
portuguesa, representando não só um elemento decorativo, mas uma marca de sua cultura e
expressão artística reconhecida e identificada em todo o mundo.
Conclusão
A Santa Casa da Misericórdia da Bahia nos apresenta um lugar histórico, tendo como
enredo a própria história baiana. Esta sociedade em formação é o lugar em que vemos como se
vão construindo as tradições e costumes. Através das manifestações desta sociedade, podemos
observar como suas convicções são externadas e sedimentadas através das décadas. A
144
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
importância do ritual e sua sacralidade é uma construção social de cunho histórico, de geração
em geração.
Referências
145
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
146
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
A historiografia nos mostra que, desde o Império, o termo “comunismo” gera medo na
sociedade brasileira. Esse medo vem acompanhado de representações sobre o comunismo e
essas representações são acompanhadas de práticas e vice-versa. Neste sentido, Roger Chartier
afirma que “as representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses
de grupos que as forjam”. Dessa forma, “as percepções do social não são de forma alguma
discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados”. É nesse sentido que
analisamos as representações/ações anticomunistas propagadas no estado do Amazonas,
percebendo-as não apenas como representações isoladas, que nada de concreto produzem, mas,
ao contrário, como atividades mentais que geram práticas tanto dos governos, como
mobilizações sociais realizadas por grupos de diferentes camadas sociais. Nesta exposição,
teremos por objetivo apresentar as ações realizadas pelos governos Álvaro Maia e Getúlio
Vargas contra o “bolchevismo”.
Palavras-chave: Anticomunismo; Getúlio Vargas; Álvaro Maia.
Introdução
Em 1917, o mundo conheceu uma nova alternativa política, econômica e social. Nesse
ano adentrou o rol da história o comunismo – ou marxismo-leninismo – que naquele momento
deixava de ser apenas um espectro. Segundo Rodrigo Patto Sá Motta (2002, p. 20), “o
comunismo para uns era a concretização de um sonho, mas para outros era um pesadelo
tomando forma real”.
147
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
5 Ver: ABREU, Davi Monteiro. Uma "pretensa intentona": ANL, AIB e a cultura política anticomunista no Estado
do Amazonas (1935-1937). 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas,
Manaus, 2019.
148
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O Estado de Sítio tinha prazo de 30 dias, ou seja, duraria até 26 de dezembro de 1935.
No entanto, este prazo foi prorrogado por mais 90 dias, através do decreto nº 532, de 24 de
6 Com a expressão “Estado de sítio” se quer geralmente indicar um regime jurídico excepcional a que uma
comunidade territorial é temporariamente sujeita, em razão de uma situação de perigo para a ordem pública, criado
por determinação da autoridade estatal ao atribuir poderes extraordinários às autoridades públicas e ao estabelecer
as adequadas restrições à liberdade dos cidadãos. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal
situação são, em geral, de ordem política, mas podem também ser acontecimentos naturais como terremotos,
epidemias, etc. Neste caso, o perigo para a ordem pública não está nas circunstâncias perturbadoras que
ocasionaram o Estado de sítio, mas em seus efeitos [...] De acordo com a época e as exigências às vezes presumidas
do caso concreto, o Estado de sítio apresenta formas mais ou menos amplas, podendo ir de simples medidas de
polícia (proibição de reuniões, conquanto normalmente lícitas) à total suspensão das garantias constitucionais.
149
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
7 Era uma importante liderança política católica. Na eleição para deputados estaduais de 1934, foi a única mulher
eleita.
150
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Carla Luciana Silva (2001, p. 103) nos lembra que “a Igreja conseguiu inserir-se na
Assembleia Nacional Constituinte, especialmente pela defesa do ensino religioso como forma
de manter a ordem social”. Dessa forma, percebemos a importância que os católicos davam à
questão da educação, que para eles era sinônimo de manutenção da ordem. Neste sentido, no
dia 31 de dezembro de 1935, o periódico O Jornal noticiou em sua coluna Actos do Governo
que o governador autorizou a isenção de todas as taxas escolares aos pais reconhecidamente
pobres que tenham mais de seis filhos, além de regulamentar o Ensino Religioso nas escolas
públicas do Estado (O Jornal, 31-12-1935).
A segunda medida para combater o “credo vermelho” no Amazonas foi fortalecer o
policiamento, equipando-o ainda mais contra a criminalidade, em geral, como também, contra
o comunismo. Além disso, observamos, por meio das fontes, a criação de um órgão
especializado na garantia a ordem social. Segundo Pedro Ernesto Fagundes (2011, p. 296),
151
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
houve, para defesa da Nação Brasileira, uma atitude geral e uniforme dos
governos e autoridades constituídas. Crearam-se, onde não existiam, serviços
especialisados, prevenção e repressão aos ideólogos extremistas (Mensagem
de Governo à Assembleia Legislativa do Amazonas, 03-05-1937, p. 178-
179).
8 A administração Ruy Araújo na Policia Civil [...] HYGIENE SOCIAL – A polícia moderna não pode fugir ao
papel de hygienizadora dos núcleos sociaes onde exista. Prevenir, pela prophilaxia e pela desinfecção moral, tal
é, sobretudo, o principal objetivo do organismo de repressão. Dentro desse prisma criou o actual titular da policia
um novo Departamento, a Delegacia de Segurança política e Social. Tal departamento, cuja actuação já se faz
sentida entre nós, visa, sobre a preservação colectiva contra os movimentos subversivos, as infiltrações
communistas, as convulsões políticas, na incansável vigilância em torno dos menores delinquentes (ilegível)
menores abandonados e vadios, a carga de uma secção privativa de menores, agregada ao organismo policial, sob
directo controle de S. Sa. [...] (A Tarde, 19-02-1937).
9 Segurança Publica – O dr. Ruy Araujo está exercendo, no Amazonas, pela segunda vez, o cargo de Chefe de
Policia [...] Nesse propósito, instituiu a Guarda Noctura nesta capital, dando-lhe organismo, idêntica forma de
mantel-a, processos affins de agir, vindo prehencher uma necessidade que se impunha para um repouso sem
intercalações do sobresalto e de incerteza. A população, que esperava por medida dessa natureza, está prestigiando
o commettimento com enthusiasmo. Ao serviço de assistência publica deu um carro para soccorros urgentes, de
cujo interior asseiado, como o requer a sciencia, estampamos um clichê; fundou e regulamentou a Inspectoria do
Trafego, de innegavel actuação no movimento da cidade; adquiriu um carro-cellular de grande velocidade para
serviços correccionaes e diligentes moto-cycletas para rápidas acções; reformou as lanchas “Jarina” e “Veloz” da
Policia do Porto; reorganisou a Guarda-Civil. Atravez dessas obras de caracter material e administrativo, fez
152
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A Revista Cabocla destacou que esta não teria sido a primeira experiência de Ruy
Araújo à frente da chefatura de polícia e ainda o apresentou como modesto e enérgico, além de
uma pessoa competente no que tange à função ocupada. Assim, a revista dá ênfase à
modernização dos equipamentos policiais, louvando a criação de uma Guarda Noturna e uma
Inspetoria do Tráfego, um carro de socorros urgentes (ambulância), carro-celular (viatura),
motocicletas (com side-car), a reforma das lanchas, além de reorganizar a Guarda-Civil.
Assim, a polícia estaria preparada para qualquer diligência, sendo ela de crimes tidos como
corriqueiros, ou mesmo crimes políticos, que perturbassem de qualquer forma a ordem.
A primeira notícia referente a esta polícia em sua ação contra o comunismo foi
informada pelo Jornal do Commercio, no dia 17 de outubro de 1937.
passar, dando-lhes unidade, o fio severo da disciplina, que se manifesta, não só no sector militarisado de seus
subordinados de farda, como no trabalho de seus auxiliares internos (A Cabocla, 1936).
10 No Amazonas, a comissão de censura, designada por Álvaro Maia – executor do estado de guerra – foi
composta por: Capitão de Mar e Guerra Alexandre Paranhos da Silva Velloso, Capitão dos portos do Amazonas,
major Raymundo Vilaronga Fontenele, commandante dos vinte sete batalhões de caçadores, major Gonzaga
Tavares Pinheiro, sub-commandante da força policial e Americo Nogueira Ruivo, chefe do gabinete do palácio
153
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesse período, “em fins de setembro (de 1937), alguns altos oficiais do Exército
‘descobriram’ muito convenientemente uma ‘trama do Comintern’, o chamado ‘Plano Cohen’
para o ‘assassinato de membros do governo’, ‘incêndio de edifícios’ e captura de reféns’”
(DULLES, 1979, p. 134). Na verdade, era um plano fajuto para justificar a decretação de um
novo Estado de Guerra e, posteriormente, a implantação de um novo golpe dado por Getúlio
Vargas para impedir a realização da eleição para presidente, marcada para janeiro de 1938, e,
assim, permanecer no poder. Com isso, o sentimento que o país voltava a se pacificar, voltava
à sua “democracia”, foi breve.
Antes disso, mais especificamente no dia 18 de julho de 1937, após longo período de
Estado de Guerra, o país voltava à “normalidade” democrática. Em 3 de junho de 1937, assumiu
o posto de Ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares. Este, preocupado com o decorrer
da disputa eleitoral, adotou medidas que acreditava pacificarem o ambiente político e ajudaria
no clima harmônico da campanha. Por isso, passou a visitar os prisioneiros, presos devido aos
levantes de novembro de 1935, e, logo após, ordenou a soltura de 308 presos políticos sem
culpa formada que estavam detidos na Capital Federal, assim como transmitiu a mesma ordem
aos estados (DULLES, 1979, p. 110). Esta medida ficou conhecida como “macedada”.
Nesse mesmo período, começou-se a noticiar, em especial, por meios integralistas, que
a Terceira Internacional voltava a articular um golpe contra o governo brasileiro. Foi noticiado
na íntegra, inclusive, no jornal A Tarde, na Coluna Verde (A Tarde, 17-08-1937/ 18-08-1937)
que a Terceira Internacional enviou um telegrama com orientações aos comunistas brasileiros,
entre essas orientações havia uma curiosa: infiltrar-se nas campanhas dos dois candidatos
favoritos ao pleito (Armando de Salles e José Américo). Daí em diante, tornaram-se comuns
as notícias que afirmavam uma nova incursão do comunismo soviético em terras brasileiras, e
entre essas notícias fazia-se uma leitura da própria implantação do comunismo na Rússia.
A polícia se preparou para o momento que parecia ser de enfrentamento direto contra
os comunistas. A sociedade encontrava-se receosa e a sensação era que, de fato, a qualquer
momento uma nova “intentona comunista” poderia acontecer. O Jornal do Commercio
noticiou, neste sentido, uma portaria que demonstra essa convicção:
Rio Negro e secretário da Associação Amazonense de Imprensa, podendo a referida commissão ser auxiliada,
quando julgar conveniente, pela policia civil (Jornal do Commercio, 19-10-1937).
154
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ESTADO DE GUERRA
O dr. Ruy Araujo, chefe de polícia, em portaria de hontem á situação
decorrente do estado de guerra, resolveu chamar a attenção dos conductores
de vehiculos, profissionaes ou amadores, para a velocidade dos seus carros,
que deverá ser reduzida nos trechos, onde houver quartéis, estabelecimentos
públicos guardados por força armada, postos policiaes, ou de policiamento,
etc. ficando notificados, tambem, de que devem attender promptamente aos
signaes das autoridades policiaes ou militares, tranqueando o vehiculo a
qualquer busca determinada pelas mesmas (Jornal do Commercio, 11-11-
1937).
A portaria leva a crer que a polícia estava tensionada e qualquer movimento mais
brusco, como o de um veículo em alta velocidade, poderia levá-la a efetuar disparos e/ou entrar
em confronto com possíveis suspeitos que se negassem a revista no veículo.
O combate ao comunismo se deu também por meios educacionais. Segundo Sá Motta
(2002, p. 225), a atuação das autoridades educacionais se concentrou em duas linhas básicas:
por um lado, procederam à revisão dos livros didáticos do curso primário e secundário e, por
outro, a realização de palestras anticomunismo nas escolas.
Observamos, por meio das fontes, que o governo Álvaro Maia – presidente da Junta
Executiva do Estado de Guerra – orientou a criação de uma comissão de censura aos livros
didáticos, jornais, revistas de publicidade que circulassem no Amazonas entre outros materiais.
Os designados para esta função foram Themistocles Pinheiro Gadelha, Moacyr Dantas de
Gouvêa Cavalcanti, Antovilla Mourão Vieira, Leopoldo Carpinteiro Peres, Arthur Cezar
Ferreira Reis, Clovis Barbosa, Eunice Serrano Telles de Souza e Alcina Limaverde de Barros
(Jornal do Commercio, 7-11-1937).11
Em algumas escolas, o combate ao comunismo se deu em forma de preleções e palestras
ministradas por professores e alunos membros dos centros acadêmicos. Na Escola Agronômica
de Manaus, por exemplo:
11 Essa comissão reunida decidiu dividir a censura em subcomissões, que assim ficaram definidas: livros
didáticos: Themistocles Gadelha, Eunice Serrano Telles de Souza e Alcina Limaverde Barros; sociologia,
economia e historia: Arthur Cezar Ferreira Reis e Leopoldo Peres; literatura (teatro, romance, contos, critica, etc.):
Clovis Barbosa e Moacyr Dantas; ciências e revistas: Antovilla Vieira e Themistocles Gadelha. Além disso, foi
aclamado presidente da comissão Themistocles Gadelha.
155
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
156
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
157
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura política
anticomunista no Estado do Amazonas (1935-1937). 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em
História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2019.
BALDI, Carlo. Estado de Sítio. In: BOBBIO, Norberto (Org.) Dicionário de política. Brasília:
UnB, 1986.
CHARTIER. Roger Chartier. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa:
Difel, 1988.
DULLES, John. O Comunismo no Brasil (1935-1945): Repressão em meio ao cataclismo
mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DULLES, John W. Foster. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1979.
FAGUNDES, Pedro Ernesto. A estrutura organizacional da Delegacia de Ordem Política e
Social do Estado do Espírito Santo. Diálogos, v. 15, n. 2, p. 293-309, maio-ago/2011.
14 “Expedir ordens para todo o Brasil afim de que em todas as escolas reúnam as creanças pela manhã, as nove
horas por exemplo, para a ceremonia do culto á bandeira da Patria. - Compor um modelo de oração á bandeira, de
sentido expressamente anti-communista, para ser lido em todo o Brasil, á mesma hora, pelos professores.-
Organizar um programma de procissão civica para todas as capitais de estados, conduzindo-se nella a bandeira do
altar da pátria que será armado numa praça publica, identico ao que se fez aqui anno passado” (Jornal do
Commercio, 6-11-1937).
158
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
LEVINE, Robert M. O regime de Vargas 1934-1938: os anos críticos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
MOTTA, Rodrigo Patto de Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: O Anticomunismo no
Brasil (1917-1964). São Paulo: Perpectiva, FAPESP, 2002.
SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934),
2001.
159
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este trabalho tem o intento de apresentar uma breve discussão acerca da organização, ação e
negociação coletiva dos motoristas e condutores de bondes nas greves empreendidas por eles
em Manaus nos anos de 1899 a 1930, buscando os significados que elas poderiam ter para os
múltiplos atores envolvidos. No que se refere a organização dos trabalhadores nas atividades
paredistas na cidade, parte significativa das mobilizações contou com a participação da
Sociedade Beneficente e Protetora dos Motoristas e Condutores do Amazonas, da União
Operária Amazonense e da própria formação do Comitê de Operários. Além das greves que
tiveram em seu comando as organizações representativas, analisamos também as paredes que
surgiram de forma espontânea. A negociação coletiva fez parte das mobilizações dos motoristas
e condutores de bondes, ela desempenhou um papel fundamental no sentido de estabelecer as
normas que deveriam reger as relações de trabalho entre os funcionários e o patronato e passou
a existir no momento que houve ação organizada dos trabalhadores por meio do fortalecimento
das sociedades e do exercício do direito de greve.
Palavras-Chave: Trabalhadores; Organização; Greves.
Introdução
160
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
161
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Por mais que as primeiras greves do início do século XX não tenham sido organizados
pela Sociedade dos trabalhadores, “o fato de escolherem um representante para noticiar a
mobilização, indicava uma organização prévia”. (TERRA, 2012, P. 223) Tendemos a acreditar
que os trabalhadores se reuniam e decidiam se iriam aderir à greve ou não previamente e assim
que declaravam parede, já com suas pautas definidas, acreditamos ser esse o momento em que
eles decidiam quem os representaria. As greves por melhores condições de trabalho, contra a
perseguição do chefe do tráfego e pela readmissão dos trabalhadores, foram as principais pautas
que se apresentavam mais fortemente dessas iniciativas.
Grande parte das mobilizações dos trabalhadores do tráfego de bondes contou com a
participação da Sociedade dos trabalhadores, da União Operária Amazonense e da própria
formação do Comitê de Operários. Além das lideranças, havia participação massiva da base de
trabalhadores, essa era a melhor forma de conquistar atenção da companhia e ter um rápido
retorno de suas demandas. Antes de se anunciar a greve, era necessário criar condições para as
negociações das pautas. Portanto, uma greve ou até mesmo a própria ameaça de greve é, por
excelência, a melhor ferramenta de luta usada pelas associações para forçar o atendimento dos
interesses dos trabalhadores. (LINDEN, 2013, p. 250)
Depois de pontuarmos como os trabalhadores organizavam as paralisações,
apontaremos agora como as ações de mobilização eram empreendidas por eles. Sendo assim, é
importante entendermos que significados tinham as ações dos grevistas para eles, como
também para a sociedade em geral. Dessa maneira, do conjunto de estratégias usadas pelos
trabalhadores do tráfego de bondes, destacamos as voltadas para o impedimento dos bondes de
circularem, o impacto que tal paralisação causava, influenciava toda a cidade.
Exemplarmente, podemos destacar a atitude dos motoristas e condutores na greve de
1910 em Manaus. Reunindo-se na Praça Quinze de Novembro, em frente à estação central da
Viação e Luz, intervieram contra a decisão da companhia, gritando estrondosas vaias. Além da
paralisação do serviço na cidade, a formação de piquetes foi uma prática bastante presente nas
paredes dos motoristas e condutores de bondes.
Igualmente no Rio de Janeiro, Paulo Cruz Terra evidencia ação específica dos
trabalhadores de colocar pedras sobre os trilhos dos bondes e tentarem, ao mesmo tempo,
levantar algumas delas como forma de chamar atenção da população, do patronato e do Estado
162
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
para suas reivindicações. Essa prática esteve presente em quase todas as mobilizações de
janeiro de 1900.
Marcelo Badaró Mattos também observou que se tratando de algumas greves no Rio de
Janeiro, acompanhando os padrões de resistência operária, um dos maiores polos de
mobilizações, nas décadas de 1880 a 1900, foi o dos transportes urbanos, em especial, os
bondes. O autor afirma que “não seria estranho que nesse setor (de transportes) irrompessem
várias greves, que se transformaram em conflitos de razoáveis dimensões”. (MATTOS, 2004,
p. 34)
Assim como havia reação por parte dos trabalhadores para chamar atenção, houve
também reações bem elaboradas, por parte da direção das companhias, como forma de fazerem
com que os bondes voltassem a circular na cidade. A estratégia mais comum empregada pela
direção da companhia Manáos Tramways foi utilizar outros funcionários para conduzir os
veículos, com presença massiva da força policial como forma de garantir a circulação.
No dia 23 de março de 1925, momentos depois dos motoristas e condutores deflagrarem
greve pacífica na cidade, os trabalhadores não compareceram ao serviço. No entanto, isso não
significou que os bondes deixaram totalmente de circular, pois, assim que chegou ao
conhecimento da direção da Manáos Tramways a anunciação da paralisação dos trabalhadores,
foi solicitada a intervenção da polícia para tomarem as devidas providências para garantir a
circulação dos bondes.
O Jornal do Comércio noticiava que a ação da polícia era eficaz nas medidas
empregadas para manutenção da ordem. E quem assumiu a condução dos bondes naquele
momento foram os empregados da oficina da companhia que não aderiram a parede, fiscais e
empregados do escritório sob a guarda de praças da força policial, devidamente embaladas.
(Jornal do Comércio, Manaus, 23/03/1925)
Outro importante exemplo que podemos considerar ocorreu na greve geral de 1919.
Assim que os trabalhadores deflagraram greve, foi crescendo o número de paredistas na cidade.
163
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Alguns populares tentaram virar os carros sendo nisso obstados pelo coronel
Luiz Marinho de Araújo, que conseguiu acalmar os ânimos e dar passagem
aos bondes, os quais trafegaram dali por diante, livremente em diversas ruas
da cidade, recolhendo as dez horas as oficinas da companhia. (Jornal do
Comércio, Manaus, 16/05/1919)
Às vezes, a estratégia das companhias de fazerem o bonde circular dava certo, outras
vezes não. O que garantia a variação de resultado era a quantidade de trabalhadores
mobilizados da empresa que aderiam à greve e às estratégias empreendidas por eles.
Pela ação dos grevistas foi possível verificar que eles construíram o
entendimento de que, para conseguirem que suas demandas fossem ouvidas e
atendidas, era necessário parar a circulação, fosse de pessoas ou de
mercadorias, dependendo da abrangência da paralisação. (TERRA, 2012, p.
226)
164
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O peso das paralisações era inquestionável, pois parar o bonde e parar a cidade de
Manaus afetava toda a população, desde aqueles que viviam nos arrabaldes de Flores até os
que precisavam circular no perímetro central da cidade. Como afirmou Paulo Cruz Terra,
Negociação coletiva
165
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A negociação coletiva faz parte da maioria das mobilizações dos trabalhadores, pelo
menos, as empreendidas por categorias específicas, com pautas amplas, como ocorreu com os
motoristas e condutores de bondes em Manaus. Ela desempenha um papel fundamental no
sentido de estabelecer as normas que deverão reger as relações de trabalho entre os funcionários
e o patronato e passou a existir no momento que houve ação organizada dos trabalhadores por
meio do fortalecimento dos sindicatos e do exercício do direito de greve. (LEITE, 1992, p. 68-
69).
Para tanto, quando há situações em que não existe a negociação coletiva, o patronato
segue o princípio da negociação individual, resolvendo pontualmente e com cada trabalhador
os problemas levantados. São raras as vezes que isso acontece, no entanto, nessas
circunstâncias:
O empresariado estabelece de forma arbitrária os salários e condições de
trabalho de cada trabalhador em função de sua fidelidade a empresa ou seu
rendimento, introduzindo a competição e fomentando o individualismo entre
eles. (LEITE, 1992, p. 69).
Assim, a negociação coletiva surge como uma conquista dos trabalhadores organizados,
sobretudo, os vinculados às associações operárias. Nesse processo, eles passaram a exigir que
o patronato negociasse com o conjunto dos trabalhadores, garantindo assim à unidade de classe
e grandes conquistas as demandas coletivas.
Para nosso melhor entendimento do que estamos discutindo, discorreremos sobre a
greve de março de 1925, onde os trabalhadores organizados em Sociedade queriam a
readmissão de dois motoristas, aumento de salário e abolição do quadro de reservas da
companhia.
Para a articulação da resolução de tais reivindicações dos motoristas e condutores de
bondes, envolveram-se o chefe da polícia, o gerente interino da Companhia, o advogado da
Manáos Tramways, o senador Aristides Rocha e o presidente da União Operária Amazonense,
acompanhado de uma comissão de grevistas. À vista disso, todos os presentes na reunião
tinham seus interesses. Os trabalhadores queriam suas reivindicações atendidas, o Estado
representado pela polícia queria mediar e solucionar o problema do tráfego de bondes e garantir
a ordem na cidade, o patronato queria que os trabalhadores cumprissem seus ofícios sem
166
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
167
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
alegando que não estavam numa situação econômica satisfatória. Terminada a discussão de
todas estas resoluções, os trabalhadores reuniram-se em assembleia para avaliar as propostas
da companhia e assim decidirem se voltariam ao trabalho ou se continuariam em greve. (Jornal
do Comércio, Manaus, 24/03/1925)
Nesse sentido, cabe fazermos mais algumas ponderações na resolução da greve de 1925.
Primeiro a intervenção do Estado – que de forma cautelosa e pouco eficiente do ponto de vista
das conquistas efetivas para os trabalhadores – demonstrou que o único interesse deles era a
volta do serviço, independentemente das reivindicações dos trabalhadores.
Segundo,o patronato só cedeu a algumas demandas por conta da presença do senador
Aristides Rocha, que moderadamente estava propondo diversas alternativas para encaminhar
as resoluções dos trabalhadores. Por fim, os trabalhadores se colocaram estrategicamente na
linha de frente das negociações, com a participação do advogado que judiciosamente
assessorava as lideranças no sentido da viabilidade das reivindicações.
Cabe também destacar que a negociação coletiva assume grande importância. Por meio
dela as associações conseguem realizar grandes acordos que - muitas vezes - acaba por chegar
até as Câmaras Municipais ou Congresso Nacional, como ocorreu com a greve geral de 1919
que tinha como principal reivindicação dos trabalhadores, a diminuição da jornada diária de
trabalho para 8 horas, sem interferência nos salários.
No dia 14 de maio de 1919, reuniram-se diversos trabalhadores vinculados ao Comitê
de Operários Amazonenses. Durante a reunião foi inscrito para se pronunciar o trabalhador
Eslebão Luz, que depois de uma série de considerações, propôs a expedição de um telegrama
ao presidente da República e à bancada amazonense no Congresso Nacional, informando a
deliberação dos trabalhadores manauaras de paralisarem seus serviços e pedindo solução dos
congressistas da lei sobre as oito horas de trabalho. (Jornal do Comércio, Manaus, 14/05/1919)
Verificou-se assim, que a negociação coletiva nos múltiplos sentidos esteve presente
ferrenhamente nas articulações dos trabalhadores manauaras, sobretudo a partir do momento
que eles começaram a se organizarem em Sociedade Beneficente.
Por fim, é interessante apontar que em outras localidades do Brasil ocorreram
mobilizações de motoristas e condutores de bondes, igualmente como em Manaus. Algumas
dessas paralisações coincidem com um grande aumento da organização dos movimentos
168
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
LEITE, Marcia de Paula. O que é greve. São Paulo: Brasiliense, 1992.
LINDEN, Marcel Van Der. Trabalhadores do mundo: Ensaios para uma história global. Tradução:
Patrícia de Q. C. Zimbres. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2013.
MATTOS, Marcelo Badaró (Coord.). Trabalhadores em greve, polícia em guarda: Greves e pressão
policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004.
MATTOS, Marcelo Badaró. “As greves na trajetória da classe trabalhadora brasileira”. Anais do GT
Mundos do Trabalho / ANPUH – RS, 2007.
MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
MIGLIOLI, Jorge. Como são feitas as greves no Brasil. Rio de Janeiro. Editora Civilização Brasileira,
1963.
PARENTE, Eduardo Oliveira. Operários em movimento: A trajetória de luta dos trabalhadores da Ceará
Light (Fortaleza, 1917-1932). Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal do
Ceará: Fortaleza, 2008.
PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Mundos do trabalho na cidade
da borracha: Trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930).
Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: Trabalho e conflito no porto de Manaus,
1899-1925. 2ª ed. Manaus: EDUA, 2003.
SANTOS, Dhyene Vieira dos. Motoristas e condutores de bondes em Manaus: Sociabilidade, cultura
associativa e greves (1899-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do
Amazonas, 2020.
TERRA, Paulo Cruz. Cidadania e trabalhadores: cocheiros e carroceiros no Rio de Janeiro (1870-
1906). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação
em História: Rio de Janeiro, 2012.
169
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Neste artigo, propõe-se discutir o processo de introdução da Educação Escolar Indígena na
Aldeia Caarapó-MS, a partir das vivências e experiências dos próprios índios, em particular,
destaca-se a trajetória do indígena Elemir Soare Martins, que retrata em sua Dissertação de
Mestrado, a ser defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
da Grande Dourados-MS, as nuances da introdução do processo educacional do povo Guarani
e Kaiowá, perpassando, além desta trajetória, outras variantes deste processo, como nos casos
das ações das Igrejas Evangélicas e alianças institucionais que foram realizadas com ONGs e
Universidades.
Palavras-chave: Educação; Reserva Indígena; Xamã.
Introdução
170
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O atual Estado de Mato Grosso do Sul tem a segunda maior concentração do povo
indígena do Brasil, cuja maioria é da etnia Guarani e Kaiowá. Dos mais de 65 mil indivíduos
dessa etnia que vivem hoje no Brasil, cerca de 30 mil residem no Sul desse Estado. Esse grupo
é subdividido em três subgrupos, sendo o Guarani (Ñandeva), Kaiowá (Paï-Tavyterã) e Mbya,
todos pertencentes à família linguística Tupi-guarani (PIMENTEL, 2012).
Os Guarani e Kaiowá da Reserva Indígena de Caarapó não querem mais se isolar da
sociedade caarapoense, para que isso seja possível, segundo esses rezadores desse local,
acionam os conhecimentos ancestrais e, para os líderes pentecostais indígenas também
informação do arcabouço religioso ocidental, para entender, planejar, consertar o seu mundo e
a sua realidade.
As pesquisas do historiador Antonio Brand (1993, 1997 e 2004) facilitam a
compreensão a respeito do tema. Retomo a discussão para mostrar como os indígenas
resistiram e continuam criando alternativas para sua sobrevivência. Quero mostrar também, a
partir das pesquisas já feitas, que os coletivos se adaptaram à reserva e continuaram renovando
suas estratégias de resistências.
As populações indígenas, que permaneceram até os dias atuais resistindo, se
reorganizando em constante negociação, mesmo tendo sido negados pela historiografia mais
tradicional elitista, lembram-se muito bem dos seus tekoha guasu (território ou território
171
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
amplo) ocupados por eles há séculos, situados entre o rio Apa, serra de Maracaju, rio Brilhante,
rio Ivinhema, rio Paraná, rio Iguatemi e fronteira com o Paraguai, no atual Estado de Mato
Grosso Sul (VIETTA, 2007).
Nesse tekoha guasu, agrupavam-se, especialmente em áreas de ka’aguy guasu (mata
fechada) e ao longo dos ysyry (córregos) e ysyry guasu (rios), em pequenos grupos de parentela,
integrados por uma, duas ou mais te’yi tuicha (famílias extensas), que cultivavam entre si
inúmeras relações de casamento. As lideranças de família eram tekoharuvicha (chefes do
tekoha) ou ñanderu (nosso pai-mestre). As lideranças daquela época apoiavam-se em suas
experiências, seus prestígios e nas atribuições das esferas política e religiosa.
Na época em que foram instituídas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), as
reservas indígenas no atual Estado de Mato Grosso do Sul, os Guarani e Kaiowá passaram a
sofrer um processo de redução de seus territórios tradicionais. O órgão oficial, segundo Benites
(2014), desconhecendo o modo de viver dos Guarani e Kaiowá, e o modo de ocupar os seus
tekoha guasu (seus territórios), instituiu, entre 1915 e 1928, oito minúsculas Reservas: Jagua
Piru e Bororo em Dourados (Francisco Horta Barbosa), Reserva indígena de Caarapó em
Caarapó (José Bonifácio), Guapo’y em Amambaí (Benjamim Constat) e Limão Verde em
Amambaí, Pirajui em Paranhos, Ramada ou Sassoro em Tacuru, Taqueperi em Coronel
Sapucaia, Jakare’y ou Porto Lindo. A área máxima prevista era de 3.600 hectares, na maioria
dos casos, a área demarcada foi ainda menor (BRAND, 1993; 1997).
Os colonos da sociedade ocidental não conseguiram entender ainda a vida do povo
indígena, porque, desde que expulsaram este do seu território, ensaiavam roubar-lhes a
memória, a história, a língua, a religião, por fim, o ava reko (jeito de ser indígena). Os karai
“chegaram por aqui e não demonstravam nenhum tipo de respeito e muito menos nos
enxergavam como gente”, me disse uma rezadora da Te’ýikue. Para eles, escravizando,
aniquilando a religião indígena, destruindo a natureza, impondo a língua, destruindo a vida e,
por fim, dando trabalho desprezível, uma minúscula área que não ofereceria sobrevivência já
era uma atitude “humana”.
Contudo, várias formas de organização e resistência podem ser observadas ao longo do
tempo na tekoha Guarani e Kaiowá. Uma das principais, trata-se da educação, inicialmente a
172
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
parentela mais jovem foi alfabetizada em língua materna, posteriormente, com o avanço das
religiões pentecostais nas aldeias, a coisa mudou de figura, como veremos isso a seguir.
Iniciei a minha vida de estudante após seis anos, até porque nessa época os pais não
mandavam seus filhos à escola tão cedo, pois fazia parte do ñeñangareko (de cuidar da infância
das crianças). Não tão diferente das demais crianças guaranis, vivi transitando nos dois mundos
religiosos, ao mesmo tempo, em que eu frequentava culto, por outro lado ouvia sempre os
cantos ao longo da noite. Vi algumas crianças da mesma idade que eu enfrentando a mesma
epidemia que eu havia enfrentado, os pais dessas crianças chegavam à igreja desesperados, mas
com esperança de buscar cura para tais doenças. Os crentes sempre demonstraram dedicação
com os recém-chegados na igreja.
Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo com a minha cultura. Sem que
soubéssemos, o homem branco já havia destruído o nosso território. Quiseram me dar uma
cultura que me deixaria mais pobre espiritualmente. O momento em que me reconheci, de novo,
foi na época em que comecei a frequentar a escola indígena e me aproximar de novo dos mais
idosos, sobretudo dos rezadores.
A escola foi construída de sapê denominado por nós indígenas de óga kapi’i (casa de
sapê). Essa escola, além de oferecer espaço não tão diferente da realidade do aluno, também
ofertava uma educação escolar diferenciada. Conforme o professor Alécio:
173
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
trabalho coletivo) para levantar escola. Foi meio difícil no início, segundo a
minha observação, até porque esperamos alguns anos para termos escola de
tijolo, outro problema que enfrentamos em relação a construção da escola foi
parte de alguns parentes que não aceitavam muito, pois falavam que a escola
ficaria apenas para família da região. Mas aos poucos eles mais ou menos
aceitaram. Então, a escola Mbokaja é visto ainda até hoje como se fosse só da
família, porém não bem assim, porque aqui tem alunos das duas etnias tanto
Guarani e Kaiowá e, assim fomos fortalecendo a nossa identidade e
mostrando o quanto nossa etnia é importante para o coletivo maior, sobretudo
para quebrar o paradigma em relação aos Guarani Nhandéva do Mbokaja.
Vejo que precisamos trabalhar mais a nossa cultura, investir mais nisso.
Começando pela presença contínua dos rezadores na escola e no espaço, para
que os alunos se sintam à vontade em interagir com eles e aprender. (Professor
Guarani Crispim Soares Martins, 2020).
O primeiro professor que tive foi Alécio Soares Martins, o qual me alfabetizou na minha
língua guarani, embaixo de uma escola de sapé, onde aprendi a ler e a escrever como ava
(indígena). Como meu pai era da igreja pentecostal, não almejou que eu frequentasse a escola
da Missão, também por causa da distância e para não sofrer por ser de uma família pentecostal.
Fui alfabetizado na língua materna guarani. As primeiras palavras que consegui
pronunciar foram: yvy, ysyry, ygua, yvyra, ysy, ama, ava, avati, etc., o professor trabalhava
com os nomes dos animais, das plantas, dos rios, do nosso cotidiano. Não trabalhavam as
vogais em sequências, pois, como indígena, gosto muito da vogal “y”, nesse caso, eu tentava
sempre me lembrar das palavras que são pronunciadas no dia a dia das pessoas, até porque são
palavras que os espíritos deram.
Antes de ir à escola, os meus pais já conversavam comigo, proibiam-me de jogar
futebol, me orientavam para ser um exemplo de criança no molde pentecostal. Entretanto,
sempre que surgia oportunidade para jogar com os colegas, eu aproveitava. Como a escola
ficava perto de nossa casa, optaram em me colocar nela, pois para eles eu não teria muitos
problemas relacionados às coisas descritas.
Além do ensino religioso que meus pais me passavam, através do kokue (roça) me
ensinavam também sobre o teko porã (o bem viver indígena), onde eu pudesse priorizar a
reciprocidade e o respeito pela natureza. Certo dia, eu estava meio emburrado com meu pai, e
ele queria me levar para carpir com ele, mas como eu estava com esse comportamento, não
podia, pois, a plantação de arroz é bem delicada, por isso possibilitaria ao mau agouro ter
174
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
175
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
pelos líderes da igreja (dirigente da igreja); ficavam horas e horas fazendo oração, jejum e
frequentando “monte”.
Por isso, muitas vezes, pediam-se para apagar alguns saberes e habilidades tradicionais
adquiridas do xamã da parentela. Uma das pessoas que me ensinou e aperfeiçoou o meu
conhecimento foi a Lauriana Escobar, que sempre falava dos seus antepassados, das rezas, dos
principais rezadores que se destacavam pela região. Ao mesmo tempo em que sofríamos com
a doutrina da igreja, sempre conseguíamos aprender sobre a nossa cultura. Havia dias que ela
levava punição pelo dirigente indígena, mas sabia da importância de passar o conhecimento
para nós. A punição tinha várias formas, algumas delas que destaco são: pegar banco por um
mês ou mais sem ter direito de cantar, contar testemunho e frequentar culto todos os dias; não
tomar santa ceia e por fim, depende também das regras de cada dirigente da igreja, até porque
ele que determina as regras.
Apesar de não ter muita habilidade em estudo, fui aluno esforçado, porque eu conseguia
fazer as minhas tarefas. No primeiro momento, sofri muito para ler, ao mesmo tempo para
escrever. Na minha casa, eu tinha muitos afazeres, então, não fui incentivado para olhar o meu
caderno, sempre nos preocupava em trabalhar para não passarmos dificuldades. Entretanto,
mesmo assim, eu conseguia ler e me esforçar para passar de ano.
Lembro-me da primeira vez que consegui escrever duas linhas de frases sobre árvores,
nas quais enfatizei a importância para mim, como naquela não tinha muitos cartazes sobre
alfabeto e vogais na minha língua, foi difícil decifrá-los, parecia-me que era impossível chegar
ao nível que o professor esperava.
Por outro lado, tinha outro tipo de ensinamento que eu precisava seguir, os meus
pensamentos eram limitados sobre o meu mundo. O meu movimento foi de escola para casa e
igreja. Todos os dias participava do culto.
Destacando sobre o pensamento limitado e o espaço limitado que me colocava, foi para
eu regar o meu medo com a ignorância, absolutismo sendo mais para destruir meu caminho
indígena; posto isto, busco perceber essas regras familiares e das igrejas pentecostais como
movimentos de tornar-se um indivíduo ao ore evangelho (sendo o único e não podendo receber
os que não pertencem a eles), ou seja, não pertencentes ao grupo dos crentes pentecostais.
176
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Além da minha avó, só o professor passava alguma coisa relacionada à cultura indígena.
Como o processo da educação escolar indígena estava em construção nessa aldeia, a
comunidade ficava dividida entre os saberes tradicionais e saberes dos brancos (karai), até
porque a igreja influenciava nessa questão. Sobre isso, Virginio Soares comenta da seguinte
maneira:
A gente não queria ser diminuído por sermos crentes, tentávamos ser
respeitados aqui na aldeia e lá fora, para isso precisávamos que os nossos
filhos aprendessem também a língua dos brancos. Eu sabia que a igreja
conseguiria despertar muita coisa boa nas pessoas (Virginio Soares s/d).
Conforme a fala desse meu interlocutor, fica claro também o empenho dos fiéis
indígenas em romper a exclusão dos indígenas da sociedade não-indígena e da Reserva, para
isso, cobravam dos professores o ensino da Língua Portuguesa desde a alfabetização. Conforme
a análise de Soares, por meio da Igreja as pessoas conheceram mais a realidade e para cobrar
os seus direitos. Essa problemática perdurou até 2005, pois se aceitava mais o ensino da Língua
Guarani, com exceção de outras práticas culturais.
Quando os pais pentecostais descobriam que os filhos estavam sendo influenciados
pelos professores a aprenderem as rezas, danças, logo tiravam da escola ou proibiam os filhos
de participar dessas atividades escolares, nas quais se incluía também a Educação Física.
Faziam questão que os seus filhos e alunos se vestissem com camisa social, calça social
para os professores não os obrigar a participarem das atividades ditas culturais, que passaram
a fazer parte do currículo da escola indígena. Nessa situação, os professores buscavam resolver
na base do diálogo com os pais, explicando-os da importância dos filhos de interagirem com o
mundo escolar, principalmente no que tange às práticas culturais.
Assim cheguei na quarta série com o professor Alécio, momento em que ele viu em
mim empenho, sendo assim me aplicou uma prova para passar para a quinta série. Com esforço,
consegui ser aprovado e cheguei à escola Ñandejara, hoje localizada no centro da aldeia.
Portanto, os meus professores das séries iniciais foram Alécio, Ladio e Lídio.
Na quinta série foi mais difícil, já que a maioria dos professores era da cidade.
Nessa época, o meu português estava abaixo dos demais da turma. Ficava no canto da
sala para não ser questionado, esse tipo de comportamento adquiri na igreja, porque na igreja
177
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
as crianças sentavam no canto, e não podiam falar, brincar, só podiam ir ao banheiro e beber
água, na maioria das vezes o obreiro ficava responsável por elas.
Na hora da pregação, ficávamos assistindo o pregador falar. Por isso, talvez, o meu
comportamento foi diferente na turma. Sendo assim, me esforcei bastante para ler na outra
língua, ficava horas e horas lendo a Bíblia dos meus pais, porque nessa época, não fui
autorizado para pegar livro da escola. Lembro-me da primeira vez que li sobre o nascimento
do mundo, no livro de gênesis. Copiava as palavras no meu caderno para pronunciá-las.
Uma das alternativas usadas pelos rezadores foi se aliar com os professores, certos de
que serão valorizados por eles e fortalecê-los, nesse caso, contribuíram bastante no registro dos
nomes de plantas medicinais, das rezas, até na formação de novos detentores de saberes
indígenas, ou seja, novos conhecedores de remédios e de rezas. Esse foi o caso do professor
Nilton Ferreira Lima, hoje professor da área de Ciências da Natureza e atua como tal na
Unidade Experimental, onde se ensina aos alunos várias práticas agroecológicas na perspectiva
sustentável.
A comunidade dessa localidade foi exposta às mais diversas formas de exploração, à
negação do seu direito e ao preconceito, portanto, ficava quase impossível reivindicar o
reconhecimento e aperfeiçoamento de sua medicina tradicional ao estado e ao município.
Podemos definir essa fase da reivindicação dos indígenas de garantir direito à saúde de
qualidade e de construção da escola indígena como “tesãi reka”. O movimento foi articulado
para garantir primeiramente o território, a saúde diferenciada e a escola, em contraposição às
situações vividas no passado, quando “o índio não tinha direito”, até porque nós indígenas
temos múltiplas culturas, línguas, crenças, valores e estruturas próprias de educação.
O “tesãi reka” iniciou-se com a grande retomada, na década de 80, até porque a
violência física imposta aos Kaiowá e aos Guarani foi extensa, sendo o processo de expulsão
das terras que tradicionalmente ocupavam, acompanhado por formas de violência simbólica.
A partir da força de resistência e de habilidade de articulação, retornaram às suas áreas
tradicionais, constituindo, assim, vários tekoha, por exemplo, Guyra Roka, Taquara, Jarara
178
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
(Juti-MS). A sociedade karai (sociedade branca) instituiu por várias décadas um completo
encobrimento da sociedade indígena em sua alteridade para assim justificar a violência,
violação de direitos em relação à terra, saúde, educação, e à desqualificação de protagonismo
e da estrutura organizacional tradicional de comunidade organizada com vínculos históricos a
determinados territórios, nos quais se desenvolviam o teko mbo’e, teko porã e teko resãi (bem
viver e a vida saudável).
Vale destacar a trajetória de construção da escola indígena na Reserva indígena de
Caarapó que, segundo Benites (2014), se originou de uma proposta feita pela Secretaria de
Educação de Caarapó, em 1997, juntamente com os parceiros e as parceiras das universidades
e da secretaria do estado que priorizaram as questões indígenas. Nesse sentido, o movimento
indígena foi ampliando e fortalecendo sua aliança com as entidades.
Por meio dessa aliança se viu o resultado positivo em vários aspectos da vida social,
tais como saúde, educação, direito, desenvolvimento econômico (sustentável ou não),
qualificação técnica profissionalizante e muitas outras. Tem sido marcante a atuação de
algumas ONGs, das Universidades, das Secretarias do Município e do Estado na Reserva
Indígena de Caarapó, criando curso de formação de professores, Programa Kaiowá e Guarani
(Universidade Católica Dom Bosco, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e Diocese
de Dourados) e a participação e articulação das lideranças da aldeia.
Conclusão
179
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A análise foi finalizada com as alianças que foram realizadas entre índios e não-índios,
a partir do estreitamento de diversas instituições, como nos casos das ONGs, Igrejas e
Universidades.
O texto procurou demonstrar, além da introdução da Educação Escolar Indígena,
também a sua importância, tanto para o processo educacional em si, quanto para a preservação
e valorização dos seus costumes e tradições.
Referências
BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (rezando e lutando): o movimento
histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowá e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha.
2014. 270f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, RJ,2014.
BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (Uma nova caminhada) no processo de desconstrução e
construção da educação escolar indígena da Aldeia Te’ýikue. 2014. 130f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS, 2014.
BRAND, Antonio Jacó. O confinamento e o seu impacto sobre os Guarani/Kaiowá. 1993.
276f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS,1993.
BRAND, Antonio Jacó. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os
difíceis caminhos da palavra. 1997. 382f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 1997.
BRAND, Antonio Jacó. Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani
no MS. Tellus, ano 4, n. 6, abr. 2004, p. 137-50, Campo Grande, MS: UCDB, 2004.
PIMENTEL, Spensy Kmitta. Elementos para uma teoria política Kaiowá e Guarani. 2012.
364f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2012.
VIETTA, Katya. Histórias sobre terras e xamãs Kaiowá: territorialidade e organização social
na perspectiva dos Kaiowá de Panambizinho (Dourados-MS) após 170 anos de exploração e
povoamento não indígena na faixa entre Brasil e Paraguai. 2007, f. 512. Tese (Doutorado em
Antropologia Social), Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, 2007.
180
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Os anos finais do século XX foram marcados por diversas transformações estruturais em todo
o globo, e ainda sentidas até hoje, seja no âmbito político, social, cultural ou econômico e que
trouxeram vários questionamentos a organização social até então em evidência, ou seja, a
sociedade em seu modelo mais tradicional, e o aparecimento ou ressurgimento de grupos que
até então não apareciam como protagonistas da sua própria história. As práticas políticas da
fase final do século XX têm como características específicas se expressarem pelas diferenças
culturais, fugindo assim, do sentido político tradicional pela alteridade e autonomia na sua
organização, e claro, na atuação simbólica na construção de identidade e da diferença. Nesta
condição, cada grupo traça o conjunto de significados identitários que os julga representar, para
a partir daí, definir quem é incluído ou excluído de seus quadros, quem apoia ou passa a ser
visto como adversário. Por isso, este trabalho tem como objetivo discutir e analisar os
movimentos sociopolíticos acontecidos durante o final do século XX, salientando assim, a
ascensão de grupos sociopolíticos no período, e dando ênfase a Historiografia indígena do
Brasil, observa-se suas mobilizações, organizações, reafirmações identitárias, e as relações
interétnicas e de poder.
Introdução
181
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ressurgimento de grupos que até então não apareciam como protagonistas da sua própria
história, entre eles: Indígenas, Mulheres e Negros.
Segundo Hobsbawm, ao falar sobre as transformações ocasionadas neste período ele
argumenta que:
A revolução cultural de fins do século XX pode assim ser mais bem entendida
como o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos
fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais. Pois essas
texturas consistiam não apenas nas relações de fato entre seres humanos e
suas formas de organização, mas também nos modelos gerais dessas relações
e os padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras;
seus papéis eram prescritos, embora nem sempre escritos (1995, p. 261).
Portanto, essa revolução cultural dos fins do século XX, é a quebra de toda uma tradição
construída pela sociedade sob a ordem do Estado Nacional composta de padrões, costumes,
religião que caracterizam esse tipo de identidade, que por sua vez, era imposto a todos os
indivíduos sujeitos às suas leis sem qualquer tipo de questionamento, mesmo se sabendo hoje
que sempre houve contestações, mas que mesmo assim, em períodos anteriores, esses grupos
sociais já faziam oposição a esses padrões feitos pelo Estado Moderno.
Na segunda metade do século XX, no que diz respeito às contestações dos grupos de
mobilizações sociopolíticos diante da identidade nacional, Hall (2005), tomando como
referência a Grã-Bretanha, observa que:
O final do século XX deixou em aberto para qual sentido a sociedade devia correr, a
diversidade cultural e os processos de alteridade imposta por esses grupos fizeram com que o
mundo entrasse em uma crise, a chamada “crise de identidade”. Esta assim chamada “‘crise de
identidade’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando
as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2005, p. 7).
182
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Portanto, não está mais colocada como uma verdade pronta e acabada, mas sim que o
Estado Nacional pode ser questionado por suas ações pelos vastos grupos sociais até então
silenciados. Dessa forma, o Estado perde uma estabilidade intacta, em especial, diante do
desenvolvimento tecnológico, de informação e de uma nova consciência sociocultural e
política.
Esse contexto permitiu aos novos movimentos sociais promoverem suas representações
e práticas pela valorização da sua cultura, abrindo espaço, assim, para novas pautas e
reivindicações que buscam novos direitos intrinsecamente ligados às mudanças sociais,
políticas e econômicas que acontecem no mundo contemporâneo. É nesta condição que
pensamos o caso dos povos indígenas na proposta de reconstrução étnica, do final do século
XX, na qual, se deu essa abertura.
183
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ao falar dos meios sociais, Elias (1994) argumenta que “As unidades sociais que
chamamos nações diferem muito na estrutura da personalidade de seus membros, nos esquemas
através dos quais a vida emocional do indivíduo é moldada sob pressão da tradição
institucionalizada e da situação vigente”. (ELIAS, 1994, p. 49).
184
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesta perspectiva, os grupos sociais aqui em estudo ganham dinâmica histórica que, se
diferem do método enraizado pela cultura ocidental tradicional, mostrando que são diferentes
em suas formações identitárias, que por sua vez, exigem pautas especiais nas relações políticas
que requerem que contemplem na divulgação no mundo moderno, na qual, que tem direitos
diferenciados, práticas e costumes específicos que precisam ser valorizados por todos, no
respeito a aqueles que as constroem e que se sentem pertencentes a ele, é o caso dos povos
indígenas.
185
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Vive-se uma política de valorização de grupos que até pouco tempo eram
vistos de forma preconceituosa, compreendidos como inferiores. Nessa
condição se incluíam índios, negros, mulheres, velhos, crianças, portadores
de necessidades especiais. Hoje, procura-se adequar os espaços a esses
segmentos da sociedade, reservando vagas na política, no trabalho, nas
escolas, nos estacionamentos, nas ruas, adaptando-se caixas eletrônicos,
aprovando estatutos, punindo a discriminação. Tudo isso implicando o
processo de valorização de “pessoas comuns” (SANTOS, 2015, p.316).
As fases finais do século XX, pegando da década de 1970, com mais força nos anos de
1980 até a conjuntura atual, trouxeram uma certa valorização e a ampliação de direitos até
então ignorados pelo Estado Nacional, assim diversos grupos que não se enquadravam com o
modelo tradicional, encontraram espaço para suas reivindicações políticas.
186
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Na prática, os diversos grupos que ascenderam no decorrer do último século, sejam eles
étnicos, de gênero, entre outros, trabalham de alguma forma no campo das subjetividades.
Nesta condição, cada grupo traça o conjunto de significados identitários que os julga
representar, para a partir daí, definir quem é incluído ou excluído de seus quadros, quem apoia
ou passa a ser visto como adversário. É nesta condição que compreendemos a força que ganhou
o movimento político dos povos indígenas em Roraima a partir das últimas décadas do século
XX.
Notas
[1] SILVA, Tomaz Tadeu, 2014, p.34
[2] Idem, 2014, p.36
Referências
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Difel, 1990.
CANCLINI, Néstor Gárcia. Culturas Hibridas: Estratégias para Entrar e Sair da
Modernidade. 4. ed. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 2008.
ELIAS, Nobert. Processo civilizador vol.I. 2ª ed, Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1994.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Raimundo Nonato G. dos. Entre Cultura Política, memórias e política de
identidade: sujeitos históricos em ação – Boa Vista – Roraima (1970-1980). (Tese de
Doutorado em História Social). São Paulo: PUC, 2015.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.
187
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente artigo tem como objeto o estudo da relação entre as práticas e as representações
sobre os povos indígenas na Amazônia presentes na grande imprensa, em especial no Jornal
do Commercio. O recorte escolhido foi o período de 1904 até 1934, coincidente tanto com a
criação do Jornal do Commercio em Manaus, em 1904, quanto com a implementação de uma
nova proposta de política indigenista a nível nacional, conhecida como Serviço de Proteção aos
Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910.
Introdução
Esse artigo tem como objeto o estudo da relação entre as práticas e as representações
sobre os povos indígenas na Amazônia presentes na grande imprensa, em especial no Jornal
do Commercio. O recorte escolhido foi o período de 1904 até 1934, coincidente tanto com a
criação do Jornal do Commercio em Manaus, em 1904, quanto com a implementação de uma
nova proposta de política indigenista a nível nacional, conhecida como Serviço de Proteção aos
Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910.
A instituição foi criada pelo decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910 e tinha por tarefa
a pacificação e proteção dos grupos indígenas, bem como o estabelecimento de núcleos de
colonização com base na mão de obra sertaneja. As duas instituições foram separadas em 6 de
janeiro de 1918, pelo decreto Lei nº 3.454, e a instituição passou a ser denominada Serviço de
Proteção ao Índio (SPI).
Sendo assim, podemos observar que no âmbito nacional, a virada de século XIX foi
marcada por grandes mudanças, além de o Brasil se tornar uma República, percebemos que a
política pró-extermínio dá lugar um Brasil “disposto” a ter trabalhadores nacionais indígenas.
188
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
189
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
190
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Pensar o jornal como fonte é algo que nos possibilita enxergar um rico instrumento de
pesquisa. Trabalhar com comunicação é saber respeitar e investigar seus marcos sociais e deste
modo, saber ler suas relações. O Jornal do Commercio é nada mais nada menos do que um
191
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
agente histórico de seu tempo, pois o mesmo se articula no meio em que está inserido, conforme
o que define Barbosa e Morel:
192
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
sociedade manauara através de notícias sobre moda, crimes, com temas relacionados ao
comércio da borracha e escândalos políticos.
O Jornal do Commercio ganhou espaço na capital no ano de 1904 e em sua primeira
fase, seu fundador, Joaquim Rocha dos Santos, instalou sua redação na Avenida Eduardo
Ribeiro n° 11, com o slogan de Contans, fidelis, fortis cedo nulli (Constante, fiel, forte eu me
rendo a ninguém). Após o seu ano de estreia, Joaquim Rocha morre e nos quatro meses que se
passaram após a sua morte o jornal fica inativo, voltando apenas no ano de 1906. No seu novo
momento, o Jornal do Commercio estabelece ares de jornal-empresa e passa a publicar notícias
de fundo nacional e internacional (DUARTE, 2015) e este apresentava tendências políticas e
conforme a historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, o Jornal do Commercio era um periódico
tradicionalmente ligado aos grupos dominantes. (PINHEIRO, 2001)
Ao nos debruçarmos nas folhas do periódico Jornal do Commercio notamos o impacto
e repercussões de como as mudanças do início de século XX na cidade de Manaus
influenciaram o cotidiano indígena. Além de demonstrar a importância da imprensa como fonte
para a reconstrução do passado, bem como influenciar as criações de representações de um
cotidiano.
No dia 10 de janeiro de 1906, o Jornal do Commercio, um dos principais periódicos
lidos em Manaus, publicou uma matéria sobre os índios Parintintim, os classificando como
“indomesticáveis selvagens”.
Os jornais, de forma mais recorrente, divulgavam notícias hostis e negativas, ajudando
a perpetuar o discurso de que os índios eram perigosos, e deviam ser proibidos do convívio
social. Ao pesquisarmos os periódicos, notamos também notícias que apresentam as tutelas
indígenas como algo naturalizado, tanto que o jornal publica que religiosos e diretores de vilas
brigaram quando divergiram sobre o destino de uma criança indígena em nossa região (Ver:
Jornal do Commercio, 14 de agosto de 1904). Esse periódico também apresenta a relação de
servidão que alguns indígenas passavam, isso é notório quando vemos anúncios de indígenas
fugidos de casas de patrões (Ver: Jornal do Commercio, 04 de setembro de 1904).
De forma geral, o Jornal do Commercio apresenta de forma indireta impacto e
repercussões de como as mudanças do início de século XX na cidade de Manaus afetaram o
cotidiano indígena e, ao percebermos isso, entendemos a importância da imprensa como fonte
193
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
194
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
FREIRE, José Ribamar Bessa. Bares, Manáos e tarumãs. Amazônia em Cadernos, Manaus:
Museu Amazônico/Universidade Federal do Amazonas, v. 2, n. 2/3, p. 159-178, 1993.
FOUCAULT, Michel. Ordem do discurso (A). Edições Loyola, 1996
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Vozes, 1995.
MELO, Joaquim. SPI: A política indigenista no Amazonas. Cultura, Edições Governo do
Estado, 2009.
MONTEIRO, John Manuel. Armas e Armadilhas: História e resistência dos índios. 1999, p.
238. In: A Outra margem do ocidente. Organização de Adauto Novaes. – São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. SILVA, Aracy Lopes
da; GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/UNESCO, 1995.
NEVES, Lúcia Maria. B. P. das; MOREL, Marco; FERREIRA, Tânia M. Bessone da C. (org.).
História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A /
FAPERJ, 2006.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma Outra Cidade: o mundo dos excluídos no final do século
XIX. São Paulo: Cia Editora Nacional, 2001.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas,
1880-1920. Tese de Doutorado em História: PUC-SP, 2001.
PROST, Antoine. Doze Lições Sobre História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
RIBEIRO, Priscila Daniele Tavares et al. Do burgo podre ao leão do Norte: o Jornal do
Commercio e a modernidade em Manaus (1904-1914). Dissertação de Mestrado. Manaus:
Universidade Federal do Amazonas UFAM, 2014.
SAMPAIO, Patrícia Melo. Posturas Municipais, Amazonas (1838-1967). Manaus: EDUA,
2016.
SAMPAIO, Patrícia Melo; ERTHAL, Regina de Carvalho. Rastros da memória: histórias e
trajetórias das populações indígenas na Amazônia. 2006.
SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha
(1908-1917). Dissertação de Mestrado – PUC. São Paulo, 2005.
VIEIRA, Maria do Pillar. A Pesquisa em História. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2007.
WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São
Paulo: Hucitec/Edusp, 1993.
ZICMAN, Renée Barata. História Através da Imprensa: algumas considerações metodológicas.
Projeto História, nº 4, São Paulo, Educ, 1985
195
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente artigo relata a experiência da atividade de Preservação e Conservação no Acervo
J.G Araújo, o objetivo deu-se durante as atividades de estágio em arquivologia apresentar parte
deste acervo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e os métodos de conservação e
preservação realizados no local. Para tanto, foram utilizados materiais e equipamentos
adequados em condições específicas para a realização das atividades. Após este processo
percebeu-se visualmente uma melhoria em relação ao estado documental em que o acervo se
encontrava, dessa forma, refletindo positivamente na estética do arquivo bem como à vida útil
da documentação. Constatou-se durante o estágio em Arquivologia, que o acervo local, requer
investimentos estruturais, visando a preservação documental dos mesmos. Portanto, este
trabalho oportunizara um melhor planejamento local para que esse acervo seja preservado e
conservado da melhor forma possível, considerando as condições encontradas, facilitando
dessa forma, o acesso e manuseio por pesquisadores e outros profissionais que busquem o
acesso a tais informações.
Introdução
A preservação pode ser definida como o conjunto de medidas e estratégias de ordem
administrativa, política e operacional que contribui direta ou indiretamente para a integridade
dos materiais/objetos. “Seria toda a ação que se destina a salvaguardar ou a recuperar as
condições físicas e proporcionar permanência e durabilidade aos materiais dos suportes que
contém informação” (SILVA, 2004 p. 9), ou seja, a preservação nos permite utilizar medidas
196
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
de proteção do patrimônio, como um conjunto de métodos, que vão desde intervenções físicas
até políticas públicas. De modo que estas iniciativas são destinadas à preservação do
patrimônio para as gerações futuras.
197
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
198
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Os documentos são datados a partir do ano de 1877 até 1992. São documentos
numerosos, de volume documental considerável que registram a história da empresa em todos
os seus ramos de atuação, como o comércio, indústria, extrativismo e transporte. O acervo é
composto de uma grande diversidade documental como: coleção de letras de câmbio, cartas
manuscritas de aviados da empresa, recibos de pagamentos, guias de embarque, diário de
navegação, entre outros. Sendo a maior parte acervo composta por documentos contábeis.
Araújo Rosas e 1877 a 1896 Exportação de borracha, castanha, e piaçava para outros estados do
Irmão Brasil além de Portugal.
Importação de produtos de aviamento, carvão, botas, capas,
material de construção, produtos para pesca, armas, munições e
pólvora. Além de sal, batata e manteiga. Sendo os municípios de
Codajás, Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira os principais locais
199
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
de maior fornecimento.
Além disto a empresa realizava atividades com secos, molhados e
fazendas de retalho.
Araújo Rosas e 1892 a 1904 A atividade de exportação manteve-se presente na empresa, eram
CIA. exportados produtos como: Pirarucu, tartaruga, salsa, copaíba,
madeira entre outros, ampliando o leque comercial com outros
países estrangeiros.
A Importação de produtos como: vinhos, bacalhau, ameixa, azeite,
cerveja, material de construção, instrumentos musicais, calçados
entre outros eram realizadas durante esta fase da empresa. Durante
este período a Firma torna-se agente da Companhia Brasileira de
Navegação a Vapor.
J.G. Araújo 1904 a 1925 Ocorreu a expansão das atividades da empresa para Porto Velho,
região do Rio Madeira, Iquitos, Rio Branco, e Sta. Isabel do Rio
Negro, levando para esses lugares os produtos importados para
serem comercializados e exportando os produtos regionais.
É criada também uma usina de beneficiamento de castanha. Em
Porto Velho a empresa passa a atuar no ramo da pecuária
desenvolvendo gados de criação em Roraima.
J.G. Araújo e 1925 a 1989 Com os efeitos da crise da atividade extrativa a qual afetou
Cia Ltda diretamente a exportação de borracha do Norte, a empresa procurou
diversificar e ampliar suas atividades com o objetivo de evitar sua
decadência.
Cria a Sociedade de Comércio e Transporte, empresa voltada para
as atividades de navegação e agropecuária. Neste período a
empresa torna-se representante nacional da Texas Company
(TEXACO) empresa distribuidora de petróleo e derivados.
Fonte: Museu Amazônico.
200
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura 1. Documentos aglomerados, comprimento: 2,15M, largura: 1,90M, altura: 1,25M. Fonte:
Imagens coletadas pelas próprias autoras (2017).
201
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
encontrava no térreo foi transferido para o segundo andar, o local foi projetado para o
funcionamento de laboratórios e salas de aula. O prédio, de uma maneira geral, necessita de
reformas estruturais, por tratar-se de um local antigo e com sinais de deterioração, devido ao
decorrer dos anos. O arquivamento em caixas box é recomendado para o armazenamento de
notas e documentos em papel, no que diz respeito à proteção física do documento com relação
ao pó, à luz e ao atrito do manuseio. Outro fator relaciona-se à mensuração do espaço ocupado.
Relato de experiência
De acordo com o que se pôde observar na documentação do local, as atividades
desenvolvidas são principalmente de higienização, conservação e arquivamento dos
documentos. Onde encontram-se previamente organizados em malotes identificados por suas
fases e datas. Para o arquivamento, foram utilizadas caixas box de plástico, onde são
armazenados em prateleiras de ferro, não tendo nenhum processo de eliminação ou
transferência destes documentos. Primeiramente houve-se noções básicas sobre os
equipamentos de proteção individual (EPI´s), com o professor Bruno Trece, sobre a maneira
certa de usá-los e para que servem cada um deles. Foram utilizados jalecos, luvas, máscaras,
óculos e toucas para manusear os documentos, sem causar danos ao mesmo.
202
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
203
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Para a retirada dos grampos e clipes utilizou-se um extrator, e em alguns casos mais
delicados um bisturi, quando o objeto é pequeno e está comprimido, faz-se necessário o uso
deste instrumento, visando não desgastar o suporte do documento.
Além disso, houve atividades de planificação, pelo fato de alguns documentos estarem
amassados ou com marcas de dobraduras, almejando-se que o documento volte à sua forma
plana, utilizou-se placas de vidro, tela, papel mata borrão, água e pincel. Com o objetivo de
deixar o documento o mais plano possível. Primeiro é molhada a ponta do pincel com água,
posteriormente com a ponta do pincel acompanha-se o desenho da dobradura umedecendo esta
parte, buscando ao máximo eliminar as marcas de dobraduras do documento.
204
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações finais
Referências
CENTRAL DE FAVORITOS (2020). Preservação, conservação e restauração de
documentos de arquivo. Disponível em:
<https://centraldefavoritos.com.br/2016/09/05/preservacao-conservacao-e-restauracao-de-
documentos-de-arquivo/>. Acesso em 23 fevereiro de 2020.
PAES, Marilena Leite. Arquivo: teoria e prática. 3. Ed. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
205
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
206
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
207
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
documentos integram o Patrimônio Cultural nacional. Logo, sua proteção e promoção são
atribuições do Poder Público com a colaboração da comunidade (BRASIL, 1988).
Em 8 de janeiro de 1991, publicou-se a Lei 8.159, que ficou conhecida como “Lei de
Arquivos” e que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos públicos e privados (BRASIL,
1991). A mesma configura-se um marco no reconhecimento legal da proteção aos documentos
de arquivo e da necessidade da implementação de políticas de gestão documental junto às
instituições públicas e privadas, para sua preservação e disponibilização à sociedade. Os
arquivos passam a ser visualizados como importantes instrumentos para a garantia do acesso à
informação e do direito à memória, em oposição a ferrenha censura levada a cabo pelo regime
ditatorial nos anos precedentes.
De acordo com Márcia Eckert Miranda (2014, p.191-192) esta perspectiva de que os
arquivos são ferramentas imprescindíveis para o usufruto de direitos, como o acesso à
informação, além, de fornecerem subsídios para a construção de um olhar reflexivo sobre um
passado por vezes doloroso, data do pós- segunda guerra. Neste contexto, o acesso à
informação é declarado direito universal e os documentos de arquivo passam a ser comumente
tomados como provas materiais dos crimes contra a humanidade cometidos durante o conflito.
208
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
a autonomia que lhes permitia implementar seus planos de gestão documental levando em conta
as especificidades de cada região e realidade.
209
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
210
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Obviamente este cenário acarretou uma série de contratempos a instituição, que já não
dispunha de mecanismos eficientes para fornecer informações que estivessem contidas no
referido arquivo. Neste sentido é válido fazer menção às ideias de Janice Gonçalves (2013). A
referida autora aponta que para a efetividade do acesso aos documentos públicos, é
imprescindível, para além dos dispositivos legais existentes, condições adequadas de
organização e conservação física dos documentos. Em sua concepção o acesso está imbricado
a implementação da gestão documental (GONÇALVES, 2013).
Neste cenário, em 2017 o PRODOC iniciou suas atividades. Estas foram oficializadas
pelo Convênio de Cooperação Técnica TJPA Nº 021/2017, celebrado entre este Tribunal e a
UFPA, Campus de Bragança, via Faculdade de História. O documento estabelece em sua
cláusula primeira, como finalidade da coligação entre as instituições:
Algo a ser analisado neste texto é a relação estabelecida entre a preservação deste
acervo documental e a garantia do acesso e da manutenção da memória social às gerações
futuras. Aldabalde e Grigoleto (2016) comentam que arquivo e memória não são sinônimos,
como frequentemente se associa, porém, estão inter-relacionados. Em sua concepção “os
documentos de arquivo e os arquivos podem vir a ser ativadores da memória” (ibid., p. 12).
211
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Partindo desta compreensão é possível visualizar os documentos de arquivo, aos quais o texto
do convênio se refere, como potenciais suportes de memória. Esta perspectiva também está em
conformidade com o disposto na Resolução nº 324/2020.
A Memória, para Jacques Le Goff (1990), conforma uma instância dinâmica que
permeia a vida em sociedade. A mesma é sujeita a retraimentos e transbordamentos e
configura-se componente indelével daquilo que se entende por identidade, seja ela individual
ou coletiva.
212
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
operários, agricultores, e demais estratos que tradicionalmente foram postos à margem pelas
histórias e memórias “oficiais”.
Conclusão
Conforme ressalta Heloísa Liberalli Belotto (2014, p.134), o arquivo possui um sentido
para a sociedade no qual está inserido, uma “função social”. Esta função diz respeito ao seu
213
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesta perspectiva, qualquer ação de preservação que preze somente pela conservação
do suporte físico onde a informação está registrada, neste caso o papel, e sua eventual
organização, negligenciando essa “função social”, que diz respeito aos usos e apropriações que
os usuários fazem, ou podem vir a fazer, do arquivo no exercício de sua cidadania, possui
graves lacunas.
Referências
214
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
UFMG, 2014.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 mar. 2020.
BRASIL. Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos
públicos e privados e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8159.htm. Acesso em: 05 mar.
2020.
CHALHOUB, Sidney. O conhecimento da História, o Direito à Memória e os Arquivos
Judiciais. Curso de Formação de Multiplicadores em “Políticas de resgate, preservação,
conservação e restauração do patrimônio histórico da Justiça do Trabalho no Rio Grande do
Sul”. Porto Alegre, 2005.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recomendação Nº 37, de 15 de agosto de
2011. Recomenda aos Tribunais a observância das normas de funcionamento do Programa
Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname e de seus
instrumentos. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2011. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/846. Acesso em: 07 mar. 2020.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). RESOLUÇÃO Nº 316, de 22 de abril de
2020. Institui o Dia da Memória do Poder Judiciário e dá outras providências. Brasília:
Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/files/original205237202004295ea9e91534551.pdf. Acesso em: 29 jul.
2020.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução Nº 324 de 30 de junho de 2020.
Institui diretrizes e normas de Gestão de Memória e de Gestão Documental e dispõe sobre o
Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname.
Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3376. Acesso em: 23 jul. 2020.
GONÇALVES, Janice. A recusa do segredo: exercício de direitos e acesso a documentos
públicos. In: Revista Tempo e Argumento, v. 5, n.9, p. 266 – 287, 2013.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990.
MIRANDA, Marcia Eckert. Historiadores, Arquivistas e Arquivos. In: LEAL, Elisabete;
PAIVA, Odair da Cruz. Patrimônio e História. Londrina: UNIFIL, 2014.
MONTENEGRO, Will. TJPA inaugura novo Arquivo. Portal TJPA. 13/12/2018.
Disponível em: http://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/919847-
tjpa-inaugura-novo- arquivo.xhtml. Acesso em: 10 mar. 2020.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Revista estudos históricos, v. 2,
n. 3, p. 3-15, 1989.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. Resolução Nº 011/2010-GP, de 16 de
junho de 2010. Disciplina o Programa de Gestão de Documentos do Tribunal de Justiça do
Estado do Pará. Belém: Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2010. Disponível em:
http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=8661. Acesso em: 07 mar.
215
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
2020.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. Convênio de Cooperação Nº 021/2017,
de 07 de junho de 2017. Tem por finalidade a disponibilização da documentação que compõe
o Acervo Histórico de documentos judiciais do TJ/PA, localizado na Comarca de Bragança,
anterior ao ano de 1970. Belém: Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2017. Disponível em:
http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=828899. Acesso em: 09
mar. 2020.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. 1º Termo Aditivo ao Convênio de
Cooperação Nº 021/2017, de 26 de outubro de 2018. Tem por objetivo incluir no Convênio de
Cooperação Nº 021/2017 a ampliação do período cronológico dos documentos requeridos até
o ano de 1988 e os documentos históricos localizados na Comarca de Ourém. Belém: Tribunal
de Justiça do Estado do Pará, 2018. Disponível em:
http://www.tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=828900. Acesso em: 09
mar. 2020.
216
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir alguns pontos da narrativa sobre os partidos políticos da
Ditadura no Pará, particularmente no período de sua formação, a partir das novas discussões
historiográficas voltadas para a problematização da atuação dos civis durante a Ditadura
Militar. A proposta ora apresentada compõe as pesquisas que venho desenvolvendo para a
dissertação de mestrado em História, cujo objeto são os partidos dentro do Legislativo Estadual.
Advogo a ideia de que os partidos possuíam uma lógica local enraizada em tradições políticas
e os seus membros tiveram posições cambiantes na relação com os militares, para além da
dicotomia adesão-resistência.
Palavras-chave: Ditadura Militar; Partido Político; Cultura Política.
Introdução
Devido a sua criação artificial, os partidos políticos deste período foram inicialmente
considerados objetos de menor interesse por parte da historiografia pós-ditadura, especialmente
217
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
no Pará, onde as pesquisas são bem recentes. Priorizaram-se os debates sobre a resistência,
movimentos sociais – como o estudantil e sindical – e sobre a guerrilha do Araguaia. Aos
partidos restara a pecha jocosa de “partido do sim” e “partido do sim, senhor”, respectivamente
MDB e ARENA (MOTTA, 2008). Contudo, não se pode fazer tábula rasa destes partidos,
ainda que formados a partir de um AI, haja vista que os seus quadros foram compostos por
personagens políticos com origens anteriores ao golpe civil-militar de 1964. Faz-se necessário,
portanto, compreender esses sujeitos a partir das suas dinâmicas locais, de modo a adensar as
análises sobre este campo de atuação dos civis durante a ditadura.
O objetivo deste artigo é discutir alguns pontos da narrativa sobre os partidos políticos
no Pará, particularmente no período de sua formação, a partir das novas discussões
historiográficas voltadas para a problematização da atuação dos civis durante a Ditadura
Militar. A proposta ora apresentada compõe as pesquisas que venho desenvolvendo para a
dissertação de mestrado em história, cujo objeto são os partidos e o Legislativo Estadual.
Advogo a ideia de que os partidos possuíam, também, uma lógica local enraizada em tradições
políticas e os seus membros, como os deputados estaduais, tiveram posições cambiantes na
relação com os militares, para além da dicotomia adesão-resistência, o que merece atenção por
parte de nós, pesquisadores e pesquisadoras.
A partir da renovação proposta pela Nova História Política (NHP) de René Remond, na
França, nas últimas décadas do século XX, reacendeu-se o interesse historiográfico pelo
político e, por sua vez, os partidos políticos, fato muito influenciado pela proposta de diálogo
com outras áreas do conhecimento como a Ciência política, Antropologia e a Linguística, por
exemplo. Segundo Serge Berstein (2003), um dos intelectuais da NHP, pensar os partidos
políticos enquanto lugar de mediação política implicaria refletir sobre “o peso da tradição e o
jogo das mentalidades, a cultura e o discurso, os grupos sociais e a ideologia, a psicologia
social, o jogo dos mecanismos organizacionais e a importância das representações coletivas”
(BERSTEIN, 2003, p. 58). Ou seja, as pesquisas deveriam ir além do anedótico, entendendo
que tudo compõe o político (REMOND, 2003). Não obstante, paulatinamente, a produção
218
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
219
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
com a democracia. Ainda que, como se sabe, tenha sido algo bem distante da realidade.
Recuperando as ideias de Kinzo, Vasconcelos (2013) atribui aos membros da área castelista
dos militares, tida como moderada, a salvaguarda de alguns instrumentos da democracia,
enquanto se realizava a “limpeza” do “perigo vermelho” dentro das Forças Armadas e das
instituições até o retorno de uma “democracia em plenitude”. Ainda segundo o autor, essa
legitimação foi validada pela grande imprensa durante o período inicial da ditadura,
compreendido entre 1964 e 1969 (VASCONCELOS, 2004).
Haja vista o exposto, parecem claros alguns motivos da conservação dos partidos por
parte dos militares, ou pelo menos da existência de partidos, posto que o AI-2 dá fim aos
formados em 1945. Contudo, resta entender melhor o seu funcionamento interno, suas próprias
razões e os interesses de seus membros, afinal, o golpe foi uma articulação entre civis e
militares. Neste sentido, os recentes debates sobre a memória da ditadura põe em xeque alguns
lugares-comuns das narrativas como o da sociedade resistente ou então do puro adesismo por
parte de alguns grupos. Marcos Napolitano, por exemplo, defende “a tese de que há um amplo
leque de colaboracionismos e oposicionismos no contexto autoritário de 1964-1985 que nem
sempre foi ocupado pelos mesmos atores, da mesma maneira, o tempo todo que durou o
regime” (NAPOLITANO, 2015, p. 102). Agora, guardemos de Napolitano a ideia de um leque
de colaboracionismos e retomemos a NHP.
Utilizando o acervo do diretório nacional disponível no CPDOC/FGV, Lucia Grinberg
foi uma das primeiras pesquisadoras a se debruçar sobre a trajetória da ARENA. Enquanto o
MDB, considerado o partido da redemocratização, foi logo estudado na década de 1980, a
ARENA – partido de apoio dos militares – chegou ao seu fim, com uma imagem muito
negativa, em 1979. Grinberg (2009) data a desqualificação da ARENA enquanto partido na
década de 1970, após a lei de fidelidade partidária. Porém, com a documentação interna do
partido, a autora demonstra que houve um anseio em, de fato, construir-se um partido, afinal
se “a sigla Arena era recente e podia não ter identificação popular, as lideranças que
formavam o partido eram representantes da nata dos políticos da época” (GRINBERG, 2009,
p. 32). Considero de suma importância esta perspectiva interna de funcionamento dos partidos,
pois – como se apresentará adiante – a ARENA, no Pará, teve conflitos internos na sua relação
com os militares e nem sempre foi a favor das diretrizes vindas do alto.
220
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Assim como no período anterior a ditadura, a formação dos partidos foi fortemente
influenciada pelos interesses locais. Para a ARENA paraibana, Dmitri Sobreira (2016)
identificou que os interesses pela conservação da propriedade da terra motivaram latifundiários
a apoiar o golpe de 1964 e a ingressar no partido de apoio ao governo. As Reformas de Base
encampadas pelo presidente deposto João Goulart eram fonte de medo. Não muito diferente do
Pará. Curiosamente, foi necessária a intervenção do presidente-ditador Humberto Castelo
Branco para que se formasse o diretório regional do partido da oposição consentida na Paraíba.
Ao contrário de leituras que apresentavam a ARENA como mero partido adesista imposto de
cima para baixo, Sobreira nos convida a ir “além do sim, senhor” e apresenta um partido
permeado por questões muito particulares da Paraíba. Essa renovação da perspectiva sobre o
partido, o autor faz a partir da utilização do conceito de cultura política que fora proposto pela
NHP de Serge Berstein e tantos outros autores. No Brasil, um dos autores que fazem uso desse
aporte teórico, além do já citado Bichara, é Rodrigo Patto Sá Motta, a partir de sua própria
definição de cultura política entendida enquanto:
Destarte, esse breve resumo serve para demonstrar como a perspectiva sobre os partidos
políticos do período da ditadura saíram de uma visão, digamos, mais institucional, para
compreendê-los dentro de suas próprias dinâmicas locais, em conexão com o nacional. Houve,
argumenta-se, um leque disponíveis aos sujeitos partícipes das tramas da ditadura, de modo
que a dicotomia oposição-resistência não satisfaz as novas análises. Conforme Motta propõe,
deveríamos acrescentar um terceiro ponto, o eixo das acomodações, alicerçando, então, as
discussões na tríade oposição-acomodação-resistência. No Pará, políticos experientes foram os
primeiros membros dos partidos ARENA e MDB e, naturalmente, fizeram dos interesses do
partido os seus interesses e, quando divergiam das diretrizes dos militares, entraram em conflito
como quando do fechamento da Assembleia Legislativa do Pará, em 1969, por meio do AI-5
(MATOS, 2020).
221
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Após o golpe, todos os partidos políticos do Pará declaram o seu apoio aos militares,
mesmo o Partido Social Democrático (PSD), cujos membros foram alvo de investigações e até
mesmo de cassações, como o mandato do governador Aurélio do Carmo (PSD). Apenas
estudantes e sindicalistas resistiram ao golpe. Assim como no caso da presidência da república
no Congresso Nacional, o governador-interventor foi eleito de maneira indireta pela
Assembleia Legislativa paraense, sendo o resultado por unanimidade. Durante as primeiras
sessões ordinárias, os deputados declararam seu apoio e se regozijaram na maré golpista.
Aproveitaram para cassar o mandato do desafeto dos latifundiários, o deputado Benedicto
Monteiro (PCB/PTB), e a antiga oposição local, composta principalmente pelos deputados da
Coligação Democrática Paraense (CDP) e União Democrática Nacional (UDN), aproveitou
para ascender aos cargos da máquina pública. Na Assembleia Legislativa, a liderança do
governo caberia ao deputado Gerson Peres (UDN), que conseguiu a cassação do prefeito do
seu município de origem, Cametá, em favor de um partidário, e seria um importante aliado
durante a ditadura (MATOS, 2020).
Grosso modo, esse novo momento político foi entendido apenas como uma mudança
nas posições de pessedistas e antipessedistas tendo em vista que o PSD ocupou a oposição a
partir de junho de 1964. Entre 1945 e 1960, o PSD perdeu apenas uma eleição para o governo
do estado. Conforme demonstra Veiga (2018), no Pará, o PSD era um partido consolidado
eleitoralmente, a despeito do crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fenômeno
ocorrido a nível nacional. Por diversas vezes, a oposição precisou estar coligada para fazer
frente ao partido. Apenas na eleição de 1960 para o governo do estado, o PTB, seguindo a
orientação nacional, coligou-se com o PSD em troca de cargos. Essa “invencibilidade” se
deveria às relações clientelistas formadas desde a interventoria de Magalhães Barata na
ditadura do Estado Novo (PETIT, 2003). Fora do governo do estado, e com seus quadros
políticos prejudicados pelas cassações, o PSD perdeu espaço para os golpistas da oposição.
Durante as eleições de 1965, ocorridas antes do AI-2, o candidato dos militares, Major
Alacid Nunes, venceu com folga o candidato pessedista ao governo. Alacid utilizou a legenda
da UDN e seu vice, Renato Franco, veio do PTB após negociações. Com o estabelecimento do
222
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
223
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
CRISE NO PARÁ
Belém (Do Correspondente) – A exclusão do Senador Zacarias Assunção e
do Deputado Lopo Castro, ligados ao Governo federal, provocou uma crise
na ARENA paraense.
Ao mesmo tempo, alguns deputados arenistas reclamam contra a invasão dos
seus redutos políticos pelo Sr. Abel Figueiredo, sogro do Governador [Alacid
Nunes], denúncia que motivou a realização de várias reuniões. (CRISE NO
PARÁ, Jornal do Brasil (RJ), 1º Cad., p. 3, 09/03/1966)
224
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
pré-existentes ao golpe de 1964, o MDB se confirmará como um reduto dos antigos pessedistas
enquanto a ARENA será disputada pela antiga oposição a contragosto. É menos uma divisão
entre jarbistas e alacidistas e mais uma adaptação das disputas entre as oligarquias locais. De
modo semelhante, Sobreira (2016) também identificou a presença de uma continuidade nas
disputas das oligarquias paraibanas na formação do diretório regional da ARENA na Paraíba e
no modo como as disputas personalistas e clientelistas não desapareceram junto aos partidos
de 1965 com o AI-2.
Considerações finais
Destarte, as pesquisas ainda se encontram no seu estágio inicial e foram prejudicadas
pela atual pandemia, porém, os documentos já nos indicam novas possibilidades de se pensar
os partidos políticos do período bipartidário no Brasil, especialmente em relação à ARENA,
compreendendo-a para além do “sim, senhor”. Os sujeitos que atuaram durante a Ditadura
Militar tiveram posições cambiantes, como no caso citado de Zacarias de Assunção, e não
foram meros adesistas como o citado Gerson Peres. Esses e outros sujeitos nos apresentam
uma dinâmica particular no Pará, que dialoga com a realidade de outros, a exemplo da Paraíba.
Neste novo momento historiográfico de debate sobre memória e apropriações da NHP, uma
nova seara de análises se apresenta propícia aos historiadores e historiadoras.
Referências
BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma história política. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, pp. 57-98.
GRINBERG, Lucia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, 301p.
KINZO, Maria D’Alva Gil. Oposição e Autoritarismo: gênese e trajetória do MDB
1966/1979. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, 269p.
MATOS, Flavio William Brito. A Ditadura nos discursos e na atuação dos deputados estaduais
paraenses (1964 – 1969). Cantareira. 32ª ed. pp. 101-120. Jan-Jun. 2020.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Introdução à História dos Partidos Políticos Brasileiros. 2ª ed.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, 132p.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Ruptura e continuidade na ditadura brasileira: a influência da
cultura política. In: ABREU, L. A; ______. Autoritarismo e cultura política. Porto Alegre:
FGV: Edipucrs, 2013, pp. 9-32.
225
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes
⚫ Jornal do Brasil, RJ
⚫ "Conversation with State Deputy Gerson Peres" (1967). Opening the Archives:
Documenting U.S.-Brazil Relations, 1960s-80s. Brown Digital Repository. Brown
University Library. https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:337224/
226
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O texto busca estabelecer uma conexão entre as ordens discursivas e não discursivas que se
instauraram no mundo intelectual brasileiro a partir da década de 1920, com foco concentrado em
sujeitos que atuaram em São Paulo, que foi tido como um importante centro cultural nessa época. O
sujeito-signo Júlio de Mesquita Filho é tomado paralelamente a outros personagens que conversam
com ele no tempo, a exemplo de Oliveira Vianna, não sendo necessariamente um diálogo direto. Os
principais diálogos empíricos presentes fazem parte da imprensa de época: a revista Klaxon, dos
modernistas; a Revista do Brasil, de Júlio Mesquita e Monteiro Lobato; e, também, englobamos
aspectos da trajetória de Júlio de Mesquita Filho. Partindo dessas premissas, o vislumbre das “políticas
da escrita” das produções que almejavam subjetivar e dar materialidade a uma ausência ontológica –
são guias para uma compreensão das interpretações e reinterpretações do que seria essa inquietação
comum a tantos sujeitos da época em suas respectivas esgrimas e disputas. As trilhas teórico-
metodológicas e historiográficas centram-se em Michel Foucault, Hans U. Gumbrecht, Jacques
Rancière, Tânia Regina de Lucca e Maria Stella Martins Bresciani.
Introdução
A existência do que nomeamos de projetistas de Brasil não é exatamente uma novidade. Eles
foram e são estudados de maneira sistemática. Carlos Guilherme Mota, na já distante década de 1970,
estabeleceu uma periodização da Cultura Brasileira na qual os projetistas são inseridos como aqueles
que foram signos de um tempo, expressões e sonhos de uma ausência (MOTA, 2014). Nas brechas
que o próprio Mota adverte haver em seu texto, inserimos a nossa própria busca, como é o caso de um
olho nas “obras e intervenções” de sujeitos como Monteiro Lobato, Darcy Ribeiro, Mário de Andrade
227
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
e outros “intérpretes de Brasil”. A extensão desses projetos e os sujeitos que buscaram encarná-los, no
entanto, não poderiam ser esgotados por um único estudioso do tema.
Abrangendo um contexto amplo de análises, a perspectiva que propomos se aproxima daquilo
que Jacques Rancière chamou de “corpos utópicos” que se engajaram em ações e escritas políticas que
se entrelaçavam retroativamente. Para Rancière, a escrita representa instâncias corpóreas e políticas,
unindo elementos que já foram tidos como separados – desejo e corpo como sendo antagônicos de
política e negócios da polis em geral. As escritas são estruturas subjetivas que não podem ser realizadas
sem fazer uso de signos, e torna-se uma “relação da mão que traça linhas ou signos ou signos com o
corpo que ela prolonga; desse corpo com a alma que o anima e com os outros corpos com os quais ele
forma uma comunidade; dessa comunidade com a sua própria alma [...]”. Apresentamos, nessa lógica,
que os intérpretes e projetistas de Nação, ao enunciarem as suas impressões tropicais por escrito,
ensaiaram uma “maneira de ocupar o sensível e de dar sentido a essa ocupação”, elaborando uma
“constituição estética da comunidade”. Tudo isso, através de fortes alegorias (RANCIÈRE, 1995, p.
07).
Nessa lógica, sujeitos signos como Júlio de Mesquita Filho, a frente do jornal O Estado de São
Paulo, e aqueles que editaram a revista Klaxon nos anos 1920 são imanentes. A imprensa no geral se
tornaria veículo de singular potência para definir “coisas ausentes”, enunciar e criar, utilizada
largamente por estes eruditos.
Como pude não sentir que a eternidade, almejada com amor por tantos poetas, é um
artifício esplêndido que nos livra, mesmo que de maneira fugaz, da intolerável
opressão da sucessividade?
(Jorge Luís Borges)
Esse trecho de Borges inquieta a pensar sobre questões que são muito reais e caras para aqueles
que se aprofundam no mundo das palavras, filhas das letras. Os que escrevem, o fazem – talvez –
sonhando com alguma eternidade, obtida através da consolidação de uma verdade ontológica que não
poderia ser alcançada por aqueles que passam pela vida sem ao menos registrar os episódios da
“opressão da sucessividade” em um simples diário. Me ocorre que o espírito das ideias, veiculadas
através de signos, tem característica pretensa de um visgo que dota de coerência aquilo que não existe
228
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
enquanto mônada. Para que se crie esses efeitos de verdade transcendentes, uma notável verborragia
toma de conta de um certo teatro em que as maquinações de poder seguem fluxos contraditórios.
Partindo desse comentário que pode soar banal, passo a examinar empiricamente tal hipótese em torno
da busca do fugaz livramento de certo niilismo existencial dos intelectuais dos “anos loucos”, que
discuti em outro trabalho (MACÊDO, 2020).
Como uma metonímia tão precisa quanto podem ser as generalizações, a revista dos
modernistas – a Klaxon – foi editada em São Paulo de maio de 1922 a janeiro de 1923, e passou a ser
a plataforma de divulgação e defesa do que chamaram de arte moderna brasileira. A circulação era
mensal, sendo os seus editores: Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Oswald de
Andrade, Manuel Bandeira e Graça Aranha. Na qualidade de colaboradores tínhamos: Sérgio Milliet,
Anita Malfatti, Sérgio Buarque de Holanda, Raul Bopp, entre outros (JUNQUEIRA, 2020).
A primeira edição da revista é potente de sentimentos de grandes intensidades que apontam as
convicções dos seus escritores. A quinze de maio de 1922, o editorial de debute da revista se quer
iconoclasta. Os canhões de grossa calibragem daqueles que escreveram os textos estão direcionados a
valores que estavam então sendo postos em xeque. Definiam a sua insurgência contra alguns elementos
que marcavam a cultura do século anterior:
Nesse texto que aparece em posição de destaque do primeiro número da revista, existem
esforços de significação que apontam para a fundação de uma cultura. Dizibilidade e visibilidade
diferentes. Essa face das impressões tropicais que buscavam se instalar na ordem discursiva que
compunha a cultura brasileira segue afirmando que sabe “que o laboratório existe”, e por isso mesmo
quer “dar leis scientificas á arte”. A arte possuía um elemento estético, mas também apegos científicos;
a alma incandescente de uma “época de 1920 em diante” é latente nesse período. Os manifestos
representam a vontade de reorganização do universo mental, com preocupações que demarcam
posições que se querem antagônicas, ainda que façam um caminho muito semelhante.
229
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A semana de arte moderna aparece embebida num cenário complexo de busca pelo ideal
moderno de Brasil. A busca de se estabelecer rupturas com o século anterior, rompendo enfim com a
força das tradições. A arte se tornava preocupada em destruir com os parâmetros anteriores. O mundo
se afogava em incertezas, enquanto os intelectuais paulistas se detinham em gestar o modernismo.
“Havia o desejo de produzir uma imagem moderna da nacionalidade brasileira, a busca pela essência
da nação, que fosse outra, diferente daquela propalada nos séculos XVIII e XIX”. O IGHB surgira no
período imperial como panteão da cultura e da História da Nação. No período republicano, a ABL
ocupa um lugar de destaque no debate cultural e social, definindo as arestas do país “como tentativas
sistemáticas de ordenar os lastros de um Brasil pretensamente moderno” (BRITO, 2018, p. 62-65).
Falava-se bastante nos “fogos de artifícios” internacionais de 1914, em alusão aos terrores
vividos por uma grande parcela da humanidade durante os tempos da primeira grande guerra. A
“brecha” que foi aberta no tempo nesse período de instabilidade política, econômica e cultural criava
espaço para as criações e recriações de elementos que costumam se manifestar em períodos
interessantes, já que esses foram um dos fiapos da dispersão constitutiva de começos que gerou a “era
dos extremos”. Essa “abertura em acordes heroicos dos anos loucos” demarcava características
intensas de mobilização permanente, rupturas paradigmáticas e das maneiras de comportamento; essas
coisas estavam sendo reveladas a partir de estranhamento e, simultaneamente, a busca pelo novo que
ainda não existia (SEVENCEKO, 1992).
Na marca dessa temporalidade e em simultâneo aos postulados agressivos da Klaxon, existia e
operava também a Revista do Brasil,15 que era então regida por figuras de destaque na cena cultural e
intelectual paulistana. As publicações dessa revista “é reveladora de uma intelectualidade cuja
produção ocorre num período de crescente urbanização” (CORRÊA, 1999), e teve uma duração de
publicação sob o mesmo nome até a década de 1990. Se tratando do seu início, e emergindo em
15 No verbete disponível no CPDOC, recortamos a seguinte definição desse periódico: “A Revista do Brasil, lançada em
São Paulo no ano de 1916, era um periódico mensal estritamente literário que refletia esse debate, propondo-se realizar um
reexame da identidade nacional e constituir-se enquanto núcleo da propaganda nacionalista. O conteúdo publicado pela
revista adequava-se à ideia corrente de que o intelectual deveria direcionar suas reflexões para os destinos do país, pois o
momento era de luta e engajamento em defesa da nação e não admitia mais o escapismo e o intimismo. O intelectual
deveria deixar de falar de si mesmo para falar da nação brasileira, cabendo-lhe, portanto, o dever cívico de assumir
integralmente a defesa e a construção do patriotismo”. Esse trecho é revelador e coaduna com os argumentos que
levantamos nesse texto. Ver: SETEMY, Adrianna. Revista do Brasil. Verbete. Disponível em:
<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/REVISTA%20DO%20BRASIL.pdf> acessado em 26
de abr. de 2020.
230
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
231
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A geração do Centenário, a primeira "que nasceu pobre e que vive por si", começa a
desmontar a mentalidade collectiva e, com ella, o ronceiro apparelho moral que ha
cem annos nos rege. O que ahi vem não é a revolução nos velhos moldes. E' mais e
melhor: é a revolução das idéias e dos costumes com sua feição civica.
Quem não percebe a orientação nova dos moços?
Em suas grandes porções, a que aspira á direcção e a que pretende simplesmente o
trabalho, a mocidade se orienta por novas trilhas de bravia independencia. Para uns
como para outros, já não é o Estado a Providencia de ha pouco. Desacreditaram-se os
governos paternaes que dotam filhos. Já se dotam estes a si. S. Paulo é o grande
exemplo: — aqui se cria o livro nacional e o seu publico; aqui se criam os filhos de si
mesmos (FERRAZ, 1922, p. 02).
O discurso não nega o passado. Ao contrário, faz-se tributário dele. Diferente do trecho
anteriormente transcrito da Revista Klaxon, Brenno Ferraz, em sua atuação como um dos três editores
da Revista do Brasil, apresenta essa edição com notória pompa sobre uma suposta geração que emergia
pobre e que cabia fazer a própria trajetória sem ajuda das muletas da escravidão. Para isso, propõe uma
“revolução das ideias”, que não é de maneira alguma a revolução aos “moldes antigos”. As rasuras nas
ordens discursivas carregam uma latência que diferencia as duas revistas que imaginamos como dois
esgrimistas que investem projetos de brasis em seus respectivos floretes. Vai-se construindo uma
geografia do pensamento que aponta acordes tradicionais, como veremos em tópico seguinte possíveis
ressonâncias dessa dinâmica na forma de “um futuro que o passado prometia”.
De certa forma, os objetivos de ruptura são comuns às duas revistas, carregando consigo
propostas que são muito próprias daquele período de profundo sentimento de necessidade de
reinvenções. As dessemelhanças se manifestam nas proposições de how make, de como levar a cabo a
construção das coisas então ausentes, a saber, uma Nação estruturada e dotada de solidez. As
revoluções propostas são de apologia ao “modernismo” – não só esteticamente falando, mas com
outras tendências que retiram o sufixo “ismo” – e outra cuja ruptura não tem apego iconoclasta e não
ataca de maneira vivaz a tradição, pois ela é “centenária”.
232
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nisso, creio ter dado uma imagem, ainda que breve, das “sintonias e antinomias” de duas das
diversas possibilidades de visões de mundo que espocavam nos “anos loucos”. Elas compõem um arco
complexo da “atitude política” dos “escritores cidadãos” que se manifestava no “círculo dos sábios”
então aglomerados em São Paulo. Não era um combate simulado entre esgrimistas, era uma batalha
real e sangrenta – ainda que, por enquanto, metaforicamente (SEVCENKO, 1999, p. 78).
Essas contendas, que tiveram a máquina de escrever como arma de ataque e de defesa, tiveram
resultados imprevisíveis para aqueles que ora estavam mergulhados no atual de 1922. As muralhas,
por exemplo, não eram tão impenetráveis quanto deram a entender. Na verdade, os presentes de grego
e as conexões instáveis com as ramificações do poder por vezes submetia aos desejosos de coerência
à incoerência. Para citar uma ironia desse tipo, Sérgio Buarque de Holanda – um daqueles que editaram
a Klaxon – posteriormente se tornaria editor da Revista do Brasil, que tomara rumos diversos daqueles
que Monteiro Lobato e Júlio Mesquita haviam pensado em 1916, em meio à guerra.
Poucas coisas são tão características dos nomeados projetistas de Brasil quanto os cientistas
sociais. Estes emprestavam as suas virtudes de intelectuais ao seu país, numa postura de cidadania
engajada. Lembrando Michel Foucault, “o autor é aquele que dá à inquietante linguagem da ficção as
suas unidades, seus nós de coerência, sua inserção no real” (FOUCAULT, 2009, p. 28), e por isso
mesmo dentro da Revista do Brasil aqueles sujeitos que escreviam sobre as características do Brasil,
como o caso de Oliveira Vianna, tinham um espaço garantido. O objetivo de dar a essa ficção ainda
ausente arestas de “coerência” e “inserção no real”, estava em consonância com as linhas editoriais
compartilhadas.
Nesse ponto, falo de um trecho de uma edição da revista que foi publicada em 1923. Figurava
aí um artigo de Vianna que, em formato epistolar, dirigia-se em primeira pessoa a Júlio de Mesquita
Filho, que ora tinha por volta dos trinta anos. O enunciado geral desse texto-resenha é revelador de
dois movimentos simultâneos: uma cultura de legitimação mútua na vida intelectual do período; o
objeto que interessava ao autor resenhado e ao resenhista era a formação do povo brasileiro, mas o
enfoque era a “comunhão paulista”. Isso se aproxima das conclusões de Kátia Maria Abud sobre as
décadas iniciais do século XX terem sido um período áureo da produção relativa ao bandeirantismo
233
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
(ABUD, 1985), que nesse texto de Vianna comentando Mesquita Filho, é um elemento forte. Os
debates em torno da intelectualidade desses dois sujeitos demostram em primeiro plano a consolidação
de uma determinada realidade em que a doxa e a episteme deveriam coincidir, em outras palavras, os
pensamentos compartilhados e a verdade ontológica da época deveriam ser legitimados por um
discurso científico e vice-versa.
Segundo estudo minucioso feito por Maria Stella Martins Bresciani sobre Oliveira Vianna, este
intelectual defendia que “[...] o “movimento de ‘entradas’, o capítulo heroico da história dos
latifúndios”, e também deliberado ato de cumprimento de dever, conferiu às populações “paulistas”
uma “importância persistente em sua leitura da formação da sociedade brasileira” (BRESCIANI, 2007,
p. 227). A Revista do Brasil e seus editores tinham interesses notáveis em fazer do nativismo
emergente, um combustível para capital político. Para os envolvidos, tanto melhor que tais ideias –
que já faziam parte da textura de um pensamento em circulação – ganhasse ares e tons científicos.
Coloco em análise alguns trechos dos escritos de Vianna supracitados. Chamando-o de “ilustre
confrade”, Vianna se dirige a Júlio em tom elogioso e levemente complacente.
[...] O que ha de propriamente novo nos meus estudos, meu brilhante confrade, o que
ha nelles de propriamente original, é o Brasil — (a grande novidade, grande
originalidade, desconhecida, não só dos estranhos, como também de nós mesmos. O
preconceito, que ha cem annos nos domina (conforme demonstrei no volumezinho do
Idealismo na evolução politica), de que entre nós e os grandes povos modernos não
ha di ff crenças essenciaes, nos tem dispensado de voltar os olhos para essa "grande
originalidade", que é o nosso povo e que, por isso mesmo, continua inteiramente
ignorado. O meu esforço tem sido apenas de revelar alguns aspectos mais impressivos
desta "grande originalidade" e mostrar o erro fundamental que se contem naquelle
preconceito secular. Só o facto de sermos, como observa o nosso insigne Alberto
Torres, o único grande povo situado em regiões intertropicaes, bastaria para fazer com
que fossemos um "caso" á parte na economia internacional, constituindo um
"problema novo" para todo o mundo, mas principalmente para nós mesmos
(VIANNA, 1923, p. 43).16
Em 1923, no início da terceira década de vida, Júlio fazia por merecer os comentários elogiosos
de Oliveira Vianna, então já com uma vasta obra consolidada que o insere dentro dos pretensos
intérpretes de Brasil. No interior da tradição intelectual que ora se arvorava, Mesquita Filho e Vianna
buscavam uma origem para a brasilidade mais densa e como menos pretensões de demolição do que
234
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações finais
Fazer esse balanço das ideias é complexo porque significa mergulhar num “labirinto de textos
históricos, literários, políticos, sociológicos” (MOTA, 2014, p. 35). As ideologias que figuram não são
tão definidas quanto aparentam ser, contrastando acordes entre o arcaico e o contemporâneo, presentes
nas obras e ações dos personagens supramencionados entre inúmeros outros, que cada um por seu
turno usam estilos e prosas específicas, desejando ser “eminentes explicadores do Brasil”.
Júlio de Mesquita Filho, um explicador e diagnosticador do Brasil se munindo do discurso
jornalístico, pensa longamente os seus supostos ancestrais como inspirações de civilidade e
civilização. Todavia, lembrando o trecho de Grande sertão: veredas, “no real, as coisas acabam com
menos formato, nem acabam”. Tal metáfora nos serve para pôr em suspeição esse construto nacional
gelatinoso e fugidio, cujas múltiplas faces já são esculpidas há quase dois séculos por muitos artistas
diferentes. Essa é uma “sedução dos trópicos”, inteligível o bastante para produzir certa
verossimilhança, mas que não abrange tudo nem capta uma realidade sagrada per se. Nem a Klaxon
nem a Revista do Brasil foram capazes de imantar um discurso com solidez absoluta e inquestionável.
Nessas tentativas de recortar o palco cultural segundo vontades individuais – o nativismo, no exemplo
de Mesquita Filho – fica em evidência os formigamentos dos começos de uma inteligência repleta dos
signos de intelectuais projetistas de Brasil depois de 1920.
235
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições (a construção de um
símbolo paulista: o bandeirante). 1985. 342 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de
Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.
BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira
Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
BRITO, Fábio Leonardo Castelo Branco. Visionários de um Brasil profundo: invenções da
cultura brasileira em Jomard Muniz de Britto e seus contemporâneos. Teresina: EDUFPI, 2018.
CORRÊA, Anna Maria Martinez. Prefácio. In: DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil:
um diagnóstico para a (N)ação/Tânia Regina de Luca. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1999.
FERRAZ, Brenno. O momento, a geração do centenário. Revista do Brasil, 1922, anno VII, v
XXI, n 81. Setembro-dezembro de 1922. p. 02. Disponível em:
<https://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/26306> Acessado em 26 de abr. de 2020.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
JUNQUEIRA, Eduardo. Klaxon. Verbete. Disponível em: <
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/KLAXON.pdf> acessado
em 21 de abr. de 2020.
MACÊDO, Francisco Adriano Leal. Janela sobre a metrópole órfica: Júlio de Mesquita Filho
e a cidade-mundo que habitou. Vozes, Pretérito & Devir, Ano VII, Vol. XI, Nº I, p. 208-228.
25 mai. 2020.
MOTA, Carlos Guilherme. A ideologia da cultura brasileira (1930-1974): pontos de partida
para uma revisão histórica. 4 ed. São Paulo: Editora 34, 2014.
RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995.
REVISTA Klaxon. Mensário de arte moderna. São Paulo: 15 de mai. de 1922.
SETEMY, Adrianna. Revista do Brasil. Verbete. Disponível em:
<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/REVISTA%20DO%20BRASIL.pdf> acessado em 26 de abr. de 2020.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. São Paulo: Brasiliense, 1999.
VIANNA, Oliveira. A comunhão paulista. Revista do Brasil, 1923, anno VIII, v 23, n 92. p.
43. Disponível em: < https://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/26317> Acessado em 30 de
abr. de 2020.
236
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Esse trabalho formula bases para aplicação da atividade escolar, projetos de vida, entendida a
partir da perspectiva de sua possibilidade emancipadora. A emancipação é entendida, aqui,
como fortalecimento comunitário contrariamente à inserção social. Através de discussão
teórica e bibliográfica, discute as peculiaridades étnicos raciais da categoria juventude. Como
principais resultados, ressalta-se que a prática de projeto de vida junto a pessoas indígenas,
quilombolas, ribeirinhas ou de gênero diverso, deve conscientizar os estudantes quanto aos
problemas persistentes em suas vidas, neste caso, apontamos a colonialidade. Deve-se difundir
conhecimentos transdisciplinares, sobretudo das Ciências Humanas e suas tecnologias,
justificando outros modos de ser, para, assim, auxiliar na ressignificação e estabelecimento de
caminhos para subsistir de forma emancipada ao sistema capitalista através daquilo que a
pessoa traz consigo, suas referências-de-vida.
Introdução
237
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
238
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
conforme diz Aníbal Quijano (2005). Paulo Freire discute a questão do tempo presente como
definidor de uma tentativa de continuidade do projeto civilizador europeu no tempo presente.
“Seu gosto de sobrepor-se ao espaço histórico e cultural dos invadidos, nada disto pode ser
esquecido quando, distanciados no tempo, corremos o risco de “amaciar” a invasão e vê-la
como uma espécie de presente “civilizatório”. (FREIRE, 2000, p. 34). Os determinismos raciais
e geográficos, podem ser avaliados como manifestações da colonialidade histórica e de
instrumentos de captura da vida pelos instrumentos de biopoder. (FOUCAULT, 2008).
As comunidades e pessoas ribeirinhas, negras, indígenas e de outras manifestações de
gêneros, vivenciam de forma contundente os determinismos na formação de suas justificações,
dos objetivos, meios e referências que compõem seu projeto-de-vida. Contudo, há uma opção
que é o recalque, sugestão da cartilha de aprofundamento da (BNCC) aos professores. O
recalque da diferença, separa da vida da pessoa os objetivos de vida comunitários
emancipadores, separa a vida de sua forma. Ao incutir a profissão como objetivo de vida, a
escola, junto a governamentalidade (FOUCAULT, 2008), introduz na pessoa o arcabouço do
empresário de si mesmo, que deve arrumar um emprego ou se submeter a alguma forma de
exploração na divisão do mercado de trabalho.
Se discute aqui o uso do conceito de “identidade terceirizada” nos projetos de vida, uma
vez que a pessoa assume um projeto existente aí no mundo, mas, que não possui nenhuma
relação com seu conceito de dignidade e compreensão (TONNIES, 1973). Outra de
objetificação é o direito, que captura as vidas através do instrumento do crime. Para superar o
instrumento do crime, é preciso também de momentos para conscientização social que sejam
realizados a partir das referências pessoais e de outras que o orientador considere aproximar à
realidade da pessoa. Superar os determinismos históricos exige a discussão crítica sobre a
realidade histórica e sociológica da vida para elaborar estratégias que tornem “inoperante”
(AGAMBEN, 2014) os instrumentos de captura. Também, uma capacidade crítica de leitura
das realidades, uma conexão de empatia e solidariedade com as vidas que estão discentes. Para
que o docente perceba e instigue a formulação de objetivos de vida que não se separam da
própria vida da pessoa.
A sociedade ocidental (SAID, 2007) formula suas próprias justificativas para incutir
nas vidas objetivos, meios e referências que engendrem a pessoa nos instrumentos de captura.
239
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
240
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
241
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
não a dualidade hierárquica, como pontua Julieta Carvajal Paredes, antropóloga, indígena e
feminista comunitária. (PAREDES, 2010).
2) Difusão de conhecimentos transdisciplinares, sobretudo das Ciências Humanas e
suas tecnologias, para fundamentar a consciência crítica das justificações que permitam viver
outros modos de ser. A justificação atualmente tangível é a restituição da dívida, do histórico
de violências coloniais contra populações tradicionais, na forma de políticas públicas de
Seguridade Social, Moradia e autonomia de ser. Ativar essas políticas públicas por meio da
organização é fazer emergir no tempo presente, as histórias, as experiências e os saberes que a
modernidade sacralizou ao passado, como a organização econômica, social e política
comunitária.
3) Ao identificar os problemas e as formas-de-vida da comunidade em que a pessoa
discente está inserida, se estabelece os objetivos, para ressignificar na aplicação individualizada
ou coletiva. Identificar atividades econômicas que as referências comunitárias praticam e que
possuam o caráter emancipador do sistema capitalista. (EF09ER07). Identificar a fonte
individual/coletiva da felicidade. Identificar as formas atuais de captura e separação da vida de
sua forma. O objetivo feito na subjetividade não renuncia à coletividade, deve ter vistas na vida
comunitária e compartilhada. A comunidade tem a possibilidade de objetivar coletivamente a
resolução de um problema, através de meios e referências também coletivas. A formulação dos
objetivos deve levar em conta o violento contexto de avanço do desenvolvimentismo, para
formar estratégias de ação pragmáticas, rápidas, sem perder tempo em elucubrações sobre o
futuro, é prático, positivo e no presente. Essas experiências de formulações de objetivos estão
no campo da experiência sensível, independentemente do pensamento individual, deve ser
perceptível por todos os observadores.
4) Estabelecer caminhos, um meio ou forma de subsistir de forma emancipada ao
sistema capitalista, seja pelo artesanato, extrativismo, pesca, cooperativas e o artesanato
acadêmico que é a apropriação consciente da universidade pela forma-de-vida. Com os projetos
já definidos quanto aos objetivos, o orientador de projeto-de-vida auxilia a pessoa a concretizá-
los através de meios, métodos e modos de fazer. O artesanato pode ser potencializador de uma
cooperativa ou marca, bem como os gêneros cultivados em comunidade. A universidade a
possibilidade de ser canal de transformação, contudo, através de sua ressignificação, para
242
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
proporcionar o movimento de troca, que, ao mesmo tempo que leva para dentro do
estabelecimento de ensino referências subjetivas tradicionais, traz para comunidade
conhecimentos acadêmicos. A entrada dos saberes históricos tradicionais contribui para a
valorização da pessoa, da comunidade de origem e da Universidade que sediará um ambiente
diverso e plural. A capacitação das pessoas de comunidades tradicionais nas Universidades tem
também sido um potencializador na aplicação de políticas públicas dentro das comunidades. A
captação e aplicação de políticas como postos de saúde, escolas, cooperativas e centros
comunitários são uma grande chance de inserção de pessoas formadas e conscientes de seu
papel dentro da comunidade. Professores de comunidades tradicionais não precisam concluir
o ensino superior para dar aulas nas escolas, por exemplo. Os projetos de produção comunitária
fornecem independência financeira e social ao instrumento da dívida e do controle social.
5) Fornecer e recepcionar Referências, aquilo que a pessoa traz consigo e que é matéria
para compor o projeto. Essas referências podem ser tanto do docente, quanto do discente ou de
pessoas orientadoras convidadas. Recepcionar as referências é tão importante quanto incutir
saberes nas pessoas que vivenciam a atividade de projeto-de-vida. Uma contribuição ativa do
orientador é ensinar a ouvir, refletir, pensar, fazer conexões mais complexas, facilitar as
abstrações sobre o eu, si mesmo, sobre a comunidade, o nós. A capacidade de abstração e de
imersão nas realidades das pessoas que vivenciam a atividade proporciona ao orientador uma
visão mais crítica dos projetos-de-vida, o que renderá intervenções mais conscientes. Toda
escola, professores de todas disciplinas e comunidade devem fornecer referências para os
projetos, para tanto. Para tanto é necessário realizar a exposição coletiva dos projetos-de-vida
elaborados, não só na conclusão, mas, em diferentes fases de elaboração, para a comunidade
poder adicionar referências, dicas sobre meios, readequação de objetivos e discussão de
problemas individuais e comunitários.
Conclusão
Esse conteúdo não se aplica apenas aos concluintes do ensino fundamental ou médio,
podem acontecer em todo percurso educacional de forma integral, para tanto, é necessário a
reformulação do Projeto Político Pedagógico (PPP) através dos problemas, justificativas,
243
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
objetivos e meios tradicionais como referências. Como já prevê a (BNCC), quando sugere na
habilidade EF09ER08: “identificar princípios éticos (familiares, religiosos e culturais) que
possam alicerçar a construção de projetos de vida”. (BRASIL, 2018, P.459). A participação
efetiva da comunidade tradicional na construção do programa de ensino escolar pode propiciar
a forma-de-vida comunitária. A participação comunitária possibilita construir a habilidade
EF09ER08 “projetos-de-vida assentados em princípios e valores éticos”. (BRASIL, 2018, p.
459).
A escola ressignificada atua como meio de produção das formas-de-vida. Uma
comunidade ribeirinha que tenha como principal atividade econômica a pesca, pode
reconsiderar a atividade como emancipadora e potenciá-la com esses instrumentos. Podem,
desde mais nova idade, formar seus projetos juntos da vida comunitária, aprender os
conhecimentos necessários para replicar a forma como seus ancestrais vivem, no presente,
potencializado pelo pensamento crítico e políticas públicas. Neste sentido, as pessoas podem
ser avaliadas desde suas vidas. A atividade de projeto-de-vida de sair da escola e objetivar a
experiência na vivência de mundo. O processo de avaliação mede a relação do projeto com a
vida da pessoa e o quanto ela já conseguiu atingir suas felicidades em objeto. A avaliação é
também uma constante reorientação para o projeto-de-vida, assim a escola deve permanecer
aberta para o acompanhamento integral das pessoas, se possível convidar parceiros que
complementem as referências, tirem dúvidas e forneçam informações estratégicas aos projetos.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. “Forma-de-vida”. In. Id. Meios sem fim, notas sobre a política. São
Paulo: Autêntica, 2015, p. 13-22.
AGAMBEN, Giorgio. “Obra e inoperosidade”. In. Id. O uso dos corpos. Homo Sacer, IV,2.
São Paulo: Boitempo,2014, p. 274-278
244
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
245
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente texto tem por finalidade, através de uma breve revisão, abordar o processo de
ressemantizações do conceito de quilombo. Tendo por base o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que
“aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. No
entanto, tal artigo trouxe vários impasses conceituares e, principalmente, dificuldades em sua
aplicabilidade, não resolvendo de imediato a situação. Uma das problemáticas que emergiu a
partir das discussões acerca do artigo, seria resolver quais os portadores da identidade de
comunidade quilombola e os procedimentos que seriam utilizados para o reconhecimento das
terras. Para o desenvolvimento do texto, partiremos de uma discussão bibliográfica, a partir
dos antropólogos José Maurício Paiva Andion Arruti (2006, 2008), Ilka Boaventura Leite
(2002) e Alfredo W. B. Almeida (2002, 1996), que em suas respectivas obras abordam os vários
impasses conceituares e dificuldades advindos do artigo 68; bem como as formas atualizadas
de percepção dessas comunidades.
Introdução
Sobre o termo quilombo, o antropólogo José Mauricio Arruti (2008) alerta que não se
pode falar desses sem adjetivá-los e, posteriormente, é necessário perceber o conteúdo de cada
adjetivo. É preciso perceber como através das décadas, o quilombo passou de algo pejorativo,
246
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que deveria ser repreendido, passando posteriormente a ser fruto de resistência e, mais
recentemente, ser definido através de grupos étnicos, com valores e culturas comuns. O
quilombo foi visto sob as mais diversas óticas e com isso houve variações acerca do seu
significado. Portanto, na primeira parte do texto buscaremos trazer algumas ressematizações
em torno do termo quilombo até chegarmos ao artigo 68 na legislação de 1988.
Segundo Kabengele Munanga (1995), a palavra quilombo seria originária dos povos de
língua bantu (Kilombo). Significando habitação, acampamento, floresta, guerreiro. Na Angola,
por exemplo, é entendido como divisão administrativa. A etimologia da palavra é derivada do
quimbundo (Kilombo).
Sua presença no Brasil teria a ver com alguns ramos desses povos bantu, já que alguns
membros foram trazidos para o Brasil. Para o antropólogo, o quilombo brasileiro estaria
relacionado com o quilombo da África: “é sem dúvida, uma cópia do quilombo africano
reconstituído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implementação
de uma outra estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos”. (MUNANGA,
1995, p. 63). Nesse sentido, o quilombo seria uma das formas encontradas para que os escravos
fugissem da violência advinda da escravização, uma forma de buscar proteção e segurança
nessas terras.
247
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
No Brasil, a palavra quilombo teve muitas variações em seu significado, “ora associado
a um lugar (“quilombo era um estabelecimento singular”), ora a um povo que vive neste lugar
(“as várias etnias que o compõem”), ou as manifestações populares, (“festas de rua”)” (LOPES,
SIQUEIRA & NASCIMENTO, 198, p. 15 apud LEITE, 2000, p. 336). Assim, já podemos
notar a variedade de significados na tradição popular no Brasil referente a esse vocábulo.
Tal termo vem sendo utilizado sistematicamente desde o período colonial, no entanto,
ao longo dos anos foi se modificando a maneira de perceber e caracterizar os quilombos. Foi
percebido pelas autoridades no Brasil Colônia enquanto crime, pois representava uma ameaça
ao sistema escravista e tentava-se de todas as formas encontrá-los e destruí-los. Na legislação
colonial, para caracterizar a existência de um quilombo, seria necessário existirem apenas cinco
escravos fugidos ocupando ranchos permanentes. O conselho ultramarino português de 1740
definiu quilombo como: “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte
desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (LEITE,
2000, p. 336). Na legislação imperial bastava três, mesmo que não formassem ranchos
permanentes. Na legislação republicana, nem aparece mais a definição de quilombo, pois se
subentendia que, com a abolição da escravatura, o quilombo desapareceria de forma automática
ou simplesmente não haveria mais motivos para existir. Havendo um silêncio no que diz
respeito à relação entre os ex-escravos e a terra.
Nos estudos negros do início do século XX, era tratado por alguns, como o caso de Nina
Rodrigues, como um “estado africano entre nós”, visto de maneira inferior e que não
demonstraria as verdadeiras experiências encontradas no Brasil. Em seu livro Os Africanos no
Brasil, aponta que: “De fato, não é a realidade da inferioridade social dos negros que está em
discussão. Ninguém se lembrou ainda de contestá-la. E tanto importaria contestar a própria
evidência” (RODRIGUES, [1932] (2010), p. 289). Pensando o negro dentro racismo científico
irá influenciar toda uma geração.
248
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
uma visão culturalista estavam permeados de preconceitos. Sobre essa questão o historiador
Flávio Gomes pontua:
Na década de 1960, se instaurou uma visão materialista, dando aos estudos do sistema
escravocrata o status de luta de classes, tendo o sociólogo Clóvis Moura (1972) como um dos
seus expoentes, entendendo o quilombo como uma forma organizacional, utilizando o conceito
de resistência. De acordo com Leite (2000, p. 338), Moura utiliza o conceito de resistência,
enfatizando-o como uma forma de organização política.
A visão materialista irá enfocar o quilombo sendo inerente à escravidão, pois estes só
existiriam pelo fato de os indivíduos terem sido escravizados, envoltos de violência e
exploração. Em relação aos quilombos, Moura salienta que “essas comunidades de ex- escravos
organizavam-se de diversas formas e tinham proporções e durações muito diferentes”
(MOURA, 1987, p. 12 apud LEITE, 2000, p. 338). Os quilombos do período colonial seriam
verdadeiros focos de defesa contra o “inimigo”, no entanto, novas dinâmicas surgem com a
abolição, decorrentes das mudanças das “táticas de expropriação”, e “a partir de então a
situação dos grupos corresponde a outra dinâmica, a da territorialização étnica como modelo
de convivência com os outros grupos na sociedade nacional” (LEITE, 2000, p. 338). Nesse
contexto, começa nesses grupos a construção de uma identidade, seja pelas diferenças no
âmbito técnico e cultural, seja pela segregação social e residencial dos negros.
Outra categoria teórica de “ressemantização” foi trazida pelo movimento negro, que
abarcaria a perspectiva cultural com a perspectiva política, elegendo o quilombo enquanto
“resistência negra”, ou seja, seria símbolo da luta do povo negro no Brasil. No entanto, essa
perspectiva só será sistemática ao longo dos anos 1970. No livro de Abdias do Nascimento, O
249
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
quilombismo, esse autor aborda o quilombo enquanto movimento social de resistência física e
cultural das populações negras. Deste modo, nessa ressemantização, o “Quilombo não significa
escravo fugido. Quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência,
comunhão existencial” (NASCIMENTO, 1980, p. 263).
250
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
No entanto, segundo Ilka Boaventura Leite, apesar do quilombo ser “trazido novamente
ao debate para fazer frente a um tipo de reivindicação que, à época, alude a uma “dívida” que
a nação brasileira teria para com os afro-brasileiros em consequência da escravidão, não
exclusivamente para falar em propriedade fundiária” (LEITE, 2000, p. 339), ao final do artigo
68, ao se falar em “remanescentes quilombolas”, se criam vários impasses conceituares e
dificuldades do processo.
José Mauricio Arruti (2008, p. 8), por sua vez, aponta que a redação desse artigo
consiste em “uma formulação amputada”, de forma improvisada, “sem uma proposta original
clara”. Esse artigo consistiria na reparação de uma dívida em relação aos negros e aos
desdobramentos da escravização e por uma abolição que não deu a estes direitos às terras. Para
Alfredo W. B. de Almeida (2002), o artigo 68 seria um dispositivo mais voltado para o passado,
ou seja, para o que havia “sobrevivido”, com a designação de “remanescentes das comunidades
quilombolas”. No entanto, isso geraria dubiedades, sendo preciso romper com o caráter de
“monumentalidade” e “sitio arqueológico” que povoou o imaginário dos legisladores, pois
nada se tinha de autoevidente e assim, emergiram debates acerca do conceito de quilombo.
Umas das questões levantadas pelo antropólogo é: qual conceito de quilombo estaria em jogo
nesse artigo?
Esse artigo não resolveu de imediato a situação e agora a problemática seria resolver
quem seria portador da identidade de comunidade quilombola e também quais procedimentos
seriam utilizados para o reconhecimento das terras. Para Almeida (1996), o conceito de
quilombo deveria ser trabalhado pelo que ele é no presente, como as autonomias dessas
comunidades foram construídas historicamente. Nesse caso, os “remanescentes” não se
251
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Arruti segue apontando que o termo “remanescente” serve como a expressão formal da
ideia de contemporaneidade do quilombo. Neste caso “[...], a assunção do rótulo de quilombo,
252
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
hoje, estaria relacionado não ao que o grupo de fato foi no passado, mas a sua capacidade de
mobilização para negar um estigma e reivindicar cidadania” (ARRUTI, 2006, p. 89). Agora se
falará na propriedade da terra e não mais se evidenciará a historicidade dos remanescentes. O
quilombo será visto como “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e
reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”, cuja identidade se
define por “uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores
partilhados” (Idem, p. 93).
Conclusão
As diversas comunidades rurais (algumas urbanas) espalhadas por todo o Brasil são os
reflexos de um longo processo de escravização e no pós-abolição de negros que se juntaram e
253
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
formaram comunidades, seja por laços de parentescos ou amizade. Como bem salienta Flávio
Gomes “[...] O desenvolvimento das comunidades negras contemporâneas é bastante
complexo, com seus processos de identidade e luta por cidadania” (Gomes, 2015, p. 7). As
comunidades quilombolas não são reconhecidas apenas através de sua origem no período
escravista, mas a partir de uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e
valores partilhados. A legalização destas comunidades na atualidade perpassa, portanto, as
questões de identidade e territorialidade.
Referências
254
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
255
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir as delimitações das disputas pela hegemonia da
memória, perpassando pelas abordagens tanto negacionistas como as que promovem o resgate
da mesma, principalmente a partir das produções historiográficas. Pretende-se observar como
os corpos dissentes foram censurados e violentados pelo regime ditatorial militar e as
estratégias de sobrevivência que utilizaram, evidenciando as lutas do Movimento LGBT+
desde os anos 60 até sua intensificação em 1978. Destaca-se, nesse sentido, as repressões sobre
a imprensa, sofridas pelo jornal Lampião da Esquina, e as truculentas abordagens policiais,
nominadas como Rondões, nos centos urbanos da cidade de São Paulo no período em estudo.
Além disso, tornou-se oportuno enfatizar como as novas mídias digitais endossam os discursos
revisionistas, promovendo outros resgates memorialísticos sobre ditadura, ofuscando os danos
causados e elevando apenas os prestígios militares. Assim, ao apontar para os cenários de
hostilidades em se viram os corpos dissidentes de gênero e sexualidade durante a ditadura, visa-
se contrapor os discursos que negam as ações do Estado, dificultando, assim, a disseminação
pública desses ideais negacionistas.
Palavras-chave: Ditadura; Memória; Negacionismo
256
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
O presente artigo almeja, dessa forma, notar a intensificação das disputas pelo
enquadramento da memória sobre a ditadura militar brasileira, destacando não apenas os
negacionismos em relação à violência do período, mas também a necessidade de se estimular
a produção de uma historiografia que atue no resgate dessa memória e que consiga dispô-la ao
acesso popular. Destaca-se aqui a memória das múltiplas violências e restrições, nas quais se
viram os corpos dissidentes em gênero e sexualidade durante o período.
A partir das discussões sobre memória coletiva (HALBWACHS, 1990), Pollak (1992)
refletiu sobre os enquadramentos da memória, os quais são tomados por disputas. Pensar sobre
os jogos e embates que entremeiam os enquadramentos da memória implica considerar não só
as formas pelas quais a memória nacional (e coletiva) se estabelece, mas também o seu
constante estado de iminente contestação. Deve-se destacar, que tal instabilidade não
necessariamente aponta para um aspecto negativo que atravessa as disputas por tais
enquadramentos. Pelo contrário, se hoje há uma procura por desconstruir as histórias
hegemônicas e eurocêntricas, tal possibilidade ocorre exatamente a partir de contestações.
257
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Desde então, identifica-se uma exacerbada disputa pela memória da ditadura militar,
especialmente a fim de ressignificar positivamente o período histórico do país. Por um lado,
observa-se em certos setores uma tentativa de atualização dessa memória da ditadura. Seriam
os chamados revisionistas, aqui entendidos como utilitários de uma “interpretação livre que
não nega necessariamente os fatos, mas que os instrumentaliza para justificar os combates
políticos do presente a fim de construir uma narrativa “alternativa” que, de algum modo,
legitima certas dominações e violências” (PEREIRA, 2015, p. 865). A narrativa, por exemplo,
focada na questão do comunismo é algo que permeia largamente a compreensão popular do
período (MOTTA, 2014) e é, assim, instrumentalizada por tais revisionistas, particularmente
utilizando a estratégia que Rüsen (2009) denomina de anonimização. Assim, ao se colocar as
ações dos militares, procura-se não mencionar as barbáries, como as torturas e as violências,
mas sim se fincar na necessidade da ação militar. Dessa forma, “ao invés de falar de
assassinatos e crimes, de sofrimento por uma falha ou culpa, menciona-se ‘período de trevas’,
‘destino’, uma ‘invasão de forças demoníacas’” (RÜSEN, 2009, p. 196).
258
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Neto (2019) demonstra que não apenas a memória e a história se tornaram consumos
de massa, mas esse crescimento “desse interesse possibilitou diversas formas de recepção do
passado pelos agentes sociais, assim como pôde gerar uma banalização do passado” (NETO,
2019, p. 85), movimento que ganha proporções de adesão e abrangência ainda maior com as
plataformas de divulgação e interação possibilitadas pela internet. Se antes as disputas sobre a
memória coletiva e/ou nacional se davam também no espaço público, mas sob as rédeas
institucionais, a História hoje perde a soberania sobre tais disputas. A plataforma de vídeos do
Google, o YouTube, tem sido nesse sentido um dos principais meios por onde essas discussões
ocorrem. Assim, observa-se um quadro extenso de usuários que se engajam na discussão sobre
o período da ditadura militar, em especial canais identificados com um discurso de extrema-
direita, majoritariamente compartilhando de um negacionismo da violência e tortura
empreendidas pelos militares e o enaltecimento da vida na época. Neto (2019) afirma que
259
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
das possíveis violências empreendidas pelos militares na época a partir da ideia de que
“geralmente se você estava levando borrachada, cacetada e tudo mais é porque você não estava
fazendo alguma coisa que presta, alguma coisa de errado você estava fazendo”3.
Tendo em vista tal colocação, pode-se imaginar, por exemplo, como que tais sujeitos
analisariam as investidas violentas contra LGBT+4 no Centro de São Paulo a partir dos famosos
Rondões encabeçados pelo delegado Richetti no começo dos anos 1980. Presume-se aqui que
tal violência seria justificada encontrando sua razão na suposta inadequação dos atos que os
indivíduos alvos poderiam estar “cometendo” nas ruas. É por isso que, retomar a memória
LGBT+ sobre o período ditatorial se faz profícuo não apenas a fim de combater os
negacionismos, mas também para ir ao encontro do que Neto (2019) sugeriu ao frisar a
necessária análise multifacetada sobre o período ditatorial militar no país. Deve-se ter em
mente também que, considerando a insistência dessa nova extrema direita brasileira em criticar
o movimento LGBT+ e os feminismos (MICHELS, 2017), tal empreendimento historiográfico
se faz ainda mais necessário.
260
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
estava em curso há anos no país. Dentre os autores que se debruçaram sobre tais redes
anteriores a ditadura, destaca-se Green (2019), o qual apontou para uma efervescente
manifestação social e cultural em torno de práticas homoeróticas na passagem do século XIX
para o XX e gradual intensificação no decorrer das décadas.
Nos anos 1960 a formação de redes de sociabilidade em torno das práticas homoeróticas
estava em plena expansão. Costa (2010), ao observar o período, delineia uma rede extensa de
sociabilidade homossexual no Rio de Janeiro, principalmente a partir dos relatos do jornal O
Snob (1963-164), o qual era um registro rico dos contatos e atividades traçadas entre os diversos
grupos homossexuais que se expandiam pela capital carioca. Costa (2010) chegou a
contabilizar nove grupos apenas com os relatos encontrados nos registros do jornal O Snob:
“Turma do Catete, Turma de Copacabana, Turma da Zona Norte, Turma do Leme, Turma OK,
Turma da Glória, Turma da Mafalda, Turma de Botafogo e o Grupo Snob” (COSTA, 2010, p.
31).
261
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Na edição cinco do jornal, ficou explícito que o Estado militar ditatorial não permitiria
facilmente a continuação do jornal. Os editores informaram aos leitores nessa edição sobre a
pressão que vinham recebendo desde agosto de 1978, a qual viria a se estender por 12 meses.
O jornal foi alvo de um inquérito policial e acusado de atentado à moral e aos bons costumes.
Entre as diversas investidas contra a publicação e os seus editores, destaca-se a submissão de
tais sujeitos à depoimentos e interrogatórios policiais. Para Rodriges (2014) a indagação direta
dos investigadores aos editores sobre se eles realmente eram homossexuais é indicativo da
dificuldade na época dessas instituições e também da sociedade em aceitar a defesa proposta
pelo Lampião sobre o “prazer como direito fundamental do ser humano” (RODRIGUES, 2014,
p. 107).
Foi somente em outubro de 1979 que o episódio de perseguição legal ao jornal teve o
seu fim com o Procurar da República da época, Sérgio Ribeiro da Costa, dando o parecer de
que o jornal até poderia ter ofendido “a moral de alguém, mas não de todos” (McRAE, 2018,
p. 234). Apesar do encerramento do caso, o episódio marca a explícita intervenção do governo
militar ao tentar repreender as organizações que se propunham a estabelecer algum tipo de ação
organizada em torno da homossexualidade no Brasil.
O Centro da cidade de São Paulo foi marcado, no começo dos anos 1980, por operações
policiais violentas, os chamados rondões ostensivamente empreendidos no período. Essas
investidas, as quais inicialmente parte da chamada Operação Limpeza e depois denominadas
como parte da Operação Rondão, coordenadas em especial pelo infame delegado Richetti,
262
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ocanha (2014) ainda chama a atenção para o contexto daquele momento em que a
homossexualidade havia rompido com os limites do silêncio que a subjugava há tanto tempo e
as rondas sob comando de Richetti “foram a principal forma de combater à homossexualidade
utilizada na cidade de São Paulo na fase de abertura da ditadura militar” (OCANHA, 2014, p.
154). Assim, não se pode observar as investidas policiais apenas como um fato isolado, mas
uma resposta institucional direta à maior presença pública dos corpos dissidentes em gênero
e/ou sexualidade. Além disso, o apoio de diversos setores da sociedade é impossível de ser
observado como iniciativa particular da sociedade paulistana, mas sim uma extensão da
invisibilização, repressão e marginalização da homossexualidade não iniciado na, mas
continuamente perpetuados pela ditadura.
Considerações finais
263
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
LGBTs apontam para implicações menos evidentes das medidas de repressão e censura, mas
que ainda impactaram ostensivamente a vida desses atores.
Notas
[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lDL59dkeTi0
[2]Disponível em: https://bityli.com/8fvhm
[3]Trecho da transcrição do vídeo analisado por Neto (2019, p. 94)
[4] É necessário sublinhar que na época de ditadura tais grupos não utilizavam o termo
LGBT+, mas sim homossexual.
Referências
COSTA, Rogério da Silva Martins. Sociabilidade Homoerótica Masculina no Rio de Janeiro
na Década de 1960: Relatos do Jornal O Snob. Monografia (Mestrado Profissional em Bens
Culturais e Projetos Sociais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil, Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2010.
264
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
265
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os entes federativos ficaram
com a responsabilidade de coordenar e construir seus respectivos referenciais curriculares. No
Amazonas, o Referencial Curricular Amazonense foi aprovado pelo Conselho de Estadual de
Educação por meio da Resolução N. 098/2019 CEE/AM, em 16/10/2019. Analisaremos aqui o
processo de sua elaboração, que envolveu um número considerável de atores sociais como
CONSED, UNDIME, Comissão de Implementação da Base Nacional Comum Curricular no
Amazonas e um número significativo de profissionais da SEDUC/SEMED, com a presença da
iniciativa privada, de todas as áreas do conhecimento, assim como colaboradores externos às
secretarias de educação. Do documento, destacamos algumas preocupações dos redatores ao
apresentarem a proposta de história: 1 - RCA: Marco legal e o Componente Curricular História
no Ensino Fundamental; 2 - Currículo e o Componente Curricular História no Ensino
Fundamental; 3 - O Componente Curricular História e seus procedimentos básicos no
Referencial Curricular Amazonense; 4 - O lugar do regional/local no Componente Curricular
História. Por fim, analisaremos a proposta curricular para o ensino Fundamental, anos finais e
as condições de sua implementação no Amazonas.
266
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
O processo que resultou na aprovação da terceira versão da BNCC no CNE, em
dezembro de 2017, não pode ser dissociado dos interesses autoritários cuja articulação
sistêmica resultou na destituição, via impeachment, do cargo de presidente da senhora Dilma
Rousseff, em 2016. Estamos falando de um golpe parlamentar já bastante debatido.
Dentre as inúmeras críticas a essa versão da BNCC, feitas por profissionais da educação
das mais diversas áreas do conhecimento, assim como por diferentes organizações científicas
do campo educacional, destaca-se a ausência do debate coletivo com a sociedade, assim como
o processo autoritário que desrespeitou ritos necessários à sua aprovação. (AGUIAR, 2018, p.
11).
Entre junho e agosto de 2016, em mais uma etapa de atividades para viabilizar mais
uma fase de trabalho da BNCC, com as contribuições oriundas de seminários, a União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de
Educação (CONSED) elaboraram um relatório à segunda versão da BNCC e o encaminharam
ao Comitê Gestor do MEC. O "Comitê Gestor foi o responsável pelas definições e diretrizes
que orientaram a revisão da 'segunda versãoˈ e que deu origem à ˈterceira versãoˈ, encaminhada
ao CNE, em abril de 2017" (AGUIAR, 2018, p. 12) com a exclusão do Ensino Médio.
267
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
No Amazonas, um dos Estados escolhido para sediar a primeira das cinco audiências
públicas, para minimizar as críticas sobre o caráter excludente da BNCC, contou com a
participação de especialistas e, do lado de fora da plenária, uma quantidade significativa de
professores denunciava o caráter restritivo da audiência.
O processo de construção pelos pares, realizado por meio das consultas públicas, foi
criticado por um número expressivo de professores, de todas as áreas do conhecimento, que
denunciaram uma vez mais o caráter autoritário do processo de aprovação da BNCC/RCA e
sua consequente implantação, alertando para os prejuízos inerentes ao processo educacional.
268
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
269
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
sob o argumento de que a qualidade da educação depende desse projeto. (LOPES, 2018, p. 26).
Essa ideia poderá ser vista uma vez que se encontra presente de modo claro no RCA.
A participação das instituições privadas de ensino, muitas internacionais, faz eco a uma
das fortes críticas atribuídas a BNCC, por alargar ainda mais a influência do ensino privado
como fonte de lucro no processo educacional. A presença das universidades públicas, também
destacada, faz-se presente como parte do processo de construção do RCA. As demais
instituições são a SEMED, professores da SEDUC-AM, Nilton Lins e professores da UFAM.
A redatora destaca leis e resoluções como a LDB/9394/96, as Leis 10639/2003 e 11645/ e a
Resolução CNE/CP n. 2 de 22/12/2017 BNCC. Os documentos legais citados servem para
respaldar o trabalho feito. Segundo a redatora,
A redatora resgata a "História uma Ciência Humana que tem como objeto de estudo o
homem e as relações sociais [...] construídas por este em sociedade através dos tempos" (RCA,
270
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
p.523, 2019) procurando recuperar a dimensão de que o processo histórico é forjado de forma
coletiva. Enfatiza ainda que o historiador, por meio de registros documentais variados, busca
conhecer aspectos da realidade de sociedades passadas resgatando uma discussão sobre os fatos
históricos como uma construção do historiador. Esses aspectos teórico-metodológicos
possibilitam ao professor trabalhar o ofício do historiador de forma crítica, contrapondo-se a
uma concepção de conhecimento cristalizado. (RCA, 2019, p. 523).
271
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Aqui podemos considerar que o documento RCA sinaliza para mais uma das inúmeras
críticas feitas a BNCC, que é o caráter de minimizar a inventividade, a criatividade do professor
junto aos alunos no complexo universo escolar limitando, e até mesmo minimizando, sua
autonomia para operar a seleção sobre o que ensinar. Se a intenção era facilitar a vida do
professor, por outro lado, a proposta sinaliza que a homogeneidade de conteúdos tão criticada
na BNCC acaba se tornando uma realidade. Se não foi essa a intenção dos redatores mesmo
assim acabam por confirmar as críticas feitas a BNCC.
272
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
273
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Os redatores exortam professores e alunos a "eles próprios devem assumir uma atitude
historiadora diante dos conteúdos propostos no âmbito do Ensino Fundamental." (RCA, 2019,
p. 526).
274
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
O RCA, ao atender as diretrizes da BNCC, pouco se distancia desta, mas fica marcante
as críticas até então feitas a ela. A BNCC acaba por efetivar propostas e dinâmicas curriculares
que facilitam a homogeneização/padronização, levando a um reducionismo curricular,
dialogando pouco com a complexidade da realidade nacional e regional.
Referências:
275
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Este trabalho tem como intuito abordar a escravidão indígena em Manaus na primeira metade
do século XIX, especificamente os anos de 1814 a 1834. Utilizamos para tal estudo 1845
registros de batismo do Livro 1, que fazem parte do acervo da Cúria Metropolitana de Manaus.
O estudo visa entender como os indígenas, presentes na sociedade manauara do XIX, estavam
inseridos na região, se estavam ou não em situação de precarização da liberdade, se buscavam
formas de conseguir se inserir neste mundo cristão ocidental sem sofrer as consequências de
serem vendidos ou trocados. Para tal, utilizamos os conceitos de rede de poder, para traçar onde
esses indivíduos que constam nos registros estavam inseridos dentro da sociedade manauara,
se tinham cargos importantes ou não; e o sistema de compadrio, serviu para vermos as alianças
na qual os indígenas tentavam fazer de forma consciente ou não, com o objetivo de
proporcionar boas oportunidades aos seus filhos através das relações verticais, onde os
indivíduos de menor condição social, buscavam indivíduos de condições sociais superiores
para serem padrinhos de seus filhos, podendo até ajudar a criança a crescer em uma sociedade
que a princípio a excluiria.
Introdução
276
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
1850!” (CUNHA, 1998, p. 146). Este estudo tenta colocar em questão esse tipo de escravidão
indígena presente na Manaus imperial.
277
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
precarização da liberdade estava presente na vida desses indígenas ditos livres. Além das obras
escritas por historiadores, também utilizei um antropólogo para analisar essa cultura
amazonense, Charles Wagley (1998), ele relata em sua obra, “Uma comunidade amazônica:
estudo do homem nos trópicos”, alguns costumes que predominaram até o século XX, o sistema
de compadrio, o cultivo do que Wagley chama de “produto da terra”, e a coleta das drogas do
sertão.
Entre os indígenas, há aqueles batizados sem constar etnia (tabela 1), ou por não
saberem, ou por optarem em não dizer no momento do batismo, ou o próprio vigário ocultou
essa informação. Entre os indígenas que têm suas etnias reveladas (ver tabela 2), nos mostra a
diversidade dos povos escravizados no Amazonas.
Tabela 1. Indígenas batizados com suas etnias ou não nos registros de batismo nos anos 1814-1834
278
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Quantidade %
Consta a etnia 235 30,12
Não consta a etnia 545 69,88
Total 780 100
Fonte: Livro 1 de registros de batismo da Cúria Metropolitana de Manaus. Acervo pessoal.
Tabela 2. Etnias indígenas encontrada nos registros de batismo nos anos 1814-1834
Etnias indígenas (1814-1819)
279
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Os indígenas nesse cenário criado pela Carta Régia de 1798, eram descidos de suas
aldeias por particulares que pretendiam usufruir de sua mão-de-obra. Depois do descimento
eram levados à Câmara para legalizar esses descimentos através dos Termos de Educação e
Instrução. Os indígenas então passavam por esse processo e eram obrigados a servir os
particulares por um tempo pré-estabelecido pelos Termos e não ganhavam nenhum salário
durante esse tempo, os particulares eram obrigados somente a batiza-los e educa-los. Quando
chegava o tempo máximo de trabalho, onde o indígena poderia ganhar salário pelo seu trabalho
e assim usufruir da liberdade, a situação poderia voltar-se contra ele; em alguns casos os
próprios particulares aumentavam esse tempo pré-estabelecido, e muitos indígenas não tinham
conhecimentos sobre seus direitos, pouco podiam fazer para impedir esse aumento. Então
mesmo os indígenas sendo livres pela Carta Régia de 1798, eles ainda estavam desamparados
perante uma sociedade escravagista, que usava da própria legislação para criar uma escravidão
dentro da liberdade. Usando o termo de Manuela Carneiro (1998, p.146), essa escravidão estava
“embuçada” na sociedade manauara.
Ora, a Manaus nas décadas de 20 e 30 do século XIX, segundo Sampaio, era uma
pequena vila pouco povoada, sendo a maioria de seus habitantes de origem indígena, e uma
minoria formada por pessoas brancas vivendo do cultivo de tabaco, café e cacau (SAMPAIO,
2014). E para trabalhar nesses cultivos, era necessário mão-de-obra, como os brancos
“consideravam o trabalho manual indigno” (WAGLEY, 1998, p. 59), então se voltaram para a
mão-de-obra barata para exercer tais atividades ditas vis, e eles encontraram no indígena essa
figura. Como coloca Wagley, esse “sistema de controle logo degenerou em uma espécie de
280
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
trabalho de peões e de dever de servidão. E persistiu na Amazônia a escravidão franca até fins
do século XIX, apesar das leis que dispunham em contrário”. (WAGLEY, 1998, p. 59).
Mesmo com a Carta Régia de 1798 dando poderes legais aos particulares para descerem
os indígenas, alguns particulares faziam isso de forma ilegal (SAMPAIO, 2012, p. 289),
deixando assim de lado os Termos de Educação e Instrução, utilizando essa mão-de-obra para
trabalhos forçados, não dando educação e jamais pagando a esses indígenas pelos seus
trabalhos.
Para a criança ser considerada legítima, os pais teriam de ser casados em uma
união reconhecida pela Igreja e que, portanto, preenchia os requisitos exigidos
pela legislação em vigor, no caso as Ordenações Filipinas. Em contrapartida,
as crianças naturais ou ilegítimas seriam frutos de vários tipos de uniões não
reconhecidas pela Igreja, esta porcentagem pode ser considerada uma taxa de
“legitimidade” no sentido estrito da expressão. Em alguns casos os pais
legítimos reconheceram e legitimaram esta filiação, concedendo a estes, todos
os direitos legais. (ANDRADE, 2006, p. 3).
281
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Tabela 3. Legitimidade dos batizados negros e indígenas em Manaus nos anos de 1814-1834.
Índios %
Legítimos 35 4,49
Naturais 107 13,72
Não Consta 638 81,79
Total 780 100
Fonte: Livro 1 de registros de batismo da Cúria Metropolitana de Manaus. Acervo pessoal.
A gente pobre acha que uma das maneiras de conseguir alguma vantagem
para os filhos é convidar um comerciante, uma autoridade do governo ou
alguém de prestígio e de boa situação econômica para padrinho de batismo
de seus filhos. Talvez, também, o compadre de melhor posição social e de
maior fortuna ajude e proteja o mais pobre. Nesses casos a iniciativa parte
sempre da família de classe mais baixa, que convida o indivíduo ou o casal
da classe mais alta para padrinhos. (WAGLEY, 1998, p. 167).
Ou mesmo proteger seus filhos de serem vendidos para outros, assim separando eles da
família, segundo Maw:
Quando hum branco julga precisar de Indios, seja para uso, ou para trocar por
fazendas (segunda a antiga ley, não se permittia a venda dos Indios, mas o
Cabo que tinha a superintendencia das pequenas embarcaçoens no Rio Negro,
disse-nos que podiamos ter comprado por dez mil reis hum rapaz [índio] para
nos servir (MAW, 1989, p. 187).
282
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Metcalf chama esse tipo de compadrio de “relação vertical”, onde o indivíduo buscava sempre
pessoas acima de sua condição social para serem padrinhos de seus filhos. (METCALF, 1990,
p. 205 apud FREITAS, 2019, p. 5).
Podemos inferir que as crianças batizadas com padrinhos inseridos nessas redes de
poder, estariam em uma melhor situação comparada as crianças batizadas com padrinhos da
mesma posição social ou não inseridos nestas redes de poder. Pois, “[...] Os padrinhos assumem
283
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
a responsabilidade pelo bem estar material e espiritual da criança. E estas devem respeito aos
padrinhos – ‘ainda mais do que a seus pais’”. (WAGLEY, 1998, p. 162).
Conclusão
Referências
ANDRADE, Vitória Fernanda Schettini de. Ilegitimidade e compadrio: o estudo dos
nascimentos de filhos de mães escravas, São Paulo do Muriaé, 1852-1888. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. a 167, p. 09-37, 2006.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. História dos Índios No Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 1998.
FREITAS, Dermeval Marins de. Família e compadrio escravo na Vila de Santo Antônio de Sá
(c.1750-c.1808). In: 30º Simpósio Nacional de História, 2019, Recife. Anais do 30° Simpósio
Nacional de História - História e o futuro da educação no Brasil. Recife: Associação
Nacional de História - ANPUH, 2019. v. 1.
MAW, Henrique Lister. Narrativa da passagem do Pacífico ao Atlântico, através dos Andes
nas províncias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Pará. Manaus,
Associação Comercial/Fundo Editorial, 1989.
SAMPAIO, Patrícia Melo; NASCIMENTO, Natália Albuquerque do. Etnia e legitimidade:
fontes eclesiásticas e história indígena na Amazônia. In: SAMPAIO, Patrícia Melo; ERTHAL,
Regina de Carvalho (org.). Rastros da Memória: história e trajetórias das populações
indígenas da Amazônia. – Manaus: EDUA, 2006.
284
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
285
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este trabalho tem por objetivo de compreender o Diário de Anne Frank como ferramenta para
o Ensino de História dos traumas coletivos e instrumento para fomentar políticas públicas
voltados para educação em Direitos Humanos. Dentro do grande campo de estudos sobre
ensino de História dos eventos traumáticos, discutiremos o papel dos institutos de salvaguarda
da memória, na Holanda e na Argentina, os quais estão estruturados para reflexões entre o
lembrar e esquecer, além do fomento de projetos educacionais, em aproximadamente 50 países
pelo mundo, direcionados às problemáticas contemporâneas locais, pautados na pedagogia da
memória, a qual dá suporte à relação entre passado e presente, sobretudo, no retorno de
acontecimentos considerados traumáticos e que permite o diálogo entre eventos limites, a
exemplo da Shoah. A ampla discussão sobre políticas de memória, fomentada por Andreas
Huyssen, foi o fio que conduziu o estudo, com finalidade de observar como estão dispostas as
representações do diário em diversos aspectos, desde a visão das casas com relação ao escrito
e a história da Segunda Guerra Mundial, até as devidas funções para o ensino do processo.
Introdução
286
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Segundo Karl Schurster, é um desafio ensinar sobre temas traumáticos que expuseram
seres humanos a condições sub-humanas, expondo-os a limites do corpo e da condição
psíquica. (SCHUSTER; TEIXEIRA DA SILVA, 2017, p. 24). Nosso objeto de estudo será o
Diário de Anne Frank como ferramenta que fomenta políticas de memória ao impulsionar
políticas voltadas para educação por intermédio dos institutos que levam seu nome, na Holanda
e na Argentina.
O nosso objetivo foi analisar e problematizar a forma como está disposta a memória de
Anne Frank nos institutos homônimos, além de perceber como esses espaços se transformaram
em lugares políticos, de alcance internacional para a comunidade judaica, transcendendo o
papel de salvaguardar a memória da jovem alemã. Sob a luz teórica da história do tempo
presente, a qual abre um campo já consolidado sobre os debates acerca dos estudos sobre
genocídios, e políticas de memória, observamos desde a perspectiva da destruição massiva de
um grupo, como um crime irreparável para memórias coletivas que necessitam ser revisitados.
A banalização da violência é um fenômeno que não é novo, mas que vem ganhando
notoriedade e naturalidade. Umberto Eco nos alertou em 1995 durante conferência na
Universidade de Columbia, dizendo naquele momento, que a humanidade passaria por políticas
conservadoras e de características fascistas, atribuindo o nome de “Fascismo Eterno” ao
acontecimento. (ECCO, 1995, p. 18) Para o intelectual, são as características do antigo
fascismo italiano disseminadas em partes muito menores na sociedade contemporânea.
287
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O “Anexo”, como é chamada a Casa de Anne Frank serviu de esconderijo para a família
Frank e amigos por 2 anos durante a Segunda Guerra Mundial, diante do contexto de
perseguição aos judeus na Alemanha, prática política do partido Nazista. Só em 1957, iniciaram
movimentações para transformar o local em um espaço de preservação da memória. No pós-
guerra, desde 1950, o imóvel passou por um complexo processo de compra e venda por desuso.
A fábrica têxtil Berghaus tinha interesse de compra no quarteirão inteiro da rua Prinsengracht
para um novo empreendimento do ramo, contra a vontade de Otto Frank. Vemos na imagem o
quarteirão que cerca a casa. Na época, era um complexo de empresas, mais precisamente
fábricas do ramo têxtil ou de galpões para armazenamento de materiais. Com a ajuda de um
Comitê de moradores da região, o senhor Frank conseguiu evitar a demolição do espaço.
288
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Existe uma base organizacional da casa de Anne Frank. A base é composta por Projetos
Educacionais, Publicações e exposições fixas e itinerantes. A coordenação executiva do local
está sob responsabilidade de Ronald Lopold17 desde 2011 e administrativa sob
responsabilidade de Grance Reus-Deeider18. Os trabalhos são divididos em quatro frentes
importantes: Projetos educacionais, Publicações, Coleções (materiais didáticos) e o museu.
Cada frente tem sua importância e responsabilidade diante da execução. São forças executivas
do projeto maior sobre memória.
17 Diretor executivo da casa desde 2011. Nasceu na Hungria, mas estudou a carreira acadêmica na Alemanha.
Mora na Holanda desde os anos 1990. ANNE FRANK HAUS. The Executive Board. Disponível em:
https://www.annefrank.org/en/about-us/who-we-are/executive-board/ Acesso em: 09 de Jan. de 2019.
18 Diretora financeira da Casa desde 2012. Estudou na Universidade do Alabama, trabalhou na equipe de
marketing da Unilever. ANNE FRANK HAUS. The Executive Board. Disponível em:
https://www.annefrank.org/en/about-us/who-we-are/executive-board/ Acesso em: 09 de Jan. de 2019.
289
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
estruturação do fenômeno recordativo de Pollack (POLLACK, 1989). Por sua vez, o historiador
pertencente à Escola dos Annales, Jaques Le Goff, possibilita e insere no campo da história e
constructo de identidades a relação história e memória, afirmando que nós, cientistas sociais,
“devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para libertação e não para servidão
dos homens”. (LE GOFF, 1990, p. 477). O exemplo de tal afirmativa são as formas como o
Diário aparece representado na sociedade. Série de TV, animação, História em quadrinho, etc.
São visões diferentes do mundo construído por Anne Frank, que buscam aproximação com o
público, a tentar legitimar aquela história.
La Casa de Ana Frank: Entre a memória o trauma de um passado que não passa
Aberta 12 de junho de 2009, no dia em que Anne Frank completaria 80 anos, La Casa
de Ana Frank, na Argentina, tornou-se um dos espaços autorizados pela instituição central da
Holanda. Situada na Rua Superí, nº 2647, na grande Buenos Aires, foi aberta ao público com
o objetivo não só de salvaguarda da memória da jovem judia, mas também oferecer voz às
testemunhas das barbaridades cometidas no terrorismo de Estado durante o processo ditatorial
no país dos anos 1970 e 1980. Com o objetivo educativo voltado para os direitos humanos, o
funcionamento do museu seria para demonstrar o contexto no qual está inserido o diário, as
reflexões sobre o testemunho e o passado traumático do país.
Não atuando apenas com o espaço físico, a casa argentina também oferece um sítio
eletrônico para os interessados no assunto. O endereço disponibiliza entrevistas de integrantes
do instituto, além do espaço virtual, onde existem cursos e informações do funcionamento
diário do museu. A filosofia de funcionamento do lugar é de ensinar aos jovens que existem
micro fascismos que influenciam na macro política ou no comportamento social massivo na
sociedade, mesmo que ressignificados e direcionados a outros atores sociais, ainda hoje na
sociedade humilham-se, isolam-se e violentam-se pessoas.
Os Direitos humanos são fulcrais como via para a cultura de paz, o qual é visto para os
membros da casa como estilo de vida. A utilização da pedagogia da memória (KOVACIC,
290
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
2017), vista pelo instituto como método capaz de instigar e levar à reflexão é um dos modelos
de trabalhar o campo dos Direitos Humanos com objetivo e sustentabilidade teórica.
Os materiais são manuais utilizados por professores para disseminação da ideia de que
é necessário falar do Holocausto, especialmente, de temas traumáticos para os jovens. São
professores e estudantes que têm a possibilidade, de continuar com os debates sobre as
memórias do trauma. É neste sentido que trabalhamos para identificar as intencionalidades do
material disposto.
Os livros seguem uma lógica conceitual, como materiais de museu e didático, a partir
de duas categorias que conseguem funcionar dentro dos discursos. Integrante de um espaço de
19 Utilizamos Ana Frank neste capítulo, porque na assim se diz e se pronuncia na Argentina.
291
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
O resultado gerado foi uma análise sistemática dos Institutos Casa de Ana Frank, na
Holanda e na Argentina, que têm por finalidade ensinar a história do holocausto através do
diário, mas conectando a categoria de evento traumático e demandas internacionais
relacionadas aos Direitos Humanos.
292
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesse sentido, esses debates promovem um esforço coletivo para criar condições e
propostas de uma cultura de paz, constituindo-se em uma demanda internacional que se tornou
necessária a ampla discussão para implementação de políticas de Estado. Prevenir a violência
ou a banalização dela em sala de aula é um desafio para o tempo presente. Tornar os estudantes
responsáveis e conscientes dos atos que cometem, de microfascismos e não aceitação do outro
é uma urgência. Os materiais são elaborados para disseminar essa discussão sobre a
convivência nas escolas e salas de aula.
Referências
293
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
SALLES, André Mendes. O livro Didático como objeto e fonte de pesquisa histórica e
educacional. Revista Semina. Vol. 10. 2 sem, 2011.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva, trauma e cultura: um debate. Revista
USP. São Paulo. N. 98. Pp 51-68, 2013.
SCHURSTER, Karl. O fenômeno Nazi e o impacto na historiografia do tempo presente. Rio
de Janeiro: Autografia, 2016.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos; SCHURSTER, Karl (Orgs.). Ensino de História,
regimes autoritários e traumas coletivos. Rio de Janeiro; Porto Alegre: Autografia: EDUPE;
EDIPUCRS, 2017
294
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
JANAÍNA ARTIAGO
Universidade Federal do Amazonas, Mestranda
janaina.kamila.roberto@gmail.com
Resumo
A partir da década de 1970, poucos estudos no Brasil abordaram os trabalhos domésticos e suas
implicações. O trabalho doméstico e as problemáticas que ele envolve no Brasil não são
recentes. Saffioti assinala que com o fim da escravidão surgiu o assalariamento por serviços
domésticos, embora muitas moças exercessem este trabalho em troca de comida e casa, as
chamadas “crias da casa”. A autora salienta que o trabalho doméstico sofreu fragmentação no
que diz respeito a sua regularização e que o primeiro regulamento sobre os serviços domésticos
se deu no estado do Rio de Janeiro, em 30 de julho de 1923. Esta regulamentação identificou
os prestadores de serviços domésticos, copeiros, cozinheiros, passadeira, engomadeira, amas
de leite e secas, damas de companhia, costureiras. No que diz respeito a esta regulamentação,
na prática, trouxe pouco ou nenhum benefício ao trabalhador doméstico.
Introdução
295
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
chamadas “crias de família”. Questionamos-nos acerca dos modos como as relações foram se
constituindo entre as famílias e essas jovens suas condições de vida e trabalho nesse processo
de migração do interior e ajuste na capital.
Manaus de 1970
Entretanto, o PIN teve como uma de suas principais consequências o impacto ambiental
resultado dos projetos agropecuários. Um desmatamento histórico foi ocasionado graças ao
incentivo do desmatamento para a criação de campos de culturas e pastagens. Acerca do
impacto social, especialmente pelo incentivo da ocupação da Amazônia, os resultados são
catastróficos: mais de 60% da população abaixo da linha de pobreza, taxa de analfabetismo
sendo menor apenas que a da região Nordeste, com 24%. (VIANA, 2001).
296
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Mais especificamente em Manaus, o projeto Zona Franca teve origem no começo dos
governos militares em 1964 e desabrocha em 1967 por meio do decreto-lei 288/67. Sendo essa
lei revogada, ao final do governo Castello Branco, pelo decreto-lei 288/67, como consequência
de um pacto tripartite existente entre a prefeitura de Manaus, o governo do Amazonas e o
governo federal.
O governo federal, sob domínio militar, fez um lançamento de um plano que tinha por
objetivo integrar a região amazônica as outras regiões do país, também seu desenvolvimento
regional. Esse plano foi denominado como “Operação Amazônica” (SILVA, 2012).
297
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
da população; diminuindo quase pela metade no período entre 1980 e 1991, crescendo 60%;
tendo um maior declínio entre 1991 e 2000, crescendo 39%.
Com a consolidação da Zona Franca, Manaus nos anos de 1970 passou por
modificações significativas. Com o advento de grandes multinacionais pessoas de várias
regiões, tanto do estado quanto de outras regiões do país foram atraídas. Como resultado disso,
o crescimento que a cidade apresentou nesse período foi um número significativo, quando se
compara décadas anteriores. Na década, anualmente o crescimento estava em 2,3%, um número
menor do que a média de Amazonas e do Brasil. Na década de 1960, anualmente o crescimento
foi de 5,9%, alargando para 7,4%; e, na década de 1970, houve superação superior do ritmo de
crescimento do país, e até do valor total apresentado pelo estado do Amazonas. (NAZARETH;
BRASIL; TEIXEIRA, 2011).
Acerca da composição populacional, Manaus é uma cidade que tem uma grande
proporção de pessoas em idades jovens. Especialmente em 1970 e 1980, uma parte significativa
da população (44% e 43%, respectivamente) se concentravam em uma faixa de 0 a 14 anos,
sendo assim, a maior porção da população tinha sua composição dada por crianças e
adolescentes.
Percebe-se, entre os migrantes, nas décadas de 1980 e 1991 uma presença maior
masculina: 108 homens para cada 100 mulheres em 1980, resultando em um número de homens
de 2.353 a mais do que as mulheres. Nas décadas de 1970 e 2000, entretanto, existe a presença
superior feminina quando comparada a masculina: respectivamente, 98 anos homens para cada
100 mulheres e 99 homens para 100 mulheres. De acordo com Moura, “Uma das características
do processo migratório, qual seja a saída proporcionalmente maior de mulheres do meio rural
para o meio urbano, explicaria os diferenciais encontrados quanto às respectivas razões de
sexo”. (MOURA, 2000. p. 4).
298
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ao falar acerca da vida que tinha na casa da tia em Manaus, Maria relatou que:
trabalhava com ela, morava com ela, ela não me pagava um salário, mas ela
me dava roupa, me tratava bem minha tia, nessa época ela trabalhava no
distrito e eu ficava em casa com a filha dela que ela tinha, cuidava dela fazia
comida pra ela e pra mim e ajudava minha tia em casa e com isso ela também
me ajudava com calçado com roupas e assim nós vivia, só que chegou um
tempo que ela saiu do distrito aí ela não tinha mais condições de me ajudar,
aí ela procurou uma outra casa pra mim morar que eu pudesse trabalhar e ter
meu sustento.
299
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Quando Alaíde Alcantarino Teófilo relata a trajetória que a levou até a cidade de
Manaus, mostra os aspectos que foram determinantes para a busca de uma melhor qualidade
de vida:
eu tive uma infância né, não tive nem infância, nem adolescência nem
juventude nem nada já me colocaram, a gente morava no interior perdi minha
mãe cedo, aí minha faleceu tanto que nem foto eu fiquei da minha mãe meu
pai abandonou a gente e nós éramos 4 e fomos ficar com os meus avós
maternos que eram muito pobres também analfabetos todos dois e a gente
morava no interior e a muito difícil alagava era várzea e nós passamos lá
assim, desde criança já comecei muito cedo a trabalhar desde criança acho
que quando eu aprendi a engatinhar me deram uma bacia de louça pra lavar,
eu lavava louça, lavava roupa tratava peixe, carregava melancia fazia todo
trabalho né, carregava água e a gente não tinha fogão a gás, não tinha nada
era pobre acho que nem pobre era miserável mesmo a gente morava na Linda
Nova né, quando minha mãe faleceu a gente morava na Ilha do Araiá só que
é vizinho depois quando meu pai abandonou a gente, a gente foi morar com
a minha vó com os meus avós por parte de mãe que eram muito pobre também
e lutava com muito sacrifício a gente não tinha uma sandália pra calça, não
tinha um lençol, a gente dormia no chão porque não tinha rede né, eu lembro
que a gente dormia em cima de um saco de estopa forrava o chão com aquele
saco de estopa e a gente dormia em cima daquele saco de estopa porque a
gente não tinha lençol e não tinha rede, a minha primeira rede eu comprei
quando passava aqueles regatão que chamavam né os pessoal que vendiam
passavam uma vez por mês lá pra vender aquelas coisas aí eu cortei juta ajudei
meu avô cortava juta, pra comprar uma rede pequena pra mim porque eu
dormia no chão e tinha muita, muita, muita carapanã ,antes assim das cinco
horas cinco e meia se a gente abrisse a boca engolia um monte de carapanã
,cozinhava na lenha e era muito sofrida nossa vida e meu avô veio pra Manaus
vendeu lá o terreno e veio pra Manaus em busca de uma vida melhor, porque
eles também já tava de idade e aí a gente sempre que o melhor pra gente nós
fomos morar ali no Parque 10 na época não tinha Alvorada.
.
É possível identificar vários aspectos que foram responsáveis pela iniciação no trabalho
dessas meninas, entretanto, todos partem do mesmo princípio, a fuga de uma vida que não
300
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Bom o que me levou a trabalhar em casa de família foi porque nós éramos
muitos irmãos, e assim como eu me criei com padrasto, houve uma época que
não tinha emprego, naquela época era mais difícil ,só trabalhava em roça, em
safra, terminava de um lugar ia pra outro de um interior pro outro até que a
gente veio pra Coari, ai em Coari era mais desenvolvido, e tinha aquelas
famílias que precisavam de uma pessoa assim pra reparar uma criança de
babá, como eu já era acostumada a cuidar dos meus irmão mermo né, aí eu
comecei a ir pra casa de família assim que tem seu grande berço no distrito
industrial, que se instala nos arredores da cidade. E enquanto isso o D.I, é
loteado para receber suas primeiras unidades fabris, cuida-se também do
centro agropecuário previsto no diploma legal que hoje completa três anos.
Primeiro resultando da instituição da zona franca, o desenvolvimento do
comércio, abriu milhares de novos empregos, com as centenas de
estabelecimentos que passaram a operar, vendendo gêneros alimentícios,
fazenda e artigos eletrodomésticos a preços baixíssimos. (apud RIBEIRO,
2015).
Seus relatos foram silenciados por não terem espaço no discurso público; as vozes
femininas foram confinadas à esfera privada”.
301
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
filhas dela, se a mamãe deixava ai mamãe pegou deixou ai eu vir morar não
conhecia nada né.
Acerca dessa prática do trabalho doméstico como uma derivação do trabalho escravo,
Freire estabeleceu que o brasileiro quando não no corpo, traz na alma, a marca do indígena e
do negro, o que se apresenta também nos trejeitos do cotidiano, na música, na religiosidade, na
fala e no andar, mostrando que esses traços, especialmente da cultura negra, foram
concretizados desde as amas-de-leite até os seus filhos, que foram os primeiros companheiros
de brincadeiras dos filhos dos senhores, dados que tem raízes desde as origens do Brasil:
Da escrava ou sinhá que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu
de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha
que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da
mulata que nos tirou o primeiro bicho-do-pé de uma coceira tão boa. [...] Do
moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (FREIRE,
2002. p. 396)
Conclusão
Referências
302
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
303
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
304
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt (2001, p. 77) enfatiza que Parintins fez parte dos
territórios onde a escravização de africanos e indígenas ocorreu, sendo que o autor afirma que
a escravatura é o legado que a metrópole portuguesa estabelecera no território brasileiro.
Tonzinho Saunier (2003), com base na pesquisa de Bittencourt e outros autores, destaca em
seu livro informações sobre quantitativos de negros escravizados no território de
Tupinambarana (como é conhecida Parintins desde o século XIX). Para Bittencourt (2001) e
Saunier (2003), os primeiros negros introduzidos no território parintinense chegaram com o
capitão de milícias José Pedro Cordovil, em 1796. Posteriormente, o quantitativo de negros se
resumia a 77 em situação de escravidão no ano de 1848; em 1856, somavam 180, e subiram
para 192 em 1859, e 263 escravizados em 1861. (SAUNIER, 2003).
305
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
no quantitativo em 1877, com 117 negros registrados. Já em 1881, o número era de 134 negros,
sendo que “em 1884, a Província do Amazonas aboliu a escravatura. Nesse ano, Parintins
possuía 132 escravos. Desse total, o Cel. José Furtado Belém libertou 30, e o Cel. Antônio
Guerreiro Antony, viajou de Manaus a Parintins, libertando o restante, 102 escravos”
(SAUNIER, 2003, p. 55).
306
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Cotias, Aduacá, Xixiá, Sapucaia, Cranari, Costa do Jacaré, Caldeirão, Bom Jardim, Nhamundá,
Paquiri, Paratucá, Barão, Jatuarana, Mutungu, Espírito Santo e Cabori (SAUNIER, 2003).
Souza (1988) também considera que os mocambos eram grandes atrativos para escravos
e que existiam mais de 2.000 escravos fugidos vivendo nos mocambos do Trombetas, em
Óbidos, e de Curuá, em Alenquer. Nesses redutos, eles cultivavam a mandioca e o tabaco de
alta qualidade; colhiam castanha, salsaparrilha, entre outros produtos que esporadicamente
comercializavam com os regatões às escondidas no porto de Óbidos, aonde chegavam de
canoas à noite. Muitos consideravam os mocambos como algo maléfico para o bem comum,
conforme pondera Souza “E, pois, além da grande falta de braços com que lutam os agricultores
do Amazonas, em consequência da avulta da emigração que afluem para os seringais, tem ainda
de lutar com a praga dos mocambos, que são com uma viva e permanente ameaça!” (SOUZA,
1988, p. 96).
Ygor Olinto Cavalcante (2013, p. 25) apresenta registros de fugitivos que transitaram
pelo Amazonas como, por exemplo, um anúncio de fuga publicado no jornal O Grão-Pará,
n.30, p. 04, de 03/01/1852. A nota trata sobre o negro Felipe, de 22 anos, dá detalhes como os
dentes partidos e marcas de surra do então fugitivo. Explica também que o mesmo possuía
conhecimento sobre os rios, igarapés e furos por onde passava, pois, “em 1847, já havia fugido
em direção a Comarca do Amazonas. Guardava na memória os tempos de resistência e
307
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
liberdade vividos “ainda rapaz, sem barba, em Vila Nova da Rainha”, tocando sua guitarra”
(CAVALCANTE, 2013).
Com relação à área distrital citada pelo jornal, há indícios de que em sua região houve
espaços de fuga, e as pesquisas evidenciam ainda mais isto. Cavalcante (2013) considera que
cidades do interior do Amazonas, como Parintins tiveram seus campos de resistência negra. O
autor afirma a existência no território parintinense do “quarteirão do mocambo”, pois, sua
própria urbanidade estava atravessada pela resistência dos escravos, pela cultura dos fugitivos.
(CAVALCANTE, 2013, 140).
308
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
309
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fruto de seu relacionamento com um homem chamado Marcelo, Alexandrina foi mãe
de Lindolfo Marinho da Silva, conhecido posteriormente como “Lindolfo Monteverde, o
criador do Boi Garantido”, nascido em 02 de janeiro de 1902.
O boi Garantido também tem como uma de suas tradições a homenagem a São
Benedito, assim como a São José Operário, o santo dos trabalhadores. A devoção ao santo
negro é considerada uma das mais antigas na Ilha Tupinambarana e há autores que afirmam
que a primeira igreja edificada em Parintins foi em homenagem a São Benedito.
Mas, deve-se considerar que os personagens negros Pai Francisco, Mãe Catirina e
Gazumbá ainda são apresentados como personagens caricatos na celebração folclórica dos
310
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
311
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
Referências
312
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
CAVALCANTE, Ygor Olinto Rocha. Uma viva e permanente ameaça: resistência, rebeldia
e fugas de escravos no Amazonas Provincial. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2013. 162 f.
GOMES, Flávio dos Santos. “No labirinto dos rios, furos e igarapés”: camponeses negros,
memória e pós-emancipação na Amazônia, c. XIX-XX. História Unisinos, set./dez. 2006.
Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/6182. Acesso em 27
de maio de 2016.
GOMES, Jéssica Dayse Matos. Mocambos na Amazônia: História e identidade étnico-racial
do Arari, Parintins/Amazonas. Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia) -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2017. 151 f.
MONTEVERDE, Dé; MONTEVERDE, João Batista. Boi Garantido de Lindolfo. Manaus:
Edições Governo do Estado do Amazonas; Secretaria de Estado da Cultura; Editora da
Universidade Federal do Amazonas e Universidade do Estado do Amazonas, 2003.
PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. De mocambeiro a cabano: Notas sobre a presença negra
na Amazônia na primeira metade do século XIX. Terra das Águas: Revista de Estudos
Amazônicos, v. 1, n. 1, p. 148-172, 1999.
REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Formação Espiritual da Amazônia. In: Revista Cultura, ano
I, n. I, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, p. 97-118, 1948.
SAUNIER, Tonzinho, Parintins: Memórias dos acontecimentos Históricos. Manaus: Editora
Valer / Governo do Estado do Amazonas, 2003.
SOUZA, Francisco Bernardino de. Lembranças e curiosidades do Vale do Amazonas.
Manaus: Associação Comercial do Amazonas/Fundo Editorial, 1988, p.181.
VALENTIN, Andréas. Contrários: a celebração da rivalidade dos Bois-Bumbás de Parintins.
Manaus: Valer, 2005.
313
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
314
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
No dia-a-dia da sala de aula, os Professores/Pesquisadores/Historiadores se deparam
com uma miríade de situações que o instigam a problematizar e refletir acerca das
possibilidades para se construir o conhecimento histórico, a partir das múltiplas realidades
locais que lhes são apresentadas à luz das experiências dos seus alunos e alunas. Os fatos
narrados, as memórias, os monumentos públicos, as festas, o modo de falar, as formas de ver
e viver no mundo estão impregnados de vestígios do passado que, transformados em fontes,
podem servir para a construção do Saber Histórico (NASCIMENTO, 2017).
Se, por um lado, o cotidiano escolar nos coloca em contato direto com a realidade local,
por outro as iniciativas da chamada educação científica acabam por oportunizar a
operacionalização de ações e projetos capazes de levar professores e alunos a produzirem
conhecimentos significativos a partir de tais realidades. Entendida como parte fundamental da
formação discente, a educação científica tem a capacidade de introduzir no cotidiano das
escolas de educação básica o pensamento lógico, o treinamento para a resolução de problemas
práticos e o acúmulo da cultura científica vigente (ZANCAN, 2000). Além disso, essa
educação, se tomada como norteadora dos processos de ensino e aprendizagem, é capaz de
despertar a capacidade de questionamentos, auto-organização e abordagens críticas do
conhecimento. Trata-se, portanto, de um movimento que tem buscado introduzir nas escolas
de educação básica o métier científico, abordando as mais variadas áreas do conhecimento,
incluindo aí a História e as demais Ciências Humanas.
Temos assistido, nos últimos anos, a uma crescente onda de iniciativas que tem como
objetivo principal incentivar a pesquisa do Saber Histórico no ensino básico, num movimento
crescente de ampliação das perspectivas da produção de conhecimentos por todos os sujeitos
envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Nas escolas de ensino fundamental,
médio, técnico e tecnológico, cada vez mais alunos e professores têm integrado programas que
integram ações de pesquisa e extensão, atreladas ao Ensino de História e de outras áreas do
conhecimento. É disto, pois, que trata o presente trabalho, quando se propõe a apresentar os
resultados parciais obtidos em função da execução de projeto de pesquisa realizado através do
PIBIC Jr, no IFAM/Campus Eirunepé.
315
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O PIBIC Jr no IFAM
316
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O projeto PIBIC Jr
Com o objetivo principal de realizar estudo historiográfico acerca da passagem do
Beato Irmão José da Cruz por Eirunepé – AM, em 1970, com vistas em compreender: a) a
atuação do beato junto aos fiéis; (b) os elementos componentes de sua santidade; e c) as
principais características da religiosidade popular eirunepeense manifestada em relação ao
beato, submetemos ao edital 02/2019/DPI/PPGI/IFAM/IC o projeto intitulado “Um Santo na
Floresta: histórias do Irmão José da Cruz em Eirunepé – AM”.
A historiografia brasileira tem se renovado continuamente, ampliando tanto os seus
objetos quanto as suas abordagens. Dos inúmeros objetos abordados, há de se considerar a
atenção que esta historiografia tem dado aos movimentos messiânicos de Canudos e de
Contestado, percebidos tanto em termos culturais quanto sociais e econômicos. Ocorridos
respectivamente no final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, Canudos e
Contestados são os mais conhecidos, mas não são os únicos movimentos messiânicos que
tiveram à sua frente personagens carismáticas, diga-se Antônio Conselheiro e os monges José
e João Maria (NEGRÃO, 2001).
A devoção aos santos é uma das marcas do Catolicismo, desde os seus primórdios.
Santo é aquele que possui características divinas, sendo que o termo se relaciona com aquilo
que é “separado”, “segregado” do profano, ou seja, daquilo que não é santo (JURKEVICS,
2004, p. 107). Os santos são, portanto, aqueles que possuem qualidades superiores, que os
afastam do homem comum. Os eremitas são um tipo específico de santo, correspondendo à
característica do asceta – aquele que renuncia aos confortos da vida mundana, dedicando-se à
sua missão (Idem, p. 109). Ao analisarmos a história do ideal católico de santidade, assistimos
– a partir das ações de Alexandre III, no século XII – à monopolização da autoridade de
declaração da santidade de alguém pela Santa Sé. Até então, qualquer bispo poderia declarar
alguém santo. A capacidade do povo de “criar santos” foi, portanto, retirada dele, na medida
em que a Igreja Católica – no contexto da Contrarreforma – pretendia combater aquilo que
considerava idolatria, justamente em razão dos protestantes acusarem os católicos dessa
prática. Neste contexto, surgiram os “institutos de purificação”, com vistas a promover uma
religião espiritual e livre de idolatria. (Idem, p. 117).
317
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
318
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Cruz? Por que muitas pessoas – mesmo os mais jovens – são tão fascinados com as memórias
daquele beato? Quais seriam os elementos constituintes desta crença?
319
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
outrem, o que nos leva à validação do depoimento de terceiros sobre acontecimentos da vida
de outrem. No caso específico deste projeto, somos postos diante de várias memórias, sejam
aquelas das pessoas que conviveram com José da Cruz e que se constituem em momentos
vividos pessoalmente, sejam aquelas memórias de pessoas que “ouviram falar” – através de
seus pais e/ou avós – do Irmão José da Cruz.
As memórias estão intimamente ligadas à metodologia da História Oral. A História
Oral, por sua vez, consiste numa “metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o
estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do
gravador a fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que
participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente”
(ALBERTI, 2011, p. 155). Tendo percorrido um longo caminho ao longo do século XX, a
História Oral figura, atualmente, como uma importante metodologia para o conhecimento
historiográfico. De acordo com a autora supracitada, uma pesquisa que emprega a metodologia
da História Oral consiste basicamente em (1) preparar a entrevista, (2) contatar o/a
entrevistado/a, (3) gravar o depoimento, (4) transcrevê-lo, (5) revisá-lo e (6) analisá-lo (Idem,
p. 165) enquanto vestígio do passado. A História Oral, assim como outros documentos, oferece
ao pesquisador a possibilidade de acesso ao passado através da memória dos entrevistados,
podendo constituir-se como uma fonte primeira – e em alguns casos, fonte única – para o
conhecimento do passado.
No caso específico deste projeto, as memórias constituem a principal fonte histórica, na
medida em que revelam ser um dos mais significativos vestígios da passagem do Irmão José
da Cruz por Eirunepé – AM, quando ouvimos detalhes importantes da personalidade do beato,
suas pregações e o seu comportamento. Para tanto, fizemos um levantamento prévio de seis
pessoas que conheceram e conviveram com José da Cruz e, ainda hoje, guardam as lembranças
daquele tempo. São, pois, estas pessoas os principais portadores das Memórias do Irmão José
da Cruz.
O conjunto de entrevistas deu-se com seis pessoas – três homens e três mulheres – com
idades entre 61 e 90 anos. Desse grupo, apenas uma das entrevistadas não conheceu
pessoalmente o Irmão José da Cruz, enquanto os demais tiveram um contato pessoal com ele.
O primeiro entrevistado nos deu poucas informações, numa curta entrevista de cerca de 2
320
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
minutos. Esse entrevistado afirmou ter entre 9 e 12 anos quando da chegada de José da Cruz e,
ao contar 66 anos à época da entrevista, nos levou a concluir que a passagem do beato por
Eirunepé ocorrera havia mais de 50 anos.
A segunda entrevistada foi uma senhora de 61 anos. Na época, tinha entre 10 e 13 anos,
tendo assistido às pregações e milagres. Essa entrevistada foi a que nos deu o maior número de
informações, numa entrevista que durou cerca de 25 minutos. Interessante notar que muitas das
memórias dessa entrevistada são oriundas do contato com a já falecida mãe, que teria tido uma
experiência mais significativa com José da Cruz, do ponto de vista da espiritualidade, tanto em
razão de sua visita quanto nos anos que se seguiram, através das preces e milagres atribuídos.
O terceiro entrevistado foi um senhor de 69 anos. Numa entrevista que durou cerca de
15 minutos, obtivemos desse entrevistado informações não apenas relativas às práticas
religiosas ou aos dogmas e crenças do beato, mas também informações pessoais e de natureza
mais prática, como aquelas relacionadas à confecção da cruz para o “Santo Cruzeiro”. Também
um quarto entrevistado, numa curta entrevista de 5 minutos, confirmou as informações do
entrevistado anterior. Há de se considerar que esses dois entrevistados terem nos informado
que estiveram com o Irmão José da Cruz em momentos mais íntimos do cotidiano, durante os
mais de 20 dias em que esteve na cidade. Isso teria permitido uma aproximação mais pessoal,
o que lhes renderia informações pessoais do beato.
A quinta entrevistada – uma senhora de 90 anos – nos revelou importantes detalhes da
prática de fé e da mística que envolve José da Cruz e os seus seguidores. Durante a mais longa
de todas as entrevistas (cerca de 36 minutos), fomos informados dos milagres realizados, das
maldições lançadas e do paradeiro do beato. Também a sexta e última entrevistada nos deu um
depoimento semelhante, o que pode nos ajudar a compreender algumas das motivações das
crenças e valores do Beato, bem como a recepção das mesmas pelos fiéis eirunepeenses.
Com esses resultados – obtidos a partir da metodologia da História Oral e com base nos
estudos da Memória – é possível “cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto
e contexto, estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências e produzir um trabalho
de História” (BACELLAR, 2011, p. 71) sobre a passagem do Irmão José da Cruz por Eirunepé
– AM, na década de 1970, bem como as memórias das pessoas que estiveram – direta ou
indiretamente – com aquele “Santo” da Floresta.
321
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
A religiosidade popular é um fenômeno dos mais interessantes para se analisar, quando
se busca compreender a construção histórica de algumas das cidades do interior da Amazônia.
Chama a nossa atenção a persistência de determinadas memórias acerca de práticas e
fenômenos religiosos que desafiam o real e animam a espiritualidade e a vida de determinados
grupos. Nesse contexto, as memórias são a principal, quando não a única, fonte disponível. Daí
a importância de se buscar e analisar tais memórias para se compreender aquele fenômeno
religioso e histórico.
Nesse trabalho, apresentamos algumas notas de pesquisa acerca das memórias sobre a
passagem do Irmão José da Cruz por Eirunepé, na década de 1970. Sabe-se que esse sujeito
atuou em várias cidades do interior do Amazonas, Acre, na Fronteira com o Peru, tendo
fundado uma comunidade religiosa denominada “Ordem da Santa Cruz” entre os ticunas do
Alto Solimões.
Na memória dos entrevistados e entrevistadas, são relatados os seus ensinamentos, os
milagres, a forma de se vestir, a forma de se portar e como lidava com os seus seguidores. São
memórias que representam, portanto, um “Homem Santo”, que inspira devoção e respeito.
Ouvindo os depoimentos, não conseguimos deixar de nos perguntar o seguinte: por que
um homem, vestido como um beato, foi capaz de adentrar a floresta amazônica e, entre as
décadas de 1970 e 1980, arregimentar seguidores e fundar comunidades religiosas, a exemplo
de Antônio Conselheiro e José Maria? O que motivou essas crenças em parte da população
eirunepeense? Por que essas experiências persistem vivamente na memória daqueles sujeitos?
As respostas a estas questões provavelmente nos levaram a perceber as mudanças e
permanências e, portanto, o movimento da História da Amazônia. Mas isso é assunto para outro
momento.
Referências
ALBERTI, Verena. Fontes Orais: histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(org.). Fontes históricas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2011, p. 155 - 202.
BACELLAR, Carlos. Fontes documentais: uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes históricas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2011, p. 23 – 79.
322
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
323
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
JOSÉ LUIZ PEREIRA DE MORAIS (1), BÁRBARA HARIANNA BRITO DE CABRAL (2)
(1) Universidade Federal de Goiânia, Mestrando
zecamoraes25@gmail.com
(2) Universidade Federal de Roraima, Graduada
barbara.harianna@hotmail.com
Resumo
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre o processo de afirmação identitária jamaicana
que configurou-se como uma resistência perante o imperialismo europeu, que nas Américas se
iniciou no século XVI. O objetivo deste trabalho é analisar o potencial das afirmações culturais
centralizadas na religião Rastafári como uma das principais expressões dessas lutas
afirmativas. Como marcos específicos desse trabalho estão os debates decoloniais e a influência
de elementos do Pan-africanismo e seus precursores nos movimentos de libertação negra, mais
especificamente entre os Rastafári. Essa abordagem é relevante para refletir sobre os processos
de resistência nos países que foram submetidos a uma ideologia imperialista de dominação
europeia. Para tanto realiza-se reflexões a partir de literaturas sobre o tema e canções criadas
por Rastafáris e adotam-se como centrais as categorias resistências, decolonialidade e
contracultura.
Introdução
A construção histórica oficial do continente Americano é embebedada pelo que
podemos chamar de filosofia do progresso, que busca justificar a invasão europeia a estes
territórios no século XVI com o argumento de que estariam levando a razão, a ciência e a
religião aos povos sem conhecimento. Essas populações foram sujeitadas ao processo histórico
denominado de colonialismo, um dos marcos fundadores da modernidade, cujo entendimento
é a chave para a compreensão dos pilares que sustentam as políticas, os saberes, os pensamentos
324
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
325
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
326
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
327
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A Jamaica tem em sua história processos nos quais esses povos subalternizados
conseguiram subverter as lógicas impostas, protagonizando resistências ao colonialismo
através de práticas culturais insurgentes e descentralizadas. A cultura Rastafári tem raízes
africanas, particularmente na história etíope. Mas se formaliza na Jamaica em 1933 a partir da
fusão de práticas culturais de ex-escravos de origem africana e interpretações próprias do
Antigo Testamento, aliados a ideias pan-africanistas, seguindo o poeta e ativista jamaicano
Marcus Garvey. Tratava-se de um movimento de contestação econômica, política, social e
cultural contra o imperialismo britânico e a marginalização da população afro-jamaicana.
(RABELO, 2006)
O Pan-africanismo propõe a unificação de todos os povos africanos com intuito de
potencializar as vozes da África no contexto internacional. O movimento se expandiu a partir
de 1920, sendo debatido fora da África entre descendentes de escravos e imigrantes africanos.
Esebede (1980) define o pan-africanismo como um:
328
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
definições que pretendem aprisioná-lo em categorias alienígenas, que tentam de fora dizer o
que ele é.
Sobre as pronúncias do nome Rastafári, Araújo (2014) comenta sobre o fato de na
língua Rasta se pronunciar Rastafarai e sobre a maneira que esse termo I “ai” conecta noções
nativas ao remeter à noção de pessoa rastafári e à pessoa do Criador. Para os Rastas o criador
é Jah, nome que aparece na tradução da Bíblia autorizada pelo monarca etíope Jaime I (King
James) de 1611 e em outras traduções é substituído por Deus, Lord ou God. O autor afirma que
para os Rastafári as palavras são sons e poder, como sugere a expressão nativa word sound
power (Palavra som poder). Para os irmãos Rasta ler em voz alta é um processo no qual as
palavras se transformam em sons vivos. Narrar histórias é algo que os Rastafári fazem
recorrentemente em suas canções e meditações, falando sobre a vida de Jah, suas criações e
sobre o Homem.
Araújo (2014) em sua pesquisa percebe que uma vez a Jamaica tendo sido uma colônia
britânica até o ano de 1962 é perceptível como as suas narrativas oficiais foram vinculadas aos
feitos dos europeus. A noção histórica da colonização jamaicana é construída de forma a
evidenciar os reis e rainhas que por ali passaram. Isso se percebe na nomeação de lugares
públicos na Jamaica, na produção cinematográfica, nos feriados e nos hinos nacionais.
Essa história narrada pelos conquistadores também vangloria as batalhas travadas em
pró da conversão dos chamados pagãos ao cristianismo, acreditando serem os detentores da
civilização, pautados no argumento de teorias raciais como o darwinismo social disseminado
no século XIX pelas nações europeias para justificar a exploração da Ásia e África. Pautados
em tais conceitos de eugenia, de superioridade de uma raça pela outra, os europeus se
afirmavam enquanto escolhidos pelo Criador. Conforme Araújo (2014) algumas narrativas do
Antigo Testamento também foram utilizadas pelos europeus para justificar explorações.
Produções iconográficas do período renascentista passaram a ser utilizadas estrategicamente
para relacionar os europeus à noção bíblica de “povo escolhido”: personagens bíblicos foram
retratados com pele branca e fenótipos europeus em diversas obras.
Todas essas narrativas visuais, orais e escritas eurocentradas são rejeitadas pelos
Rastafári. Segundo Araújo (2014) os Rasta acusam o homem branco europeu de alterar a
história do Criador, Jah, e do Homem a fim de subjugar o Homem negro, a criatura original.
329
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Isso seria feito principalmente através da edição e tradução de textos bíblicos. A Babilônia –
como os irmãos Rasta reconhecem os europeus e seus modos de viver - falsificaria as
prescrições do Criador. A versão contada pelos Rasta do processo de colonização das Américas
é muito distinta da história europeia que envolve grandes feitos por grandes heróis. Na narrativa
dos Rasta estes mesmos que são heroicizados pelos europeus são vistos como piratas que
promovem injustiças e violências.
Os Rasta buscam se distanciar fisicamente da Babilônia, cultivando seus corpos da maneira
que as prescrições sagradas que traduzem da Bíblia recomendam: a positivação da negritude e
da africanidade. “O corpo Rasta conecta a negritude à africanidade e ao criador.” (ARAUJO,
2014). Já sua alimentação o conecta as relações sociais e históricas, os dreadlocks no cabelo os
conecta às prescrições bíblicas; a cannabis os conecta à saúde. O idioma corporal e verbal dos
Rastafári são instrumentos acionados pelos irmãos e irmãs no processo de deslocamento da
Babilônia, esse deslocamento não é só físico como também intelectual.
Uma das principais estratégias dos irmãos Rasta para reivindicar sua africanidade e
valorizar sua negritude foram as canções rastafári e suas narrativas poéticas e políticas. Nas
letras dessas canções eram cantadas as histórias de seu povo e divulgados os ensinamentos de
Jah.
330
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
331
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A música Get Up, Stand Up (1973) de Bob Marley é um exemplo disso, nela ele canta
“Get up, stand up, stand up for your rights. Get up, stand up, don't give up the fight”
(MARLEY, 1973: faixa 1), que se traduz “Levante-se, levante-se, lute pelos seus direitos.
Levante-se, levante-se, não desista da luta”, uma mensagem literal de incentivo à resistência e
luta por direitos. Outra música onde podemos observar esse incentivo à resistência ao
colonialismo é em Redemption Song (1980) que diz “Emancipate yourselves from mental
slavery. None but ourselves can free our minds. Have no fear for atomic energy. 'Cause none
of them can stop the time” (MARLEY, 1980: faixa 10), a tradução “Emancipem-se da
escravidão mental. Ninguém senão nós próprios podemos libertar as nossas mentes. Não tenha
medo da energia atômica. Porque nenhum deles pode parar o tempo”. Essa libertação da mente
pode ser interpretada como um movimento decolonial da mente, que pode acontecer no
processo de exaltar culturas que não a dos colonizadores.
Bob Marley também teceu fortes críticas ao escravismo americano, como na música
Buffalo Soldier (1984) na qual canta “Buffalo Soldier, dreadlock Rasta. Stolen from Africa,
brought to America. Fighting on arrival, fighting for survival” (MARLEY, 1984: faixa 5) que
se traduz como “Soldado búfalo, Rasta de dreadlocks. Roubado da África, trazido para a
América. Lutando na chegada, lutando pela sobrevivência”. Nesse trecho o cantor e compositor
remete principalmente à violência sofrida pela população desde sua chegada à América nos
navios negreiros, tráfico que o cantor caracteriza como um “roubo”. Essa letra possivelmente
remete também à participação dos negros na guerra civil americana.
Conclusão
Os Rastafári, seus corpos, suas canções, suas crenças são expressões de resistência ao
imperialismo europeu. Essas expressões se deram também através de movimentos como o pan-
africanismo e através do reggae, quando cantores como Bob Marley difundiram mundialmente
as mensagens de enfrentamento dos irmãos Rasta, contagiando as populações negras que
sofriam nos continentes afora. A partir dos estudos aqui apresentados pudemos perceber que
os processos de resistência jamaicana e o hibridismo que formou sua identidade fomentaram
332
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
uma expressão cultural única que se sobrepôs ao que estava imposto pelo imperialismo
europeu. Para Rosa, o movimento Rastafári foi uma resposta
[...] dos valores africanos contra a higienização cultural imposta aos negros
da África e aos seus descendentes nas Américas. As políticas de eugenia
contra negros e pobres e as proclamadas limpezas culturais produziram outros
resultados. (ROSA, 2009, p.488)
Referências
ARAUJO, Felipe Neis. “Trodding Out Of Babylon”: Linguagem, Pessoa E Formas De Tradução
Rastafari. Dissertação (Mestrado em Antropologia). UFSC, 2014.
BENJAMIM, L. Marcus Mosiah Garvey – a Estrela Preta. Livro digital. 2013. p.5 Disponível em:
<http://omeganyahbinghi.blogspot.com.br/2008_07_01_archive.html> Acesso em 10/12/2017.
333
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Darwin, C. (1974). A origem do homem e a seleção sexual. São Paulo: Hemus. (Trabalho original
publicado em 1871)
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
MORIAS, Maria do Carmo Lima. ARAUJO, Patrícia Carla Viana de. O reggae da Jamaica ao
Maranhão: Presença e Evolução. IV Encontro de Estudos Multidisciplinares em cultura. 2008.
Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14539.pdf>
PRESTA, Gustavo Antoniuk. Transgressão e Resistência nas estéticas do Rastafári. 9◦ Ciclo de
Investigações do PPGAV. CEART/UDESC/FLORIANOPÓLIS. 2014.
RABELO, Danilo. Rastafári: Identidade e Hibridismo Cultural na Jamaica 1930-1981 (Volume I),
UnB, 2006.
ROSA, M. de S. Repensar a História: Visual dreadlocks. Revista Brasileira do Caribe, Brasília, Vol.
IX, nº18. p. 485-501, Jan-Jun 2009. Disponível em:
<http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rbrascaribe/article/download/2245/350> Acesso
em 10/12/2018.
ROSZAK, Theodore. A contracultura. São Paulo: Vozes, 1972.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SIMMEL, Georg. (2003). Estudios Psicologicos y Etnológicos sobre música. 1ª ed. Buenos Aires:
Gorla.
Arquivos de áudio
⚫ MARLEY, Bob. 1973. Faixa 1. In: BOB MARLEY AND THE WAILERS. Burning.
Kingston: Island Records/ Tuff Gong Records.
⚫ _____________. 1980. Faixa 10. In: BOB MARLEY AND THE WAILERS. Uprising
Kingston: Island Records/ Tuff Gong Records.
⚫ _____________. 1984. Faixa 5. In: BOB MARLEY AND THE WAILERS. Legend.
Kingston: Island Records/ Tuff Gong Records.
334
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente trabalho é fruto da análise sobre a vida social, urbana e recreativa das elites em
Manaus no final do século XIX e início do século XX. Diante das constantes e rápidas
transformações econômicas, administrativas e políticas da cidade com o advento dos recursos
financeiros da borracha, novos hábitos e costumes foram implementados, dentre eles o
incentivo aos esportes, a “cultura” e ao lazer, na busca pela concretização da ambígua
modernização e civilidade. Como espaços propícios à diversão, os clubes apresentaram-se
como importantes locais de interação social e fortalecimento dos vínculos pessoais.
Em 1903, como símbolo desse momento, criou-se o Ideal Club, local frequentado por políticos,
médicos, comerciantes e advogados. O clube, por meio da trajetória de seus sócios e diretores,
revela um associativismo gerido pelos grupos de poder e que inseriam à sociedade um modelo
de comportamento, trabalho e civilidade. Além disso, é de nossa proposta compreender como
nesse espaço forjaram-se e fortaleceram as relações, identidades e interesses em comum que
entrelaçam a busca por diversões, capitais e distinções do clube à sociedade.
335
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Introdução
O Ideal Club foi criado em 1903 e o seu espaço está em funcionamento até os dias
atuais sob a tutela da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas (SEC). A associação, desde
suas primeiras reuniões para a sua fundação, foi presidida e frequentada por sócios pertencentes
às elites locais dos segmentos do comércio, do governo, do magistrado e da intelectualidade.
Com essa caracterização, poderemos compreender como as elites locais se articulavam e se
fortaleciam para a concretização de projetos políticos e sociais inspirados em ideais modernos,
de cunho civilizatório, postos para a sociedade. Esses propósitos apesar de falarem muito por
si, pelos seus traços distintivos e excludentes, podem atribuir outros aspectos e demonstrar as
peculiaridades de quem os seguiam.
Para essa comunicação, temos como base o trabalho e a investigação que está sendo
realizada com a temática: “As elites se divertem: Sociabilidades e Identidades nos clubes de
elites em Manaus (1890-1920)”20. Com a apuração de notícias nos periódicos locais e
documentos associativos do Ideal Club e sobre as memórias do clube, contidas nas obras de
Genesino Braga, “Assim nasceu o Ideal” e Gaitanno Laertes Antonaccio, “Ideal Clube de 06-
06-1903 a 06-06-2003: um século de aristocratismo” descreveram sobre a considerada
grandeza do clube e de suas práticas sociais, no qual podemos absorver sobre a vida “idealina”
para a cidade de Manaus no período em que a busca pelo “belo”, “moderno” e “civilizador”
eram marcos decisivos na vida real da população.
“Nasci num dia em que o bom-gosto casou-se com a distinção”21: O início da vida
“idealina” em Manaus (1903-1920).
Para apresentar o novo clube à sociedade foi realizado um grande evento. Na sua
organização, as reuniões para a inauguração e associação ocorreram um mês antes, nos dias 03,
04 e 07 de maio de 1903, com a Comissão de Sindicância, na casa do Coronel José Gonçalves
Dias22.
336
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Seria o espírito esportivo, alegre e dançante o grande incentivador da criação dos clubes
locais, assim como também aquele que promoveria o desenvolvimento físico e educador tão
necessários ao homem. A mocidade, conhecida como “jeunesse dorré” ou juventude de ouro
(BRAGA, 1979, p. 21), alegre e gentil destacava as programações e vida do Ideal. Ao longo
deste artigo verificaremos o pertencimento, engrandecimento e importância dessa juventude na
vida da associação.
Foi nesse espírito que a casa do Coronel José Gonçalves Dias foi utilizada como sede
para as reuniões seletas para um número de pessoas específicas e que demarcam a
exclusividade dos participantes, assim como definem os perfis de quem poderia estar presente
no encontro. Todavia, não foi na casa do Coronel José Dias que o ocorreu o baile de
inauguração. A celebração, contudo, aconteceu no dia 06, no palacete e casa do Coronel
Timbiras”), alfaiate de profissão, era, ao tempo, estabelecido com bem montada alfaiataria (“uma das mais antigas
do gênero, dispondo de pessoal habilitado e material de primeira ordem” – mencionava o anuncio da Casa) na
Rua Henrique Martins, nº24, denominada “Alfaiataria Militar”. Homem de bem, honrado chefe de família,
conduta ilibada, galgara posição social e política. Em 1910, era ele, Deputado Estadual, e só se afastou com a
revolução de 1930.” (BRAGA, Genesino. Assim nasceu o Ideal. Manaus, Imprensa Oficial, 1979, p.12). Ainda
corroborando sobre a postura do tenente, era “membro da Moçonaria Amazonense desde 30 de novembro de 1890,
homem criativo e idôneo, exemplo pai de família e um educado cavalheiro da sociedade amazonense daquele
tempo, o tenente-coronel José Gonçalves Dias era muito bem relacionado, possuindo razoável cultura e muito
querido nos meios políticos. Em razão de sua conduta e tendo-se tornado mais destacado com a fundação do Ideal
Clube, candidatou-se ao cargo de deputado estadual pelo Amazonas, e saindo vitorioso, manteve o mandato por
sucessivas reeleições, de 1910, até o ano de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a ditadura militar do Brasil e
dissolveu todas as Assembleias do país. Morreu em Manaus, a 3 de junho de 1940” (ANTONACCIO, 2003, p.34)
337
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
23 Os filhos do casal também participaram da reunião: “a senhorinha Adélia, que viria a casar-se com o Sr.
Juliano José Pereira Guimarães, funcionário federal; a senhorita Joana, que se tornaria esposa do construtor Sr.
Joaquim Rodrigues Teixeira; a senhorita Rosa, que contrairia matrimônio com o comerciante Sr. Raul Chã; a
senhorita Hildebrandina, que uniria o seu destino, pelo esponsal, ao do despachante aduaneiro Sr. José de Jesus
Cantanhede (pais das distintas professoras Magnólia, Camélia e Miosótis) e a senhorita Laura e os nobres moços
Francisco Boaventura e Ageu.” (BRAGA, 1979, p.14.)
338
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
animada, até a madrugada, reinando sempre a mais íntima cordialidade entre os sócios e
convidados” (Amasonas, 10 de junho de 1903).
O segundo baile foi realizado na casa do presidente Cel. Francisco Públio R. Bittencourt
e organizado por Antero Coelho de Rezende (Secretário), José Nunes de Lima (Tesoureiro) e
as mulheres associadas. O palco do teatro público e privado estava posto e uniu as diferentes
esferas, agentes e a classe. A casa e representação novo clube à sociedade, cumpriram dos
requisitos de recrutamento de sócios, políticos e fundamentação de estratégias pelo luxo e fama
do Coronel Bittencourt, pois em comunhão com o seu grupo privado de convidados e pares
políticos e administrativos, a família Bittencourt, com a realização das festas e eventos
esportivos, colocava-se como uma das mais sofisticadas e cordiais anfitriãs, sendo assim
homenageada pelos jornais locais pelas características que carregava e possuía:
A referência que o Jornal “Amasonas” faz ao baile do dia 15 de agosto de 1903 e aos
presentes destaca as eloquências com as festividades, enredando as relações públicas e privadas
dos sócios e convidados. No plano externo, apresentar à cidade o que ela “tem de mais saliente
na sua melhor sociedade” significa divulgar as nuances, as esferas burocráticas e públicas
partilhadas pelas elites, assim como, as normas e leis que regularizam as gestões e
administrações da cidade com o ideal e o “moderno”. Já no plano íntimo, é nas casas e nos
clubes com convidados seletos que as comparações elitistas se forjam através das imagens, dos
status, das representações e das trocas de capitais simbólicos, financeiros ou sociais com a
funcionalidade do matrimônio, recrutamento e amizades. Dessa forma, às duas instâncias não
caminham separadas, muito pelo contrário, se afirmam e reafirmam com o objetivo em comum:
a busca pelo prestígio individual e público.
339
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
“Não era mais um grupo de moços que representava a vida desta agremiação”24: as trocas
de capitais e valores dos diretores do Ideal Club.
Entretanto, mais importante que o clube ser criado como um recinto de bom gosto e
humor, casado com a distinção e marcado pela magia e alegria, faz-se necessário reconhecer a
aproximação dos agentes, associações e espaços com a perspectiva de superioridade, elevação
do espírito e iluminação racional – seja por meio das práticas esportivas, desenvolvimento das
letras ideologia e política desenvolvida por seus sócios e diretores.
No dia 28 de fevereiro de 1904, na Associação Comercial, realizou-se a primeira eleição
dos corpos dirigentes do Ideal Club. Ao contrário da primeira diretoria dada por indicação, a
escolha do novo corpo diretório apresentou-se mais numerosa, fazendo crer que
Não era mais um grupo de moços que representava a vida desta agremiação,
porque a ela ligaram-se muitos e muitos outros, e dentre eles pessoas cujos
nomes nos merecem o mais devoto acatamento, mais justo respeito; Era já o
Club constituído, representando por assim dizer uma parcela do progresso, no
seio das sociedades modernas. (Ideal Club, 24 de setembro de 1904.)
340
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Além disso, no respectivo estatuto de 1903 as identidades visuais foram criadas com a
adoção das cores, verde e branca para representar o seu caráter distintivo (ANTONACCIO,
2003, p. 50), o que nos relevam que os ritos, crenças e os modos de vida que são marcados
justamente por essas diferenças sociais, nos quais tanto bandeiras, pedra fundamental,
estandartes, símbolos e cores são marcas das identidades associativas que causam o efeito de
unidade e referências de seu caráter elitista. Segundo Michelle Perrot, os ritos são modulados
por muitas variantes, fruto de tradições e necessidades internas, no qual as combinações de
diversos elementos representam o modo como os grupos se apropriam de seus espaços,
cotidianos e tentam conferir um estilo de vida (PERROT, 2009, p.
174-175). Exemplo disso é como pequenos objetos como a flâmula
ou convite são utilizados em seu caráter simbólico para distinguir os
sócios, identificar o seu pertencimento ao grupo de
“idealinos” e serem utilizados como um modelo de chave de
entradas e saídas entre os demais no quesito distintivo e material. Nesse sentido, os valores
pertencentes ao clube passariam a valer “a esperança viva no futuro e a simplicidade e asseio
esmerados em nossas ações” (Ideal Club, 24 de setembro de 1904) representadas nas cores
verde (esperança) e branca (simplicidade) para a vida dos associados:
Figura 1. Flâmula com o símbolo e com cores verde e branca do Ideal Clube.
Fonte: Arquivo pessoal.
341
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
342
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
343
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Conclusão
As colocações aqui pontuadas servem para refletirmos sobre as características dos
sócios da primeira diretoria, assim como a fundação, função social, moral pública e política
idealina. A partir disso, podemos encaminhar os assuntos sobre a vida associativa no clube,
dado que esses espaços “participam de uma estruturação, instável, mas fecunda, da vida
política” (RÍOUX, 2003, p.100-101), levando em consideração a história, composição e
organização do mesmo. Para tanto, a explicação de que apenas os gostos estéticos por esportes,
danças, literaturas e saraus sejam capazes para explicar a união dos indivíduos em um único
espaço não são suficientes. É nítido que a vida nos clubes indica, por meio dos gostos, a
atribuição social para a legitimação das diferenças das classes sociais (BOURDIEU, 2007, p.
13), o que corrobora para as distinções, amizades e relações em variadas esferas.
Referências
344
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
345
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente artigo tem como proposta conhecer um tema que até o momento recebeu pouca
atenção: a crise de 1954 a qual culminou com o suicídio de Vargas, bem como sua repercussão
na imprensa manauara. Para a análise, utilizo como fonte o Jornal do Comércio e Jornal A
Crítica, periódicos de grande circulação naquele período. Com os novos ares de mudança no
governo democrático, Getúlio enfrentara acirradas disputas, pressões políticas, acusações
diárias e uma gama de opositores sedentos por sua queda. É notável a tensão nas páginas
jornalísticas, opositores aguardavam ansiosos por sua renúncia, e, de maneira oposta, Getúlio
lhes entrega sua vida, dando uma reviravolta jamais esperada e amplamente noticiada no país.
Os arderes de ódio se transpõem em lágrimas e juras de vingança. No aspecto desta virada,
analiso a importância da construção da figura de Vargas para a repercussão de sua morte
noticiada nos jornais manauaras.
A fascinante caminhada política de Getúlio Dornelles Vargas rende, até os dias de hoje,
inúmeras pesquisas, artigos e teses. No campo político, social e econômico é um tema que não
se esgota, o que nos leva a refletir acerca da dimensão construída em torno do “mito Vargas”.
Um mito político, assumido no papel de uma personalidade, não surge das cinzas e se torna
ovacionado logo em seguida. Nessa caminhada, além do contexto oportuno e domínio da
oratória, é necessário investir na identificação do agente receptor: partilhar de suas memórias,
extrapolar a figura unicamente política e “desempenhar o papel de iluminador da história
futura” (FÉLIX, 1998, p. 144). O princípio dessa construção para Vargas se inicia no contexto
346
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
regional, como aponta o trabalho do Professor Luciano Aronne de Abreu, que estuda a ascensão
política de Vargas antes dos anos 30. Para Abreu, foi ainda na década de 20, no Rio Grande do
Sul, que o futuro presidente iria se destacar devido a dois importantes aspectos: sua
remodelação em relação à velha política de Borges de Medeiros e sua fama de político
conciliador, governando com mais diálogo e tolerância. (ABREU, 1996, p. 20).
347
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O país que exigia sua renúncia, em minutos, se transformou. O Rio de Janeiro, capital
do país, viveu um cenário de guerra. Vilas Boas Correa, jornalista no Rio à época do suicídio,
escreveu o primeiro capítulo do livro “Vargas e a crise dos anos 50” onde descreve a mudança
de ares do fatídico dia 24 de agosto. No clarear daquela manhã, quando questionado por seu
Manuel, dono e garçom do boteco onde o jornalista fazia sua primeira refeição, sobre a possível
queda de Vargas, Vilas Boas confirma a renúncia negociada do presidente, e logo a notícia se
espalha, resultando em um intenso e comemorativo alvoroço. Momentos depois, foi anunciado
no rádio a notícia do suicídio e tudo mudou. A comemoração converte-se em espanto e tristeza,
o ódio se transpõe em juras de vingança a quem prejudicou o governante:
Na capital do país a população fervia em dor e raiva. Não se via outra forma de vingar
a morte de Getúlio, se não atacando aqueles que o aviltaram. Os órgãos de imprensa da
oposição tiveram seus prédios atacados, muitos tiveram suas fachadas depredadas e suas
máquinas destruídas. Apesar da tentativa, os revoltosos não conseguiram entrar no prédio da
Tribuna da imprensa, sendo contidos pela Polícia Especial, porém, queimaram toda a edição
do jornal na rua da frente. (FERREIRA, 1994, p. 74). A população se dividiu em grupos para
atingir a maior parte da cidade, houve queima de veículos, ataque a sedes partidárias
oposicionistas a Vargas, perseguição a políticos como Carlos Lacerda, que precisou se exilar
do país; no motim, várias pessoas saíram feridas. Sobre essa questão, explica Jorge Ferreira:
348
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Não muito distante da capital Republicana, a capital do Rio Grande do Sul vivia seu
desvio de ordem. O berço gaúcho do qual Vargas irradiou politicamente guardava na memória
o velho Getúlio. Bibiana Dias, através da análise do jornal Correio do povo, de Porto Alegre,
apresenta algumas manifestações noticiadas nas edições imediatas à morte do Presidente. O
jornal expõe através de cobertura fotográfica o cenário de guerra vivido naquele fatídico dia:
depredações, incêndios e tumultos. A autora cita ainda a manchete “Graves Ocorrências se
Registraram na Capital do Estado Durante Quase Todo o Dia de Ontem” remetendo a confusão
do dia anterior:
Indústria, comércio, instituições públicas tiveram que parar, as ruas centrais ficaram
intransitáveis. A memória viva de Getúlio instigou em seus apoiadores o senso de dever de
justiça, dirigindo a todo e qualquer opositor de Vargas os mais violentos ataques.
Distante da capital, o município protagonista do nascimento e crescimento de Vargas
vivia um cenário diferente dos centros urbanos. Dias encontrou no Jornal Correio do Povo dois
textos escritos por um enviado especial que acompanhava a despedida fúnebre na cidade de
São Borja. Na narrativa os ares de tristeza e dor são visíveis na simplicidade e emoção da
cerimônia, transparecendo a relação próxima e íntima que a população sentia com os familiares.
Em edição menciona o enviado especial:
349
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A terra natal de Vargas guarda consigo uma sensação mais íntima, quase parental, por
terem dividido o mesmo solo, sua reação de pesar não transpassa a fúria e sede de vingança,
mas o mais profundo silêncio de pesar.
Longe dos centros de vivência de Getúlio, a capital do Maranhão não viveu o mesmo
drama. O professor José Ferreira Junior, ao analisar seis periódicos locais afirma a ausência de
baderna e revolta pela morte do chefe da nação: “Sobre a calma em São Luís, os jornais foram
unânimes”. Concluindo apenas alguns transtornos como o cancelamento da procissão e os
festejos do dia do soldado. (JUNIOR, 2008, p. 7). O autor apresenta um interessante panorama
político de cada jornal escolhido, apesar de uma análise curta, é considerável para percebermos
que a morte de Vargas suavizou o discurso político de alguns jornais conforme o desenrolar
dos acontecimentos, como, por exemplo, o jornal O Combate que no dia 24 de agosto escreveu:
“A presença de Vargas tornou-se insuportável. E os que o acompanham têm também de dar
lugar à coisa melhor”. A edição que foi publicada momentos antes da notícia do suicídio, e
após este ser divulgado, o jornal busca abrandar sua posição escrevendo no dia 26 de agosto:
“No balanço de tudo que há feito o homem que dominou o País, com mais veemência, nesse
quarto de século, somos dos que achamos um acentuado saldo a seu favor”. (JUNIOR, 2008,
p. 5).
350
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
sua influência nos meios jornalísticos para render forças ao movimento revolucionário e
impedir a posse de Júlio Prestes. Sua relação com Vargas foi cheia de nuances. Em 1931,
apoiou o movimento de reconstitucionalização do Brasil, chegando a apoiar a revolução de São
Paulo, em 1932, por esse fato foi perseguido e teve que viver escondido por vários meses. Após
anos de relação trêmula, nas eleições de 1950, Chateaubriand deu discreto apoio à Vargas por
considerar que a situação havia mudado, anos mais tarde as divergências voltam a ser sentidas
no seio das relações com o petróleo pela posição antinacionalista do jornalista.
Após o suicídio do presidente, Chateaubriand apoiou João Café Filho, vice-presidente
do país, por considerar que aquele não era o momento de manter um clima de divisões.
(FERREIRA, S/A, p. 9)
Ao contrário do periódico Jornal do Comércio, nosso outro jornal utilizado como fonte
teve sua fundação tardia na história da imprensa amazonense. O jornal A Crítica iniciou suas
atividades em 1949, pelas mãos de Umberto Calderaro Filho e sua esposa, Ritta de Araújo
Calderaro, com o slogan “De mãos dadas com o povo”. (DUARTE, 2015, p. 20). Dito como
um jornal que lutava ao lado do povo pela liberdade, fazia forte oposição aos políticos locais.
Sua relação com Vargas era ambígua, em alguns números,combate o seu governo e em outros
pede sua volta ao poder. (SANTOS, 1990, p. 72).
Com a aproximação das eleições de 1954 para Governo do Estado do Amazonas, as
disputas políticas e trocas de farpas aparecem em ambos os jornais, porém, com mais
frequência em A Crítica. A corrida eleitoral era marcada, principalmente, por Rui Araújo, da
coligação UDN, PDC, PTN e PSD e Plínio Coelho pelo PTB. Araújo, que já havia atuado como
chefe de polícia e secretário-geral na interventoria federal e governo constitucional de Álvaro
Maia, obtivera o apoio de Vargas para as eleições a governador daquele ano. Por outro lado,
Plínio Coelho, que já havia sido eleito Deputado Estadual em 1950, tendo apoiado a
candidatura de Maia ao governo, rompera com o mesmo posteriormente, lançando-se a
liderança da sua oposição. (QUEIROZ, 2016, p. 51). As eleições marcavam-se então,
indiretamente, pela disputa entre Plínio Coelho e Álvaro Maia.
A edição do dia 24 de agosto do Jornal A Crítica que saíra pela manhã, circulou ainda
com as notícias da Reunião Ministerial daquela madrugada com a seguinte manchete: “CAIU
GETÚLIO VARGAS” e seguiu confirmando a licença negociada como uma “atitude honrosa
351
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
do presidente”. Há somente uma pequena nota na parte central da capa, aparentemente escrita
às pressas: “RIO. (URGENTE) – A Rádio Nacional. Anuncia que o sr. Getulio Vargas
suicidou-se, as 8:35 horas, em seus aposentos”. (A Crítica, n. 2866, 24/08/1954, p. 1). No
entanto, nada mais foi dito nas páginas seguintes.
A edição do mesmo dia no Jornal do Comércio também se detém na tensão da decisão
de Vargas na noite do dia 23. As opções se mostravam ser apenas 3: deposição, golpe ou
renúncia. Esta última era a mais esperada pela população. Somente na edição do dia 24 de
agosto a palavra “Renúncia” aparece 6 vezes na capa do jornal, sendo uma delas a respeito de
uma passeata dos estudantes paulistas invadindo a capital do país para pedir a saída de Vargas.
É somente então na edição do dia 25 que o periódico noticia o suicídio do presidente apontando
para as desordens no Rio de Janeiro e em São Paulo com a manchete “Deplora a Nação o
suicídio de Getúlio Vargas”. O jornal também publicou nesse dia, em anexo, a Carta-
testamento de Vargas.
A respeito de Manaus o jornal expõe uma pequena nota informando que os cônsules do
Peru, Portugal, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, França, Bélgica, Alemanha e outras
autoridades se reuniram no Palácio do Rio Negro para prestar suas condolências ao governador
Paulo Marinho “pelo inesperado falecimento do Presidente da república do Brasil dr. Getúlio
Vargas”. (Jornal do Comércio, n. 13600, 25/08/1954, p. 1). O Governo do Estado do Amazonas
também expõe em Nota Oficial que está aguardando mais informações para que seja decretado
as “honrarias fúnebres”. As notas da capa são majoritariamente advindas do Rio e São Paulo
dando ênfase às arruaças dos populares e, sem avultar sobre o suicídio, priorizam informar
sobre o novo presidente que assume o país: João Café Filho. No decorrer da edição,
apresentam-se algumas homenagens à Getúlio exaltando sua coragem e amor pela Pátria,
incluindo declarações de pesar dos principais candidatos das eleições para o governo do
Amazonas: Rui Araújo e Plínio Coelho.
352
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
momento não é de agitação e sim de luto nacional. Em nota, o Governador Paulo Marinho
também declara:
Algumas medidas foram tomadas a fim de evitar tumulto e desordem, como a suspensão
de arraiais e quermesses por 3 dias pelas autoridades diocesanas, fechamento de repartições
públicas pelo Governo, além da determinação de luto por 24 horas pelo sindicato dos
estivadores de Manaus e ordem da Associação Comercial do Amazonas (ACA) para que
mantivessem por 8 dias as portas de seus estabelecimentos semicerradas. (A CRÍTICA, 1954,
p. 1)
Acerca do Jornal A Crítica, é importante ressaltar que a edição do dia 25 de agosto não
foi encontrada na Biblioteca Pública de Manaus. Entretanto, no dia 26 relata em manchete
“DISTURBIOS CAUSADOS POR ESTIVADORES” contrapondo a afirmação do
Governador Paulo Marinho. Na ocasião do momento de paixão nacional, os estivadores,
induzidos de bebida alcóolica, entraram em conflito com aqueles que não se consideram
“Getúlio”. De acordo com a nota, a polícia interveio e demandou reforços, sendo os presos
posteriormente soltos por políticos candidatos do PTB, como Plínio Coelho. (A CRÍTICA,
n.2868, 26/08/1954, p. 1). Já na página seguinte, o jornal apresenta uma pequena nota sobre
uma greve dos estudantes do Colégio Estadual do Amazonas que se negaram a entrar na sala
de aula e que esta greve só finalizaria após a missa de 7º dia do falecido presidente.
353
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ao que indicam as edições de ambos os jornais, Manaus não viverá nas mesmas
medidas as tensões e revoltas que os principais centros urbanos naquele período. Todavia,
vivenciou as consequências políticas pelo afastamento da figura de Vargas quando Rui Araújo,
apoiado por Álvaro Maia, perde as eleições para Plínio Coelho, apresentando um novo projeto
político trabalhista. Assim, afirma Amaury Junior:
354
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ABREU, Luciano Aronne. Getúlio Vargas: a construção de um mito (1928-30). Porto Alegre:
EDPUCRS, 1997;
JUNIOR, Amaury Oliveira Pio. Álvaro Botelho Maia: um caboclo na política amazônida. In
Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. – Organizado por Auxiliomar Silva Ugarte;
César Augusto Bubolz Queirós. – Manaus: Editora Valer, 2019;
CORRÊA, Vilas Boas. Eu vi. In: GOMES, Ângela de Castro. (Org). Vargas e a Crise dos anos
50. Rio de Janeiro – RJ: Relume Dumará, 1994;
CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador:
Conversas sobre história e imprensa. Projeto História, São Paulo, n.35, 2007;
DIAS, Bibiana Sodré. A repercussão do suicídio de Getúlio Vargas e o processo de
mistificação post-mortem no jornal Correio do Povo de Porto Alegre. 2011. 150 f. Dissertação
(Dissertação em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011;
DUARTE, Durango Martins. A Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e
lama.1ªed.Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015;
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-
1964. Rio de Janeiro – RJ: Civilização Brasileira, 2005;
_______. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: GOMES, Ângela de
Castro. (Org). Vargas e a Crise dos anos 50. Rio de Janeiro – RJ: Relume Dumará, 1994;
FÉLIX, Loiva Otero; ELMIR, C. Mitos e Heróis: a Construção de imaginário. Porto Alegre:
Ed. Universidade – UFRGS, 1998;
FERREIRA, Marieta. CHATEAUBRIAND, Assis. <Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CHATEAUBRIAND,%20Assis.pdf> Acesso em 01 de Setembro de 2020;
JUNIOR, Jorge Ferreira. A notícia da morte de Getúlio Vargas nos jornais de São Luís. In: VI
Congresso Nacional de História Mídia – 200 anos de mídia no Brasil, 2008, Niterói. V.1;
SANTOS, Francisco Jorge e outros. Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851 – 1950) –
catálogo de jornais. Manaus,1990, 2.ed;
QUEIROZ, César Augusto Bubolz. O trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o golpe de 1964
no Amazonas. Manaus: Revista Mundos do Trabalho, vol.8. 2016;
QUEIROZ, Thiago Rocha. O Humoral: humor e abertura social nas charges de Miranda
(1972-1974). 2013. 165. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do
Amazonas, Manaus, 2013.
355
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
A temática dos conflitos entre jesuítas e moradores teve pouco ou quase nenhuma
análise para capitanias particulares da América portuguesa, como é o caso da capitania do Caeté
(1622-1751). Nessa capitania, é possível observar as dificuldades enfrentadas em razão da falta
de trabalhadores indígenas, culminando na eclosão de diversas contendas nos séculos XVII e
primeira metade do XVIII. As disputas em torno do trabalho nativo envolveram índios,
militares, missionários, moradores e, em especial, as autoridades coloniais que, motivados por
seus interesses, necessidades e descontentamentos, teceram uma rede de alianças, intrigas e
negociações expressas das mais variadas formas no cotidiano colonial.
356
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Na década de 1680, esse cenário mudaria, “os jesuítas haviam saído vitoriosos no seu
litígio com os moradores”, como compreende Márcia Eliane de Souza e Mello (2009, p. 92).
A vitória política da Companhia de Jesus se estabelecia no aspecto do governo temporal e
espiritual que competia, exclusivamente, aos padres jesuítas, como foi estabelecido em carta
357
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Tal ordem régia ratifica que os moradores da vila do Caeté estariam submetidos a estas
ordens reais, tendo em vista a capitania fazer parte do Reino de Portugal. A carta régia acima
representa um dispositivo legislativo que reitera a repartição dos índios, dando possibilidades
para interpretarmos que no cotidiano colonial a prática poderia ser contraditória ou não
cumprida na capitania, como tem observado Beatriz Perrone-Moisés (1992, p. 115) referente à
legislação indigenista: “contraditória, oscilante e hipócrita”.
358
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] por que além de ter o capitão-mor Amaro Cardoso feito o que fez ao
missionário, também o tinha tratado mui descortesmente a câmara da Villa do
Caeté, tinham sido mandados papeis falsíssimos contra nós
(BETTENDORFF, 1910, p. 553).
359
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] começou a tirar não somente governo temporal dos índios, mas até os
vinte e um casais ao Padre missionário, dizendo que sua Magestade não
compreendia ao Caeté e deixando-lhe primeiro somente seis ou depois doze
(BETTENDORFF, 1910, p. 550).
[...] na primeira ocasião, se viesse para o colégio do Pará, com todo seu fato
e o mais pertence a missão, pois não faltavam missões em que pudesse
empregar com mais proveito das almas, que lá em a aldeia do Caeté, entre
gente tão pouco afeiçoada que não tinha reparado em escrever falsidades e
calunias, ao donatário da Villa, contra os missionários da companhia
(BETTENDORFF, 1910, p. 579).
Percebe-se no relato acima que essa “gente tão pouco afeiçoada”, ou seja, seus
moradores escreviam através da câmara papeis cheios de “falsidades e calúnias” contra os
jesuítas. Em 1698, ocorreram novos denúncias contra as atitudes do capitão-mor Amaro
Cardoso, como relata o padre Betendorf:
[...] estando eu ainda em corte fui visitar o Sr. Manoel de Mello, o qual se
botou de joelhos diante de mim, pedindo-me lhe dissesse como se havia seu
capitão-mor governava por aquele tempo; e como soube que os índios se
queixavam dele por até fazer puxar as raparigas, em lugar de bois, para fazer
andar uma engenhoca de aguardente que tinha (BETENDORF, 1910, p. 480).
360
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesse contexto, nos discursos dos moradores e algumas autoridades locais, destacava-
se a necessidade dos descimentos e resgates para o êxito das atividades reais, já que a capitania
e seus moradores estavam em “miséria e pobreza”. Esse discurso ecoava pelas cartas,
requerimentos, solicitações que se faziam aos monarcas ao longo da primeira metade do século
XVIII, pois, o “remédio” para tal pobreza era trazer “gentios” dos sertões (AHU/PA, Cx. 28,
Doc. 2632 – Carta de 25/10/1745).
361
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] a ordem que vos foi para informardes sobre a queixa que me fez o padre
Joze Vidigal, da liberdade que usava com os Índios, Mathias da Silva, Loco
Tenente do Donatário da Capitania do Cayté tirando-os da Aldeia em que
viviam para empregar nos seus interesses representando-me, que pretendendo
este levar da dita Aldeia sessenta pessoas entre Índios e Índias para lhe
trabalharem em um engenho que tem na Capitania do Pará e também mandar
alguma canoa ao negócio do sertão (ABN, vol. 67, p. 136-137. Carta régia de
01/07/1716).
Neste caso, os conselheiros ordenavam a observância das ordens do rei, neste período
o Regimento das Missões de 1686. Assim, a prática tida pelo Loco-tenente Mathias da Silva
era incondizente, pois o regimento assegurava a repartição para garantir o desenvolvimento da
colônia portuguesa, e não atender às necessidades particulares dos moradores, como ocorreu
na Capitania, uma vez que o Loco-tenente empregou os índios no engenho particular e nas
entradas ao sertão para o extrativismo de gêneros da região.
Em 17 de março de 1724, José de Melo e Souza pedia novamente a licença real para
aldear novos índios na capitania. Desta vez, o donatário era enfático, pois comunicava que
[...] necessita a mesma capitania de ser povoada pode fazer se maior povoação
mandando descer dos sertões a sua custa alguns casais de Índios que fiquem
de baixo da dominação do seu lugar-tenente e suposto há de fazer grande
despesa, resulta dela utilidade a capitania, e também a fazenda de V.
Magestade, em ordem de a que acrescendo os Índios e em Trabalho desta
gente hão de ter maiores os dízimos e direitos destes (AHU/MA, Cx. 13, Doc.
1385, Requerimento de 17/03/1724).
362
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Pelo documento, podemos inferir que a falta de trabalhadores indígenas era causada
pelos padres missionários ao continuar “negando-lhes os Índios e Índias”, prática ilegal, de
363
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
acordo com o Regimento das Missões. Essas acusações referentes à repartição dos índios eram
recorrentes nas contendas, como destacou Márcia Eliane:
As câmaras, no que diz respeito a este assunto [da repartição dos índios],
apontavam como argumento as ilegalidades e o mau uso dos índios de
repartição por parte dos jesuítas, partindo da estratégia de acusar aqueles que
administravam a mão-de-obra indígena (SOUZA MELLO, 2009, p. 90).
364
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] algum tempo sendo populosa se acha há que quase despovoada e para se
conservar de todo sem moradores necessita visto de que V. Magestade servirá
dar faculdade pelo que cada um dos que habitarem possam a sua custa resgatar
de qualquer sertão cinquenta casais de gentio (AHU/MA, Cx. 21, Doc. 2146,
Requerimento de 04/02/1734).
365
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
verdades dar numa conta impertinente a Vossa Majestade (AHU/PA, Cx. 25,
Doc. 2323 – Carta de 22/10/1742).
Considerações finais
Referências
BETTENDORFF, Pe. João Felipe, S. J. Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus
no Estado do Maranhão. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
tomo 72, parte 1, 1910.
CHAMBOULEYRON, Rafael; BARBOSA, Benedito C. Costa; BOMBARDI, Fernanda
Aires; SOUSA, Claudia Rocha de. ‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento
na Amazônia colonial (1660-1750). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 18, n. 4, out-
dez, 2011
DIAS, Camila Loureiro; BOMBARDI, Fernanda Aires. O que dizem as licenças?
Flexibilização da legislação e recrutamento particular de trabalhadores indígenas no Estado do
Maranhão (1680-1755). Revista História, São Paulo, nº 75, jul/dez. 2016.
366
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
367
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Os estudantes tornaram-se o grupo social mais visível do país e a União Nacional dos
Estudantes (UNE) mantinha importante influência no debate político do país durante o governo
Goulart. No Amazonas, permaneceram organizados em dois órgãos estudantis: a União dos
Estudantes do Amazonas (UEA) e a União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas
(UESA). Marcada por particularidades regionais, a ditadura enfrentou primeiramente o “perigo
ideológico” dentro do movimento estudantil. Porém, as medidas repressoras da ordem não
foram capazes de inibir o caráter contestador das utopias estudantis, seja na resistência ao golpe
civil militar de 1964 ou na criação dos centros acadêmicos e culturais no fim da década de 70.
Portanto, o presente artigo traduz o esforço de analisar a trajetória de luta e resistência do
movimento estudantil no Amazonas durante a vigência da Ditadura Militar.
Introdução
Em seu recente artigo, intitulado Amazônia em Armas, o historiador César Queirós
afirma que em nosso estado carece de estudos “mais aprofundados” sobre os estudantes “a fim
de que se conheça melhor a resistência e organização estudantis no Amazonas” (QUEIRÓS,
2019, p. 53) e por fim, ressalta, que a “luta desses sujeitos esquecidos pela história deve ser
lembrada e celebrada” (idem).
Concordamos que precisamos de trabalhos mais ousados afim de desobscurecer o
silêncio que nos fora imposto a partir de 1964, pois a história está sempre em revisão. Mas, é
verdade que as experiências destes sujeitos já começaram a ser desveladas.
Maria da Conceição Fraga, cientista social, analisou o processo de organização dos
estudantes manauaras nos anos 70 através da construção de novas práticas políticas pelos
368
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
369
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
notabilizando a presença do gigantismo do aparato policial que “vê, tudo sabe e a todos
conhece” (idem).
Durante os quatro primeiros anos do regime militar, o projeto de controlar os órgãos
estudantis resultou na tentativa de afastar o estudante da militância política, diante do
sentimento próprio de querer mudanças, aqui chamado de utopias estudantis. Todavia, o
aspecto de protesto dos estudantes representa uma postura que abalou a ordem da ditadura,
portanto, trata-se de uma utopia “que, transcendendo a realidade, tendem, se se transformarem
em conduta, a abalar, seja parcial ou totalmente, a ordem das coisas que prevaleça no momento”
(MANHEIM, 1982, p. 216). As utopias estudantis ocuparam corações e mentes dos estudantes
num país tomado pelas mudanças prometidas pelas Reformas de Bases que, segundo as classes
dominantes, a mobilização dos movimentos sociais poderia levar a possibilidade de uma
revolução comunista, tendo como insuflador o presidente João Goulart.
No Amazonas, em primeiro lugar, podemos constatar que o processo de repressão
contra os opositores através da “operação limpeza” nos órgãos estudantis foi mais forte do que
o confronto direto entre os estudantes e militares. De imediato, torna-se evidente a tentativa de
consolidar no seio do movimento a implantação da ideologia do regime respaldado pela Lei
4464, conhecida por Lei Suplicy. Em segundo lugar, após a vigência do AI-5, o aparelho
autoritário passou a enfrentar diretamente o movimento através de posturas repressivas e
arbitrárias. Finalmente, em terceiro lugar, não podemos reduzir nossas análises em torno da
“passividade” e “distanciamento dos demais centros”, pois as experiências dos estudantes no
estado foram permeadas por particularidades.
Discurso próprio das autoridades e instituições que acabaram por consolidar a opinião
no senso comum, o Consulado Americano caracterizou o movimento estudantil no Amazonas
como “fraco, paroquial e mais facilmente flexível aos ditames das autoridades”, críticos ao
regime, mas cautelosos a um confronto direto com as autoridades e as forças armadas (USA,
National Archives, 1965).
A União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas (UESA), fundada em 13 de janeiro
de 1954, durante as décadas de 50 e 60 desempenhou importante função na organização dos
secundaristas na luta pelo passe estudantil, entretanto, durante a ditadura militar, sofreu
370
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
26 Fundada a 4 de janeiro de 1942 foi a representação dos corpos discentes das Escolas superiores existentes no
Estado do Amazonas.
371
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
372
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
da sede própria, chegaram a idealizar uma passeata pelas ruas de Manaus, porém, a
interferência do recém-criado Diretório Universitário retardou por alguns dias a intenção
(JORNAL DO COMMERCIO, 14 de maio de 1965). O governo cedeu diante da iminência de
uma nova agitação estudantil.
Foi diante deste novo espaço que se configurou novas realidades na vida estudantil.
Houve mudanças nos mandatários dos diretórios acadêmicos e principalmente a execução da
Lei Suplicy. Com o propósito de controlar as entidades estudantis, o ministro da Educação,
Flávio Suplicy, afirmava que “a intenção era também a de criar lideranças sadias, seguras e
esteiradas do civismo objetivo e construtivo, a fim de ampliar a voz de uma juventude”
(BRAGHINI, 2015, p. 221).
Na primeira eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE), fazendo cumprir a
lei na UA, saiu vitorioso o acadêmico de Direito, Raimundo Crespo. O seu adversário,
Waldilson Cruz, contou com o apoio incontestável do D. A. Faculdade de Direito, lançou nota
oficial no qual acusava a candidatura de Crespo de provocadora e o retorno ao “estado de
alienação” da representação estudantil (JORNAL DO COMÉRCIO, 14 de agosto de 1965). O
Consulado Americano observou que Crespo foi apoiado pelo “grupo mais radical”, motivo que
levou a estar em constante alerta diante do futuro do movimento estudantil naquele momento
no estado (USA, National Archives, 1965).
Por conseguinte, em 1966, alguns grêmios e diretórios estudantis foram fundados, como
é o caso do Grêmio Estudantil do Colégio Solon de Lucena, criado para representar a UESA.
Entretanto, estavam impedidos de “fazer política” e qualquer ideia de movimento político por
estudantes seria reprimida (JORNAL DO COMÉRCIO, 30 de abril de 1966). Os órgãos
estudantis somente poderiam ser reconhecidos como instituições com finalidades cívicas,
culturais, sociais e esportivas.
Contudo, os secundaristas lideravam os protestos no Colégio Estadual do Amazonas,
em 1966, contra a precariedade do sistema de educação pública. A Polícia Civil foi solicitada
para desobstruir um “piquete”, vários policiais cercaram o colégio. Realizaram o comício em
frente a instituição onde oradores usaram a palavra “pedindo ao Governo liberdade para
protestar ou que não desse motivos para tais protestos” (A CRÍTICA, 03 de junho de 1966).
Em seguida, os secundaristas percorreram em passeata até a residência do Secretário da
373
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
374
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
resultados (FRAGA, 1996, p. 119). Deste modo, a desmobilização política e ideológica parecia
surtir efeito no estado.
Entretanto, o ano de 1978 representa a retomada da articulação política dos estudantes
amazonenses, reencontrando o motivo da luta, depois de serem obrigados “a não fazer política”
ou de se organizarem em entidades, novamente protagonizaram o caminho para a derrubada do
autoritarismo, enquanto novas formas de articulação política e cultural foram construídas no
seio da universidade: os Centros Culturais e Acadêmicos. De acordo com Conceição Fraga,
foram “novos espaços” criados fora da entidade oficial do Diretório Universitário, assim, o
“cotidiano dos estudantes da Universidade do Amazonas transformou-se em espaço de luta”
(FRAGA, 1992, p. 62).
Então, surgem o Centro Universitário e Cultural de Agronomia (CUCA); Centro
Acadêmico Filosófico e Cultural do Amazonas (CAFCA); Centro Cultural de Medicina
(CECUM) e o Centro Universitário de Comunicação Social (CUCOS). A própria criação destes
espaços foi fruto desta retomada de consciência dentro do movimento estudantil, que passou a
exigir maior representatividade no Conselho da Universidade do Amazonas. Ademais, dentro
dos Centros Culturais e Acadêmicos foram criados mecanismos de resistência e divulgação de
suas ideias. Surgiram os jornais, que lhes garantiu um espaço de crítica não só dos problemas
da universidade, também para resistir a ditadura. Ademais, O Grão (Agronomia); A Questão
(Filosofia); O Gen (Medicina); O Zero (Comunicação Social) ainda não foram objeto de estudo
e carecem de mapeamento, apenas alguns de seus registros são encontradas na obra de
Conceição Fraga (Cf. FRAGA, 1996, p. 77).
375
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
376
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
João Pedro, repeliu os ataques de agentes que queriam frear o movimento em favor da
democracia (A CRÍTICA, 16 de agosto de 1980).
Atos públicos, paralisações e greves foram realizados com a participação do DU,
centros acadêmicos, partidos de oposição e entidades democráticas. No ano era 1981, os
secundaristas retomaram a luta da UESA para criticar a maior crise do ensino brasileiro, fruto
da política do governo militar (A CRÍTICA, 03 de junho de 1981). Persistiram em junho, numa
nova paralisação nacional, desta vez, pontuando a escolha direta de reitores e sub-reitores em
suas pautas reivindicatórias. Com bandeiras da UNE a frente, cerca de 1500 estudantes
encerraram o dia de paralisação por melhores condições de ensino em passeata que saiu da
Praça de São Sebastião, parou diante do prédio da Reitoria, condenando a tentativa de
institucionalizar o ensino pago no país. Distribuíram pelo percurso a “Carta aberta à população
de Manaus”, justificando a greve e acusando o governo de institucionalizar o ensino pago. A
repressão se materializou na presença de agentes do DOPS que utilizaram do carro para
empurrar um estudante na calçada, na ocasião passava uma ambulância com a sirene ligada,
alguns estudantes pensaram em se tratar de outra viatura e não hesitaram em gritar: “abaixo a
repressão! Abaixo a repressão!” (A CRÍTICA, 05 de junho de 1981).
Ao denunciar o tom “agressivo e intransigente” da reitoria diante de sua “subserviência
frente à Portaria do MEC em instituir o ensino pago”, declararam greve por tempo
indeterminado em março de 1982. “A greve do bandejão” denunciou as posturas autoritárias
do reitor Otávio Mourão e de seu assessor, professor Nina, durante as conversações frente às
reivindicações de manter o preço da refeição em 20 cruzeiros e a reposição das aulas
interrompidas pela greve (A CRÍTICA, 30 de março de 1982).
A propósito, a década de 1980 representa o período de maior repressão durante os anos
vigentes da ditadura militar aos movimentos de protestos no Amazonas. É, portanto, na agonia
da ditadura que as feições autoritárias são reafirmadas durante o processo chamado de
“transição democrática”. Tanto o governo de José Lindoso (PDS), quanto de Gilberto
Mestrinho (PMDB), reprimira duramente os protestos estudantis.
Convocados para o dia 28 de agosto de 1981, a manifestação proibida por falta de
autorização, visou debater em praça pública os efeitos do aumento das passagens de ônibus e
a implantação do passe único e ilimitado. Cerca de trinta estudantes se concentraram em frente
377
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
à Igreja de São Sebastião dando início ao ato público. Quando começaram os primeiros
discursos, os policiais investiram contra o grupo. Fugindo da repressão, procuraram refúgio
dentro do templo, em vista da perseguição da tropa com armas na mão, disparando tiros e
prendendo dez deles. Vasos e paramentos sacros foram danificados e estudantes chegaram a
ser reprimidos com cassetetes policiais, provocando lesões nos braços e costas. Ao tentar
apaziguar o conflito dentro do templo, Frei Mário foi agredido por policiais e o estudante Jorge
Vieira, para escapar da perseguição, escondeu-se dentro do tanque de água. A ação gerou
impasse na relação entre o governo estadual e a Arquidiocese de Manaus, que apoiara os
manifestantes (A CRÍTICA, 29 de agosto de 1981).
A chamada “Batalha da Matriz” consistiu no ato de maior truculência do aparelho
repressor durante a década de 80, devido aos fatos decorrentes desta circunstância se espalhar
por dias em verdadeiros atos contínuos de arbitrariedade. Conforme dito anteriormente, o então
governador Gilberto Mestrinho fora eleito por meio de sufrágio universal. A passeata de
entidades estudantis contra o aumento do preço dos ônibus consistia no trajeto da Praça da
Matriz ao Palácio Rio Negro (então sede do governo), terminou num forte confronto entre
estudantes e policiais. Prosseguiram, noite adentro, manifestações estudantis em diversos
pontos da cidade com depredações de bancas de revistas, ônibus e até um outdoor do
governador foi destruído. O governo democraticamente escolhido respondeu com truculenta
repressão, marcando para sempre a memória daqueles manifestantes (A CRÍTICA, 21 de
setembro de 1983).
Portanto, em todo o período ditatorial, o movimento estudantil se deparou com aparato
repressor pronto para conter o avanço de suas utopias, materializado na truculência e
arbitrariedade. Os estudantes apresentaram uma ampla capacidade de mobilização contra as
posturas autoritárias dentro de suas particularidades. Sempre resistiram. Podemos afirmar que
a universidade, embora estritamente vigiada, tornou-se o verdadeiro espaço de luta pelo retorno
a legalidade, e as ruas o lugar de ação em tempos de repressão.
Referências
378
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes
⚫ USA, National Archives. Student Movement in the north. September 24, 1965. In:
Brown University Library; Brown Digital Repository. Opening the Archives:
⚫
Documenting U.S. – Brazil Relations, 1960s-80s.
⚫ A Crítica;
⚫ Jornal do Comércio;
⚫ O Jornal; O Trabalhista.
379
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente resumo expandido tem como objetivo apresentar algumas perspectivas docentes
sobre a utilização da mídia cinemática no ensino de História, com vistas a trabalhar os
conteúdos históricos em sala de aula. Nesse sentido, parte-se do pressuposto empreendido pelos
professores de que a mídia cinemática dá asas à imaginação, expandindo os horizontes de
análise. A investigação teve como empiria questionários semiestruturados (HILL & HILL,
2002) para obter dados quantitativos, qualitativos e entrevistas orais (SZYMANSKI, 2011)
com alguns professores de História que trabalham no ensino fundamental na rede municipal
e/ou estadual de ensino da cidade do Rio Grande/RS. O trabalho está pautado em autores como
Carmo (2012) e Fonseca (2012), que enfatizam a utilização das mídias cinemática como um
canal para fugir das aulas meramente expositivas e monótonas, favorecendo o diálogo e a
reflexão do estudante.
Introdução
380
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
mais presentes no cotidiano escolar, uma vez que os professores buscam artefatos que possam
auxiliar a elucidar, problematizar, direcionar o trabalho com os temas das disciplinas junto aos
estudantes, com vistas a proporcionar uma aproximação dos conteúdos a realidade dos alunos.
381
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
dados, informações e/ou discursos, fazendo-os aparecer no conteúdo das diversas categorias de
documentos. A análise de conteúdo foi utilizada para realizar as análises de ambos os
instrumentos utilizados para coletar os dados empíricos, no caso os questionários
semiestruturados e as entrevistas orais.
Para realizar a análise dos dados obtidos, utilizamos como aporte metodológico a
análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2012). Esse método de análise está pautado
na descrição, inferência e interpretação dos materiais coletados e catalogados. Consiste num
conjunto de técnicas e instrumentos metodológicos composto por três fases de análise distinta,
que compreendem a exploração dos dados empíricos, informações ou discursos coletados,
analisando-os de forma que, através da definição de categorias de análise, os mesmos
evidenciem o conteúdo do material fundante da pesquisa.
382
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
relativos à ciência da história, enquanto quinze (15) ou 56% preferem esse “produto cultural”
(FERRO, 2010; FONSECA, 2012; CARMO, 2012), para aproximar o conteúdo a realidade do
aluno, além de outros, como, por exemplo, a avaliação de fontes históricas. É o que podemos
perceber no quadro abaixo:
Quadro 1: Finalidade da Mídia Cinemática nas aulas de História segundo os professores pesquisados
Finalidade/Objetivo Nº de vezes
Apoio para discussões sobre o conteúdo 21
Aproximar o conteúdo da realidade dos estudantes 15
Desenvolver conceitos 11
Ilustração de temas 17
Iniciar novos conteúdos 12
Significação do conteúdo 21
Outros: Avaliação de Fontes Históricas 01
Outros: Não Utilizo 01
Fonte: Dados organizados pelo pesquisador.
Diante dos resultados obtidos, é possível deduzir que as finalidades apontadas pelos
professores de História são diversas, isto é, não são centradas em apenas um objetivo e todas
as respostas sugerem para motivação ou motivações que os levam a trabalhar a mídia
cinemática com os estudantes de maneira diversa. Nesse ponto, temos que admitir que,
independente da finalidade apontada pelos pesquisados, todas elas buscam explorar algum
aspecto relativo à aula e aos seus sujeitos, seja o estudante ou o professor, mobilizando ambos
os lados. Podemos afirmar, também, que das oito características apontadas no quadro um (01),
apenas um pesquisado afirma que não faz uso desse “produto cultural” (FERRO, 2010;
FONSECA, 2012; CARMO, 2012), cinema para tratar do ensino de História na escola.
383
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Sob essa ótica, podemos salientar que a utilização das mídias cinemáticas na qualidade
de abordagem dos conteúdos históricos pode despertar nos estudantes, segundo os
investigados, um olhar profundo e analítico de todos os aspectos que compõem o filme,
incluindo sua produção. De acordo com uma das professoras pesquisadas, o cinema é:
Sem dúvida alguma [...] uma ótima abordagem, não só pelo conteúdo do
filme, mas também por despertar nos alunos um olhar mais profundo,
analisando todos os aspectos que envolvem o contexto de pré-produção,
produção e pós-produção de um filme, como a direção, a luz, a fotografia, os
diálogos, os cenários, o contexto em que a obra fílmica foi produzida, a
recepção do público e tantos outros significados e informações que a mídia
cinematográfica carrega. (Professora da Escola Municipal Altamir de Lacerda
do Nascimento, setembro 2014).
384
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
por despertar nos alunos um olhar mais profundo, analisando a época em que o filme foi
produzido, a direção, luz e tantos outros elementos que a mídia fílmica traz.
Outra categoria, a mídia cinemática como ferramenta didática e/ou recurso didático
corresponde aqueles professores que compreendem a mídia cinemática como um instrumento,
isto é, um material que auxilia no processo de desenvolvimento do trabalho pedagógico
docente, gerando aprendizagens aos estudantes em sala de aula. A utilização das mídias
cinemáticas, como ferramenta didática, evidencia uma “estratégia” de utilização do cinema em
sala de aula. De acordo com um dos professores pesquisados, o filme é concebido como:
“ferramentas que tornam as aulas de História mais didáticas e animadas” (Professor da
Escola Municipal de Ensino Fundamental João de Oliveira Martins). Nessa perspectiva, o filme
como “ferramenta didática” é um meio de trabalhar os conteúdos históricos de forma que o
mesmo possa contribuir para o aprimoramento da prática pedagógica, favorecendo e
estimulando o processo de ensino-aprendizagem por meio da promoção de debates e reflexões
organizadas sobre o conhecimento da História.
Dentre às seis categorias pontuadas no quadro acima, a que mais nos chama a atenção
é o binômio caracterizado pela fonte/conteúdo. Essa dimensão, que um único professor atribuiu
à mídia cinemática, reconhece que o filme é o próprio conteúdo, representa não apenas uma
maneira de conceber o filme, mas também de analisar o conteúdo histórico veiculado por esse
“produto cultural” (FERRO, 2010; FONSECA, 2012; CARMO, 2012). Nesse sentido, quando
o professor assevera que o filme é o próprio conteúdo, ele destaca a possibilidade de análise do
material fílmico em relação à História. A Fonte/Conteúdo denota uma característica peculiar.
Uma característica dada ao cinema como fonte da História, e como tal possui suas verdades e
inverdades, precisa ser analisada e refletida sob a égide de um contexto histórico, de uma
linguagem própria, com suas formas, seções e o contexto em que a obra fílmica foi produzida,
cenários, enredo, ideia do autor e do produtor, visto que o filme é produzido num coletivo e
numa determinada época até chegar aos telespectadores que são os receptores do filme pronto.
Essa materialidade da obra fílmica denota o trabalho árduo do professor que se dispõe
a trabalhar com filmes em sala de aula como fonte para o ensino de História e reflete na sua
prática uma conotação intrínseca que necessita de uma análise da conjuntura do filme
385
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente ilustração,
confirmação ou desmentido do outro saber que é o da tradição escrita.
Considerar imagens como tais, com o risco de apelar para outros saberes para
melhor compreendê-las. Os historiadores já recolocaram em seu lugar
legítimo as fontes de origem popular, primeiro as escritas, depois as não-
escritas: o folclore, as artes e as tradições populares. Resta agora estudar o
filme, associá-lo com o mundo que o produz. (FERRO, 2010, p. 86).
No que tange a utilização das mídias cinemáticas em sala de aula pelos professores,
quase 100% afirmou fazer uso da mesma e percebemos que a utilização deste “produto
cultural” (FERRO, 2010; FONSECA, 2012; CARMO, 2012) é considerada valiosa quando
utilizada com propósitos definidos pelo docente. Um dos aspectos que merece destaque neste
trabalho refere-se a sua finalidade de utilização, sendo unânime a intenção em proporcionar
aos estudantes uma significação do conteúdo através da estimulação, da reflexão e socialização
entre os colegas dentro da sala de aula.
386
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
São Paulo: Edições 70, 2012.
CARMO, Leonardo Cesar do. O cinema do feitiço contra o feiticeiro. Cinema de Massa e
Crítica da Sociedade. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2012.
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: a linguagem em movimento. 3. ed. São Paulo:
SENAC, 2004.
FERRO, Marc. Cinema e História. Tradução: Flávia Nascimento. São Paulo: Paz & Terra,
2010.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. Campinas: Papirus,
2012.
FLICK, Uwe. Uma introdução a pesquisa qualitativa. São Paulo: Bookman; Artmed, 2009.
SOARES, Luiz Paulo da Silva.; CHAIGAR, Vânia Alves Martins. A Mídia Cinemática sob a
ótica docente: Um estudo sobre o ensino de História na cidade do Rio Grande/RS. Revista
Diálogo Educacional, v. 19, p. 1596-1615, 2019. Disponível em: . Acesso em 29 jul. 2020.
SOARES, Luiz Paulo da Silva. Cartografando Experiências no Ensino de História: A Mídia
Cinemática como Fonte Educativa em Sala de Aula. Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEdu – Universidade Federal do Rio Grande
– FURG, Rio Grande, 2017.
387
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O objetivo da pesquisa foi evidenciar os impactos sentidos pelas comunidades tradicionais com
a inserção da mineração na Amazônia especificamente no Lago Grande Juruti Velho na região
oeste do estado do Pará no Baixo-Amazonas através da perspectiva das mulheres moradoras
da região levantando os principais problemas decorrentes da atividade da mineradora ALCOA.
Situada na História Social, a pesquisa adentra nas vivências, experiências e modos de vidas de
sujeitos sociais afetados por esta atividade econômica. A metodologia empregada foi a História
Oral através de entrevistas com as trabalhadoras/moradoras de comunidades. Ao atribuírem
significados às suas memórias, suas narrativas orais evidenciam diversas problemáticas
presentes em seus contextos de vida como a poluição sonora causada pelos trens que passam
pela estrada de ferro construída para o transporte da bauxita, bem como os ruídos das máquinas.
Há, também, a preocupação com a contaminação da água do Lago Grande Juruti Velho e,
principalmente, o medo de que o rio morra com a quebra da barragem de detritos da empresa.
Introdução
O Lago Grande Juruti Velho fica localizado no oeste do estado do Pará (Baixo
Amazonas) e em seu entorno habitam várias comunidades tradicionais. É uma região rica em
minérios, especificamente a bauxita, e por essa razão a empresa ALCOA (Aluminum Company
of America) escolheu seu território para exploração. Em 2006, a empresa foi implantada e
iniciou suas atividades, em meio a esse cenário, os moradores tiveram que se adaptar com as
mudanças que sua chegada causou. A memória desses moradores tem grande importância para
388
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
evidenciar como a mineração se insere na Amazônia e como impacta na vida das comunidades
tradicionais, visto que segundo Lindomar Silva:
As vozes das trabalhadoras rurais que vivem cotidianamente essa realidade evidenciam,
segundo suas perspectivas, a forma que esses impactos socioambientais afetaram a região.
O recorte espacial delimitado para a pesquisa foram 6 comunidades tradicionais do
entorno do Lago Grande Juruti Velho, que incluem as mais afastadas da sede da ALCOA como
Bom Jesus, Santo Antônio-Ingracia, Vila Muirapinima e Vila Vinente, como também as mais
próximas como Monte Sinai Católica e o Prudente. O recorte temporal escolhido abrange desde
da implantação da empresa em 2006 até os tempos atuais em que foram realizadas as entrevistas
nas comunidades. O objetivo norteador da pesquisa é analisar os impactos das atividades de
mineração da ALCOA através das narrativas orais de mulheres das comunidades da região.
A pesquisa situa-se no campo da História Social e da História vista de baixo, visto que
procura evidenciar as práticas, vivências, experiências e interpretações de sujeitos históricos
subalternos e dissidentes em relação à formação de uma memória hegemônica (WILLIANS,
1979) constituída na Amazônia que privilegia projetos econômicos para o “desenvolvimento”
e “progresso” da região.
A metodologia de pesquisa usada é a História Oral, no qual consistiu em utilizar de
instrumentos audiovisuais para realizar as entrevistas com as trabalhadoras/moradoras das
comunidades rurais da região do Juruti Velho. A História Oral para Alessandro Portelli “é uma
ciência e arte do indivíduo”, visto que, a partir desta metodologia o historiador penetra em
padrões culturais hegemônicos, estruturas sociais e processos históricos, que por meio do
diálogo com o seu entrevistado sobre suas experiências e memórias individuais, evidenciam os
impactos que estas tiveram em suas vidas (PORTELLI, 1997, p. 15). Segundo Jacques Le Goff
(1990, p. 424), a memória “[...] remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções
psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que
389
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ele representa como passadas”. Através das narrativas orais das moradoras, é visto a forma com
que a ALCOA se inseriu em suas vidas e como elas atribuem significados às suas memórias e
experiências individuais a partir dos impactos que a empresa causou na região. As mulheres
com quem dialogamos tem entre 32 e 63 anos e são agricultoras, pescadoras ou aposentadas.
O impacto mais levantado pelas moradoras foi a contaminação da água, segundo narra
Lidiane de Oliveira Cruz da Vila Muirapinima que nos diz: “os malefícios hoje é a poluição
dos rios, [...] a coloração da água mudô, hoje você não pode mais tomar água do rio [...]”. Nas
comunidades, a água era consumida diretamente do rio, mas ao continuar o seu uso surgiu
problemas de saúde nos moradores, disso partiu a necessidade de reivindicar a água potável e
a construção de um microssistema de tratamento de água para as comunidades. A dona Maria
da Saúde Sadi Souza da comunidade Monte Sinai Católico diz que: “A gente ajuda no diesel
pra puxar a água encanada daí porque essa água aí já tá um pouco meio poluída”. A moradora
Sandra Alves da Silva da comunidade Bom Jesus enfatiza: “A gente começou a sentir depois
problema de diarreia, vômito, depois da chegada dela”. Para Sandra, os moradores tiveram
complicações após a chegada da ALCOA. Os comunitários já solicitarem que profissionais
especializados da empresa fossem averiguar se há risco de contaminação grave da água, mas
não receberam resposta:
390
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Era muito bom aqui, quando me entendi nesse mundo, Juruti Velho era terra
da fartura, muito peixe, muita caça, eu ainda vi muita fartura aqui nesse rio.
[...] Caça não se vê, é muito difícil, antes era muito bom mas depois que essa
empresa entrou aí, eu acho que foi uma coisa muito ridícula (Crisvalda Batista
Lopes).
Quando a gente cheguemo aqui era bom, porque nós tinha peixe, fartura. Meu
marido pegava peixe com fartura, caça também era com fartura meu filhos
ele, tudo caçava e matava mesmo, difícil eles saírem de uma caçada que eles
não chegassem com caça. Hoje em dia nós passa... quando ele vai pra várzea
nós come quando ele não vai não tem... porque não tem como pegar coloca
malhadeira e não pega nada vai pro mato e não pegam nada também, e aí o
que a gente faz? Fica passando fome né passa fome, porque de antes essas
matas eram todas grandes era mata mesmo e hoje em dia não. Você anda
nessa estrada aqui é só aquele rebolado daquela capoeirinha baixa que tem já
é mais esse lavradão que tem e ficou muito ruim pra nós que mora aqui todo
esse tempo aqui fica muito ruim pra nós (Maria da Saúde Sadi Souza, 53 anos,
comunidade Monte Sinai Católico)
391
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
e povos indígenas, e em decorrência ameaça aos modos de vida e a sobrevivência destes, como
a fome enfatizada pela Maria da Saúde. Essas ações que impactam os moradores são
legitimadas pelo Estado e pelos meios de comunicação (SILVA, 2009, p. 3-4). A pesca, caça e
outras práticas tradicionais que os alimentam são passadas de geração para geração em Juruti
Velho como narrado por Maria da Saúde ao citar seu marido e filhos. Thompson explica que:
Outra questão levantada pelas moradoras das comunidades do entorno do Lago foi a
proliferação de insetos que evidenciam o desmatamento na região. Dona Crisvalda narra como
era no tempo em que seus pais eram vivos comparando com os dias de hoje:
No verão há muita perseguição de meruim [...] antes você dormia a noite por
baixo das ramas, que eu me lembro bem na época do meu pai quando era
muito quente, ‘umbora’ dormir debaixo da rameira que tá bonito muito a noite
muito linda (Crisvalda Batista Lopes).
392
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Em sua fala percebe-se uma mudança nas práticas sociais do passado comparados ao
do presente na relação com a natureza. Para ela e seus pais era comum usar da estratégia de
dormir fora para suportar o calor no período do verão, mas hoje não é mais possível por causa
dos insetos. Segundo dona Crisvalda, seus vizinhos e moradores da comunidade Prudente
também reclamam: “à noite, as comunidades vizinhas, aqui em Prudente, passam a noite toda
sem poder dormir com tanto carapanã”. A proliferação dos insetos está ligada diretamente ao
desmatamento.
A poluição sonora também é uma consequência da atividade de mineração devido à
Estrada de Ferro, que foi construída exclusivamente para transportar bauxita de Juruti Velho
até o porto da empresa que fica no município de Juruti. Para Cenira Camarão, o barulho foi
naturalizado durante esses anos e é o menor dos problemas: “a gente ouve barulho do trem a
modo que tá aqui pertinho mas é leve, de madrugada eu acordo e o trenzão tá aí, não é um
medo é uma alegria fica aquele barulhão né. Agora o medo só é da nossa água”.
Dona Cenira, e outras moradoras como dona Rosinete Prata, relatam que o medo a
respeito da água não é somente pela poluição, mas o medo por possível rompimento da bacia
de barragem da empresa.
A única preocupação que todo mundo tem, né, assim é sobre essa barragem
quando ela chegar a estourar aí. E esses daqui teve uns tempo mana que esses
meus filhos aqui não dormiam não. Ficaram muito com medo que não
estourou aquela barragem pra lá pra banda de Brumadinho, eles ficavam
muito com medo e eles não dormiam “Ai meu Deus” “ mas o que é?” aí
começavam a chorar dizendo “não mamãe, e se a barragem daí chegar a
estourar” “ minha filha só Deus pode livrar nós porque outro mais só...” né,
aí acho que é uma preocupação de todo mundo aí da região, todo mundo
(Rosinete Prata, 39 anos, comunidade Prudente).
Diante das notícias que são conhecedoras sobre a tragédia que ocorreu em Brumadinho
em que rompeu a barragem com rejeitos da mineradora Vale, o temor e a insegurança se tornam
recorrentes, principalmente quando chove.
393
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Isso nos leva a uma reflexão sobre as narrativas orais das moradoras ao mencionaram
a violência psicológica sofrida por elas, seus filhos e filhas, que vivem na incerteza de
segurança de vida, do rio e de suas moradias. Os moradores já solicitaram para que a empresa
levasse técnicos especializados para diagnosticarem a situação da bacia, como também os
mesmos já foram através das representantes das comunidades para observar pessoalmente, mas
segundo os mesmos, não tinham o conhecimento para tirar suas próprias conclusões. E para
Canto, a “instalação dos equipamentos para exploração e processamento do minério, próximo
à borda do Lago, afeta e põe em risco a organização territorial das comunidades do Lago e,
inclusive, poderá ameaçar as suas existências”. (CANTO, 2008, p. 253).
Conclusão
Os impactos recorrentes da atividade mineradora na vida das moradoras foram: a
impossibilidade de caçar para consumo próprio e familiar em territórios que foram
privatizados, logo, proibidos. A proliferação de insetos devido o desmatamento na serra, a
perda de qualidade da água e a poluição sonora já naturalizada pelas moradoras.
As transformações ocorridas nas vidas das moradoras/trabalhadoras das comunidades
do Lago Grande de Juruti Velho desde da implantação da empresa de exploração de bauxita
ALCOA até os dias atuais, demonstram o quanto são afetadas as populações tradicionais da
Amazônia com mito do “progresso” imposto pelo poder político e econômico. Antes um Juruti
Velho com muitas riquezas, mas hoje possui uma população que passa fome e que vive com o
medo e a incerteza de que seu rio morra com o rompimento da barragem da empresa ALCOA.
Tais narrativas, nos levam a refletir como a inserção do capitalismo na Amazônia, que não
somente afeta a natureza, mas todo o meio, como os povos tradicionais, sua organização social,
econômica, que ameaça as suas existências e moradias.
394
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
395
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Pretende-se nesta comunicação apresentar os resultados preliminares do projeto “Mensagens
dos Governadores à Assembleia legislativa do Amazonas: análise histórica e arquivística”,
coordenado pelo professor Leandro Coelho de Aguiar, realizado entre 2019 e 2020 com bolsa
na modalidade PIBIC UFAM.
O projeto iniciou em 2018, com outra bolsista, onde foi realizado o levantamento das
instituições de custódia de acervos documentais históricos no Amazonas responsáveis pela
guarda de tal acervo. Em 2019, renovado o projeto, iniciou-se a identificação das “mensagens”,
da organização de seu arranjo, situação de preservação e acesso. Ainda nessa etapa, efetuou-se
a leitura do conteúdo das falas que envolvem a concepção de “patrimônio documental”,
principalmente buscando os termos “Archivo”, “Archivo público”, “Archivista”, “Biblioteca
pública”, “Museu” e “Instituto geográfico e histórico”. Cabe ressaltar que neste momento do
projeto, devido ao tamanho do acervo, a análise restringiu-se ao Museu Amazônico da UFAM.
Introdução
396
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
397
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
disponibilizado o acesso à tais informações que, por sua natureza, são de extrema relevância
para a reconstrução da memória social.
Para Ana Celeste Indolfo (2007), “[…] os documentos serviram e servem tanto para a
comprovação dos direitos e para o exercício do poder, como para o registro de memória”
(INDOLFO, 2007, p. 29). Uma vez que tal patrimônio de cunho social possui finalidades de
âmbito jurídico para, como citado anteriormente, a comprovação de direitos e histórico para a
memória de determinado estado social, percebe-se a importância de aplicar as melhores
práticas de preservação e acondicionamento dos mesmos.
Em seus estudos, José Maria Jardim (1995) reúne conceitos diversos sobre a construção
da memória nos arquivos públicos e, em determinado momento, cita que “[…] desde a mais
alta Antigüidade, o homem demonstrou a necessidade de conservar sua própria ‘memória’
inicialmente sob a forma oral, depois sob a forma de graffiti e desenhos [...]” (LODOLINI,
1990, p. 157, apud JARDIM, 1995, p. 4). Dessa forma, percebe-se que a memória de
determinado grupo social fora registrada em diversos suportes ao longo da história humana.
[…] Visto que os documentos são uma forma de expressão da memória, então
os arquivos são os detentores da memória individual e coletiva, servindo de
suporte para a constituição da história das instituições e da identidade de um
determinado povo. (PEREIRA, 2011, p. 24, apud MERLO; KONRAD, 2015,
p. 35)
398
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Sendo assim, o material de estudo desta pesquisa, tendo sido gerado por atos do poder
público em diferentes gestões do governo, estando sob a guarda de instituições como o Museu
Amazônico da UFAM e o Arquivo Público do Estado do Amazonas - APEAM, se caracteriza
como um patrimônio documental que constitui a memória coletiva do povo do Estado do
Amazonas. Tal material permite com que os indivíduos de tal sociedade possam “rememorar
sua história” (MERLO e KONRAD, 2015, p. 31), pois as mensagens possuem diversos
assuntos no que tange ao poder público, como saneamento, instituições de ensino, saúde,
segurança, finanças, casos particulares que mereciam atenção em determinadas épocas, assim
como as próprias instituições de Arquivo e Biblioteca Pública do Estado. Porém, para que tal
memória não se perca, ou seja facilmente reprimida, é necessário que haja esforços na difusão
de tal patrimônio documental. Surge, então, a necessidade de difusão de tal patrimônio, em
específico, a difusão editorial, por se tratar do que objetiva esta pesquisa.
Metodologia
399
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A realização desta pesquisa teve início com o levantamento das mensagens dos
governadores as quais se dividiram entre os locais de pesquisa, como pode ser visualizado na
tabela abaixo apresentada por Rosangela Oliveira França no CONIC UFAM 2019:
400
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Através dos dados obtidos até o momento desta publicação, foi possível identificar com
clareza as mensagens dos governadores, em suporte de papel e microfilme, que estão sobre a
guarda do Museu Amazônico da UFAM. Tais mensagens se encontram em um estado de
conservação regular no geral. Devido ao progresso atual em que se encontra a análise dos
termos descritos nas mensagens dos governadores em suporte de papel do Museu Amazônico
da UFAM, as tabelas foram separadas entre quantitativa para as em suporte de microfilme
(Tabela 2), a qual apresenta o total de termos encontrados, e qualitativa para as de suporte em
papel (Tabela 3., em apêndice), focada mais na comunicação do tipo de conteúdo de tais
mensagens, podendo ser: 1) mensagem e relatório juntos; 2) apenas relatório; 3) apenas
mensagem.
Durante a pesquisa, foram encontradas variações dos termos que refletem a evolução
linguística do português, tais como Archivista, Arquivista, Bibliothecário (a), Muzeu, Muzeo
e, por se tratar de um termo antigo para denominar a função que seria ocupada pelo futuro
arquivista, Amanuense.
401
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Arquivista 3
Biblioteca 92
Bibliotheca 102
Bibliotecário (a) 5
Bibliothecário (a) 0
Museu 19
Muzeu 0
Muzeo 0
IGHA 3
Amanuense 9
Fonte: Dos dados coletados pelo próprio autor.
Considerações Finais
Tendo em vista a difusão de tal tipo de informação para a construção da memória social
do Estado do Amazonas, exposta através das mensagens analisadas nos acervos do Museu
Amazônico da UFAM, no Arquivo Público do Estado do Amazonas (APEAM), no Center for
Research Libraries – Digital Delivery System, Biblioteca Pública do Amazonas, Biblioteca
Mario Ypiranga (Centro Cultural Povos da Amazônia), Biblioteca Arthur Reis (Centro Cultural
Povos da Amazônia), Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e Arquivo
Nacional (site), os resultados parciais desta pesquisa possuem potencial para auxiliar
pesquisadores que abordam temas aos quais possam recorrer ao produto final deste projeto de
pesquisa, a fim de encontrar de forma rápida a existência, a localização e as condições em que
se encontram os documentos de que necessitem.
Tendo em vista a extensão das mensagens e locais a serem analisados, este projeto dará
continuidade através do levantamento de mensagens existentes em outras instituições para,
402
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
assim, ao final deste projeto, poder oferecer um instrumento de pesquisa eficaz que facilite o
desenvolvimento de outras pesquisas.
Referências
Tabela 3. Tipo e Conservação das mensagens encontrados em papel no Museu Amazônico da UFAM
Descrição Tipo¹ Conservação²
0000.00.00 2 2
1897.00.00 2 2
1897.07.15 2 2
1897.09.01 2 2
1897.12.15 2 1
1898.01.01 ou
2 3
1898.00.00
1899.00.00 Em branco 3
1900.06.11 2 1
1900.06.11 2 1
1903.06.12 2 2
1903.06.12 2 1
1903.06.12 2 1
1903.07.10 3 2
1904.01.20 1 2
1905.04.15 1 1
1905.05.00 2 2
1911.05.08 1 2
1912.00.00 2 2
403
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
1916.11.09 2 3
1921.07.15 2 3
1927.00.00 2 1
1927.00.00 2 2
1927.06.05 2 1
1928.00.00 2 3
1930.00.00 2 2
1930.00.00 2 2
1930.12.20 2 2
1932.00.00 2 2
1936.00.00 2 1
1936.00.00 2 1
1936.01.20 2 1
1936.08.02 2 1
1938.00.00 2 1
1939.00.00 2 3
1940.00.00 2 3
1940.00.00 2 2
1940/1939 2 2
1941.00.00 2 3
1943/1942 2 1
1944.00.00 2 2
1946.00.00 2 1
1947.00.00 2 1
1948.00.00 2 1
1949.05.13 2 2
1951.05.14 2 1
1951.05.14 2 2
1952.00.00 2 1
1956.03.11 2 1
1964.03.15 1 1
1965.03.15 1 1
1965.03.15 1 1
1966.02.02 2 1
1967.03.02 1 1
1969.00.00 2 2
1971.02.00 2 1
1975.03.01 1 1
1979.00.00 2 1
1979.03.01 ou
1 1
1982.03.01
1980.03.01 1 1
1984.00.00 2 1
1990.03.14 2 1
Fonte: Dados coletados pelo próprio autor.
¹tipo: (1) mensagem e relatório juntos; (2) apenas relatório; (3) apenas mensagem.
²conservação: (1) ótimo; (2) regular; (3) péssimo.
404
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
A fronteira entre as Terras do Cabo Norte e a Guiana Francesa foi palco de litígios, tanto no
período colonial como após a independência. Tornou-se espaço de fugas e interações sociais
entre diferentes sujeitos que por ela transitavam, sobretudo durante os anos de 1835 e 1840 em
que ocorreu a Cabanagem na Província do Grão-Pará. Assim, este artigo analisa estudos sobre
esta região fronteiriça, entre o Brasil e França, com o objetivo de entendê-la enquanto espaço
social, onde sujeitos envolvidos nos conflitos e outros que não estavam diretamente ligados às
lutas cabanas desenvolveram sociabilidades, trocavam ideias, experiências e solidariedades, de
tal modo que conseguiam forjar estratégias de sobrevivência e resistência em meio a um
contexto de instabilidade política, econômica e social. Para isso utilizaremos pressupostos da
História Social e o conceito de Heterotopia desenvolvido por Michel Foucault buscando assim
identificar e analisar a agência de diferentes sujeitos nesta fronteira Franco-Brasileira no
primeiro quartel do século XIX.
Introdução
Desde os tempos coloniais a região fronteiriça entre o Brasil (Terras do Cabo Norte
pertencente ao Grão-Pará - correspondente ao atual Estado do Amapá) e França (Departamento
Ultramarino chamado de Guiana Francesa), tornou-se espaço de trânsito e fluxo de diferentes
sujeitos, como franceses, negros escravos e livres, indígenas e soldados desertores. Essa
circulação foi intensificada, sobretudo, durante o período em que ocorreram as lutas e tensões
em torno da Cabanagem no século XIX.
405
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
É importante dizer que durante a Cabanagem a fronteira, entre o rio Amazonas e o rio
Oiapoque, no Brasil, por possuí uma localização estratégica tornou-se reduto para os sujeitos
em conflitos e outros que não estavam ligados diretamente às lutas cabanas. Assim, entre vários
igarapés e furos, matas e florestas ocorriam encontros de fugitivos (indígenas, negros escravos
e livres, soldados desertores) e colonos, fazendeiros, comerciantes franceses, de ambos os lados
da fronteira. Esses sujeitos, por meio de sociabilidades, trocavam ideias, experiências e
solidariedades, de tal modo que conseguiam forjar estratégias de sobrevivência e resistência
em meio a um contexto de instabilidade política, econômica e social.
É interessante destacarmos a existência de estudos e pesquisas sobre relações sociais na
fronteira Franco-Brasileira no período colonial, porém não há estudos significativos sobre essa
temática na primeira metade do século XIX, sobretudo, que trate especificamente desse tema
nesse espaço fronteiriço durante o movimento da Cabanagem ocorrido na Província do Grão-
Pará no período pós-independência.
Assim sendo, nosso objetivo é analisar estudos de autores que pesquisaram sobre essa
fronteira no período colonial e após a independência, principalmente no período em que
ocorreram as lutas cabanas (tendo em vista que essa região entre as Terras do Cabo Norte e a
Guiana Francesa pertencia à Província do Grão-Pará) buscando com isso compreender essa
fronteira enquanto espaço social, onde os sujeitos que por ali transitavam desenvolveram
relações sociais.
Para isso utilizaremos pressupostos da História Social para compreendermos a agência
de diferentes sujeitos históricos na fronteira Franco-Brasileira desde o período colonial até o
século XIX, em específico no contexto da Cabanagem, bem como faremos uso do conceito de
“Outros Espaços”, ou Heterotopia, desenvolvido por Michel Foucault que nos permite pensar
a fronteira como espaço social, ou seja, “espaços efetivamente vividos e socialmente
produzidos” (ROMANI, 2008, p. 47).
Cabe salientar que este artigo apresenta resultados iniciais de uma pesquisa que se
encontra em desenvolvimento. Assim, a proposta desse trabalho é apresentar uma análise
bibliográfica sobre a região fronteiriça entre o Brasil e França com ênfase no contexto da
Cabanagem. Desta forma, começamos estabelecendo uma relação entre História Social, o
conceito de heterotopia e fronteira, seguindo com a apresentação de alguns estudos sobre a
406
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
fronteira Franco-Brasileira no período colonial, buscando com isso familiarizar o leitor com
questões fronteiriças nessa região e concluímos com a análise sobre esse espaço fronteiriço no
período da Cabanagem.
27 Em 1967, ao participar de uma conferência de arquitetura, Michel Foucault apresentou o texto Outros Espaços,
por meio do qual discorreu sobre o conceito de Heterotopia. Vale ressaltar que o autor só autorizou a publicação
desse texto em 1985.
407
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
408
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
a compreender este contexto em que diferentes sujeitos criaram e recriaram suas próprias
trajetórias de vida.
Terras do Cabo Norte e sua fronteira com a Guiana Francesa no período colonial
409
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Assim, percebemos que a militarização da região fez com que diferentes sujeitos
reconfigurassem a movimentação nesse espaço fronteiriço, pois somado às deserções de
militares estavam também as fugas de negros escravos, livres e indígenas, que sabendo se
beneficiar do recorte geográfico da região, com muitos rios e planícies, fugiam tanto dos
recrutamentos militares como de seus senhores, e assim iam constituindo mocambos, espaços
onde podiam mesmo que de maneira temporária desfrutar de certa autonomia e proteção.
Flávio Gomes enfatiza que a fronteira não era apenas um refúgio geográfico, ia além,
era também um esconderijo social e econômico. Transformava-se, portanto, em um espaço
social onde “negros, escravos fugidos, libertos ou livres, também indígenas e outros setores
sociais criaram [...] um espaço para contatos e cooperação” (ACEVEDO MARIN; GOMES,
2003, p. 72) em meio as matas e rios. Estavam fugidos, mas não isolados.
Entre esses outros setores sociais com que desertores e fugitivos mantinham contato
estavam, taberneiros, cativos nas plantações, vendeiros, vaqueiros escravos, donos de canoas,
comerciantes, outros escravos, bem como colonos e indígenas do outro lado da fronteira. Desse
contato com os “acoutadores dos fugitivos” desdobravam-se apoio, proteção, trocas mercantis
e circulação de experiências. Nesse sentido, Gomes destaca que,
410
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
411
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
412
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Dessa maneira, nota-se que o contato entre franceses e cabanos ocorridos nesse posto
francês e seus arredores, demonstrava que os franceses estavam mais interessados em dar-lhes
abrigo do que em combatê-los. E assim, cabanos, negros e indígenas iam forjando, nessa região
limítrofe, estratégias de sobrevivência e subsistência.
Destacamos que apesar deste posto ter se tornado um lugar de refúgio, “Os ‘pretos’
fugiam constantemente e os índios permaneciam no posto apenas o tempo suficiente para
413
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
realizar seus escambos” (PAZ, 2017, 98), ou seja, a Cabanagem havia causado uma intensa
movimentação na Fronteira Franco-Brasileira, assim como possibilitava as redes de trocas, seja
de mercadorias e/ou de experiências entre diferentes sujeitos sociais.
Assim sendo, podemos inferir que durante a permanência do posto francês em território
brasileiro cabanos, indígenas e negros escravos e livres, souberam se beneficiar do refúgio
oferecido pelos franceses até o ano de 1840, quando foram intimados a se retirarem dessa
região. Vale salientar que desde 1838 o governo brasileiro exigia a retirada desse posto francês
das terras brasileiras, pois dizia que a ordem já havia sido restabelecida na província e, sendo
assim, não havia mais motivos para continuarem ali instalados.
O contexto da Cabanagem, portanto, possibilitou a agência de diferentes sujeitos
históricos e sociais nessa fronteira amazônica do século XIX. Essa agência manifestou-se por
meio de laços de solidariedade e redes de troca e proteção em meio às tensões e conflitos do
movimento cabano na fronteira Franco-Brasileira.
Considerações finais
414
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
limitação, sobretudo, que enfatize a agência de sujeitos históricos nessa região fronteiriça nesse
período. Todavia, encontramos dois estudos que abordam a instalação de um posto militar
francês nessa região de fronteira no período de 1836 a 1840.
Esses trabalhos nos ajudaram a compreender que a instalação deste posto francês, bem
como seus arredores, serviu de espaço para interações sociais entre diferentes sujeitos que
buscavam ali refúgio, pois lá encontravam alimentos, certa proteção e ainda realizavam trocas.
No entanto, percebemos que há necessidade de mais estudos e pesquisas sobre a agência de
sujeitos nessa região de fronteira no contexto da Cabanagem, o que nos instiga a continuar
pesquisando sobre esse tema.
Referências
ALVES, Débora Bendocchi. Reação francesa às ameaças de Cabanos e Bonis no território
litigioso entre o Brasil e a Guiana Francesa (1836-1841). Almanack. Guarulhos, n. 14, p. 160-
195, 2016.
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R (Org.). Domínios da
História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. cap. 2.
DEFERT, Daniel. “Heterotopia”: Tribulações de um conceito entre Veneza, Berlim e Los
Angeles. In: FOUCAULT, M. O Corpo utópico, As heterotopias. Posfácio de Daniel Defert.
Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: N-1, 2013.
FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Organização e seleção
de texto, Manoel Barros da Motta, tradução, Inês Autran Dourado Barbosa – 2 ed. - Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009. Texto consultado: Outros Espaços, p. 411-422 (Ditos e
escritos, III).
GOMES, Flávio dos Santos. Fronteira e mocambos: o protesto negro na Guiana Brasileira. In:
______. Nas Terras do Cabo Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira
– século XVIII/XIX. Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.
GOMES, Flávio dos Santos; NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. Outras paisagens coloniais:
notas sobre desertores militares na Amazônia setecentista. In: GOMES, F. S. (Org.). Nas Terras
do Cabo Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira – século XVIII/XIX.
Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo. Prosperidade e Estagnação de Macapá Colonial: As
experiências dos colonos. In: GOMES, F. S. (Org.). Nas Terras do Cabo Norte: fronteiras,
colonização e escravidão na Guiana Brasileira – século XVIII/XIX. Belém: Editora
Universitária/UFPA, 1999.
415
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
416
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O objetivo da pesquisa é analisar as lutas contra a pesca comercial, protagonizadas por
trabalhadores rurais de comunidades situadas no entorno de lagos da zona rural de
Parintins/AM entre 1980-2000. A metodologia da pesquisa baseou-se na História Oral através
de entrevistas com os moradores das comunidades rurais. Para entender o contexto do
fortalecimento da pesca comercial, recorremos à imprensa através do Jornal do Comércio. O
crescimento urbano de cidades como Manaus, Parintins e Santarém aumentou a demanda por
recursos naturais (peixes e madeira) de áreas florestais e essas atividades impactaram os modos
tradicionais de viver de moradores de comunidades rurais. A vigília de lagos, os Acordos de
Pesca e a formação do Grupo Ambiental Natureza Viva (GRANAV) foram estratégias
utilizadas na defesa dos recursos naturais nesta região.
Palavras-chave: Pesca comercial; Comunidades rurais; Parintins;
Introdução
Considerando que “a memória histórica constitui uma das formas mais poderosas e sutis
da dominação e legitimação” (ALMEIDA et al., 2004), esta pesquisa pretende perscrutar as
memórias alternativas tecidas na contramão de projetos econômicos dominantes e
hegemônicos, como a pecuária e a pesca comercial na região no Baixo Amazonas,
especificamente na zona rural do município de Parintins/AM, entre os anos de 1980 a 2000.
28 Esta pesquisa está referenciada na minha tese de doutorado que foi defendida no ano de 2017 na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, sob a orientação da Prof.ª Drª Olga Brites e foi financiada pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
417
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
418
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
29 A partir da década de 80, a desvalorização da fibra levou à desestruturação deste setor econômico e a inversão
do capital que antes era empregado na juta para a pecuária, pesca comercial e o corte de madeira.
419
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
criação de pastos, que incluía a destruição da mata ciliar e de igapó30 em rios e lagos,
fundamentais para a procriação dos peixes. O crescimento urbano de Parintins/AM,
Manaus/AM e Santarém/PA também pressionou o estoque pesqueiro dos lagos da região, pois
aumentou a demanda por peixes nas feiras dessas cidades, o que fez com que os trabalhadores
rurais, quando muito, pescassem apenas para a alimentação do dia. Anteriormente ao avanço
da pecuária e a estruturação da pesca comercial, os lagos eram fartos com várias espécies de
peixes. Ao perceberam a redução do peixe em rios e lagos próximos às comunidades rurais em
que moravam, os trabalhadores rurais começaram a organizar as Lutas em Defesa dos Lagos.
Em Parintins, os conflitos de pesca e a organização de moradores das comunidades
rurais se intensificaram na década de 80, pois foi o período em que a pesca comercial dos
estados do Amazonas e do Pará chegou aos lagos do Baixo-Amazonas. A intensa vazante de
1980 dificultou a entrada nos lagos próximos à Manaus, pois os barcos pesqueiros não
conseguiam passar por seus pequenos acessos. Os pescadores buscaram, assim, novos lugares
para a prática da pesca comercial: “a Colônia Z-12 está tomando as necessárias providências.
Inclusive, orientando barcos pesqueiros para a execução da pescaria no Baixo-Amazonas,
região ainda não explorada intensivamente” (JORNAL DO COMÉRCIO, 1980). Essa
reportagem do Jornal do Comércio mostra as alternativas que estavam sendo criadas para
driblar a estiagem e que acabou por estender a pesca comercial para os lagos do Baixo
Amazonas, que começaram a fornecer de modo sistemático peixes para os mercados de
Santarém/Belém (Pará) e para Manaus (Amazonas).
Nos artigos do Jornal do Comércio, vislumbram-se as diferentes experiências em que
a estruturação da pesca comercial é erigida no Estado do Amazonas. A partir das reportagens
selecionadas, percebemos como essa atividade incorporou novos espaços de pesca e
comercialização (rios, lagos, construção de terminais de pesca e frigoríficos); impactou o
mundo do trabalho impondo dificuldades àqueles que já estavam ligados à produção pesqueira
de pequeno porte (mercadores e pescadores); criou contingentes de trabalhadores assalariados
e desenvolveu a tecnologia de captura de pescado em larga escala. RAMALHO (2014) afirma
30 A vegetação de igapó é aquela à margem dos rios, lagos e igarapés, parcialmente submersa durante um período
do ano. É um local muito importante para a preservação das espécies de peixes, pois no igapó os peixes encontram
alimentação e procriam.
420
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que entre 1962 a 1989, o Estado brasileiro apoiou a formação de uma classe empresarial na
pesca, pois a industrialização no setor não havia sido consolidada até então e a SUDEPE31
empreendia esforços para realização desse objetivo. O autor coloca ainda que “os pescadores
deixaram de ser vistos pelo Governo Federal apenas como reserva naval e passaram a ser
compreendidos como força de trabalho de reserva para os industriais da pesca”.
A pesca comercial destinava-se, em grande parte, aos mercados consumidores nos
estados do Pará e Amazonas e, também, aos mercados internacionais no Peru, Colômbia e
Japão. Tanto ribeirinhos quanto cientistas ligados às entidades de educação e pesquisa no
Amazonas (INPA/UFAM) teciam duras críticas à exportação do peixe, sustentando que uma
de suas consequências era a diminuição da mercadoria e o aumento do valor nos mercados
locais.
A forma de realização da pesca comercial também foi objeto de controvérsias, pois
levou a uma redução drástica de algumas espécies, que ficaram à beira da extinção:
O barco que esteve no Rio Andirá segundo Socorro Dutra Lindoso capturou
sete mil peixes afora os “bichos de casco” e como não tinham como conservar
o pescado, seus tripulantes deram um pouco para os caboclos e jogaram mais
de dois mil de volta ao rio porém mortos (JORNAL DO COMÉRCIO, 1981,
p. 05).
421
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A pesca comercial era realizada em navios com geleiras para armazenar toneladas de
pescado, que permaneciam semanas nos lagos e usavam apetrechos de pesca com grande poder
de captura, como redes de arrastão, que também aprisiona peixes pequenos e sem valor
comercial, que eram atirados mortos de volta aos lagos. Os conflitos de pesca eram
protagonizados justamente por moradores/pequenos agricultores das comunidades rurais, que
tinham no pescado uma das principais fontes de proteína. O aumento do número de conflitos
de pesca foi evidenciado pelos jornais:
422
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Eraldo – Uma das estratégias era que a gente precisava de uma instituição
que pudesse ser o suporte da luta que tava tendo...
Mônica – O sindicato não servia nesse momento?
Eraldo – Não, era muito frágil. Ele não conseguia dar suporte pra essa luta.
Mônica – Mas vocês atuavam com o sindicato também?
Eraldo – A gente era associado. Tinha a Igreja através da CPT, mas a gente
pensava que em alguns momentos eles poderiam deixar de atuar, então a gente
precisava de uma organização que fosse, que estivesse mais próximo...
independente da Igreja... e tinha também é... assim uma organização que
pudesse fazer esse link com essas instituições: Igreja, IBAMA, Ministério
Público, Sindicato, CDDH, CPT, que na época tinha né, então a estratégia era
essa, ter uma organização que pudesse tá se comunicando assim com outras
instituições externas (ALBUQUERQUE, 2016).
423
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
424
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações finais
425
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, Gerson Rodrigues de. Seringueiros, Caçadores e Agricultores:
Trabalhadores do Rio Muru (1970-1990). Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 1995.
ALMEIDA, Paulo Roberto; FENELON, Déa; KHOURY, Yara Aun; MACIEL, Laura Antunes
(orgs). Muitas Memórias, Outras Histórias. São Paulo: Olho Dágua, 2004.
ARANTES NETO, Antônio Augusto. Paisagens Paulistanas: transformações do espaço
público. Campinas, SP: Unicamp; Imprensa Oficial, 2000.
PANTOJA, Geandro Guerreiro. Acordos de Pesca: instrumentos para a cogestão dos recursos
pesqueiros em Parintins–AM. Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia). Universidade Federal do Amazonas/UFAM. 2006.
POZZI, Pablo. Esencia y prática de La historia oral. In: Tempo e Argumento. Revista do
Programa de pós graduação em História da UDESC (Universidade do Estado de Santa
Catarina). Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 61-70, jan/jun. 2012.
RAMALHO, Cristiano W. N. Estado, Pescadores e Desenvolvimento Nacional: da reserva
naval à aquífera. In: Ruris, vol. 8, nº 1, março/2014.
SOUZA, Leno José Barata. “Cidade Flutuante”: Uma Manaus sobre as águas (1920-1967).
Tese (História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2010.
Fontes Orais
⚫ Eraldo Albuquerque, 42 anos, casado. Sua entrevista foi realizada na sede da
EMBRAPA em Parintins. Eraldo fez agroecologia na Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). Entrevistado por Mônica Xavier de Medeiros em 02/03/2016.
Gravado em áudio. Duração: 53 minutos. (25 páginas).
Jornais
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Manaus ameaçada de ficar sem pescado na Semana
Santa: Vazante está grande. 29/02/1980. Cidade. Edição nº 22.926.
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Piscicultura motivou debates entre deputados e técnicos.
p. 8. Edição nº 22.989. Manaus/AM.
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Socorro denuncia barcos de pesca de Parintins no Rio
Andirá. 12/11/1981. Geral. p. 5. Edição nº 32.533. Manaus/AM.
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Povo de Itapiranga reunido para denunciar o estrago do
peixe. 15/11/1981. Cidade. p. 3. Edição nº 32.536. Manaus/AM.
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Capitania investiga massacre de 12 tripulantes do barco
pesqueiro. 12/02/1980.
⚫ JORNAL DO COMÉRCIO. Clima de tensão: Ribeirinhos disputam lagos com
pescadores. 13/01/1987. Cidade. p. 10. Manaus/AM.
426
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente trabalho propõe-se a analisar a perspectiva uruguaia acerca da ditadura varguista a
partir da documentação diplomática. Este período do Estado Novo (1937-1945) é marcado pelo
autoritarismo de Getúlio Vargas, com violência, perseguição, exílio e repressão de seus
opositores. No Uruguai, após a ditadura de Gabriel Terra (1933-1938), ocorreu um amplo
processo de redemocratização conduzido pelo terrista Alfredo Baldomir (1938-1943) que
transmitiu o poder constitucional ao também colorado Juan José de Amézaga (1943-1947),
com uma campanha vitoriosa intitulada “Amézaga, candidato de la democracia”. Nesse
contexto, marcado pela deflagração da II Guerra Mundial (1939-1945), torna-se curioso e
necessário averiguar a perspectiva de um país vizinho, que passou por um processo de
redemocratização, acerca da ditadura varguista. Dessa maneira, a partir de sua projeção
regional, explorar-se-á os efeitos- e as contradições- da política externa estadonovista a partir
da ótica de diplomatas e políticos uruguaios. Isto é, o olhar de um país vizinho tem muito a
contribuir para a história nacional, em especial, de um período ditatorial em que as liberdades
eram cerceadas.
Palavras-chaves: Ditadura do Estado Novo; Getúlio Vargas; Relações Brasil-Uruguai
Introdução
A região do Rio da Prata foi uma preocupação constante e fundamental na política
externa brasileira do século XIX, sobretudo, em seu projeto a nível regional. Aqui, abordar-se-
á a região platina como um subsistema das Relações Internacionais do Brasil. Entende-se como
região do Prata países que estão física e historicamente inseridos na Bacia do Rio da Prata
(Argentina, Paraguai e Uruguai), banhados pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, e não por
terem feito parte, no período colonial, do Vice-Reino do Rio da Prata. A Bolívia fez parte deste-
427
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
era conhecida como Alto Peru-, mas, após a independência, geográfica e historicamente está
voltada para os Andes, embora o país seja signatário do Tratado da Bacia do Prata, de 1969.
Desde o processo de formação dos Estados Nacionais, a Banda Oriental enfrentou um
intenso conflito, ora externo, ora interno, até consolidar-se como Estado Oriental do Uruguai.
O Brasil, por sua vez, projetou-se no Rio da Prata como uma prioridade de sua política externa
imperial frente à rivalidade portenha. Nas palavras de Moniz Bandeira, eram os tempos do
expansionismo brasileiro, pois o Rio da Prata representava a chave de acesso ao estuário
superior do Paraná, Uruguai e Paraguai, que banhavam terras consideradas das mais ricas e
férteis do Brasil. Portanto, um elemento estratégico geopolítico e militar decisivo.
(BANDEIRA, 1998). Essa preocupação geopolítica permaneceu na formulação da política
externa brasileira ao longo do século XX.
Para analisar a perspectiva uruguaia acerca da ditadura varguista, a pesquisa
fundamentou-se em uma vasta e rica documentação diplomática do Archivo Histórico-
Diplomático de la República Oriental del Uruguay, em Montevidéu. Trata-se de uma
documentação composta por ofícios, despachos, telegramas, notas, relatórios, cartas e maços
pessoais analisada a partir do conceito de “forças profundas” de Pierre Renouvin e Jean-
Baptiste Durosselle. Para Renouvin e Duroselle, era necessário ir mais adiante e analisar as
“condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses econômicos e financeiros,
os traços da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais”, pois estas são “as forças
profundas que formaram o quadro das relações entre os grupos humanos e, em grande parte,
lhes determinaram o caráter”. Através desses documentos trocados entre as chancelarias,
embaixadas e consulados, é possível verificar a(s) perspectiva(s) do vizinho, no caso o Uruguai,
acerca da ditadura do Estado Novo. Com isso, pretende-se analisar os impactos, efeitos e
contradições de um regime ditatorial visto por um país vizinho que passava por um processo
de redemocratização num período marcado pelo conflito mundial.
428
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
estabilidade política regional; a não intervenção nos assuntos internos dos países vizinhos e a
permanente preocupação de manter o entendimento e o diálogo fluido com Buenos Aires. Isto
é, a política varguista dava continuidade à adesão, à solução pacífica de controvérsias e à
preocupação em aumentar o comércio regional, mas não estava totalmente descartada a
hipótese de guerra com o vizinho argentino. (DORATIOTO, 2014, p. 115). Cabe lembrar que
a perspectiva diferenciada de inserção na ordem internacional, somada à disputa pela influência
sobre os países vizinhos (Uruguai, Bolívia e Paraguai), marcou as relações políticas de
Argentina e Brasil entre 1930 e 1942. (SVARTMAN, 1999, p. 54).
Para Svartman, a construção da hegemonia brasileira na região não se restringia apenas
à presença econômica e à superioridade militar, mas envolvia também o campo político-
diplomático propriamente dito. No decorrer do Estado Novo, o Itamaraty imprimiu uma
orientação no sentido de intensificar a presença política brasileira nos demais países latino-
americanos, especialmente naqueles que faziam fronteira tanto com o Brasil quanto com a
Argentina. (SVARTMAN, 1999, p. 107). No plano bilateral, o Brasil também executaria uma
política ativa, cuja orientação era ampliar a sua presença política e econômica sobre os seus
principais vizinhos, em especial Uruguai e Paraguai.
Para isso, o Brasil explorava a rivalidade histórica entre os vizinhos platinos. Exemplo
dessa tradicional rivalidade no Prata entre Argentina e Uruguai foi a ruptura das relações
diplomáticas entre os países entre julho e setembro de 1932. (NAHUM, 1996, p. 194). Mais
uma vez os países platinos rompiam as relações diplomáticas por motivos de asilo político para
opositores do país vizinho, as chamadas “atividades de elementos subversivos” no território de
um ou outro. Depois de dois meses do rompimento das relações diplomáticas, Juan José de
Amézaga foi enviado por Gabriel Terra, como agente confidencial, a Buenos Aires para
retomar as relações entre os países vizinhos, e obteve sucesso. Enquanto isso, as relações com
o Brasil se intensificaram.
Nesse contexto, como contrapeso à Argentina, as relações do Brasil com o Uruguai
mereceram certa atenção da diplomacia brasileira e da diplomacia uruguaia. (GOMES, 2017;
p. 99-100). Com maior estabilidade política, apesar das radicalizações ideológicas entre
integralistas e comunistas, Vargas passou a valorizar uma presença mais ativa na região platina,
cuja orientação era ampliar a sua atuação política e econômica sobre os seus principais
429
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
32 O S.E.I, segundo o projeto de portaria assinado pelo Ministro das Relações Exteriores em 1937, estaria em
atividade (ainda que em caráter experimental), desde 1934. In: AHDI-RJ. Doc 352.345. Maço 15.604. Lata 980.
M 500.1.p2.
430
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
convincente, a pressão do governo brasileiro levou o Uruguai, contra a sua vontade, mas em
nome dos pactos entre países americanos, a romper as relações comerciais durante muitos
meses com a Rússia. Inaugurava-se naquele momento, dentro do governo Vargas, a atuação
ativista de uma diplomacia voltada para consecução de políticas anticomunistas.
(NEPOMUCENO, 2018, p. 188).
Na verdade, Getúlio Vargas já vinha mantendo entendimento com o governo uruguaio
desde o golpe de Estado desferido por Gabriel Terra e seus aliados, em março de 1933.
Documentos diplomáticos atestam que Terra contou com Getúlio Vargas para deter os
opositores de seu governo que adentraram o território brasileiro pela fronteira, logo após o
golpe. Em contrapartida, o Uruguai ajudou o governo do Brasil a. impedir o trânsito entre
comunistas brasileiros e uruguaios, em 1935, a pedido de Getúlio, num episódio que resultou
no rompimento de relações entre o Uruguai e Rússia. Em 1937, a polícia política do Uruguai
conseguiu desbaratar um núcleo de opositores a Getúlio, liderados por Flores da Cunha, que
desde a Argentina e o Paraguai se articulavam no Uruguai para marchar contra o governo de
Vargas.
Durante os anos mais tenebrosos da ditadura terrista, muitos uruguaios conseguiram
asilo no Brasil, retornando somente alguns anos depois. Caso, por exemplo, de Tomás Berreta,
que voltou para o Uruguai somente em 1942, tendo sido eleito presidente em 1947, ou o caso
de Luís Batlle Berres, que regressou para ser vice-presidente de Berreta, e o substituiria como
o 30º presidente da República do Uruguai, de 1947 a 1951. E outros tantos brasileiros também
se exilaram no Uruguai, como Jorge Amado (Argentina e Uruguai, de 1941 a 1944), Candido
Portinari (Uruguai, 1947 a 1948), Lídia Besouchet (Uruguai, 1938 a 1940; Argentina, até 1948)
e Newton Freitas, entre outros. (NEPOMUCENO, 2015, p. 13-14).
431
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O ditador Gabriel Terra era sucedido pelo seu ministro da Guerra. Durante o governo de
Alfredo Baldomir, marcado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, ocorreram mudanças
significativas no cenário internacional e regional que afetaram as relações bilaterais entre o
Brasil e Uruguai. Isso porque apesar de ser um dos seguidores de Terra, o governo baldomirista
prometeu mudanças significativas na condução de sua política, tanto interna quanto externa,
sobretudo, na política doméstica com a redemocratização do país
No Brasil, desde maio de 1937 pelo menos, avançaram os planos para isolar o Rio
Grande do Sul com tropas federais, pois, segundo o presidente, “havia indícios de que Flores
da Cunha preparava um movimento armado”. (MCCANN, 2009, 511). Parra Vargas, o
governador gaúcho representava a pedra angular da potencial oposição política dos estados à
centralização; os políticos de outros estados provavelmente não se mexeriam sem sua liderança.
Os movimentos políticos de Vargas culminados com a instauração do Estado Novo não era
novidade para os círculos políticos e diplomáticos uruguaios. El País, de 8 de outubro de 1937,
por exemplo, estampava “Se esta gestando em Brasil-fríamente- la implantación de una
dictadura militar”. Un ataque a las instituciones”, em um de seus artigos.33 El Diário, em 19
de outubro, estampava em sua capa: “En el tren internacional llegó esta mañana a Montevideo
el General José A. Flores Da Cunha.”.34 Um dos principais opositores de Vargas, Flores da
Cunha, instalara-se em Montevidéu, exilado. Desde sua passagem por Rivera, era observado
atentamente pela diplomacia uruguaia.35
No mês seguinte, após a implantação do Estado Novo no Brasil, um novo embaixador
era designado para ocupar a embaixada em Montevidéu para seguir os passos de Flores da
Cunha. Em nota emitida ao chanceler uruguaio, em 4 de janeiro de 1938, João Batista Lusardo
oficializava o pedido de vigilância policial ao político gaúcho Flores da Cunha. Essa assistência
política e policial num momento em que o Brasil se encontrava sob “estado de emergência”,
33 El País, 8 de octubre de 1937. In: Ofício No. 214, de 22 de outubro de 1937. Lucílio da Cunha Bueno ao
Ministro Mário de Pimentel Brandão. Situação política do Brasil. Ofícios. Set/1937-Fev/1938. Embaixada
brasileira em Montevidéu. In: AHI, Rio de Janeiro.
34 El Diário, 19 de octubre de 1937. In: Ofício No. 214, de 22 de outubro de 1937. Lucílio da Cunha Bueno ao
Ministro Mário de Pimentel Brandão. Situação política do Brasil. Ofícios. Set/1937-Fev/1938. Embaixada
brasileira em Montevidéu. In: AHI, Rio de Janeiro.
35 Telegrama de 18 de octubre de 1937. Garibaldi Batello, cónsul uruguayo en Rivera, al Ministro de
Relaciones Exteriores. Diplomacia. Montevideo. In: Política del Brasil. Informaciones-1937. Legación en el
Brasil. Serie Brasil (1930-1940). Caja 4 (1935-1945). Carpeta No. 231; AMREU.
432
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
conforme enfatizava o embaixador brasileiro, era necessário para prevenir ações futuras e
conspiratórias dos opositores de Vargas residentes na capital uruguaia. O governo brasileiro
jurava tratamento de reciprocidade caso necessário. Dias depois, em encontro com o presidente
Getúlio Vargas em Uruguaiana, Lusardo confirmava o apoio do governo terrista.36
Em Montevidéu, ao substituir Lucílio da Cunha Bueno, acusado de manter contato com
Flores da Cunha, o novo embaixador brasileiro tinha um objetivo muito claro: vigiar e combater
as ações políticas de Flores da Cunha e demais opositores. (SVARTMAN, 1999, p 65). Assim,
ao se aproximar de Gabriel Terra, Lusardo conseguiu com que o governo uruguaio
determinasse um regime de liberdade vigiada para o político gaúcho, e daí, organizou um
dispositivo legal para vigiá-lo, tal como a embaixada brasileira em Buenos Aires tinha
solicitado ao governo argentino.
Entretanto, mesmo exilado em Montevidéu, Flores da Cunha empreendia campanhas
contra o governo de Getúlio Vargas. Em janeiro de 1939 foi responsável por um artigo
publicado em português intitulado “Panorama financeiro e econômico do Brazil” no jornal
nacionalista El País com diversas críticas ao Estado Novo. Apesar de Flores da Cunha não ter
assinado o artigo, Lusardo descobriu que a autoria era do político gaúcho, que mantinha
relações próximas com ex-senador Rodriguez Larreta e seu cunhado e ex-embaixador em
Buenos Aires, Leonel Aguirre, ambos dirigentes do El País. No entanto, a sua ligação com o
blanco Luíz Alberto de Herrera era ainda mais forte, segundo o embaixador brasileiro. Não
teria publicado a matéria crítica ao governo brasileiro no jornal de Herrera, El Debate, pois
ficaria evidente a sua produção.37
Inicialmente prevista para durar apenas o período necessário para obstruir as atividades
políticas de Flores da Cunha, a estadia de Lusardo na capital uruguaia se prolongou até outubro
de 1945, com a deposição de Getúlio Vargas. Sendo o diplomata brasileiro que mais tempo
permaneceu em Montevidéu, João Batista Lusardo conquistou certa notoriedade nos ambientes
políticos e sociais uruguaios. Nesse sentido, foi figura fundamental da política varguista para
36 Nota no. 2, de 4 de janeiro de 1938. João Batista Lusardo ao Ministro de Estado das Relações Exteriores José
Espalter. In: Ofícios. Mar/Jul. 1938. Embaixada brasileira em Montevidéu. AHI, Rio de Janeiro; 33/3/9.
37 Ofício No. 6, de 17 de janeiro de 1939. João Batista Lusardo ao Ministro Oswaldo Aranha. Campanha contra
o Brasil por brasileiros. In: Ofícios. Nov/1938-Jan/1939. Embaixada brasileira em Montevidéu. AHI, Rio de
Janeiro; 33/3/11.
433
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
o Uruguai, uma vez que a sua longa permanência na cidade implementou uma aproximação do
Brasil com o Uruguai, tanto em termos políticos quanto econômicos e culturais.
Além da assinatura de acordos e do incremento do comércio bilateral, Luzardo
encabeçou os esforços do Itamarati para tornar o Brasil mais presente no vizinho meridional,
pela inauguração de linhas regulares de trem e de avião entre os países. Do ponto de vista
político, a Embaixada brasileira gozou de sensível êxito junto aos governos uruguaios do
período, conseguindo desde a colaboração da polícia local na vigilância de Flores da Cunha até
a obtenção de informações sigilosas a respeito da Argentina, cuja influência política na região
preocupava tanto o governo brasileiro quanto o de Montevidéu. Antes mesmo da Conferência
do Rio de Janeiro, em 1942, por exemplo, o Brasil consolidara o apoio do Uruguai à sua política
para o Prata, de forma que Luzardo indicou Alberto Guani, chanceler uruguaio, para assessorar
Oswaldo Aranha nos trabalhos dessa conferência. (SVARTMAN, 1999, p. 65).
O Uruguai, por sua vez, mantendo sua “neutralidade aliadófila”, passava por mudanças
de governos colorados. Em 1º de março de 1943, Alfredo Baldomir transmitiu o seu mandato
presidencial para Juan José de Amézaga (1943-1947), declaradamente pró-aliado e pró-norte-
americano. Seu governo foi marcado por intensos e ferrenhos debates políticos acerca do
envolvimento ou não de seu país no conflito mundial. Sobretudo, após a participação efetiva
do Brasil com envio de tropas militares. Alberto Guani, chanceler de 1938 a 1943 e vice-
presidente de 1943 a 1947, passou de um governo transitório em termos de redemocratização
para a consolidação aliadófila do governo Amézaga com inalterável adesão à Washington, da
neutralidade ao compromisso bélico. Para Romeo Pérez Antón, se dependesse pessoalmente
de Guani, o Uruguai teria declarado guerra ao Eixo imediatamente após os ataques de Pearl
Harbor. (ANTÓN, 2010, 30). O presidente Amézaga em seu primeiro discurso público
destacou que nada mudaria em relação à condução da política externa uruguaia. Segundo ele:
38 Telegrama No. 231, de 16 de marzo de 1943. Joseph de Neef, ministro de Bélgica, comenta el discurso
inaugural del nuevo Presidente de la República, Juan José Amézaga, y el nombramiento de José Serrato en el
Ministerio de Relaciones Exteriores. In: NAHUM, 1998; p.484.
434
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações finais
435
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ANTÓN, Romeo Pérez. Política exterior uruguaya del siglo XX. Montevideo, Ediciones de la
Plaza, 2010.
BANDEIRA, Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do
Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai, da colonização à da Tríplice Aliança. Rio de Janeiro:
Revan; Brasília: EdUnB, 1998.
BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra. (Orgs.). A Era Vargas:
desenvolvimento, economia e sociedade. São Paulo: Editora UNESP, 2012.
CAETANO, Gerardo. (Coordinador). Uruguay. El “país modelo” y sus crisis. Tomo III- 1930-
2010. Madrid: Fundación Mapfre; Montevideo: Editorial Planeta; 2016.
436
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da
década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. [O
Brasil Republicano; v.2]; p. 107-143.
CERVO, Amado; BUENO, Clodoaldo. História da Política Externa Brasileira. Brasília:
EdUnB; 2002.
CLEMENTE, Isabel. Política exterior del Uruguay, 1830-1995. Tendencias, problemas,
actores y agendas. In: Documentos de Trabajo No. 69. Montevideo; 2005.
CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: Política externa e projeto nacional. São Paulo: Editora
UNESP: FAPESP, 2000.
DE LOS SANTOS, Clarel. El péndulo magnetizado: las relaciones de Uruguay con Brasil
durante la II Guerra Mundial. Montevideo, Facultad de Humanidades y Ciencias de la
Educación, Avances de Investigación, 2011.
DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Rio da Prata. Brasília: FUNAG; 2014.
FERREIRA, Jorge. Brasil, 1942. Estado e sociedade contra o Reich. ACERVO: revista do
Arquivo Nacional. Vol. 30; número 2; jul/dez. 2017. Rio de Janeiro: O Arquivo, 2017; p.89-109.
FREGA, Ana [et all]. Historia del Uruguay en el siglo XX: 1890-2005. Montevideo: Ediciones
de la Banda Oriental, 2011.
GOMES, Rafael Nascimento. As relações diplomáticas entre Brasil e oUruguai (1931-
1938). O Brasil de Getúlio Vargas visto pelo Uruguai de Gabriel Terra. Jundiaí: Paco Editorial,
2017.
______. O comunismo e o anticomunismo entre o Brasil e o Uruguai ao longo da década
de 1930. In: Revista Latino-Americana de História. UNISINOS; vol. 7, nº. 19-jan/jul de 2018;
p.171-189.
MCCANN, Frank D. Soldados da Pátria: história do Exército Brasileiro, 1889-1937. São
Paulo: Companhia das Letras; Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2009.
MOURA, Gerson. Relações Exteriores do Brasil: 1939-1950: Mudanças na natureza das
relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Brasília: FUNAG;
2012.
NAHUM, Benjamin; BALBIS, Jorge. (Orgs). Informes diplomáticos de los representantes
de Bélgica en el Uruguay. Tomo I: 1832-1946. Montevideo, UdelaR, Departamento de
Publicaciones, 1998.
NEPOMUCENO, Maria Margarida Cintra. A Missão Cultural Brasileira no Uruguai: A
construção de uma modelo de diplomacia cultural do Brasil na América Latina. Tese de
doutorado- Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM/USP),
São Paulo, 2015.
______. A criação de uma Diplomacia Anticomunista no governo Vargas, em 1937. Revista
Em Tempo de Histórias (PPGHIS/UnB). Nº. 33, Brasília, Ago – Dez, 2018; p.176-189.
Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/emtempos/issue/view/1695
NETO, Lira. Getúlio: Do Governo Provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São
Paulo: Companhia das Letras, 2013.
ODDONE, Juan Antonio. El Uruguay entre la depresión y la guerra. 1929-1945. Montevideo,
FCU/FHCE, 1990.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela de Castro. Estado
Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
437
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes / Acervos
438
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Este artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “A cidade como texto: patrimônio
edificado, histórias e memórias da cidade de Parintins (AM)”, cujo objetivo foi analisar as
múltiplas interações entre História e Memória da cidade de Parintins a partir da identificação e
análise das ideias e valorações acerca do patrimônio histórico edificado da cidade que se
materializam na percepção de seus habitantes. A pesquisa buscou ainda indicar a relevância do
patrimônio edificado da cidade de Parintins como suporte para a construção/resgate de outras
memórias e histórias da cidade.
Introdução
Este artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “A cidade como texto: patrimônio
edificado, histórias e memórias da cidade de Parintins (AM)”, cujo objetivo foi analisar as
múltiplas interações entre História e Memória da cidade de Parintins a partir da identificação e
análise das ideias e valorações acerca do patrimônio histórico edificado da cidade, que se
materializam na percepção de seus habitantes. A pesquisa buscou ainda indicar a relevância do
patrimônio edificado da cidade de Parintins como suporte para a construção/resgate de outras
memórias e histórias da cidade.
Em que pese ser uma das mais importantes cidades do Estado do Amazonas e
nacionalmente conhecida por suas festas populares e produção cultural, há poucos estudos
históricos sobre o patrimônio edificado da cidade de Parintins. Pouco se comenta que o
Patrimônio Histórico e Cultural da cidade também conta uma história da localidade e de seus
439
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
habitantes, assim como estes conhecem e difundem histórias da cidade que assimilaram por
suas lembranças e pela memória dos mais velhos (pais, mães, avôs e avós).
Neste sentido, tomando o patrimônio histórico edificado como mote, o projeto buscou
explorar essas múltiplas interações entre memória e história. Para o desenvolvimento do
trabalho, foram realizadas leituras contextuais sobre a cidade de Parintins e sobre o tema do
Patrimônio Histórico, visando reforçar o embasamento da pesquisa. Realizamos ainda pesquisa
de campo, utilizando técnicas da História Oral, abrangendo uma série de entrevistas com
moradores destacados (mais velhos, historiadores e professores de história) da cidade.
O Patrimônio Histórico de Parintins é composto de um conjunto de elementos materiais
e imateriais, entre eles, suas manifestações culturais, seus sítios arqueológicos e,
principalmente, suas edificações históricas, as quais apresentam um quantitativo pequeno de
exemplares, porém, construídos nos seus mais variados estilos e épocas. Com base nisso,
esperamos detectar as relações existentes entre a população do município de Parintins e o seu
patrimônio edificado. A pesquisa buscou inventariar as edificações e outros bens materiais do
período de 1895 a 1970.
440
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
441
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
442
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Metodologia
443
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
História Oral, abrangendo entrevistas com moradores destacados (mais velhos, historiadores e
professores de história) da cidade. Para análise dos dados foram utilizadas técnicas qualitativas.
Devido à diminuta existência de registros escritos sobre o patrimônio histórico de
Parintins-AM, demos ênfase e utilizamos como recurso metodológico a História Oral. Neste
sentido, nos apoiamos na leitura de produções historiográficas de teóricos como Alberti (2013),
Freitas (2006), Meihy (2018), Nora (1993), Pollack (1989), Portelli (1997), entre outros
autores, como meio para construir o trabalho por meio das narrativas de moradores da cidade
acerca de seu patrimônio.
A História Oral fornece documentação para reconstruir o passado recente, pois o
contemporâneo também é história, isso legitima a história do tempo presente, visto que a
história durante muito tempo fora relegada somente ao passado. De acordo com Freitas (2006),
“utilizando a metodologia da História Oral, produz-se uma documentação diferenciada e
alternativa à história”, antes realizada quase exclusivamente com fontes escritas. Neste sentido,
a História Oral abriu novas perspectivas para o entendimento de um passado recente,
amplificando as vozes que não se fariam ouvir, possibilitando assim o conhecimento de
diferentes “versões” sobre os fatos, podendo os depoimentos apontar continuidades ou
contradições nas narrativas dos entrevistados.
Para Meihy (2018, p. 15) História Oral é um “procedimento premeditado realizado
segundo a orientação de expressa de um projeto”, e “usado para elaboração de documentos,
arquivamento e estudos referentes a experiência de social de pessoas e de grupos”.
De acordo com Verena Alberti (2013, p. 155), existem alguns equívocos sobre a
História oral que devem ser descartados de imediato, como a consideração de que “a História
oral é a própria História”, de que a “história vista de baixo é a democrática”, em oposição à
história das elites, e ainda que “a História oral busca dar voz às minorias”, o que apenas
reforçaria as diferenças sociais. Para a autora, a História oral deve ser compreendida como
visões de mundo e experiências de vida.
É importante destacar que o uso da história oral como metodologia não evidencia a
exclusão da importância da escrita para a pesquisa em história. Contudo, compreende-se a
necessidade de tal metodologia como importante instrumento para conhecer as memórias
daqueles que frequentemente têm suas histórias silenciadas na historiografia oficial.
444
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Neste sentido, o historiador que utiliza as metodologias da História Oral tem por
objetivo a compreensão dos diversos pontos de vista narrados por seus colaboradores, que
narram e reconstroem a memória de si e da sociedade em que convivem, ou conviveram. Para
reconstrução dessas memórias e histórias, o estudo do patrimônio histórico e das cidades, são
espaços que apresentam muitas manifestações que constituem signos reveladores das
reminiscências das histórias do lugar, e podem ser contadas para que a história se mantenha
viva nas tradições e na memória das pessoas.
Resultados e discussões
445
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
446
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
existe uma capela antiga em homenagem a São Benedito e a comunidade da Valéria, interior
do município, onde há um sítio arqueológico.
Em Parintins, um dos moradores conhecidos da cidade é o senhor Basílio Tenório, 67
anos, historiador, pesquisador, escritor e poeta. Ele nasceu em Urucará, mas reside na cidade
desde os 12 anos, ele nos relata que:
O centro de Parintins. E nem poderia ser diferente. Por exemplo, ali junto aos
cais do Porto, a residência episcopal [...] ela é um patrimônio histórico, ali era
os Correios, era onde se fazia a comunicação, o cabo submarino partia de lá
[...] ali tem história. Temos também ali, a antiga igreja Matriz Sagrado
Coração de Jesus, e o Colégio Nossa Senhora do Carmo atrás, que foi
desenhado pelo padre Victor, entre os anos de 1920 e 1930. De lá, nós vamos
ter aqui, o Mercado Municipal, nós vamos ter a casa das Maranhão, a casa do
Elias Assayag, o antigo Cine Brasil, que depois virou Cine Saul, que já não
existe mais. [...] Já ali acima, em frente à antiga praça Cristo Redentor,
aquelas casas ali era dos Judeus, aquilo já remete aos primeiros anos do sec.
XX. (BASÍLIO TENÓRIO, 2019/ ENTREVISTADO)
Com base nos relatos acima, os historiadores mencionam como a área central da cidade
e suas edificações contam uma parte importante da história de Parintins, com destaque à
formação do primeiro núcleo de organização dos primeiros aldeamentos, povoados e missões
religiosas que deram origem a Villa Nova da Rainha e, posteriormente, à cidade de Parintins.
Mencionam ainda, o papel importante da Igreja Católica na construção dos primeiros templos
religiosos da cidade. Além de citar as edificações construídas por imigrantes judeus que se
estabeleceram na cidade no final do século XIX, dedicando-se às atividades comerciais,
também contribuíram para o desenvolvimento do município.
Quando perguntados se pudessem escolher alguma edificação como patrimônio
histórico para representar a cidade de Parintins, entre as respostas foram mencionadas as
principais edificações, ao lado dos nomes constam os ano de construção desses bens imóveis:
Casa da Família Maranhão (1901); Palácio Cordovil ou antiga Prefeitura (1937); Mercado
Municipal (1931); Grupo Escolar Araújo Filho (1929); Casario dos Judeus (1937); Igreja do
Sagrado Coração (1883); Escadaria da Praça Cristo Redentor (1895); Catedral de Nossa
Senhora do Carmo (1963); Colégio Nossa Senhora do Carmo (1956); Cine Oriental (1964);
Residência de Furtado Belém (1952). Os entrevistados também mencionaram algumas
construções que não existem mais ou foram descaracterizadas, como a sede do antigo Cine
447
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Saul (1948), antigo Cine Teatro Brasil, cuja fachada foi demolida e hoje abriga lojas
comerciais; e a antiga praça do Cristo Redentor (1956), que passou por reforma em 2005,
passando a se chamar praça Digital.
Uma opinião expressada pelo senhor Marco Aurélio, 42 anos, professor de História,
morador da cidade, aponta a Casa das irmãs Maranhão como sendo um dos principais prédios
considerados pelos moradores como sendo um patrimônio histórico da cidade, as menções à
residência que pertenceu a Família Maranhão e que foi construída no início do século XX
(1901) são muito recorrentes nas falas dos entrevistados.
448
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
449
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
mesmo, viu. Estou lhe dizendo. Estes tempos não voltam mais, mas, a gente
se lembra. (HERALDO MACHADO, 2020/ ENTREVISTADO)
A lembrança que estes moradores mais antigos têm dos cinemas da cidade, o Cine Saul
e Cine Oriental, é algo que ficou patente nas entrevistas, o saudosismo daquela época é
marcante nos discursos desses parintinenses, revelando que a representação destes espaços
culturais ainda estão presentes nas memórias individuais e coletivas dos moradores que
frequentavam estes locais entre as décadas de 60 e 70.
Cine Saul
Fonte: Acervo UEA, 2005.
O Cine Teatro Brasil foi construído em 1948, com características de arquitetura greco-
romana, sob a orientação do Pe. Victor Heinz, e ficava localizado na esquina da rua João Melo
com a rua Faria Neto. Posteriormente, na década de 70, passou a ser chamado de Cine Saul,
quando foi comprado pelo empresário José Saul e tinha capacidade para 350 pessoas. O Cine
Saul, infelizmente, teve sua fachada demolida.
Quando perguntamos se a comunidade local valoriza estes imóveis da área central da
cidade, os entrevistados responderam que não, que a maior parte da população não valoriza
estes bens e espaços localizados no centro histórico, e apontam como o principal motivo a falta
de conhecimento da história da cidade por grande parte da população, pela ausência de projetos
de educação patrimonial na rede de ensino e, principalmente, por falta de uma política de
preservação pelo poder público no município.
450
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências:
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3º.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto Juarez de Oliveira. 4º.ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
451
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
BRASIL. Lei Municipal Nº 01/2004, de 30 de março de 2004. Dispõe sobre a Lei Orgânica
do Município de Parintins: aprovada e promulgada pela Câmara Municipal de Parintins
(CMP). Parintins– AM: CMP, 2004.
CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). O Direito à Memória: Patrimônio Histórico e
Cidadania. São Paulo: DPH, 1992
DIAS, Naia Maria Guerreiro. História e representações sociais: reflexão sobre os
patrimônios Edificados no Centro Histórico de Parintins /Am. Anais PCE 2015, Ciências
Humanas, Manaus, Junho, 2015. Disponível em < http: //www.pce.inpa.gov.br>. Acesso em
20 de Out. 2015.
CHOAY, Françoise. A Alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo:
Estação Liberdade/ Editora UNESP, 2001.
FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. 2º ed. São Paulo:
Associação Editorial Humanitas, 2006.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. 2º ed. São Paulo: Editora
Centauro, 2006.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN.
Coletânea da Legislação de Proteção ao Patrimônio Cultural. Manaus-AM, 2002.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. et. al. 3º.ed. Campinas:
Editora UNICAMP, 2003.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom; BARBOSA, Fabíola Holanda. História oral: como fazer,
como pensar. 2º.ed. São Paulo: Contexto, 2018.
MESQUITA, Otoni Moreira de. Manaus: História e Arquitetura – 1852-1910. 3º.ed.
Manaus, Editora Valer, 2006.
NEVES, Lucila de Almeida. Revista Brasileira de História Oral. São Paulo, volume 3, n.
3, p.109-115, 10 de jun. 2000.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Proj. História. São
Paulo, n° 10, dez. 1993.
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a
ética na História Oral. Projeto História. São Paulo(15) abr, 1997.PORTELLI, Alessandro. “O
que faz a História Oral diferente”. Projeto História PUC/SP, São Paulo, (14), fev. 1997.
POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
v. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
SOMEKH, Nadia (org.). Preservando o Patrimônio Histórico: um manual para gestores
municipais. Sempreviva Produções e Conteúdo, São Paulo, 2014.
452
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
453
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
que foram submetidos na província do Pará entre 1821 e 1831. O marco inicial diz respeito à
adesão do Pará às Cortes de Lisboa. O liberalismo político possibilitou aos indígenas novas
formas de resistência ao trabalho compulsório. O marco final será o ano de 1831 quando um
golpe derruba o presidente da província, e a Milícia de Ligeiros, instituição responsável por
recrutar os indígenas avilados obrigados ao trabalho, é abolida.
454
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
pensarmos que ao longo de toda a década de 1820 tenha havido alguma mudança substancial
no perfil étnico dos tripulantes das canoas. Ao contrário, já vimos que Hércule Florence
afirmou que os tapuios faziam quase que exclusivamente a navegação no Pará. Os negociantes
eram dependentes dos indígenas no processo de extração das drogas dos sertões, como
argumentou Heather Roller. Estes decidiam onde e o quê coletar. O considerável contingente
de indígenas empregados nestas atividades criou um conjunto de trabalhadores com expertise
na coleta, e eles eram amplamente demandados.
As coletas das drogas dos sertões ocorreram às margens dos rios Amazonas, Negro,
Solimões, Madeira, Purus, Jupurí e Juruá, dependendo dos gêneros que se pretendia obter. Nos
locais de difícil acesso, podia-se recorrer aos indígenas que neles habitavam para participar das
expedições de colheita. Por vezes, o engajamento das etnias indígenas locais na atividade
extrativista podia ocorrer através da figura do “regatão”. Esta figura incursionava pelas
florestas, levando gêneros de interesse dos índios, e obtendo gêneros demandados pelos
comerciantes de Belém. Por outro lado, há indícios de que indígenas escravizados também
foram empregados na extração de drogas do sertão na comarca do Rio Negro, embora não
houvesse base legal para a escravidão de índios (SOUZA, 1848).
455
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Durante a década de 1820 pelo menos três pesqueiros estatais estiveram em atividade:
em Soure, na ilha do Marajó; outro em Vila Franca, e, por fim, outro em Faro. Os pesqueiros
tinham dupla função: prover parte do soldo dos soldados através dos peixes e levantar verbas
para o Estado através da comercialização de pescados e do azeite extraído da gordura dos
peixes. Aqui, mais uma vez, os indígenas avilados compuseram a maioria do contingente
empregado nestas instituições, embora nelas pretos forros, escravos e brancos livres pobres
também tenham trabalho.
Da limpeza das ruas, aos preparativos para festivos da independência, passando pela
construção de igrejas e de estradas, reformas de prédios públicos, isto é, nas obras públicas, em
geral, os indígenas avilados foram a mão de obra predominantemente empregada pelo Estado.
A dependência por estes braços era tal, que a falta deles poderia significar a não realização de
obras ou atividades de reforma e/ou manutenção de prédios. (FERREIRA, 2020, p. 178-182).
456
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Ao contrário dos demandantes particulares, que obtinham braços indígenas por meio
variados, os demandantes estatais acessaram estes trabalhadores principalmente pelo disposto
na carta régia de 12 de maio de 1798. Este documento aboliu o Diretório pombalino e instituiu
uma nova política indigenista com o fito de que “os índios fiquem sem differença dos outros
vassalos, sendo dirigidos e governados pelas mesmas leis que regem todos aquelles dos
diferentes Estados que compõem a monarquia”. Foi criada uma instituição, a Milícia de
Ligeiros, responsável por arregimentar mão de obra composta por “índios que já vivem em
aldeias promiscuamente com os outros [...]” (Carta régia, 1857, p.433-445). A identidade destes
indígenas não estava associada etnias específicas, mas a reelaboração de um senso de
pertencimento mais amplo a partir da convivência de diversas etnias nos aldeamentos coloniais
no Pará. Estes índios, que viveram nas aldeias e tornaram-se avilados quando elas foram
transformadas em vilas em meados do século XVIII, falavam a língua geral amazônica e
passaram a ser conhecidos como tapuios. Este etnônimo foi uma atribuição de identidade por
terceiros, e não se pode descartar a possibilidade de ter havido pertencimentos específicos entre
os índios avilados.
Justamente estes índios avilados que foram referenciados na carta régia. Eles deveriam
trabalhar compulsoriamente “uma parte do anno, ficando-lhes a outra para cuidarem dos
negócios de suas famílias”. Em muitos casos, o tempo inicialmente estipulado não foi cumprido
e os tapuios foram obrigados a continuar trabalhando. Eles deveriam receber algum estipêndio
por causa do trabalho, mas nem sempre este foi o caso. E esta inadimplência certamente foi
intensificada pelos problemas financeiros que as instituições estatais enfrentaram na década de
1820 (FERREIRA, 2020, p.102-106).
A pressão pelos braços tapuios foi alta durante a década de 1820. Neste momento, o
número da escravaria no Pará estabilizou-se na casa dos 30.000, ou seja, 20% da população
oficialmente registrada nas vilas. Mas, como já dito, a distribuição dos escravos africanos foi
largamente desigual. Deve ser lembrado que alguns publicistas passaram a discutir a
necessidade de se repensar a política indigenista em vigência com vistas a obtenção de braços
457
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
458
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O processo de adesão do Pará ao projeto de separação com Portugal, que era encabeçado
pelas províncias do Sul, passou não apenas pela repressão ao levante armado com larga
participação dos tapuios, mas também pela retirada do fim do trabalho compulsório do
horizonte de expectativas, ainda que temporariamente.
459
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
para se coadjuvarem mutuamente, faltando estes, ficaram reduzidos ao nada”. (SOUZA, 1848,
p. 472-473). Com ênfase maior ou menor, a maior parte dos comentaristas da época
reconheceram o trabalho compulsório ou pelo menos vexames a ele associados como
causadores do decréscimo populacional rionegrino.
Este decréscimo foi sempre lamentado pelo impacto na economia. Após discorrer sobre
potencialidade agrícola e extrativista do Rio Negro, Francisco Ricardo Zany afirmou que “de
muitos destes preciosos gêneros se exportão apenas amostras por falta de povoação”. (ZANY,
1822, p. 240). José Maria Coelho lamentou que os produtores agrícolas estivessem
impossibilitados de expandir suas lavouras por não terem “braços para aumentarem a sua
agricultura”. Não é exagero afirmar que a massiva deserção de indígenas foi um dos fatores na
crise econômica do Rio Negro no início do século XIX. (FERREIRA, 2020, p. 209-216).
Os indígenas fugiram para dois destinos distintos: para as matas, locais onde a presença
do Estado não estava consolidada, como atestado por diversos viajantes e comentaristas. As
autoridades estatais encetaram esforços em pedir para que juízes de vilas fora do Rio Negro
aprendessem desertores e os enviassem de volta às vilas onde estavam registrados como
moradores. A possibilidade de os tapuios e outros indígenas serem obrigados ao trabalho era
menor nas matas do que em vilas fora da comarca do Rio Negro, onde há indícios de que eles
foram obrigados ao trabalho. (FERREIRA, 2020, p. 213-214).
Outra forma de resistência cotidiana comum foi a denúncia de abusos. Usualmente, ela
envolveu não apenas a exposição de violações dos direitos dos tapuios, mas também a
associação hierárquica e desigual deles a algumas autoridades civis ou militares, ou a
demandantes particulares com influência e poder. As referidas autoridades conflitaram entre
si sobre a natureza da Milícia de Ligeiros, se era civil ou militar, e este embate foi uma disputa
pela distribuição da mão de obra. Os tapuios procuraram tirar vantagem deste conflito.
Em julho de 1828, Manoel Roiz de Sá, juiz na vila de Thomar, iniciou uma viagem em
alguns povoados da capitania do Rio Negro com o objetivo de recensear população e avaliar
plantações de mandioca. Em Santa Bárbara, ele tentou forçar o principal deste povoado a
trabalhar para ele como prático, alegando ter autoridade superior a dos militares. O tapuio deu
parte às autoridades militares locais, com quem Sá tinha divergências. O relato dele veio bem
460
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
a calhar para estas autoridades retratarem Sá como alguém que não respeitava a jurisdições de
militar. Assim, com a proteção dos militares, o principal conseguiu evitar o trabalhar
compulsoriamente para Sá. (2020, p. 202-203).
Tendo desertado do serviço da Ribeira, onde trabalhava como calafate, o tapuio Álvaro
logo passou a trabalhar como cabo no 2° corpo de ligeiros da comarca do Rio Negro, passando
a realizar o recrutamento de ligeiros. Mas alguns meses depois, em dezembro de 1829, o
ouvidor da comarca ordenou que ele fosse capturado e obrigado a retornar ao ofício de aprendiz
de calafate. Uma vez preso, Álvaro tentou continuar a trabalhar como cabo e recorreu à ajuda
de seu superior, o capitão Henrique Strauss, que disputava o controle dos baços indígenas com
o ouvidor. Strauss questionou a legalidade do procedimento, mas seus esforços não foram
suficientes para evitar que Álvaro voltasse ao serviço da Ribeira (FERREIRA, 2020, p. 201-
202).
Em junho de 1827, foi instaurada uma devassa para averiguar os supostos insultos
proferidos pelo negociante Salvador Rodrigues do Couto à membros de uma escolta da milícia
de ligeiros, cujo objetivo era capturar e recrutar tapuios para o trabalho compulsório. A questão
é que os indígenas alvo da escolta fugiram para uma propriedade de Couto, e lá encontraram
abrigo. Quando os militares solicitaram que os tapuios fossem entregues a eles, Couto se
recusou e citou ilegalidades na escolta, como a realização de recrutamento à noite, ao arrepio
do previsto no artigo 179 da Carta Constitucional de 1824. Segundo uma testemunha, a
propriedade do negociante era um local para onde se dirigiam os “índios ligeiros para não hirem
ao Serviço de Sua Majestade quando as diligências os procuravam”. É importante lembrar que
Couto, negociante de grosso trato, foi responsável por 9,99% de todo cacau transportado do
Rio Negro para Belém entre 1812 e 1819. É improvável que Couto não empregasse estes
indígenas em expedições de coleta ou em viagens para transportar o cacau.
461
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Não sabemos qual foi a resposta ao abaixo-assinado. Mas ele coloca uma questão que
ainda precisa ser escrutinada: que possíveis relações é possível estabelecer entre denunciar
abusos e desertar? A ameaça de desertar teria sido empregada frequentemente pelos tapuios em
pleitos relacionados ao trabalho compulsório? Responder a tais questões certamente ajudarão
compreender não apenas a resistência cotidiana, mas mesmo o questionamento aberto ao
trabalho compulsório que ocorreu na Cabanagem.
Referências
462
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
463
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Neste breve trabalho apresentaremos a história de Antonio Ferreira Ribeiro, mestre de campo,
militar de patente do período colonial. Contaremos sua história, que surge em meio a
documentação do Santo Ofício em Visita ao Grão-Pará, e pode ser rastreada em consulta a
documentação do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU). Sua trajetória na colônia, suas
relações políticas e eclesiásticas, trazem um perfil do que significava ser militar no período.
Deste modo levantamos algumas questões: Qual o significado de ser mestre de campo no
período? Qual o impacto da fala de um militar perante um Inquisidor? Como se davam seus
contatos com outros poderes na colônia? Por meio dos documentos que exploramos, pudemos
vislumbrar um pouco dessa rede de relações da personagem e entender seu papel social no
século XVIII.
Introdução
Através de uma denúncia sobre blasfêmia conhecemos a história de Antonio Ferreira
Ribeiro. Essa denúncia foi a primeira apresentada ao Inquisidor e Vigário Capitular Geraldo
José de Abranches na abertura das atividades de Visitação do Santo Ofício ao Grão-Pará em
1763.
Na denúncia temos a referência a Antonio Ribeiro, sendo apresentado como mestre de
campo dos auxiliares, que é uma patente militar do período colonial (SALGADO, 1985, p.
308). A heresia havia sido cometida em uma capela de sua fazenda, quando um homem
chamado Manoel Pantoja se veste com uma loba de padre e finge uma missa.
464
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Tal denúncia vai nos permitir perceber as relações, não apenas da Inquisição, mas toda
uma estrutura de poder que buscava controlar e punir os desvios de fé. Nesse caso, nos
apresentando um militar perante o Inquisidor. Na situação o mestre de campo aparece como
participante indireto da situação, porém, em outra denúncia ele já é acusado de afirmar sobre a
não existência do inferno ou fogo no inferno. Notícia que chega ao conhecimento do Inquisidor
que o chama para testemunhar sobre o caso, e na conjuntura, o Antonio Ribeiro já se encontrava
preso por outra situação, acusado de falso testemunho sobre um crime de lesa majestade.
Sobre esse caso, que torna a leitura dos documentos ainda mais interessante, ficamos
sabendo que a denúncia de Antonio Ribeiro foi feita com testemunho de outras pessoas contra
o padre José Carneiro de Morais e seu irmão Ilário Carneiro. Nela indicava que os dois estavam
proferindo injúrias ao rei, e sendo todos chamados para obter esclarecimentos sobre o fato as
testemunhas negaram a acusação e o mestre de campo foi preso.
Há muitas questões ainda a serem pontuadas sobre o caso, mas estas já dão tônica da
situação do personagem, diante das relações que se envolveu. Acreditamos que Antonio
Ferreira Ribeiro é uma figura icônica para conhecermos como as relações eram estreitas na
colônia, e com a chegada da Inquisição e a reestruturação do aparato eclesiástico com a pessoa
de Geraldo José de Abranches, reconfigura a vida e a administração da Igreja na região
(MATTOS, 2012). Essa história também possibilita conhecer os entremeios da Igreja e as
estruturas administrativas, e como ainda continuam muito conectadas no período. As disputas,
interesses e intrigas, dependendo do seu lugar social naquele momento, podiam trazer
consequências severas como a prisão e até a morte.
Após a instalação da Mesa do Santo Ofício, com a chegada do Inquisidor, apresentação
do Edital da fé, que anunciava os crimes contra a fé que deveriam ser denunciados; o tempo
da graça foi instalado com o período de trinta dias para que as pessoas espontaneamente se
apresentassem ao Inquisidor. Nesse momento foi recebida a denúncia de Manoel de Oliveira
Pantoja, na qual temos a primeira referência ao mestre de campo, Antonio Ferreira Ribeiro. É
na fazenda dele que Manoel Pantoja se veste com a loba de padre e finge uma missa, ao que
diz ser apenas para zombar de uma velha chamada D. Clara. Tendo tudo isso acontecido há 16
anos. (LAPA, 1978. p. 126).
465
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Tal relato já nos faz refletir sobre as conexões existentes no Grão-Pará, apesar das
distâncias existentes, podemos perceber que as pessoas se conheciam, fossem elas da capital
Belém, ou de regiões adjacentes. Fato que nos possibilitar estudar um pouco da vida dessas
figuras e entender como as relações se constituíam nesse espaço social da colônia (VAINFAS,
2002).
Na declaração ao Santo Ofício feita em carta por Antonio Ferreira Ribeiro, entregue a
Mesa da Visita no dia 17 de maio de 1763, encontramos na sua exposição, os protestos iniciais
de bom cristão católico, obediente aos preceitos da Igreja. Direcionando ainda, falas de respeito
ao Inquisidor do Santo Ofício e a indicação de que estava preso na Fortaleza da Barra a mando
do antigo governador do Estado Manoel Bernardo de Mello e Castro.
Depois disso, começou a tratar das questões que deveriam ser de conhecimento do
Inquisidor. Iniciou falando do caso ocorrido há mais de vinte anos no seu engenho no rio Acará,
sobre Manoel de Oliveira Pantoja ter se vestido depois de uma missa com uma loba clerical e
simulado um culto (LAPA, 1978. p. 126). Situação que o mestre de campo afirmou que
aconteceu depois que ele já tinha se retirado da igreja, e posteriormente ouvindo risadas
retornou ao local onde viu uma mulher chamada D. Clara, já falecida, e Manoel Pantoja que
estava em cima de um tamborete vestido de sacerdote. Diante da cena, perguntou a mulher D.
Clara, se ela tinha se confessado com Manoel Pantoja, o que negou argumentando que não se
confessava com homem casado.
Tal descrição nos traz a perspectiva do mestre de campo, perante a situação, relatando
ao Inquisidor suas inquietações e justificando atitudes que eram graves para um cristão velho.
Ainda perante Geraldo Abranches disse: “Não me persuadiu houvesse erro no dito Manoel de
Oliveira Pantoja, parecendo lhe podia ser confessor não sendo sacerdote, mas sim que por
graciosidade e leveza, por ser de gênio alegre, obrara esta farsa, nem sei que a repetisse mais
alguma” (ANTT, Processo 13201, fls.111-112).
Aqui podemos perceber como o mestre de campo lida com a situação crítica de
presenciar uma pessoa não eclesiástica agir como se fosse uma. Ainda que confirme que era
466
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
por ser Manoel Pantoja uma pessoa de gênio alegre, ainda que tivesse acontecido tal
“graciosidade” há 16 ou 20 anos, a Inquisição ainda lhe enquadrou, mesmo sendo ele apenas
um expectador da situação. O braço da Inquisição ainda pesava, mesmo sendo a última
Inquisição, e principalmente por essa ser a primeira denúncia levada ao Inquisidor Visitador e
Vigário Capitular Geraldo Abranches. (ARAUJO, 2015).
Depois dessa confissão, passou a tratar sobre as denúncias feitas contra ele pelo padre
José Carneiro de Morais e seu irmão Ilário Carneiro de Morais. Relatou o mestre de campo
sobre as acusações de ter participado da encenação com Manoel Pantoja:
[...] me tinham capitulado de cúmplice neste de fato: a mim não lembra, que
nem direta, nem indireta concorresse para a sobredita farsa, pois me não
achava presente, porem se acaso dei algum concurso de que não lembro me
acuso de toda, e qualquer culpa, que nesta parte tenha de que peço perdão de
Deus, e rogo a este Santo Tribunal se haja com piedade e misericórdia
comigo: pois creio que só os sacerdotes podem ser ministros do santo
sacramento da penitência, e de tudo o mais que a santa Igreja Romana crê e
ensina (ANTT, Processo 13201, f.112).
Com estas palavras o mestre de campo Antonio Ferreira Ribeiro, se defendeu das
acusações, afirmando que acreditava no que dizia a Igreja e pedindo misericórdia se tinha agido
mal. Disse ainda, que sobre esse caso já tinha falado a um falecido comissário do Santo Ofício,
o padre Manoel Ferreira, que foi reitor da Companhia de Jesus (ANTT, Processo 13201,
f.112).. Argumentos com os quais o denunciando tentou demonstrar que desconhecia ser crime
as ações de Manoel Pantoja e que delas não participou. A misericórdia clamada pela
testemunha representava o desejo de não ser punido, levando-se em consideração, que o mestre
de campo já se encontrava preso temos mais esse agravante na condição do militar.
Diante desses relatos, podemos perceber que a situação piora a cada denúncia que o
mestre de campo tinha que justificar perante o Inquisidor.
Nos estudos que fizemos sobre essa patente no período colonial, um dos poucos que
encontramos destaca que é uma das mais altas na hierarquia, que tais encargos eram dados
desde que os portugueses começaram o processo de ocupação do território e fixação das vilas.
Gabriela Dias destaca que esses militares tiveram papéis importantes, principalmente na região
das Minas Gerais no período em que se encontrara ouro no local. Eles resguardavam os lugares
467
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] afirmo não me lembro proferisse em tempo algum, só sim dizer que eu
suponho que os ditos Carneiros entendem que não há inferno porque se
embebem na culpa de levantarem falsos testemunhos e se caso o fiz me acuso
disso a este Santo Tribunal e lhe rogo e sempre cri, que havia inferno assim e
da mesma sorte que Cristo Nosso Senhor Redentor o disse e ensina a Santa
Madre Igreja Católica Romana como também o fogo nele existente por cuja
razão logo que tive esta notícia me apresentei ao reverendo padre Caetano
Eleutério de Bastos comissário desse retíssimo Tribunal acusando me assim
e da mesma sorte que acima faço (ANTT, Processo 13201, f.113).
No testemunho, o mestre de campo afirma que não disse as palavras na forma como foi
denunciado. Colocando-se numa posição humilde afirmando que se alguma vez tivesse feito
algo do tipo, se acusava ao Santo Ofício. Afirmou que não desviava do que dizia a igreja e que
468
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
469
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nesse documento em que o mestre de campo Antonio Ferreira Ribeiro contou às razões
que o levaram a denunciar as difamações feitas ao rei português pelos irmãos Carneiros, rogava
ainda, para que seu caso se finalizasse advogando sua causa, em virtude de sua condição de
preso. Indicando que denunciou por ser culpa grave omitir insultos feitos à majestade real.
Informações que nos ajudam a compreender sua prisão e complementam seu testemunho
escrito, dado ao Inquisidor Geraldo José de Abranches.
Retornamos um pouco às datas para citarmos a carta de 4 de fevereiro de 1762, que foi
a que o mestre de campo usou para denunciar José Carneiro e Ilário Carneiro ao governador e
capitão-general do Estado. Nela estavam inclusos, os testemunhos de quatro pessoas que
sabiam do caso e confirmavam o que o Antonio Ferreira Ribeiro dizia. Feito isso, foi chamado
pelo Juiz de Fora José Feijó de Mello Albuquerque e pelo Ouvidor Geral Feliciano Ramos
Nobre Mourão, que estavam cientes da diligência encaminhada por Antonio Ferreira Ribeiro.
Os quais, de acordo com o mestre de campo, o fizeram assinar um auto de denunciante da carta
com as testemunhas, para assim procederem-se devassa aos delitos, do que o mestre de campo
assinou afirmando que era para não desdizer do que tinha escrito (AHU, Pará,Cx. 53. Doc.
4840 f. 4).
Tais afirmações e confirmações, até por escrito, do mestre de campo denotam como ele
estava tentando desenrolar o emaranhado de questões em que se viu envolvido. Acreditamos
que é salutar destacar que o Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, também era seu
superior militar como Capitão-General. E isso é muito significativo para as relações que se
tecem no período. Endossamos também a presença do Juiz de Fora e do Ouvidor Geral que
acompanharam em juízo o que o mestre de campo estava declarando na forma de denúncia.
Essas relações demarcam como a vida e os contatos com os altos escalões de autoridades da
região acabavam se cruzando de uma forma ou de outra.
470
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Em estudo mais recente Fabiano Vilaça (2017), endossa a fala de Ângela Domingues,
ao tratar as trajetórias dos governadores da Amazônia Colonial, indicado os pressupostos de
ordem pessoal para as reformulações no aparelho administrativo das conquistas do Norte na
segunda metade do século XVIII. (VILAÇA, 2017, p. 159). Deste modo, podemos entender
como uma denúncia a determinada pessoa, ou determinadas pessoas, poderiam trazer sérias
consequências, como trouxeram para Antonio Ribeiro. Os laços pessoais marcavam de forma
indelével a vida no Grão-Pará e Maranhão, de modo que, o mestre de campo com sua denúncia
de lesa majestade, acabou sendo preso e ainda sofrendo por mais inquéritos que nem esperava
que fosse ter de responder.
Conclusão
Em 14 de abril do ano de 1763, o militar com os seus sessenta anos de idade, meses
antes da chegada da Visita do Santo Ofício, permanecia preso na fortaleza da Barra. Remeteu
uma carta diretamente ao secretário da Marinha e Ultramar sobre a condição de penúria nos
setes meses em que estava encarcerado, pedindo piedade, pois se encontrava doente. Contava
ainda, que não lhe permitiam que um dos filhos pernoitasse para lhe auxiliar e da situação
decrépita da prisão que se encontrava (AHU, Pará, Cx. 54. Doc. 4918).
Em resumo, Antonio Ferreira Ribeiro foi acusado de blasfêmia ao corpo eclesiástico
por supostamente participar do uso indevido de indumentária de um clérigo e participar de
471
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
simulação de um culto; outras blasfêmias que ficaram publicamente conhecidas foram a de que
ele teria negado a existência do inferno, sobre essas duas o Inquisidor acompanhou e buscou
averiguar a veracidade. Contudo, o militar já preso, por falso testemunho, indicava que o
endosso das acusações de blasfêmia, poderiam ser para manutenção de sua reclusão... O que
realmente aconteceu e o levou a morte.
Essa história demonstra que mesmo uma pessoa de alta patente militar, com prestígio e
renome, podia se encontrar em péssimas situações dependendo das relações que mantinha na
colônia. A carreira militar era um dos caminhos de ascensão social, tanto na metrópole, quanto
na colônia, contudo, mesmo com as influências de sua patente, o mestre de campo não
conseguiu se livrar das sucessões de acusações que recaíam sobre seu nome.
Referências
ARAUJO, Sarah dos Santos. A espreita do sentimento: rastros do medo e cotidiano no contexto
da ação inquisitorial setecentista no Grão-Pará. Programa de Pós-Graduação em História.
Manaus: UFAM, 2015.
DIAS, Gabriela Duque. ‘Uma muy honrosa’ patente militar: os mestres de campo nas Minas
Setecentistas (1709-1777). Dissertação de Mestrado, Juiz de Fora, 2013.
DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos. Colonização e relações de poder no
Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000.
LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado
do Grão-Pará (1763-1769). Petropólis, 1978.
LIMA, João Antônio Fonseca Lacerda. Vivem Rica e Abastademente: Clérigos e suas posses
nos bispados do Maranhão e Pará Setecentista. Fronteiras & Debates, Macapá, V. 3, n. 1,
Jan/Jun.2016.
MATTOS, Yllan de. A última Inquisição: Os meios de ação e funcionamento do Santo Ofício
no Grão-Pará pombalino (1750-1774). Jundiaí: Paco Editorial, 2012.
VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da História: micro-história. Rio de Janeiro:
Campus, 2002.
SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Governadores e capitães-generais do Estado do Maranhão e
Grão-Pará e do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1702-1780): trajetórias comparadas. Crítica
Histórica, v.8, n.16, 2017.
Fontes:
⚫ ANTT, Inquisição Lisboa, processo n° 13201.
⚫ AHU (Projeto Resgate), Pará,Cx. 53. Doc. 4840
⚫ AHU (Projeto Resgate), Pará, Cx. 54. Doc. 4918.
472
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar as discussões desenvolvidas no âmbito do mestrado, acerca
da emergência da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, fundada em 1880, relacionando-a à
atuação filantrópica. A segunda metade do século XIX inaugurou um novo quadro na medicina
e na saúde pública no Brasil. Um fenômeno comum desse período foram as ações conjuntas
entre Estado e as elites econômicas de cada localidade. Em Manaus a atuação filantrópica foi
mais notável a partir do momento em que a região passou a sentir os efeitos do aumento
progressivo das exportações da borracha, nas últimas décadas do século XIX, uma vez que ela
foi o principal caminho das elites amazônicas em direção a ascensão econômica para um nível
até então inédito na região, o que permitiria a elas empreenderem as ações de filantropia. Dessa
maneira, este trabalho tem como objetivo estabelecer uma discussão a respeito do vínculo entre
as ações filantrópicas e a constituição da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, percebendo
as dimensões dessa relação com o Estado. Com esse intuito, a pesquisa efetiva-se por meio da
análise documental, a partir dos Relatórios de Presidentes de Província.
Palavras-chave: Santa Casa de Misericórdia de Manaus; Filantropia; Estado.
Introdução
A etimologia da palavra “filantropia” sugere amor à humanidade, implicando que
aqueles que se colocam como “filantropos” devem agir de maneira generosa para com os
extratos sociais que se encontram em posições desfavorecidas. Dentro do cânone do
cristianismo e em torno da categoria de caridade, desenvolveu-se um lugar-comum que tem
sido uma constante nas sociedades ocidentais, ainda que com certas variantes no tempo e no
espaço. Na literatura europeia, exemplos clássicos como o do personagem Jean Valjean, de Os
473
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
miseráveis (HUGO, 2014), que tem a sua redenção possibilitada pela figura de um sacerdote
caridoso, representa o engajamento clerical para com sujeitos subalternos que não possuem
posses. Conforme se espalhava a colonização europeia e penetrava na construção de valores de
ex-colônias, esse ethos de filantropia e caridade se ajusta ao corpus administrativo e estatal das
novas nações. No caso do Brasil, a Santa Casa de Misericórdia, instituição portuguesa, foi um
desses canais que tomou para si a bandeira da caridade, uma “irmandade pia”.
Na maioria das províncias que, com a proclamação da república se tornaram estados da
federação, foram instituídas as Santas Casas. Investidas com o papel social de hospitais para
cuidar da saúde da população, incluídos aqueles que não dispunham de condições para pagar
tratamentos, as unidades dessa instituição passaram a apresentar singulares características,
potencialmente contraditórias, em relação aos propalados objetivos de simples “amor à
humanidade”.
Nessa dinâmica, interesses financeiros e morais se aliam e dão pistas sobre quais
alicerces estavam fincadas algumas das colunas daquela sociedade que, segundo o historiador
José Murilo de Carvalho (CARVALHO, 1990), possuía uma lógica de liberalismo excludente
que estabelecia verdadeiros estamentos sociais de antigo regime. A constelação de valores que
guiava as ações políticas pode agregar elementos econômicos aliados a certo discurso religioso,
formando um par que se legitimava mutuamente. Nesse ponto, faz-se presente nos próprios
relatórios de governo uma importante documentação que dá a ver lugares de privilégios e de
exclusão, mesmo que apresentado sob pretextos pios, denotando a proximidade entre os
poderes eclesiásticos e estatais no primeiro quartel do século XX.
474
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
475
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
membros e aos pobres, ficando as cidades mais afastadas, muitas vezes, sem esse tipo de
assistência. Um exemplar do fenômeno descrito pelo autor supracitado pode ser a província do
Amazonas, evidenciado pela fala do então presidente de província, o Dr. Adolfo de Barros
Cavalcanti, no ano de 1864:
Algumas informações importantes podem ser extraídas desse fragmento. O Dr. Adolfo
Cavalcanti apontou a situação dos doentes pobres, que não possuíam um local de destino
adequado para serem tratados quando necessário e lamenta a falta de um hospital de caridade
e de uma atuação filantrópica mais efetiva, a qual justifica por conta da “limitada e modesta
fortuna particular” dos seus cidadãos, o que denota certo anseio em dividir ou mesmo repassar
tal incumbência aos membros da sociedade civil, a fim de aliviar as despesas e
responsabilidades da província para com essa clientela. Lilia Ferreira Lobo analisou a situação
do que classificou como “os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil”
(LOBO, 2015, p. 270-273), desde o período colonial essas categorias sem assistência acabavam
dependendo das iniciativas de “caridade moderna”. A filantropia diferia da tradicional caridade
cristã na medida em que visava muito mais o caráter de “utilidade social”. Em Manaus, a
atuação filantrópica será mais notável a partir do momento em que a região passar a sentir os
efeitos do aumento progressivo das exportações da borracha, uma vez que ela foi o principal
caminho das elites amazônicas em direção a ascensão econômica para um nível até então
476
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
inédito na região (DAOU, 2004, p. 21) o que permitiria a elas empreenderem as ações de
filantropia.
Entretanto, anterior a esse momento de “boom econômico”, o cenário que se revelava
não oportunizava ações de cuidados perenes com a saúde pública, sendo estes meramente
paliativos. Dessa maneira, nos relatórios dos presidentes de província, inúmeras são as queixas
quanto às necessidades sanitárias da região. O quadro manifesto era que, para acudir os doentes
do interior e capital da província, os presidentes enviavam socorro por meio de ambulâncias
que consistiam em comissões dotadas de medicamentos e profissionais para prestar assistência
aos enfermos atacados por alguma epidemia.
Ante o exposto, é sabido que, na Província do Amazonas, o Hospital Militar, fundado
em 1856, era o único estabelecimento hospitalar existente (SILVA, 2012, p. 67). De modo que
este teve que absorver o tratamento não apenas aos militares, mas também aos pobres e
indigentes que passaram a ser um estorvo para aquela instituição, situação esta reiteradamente
denunciada nas falas oficiais. Desta forma, a falta de um hospital de caridade na região era um
tema recorrente e um dos agentes de inquietação, motivo de preocupação em meio a tantas
epidemias. Face a esses momentos, além do destacamento de ambulâncias, lazaretos e
enfermarias eram improvisados com o objetivo de amenizar a penúria que pairava sobre os
indigentes e os desvalidos. Vale ressaltar que eram ações paliativas, sendo postas em prática
somente durante períodos epidêmicos e encerradas tão logo normalizasse a situação.
Não obstante, tais iniciativas não foram capazes de modificar a conjuntura patológica
da Província. Nesse sentido, as epidemias continuavam a acometer a população. Diante do que
foi exibido é possível inferir que numa época em que já se privilegiava a eficiência e as formas
de trabalho se transformavam, apontava-se para condições históricas em que se faria necessária
a construção de uma instituição como a Santa Casa de Misericórdia. Isso é recorrentemente
corroborado, conforme pode-se perceber nas fontes apresentadas.
É nesse contexto de fins do século XIX que o projeto de fundação da Santa Casa de
Misericórdia do Amazonas é posto em prática. Sendo assim, mediante a Lei n. 202, de 12 de
maio de 1870, foi autorizada a construção de um Hospital de Caridade (RPPAM, 1871, p. 12),
na administração de João Wilkens de Matos. No entanto, somente em dezembro de 1872 deram
início às obras, no terreno concedido para a construção do Hospital, pelo presidente da
477
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
província, Domingos Monteiro Peixoto. No local, foi inicialmente feito o trabalho de preparo
e limpeza do terreno, bem como a demarcação de limites estabelecidos entre as ruas do
Progresso e de José Clemente, com travessa na Matriz e travessa no Largo de São Sebastião
(RPPAM, 1973. p. A5-3).
Com o objetivo de dar andamento ao projeto de construção do hospital de caridade,
Domingos Peixoto recorreu, segundo ele, ao “sentimento humanitário” de algumas das figuras
proeminentes da sociedade local. Desta forma, o Estado agia como um cooptador de forças no
sentido de criar as condições para a construção do hospital, redimensionando os discursos
filantrópicos para o atendimento humanitário. Arregimentava-se assim, um grupo considerável
de pessoas dispostas a bem servir a sociedade por meio de uma suposta generosidade
despretensiosa, dentre os quais cita: os Tenentes-Coronéis Clementino José Pereira Guimarães,
João José de Freitas Guimarães, José Marcellino Taveira Brasil e José Coelho de Miranda
Leão, Tenente Emílio José Moreira, Comendadores Francisco de Souza Mesquita e Alexandre
Paulo de Brito Amorim e os comerciantes José Antonio da Costa, José Teixeira de Souza e
Manuel Alves dos Santos (RPPAM, 1873, p. 34.). É importante destacar que o “sentimento
humanitário” evocado por Domingos Peixoto está associado à filantropia que diverge do
princípio de caridade, posto que este, “reflete o temor a Deus e uma atitude de resignação ante
a pobreza”, ao passo que a filantropia, além de estar dissociada da Igreja, é posta em prática
pensando na questão da “utilidade social” (SANGLARD; FERREIRA, 2018) e, para tanto,
requer a iniciativa de particulares que integrem um seleto grupo, a exemplo dos nomes
supracitados.
Além das contribuições financeiras feitas pelos benfeitores, eles encarregaram-se
também de angariar donativos para o hospital. Sendo assim, a Santa Casa de Misericórdia de
Manaus foi conjuntamente custeada pelo Estado e pela filantropia, com o subsídio concedido
pela elite provinciana. Neste sentido, formaram uma comissão responsável por agenciar a
construção do hospital onde recebiam doações de particulares engajados com o propósito da
obra levantada. Em 1875, o Comendador Francisco de Souza Mesquita, tesoureiro da comissão
encarregada de promover e receber os donativos para a construção do hospital de caridade,
entregou à Presidência da Província do Amazonas, a quantia de 16:029$320, que foram obtidos
por meio de doações diversas: de particulares nacionais e estrangeiros, sendo políticos,
478
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
479
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Neste sentido, o coronel José Clarindo de Queiroz nomeou uma comissão para organizar o
compromisso da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que administraria o respectivo
hospital. Portanto, de acordo com a Lei nº451, de 14 de Abril de 1880, foi criada a Irmandade
de Misericórdia. O hospital de caridade, que passou a ser conhecido como Santa Casa de
Misericórdia de Manaus, foi inaugurado em 16 de maio daquele ano (RPPAM, 1880, p. 12).
Dessa maneira, o hospital fora aberto com as obras ainda inconclusas devido à
imperatividade que se faziam sentir os seus serviços. De modo que, durante os anos que se
seguiram à sua inauguração, a Santa Casa passou por várias intervenções e esteve no centro de
debates políticos, suscitados pela conjuntura política e econômica a partir da década de 1890.
Uma vez que ficou responsável pelo atendimento de pobres, desvalidos, indigentes, presos,
órfãos,etc.
Considerações finais
Temos aqui um ponto que consideramos importante para a compreensão do papel a ser
desempenhado pela Santa Casa de Misericórdia de Manaus. Lembrando que Abreu destaca o
caráter de longa duração da trajetória das Santas Casas portuguesas e como seguiram uma
lógica organizacional que garantiu o sucesso da irmandade de Nossa Senhora de Misericórdia,
fundada no século XV em Portugal, sendo que seus objetivos não se restringiam apenas aos
cuidados médicos, assim como de tornar menos amarga a vida dos necessitados promovendo a
caridade cristã por onde se estabeleciam (ABREU, 2004). Em contrapartida, as Misericórdias
instaladas no Brasil seguiram de acordo com as peculiaridades de cada região, de modo que
em Manaus reside com um detalhe que chama a atenção, pois, em descompasso a outras
irmandades organizadas, em grande medidas por membros particulares da sociedade, com o
propósito de exercer a caridade, a congênere do Amazonas caracteriza-se por ter se
estabelecido por iniciativa do Estado, a fim de atender às demandas de políticas públicas
voltadas para a área da saúde.
Nesse sentido, a historiadora Josali do Amaral, ao pesquisar o assistencialismo a
desvalidos e indigentes, considera a emergência da Santa Casa de Misericórdia alinhada aos
interesses do Estado, estando no cerne das políticas higienistas do período (AMARAL, 2011,
480
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
p. 183). O Estado agiu então como um elemento de captação de forças que conseguiu compor
um grupo formado por diferentes segmentos da elite amazonense em prol da causa
assistencialista. Em contrapartida, os filantropos membros da Irmandade ganhavam prestígio
uma vez que, fazer parte deste seleto grupo onde se exigia de seus componentes um padrão
pecuniário e moral, os notabilizavam com distinção social. O Estado, juntamente às ações
filantrópicas, formou uma aliança que possibilitou a emergência da Santa Casa de Misericórdia
de Manaus. Instituição que desempenhou um papel preponderante na saúde pública do Estado
do Amazonas, durante todo o período no qual funcionou, desde a sua inauguração em 1880 até
seu fechamento no ano de 2004.
Referências
ABREU, Laurinda.: .O papel das Misericórdias dos lugares de além-mar na formação do
Império português. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. VIII(3): 591-611, set.-dez.
2001.
______, Laurinda . Igreja, caridade e assistência na península Ibérica (sécs. XVI-
XVIII), Lisboa, Edições Colibri/Évora, Cidehus-Universidade de Évora, 2004.
AMARAL, Josali do. Ritmos e dissonâncias: controle e disciplinarização dos desvalidos e
indigentes nas políticas públicas do Amazonas. (1852-115)- Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do PPGHAM em 2011.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.
São Paulo: Companhia das letras, 1990.
___________, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
sombras: a política imperial. 5ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
COSTA, Cybele Morais da. Socorros públicos: as bases da Saúde Pública na Província do
Amazonas (1852-1880). 2009. 142 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade
Federal do Amazonas, Manaus, 2009.
DAOU. Ana Maria. A Belle Époque amazônica. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
HUGO, Victor. Os miseráveis. 1ª ed. Editora: Martin Claret, 2014.
LOBO, Lilia Ferreira. Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2015. p. 270-273.
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Caridade e Filantropia: elites, estado e
assistência à saúde no Brasil. In: TEIXEIRA, L. A.; PIMENTA, T. S.; HOCHMAN, G. História
da Saúde no Brasil. Hucitec Editora, São Paulo, 2018. pp.145-176.
481
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
482
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Neste pequeno ensaio científico não nos propomos a fazer uma análise fílmica aprofundada
sobre esta obra fundamental do cinema documental e ficcional brasileiro da década de 1970.
Aqui iremos apresentar apenas alguns apontamentos que são de análises, conversas e obras do
campo da História e Ciências Sociais consolidadas, mas que abrem possibilidades para debate
mais que atual sobre a Amazônia contemporânea e sua estrada que em muitos trechos desfaz-
se sem o asfalto do progresso. No final do texto disponibilizamos o Quick Response Code (Qr
Code) para o leitor ou leitora ter acesso à película e ver ou rever este clássico do cinema
nacional.
Introdução
483
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
484
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Mas não tardou para que o colapso econômico pairasse sobre o Vale Amazônico e sua
população. Em 1912 o inglês Henry Wickham Steed transportou ilegalmente sementes do
Brasil para a cidade de Londres e de lá para as regiões do Ceilão (hoje Sri Lanka) e Malásia
onde os seringais prosperaram e derrubaram a quase exclusividade da economia gomífera
amazônica em âmbito mundial como relata Charles Wagley (1988).
485
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Neste caso específico do "recrutamento" desta mão de obra nordestina para os seringais
da Amazônia ficou sob a responsabilidade do órgão governamental chamado SEMTA (Serviço
Especial Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia) que posteriormente teve seu nome
modificado para Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a
Amazônia (CAETA), com ligação direta ao DNI (Departamento Nacional de Imigração), que
possuía o controle e a política de recrutamento, distribuição, hospedagem, alimentação e os
meios de transportes da massa migrante em trânsito (BENCHIMOL, 1992, p. 16).
486
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Neste projeto dos generais estavam a abertura de estradas para as regiões mais distantes
do país para dispersar nordestinos e evitar que surgissem colunas guerrilheiras na floresta
amazônica. A Transamazônica ou BR-230 teve sua pedra fundamental fincada no governo do
General Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e seu trajeto inicia-se no município de
Cabedelo no Estado da Paraíba. No projeto inicial desta “obra faraônica” constava que a
rodovia ligaria o Brasil ao Oceano Pacífico, atravessando o Peru e o Equador.
487
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Em solo amazonense, a partir da cidade de Manaus surge a conhecida BR-319 que corta
uma vasta área de floresta que ao chegar aos municípios de Lábrea e Humaitá ligam-se a
Transamazônica até o estado vizinho de Rondônia. Em meados dos anos 1980 órgãos
responsáveis como o antigo Departamento de Estradas e Rodagem do Amazonas (DER/AM)
não faziam a manutenção desta pista com regularidade, pois alegavam a falta de tráfego e ao
longo das décadas o descaso e a erosão se agravaram exponencialmente.
488
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Iracema, uma Transa Amazônica foi produzido em 1974 por Jorge Bodanzky, Orlando
Senna e Wolf Gauer. A película se propõe a ser um contraste com a propaganda oficial da
Ditadura Militar brasileira (instalada desde 1964) sobre o binômio cultura/natureza da planície
amazônica. Os generais divulgavam um país moderno e em expansão e entre suas maiores
obras estaria a construção da Transamazônica ou BR-230.
A história narra o encontro do gaúcho Tião Brasil Grande (Paulo César Pereio) e da
jovem Iracema (Edna de Cássia). Tião Brasil Grande um motorista de caminhão que
transportava madeira na cidade de Belém do Pará no norte “atrasado” do país para o sudeste
“desenvolvido”. Para Tião Brasil Grande o desenvolvimento só poderia ser representado pela
abertura de estradas que cortariam o país levando o progresso para as regiões mais distantes e
assim, tirando esses povos de um verdadeiro isolamento geográfico e civilizacional. As
rodovias são o símbolo de uma almejada modernidade para os brasileiros e brasileiras deste
período em tela.
489
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Tião Brasil Grande abandona Iracema em outro meretrício de uma estrada longínqua.
Meses depois, o caminhoneiro, agora dirigindo um caminhão boiadeiro que transportava rezes
de bovinos, em direção ao estado do Acre, reencontra-a suja, desdentada e maltrapilha.
Tião depois de alguns tragos de aguardente segue sua estrada deixando Iracema falando
impropérios ao motorista, por causa da sua negativa em dar dinheiro a jovem que trajava um
vestido empoeirado, repleto de fuligem e ébria de aguardente. Fica explícita a metáfora do
progresso e da civilização que precisam percorrer seu caminho ininterrupto rumo à
modernidade, enquanto quem não se adequa a estas regras será ultrapassado e ficará pelo meio
do caminho, estagnado, preso a tudo que apresentasse uma representação do “atrasado” e do
“selvagem”.
Atualmente, nos seis meses do chamado verão amazônico, a estrada BR-319 está repleta
de buracos, poeira e pontes de madeira improvisadas e durante os seis meses do inverno, a
rodovia torna-se intransitável. Quem se aventura a percorrer a estrada neste período enfrenta
chuvas torrenciais e muita lama tem uma experiência inenarrável. Mesmo após o processo de
redemocratização e vários governos civis, ainda hoje, discussões acirradas entre entidades
ambientais, organizações não-governamentais e membros dos poderes executivo e legislativo
complicam o asfaltamento de uma grande parte desta estrada.
Para nós, amazônidas desta última fronteira, só nos resta figurar na condição de “reféns”
do transporte fluvial e aéreo que nos liga ao restante do Brasil com valores exorbitantes sendo
490
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ALVES FILHO, Armando. A Política dos Governos militares na Amazônia. In. Pontos de
História da Amazônia. 2º Edição. Revisada e ampliada - Belém: Paka-Tatu, 2000.
............................ A Guerrilha do Araguaia [1972 – 1975]. In. Pontos de História da Amazônia.
2º Edição. Revisada e ampliada – Belém: Paka -Tatu, 2000.
BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da Batalha da Borracha; ilustrações de Jorge Palheta e
Moacir Andrade. Manaus: Imprensa Oficial, 1992.
DISCURSO DO RIO AMAZONAS. Pronunciado pelo Exmo. Sr. Dr. Getúlio Dornelas
Vargas, digno Presidente da República, em 10 de outubro de 1940. Pará – Belém. Oficinas
Gráficas do Instituto Lauro Nobre [Escola Profissional do Estado], 1943.
LIMA, Araújo. Amazônia, a terra e o homem. 5º Edição. Manaus: Edições Governo do Estado
do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 2001.
LIMA, Frederico Alexandre de Oliveira. Soldados da Borracha – Das Vivências do Passado às
Lutas Contemporâneas. Manaus: Editora Valer e FAPEAM, 2014.
MATIAS, Francisco. Pioneiros: ocupação humana e trajetória política de Rondônia. Francisco
Matias. Gráfica e Editora Maia Ltda. Porto Velho, 1997.
MORAIS, Taís. Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha. São Paulo: Geração
Editorial, 2005.
SILVA, Marilene Corrêa Silva. O Paiz do Amazonas. 3º Edição – Manaus: Editora Valer, 2012.
SILVA, José Lopes da. Amazonas – do extrativismo à industrialização. Manaus: Editora Valer,
2013.
TEIXEIRA, Carlos Corrêa. Servidão humana na Selva – O aviamento e o barracão nos
seringais da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009.
WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos. 3º Edição.
Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
491
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
A Vila de S. José de Macapá está no seu primeiro estabelecimento, com
precisão de muitas obras públicas de calçadas, fontes, pontes, caminhos, e
serventias do Povo. As outras Vilas, de Câmara, e Cadeia, e mais que tudo de
hum cais nos portos das mesmas Vilas, porque o mar vai minando, e
demolindo a terra, de Sorte, que em breve tempo o arruinará as Casas
fronteiras; porque lhe tirará o fundamento, ou terra, em que se acham situadas,
o que se poderá evitar com adjutório dos rendimentos das terças, aplicando-
se para as ditas obras por tempo de vinte anos. O que represento a V. Ex.ª,
para o por na presença de Sua Mag.e, e se dignar o mesmo Senhor mandar
aplicar as ditas terras para as referidas obras, e determinar, o que for servido.
(AHU – Pará, Avulsos. Cx. 49, Doc. 4522, 28/06/1761.)
492
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Uma sociedade corporativa, como o era a portuguesa até o século XVIII, foi sendo
estruturada com base em relações de fidelidade e reconhecimento pelo rei dos sacrifícios (de
bens e vidas) dos súditos e pelo compromisso de lealdade com a cabeça do corpo social: o
monarca. Esse deveria se ocupar de suas funções, não ampliando seu poder além do papel de
manutenção daquela sociedade. Assim, “fazer justiça” entra como papel primário do rei. Tal
atribuição régia era direcionada para manter a unidade portuguesa, assegurando a cada qual o
que era de direito. Nisso estava: reconhecer os privilégios dos súditos, inclusive os que eram
inalienáveis pelo rei, e os que era compromisso serem dados como dons ou graças. Eram os
vários privilégios que tornavam esta complexa comunidade hierarquizada. Desfazer essa
estrutura seria um ato de injustiça ou tirania.
493
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Coroa lusa e costura da rede administrativa por todo esse vasto espaço interatlântico, é preciso
compreender como a articulação intermediária era fundante para conectar as câmaras até a
Coroa – seja em Portugal ou Macau, por exemplo.
494
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
495
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
nas Ordenações Filipinas. O papel dos Ouvidores Gerais era dependente da existência das
câmaras. Na segunda metade do século XVIII, a instalação das câmaras pelo Ultramar em
exploração era um pilar da colonização pois demarcava a presença da Coroa lusitana, definindo
um termo urbano e a intenção de habitação permanente naquele sertão tornado território
português – nem sempre bem sucedido. Com a ausência desse órgão se perdiam mecanismos
para a aplicação da fiscalização e do controle por agentes régios, que no contexto das partidas
demarcatórias entre Portugal e Espanha (Tratado de Madri, 1750), esvaziava os argumentos
portugueses daquela colonização como realidade. As vilas serviriam a muitos projetos daquele
reinado josefino.
A criação de novas capitanias (no caso da colônia norte São José do Rio Negro e São
José do Piauí, e a reorganização do estado como estado do Grão Pará e Maranhão, com sede
em Belém) acompanhou a criação de novas povoações e a elevação de aldeamentos
missionários para a condição de vilas, exigindo a implantação de câmaras, a elevação de
fortalezas e fortes em certos pontos. Ocorreu também a organização territorial com planos
urbanos e a inclusão dos nativos como potenciais moradores e camarários. Nesse cenário de
transformações, a realização de eleições estabelecia por si novos territórios para a visitação de
Ouvidores, a presença deles significaria mais olhos e ouvidos do rei nas colônias.
Nessa configuração, as transformações e novas nomeações buscaram aglutinar outras
fontes de poder e influência local às estruturas régias centralizando e vinculando o exercício e
o poder local ao monarca. Com tais perspectivas, reconheceu-se o Principal como parte da
administração e a possibilidade de eleição de lideranças indígenas em cargos da república –
mesmo que tutelados, segundo o Diretório dos Índios, as Leis de Liberdades de 1755
vigoravam –, como vereadores e juízes ordinários (função leiga e do direito costumeiro).
496
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
497
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
oficiais desta dirigiam as localidades, recolhiam tributos, decidiam e executavam gastos para a
conservação de prédios e edificações públicas. Portanto, parte essencial para tornar mais
portuguesa a rotina de vida e trabalho dos povos. Ao inquirir e vistoriar as contas, os Ouvidores
Gerais corrigiam e orientavam esses oficiais sobre seus erros e, tal como acima, indicavam
usos e maneiras de melhor executar os papéis das câmaras.
Esses exercícios de visitação, inquirição e devassa das contas e acontecimentos eram
atribuições executadas durante os seis meses de Viagens de Correição anuais dos Ouvidores.
Importante momento da vida colonial para esses magistrados, pois não bastariam as normas e
leis, necessitavam os bacharéis de entendimento das circunstâncias e costumes locais para
dosar a implantação de novas ordens sem conflitar com as práticas da terra e nem construir
contra si redes de inimigos – que poderiam denunciá-los e mover-se para retirá-lo. De fato,
esses bacharéis viviam e percorreram os rios amazônicos, construindo outras imagens e
opiniões acerca da maneira de aplicar, nesse momento histórico, as medidas pombalinas.
O agente que se dirige ao secretário de estado, na introdução dessa exposição, era
Feliciano Ramos Nobre Mourão que, no estado do Grão Pará e Maranhão, foi Ouvidor Geral
da Comarca do Pará de 1760 até 1767, mas já havia atuado como Juiz de Fora de Belém e
Provedor da Fazenda Real do Pará. Em norma, não ocorreria a circulação dos magistrados, com
isso, não teriam associados nem favorecidos quando fizessem devassas e defenderiam os
interesses da Coroa, em vez de acobertar aqueles que cometessem crimes e desvios. Todavia,
encontramos no período pombalino (período que está em pesquisa).
498
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura 2. Planta da Vila de S. José de Macapá tirada por ordem do governador Manoel Bernardo de Melo e
Castro no Ano de 1761 pelo Capitão Engenheiro Gaspar, João de Gronsfeld. Fonte: AHU – Cartografia
Manuscrita, Pará 1789.
A ordem e a civilidade não ocorreriam apenas com a direção dos Diretores de Índios,
mas com a conformação de um ambiente civilizatório pelas suas ruas retas. A centralidade da
499
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
praça com os prédios públicos, dirigindo o olhar dos moradores e reunindo a população que lá
encontrava o governo, a fé e o mercado. Correlato a essa questão foi criado o cargo de
Intendente Geral da Agricultura, Manufatura e Comércio nas capitanias da colônia norte. Esse
novo agente não suplantou as funções do Ouvidor Geral com a organização da câmara. A
Ouvidoria Geral, ao inquirir moradores e inspecionar as contas das câmaras, apuraria os gastos
com a conservação da vila. Assim, encontramos ouvidores indicando formas de utilizar as
rendas das câmaras.
Podemos avaliar como a manutenção de uma rede de vilas e povoações eram essenciais
para a conservação da colonização e da transformação do espaço do sertão em território
português. Apresentando de outro modo: as iniciativas de direcionamentos das contas e do
ordenamento local era uma maneira de fazer justiça, pois eram ações para a manutenção
daquela sociedade que a colonização buscava construir. “A instituição da vila [Cuiabá] não só
instaurava a legitimidade do poder administrativo sobre o espaço como também regulava, em
termos sociais, a própria vivência naquele espaço que, sem as respectivas autoridades, tendia
para o caos.” (ARAUJO, jan-jun. 2012. P. 43). Ao menos nisso acreditavam as autoridades
coloniais.
Em 1755, ouvidor geral e intendente da capitania do Pará, João da Cruz Dinis Pinheiro,
dirigiu-se ao secretário do Estado e Negócios Estrangeiros e da Guerra, o conde de Oeiras,
Sebastião José de Carvalho e Melo, sobre a descoberta do rio Tapajós, as guerras com indígenas
e as fundações das vilas de Ourém e Bragança. Dessas ocasiões, relatou que:
Para este efeito levei desta Cidade a minha custa Astrólogos, e Engenheiros,
com quem pus em execução a ideia de lhe facilitar a comunicação por terra,
para que se pudessem servir de Bois, e Cavalos, sem o embaraço, que causa
a Navegação dos Rios por ser toda de remo que só se faz a força de muita
gente: para o que lhe mandei abrir uma estrada por Linha reta na distância de
quatro Léguas com quarenta palmos de Largo, que não só por franca a
comunicação mas a fiz mais suave e útil por diminuir hum dia dos que se
gastavam embarcando. (Anexo: AHU – Pará, Avulsos, Cx. 42, D. 3838.
13/08/1755.)
500
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Esse não era, por fim, o único caminho para bacharéis na região amazônica. Os
magistrados Feliciano Ramos Nobre Mourão e José Feijó de Melo e Albuquerque alçaram
postos nos Tribunais da Relação e Feliciano Mourão recebeu carta de título do Conselho da
Rainha e Desembargador no Desembargo do Paço. Embora a Amazônia não fosse uma
colocação prestigiada, o exercício bem avaliado e com a adequada habilidade negociativa
poderia ser parte de uma destacada trajetória no serviço régio. Observando a tabela 1 é possível
notar que Melo e Albuquerque com constância na região, sendo que esta foi a primeira
jurisdição que ele atuou, até ser nomeado como desembargador no Tribunal da Relação do Rio
de Janeiro, em 1779, havia somente serviço ao rei no Grão-Pará.
Referências
501
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa
na América, a partir do Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1750-1789). 2005. 433 p.
Programa de Pós-Graduação em História Social. (Tese de Doutorado) – Universidade de São
Paulo, São Paulo.
ENES, Thiago. Os conflitos de jurisdição entre os cargos do poder local ou a difícil tarefa de
levar justiça aos domínios d’El Rey. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p.
13-38, 2018.
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo
atlântico português (1645-1808). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista
e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). 1.ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
HESPANHA, António Manuel e XAVIER, Ângela Barreto. A Representação da Sociedade e
do Poder. In: HESPANHA, António Manuel (coord.) História de Portugal – O Antigo
Regime (1620-1807). 4º volume. Lisboa: Estampa, 1998. Pp. 113-140.
HESPANHA, António Manuel e XAVIER, Ângela Barreto. As Redes Clientelares. In:
MATTOSO, José (dir.) História de Portugal – O Antigo Regime (1680-1807). Vol. IV.
Editora Estampa: Lisboa, 1998.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e Meirinhos. A Administração no Brasil Colonial. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas
no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). 2008. 441 p. Programa de Pós-Graduação
em História Social. (Tese de Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo.
SOUZA Jr, José Alves de. As autoridades indígenas nos aldeamentos no tempo do Diretório:
principais e oficiais. In: CHAMBOULEYRON, Rafael e SOUZA Junior, José Alves. Novos
olhares sobre a Amazônia Colonial. 1. ed. Belém, PA: Paka-Tatu, 2016. Pp. 281-300.
SUBTIL, José. Os Poderes do Centro. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). História
de Portugal – O Antigo Regime (1620-1807). 4º volume. Lisboa: Estampa, 1998. Pp. 141-
230.
TEIXEIRA, Maria Lúcia Resende Chaves. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil
Colônia. O perdão e a punição nos processos-crimes das Minas do Ouro (1769-1831). 2011.
395p. Programa de Pós-Graduação em História Social. (Tese de Doutorado) – Universidade
de São Paulo, São Paulo.
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial. O Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
502
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
Aos trinta e um dias do mês de outubro do ano de 1869, foi sepultada no cemitério
público da cidade de Teresina-PI, a escravizada Victoria, natural da freguesia de Santo Antônio
de Campo Maior, Piauí, aos quarenta anos de idade, de dor de estômago. (ARQUIVO DA
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO. Registros de Óbitos da Freguesia Nossa
Senhora das Dores, 1869-1877) A partir da descrição do Livro de Registro de Óbitos da Igreja
de Nossa Senhora das Dores, foi possível perceber a riqueza de informações e as várias
possibilidades de pesquisas contidas nos registros eclesiásticos. O estudo desses registros
503
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
504
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
objetivo deste artigo é analisar a condição de saúde, a causa da morte e as doenças que incidiam
sobre os escravizados e libertos na cidade de Teresina-PI, na segunda metade do século XIX.
O recorte espacial e temporal foi selecionado com base nos assentos do Livro de Óbitos
da freguesia de Nossa Senhora das Dores entre os anos de 1869 e 1877, visto que este é o único
registro paroquial disponível referente aos óbitos de escravizados e libertos na cidade de
Teresina-PI.
Devemos ressaltar que a riqueza de informações contidas nas várias categorias de
assentos apresentou-se como resultante das observações dos párocos responsáveis pela escrita
do documento, registrando os pormenores do óbito. Foram analisados 69 assentos de óbitos
entre escravizados e libertos, sendo que sete desses registros são de filhos(as) de cativas que
nasceram após a Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre - 1871).
Inicialmente, traçaremos um panorama sobre a cidade de Teresina, observando como
as relações escravistas estiveram presentes na trajetória de consolidação como capital da
província do Piauí. Em seguida, analisaremos os assentos de óbito, verificando as causas de
mortalidade, quais doenças mais incidiam sobre a população cativa e liberta, os aspectos
relacionados à faixa etária e sexo, à mortalidade infantil, e outras possibilidades de estudo que
envolvem os livros de óbitos.
A cidade de Teresina foi fundada por meio da resolução nº. 315 de 21 de julho de 1852,
que elevou a Vila do Poti à categoria de cidade. O Presidente da Província, José Antônio
Saraiva, habilitou-se a fixar residência na nova sede do governo e pessoalmente inspecionar as
obras provinciais que se realizavam. (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. Livro
de Registro de resoluções – 1852. Código das Leis Piauienses – 1852 / Tomo 13º Parte 1ª
Secção 1ª – Resolução nº 315 Publicada a 21 de julho de 1853)
Para a nova capital foi transferida a sede do governo com todos os seus
estabelecimentos e repartições públicas. Na sua fundação, a cidade de Teresina foi dividida
administrativamente entre a freguesia de Nossa Senhora do Amparo e a de Nossa Senhora das
Dores. O limite entre as freguesias se fazia por uma linha reta do pasto público de Teresina, no
505
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Rio Parnaíba, na Praça da Constituição (atualmente conhecida como Praça da Bandeira) até o
porto chamado de Eufrásio, no Rio Poti.
A freguesia de Nossa Senhora do Amparo recebeu o mesmo nome da padroeira da
capital. Nessa freguesia estavam localizados os prédios da administração pública da Província,
a Igreja Matriz, o mercado, as lojas e os armazéns da cidade. Segundo o censo de 1872, esta
possuía 1.270 pessoas escravizadas, sendo 474 pardas e 796 pretas. (BRASIL. Recenseamento
Geral do Império. Typ. G. Leuzinger, 1872).
A freguesia de Nossa Senhora das Dores possuía, segundo o censo de 1872, 1.803
pessoas escravizadas, sendo 471 pardas e 1.332 pretas. (BRASIL. Recenseamento Geral do
Império. Typ. G. Leuzinger, 1872) Observamos o número maior de escravizados nesta
freguesia, isso ocorria possivelmente porque era onde ficava localizada a subida para o Campo
de Santana ou Rua dos Negros (atualmente próxima à Praça João Luís Ferreira e Rua Eliseu
Martins), local da cidade de Teresina onde, segundo Mairton Celestino, a cultura negra podia
se manifestar com mais intensidade através dos batuques e das festas religiosas. (SILVA, 2008.
p. 43).
Em toda a província do Piauí havia cerca 202.222 pessoas, das quais 178.427 eram
livres e 23.795 eram escravizadas. As cidades de Oeiras e Teresina foram as que apresentavam
um número significativo de escravizados. A cidade de Oeiras possuía um número total de
12.794 habitantes, dos quais 10.807 eram livres e 1.987 eram escravizados; a cidade de
Teresina possuía 21.692 habitantes, dos quais 18.619 eram livres e 3.073 eram escravizados.
(BRASIL. Recenseamento Geral do Império. Typ. G. Leuzinger, 1872) Enfatizamos que os
índices elencados no Censo subestimaram o número total de cativos, pois o fim do tráfico
atlântico, a baixa taxa de natalidade e a alta mortalidade provocaram uma diminuição relevante
do número de escravizados entre as décadas de 1850 e 1860, fatos que não foram considerados
para o censo de 1872. (CHALHOUB, 2012, p. 42)
Notamos, através do Recenseamento Geral da Nação de 1872 e do pedido do mestre de
obras na edificação da cidade de Teresina, um número reduzido de escravizados em
comparação às outras cidades do Brasil. A edificação desta cidade teve seu início após a Lei
Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro e prescrevia punições mais rigorosas para
quem dele participasse.
506
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
507
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
508
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
situação dos escravizados era diferente da exposta por Odilon Nunes. Além da condição
subumana, os cativos tinham uma alimentação rarefeita, composta basicamente por farinha e
carne seca, que levava uma parte dessa população à morte. Essa base alimentar ainda sofria
com o problema do abastecimento interno, visto que a capital não era autossuficiente na
produção de farinha de mandioca, milho e arroz, e o período seco se estendia por quase todo o
ano.
À luz dessas informações, há possibilidades para a análise da condição de saúde, causa
mortis e as moléstias que se manifestavam em escravizados e libertos na cidade de Teresina,
na segunda metade do século XIX. Uma delas está baseada no trabalho de Mary Karasch, A
vida dos escravos no Rio de Janeiro, onde a autora classifica as doenças que causaram a morte
dos escravizados, enterrados no cemitério da Santa Casa do Rio de Janeiro, entre os anos 1833
e 1849. (KARASCH, 2000, p. 497-503).
Em meio às causa mortis encontradas no livro paroquial referente à freguesia de Nossa
Senhora das Dores, podemos identificar seis grupos de doenças elencados por Mary Karasch:
doenças infecto parasitárias; sistema nervoso e neuropsiquiátrico; sistema respiratório; sistema
digestivo; sistema circulatório; doenças geniturinárias e causas não definidas.
A maior incidência dos registros paroquiais está nas causas de morte por doenças não
definidas, como a do párvulo Cosme, de dez meses, que faleceu de febre no dia 1o de outubro
de 1869, e do cativo africano Parclino, que faleceu de quebradura no dia 20 de janeiro de 1876.
(ARQUIVO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO. Registros de Óbitos da
Freguesia Nossa Senhora das Dores, 1869-1877) A causa da morte em decorrência de “doenças
não definidas” era registrada dessa forma porque a sintomatologia era parecida com as de
outras doenças e assim tinha a sua identificação inibida, não sendo possível determiná-la
apenas com o que fora relatado na maioria dos assentos. (REIS, 2008, p. 3).
Se retirarmos as doenças por causas desconhecidas da análise, os dados obtidos na
pesquisa apontam para uma maior incidência do grupo das doenças do sistema respiratório
como: pleuris; garrotilho; bronquite e doença de fluxo. Muitos fatores poderiam corroborar
para a existência das doenças do sistema respiratório como a insalubridade das casas e ruas, os
hábitos de higiene pessoal que quase não existiam na sociedade oitocentista, e as intempéries
509
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
climáticas, pois verificamos que os falecimentos registrados ocorreram na passagem dos meses
mais quentes para os mais amenos.
Nos assentos de óbito, as doenças do sistema nervoso e neuropsiquiátrico foram as que
tiveram a segunda maior incidência entre os cativos e libertos. Com destaque para os espasmos
e estupor. As doenças infecto-parasitárias tiveram a terceira maior ocorrência entre os sujeitos
pesquisados. Identificamos bexiga, tísica e câimbra de sangue. Relacionamos quatro óbitos de
escravizados entre os meses de janeiro e fevereiro de 1876, causados por bexiga ou varíola,
doença muito comum no século XIX e que, segundo Langgaard, tinha uma “afecção febril,
aguda e contagiosa, que desenvolve pústulas na superfície do corpo”. (LANGGAARD, 1873,
p. 280).
Nos assentos paroquiais, oito sujeitos tiveram causa do óbito ligada às doenças do
sistema digestivo, entre elas, dor de estômago, indigestão, vermes e hidropisia. Observamos
que, tanto as doenças do sistema respiratório quanto as do sistema digestivo poderiam ocorrer
pela pouca higiene, falta de salubridade e saneamento. A capital da província do Piauí não
possuía sistema de abastecimento de água, de iluminação pública, calçamento das ruas ou
esgoto. As primeiras obras de infraestrutura para o abastecimento de água só ocorreram no
início do século XX.
Outros fatores poderiam estar ligados à proliferação e existência das moléstias que
atingiam o sistema digestivo, como a ausência na limpeza e manuseio dos alimentos, e a
proximidade com os locais que serviam de depósito de lixo. (VIANA, 2016, p. 134) A falta de
vestimenta adequada também poderia servir de acesso para a propagação de doenças.
Por fim, foi assinalado nos registros o falecimento do párvulo Nicolau, de quatro anos
de idade, filho natural da cativa Lourinda, que morreu de retenção de urina (doença
geniturinária), e o óbito de Mônica, que faleceu de sofrimento do coração (doença do sistema
circulatório).
Foi possível identificar que, na relação entre as causas da morte e a faixa etária, a maior
incidência de mortes foi em adultos. Desses registros, a maioria é de óbito por doenças de
causas desconhecidas como febres, tumor, “fulminada” e inflamação. Na sequência, aparecem
as doenças infecto-parasitárias, seguidas pelas doenças do sistema digestivo, doenças
respiratórias, doenças do sistema nervoso e doenças do sistema circulatório.
510
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações Finais
511
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
512
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Trad. Pedro
Maia Soares. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
LANGAARD, T. Dicionário de Medicina Domestica e Popular. Rio de Janeiro: Tipografia
Laemmert, 1873.
LOTT, Mirian Moura. Fontes paroquiais, suas permanências e mudanças: século XIX. II
Simpósio Internacional sobre Religiões, Religiosidades e Culturas. Universidade Federal da
Grande Dourados. Dourados – Mato Grosso do Sul, 2006.
MAGALHÃES, Sônia Maria de. Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX. 2004.
260 páginas. Tese (Doutorado em História). Departamento de História da Faculdade de
História, Direito e Serviço Social. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Franca, 2004, p. 121.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Os registros paroquiais e a História do Brasil. Várias Histórias, nº
31, janeiro 2004.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Dos registros paroquiais à demografia histórica no Brasil. In: Anais
de História, Assis, 1983.
NUNES, Odilon. A mudança da capital Teresina e seu desenvolvimento no Império. In:
Pesquisas para a História do Piauí. v. IV, Teresina: FUNDAPI, 2007.
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
REIS, Thiago de Souza dos. Doença e escravidão: Vassouras, 1865-1888. XIII Encontro de
História Anpuh – Rio – Identidades.
SILVA, Mairton Celestino da. Batuque na rua dos negros: cultura e polícia na Teresina da
segunda metade do século XIX. 2008. Dissertação (Mestrado em História Social). Pós-
Graduação em História Social. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
STEIN, Stanley J. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990.
SOUSA, TALYTA MARJORIE LIRA. Filhos do Sol do Equador: as vivências e experiências
cotidianas de trabalhadores negros na sociedade teresinense no final do século XIX.
Dissertação (Mestrado em História do Brasil), Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2012,
p. 83.
VIANA, Iamara da Silva. Doenças de escravizados em Vassouras, 1840-1880: principais
causas mortis e suas implicações. In: Escravidão, doenças e práticas de cura no Brasil. Rio de
Janeiro: Outras Letras, 2016, p. 130-149.
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Edições
do Senado Vol. 79. Brasília. Editora do Senado Federal, 2007.
513
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
TATIANE BARTMANN
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutoranda
tati_bartmann@hotmail.com
Resumo
A presente pesquisa pretende analisar os processos trabalhistas da 1ª Junta de Conciliação e
Julgamento de Porto Alegre (RS), desde a sua instalação (1941) até o final do Estado Novo
(1945), destacando um tipo de reclamação em especial: as rescisões contratuais. Através dessas
ações iniciadas pelas/os trabalhadoras/es cuja reivindicação se centra na rescisão sem justa
causa, é possível perceber reclamações e denúncias das mulheres quanto aos assédios e
perseguições sofridas no interior dos estabelecimentos industriais. Analisando mais
detalhadamente o processo iniciado por uma trabalhadora no ano de 1942, busca-se
compreender de forma mais específica como esses possíveis abusos aconteciam, como eles
eram relatados na Justiça do Trabalho, tanto pela reclamante quanto pelas testemunhas, qual a
importância dada a essas delações e como esses processos eram julgados na 1ª Junta de
Conciliação e Julgamento da capital. Com isso, se pretende problematizar os embates, conflitos
e disputas em torno das rescisões contratuais, bem como, as violências e explorações as quais
principalmente as mulheres trabalhadoras estavam expostas.
Introdução
A presente pesquisa pretende analisar os processos trabalhistas na 1ª Junta de
Conciliação e Julgamento (1ªJCJ) de Porto Alegre (RS), desde a sua instalação (1941) até o
final do Estado Novo (1945), destacando um tipo de reclamação em especial: as rescisões
contratuais. Através dessas ações iniciadas pelas/os trabalhadoras/es cuja reivindicação se
centra na rescisão sem justa causa é possível perceber reclamações e denúncias das mulheres
514
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
quanto aos assédios e perseguições sofridas no interior dos estabelecimentos industriais. Com
isso, se quer compreender a utilização da Justiça do Trabalho (JT) por parte das/os operárias/os
através de uma perspectiva relacional a qual considera que “as mulheres e os homens eram
definidos em termos recíprocos” (SCOTT, 1995, p. 72). Assim, para se ter a compreensão das
reivindicações e lutas das mulheres é interessante tratar também das reclamações dos homens
e abordar a experiência fabril das trabalhadoras envolvendo o controle e a chefia, de modo
geral, feita por homens.
A partir do levantamento da quantidade de processos trabalhistas iniciados por
mulheres contra um conjunto de empresas, na maioria, dos setores têxteis e alimentícios da
capital, se observou a relevância de suas reclamações considerando que dos 57 processos
reclamando rescisão sem justa causa, 21 foram iniciados por elas, ou seja, 36,8% das ações
sobre rescisões contratuais encontradas no período em questão. Esses números são bastante
expressivos, mas a análise dos motivos que levaram as mulheres a reivindicar as rescisões
contribui ainda mais para a compreensão das demandas e reivindicações muitas vezes
exclusivas das trabalhadoras, como é o caso do assédio.
Buscando compreender de forma mais específica como esses possíveis abusos
aconteciam no interior das empresas, o processo iniciado por Jovina Estelita Nunes de Oliveira,
no ano de 1942, merece destaque. A reclamante era empacotadora, solteira e trabalhava na
fábrica de caramelos Ernesto Neugebauer e Cia. Conforme sua reclamação, ela “vinha sendo
assediada pelo mestre geral; que não lhe tendo correspondido, passou a ser perseguida”. Jovina
declarou em audiência que as perseguições do mestre ocorriam há mais de um ano e se
estendiam por todos os locais da empresa, até mesmo na própria privada. Na sequência,
aprofundaremos a análise desse processo da trabalhadora Jovina, o qual contribuirá também
para a compreensão sobre os embates e as disputas das mulheres ocorridas na Justiça do
Trabalho (Memorial da Justiça do Trabalho, TRT4, 1ª JCJ, Porto Alegre, processo nº 2523,
1942).
Essas disputas aconteciam nas Juntas de Conciliação e Julgamento, primeira instância
da Justiça do Trabalho, instituídas durante o Estado Novo para dirimir os conflitos entre
empregados/as e patrões. A JT era organizada seguindo “orientações de gratuidade dos custos,
de dispensa de advogados, da oralidade e da maior informalidade no julgamento dos
515
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
processos”, isso com a intenção de ser uma justiça de “fácil acesso” (GOMES, 2006, p. 62).
Além disso, a JT tinha como princípio a conciliação entre as partes, e nos casos das rescisões,
a maioria dos processos terminara com a conciliação. No entanto, na ação de Jovina o resultado
foi outro. Diante disso, caberia também questionar sobre as considerações e os valores morais
expostos por juízes ao julgar as ações que envolviam reclamações de assédio e perseguições
das mulheres no ambiente fabril.
Entre os processos cuja reclamação inicial são as rescisões de contrato, grande parte
das trabalhadoras e dos trabalhadores alegaram que foram despedidos sem causa justificada e
por isso pediam indenização por tempo de serviço, aviso prévio ou reintegração ao cargo que
possuíam. Enquanto os pedidos iniciais, baseados na legislação existente, eram praticamente
os mesmos entre os homens e as mulheres, quando se analisa os motivos geradores das
rescisões e os conflitos existentes, percebe-se algumas distinções entre eles e elas. Essas
rescisões tinham diversas motivações. Comparando as causas das rescisões e os tipos de
reclamações dos trabalhadores homens e das trabalhadoras mulheres, é possível constatar que
algumas situações se repetem e independem do gênero, no entanto, outras são exclusivas das
mulheres. A seguir serão apresentadas algumas dessas motivações entre os operários e as
operárias, para se ter uma ideia geral das circunstâncias que resultaram na rescisão do contrato.
Entre os trabalhadores homens, essas rescisões envolviam conflitos em torno da
ingestão de bebidas alcoólicas e embriaguez em serviço; faltas ao trabalho, as quais eram
justificadas por motivos de doenças do reclamante ou de familiar; alegações por parte do
empregador de abandono de serviço; atrasos; conflitos com o superior hierárquico; alguns
reclamantes alegaram ainda que foram suspensos por tempo indeterminado e portanto se
consideravam demitidos. Entre as reclamações dos trabalhadores também há o que parece ser
uma estratégia da empresa para burlar o direito à estabilidade do trabalhador com mais de 10
anos de serviço, cito: “como se depreende do exame do tempo de serviço do reclamante,
faltavam-lhe apenas dois meses e quinze dias para atingir sua estabilidade funcional quando
516
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
capciosa e dolosamente foi demitido sem justa causa pela empregadora” (Memorial da Justiça
do Trabalho, TRT4, 1ª JCJ, Porto Alegre, processo nº 2529, 1942).
Já entre as mulheres, as rescisões eram motivadas pelas faltas ao trabalho e
afastamentos por motivo de doença da reclamante, suspensão por tempo indeterminado; falta
de serviço e/ou falta de matéria-prima na firma reclamada; acusações de furto e improbidade
praticada pela empregada. Outra motivação para a rescisão de contrato, segundo a reclamante,
era o fato dela ter reclamado anteriormente na JT o pagamento do salário-mínimo, em ação que
foi arquivada. Também apareceu a seguinte reclamação entre as rescisões: “que a firma
empregadora, dolosamente fê-la assinar um documento no qual dizia retirar-se por espontânea
vontade” o que pode ser uma prática estratégica da firma reclamada para evitar o pagamento
de indenização e aviso prévio (Memorial da Justiça do Trabalho, TRT4, 1ª JCJ, Porto Alegre,
processo nº 1101, 1942). Importante destacar ainda a reclamação de uma trabalhadora que
enfatizou que o motivo do seu afastamento do trabalho se dava por conta “de doença de sua
filhinha”, e ela, boa mãe e muito zelosa, não teve outra opção senão se afastar do trabalho. Essa
mesma trabalhadora afirmou ter recebido a licença, mas ao retornar “a reclamada alegou que
no momento não tinha serviço”, por isso se considerava demitida (Memorial da Justiça do
Trabalho, TRT4, 1ª JCJ, Porto Alegre, processo nº 663, 1941). Além de todas essas questões
envolvendo as rescisões, existe a denúncia de assédio que terá maior destaque ao longo do
texto.
Nas reclamações ou no decorrer do processo, se observa como ocorriam as rescisões de
contrato de trabalho, os motivos das rescisões por parte dos empregadores, as justificativas
dadas pelos empregados e suas denúncias de burla da legislação trabalhista. Como se pode
perceber, havia muitos conflitos, embates e disputas em torno das rescisões e as motivações
eram diversas para esses rompimentos contratuais. Algumas características dessas ações são
comuns entre homens e mulheres, no entanto, a reclamação de assédio e perseguição chamou
muita atenção por ser exclusiva de mulheres e por isso será mais explorada ao longo deste
artigo.
O processo dentro do conjunto de rescisões que merece destaque é do ano de 1942,
portanto, uma ação tramitada em fase ainda bastante inicial da JT que foi instalada no ano
anterior. Isso significa dizer que esse órgão nascido no Estado Novo (1937-1945) buscava
517
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] vinha sendo assediada pelo mestre geral; que não lhe tendo
correspondido, passou a ser perseguida; que interpelada por uma outra
operária "como amante" do mestre, pelo que reagiu dando um tapa na
senhora; que por esse motivo foi demitida; que se considera demitida
injustamente, pois que apenas reagiu contra uma grande mentira, o que lhe
cabia fazer. Pede pois a indenização correspondente a três anos de trabalho e
o aviso prévio (Memorial da Justiça do Trabalho, TRT4, 1ª JCJ, Porto Alegre,
processo nº 2523, 1942).
Essa é a primeira ação encontrada cuja reclamação faz referência direta ao que
atualmente se denomina de “assédio sexual”. Carme Alemany (2009) explica que “foram as
feministas americanas da Universidade de Cornell que, nos anos 70, designaram pela primeira
vez sob o nome de ‘assédio sexual’ esse gênero de condutas masculinas” (ALEMANY, 2009,
p. 26). No processo trabalhista de Jovina, observa-se a utilização do termo “assediada” pela
reclamante, fato confirmado pelas quatro testemunhas que deram seus depoimentos no tribunal.
Tanto as testemunhas da reclamante quanto da reclamada, afirmaram que o mestre
vinha “assediando” a trabalhadora Jovina. Entre seus depoimentos, pode-se observar outros
termos como a expressão “requisitando” quando afirmavam que o mestre andava requisitando
a reclamante. Ainda nos depoimentos das testemunhas se verifica a qualificação das atitudes
do mestre como “desrespeitosas” ao declararem: “o mestre referido sempre se mostrou
desrespeitoso para com as empregadas”. Assim, o termo “assédio sexual” não foi registrado
nas atas de audiências na JCJ, mas diferentes denominações eram dadas pelas trabalhadoras às
desaprovadas atitudes do mestre. Nesse sentindo, parece que não apenas a reclamante, mas
também as testemunhas reclamavam o assédio sexual através de expressões próprias e
reconhecidas por elas, como: assediar, requisitar e desrespeitar.
Existem atualmente, distintas definições para o assédio sexual, mas de modo geral,
segundo Alemany (2009)
518
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Embora saibamos que as mulheres não são as únicas vítimas do assédio sexual, “a maior
parte desses comportamentos é dirigida contra as mulheres e constitui uma expressão do poder
dos homens sobre elas” (ALEMANY, 2009, P. 26). Essas expressões de poder poderiam
acontecer de diversas formas e não apenas no ambiente fabril, mas a hierarquia nas indústrias
propiciava uma série de abusos, chantagens e perseguições, em especial, às mulheres.
Conforme o depoimento da reclamante, as perseguições do mestre ocorriam há mais de um ano
e se estendiam por todos os locais da empresa, até mesmo na própria privada:
[...] que há mais de um ano o mestre vem perseguindo a depoente; que até na
própria privada do estabelecimento se estendeu essa perseguição; que em
determinada ocasião o mestre pediu que permanecesse na fábrica, escondida
durante o período de interrupção para o almoço dos empregados; que recusou-
se a depoente a atender ao pedido do mestre, alegando que somente o faria
caso ficasse também uma colega e o patrão; que nessa ocasião o mestre lhe
pediu um beijo, tendo a reclamante lhe atirado uma lata contra o referido
mestre e nessa ocasião foi segurada pelo braço; que desde essa ocasião o
mestre a vem perseguindo (Memorial da Justiça do Trabalho, TRT4, 1ª JCJ,
Porto Alegre, processo nº 2523, 1942).
Muitas foram as reclamações sobre perseguições dos mestres e das mestras, mas
“assédio”, foi a única reclamação encontrada no conjunto dos processos analisados. No entanto,
essa temática rara em ações trabalhistas, era abordada nos jornais operários, conforme
demonstra Gláucia Fraccaro (2016). A autora observa que na pauta das reivindicações das
trabalhadoras estava o “respeito” e segundo a autora:
Reivindicar respeito, que bem poderia ser uma referência a abusos sexuais
cometidos por feitores e capatazes, tinha mais valor e estava mais ligado à
experiência de classe das mulheres do que, até mesmo, os ideais de igualdade
e emancipação, ao menos entre anarquistas (FRACCARO, 2016, p. 45).
519
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
se compreende que o assédio sexual no trabalho é uma violação da dignidade humana, ou seja,
lutar contra o assédio é o marco no qual se desenvolvem os demais direitos fundamentais, as
ideias de emancipação e igualdade estariam, então, contidas na luta contra o assédio sexual.
Pensando assim, seria impossível dissociar as reclamações de assédio sexual das reivindicações
por direitos fundamentais como o direito a intimidade, a integridade física, psíquica, a
igualdade e liberdade. (RUANO, 2019, p. 26).
Segundo Ruano, “cuando se habla de violencia de género no siempre se relacionan con
la discriminación por razón de sexo como medio generador-sustentador”. (RUANO, 2019, p.
26). Buscando interpretar as situações de abusos sexuais sofridas pelas mulheres, a partir da
análise do caso reclamado por Jovina, se compreende que a origem do assédio está na histórica
discriminação dessas mulheres e quando elas possuem a coragem e o ímpeto de reclamar
através de uma ação ajuizada na Justiça do Trabalho, elas reivindicam ao mesmo tempo por:
respeito, dignidade, igualdade, liberdade e emancipação.
Conforme consta na ata de reclamação, o estado civil de Jovina era “solteira” assim
como outras trabalhadoras que também reclamaram “perseguições” dos mestres de seção, sem
mencionar a expressão “assédio”. Possivelmente, o fato de não ter uma “proteção masculina”
deixava essas mulheres solteiras ainda mais vulneráveis nos ambientes de trabalho. Sobre os
grupos mais propensos aos abusos sexuais, Ruano explica que o assédio sexual “se ejerce
contra personas que en el imaginario social no tienen poder, básicamente las mujeres en
general, así como se agrava en los casos que las mujeres están “solas”, entendiendo por mujeres
“solas” a aquellas que no tienen un hombre protector al lado”. (RUANO, 2019, p. 28).
Assim, mulheres como Jovina que eram solteiras e trabalhavam fora de casa, nos setores
industriais, corriam maiores riscos de sofrer esse tipo de abuso se comparadas às mulheres
casadas. Até mesmo porque depois de casadas era possível ocorrer o afastamento das atividades
fabris, é o que presume Jéssica Bitencourt Lopes (2019) analisando o estado civil das
trabalhadoras da empresa A. J. Renner através dos dados coletados para a elaboração das
carteiras de trabalho entre 1933 e 1943. Segundo a autora, “tendo em vista a preferência por
mulheres no setor têxtil, percebemos que na Renner além delas serem maioria, em relação ao
estado civil elas são predominantemente solteiras” (LOPES, 2019, p. 387).
Ainda que a trabalhadora Jovina seja empacotadora na fábrica de doces Ernesto
520
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
521
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
522
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Fontes
⚫ Memorial da Justiça do Trabalho/Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Processos trabalhistas movidos na 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Porto
Alegre (1941-1945).
523
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Na sociedade lusitana do Antigo Regime, os súditos deveriam demonstrar publicamente
a sua fidelidade ao soberano. No início de cada reinado, a aclamação era realizada em todo o
reino e nos territórios do ultramar. Aclamar o rei significava a adesão de uma determinada
localidade, momento em que as vilas e cidades juravam fidelidade ao novo monarca. Ciente
das especificidades locais, a presente comunicação terá como finalidade uma análise que irá
além da dicotomia entre metrópole e colônia, visando demonstrar a conexão existente entre
Portugal e a América portuguesa, tendo como fundamento esse aspecto da cultura política
lusitana, a aclamação do rei. Para tanto, utilizaremos a comparação entre a aclamação do duque
de Bragança (D. João IV), ocorrida em Vila de Guimarães (Portugal), e a aclamação de Amador
Bueno, em São Paulo (América portuguesa). Não importava aonde fosse, a construção da
legitimidade do movimento de 1640 passava, indispensavelmente, pela realização da
aclamação.
Introdução
524
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
lei fundamental que regulava a sucessão régia (ARAÚJO, 2001, p. 177), uma característica
marcante da cultura política portuguesa:
[...] Que os Reis, ainda que tinhão o direito da sucessão, não tomavão o
governo por si, porque sempre era necessário que o Reino, ou quem o
representava, se sogeitasse em acto publico à sua obediência com os antigos
estylos, e usadas cerimonias de cada h𝑢 ~a particular nação: e que em quanto
aquelle acto se não fasia, não estava conferido o poder ao sucessor do Reino
[...]. (CATASTROPHE, 1669, p. 74-75)
Apesar de ter o seu direito ao trono garantido por hereditariedade, o príncipe herdeiro
não possuía a prerrogativa de entronizar-se. Além do mais, cabia ao reino a realização do
cerimonial que, obrigatoriamente, deveria se dar de forma voluntária, e em momentos de
instabilidade política, como na restauração de 1640, tal ato adquire maior relevância, dado que
aclamar D. João IV se configurava como uma tomada de partido, tornando-se inimigo do
rejeitado, a saber, Filipe IV da Espanha (III de Portugal).
Nosso objetivo é analisar a aclamação de D. João IV em Portugal (vila de Guimarães)
e na América portuguesa (São Paulo), interligando os 2 lados do atlântico, demonstrando a
conexão entre Portugal e a América, através desse aspecto da cultura política lusitana da época.
Buscaremos a compreensão do impacto da notícia da restauração nessas localidades,
destacando as atitudes tomadas diante dessa nova conjuntura política. Logo, o que pretendemos
fazer é demonstrar a importância da aclamação no processo de consolidação da dinastia
brigantina no poder.
525
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
526
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Anexada a esta carta, os portuenses encaminharam uma cópia da missiva que tinham
recebido da parte dos governadores do reino, provavelmente para demonstrar que agiram
527
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
seguindo a ordem da capital. Então, após a leitura da primeira correspondência, o juiz pegou a
transcrição e, também, a leu em voz alta:
Pelos misteres da meza antonio de faria he Joam mendes foi requerido que
afonso soares corregedor que desta comarqua levara muito dinheiro desta
comarqua que estava depositado pera os soldados e da caixa dos órfãs levara
muito dinheiro he que estando fazendo audiencia em um dos conselhos da
comarqua entraram dois clérigos y alguns leigos na audiencia dizendo viva
elrey dom Joam o quarto de portugal o dito corregedor se alevantara [...].
(apud CARVALHO, 1940, p. 166).
Além de lesar os cofres da vila, o corregedor havia se negado a dar vivas ao novo
monarca, não tomando parte na aclamação, e, dessa maneira, passou a ser qualificado como
528
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
traidor. Vale destacar que dois dias antes, com o intuito de manter os postos de comando nas
mãos daqueles que eram leais ao duque de Bragança, a Câmara da vila cedeu à pressão dos
revoltosos e optou por substituir os alcaides, escolhendo Antonio Lopes e Andre Borges para
ocuparem os respectivos postos (CARVALHO, 1940, p. 167). Portanto, durante o processo de
cooptação de apoiadores para o estabelecimento da nova dinastia, os arquitetos do 1º dezembro
tiveram que lidar com a hesitação dos que não acreditavam no sucesso da revolta e a oposição
aberta daqueles que se posicionaram contra o rompimento com Castela.
Tomamos como exemplo o caso de Barcelos, onde Francisco de Gouveia Mendanha,
entrou em uma igreja no dia 7 de dezembro de 1640, na companhia de algumas pessoas e disse:
“Viva el Rey Dom João, Rey de Portugal”. Gaspar Pinto Correa, cônego da igreja, questionou
a sua atitude, Mendanha retrucou o clérigo, reafirmando que o duque de Bragança era, agora,
o rei de Portugal. Não satisfeito, saiu com os seus correligionários, nobres, eclesiásticos e povo
pelas ruas da vila repetindo o ato realizado na igreja. O juiz Luiz da Cunha ameaçou os
aclamadores de prisão caso persistissem com o ato. Em resposta ao jurista, se dirigiram à torre
dos sinos e, no intervalo entre 30 e 1 hora, aclamavam o novo rei. Mesmo enfrentando oposição,
foram bem sucedidos e Barcelos aderiu à restauração (SARAIVA, 2018, p. 50).
Com a da chegada da embarcação que trazia a notícia da entronização de D. João IV,
em 15 de fevereiro de 1641, seria a vez das autoridades da América portuguesa pesarem na
balança as implicações de uma tomada de partido. Os poderes locais precisavam decidir se
seria prudente ou não aclamar o duque, dado que ao aderir ao movimento, a localidade estaria
consequentemente declarando guerra contra Filipe IV, tornando-se assim, vassalos rebeldes na
concepção do rei de Castela.
529
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Chegando a S. Paulo a notícia de que Luís Dias Leme havia aclamado Rei na
Vila Capital de S. Vicente ao sereníssimo senhor Duque de Bragança com o
nome de D. João IV, por ordem e recomendação que para isso lhe dirigira em
carta particular D. Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão e Vice-Rei do
Brasil foi esta inesperada novidade um golpe sensibilíssimo aos espanhóis
que se achavam estabelecidos e casados na dita Vila de S. Paulo [...] Êles
desejavam conservar as Povoações da Serra acima na obediência de Castela
e não se atrevendo a manifestar seu intento, por conhecerem que seriam
vítimas sacrificadas à cólera dos paulistas [...] resolveram entre si usar de
artifício [...] Tinham por certo que a Capitania de S. Vicente e quase todo o
sertão brasílico antes de muitos anos tornariam a unir-se às Índias de Espanha
[...]. (MADRE DE DEUS, 2010, p. 118-119)
530
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
O direito dos Paulistas escolherem o seu rei se assentava na argumentação de que, por
não terem jurado fidelidade ao Duque, estariam isentos de incorrer no crime de lesa-majestade.
Vale ressaltar que, na fonte acima, a participação dos moradores de São Paulo aparece como
fruto de sua ingenuidade, principalmente a da plebe, facilmente manipulável. Embora o relato
nos permita encontrar pessoas oriundas de vários segmentos sociais entre os aclamadores, a
participação do povo miúdo é apresentada como algo imprescindível para concretizar a eleição.
Entretanto, a reação do aclamado surpreenderia a todos:
531
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A surpreendente reação de Amador Bueno gerou um fato inusitado: por um lado a turba
revoltosa o perseguia aclamando-o, por outro, o eleito retrucava, dando vivas ao duque de
Bragança. Pedro Taques nos oferece uma pequena discrepância acerca da maneira pela qual
Amador Bueno respondia aos sediciosos, ao invés de gritar “viva o Senhor D. João IV, nosso
Rei e senhor, pelo qual darei a vida”, ele teria vociferado: “Real, real por D. João IV, rei de
Portugal” (apud MONTEIRO, 1999, p.24).
Essa guerra de vozes aclamatórias encontrou sua resolução no mosteiro de São Bento,
onde, a portas fechadas, Amador Bueno recorreu aos clérigos mais notáveis para, assim, traçar
uma estratégia e demover a obstinação daqueles que queriam alçá-lo à condição de rei. Seus
esforços deram resultado e com os notáveis conseguiu convencer a multidão do equívoco que
cometeram (MADRE DE DEUS, 2010, p. 120-121).
E quando não bastarão estes serviços, era merecedor de grandes cargos, por
ser neto de Amador Bueno, que sendo chamado pelo Povo para o aclamarem
Rei, obrando como leal, e verdadeiro vassalo, com evidente perigo de sua vida
532
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
clamou, dizendo que vivesse ElRey D. João IV seu Rey, e Senhor, e que pela
fidelidade, que devia de vassalo, digno de grande renumeração, hei por bem
nomear [...]. (MADRE DE DEUS, 2010, p. 121)
Esse documento, datado do ano de 1700, ou seja, 59 anos após o pretenso episódio, foi
utilizado, tanto pelo Frei Gaspar da Madre de Deus quanto por Pedro Tanques, como um
elemento que comprovava a veracidade do evento supracitado. Segundo Luiz Felipe de
Alencastro, o episódio da aclamação possui um caráter místico, uma vez que Gaspar da Madre
de Deus e Pedro Taques apresentam apenas um documento de autenticidade duvidosa, a patente
concedida ao neto de Amador Bueno, e se baseiam em uma tradição oral que, estranhamente,
foi registrada somente por eles, dado que não existe nenhum registro contemporâneo aos fatos
que teriam ocorrido em São Paulo em 1641 (ALENCASTRO, 2000, p. 397-398). Para Rodrigo
Bentes Monteiro, se a aclamação não aconteceu, ela poderia ter acontecido devido ao
conturbado clima político enfrentado pela vila nesse período:
Portanto, era plausível que, em meio a tudo isso, São Paulo optasse pela escolha do seu
governante. Ao tratar sobre o tema, Charles Boxer afirmou que “No Brasil tem se gasto uma
despropositada quantidade de tinta com o caso em questão, aliás relativamente insignificante”
(BOXER, 1973, p. 161).
A luz do que foi exposto, discordamos do historiador inglês. Apesar de o episódio não
ter se apresentado como um empecilho para a adesão da América portuguesa; à restauração
que teve lugar no reino; e se embasar em documentação extremamente duvidosa, a narrativa
traz à tona a crença de que o rei era considerado legítimo somente após ser aclamado.
Independentemente das especificidades locais inerentes entre as localidades estudadas e
533
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
mesmo que a aclamação do rei de São Paulo não passe de uma tradição, os dois casos nos
permitem apreender que era consenso nos 2 lados do atlântico que o triunfo da restauração
portuguesa passava, indubitavelmente, pela aclamação pública do duque de Bragança. Não
importava aonde fosse, quer no reino ou no ultramar, aclamar era legitimar.
Referências
ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
ARAÚJO, A. C. Ritualidade e poder na corte de D. João V: A génese simbólica do regime
político In.: REVISTA DE HISTÓRIA DAS IDEIAS, vol. 22, Coimbra: Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra, 2001, p.175-208.
BLUTEAU, R. Vocabulário português e latino, vol. 1. Lisboa: Pascoal da Sylva, 1720.
BOXER, C. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola. São Paulo: Editora Nacional,
Edusp, 1973. p. 1602-1686.
CAMENIETZKI, C. Z. História e passado da América Portuguesa: escritores, religiosos,
repúblicos do Brasil no século XVII e sua fortuna histórica. In.: GESTEIRA, H. M.;
CAROLINO, L. M.; MARINHO, P. (Org.). Formas do Império. Ciência, tecnologia e política
em Portugal e no Brasil. 1ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2014, v. 1, p. 143-169.
______. Incômoda História. Colônia e Passado no Brasil. In.: TERCEIRA MARGEM, v.
18, 2008, p. 71-83.
CARVALHO, A. L. Guimarães e a aclamação de D. João IV. In.: REVISTA DE
GUIMARÃES, volume especial comemorativo dos Centenários da Fundação e da Restauração
de Portugal, 1940, p.163-169.
CATASTROPHE de Portugal na deposição d'el Rei D. Affonso o sexto, Lisboa, 1669.
MADRE DE DEUS, G. de. Memórias para a história da capitania de S. Vicente, Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial, 2010.
MONTEIRO, R. B. A Rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como
espelho da monarquia portuguesa. In.: Revista de História da USP. São Paulo, n. 141, 1999,
p.21-44.
PITTA, S. da R. Historia da America Portugueza. Lisboa: Joseph Antonio da Sylva, 1730.
RELAÇAM da aclamação que se fez na Capitania do Rio de Janeiro do Estado do Brasil, &
nas mais do Sul, ao Senhor Rey Dom João o IV. por verdadeiro Rey. Lisboa: Jorge Rodrigues,
1641.
SARAIVA, D. A luz comum do universo: tipografia, publicidade e opinião no Portugal
moderno. O caso da aclamação de D. João IV em Barcelos (1640-1642).: In.: CLIO: REVISTA
DE PESQUISA HISTÓRICA, v. 36, n. 2 (2018), p.42-65.
534
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Pesquisas que tratam dos trabalhadores rurais vêm sendo realizadas com maior frequência nos
últimos tempos. Porém, ainda existem relativamente poucas pesquisas que tratem sobre a
mulher trabalhadora rural e suas trajetórias. Nesse sentido, neste trabalho buscamos tratar sobre
as trabalhadoras rurais, dando foco para a região do Vale do Jequitinhonha, área que se destaca
pelo elevado número de localidades rurais. A proposta deste trabalho é apresentar um breve
estudo sobre as trabalhadoras rurais e ressaltar que esse é um campo que pode ofertar
significativas contribuições para os estudos com foco nos trabalhadores rurais. Esse trabalho
faz uso da orientação metodológica da história oral, pois a fonte oral constituiu-se da base dessa
pesquisa. O objetivo central é apresentar um breve estudo sobre as histórias de vida das
mulheres das áreas rurais do Vale do Jequitinhonha.
Introdução
A história rural esteve por muito tempo, ligada às grandes propriedades fundiárias e
escravistas. Nos últimos anos, a história agrária tem aberto espaço para dialogar com os sujeitos
do campo que estiveram margeados da história oficial, nesse caso apontamos os trabalhadores
rurais. Na mesma direção encontram-se as mulheres que foram excluídas das páginas oficiais
535
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
da história. Quando nos referimos às mulheres falamos de um modo geral, pois a história
feminina vem, somente há pouco tempo, ganhando espaço nas pesquisas científicas. Quanto às
mulheres rurais, suas histórias ainda são pouco contadas. Nesse sentido, a intenção desse
trabalho é fazer algumas considerações sobre a história das mulheres trabalhadoras rurais. É
desejado fazermos apontamentos que podem resultar em interesses de pesquisa em um campo
que ainda permanece pouco explorado.
A história oral foi eleita como uma significativa metodologia para o alcance dos
objetivos almejados no percurso deste trabalho. Por meio da história oral foi produzida a fonte
com a qual trabalhamos ao longo dessa pesquisa. [1] A escolha metodológica não foi por acaso,
a história oral nos é cara para o trabalho com sujeitos que se mantiveram, ao longo do percurso
histórico, margeados da história oficial. A história oral também é uma metodologia que nos
permite estudar as histórias de vida. Carvalho (2012) considera que por meio da história de
vida “passamos a enxergar a conjuntura pela “lente” de sujeitos que não aparecem nas fontes
oficiais, mas cujas ações e sentimentos integram os processos históricos que nos propomos a
compreender”. (CARVALHO, 2012, p. 30-31)
536
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Podemos conceber a memória como um conhecimento que faz uso das lembranças
individuais ou coletivas. A memória é uma reconstrução do passado evocada através de
interesses do presente. Podemos considerá-la um compartilhamento de lembranças acerca do
passado, que tem suas bases no presente, ou seja, toda memória evoca as lembranças do passado
com base nos moldes do presente. É por meio dessa perspectiva que concebemos o conceito de
memória para fins de trabalho com a história oral.
Interessa-nos nas histórias de vida das trabalhadoras rurais, observar suas dinâmicas de
vida, trabalho e o lugar que ocupavam no meio rural do Vale do Jequitinhonha. Observamos
que as mulheres rurais desenvolviam diferentes trabalhos no campo, assumindo diferentes
posições nas configurações familiares. Na dinâmica de trabalho, muitas mulheres exerciam
atividades iguais aos seus maridos, muitas delas assumindo até a responsabilidade de suas
propriedades, mas, ainda assim, seu trabalho era colocado como um complemento ao do
marido, ou como se o trabalho feminino fosse apenas de ajuda ao marido.
O Vale do Jequitinhonha fica localizado no nordeste de Minas Gerais e conta com mais
de cinquenta municípios. De acordo com Fávero e Monteiro (2014) mais da metade da
população, entre sedes e distritos, executam atividades agropecuárias, habitando ou realizando
atividades no meio rural. (FÁVERO; MONTEIRO, 2014). Existe no Vale do Jequitinhonha
uma grande quantidade de propriedades que executam a agricultura de caráter familiar. Desde
o período colonial, com as primeiras expedições em busca de riquezas, foram formando-se
núcleos de povoamento em diversas áreas que permaneceram. Há uma divisão territorial do
Vale do Jequitinhonha entre Alto, Baixo e Médio Jequitinhonha que pode ser visto na figura a
seguir.
537
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Figura I – Mapa do Vale do Jequitinhonha e suas microrregiões. Fonte: UFMG – Polo Jequitinhonha. Disponível
em https://www.ufmg.br/polojequitinhonha/o-vale/sobre-o-vale-do-jequitinhonha/. Acesso em 01/08/2020.
538
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
no Vale do Jequitinhonha desde muito cedo possuiu certo nível de diversificação de atividades.
A agricultura começou a ser desenvolvida concomitante com as primeiras explorações
minerais, era uma agricultura de subsistência. Juntamente com o garimpo, outras modalidades
de trabalho foram dividindo espaço com a agricultura, como a criação de animais e outras
práticas que contribuíram para a manutenção das atividades rurais e a permanência de muitos
sujeitos no campo.
As trabalhadoras rurais
539
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nosso estudo, realizado no primeiro semestre de 2020, buscou trazer uma pequena
síntese das histórias de trabalhadoras rurais no Vale do Jequitinhonha. Nesse sentido, nas linhas
seguintes desse trabalho mostraremos algumas histórias de trabalhadoras rurais dessa região.
Fica evidente que essas histórias têm muito a nos contar da estrutura rural do Vale do
Jequitinhonha. Nosso foco é nas histórias de vida dessas mulheres, que hoje já são aposentadas,
tendo entre 60 a 78 anos. Suas histórias são sobre sua juventude, com a família e suas trajetórias
pessoais. Compreendemos que essas histórias ainda têm muito o que nos oferecer, nesse sentido
fazemos alguns apontamentos que podem nos oferecer debates significativos no campo da
história dos trabalhadores rurais.
Mulher? Há não tinha vez não. Mulher não tinha fala, dentro de casa os irmãos
homens podia falar alguma coisa, as mulheres não, era como se a mulher não
soubesse de nada. Quando casava, era o marido que decidia tudo, o que podia a
mulher fazer era cuidar da casa, dos filhos e do marido. Às vezes as mulheres só ia
ter algum lugarzinho assim, quando ficava mais velha e se tivesse tido uma família
exemplo. [3]
A gente cresceu trabalhando muito, era ajudando a levar coisas pra vender na cidade,
era capinando, roçando e de um tudo a gente fazia. Quando eu casei continuei da
mesma forma, cuidando de casa de filho e ajudando o marido na lida da roça. [...]
Quando ele [o marido] ia para o garimpo, eu ficava aqui, às vezes ele ficava lá quinze
dias e eu ficava aqui cuidado das coisas aqui. [4]
A vida sempre foi de muito trabalho, a gente tinha que fazer de um tudo. Quando a
gente casava o serviço ainda duplicava porque tinha o serviço de casa, cuidar dos
filhos e ainda tinha que ir pra luta. Muitas vezes o marido não estava dentro de casa
e a gente tinha que dar conta de tudo. Há e se acontecesse alguma coisa com os
filhos era de nossa responsabilidade também. [5]
Aqui tinha muita mulher que o marido às vezes invernava na bebida e era a mulher
que tinha que dá conta de tudo. E dava. Tinha muitas aí que trabalhava de um tanto
que você nem imagina, era cuidando de casa, cuidando de criação de animais,
fazendo cerca, tirando leite, campeando. Da mesma forma eram algumas que
540
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
ficavam viúvas e tinha que lidar com isso tudo, muitas vezes as crianças estava
pequena dentro de casa e as mulheres tinha que dá conta de criar. [6]
Quando meu marido morreu eu estava cheia de menino pequeno. [...] Teve muita
gente que queria pegar meus meninos pra criar, mas eu falei que se eu não pudesse
comer angu seco com meus filhos aí eu dava ele pros outros. Criei eles trabalhando
na luta, trabalhando pros outros roçando, apanhando café, plantando milho, feijão e
tudo mais. [7]
Pouco tempo que eu casei, meu casamento não deu muito certo não, e eu separei.
Os meninos estavam pequenos e eu tive que dá conta de tudo. O homem queria era
tirar a terra de mim ainda, mais eu lutei junto com o Sindicato e consegui ficar com
minhas terras. Nela eu trabalhei muito, plantava feijão, milho, mandioca, fazia
farinha, torrava café, fazia rapadura e foi assim que eu criei os meus filhos, graças
a Deus. [8]
O histórico patriarcal enraizado na sociedade fez com que muitas trajetórias dessas
mulheres fossem invisíveis. O próprio comportamento masculino como provedor do lar e da
família fazia com que as ações dessas mulheres fossem tratadas como feitos dos maridos.
Verificamos nas trajetórias dessas mulheres que havia algumas delas que atuavam em
negociações diversas, de gado, venda de terras e outros. Ocorriam casos em que os maridos
estavam ausentes e essas mulheres controlavam a propriedade, quando os maridos voltavam,
ganhavam o crédito dos serviços realizados.
Às vezes a gente via a pessoa falando que fulano tinha comprado boi era na mão do
marido, mas bem que quem tinha vendido era a esposa. Era assim também em outros
casos, as pessoas viam uma roça capinada, pronta pra plantar e o pessoal logo falava
que a roça do fulano estava no jeito de plantar e que ele era trabalhador, mas bem
que quem tinha feito o serviço era a mulher. [9]
Havia ainda os casos em que alguns homens tinham problemas com bebidas alcoólicas
e ficavam por vezes dias bebendo seguidamente e deixavam as mulheres sozinhas para cuidar
de toda a propriedade. Nesses casos, o homem não aceitava a dar o crédito do trabalho, pois
conforme se observa em alguns depoimentos, o homem pensava perder seu lugar de provedor
declarando o serviço da mulher perante a sociedade. Na melhor das hipóteses, o trabalho
feminino era reconhecido como complementar ao do marido.
541
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Até nesses casos a condição da mulher sofre alteração. A começar pelo fato de que a
filha mulher recebe uma educação diferenciada do filho homem. As filhas têm uma educação
mais rigorosa, crescem bastante ligadas às mães e com poucas saídas de casa. De acordo com
alguns depoimentos, as mulheres informam que foram criadas sendo proibidas de saírem para
qualquer que seja o evento sem estar acompanhada da mãe, pois entendia que ambientes de
diversão, sem o devido cuidado, era apenas para mulheres “perdidas”, aquelas que não eram
bem vistas para casamentos.
Esse pensamento, remonta a uma mentalidade patriarcal que sobreviveu por longo
período. Se as ditas mães de família tivessem criado seus filhos com o devido cuidado, casado
todos os filhos no ritual religioso e sob as bases do respeito, que incluía o casamento das filhas
sem terem adquirido filhos, isso fazia com que a mãe fosse tratada como modelo para outras
mulheres. O conjunto de comportamentos da mulher ao longo de sua vida poderia lhe conceder
na velhice um status de mulher-exemplo.
542
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
nesses casos que a mulher tinha seu espaço. Era também nesses casos que a trajetória feminina
era ressaltada, a fim de que se tornasse argumentação para reafirmar o caráter da mesma.
O casamento era uma ação quase que imposta. A maioria dessas mulheres casava
jovem, na faixa dos 15 aos 25 anos. Antes de casar, as filhas era responsabilidade da mãe e do
pai, depois de casadas, as mulheres passavam a ser subalternas aos maridos. Deve-se ressaltar
que essa condição da mulher sofre variações em diferentes casos. O mais comum nessas
situações é essa relação de dependência dos maridos, especialmente econômica. Os casamentos
ainda eram pensados como um vínculo para a toda a vida, o que fazia com que muitas mulheres
se sujeitassem a situações delicadas em desejo da manutenção de seus casamentos.
Considerações finais
543
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
trabalhos ainda eram creditados apenas aos homens. Fosse a lida nas roças, no comércio, no
garimpo, essas mulheres ocuparam diferentes espaços nas dinâmicas de trabalho e merecem
ser melhor estudadas no que se refere à história dos trabalhadores rurais. Deve-se reconhecer a
importância do trabalho feminino nas propriedades de caráter familiar e também nas fazendas
ou nos empregos rurais. Mesmo em trabalhos externos às suas propriedades, a dinâmica de
trabalho feminino colaborou com a manutenção de propriedades rurais, pois muitas mulheres
trabalhavam fora de suas propriedades para colaborarem com as rendas dentro de casa, em
situações em que os pais não tinham condições de trabalhar, seja na velhice ou situações de
doença.
É preciso dar mais espaço para a presença das mulheres nos estudos referentes às
comunidades tradicionais, aos camponeses, aos trabalhadores rurais. Existem muitas histórias
de mulheres rurais que podem oferecer elementos significativos para compreender não somente
o lugar feminino da mulher rural, mas também a estrutura rural. Nesse breve texto, a intenção
foi justamente apresentar essas mulheres e tratar de como suas histórias tem a contribuir nos
estudos rurais e na história agrária. É um campo repleto de possibilidades de trabalho e que
ainda se encontra pouco desbravado.
Notas
544
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
545
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
546
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
histórica brasileira ganhou terreno, ainda de forma tímida e lenta, na década de 1970 após a
superação de antigas posturas que marcaram a prática historiográfica”. (2015, p. 27-28).
Neste sentido, foi implantado inicialmente em uma área de 16.974.824.00 m2, situado
a 5km do centro de Manaus. Na década de 1980, a Zona Franca de Manaus possuía um total
de 212 projetos industriais que estavam em funcionamento, oferecendo 47 mil empregos
diretos. Desse total, 77 empresas funcionavam ativamente, divididos entre os setores
eletroeletrônico, principalmente. Seguidos do setor de relojoaria e polo de duas rodas. O setor
eletroeletrônico foi responsável pelo abastecimento de 70% de produtos no mercado nacional.
547
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
548
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
39 Entrevista com Raimundo Elson de Melo Pinto, realizada no dia 13 de abril de 2019.
40 Entrevista com Raimundo Elson de Melo Pinto, realizada no dia 13 de abril de 2019.
41 Entrevista com Hamilton Macedo Madeira, realizada no dia 18 de dezembro de 2019.
549
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Nessa perspectiva, Marlene Ribeiro salienta que essas lutas cotidianas no interior das
empresas do Distrito Industrial eram frequentes e que os casos de má alimentação e
diagnósticos de intoxicação alimentar foram corriqueiros. Diante disso, “os problemas de
comida estragada foi uma das causas de maior número de paralisações internas, “batalha de
pratos e demissões por justa causa” (1987, p. 291). No estudo de João Pinheiro Salazar, acerca
do novo proletariado industrial de Manaus, o autor também destacou as inúmeras denúncias
referentes às condições de trabalho, traçando o perfil de exploração praticado pelas empresas
do Distrito Industrial. Acerca dessas práticas abusivas, Cheywa Rojza Spindel ressalta que as
instalações das empresas, em sua maioria, apresentavam “altas temperaturas, sobretudo, nos
meses do verão. A poluição sonora e do ar eram insuportáveis. A poluição ambiental era total”.
(1987, p. 13). Essas inúmeras denúncias também foram encontradas nos jornais locais,
tornando públicas as práticas de exploração cometidas pelo patronato industrial em Manaus.
Uma dessas denúncias são dos trabalhadores da empresa CCE da Amazônia que
relataram ao Sindicato dos Metalúrgicos os frequentes casos de desmaios nas dependências da
empresa em decorrência das péssimas condições do ambiente de trabalho, onde a concentração
de calor aliado a manipulação de produtos químicos causavam reações das mais diversas ao
trabalhador, que iam de tonturas, enjoos e desmaios às internações por problemas respiratórios.
(Jornal do Comércio, 1985, p. 02) Essas condições, ressaltam segundo Iraildes Caldas Torres,
“a cadência do trabalho repetitivo, acelerado e pressionado tem fortes implicações na saúde do
trabalhador, pondo em risco sua saúde física e psíquica”. (2005, p. 179)
550
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
conversar com os companheiros, discutir os seus problemas, pois enquanto o operário está
distraído com banhos, olimpíadas e futebol, o patrão está sugando o seu salário e o alimento de
sua família descaradamente”. (O Parafuso, 1980, p. 02).
O Parafuso denunciava que os operários deveriam estar bem alimentados para executar
um bom trabalho, no entanto, “nas condições em que viviam, estavam sempre doentes e muitas
vezes são chamados de preguiçosos e acomodados por seus supervisores” (O Parafuso, 1980,
p. 02). Em uma publicação intitulada “Moto-Honda: um exemplo de exploração” se acentuou
os “casos de acidentes, operários trabalhando e respirando solda e engolindo suor, debaixo dos
berros dos supervisores que querem sempre mais produção. Não podem beber água, lavar as
mãos ou ir ao banheiro. Salários eram baixos. Tudo era descontado” (O Parafuso, 1980, p. 05).
Na empresa Gradiente, por exemplo, as condições de trabalho eram semelhantes. Eram
obrigados a cumprir metas diariamente. Quando não as conseguiam, eram pressionados a
“trabalhar até 15 minutos depois da batida para o almoço. Além disso, os chefes nos ameaçam
551
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
sempre de demissão. Banheiro, era no máximo duas vezes ao dia. Um dos chefes teve a audácia
de dizer que os nossos salários eram ótimos” (O Parafuso, 1980, p. 06). Na Sharp, vemos igual
descaso. Era uma das empresas mais recorrentes no número de denúncias por falta de higiene
no trabalho, o que ocasionalmente provocava o aumento no número de doenças, acrescido de
um “atendimento médico péssimo, interessado em não apontar as doenças existentes. E os
remédios que são passados não curam, causam mais doenças” (O Parafuso, 1981, p. 03).
Ainda de acordo com O Parafuso, cerca de 70% dos funcionários do Distrito Industrial
de Manaus sofrem com problemas de vista resultante da ausência de proteção contra as soldas.
As caixas d’águas raramente eram limpas. Os banheiros sempre sujos e os chuveiros entupidos.
Em relação à comida, “o feijão ficava em torno de uns 40 grãos. Para receber os outros 40 grãos
eram mais 20 minutos na fila. E o trabalho não é pouco, não”. (O Parafuso, 1981, p. 03).
Empresas como a Sharp, Moto Honda, Philips, Springer, apenas para citar alguma, tinham os
seus refeitórios em pavilhões distantes e sem cobertura, ficando o trabalhador em dias de chuva,
com duas alternativas: “não almoçar e ficar sequinho, ou ir almoçar e voltar ao trabalho todo
molhado, correndo o risco de ficar doente” (O Parafuso, 1981, p. 07). Essa prática é condizente
com o relato da operária Valdiza Ferreira da Silva, trabalhadora da empresa Sony da Amazônia
no ano de 1985. Segundo o seu depoimento, “a Sony não tinha refeitório dentro da empresa,
era uma dificuldade imensa na hora do almoço. Era preciso correr para dar tempo de comer, ir
ao banheiro e voltar ao posto de trabalho”42
A adoção dessas práticas causou a curto e a médio prazo, doenças ocasionadas pelo
calor e o barulho excessivo. Gripes, sinusites, pneumonias e até tuberculoses eram registrados
com frequência, assim como, diarreias e úlceras causados pelos alimentos de péssima
qualidade, servidos aos trabalhadores. (O Parafuso, 1981, p. 10). Com a saúde comprometida,
era necessário medidas que minimizassem os prejuízos gerados a vida do operariado
amazonense. Neste sentido, os médicos que chefiavam os departamentos de saúde das
empresas do Distrito Industrial de Manaus comprometeram-se a conversar com os empresários,
a fim de “sensibilizá-los” quanto a necessidade de melhorias nas ações preventivas contra as
552
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Outra reclamação arrolada pelo O Parafuso, era a superlotação nos ônibus do Distrito
Industrial de Manaus. “Os trabalhadores vinham todos amontoados, os que corriam primeiro,
tinham sorte e vinham sentados. O restante ia em pé mesmo, era pior que o transporte público”.
(O Parafuso, 1980, p. 09). Essa situação ficou evidente no acidente envolvendo três coletivos
que faziam o transporte dos trabalhadores das empresas Evadin e Di Gregório em 11 de janeiro
de 1986. Ao todo, foram dezenove mortos e cerca de sessenta feridos. O Sindicato dos
Metalúrgicos do Amazonas, acusou o Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas –
DETRAN- AM pela omissão em relação às denúncias que vinham sendo feitas desde 1985, em
relação a superlotação e a falta de condições básicas desses veículos. Ainda de acordo com o
Sindicato dos Metalúrgicos, os veículos apresentavam freios precários, assentos soltos e sem
partida elétrica e extintores de incêndios, apontando como exemplo a Sharp que necessitava de
quarenta ônibus e dispunha apenas de trinta, superlotando os coletivos. (Jornal A Crítica, 1986,
p. 15).
Após o acidente, o Sindicato dos Metalúrgicos fez um levantamento das condições dos
veículos e constatou que dos duzentos ônibus vistoriados, sessenta apresentavam
553
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
irregularidades, “circulando sem placas e faróis, proporcionando risco de vida aos operários’.
(Jornal A Crítica, 1986, p. 15). Os trabalhadores da empresa CCE também denunciaram que
os ônibus apresentavam pane mecânica e algumas vezes o trajeto foi interrompido por
pequenos focos de incêndios nos motores. (Jornal A Crítica, 1986, p. 15) Estes problemas
demonstram o sucateamento da frota e falta de fiscalização, associado a negligência das
empresas, revelavam a precariedade nas condições de trabalho que estavam submetidos
homens e mulheres dentro Distrito Industrial de Manaus. Para os trabalhadores era necessário
que “esses veículos saíssem de circulação, em nome da segurança e do respeito às vidas
humanas. Sem prevenções mínimas, os acidentes continuariam a ceifar vidas inocentes.”
(Jornal A Crítica, 1986, p. 14).
554
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Considerações finais
Ainda que brevemente, o presente artigo pretendeu mostrar a realidade vivida pelos
trabalhadores do Distrito Industrial de Manaus na década de 1980. Vimos que o
desenvolvimento proporcionado pelo setor industrial não foi condizente com as experiências e
as denúncias arroladas por este operariado através da imprensa. Consideramos que as lutas
travadas cotidianamente expuseram a precariedade nas condições de trabalho e o menosprezo
à dignidade humana. De modo geral, o desafio foi combater a banalização da força humana de
trabalho, cujo impactos foram refletidos nas greves gerais de 1985 e 1986. Reverberar sobre
555
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
ARAUJO, Nice Ipiranga Benevides de. O milagre manauara: Zona Franca de Manaus. Uma
análise do processo de industrialização implantado em Manaus e da universidade como
formadora de mão de obra especializada. Dissertação apresentada a Fundação Getúlio Vargas.
Rio de Janeiro, 1985.
BEZERRA, Eufrásio Alves. Implicações do Sistema de FGTS na rotatividade da mão de obra
na indústria de Manaus (AM). Dissertação de mestrado. Porto Alegre, PUC/URGS, 1980.
QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. Estratégias e Identidades: relações entre governo estadual,
patrões e trabalhadores nas greves da Primeira República em Porto Alegre (1917-1919). Tese
(Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas,2012.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas
(1880-1920) Tese de Doutorado em História. São Paulo, PUC-SP, 2001.
RIBEIRO, Marlene. De Seringueiro a Agricultor/pescador à Operário Metalúrgico: Um estudo
sobre o processo de expropriação/proletarização/organização dos trabalhadores amazonenses.
Dissertação de mestrado em Educação apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais,
1987.
SANTIAGO, Maria Célia. Clandestinidade e Mobilização nas Linhas de Montagem: A
construção da greve dos metalúrgicos de 1985, em Manaus / Maria Célia Santiago, 2010.
SPINDEL, Cheywa Rojza. Formação de um novo proletariado: as operarias do Distrito
Industrial de Manaus. Revista Brasileira sobre estudos de população. São Paulo, v. 4 n.2 p.1-
38, jul/dez, 1987.
TELES, Luciano Everton Costa. Mundos do Trabalho e Imprensa: a vida operária em Manaus
na década de 1920. Manaus, UEA Edições, 2015.
Fontes
⚫ Jornal A Crítica
⚫ Jornal do Comércio
556
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
⚫ O Parafuso
⚫ Entrevista com Raimundo Elson de Melo Pinto, realizada no dia 13 de abril de 2019.
⚫ Entrevista com Hamilton Macedo Madeira, realizada no dia 18 de dezembro de 2019.
Entrevista com Valdiza Ferreira da Silva, realizada no dia 23 de março de 2019.
557
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
Introdução
Numa dupla perspectiva de compreensão, os fenômenos de territorializações no
passado e aqueles, no presente, de reivindicações por territórios indígenas na região do Médio
rio Solimões e Afluentes, remete-nos aos levantamentos bibliográficos nos quais informa-se
que os primeiros registros históricos sobre as sociedades nativas da Amazônia surgem a partir
558
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Como sugere Porro (1995), pelo emprego desses conceitos equivocados no passado,
parte dos dois milhões de indígenas que habitavam a Amazônia no século XVI foram retirados
da história. Isso ocorre, de acordo com o autor, como efeito perverso dos mecanismos de
subalternização da alteridade indígena em prol da exploração de suas terras e recursos.
Nesse sentido, tornados sujeitos centrais para a mão de obra colonial, a formação e a
manutenção de povoados indígenas nas calhas do rio Solimões pelos missionários foram
estratégias primordiais para a organização e gestão do território em fundação. A presença das
missões jesuíticas empregava regimes disciplinares que resultaram no processo forçado de
“aculturamento” dos índios (QUEIROZ, 2015), quando a eles foram impedido o exercício das
línguas maternas para o uso da língua portuguesa, e impelido o uso de seus costumes, de modo
que, paulatinamente, se tornassem “civilizados”. No caso da formação do município de Tefé,
fundado sobre a missão de Santa Tereza, que mais tarde se tornaria a Vila de Ega, ações
civilizatórias ocorreram e foram registradas com mérito. À exemplo, o Frei André da Costa
recolheu índios e brancos sobreviventes das aldeias e assentamentos destruídos em 1710,
trazendo-os em 1712 para a tapera da Missão de Santa Teresa, fundada por Samuel Fritz, em
1688. A partir disso, Frei André da Costa, com os indígenas já domesticados, como lemos nos
registros bibliográficos, encontrou um terreno propício, cheio de castanheiras e que tinha
559
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
instalada uma pequena aldeia de índios provenientes da cabeceira do rio Tapi. A missão passou
a se chamar de Missão de Santa Teresa D’Ávila dos Tupebas (PESSOA, 2005). Segundo seus
relatos, esses indígenas tinham fugido da destruição da missão do Padre Sanna, em 15 de
outubro de 1718.
Fundada sobre aldeamentos indígenas marcados por fenômenos de deslocamentos e
fugas, em 1757 a Missão de Santa Teresa D’Ávila já tinha um total de 495 habitantes, sendo
36 brancos, 10 escravos e 449 indígenas (PESSOA, Idem). Apesar desse contingente
significativo de população indígena, a história narrada focaliza os eventos dos atores coloniais,
restando aos povos originários as margens dela.
560
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
foram classificadas como “cabocla” (SANTOS E SOUZA, 2012). Assim, esses sujeitos
“deixaram de ser” entendidos como “indígenas” e, desse modo, ficaram sujeitos à perda dos
direitos mínimos que eram a eles garantidos, especialmente em decorrência do entendimento
equivocado de que os direitos diferenciados de saúde e educação, garantidos na Constituição
de 1988, eram concedidos apenas àqueles em situação de aldeamentos reconhecidos pela
FUNAI (NEVES et al 2018).
Mas, isso mudaria já nas primeiras décadas do século XX, com a emergência dos
direitos constitucionais que oportunizou legalmente a restituição de seus territórios, através de
procedimentos técnico-jurídicos, pautados no Artigo 321 da Constituição, que versa sobre o
conceito de terra indígena. Um dos efeitos mais significativos desses processos legais foi o
fenômeno conhecido na região como “passar a ser índio”, que mobiliza os diferentes segmentos
dos movimentos indígenas em prol da luta por seus direitos e, com isso, parcelas da população
antes não identificada etnicamente diferenciada, passa a fazê-lo.
Os povos que se encontram na cidade são remanescentes de muitos desses “caboclos”,
que se tornaram resistência e que com novos espaços de atuação política encontram-se
dispostos a reivindicar os seus direitos, com o objetivo de manter as suas tradições, continuar
as suas histórias e a fazer seus lugares. Esses direitos só foram possíveis, portanto, com a
visibilidade que os indígenas brasileiros conseguiram durante as últimas décadas, ainda que
hoje sigam lutando contra os retrocessos cometidos pelas políticas governamentais,
especialmente agravadas desde 2016.
561
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
562
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
classificadas pela FUNAI como “antigas”, com mais de 20 anos de espera por qualificação da
demanda, enquanto há registros recentes datados de abril de 2019 – eles revelam a problemática
da terra vinculada à temática da garantia de acesso aos direitos e a incidência de um conjunto
de violações aqueles já garantidos (CIMI, 2019).
Apesar de sua demanda territorial ser datada de 2005, através das narrativas orais de
seus moradores, sabemos que a comunidade possui um histórico de 30 anos em busca da
garantia de direitos em relação à terra. Nela habita um povo que almeja que sua cultura seja
respeitada em todos os aspectos: território, educação, saúde, economia. Com isso, buscam a
garantia de condições mais propícias para a sua reprodução física, econômica e cultural.
A terra indígena reivindicada por eles corresponde a uma área de aproximadamente
3.021 hectares e sua população corresponde a um total de quatrocentas pessoas, localizada à
margem direita do rio Solimões, cuja maioria identifica-se como Kokama, havendo alguns
poucos Ticunas. Desse modo, é notório que o processo de demanda antecede o pedido
formalizado à FUNAI, tratando-se de um reconhecimento de direitos territoriais e identitários
que progressivamente é elaborado pela comunidade até culminar na reivindicação (CREVELS,
2019).
Crevels (2019) descreve que a formação da territorialidade de Porto Praia resulta de
diversos deslocamentos rio abaixo, comumente empreendida por povos indígenas ao longo do
rio Solimões no decorrer de todo século XX. Os moradores do Porto Praia de Baixo são
563
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
oriundos do Alto Solimões (Peru, Colômbia e Brasil), onde o começo do processo de extração
da borracha trouxe outras formas de pressão sobre a vida indígena. Já desestruturados pela
colonização e escravização, os povos indígenas passaram a ser ameaçados pelos seringueiros e
castanheiros que ocupavam áreas cada vez mais extensas em busca de recursos naturais para
explorarem nas feitorias dos patrões (Arquivo do CIMI, 2017). Em decorrência desses eventos
chamados de “correrias” e “descimentos” forçados (PORRO, 1995) existe uma inconstância
nas formas de habitar dos núcleos indígenas, culminando nos processos continuados de
territorialização em distintos assentamentos. Desse modo, mais recentemente, recomeça um
movimento continuado de migração rumo ao Médio Solimões, como já haviam realizado os
antigos grupos Miranha relatados por Faulhaber, em busca de melhorias de vida,
principalmente, dos Kokama peruanos e de coletivos Kambeba (Arquivos do CIMI, 2017).
A reivindicação da terra por moradores de Porto Praia de Baixo também se dá pela
questão de conflitos que existem nessa área. Os dilemas que estão narrados nos relatórios do
CIMI são: a utilização da Ilha do Machado (um ilha em frente da comunidade), na qual há
posseiros; invasões para a extração de areia da praia; e a presença de sobreposição de títulos
fundiários que acirra as disputas entre os diferentes atores locais. Essas questões, em conjunto,
reforçam o desejo deles de continuarem com as suas reivindicações. Um dos moradores narra
que o sustento e subsistência da aldeia advém das práticas de extração de castanha, da produção
das roças e da pesca nos lagos da Ilha e, ao tentarem proteger seu território, pouca legitimidade
lhes é atribuída pela falta de “uma placa dizendo que a terra é demarcada, que não pode ser
invadida” (Arquivo do CIMI, 2017).
A fala dessa liderança e antigo morador da aldeia nos permite observar que o
apagamento histórico produzido desde os tempos coloniais conduzem na atualidade esse
quadro de precarização e marginalização dos povos ameríndios, de seus direitos e territórios.
A história de luta de Porto Praia mostra elementos importantes, portanto, para conhecermos e
analisarmos os contextos constitutivos dos fenômenos políticos e sociais subjacentes as tantas
“novas” demandas territoriais no município e região. Eles, como os demais povos locais,
sofreram com várias violações, sendo uma delas o apagamento de suas identidades da História
de formação e ocupação do município, transformando-se em atores residuais, associados às
564
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
imagens do passado e sobre os quais não valeria lançar luz sobre sua historicidade, restando
sua participação como parte mais baixa na estrutura social.
Tal visão etnocêntrica, que marcara as narrativas coloniais, perdura e age perversamente
contra a população indígena local, impulsionando-os nas formas de resistências, cujas ações
políticas mais potentes residem precisamente na luta por territórios e na produção de
legitimidades relacionadas com as políticas diferenciadas as quais têm, desde 1988, direitos
garantidos.
Considerações finais
Um fato que não pode ser negado é que a exploração da região amazônica foi um evento
histórico que ocasionou a modificação do espaço e a diminuição dos povos indígenas nesse
território, ocorrendo também o desaparecimento de algumas etnias que faziam da Amazônia a
sua casa.
De todos os povos indígenas que existiam no território, hoje apenas poucos indivíduos
existem e continuam mantendo a sua cultura, apesar de que alguns desses sujeitos são
classificados como caboclo, termo complexo que, segundo Lima (2009), é utilizado na região
amazonense brasileira como uma categoria de classificação social. E esse termo surge a partir
de políticas adotadas durante a colonização desses sujeitos.
565
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
CIMI - Estudo de caso da luta pelo reconhecimento étnico e territorial das comunidades
indígenas Porto Praia de Baixo, Boarazinho, Boará e Boará de Cima dos povos indígenas
Kambeba e Kokama do Médio Rio Solimões/AM. Maio de 2017.
COSTA, Vitor Mateus Daniel da. Aldeias Na Cidade? Histórias E Territorialidades Indígenas
Em Tefé. Relatório Final. IDSM. PIBIC-Sr. Tefé. 2020
CREVELS, Christian Ferreira. CIMI: Relatório em Prol da Demarcação da Terra Indígena
Porto Praia de Baixo, município de Tefé, AM.- Setembro de 2019.
FAULHABER, Priscila. O Lago dos Espelhos: Etnografia do Saber Sobre a Fronteira em
Tefé/Amazonas. Tese de doutorado. Departamento de Ciências Sociais. Unicamp, 1992.
Fundação Nacional do Índio – FUNAI/Ministério da Justiça. 2019. Memorando n°
220/2019/COIM/CGID/DPT.
LIMA, Deborah de Magalhães. A construção do termo cabloco: sobre estruturas e
representações sociais no meio rural amazônico. In: Novos Cadernos NAEA vol 2, n°2, UFPA,
Belém, 1999.
NEVES, E., FRANCO, C., SOARES, I., ROSA, P. 2018. “Disputas territoriais e reivindicações
por demarcação de Terras Indígenas nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
e Amanã, Amazonas”. Trabalho apresentado no 15º Simpósio sobre Conservação e Manejo
Participativo na Amazônia - SIMCON. IDSM. Tefé.
PESSOA, Protásio Lopes. História da missão de Santa Teresa D’Avila dos Tupebas. 1 ed.
Manaus. Ed. Novo Tempo LTDA, 2005.
PORRO, Antônio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro:
Vozes; EDUSP, 1995.
QUEIROZ, Kristian Oliveira de. A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO TERRITÓRIO
TEFEENSE. 1 ed. Curitiba. Ed. CRV, 2015.
SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da conquista: Guerras e rebeliões indígenas na Amazônia
pombalina. 2 ed. Manaus. Ed. da Universidade do Amazonas, 2012.
566
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
SANTOS, Rafael Barbi Costa e, SOUZA Mariana Oliveira. “Todo amazonense é índio”: o
argumento inclusivo dos indígenas emergentes no médio Solimões (Conference Paper · July
2012). Rafael Barbi Costa e Santos/ Mariana Oliveira e Souza.São Paulo (SP), July 2012.
SILVA, Francisca Cardoso da. Da afirmação étnica à luta pela garantia da terra: a história de
luta do povo indígena Kokama, aldeia Porto Praia de Baixo, município de Tefé - amazonas.
Trabalho de Conclusão de Curso. UEA. Tefé, 2019.
567
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
O presente trabalho analisa a atuação de particulares no avanço da fronteira para o Baixo
Amazonas colonial. Trata-se de uma região estratégica, para a qual a Coroa portuguesa
dispunha de poucos recursos para a efetivação da colonização do espaço ameaçados por
franceses e holandeses. Verifica-se, especificamente, a atuação da família Mota a partir da
construção das fortificações do Tapajós, Parû e Pauxis, no período de 1684 a 1740. Os acordos
entre Francisco da Mota e a Coroa resultou em diversas mercês que a família acumulou em
postos, terras e títulos e, sobretudo, na expansão lusa para a região. A partir da análise de
diversos documentos, conclui-se que a região do Baixo Amazonas se inseria nas políticas de
Portugal, quanto a proteção e defesa do território e por isso, muito sujeitos visualizavam na
região um meio de ascender como nobreza adquirindo mercês, em forma de títulos, cargos e
posses, objetivando a concretização de interesses pessoais.
Palavras-chave: família Mota; defesa; Amazônia colonial
Introdução
568
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
569
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Vale ressaltar que alguns desses países, como Holanda e Inglaterra também
estabeleceram fortificações na Amazônia e os portugueses sabiam disso. Conforme Joel Santos
Dias menciona “Esses pequenos núcleos fortificados eram usados pelos invasores para o
reconhecimento das terras e o contato com os índios dispersos em aldeias nas margens dos rios
ou no interior do sertão." (DIAS, 2016, p. 207). Um exemplo disso, é o avanço dos holandeses
na região, em 1626, que em função da Companhia das Índias Ocidentais, haviam montado uma
casa forte, na altura do Gurupá, outra posição no Xingu e uma terceira, nas cercanias do Pará”
(REIS, 1984). Isso resulta no interesse holandês que através de companhias e projetos fez
investimentos na Amazônia, movidos pelo que Arthur Cezar Ferreira Reis pontua de “cobiça
mercantil”. (REIS, 1982).
570
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
571
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
em formas de mercês. Nesse sentido, o caso da família Mota vinculada a prestação de serviços
no sertão é um dos exemplos é o enfoque do trabalho.
Assim, como um dos responsáveis pelo avanço da fronteira na região, através das
fortificações, no mesmo ano, por meio de alvará, Francisco da Mota solicitava a concessão da
promessa do foro de fidalgo feita pelo rei, na justificativa de ter os requisitos necessários para
nobreza, estando o governador do estado e o engenheiro satisfeitos com seu desempenho
(Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro P, liv.
1, número de ordem 37, f.376v). Nesses termos, ressaltam-se as formas que o sistema de Antigo
Regime adquiriu na Amazônia colonial, a partir da própria ampliação na composição social da
nobreza. Ser nobre, nesse momento, incluía características mais diversas, a partir da inclusão
de uma diversidade de funções distintas das realizadas pelos nobres tradicionais (MONTEIRO,
1997).
572
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Em carta régia de 1690, consta que ficando as obras imperfeitas por seu pai, Manoel da
Mota de Siqueira continuou os serviços a partir de 17 de agosto de 1688 (Arquivo Histórico
Ultramarino, cód. 268, cx. 04, f. 0370). No entanto, ainda na carta de falecimento de Francisco
da Mota, como novo superintendente, Manoel da Mota de Siqueira, nas palavras do governador
do Estado, parecia ser incapaz de dar cabo as obras não terminadas por seu pai (Arquivo
Histórico Ultramarino, Avulsos do Pará, Cx.3, D.279). Em outubro de 1688, Arthur de Sá
Meneses, envia o capitão-mor Antônio de Albuquerque para verificar o estado que as
fortificações se encontravam se deparando com “os alicerces das fortalezas abertos”, resultando
em obras inacabadas (Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos Maranhão, Cx. 7, D.803).
Mesmo sendo relatado sua incapacidade de atuação frente às obras inacabadas por seu
pai no sertão, em 1695, no relatório do engenheiro da capitania do Pará, Pedro Carneiro,
Manoel da Mota ainda aparece como responsável pelas fortificações do sertão do Baixo
Amazonas colonial “segue-se a fortaleza do Tapajós, uma das obrigações de Manoel da Mota
de Siqueira” (REIS, 1984, p. 225).
573
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Somados a isso, a escolha do material era de extrema importância, pois nesse caso, o
engenheiro se queixa do fato de Manoel da Mota ter usado pau a pique, podendo ter utilizado
pedra e barro, e por isso em breve tempo, a fortificação se encontrava em ruínas (REIS, 1984).
Por meio desses fatores, tem-se o inacabamento das obras naquele sertão, o que por
vezes podia indicar a fragilidade da defesa lusitana frente ao interesse das demais potências
europeias. A exemplo, tem-se a tomada da fortaleza do Parú, em 1697, pelos franceses
(BETENDORF, 1920). O que foi acordado entre a Coroa e os particulares para ser 04 anos, em
1684, aparece concretizado somente em 1716, em alvará de Manoel da Mota de Siqueira ao
comunicar o cumprimento do serviço prestado das obras, “as quais se acham em sua última
perfeição”, acompanhando a solicitação de despacho da mesma mercê que foi feita ao seu pai,
para o governo da fortaleza do Tapajós.
574
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
documentações enviadas ao rei, referentes a pedidos de cargos e títulos, sempre pontuam a sua
filiação, com o objetivo de obter alguma influência nos pedidos solicitados.
Situação não muito diferente é notória em carta de sesmaria de Caetano Jozeph Castelo
que ao realizar uma solicitação de sesmaria próxima ao rio Mojú, para cultivar cacau, menciona
o fato de ser casado “com uma filha do governador da fortaleza dos Tapajós, Manoel da Motta
de Siqueira.” (ITERPA. Carta de Sesmaria. Livro: 01, documento: 11, folha: 11 v).
Logo, a prestação de serviços era uma característica do regime na colônia e o meio pelo
qual se tinha acesso a mercês. Pontuada nos estudos de Maria Fernanda Bicalho essas formas
de remuneração, estavam de acordo com as práticas do Antigo Regime. “O imperativo do dar
criava uma cadeia de obrigações recíprocas”, baseada na retribuição de serviços prestados,
doação de mercês em forma de posses, títulos e cargos, status e honra, e a possibilidade de se
desempenhar mais e maiores serviços para o rei (2005).
Conclusão
A região do Baixo Amazonas, descrita nas fontes como sertão, se caracterizou como
importante fronteira a ser conquistada pelos portugueses. Com interferência de outras nações
também interessadas nas potencialidades da região, a Coroa precisaria de uma solução prática
575
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
e a vinda para a colônia de sujeitos das mais diversas proveniências sociais ocuparam espaços
de interesse, sobretudo defesa e povoamento.
Conclui-se que a região do Baixo Amazonas se inseria nas políticas de Portugal, quanto
a proteção e defesa do território e por isso, muito sujeitos visualizavam na região um meio de
ascender como nobreza adquirindo mercês, em forma de títulos, cargos e posses, objetivando
a concretização de interesses pessoais.
Referências
BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Conquista, Mercês e poder local: A nobreza da terra na América
portuguesa e a cultura política do Antigo Regime. Almanack Brasiliense n° 02, novembro de 2005.
DIAS, Joel Santos. “’ Confuso e intricado labirinto’. Fronteira, território e poder na Ilha de Joanes
(séculos XVII e XVIII)”. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Pará (UFPA) - Programa de
Pós-Graduação em História-PPHIST-, Belém, 2016.
GOUVEA, Maria de Fátima. Poder político e administração na formação do complexo atlântico
portugûes (1645-1808). In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de
Fátima S. (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI –
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 285-315.
576
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
MATHIAS, Leonardo Kelmer. O sistema de concessão de mercê como prática governativa no alvorecer
da sociedade mineira setecentista: o caso da (re)conquista da praça fluminense em 1711. Revista de
História. João Pessoa, jan./ jun. 2006.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo
Regime. Análise Social, vol. xxxii (141), 1997 (2. °), 335-368.
NORAT, Roseane & COSTA, Marcondes. As fortificações da Amazônia: desafios e perspectivas para
sua preservação. 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil, Belo Horizonte, 2017.
PEREIRA, Luciene Maria Pires. Reflexões acerca da distribuição de terras no período colonial
brasileiro: o caso das sesmarias. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo,
julho, 2011.
REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a cobiça internacional. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; Manaus: Superintendência da Zona Franca de Manaus, 1982. (Coleção Retratos do Brasil,
v. 161).
REIS, Arthur Cézar Ferreira. “As fortificações da Amazônia no período colonial”. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Rio de Janeiro, n. 344, Julho/Setembro, 1984.
VIANA, Wânia alexandrino. “Gente de Guerra, Fronteira e Sertão: Índios e soldados na capitania do
Pará (Primeira metade do século XVIII)”. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação
em História-PPHIST- Universidade Federal do Pará, Belém, 2019.
Fontes
⚫ “Carta Régia ao Governador do Maranhão, sobre o pedido de Manoel da Motta” 09/12/1690.
Arquivo Histórico Ultramarino, cód. 268, cx. 04, f. 0370.
⚫ Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos do Maranhão, Cx.6, D.731
⚫ Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos Maranhão, Cx. 7, D.803
⚫ Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos Pará, Avulsos do Pará, Cx.3, D.279
⚫ Arquivo Histórico Ultramarino, Avulsos Pará, Cx. 28, D. 2623
⚫ Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 1,
f.51.
⚫ Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro P, liv. 1,
número de ordem 37, f.376v.
⚫ BETENDORF, João Felippe. Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado
do Maranhão. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Tomo LXXII. Rio de
Janeiro. Parte I. Ano: 1910.
⚫ ITERPA. Carta de Sesmaria. Livro: 01, documento: 11, folha: 11 v.
577
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Resumo
578
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
A cidade e os bondes
579
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Era também o fim da grande vida. Do dia para a noite, se foram acabando o
luxo, as ostentações, os esbanjamentos e as opulências sustentadas pelo
trabalho praticamente escravo do caboclo seringueiro lá nas brenhas da selva.
Cessou bruscamente a construção dos grandes sobrados portugueses, dos
palacetes afrancesados, dos edifícios públicos suntuosos. Não se mandou
mais buscar mármores e azulejos na Europa, ninguém acendia mais charutos
em cédulas estrangeiras. O enxoval das moças ricas deixou de vir de Paris.
Os navios ingleses, alemães e italianos começaram a escassear na entrada da
barra. Muitas grandes firmas exportadoras, de capital europeu, começaram a
pedir concordata (MELLO, 1984, p. 27).
580
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
581
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
transportes contavam – além das carroças, caminhões e carros de aluguel movimentados por
tração animal – com os bondes elétricos da modernidade” (COSTA, 2014, p. 45). Em uma nova
configuração de moradia os trabalhadores se deslocavam para o ponto central, no intuito de
ocupar a função diária das mais diversas formas. Visto que o bonde não estava ao alcance de
todos, por questões financeiras ou topográficas, os moradores dos subúrbios poderiam ir a pé,
a cavalo, de catraia, entre outras opções. O guia turístico e comercial, criado por Edesio de
Freitas, descreve as dez linhas existentes no período:
O elétrico veio como um dos protagonistas que se incorporou na urbe a partir dos
aparatos tecnológicos que invadem a cidade – a energia elétrica foi um ganho para a cidade em
termos de dinâmica, sendo apontada como um dos maiores inventos de todos os tempos.
Realmente, era o que tinha de mais moderno para a época, conduzindo a unanimidade da
população sem distinção de classe; apto tanto para o deslocamento para o trabalho, quanto para
o transporte de gêneros alimentícios e/ou bagagens, assim como para os passeios. Jefferson
Peres informa como eram os bondes de Manaus:
Dali partiam todos os bondes. Sem portas nem janelas, inteiramente abertos
de ambos os lados, com sanefas de lona corrediças, baixadas apenas como
proteção contra o sol e a chuva, eram carros ecológicos, claros, ventilados,
próprios para o nosso clima, além da vantagem obvia de não causarem
poluição. Servido por um motorneiro, um cobrador e um fiscal, devidamente
uniformizados, deslocando-se com rapidez num trânsito que não conhecia
congestionamento, esses veículos forneciam desconforto apenas quando
superlotados nas horas de rush. Mas quando semivazios, a viagem era
realmente um prazer. (PERES, 1984, p. 24).
582
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
[...] guiava este um bonde, ao qual se achava preso um outro, quando a vitima,
correndo atrás do veiculo em movimento, tentou tomar o que vinha na
frente[...] Não conseguindo apoiar-se a um dos balaústres, que pegara,
escorregou e caiu ao chão, com as pernas sobre os trilhos, de maneira que
foram elas esmagadas pelas rodas do segundo carro[...](R.C. 2120, 1935,
p.181-182).
O discurso de exclusão se solidifica para aqueles que, por força do código de postura,
se afastaram do centro da cidade. Este caminho férreo seria mais um modo coletivo de
locomoção para os trabalhadores, já que estariam morando distante. E ainda o que dizia ser um
meio de locomoção rápido, cômodo e barato, a partir da efetiva atuação deste transporte, passa
a gerar algumas controvérsias. Desta feita, o bonde entra na cidade alterando seu espaço físico
e os costumes da urbe, abarcando uma boa extensão na sua rota diária.
583
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
para a classe operária, vítima da segregação, expulsa da cidade tradicional, privada da vida
urbana atual ou possível, este é um problema prático e político (LEFEBVRE, 2001, p. 104).
De forma mascarada, os cortiços mais conhecidos como estâncias perduravam e
resistiam às imposições do espaço citadino, com uma fachada que, de acordo com a arquitetura
vigente, se harmonizava com o restante das construções. Acontecia mais pelo reconhecimento
do poder público que via essas edificações “clandestinas” como um mal necessário. Mesmo
admitindo a insalubridade e as condições internas das edificações – com pequenos quartos sem
divisões, com cozinha e banheiro coletivos – a fiscalização sanitária hesitava em exterminá-los
por completo. As estâncias resistiram anos, volta e meia sendo fiscalizadas. A partir de um
jornal confirma-se a presença desses cortiços e a situação sanitária desses locais ainda na
década de 1930, que continuava a mesma, diante da necessária ação fiscal ao afirmar que “[...]
Acham-se, também, em preparação as notificações escriptas aos donos das estancias julgadas
fora dos preceitos hygienicos exigidos, cuja observância vae ser rigorosamente aplicada [...]”
(JORNAL DO COMERCIO, 1938, p. 01).
Um discurso utópico e contraditório que defendia a liberdade do cidadão, mas que
reservara para os segmentos populares áreas ainda não preparadas em sua estrutura para recebê-
los, os subúrbios. As transformações faziam a cidade estar sempre em movimento, não
permitindo que espaços degredados se tornassem ameaça ao lado estético da urbe, portanto se
fez necessário a moradia que valorizasse a estética do espaço. Como alternativa, e utilizando-
se de uma estratégia de resistência, alguns trabalhadores se tornaram muitas vezes inquilinos
na cidade, morando nas estâncias existentes. Consoante com essa reflexão, Deusa Costa afirma
que:
584
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Mesmo diante dos obstáculos criados pela classe dominante, no intuito de afastar os
“indesejáveis”, diante das construções e do novo planejamento urbano, que mudaria a paisagem
e proporcionaria um atrativo para a cidade, ainda assim, conseguimos encontrar esses sujeitos
marcando sua presença nas fontes que buscamos. A necessidade diante do trabalho, que
movimentava a cidade, proporcionou a alguns trabalhadores meios de resistir a essas objeções,
usufruindo dos espaços. O motorneiro identificado morava no centro, próximo ao seu local de
trabalho. Percebemos que este “não lugar” lhe permite mobilidade, mas numa docilidade aos
azares do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que
utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder
proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia,
dita por Michel de Certeau. (CERTEAU, 1998, p. 100-101).
A partir de uma reflexão de Chalhoub, percebe-se que o capitalismo avança como um
símbolo de escravização e aprisionamento do trabalhador ao novo sistema, uma vez que “[...]
este homem livre – leia-se ‘livre’ da propriedade dos meios de produção, isto é, despossuído –
que será a figura essencial da formação do mercado capitalista de trabalho assalariado”
(CHALHOUB, 2001, p. 46). A saída recente de uma tradição escravocrata, a iminente mudança
nas relações de trabalho e dos modos de vida da urbe, mostrou que o século que se iniciou veio
incumbido de trazer um ajuste estratégico para manter um sistema econômico pujante e bem
delineado, mesmo que disso dependessem mudanças drásticas, principalmente no que se referia
585
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Os motorneiros de bonde (PONTES, 2008, p. 74-75) são de uma categoria que entra
em cena em plena efervescência da cidade, que assim como outras capitais, se vê impregnada
por uma ideologia de modernidade, que se estende por décadas a partir da implantação da
República, mostrando novos ideais como diferencial. Apesar de assalariados, tinham um certo
status diante de outros trabalhadores, pela boa apresentação e porte. Em sua grande maioria
eram solteiros, de diferentes origens, e com uma qualificação profissional.
Considerações finais
586
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
Referências
Barbosa, Marialva. Os donos do Rio. Imprensa, Poder e Público. Marialva Barbosa- Rio de
Janeiro: Vício de leitura, 2000. Pág. 21
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Um pouco antes e além – depois; Manaus Editora
Umberto Calderaro, 1977.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001. Apresentação a edição brasileira Lilia Moritz Schwarcz; tradução André Telles.
BRESCIANI, M. S. M. História e Historiografia das Cidades, um percurso. In: Marcos Cezar
de Freitas. (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. 1ªed.São Paulo: Contexto, 1998,
v., p. 237-258.
CALDEIRA, T. P. R. . A Politica dos Outros - O Cotidiano dos Moradores da Periferia e O
Que Pensam do Poder e dos Poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984 .
CASTRO, Mavignier de. Síntese histórica e sentimental da evolução de Manaus. Manaus:
Tipografia Fênix, 1948.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: a arte de fazer. 3. ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 1998.
CHALHOUB, Sidney. Classes perigosas. São Paulo: Unicamp: associação Cultural Edgar
Leuenroth/IFCH, 1990. 6 v/ Revista Trabalhadores.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano da belle époque dos
trabalhadores no Rio de Janeiro. 2. Ed. Campinas: Editora da Unicamp,2001.
COSTA, Deusa. Quando viver ameaça a ordem urbana - trabalhadores de Manaus (1890-1915).
Manaus: Valer, 2014.
DAOU, Ana Maria Lima. A Cidade, o Teatro e o “Paiz das Seringueiras”: práticas e
representações da sociedade amazonense na virada do século/Ana Maria Lima Daou _ Rio de
Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 1998.
Diário Official do Amazonas, arquivo digital de 09/07/1931. Pág. 13.
JORNAL DO COMERCIO, 10 de novembro de 1938,p.01.
LEFEBVRE, Henri.1901-1991.O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo
Frias.Centauro,2001.
587
Texto integrando dos Anais 2020, do V Encontro Estadual de História – ANPUH
Amazonas - Trabalho, Direitos Sociais e Democracia no Brasil e na Amazônia. César
Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar
(Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do Amazonas, 2020.
588