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Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio

A busca da Flor de Ouro

Como os textos clássicos chineses de alquimia


interior podem influenciar a prática clínica de
um acupuntor no moderno mundo ocidental

Autor: João Carlos Baldan


Acupunturista – Associação Brasileira de Acupuntura – ABA 349

Sindicato dos Acupunturistas e Terapeutas Orientais – Satosp 736

Terapeuta – Sindicato dos Terapeutas – CRT 31.535

Monografia de Conclusão do Curso de


Especialização em Ciências Clássicas Chinesas

Orientador: Orley Dulcetti Jr


São Paulo – Primeiro Semestre – 2007
A busca da Flor de Ouro

Ilustração Wisheng Shenglixue mingzhi

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta


Zhao Bichen
“O pressuposto inicial da cosmovisão é a de que o cosmo e o
homem, no fundo, obedecem às mesmas leis; o homem é um cosmo em
miniatura, não estando separado do macrocosmo por barreiras
intransponíveis. São regidos pelas mesmas leis e há uma passagem ligando
uma situação à outra. O homem participa por sua natureza de todo
acontecimento cósmico e está entretecido a ele, interna e externamente”.

Richard Wilhelm

“A partir do fundo, o fogo sobe e penetra a semente, incubando-a,


de tal modo, que uma grande flor de ouro cresce da vesícula seminal. Esta
simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de purificação e
de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região
da água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente
mediante um processo de vida e crescimento. Desse modo se processa a
unificação de consciência e vida”.

Carl Gustav Jung

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro Eu “.

Hui Ming Ging

“Quando a soberania está centrada e em ordem,


todos os heróis subversivos se apresentam com as
lanças de ponta para baixo a fim de receber ordens”

Richard Wilhelm
Esta monografia, embora não pretenda atingir a forma e a constituição de uma resenha,
segundo sua acepção clássica, ela se aproxima bastante disto. Afinal, não se trata, aqui de um
´resumo crítico´ de determinada obra, conforme reza os parâmetros da resenha. No entanto,
como tal permite, tecemos comentários ao longo deste trabalho, bem como emitimos opiniões
e realizamos julgamentos de valor, além de realizarmos comparações com outras obras de
áreas afins, seguidas das devidas avaliações.

Apresentamos as linhas de um raciocínio complexo sobre diversos assuntos


pertinentes e apresentados logo na introdução deste trabalho, baseado em textos clássicos
chineses e em um trabalho de uma colega psicóloga, sem, no entanto, finalizarmos com a
pretensão científica da defesa de uma tese abalizada em experiências empíricas. De fato, este
trabalho não fecha questões. Antes, ao contrário, ele pretende formular propostas para futuros
estudos e reflexões.

Neste sentido, foram estudadas duas obras principais. “O Segredo da Flor de Ouro”
(Tai I Gin Hua Dsung Dschï), texto clássico chinês em uma edição específica que conta com
comentários de Carl Gustav Jung e Richard Wilhelm e “Wisheng Shenglixue mingzhi –
Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta” de Zhao Bichen, com tradução e introdução de
Catherine Despeux na versão para o castelhano de Francisco F. Villalba.

Um outro texto clássico – Hui Ming Ging ou o ´livro da Consciência e da Vida` foi
bastante utilizado nas pesquisas e citado no decorrer do trabalho.

Antes de tudo, porém, para ambientar e contextualizar o escopo da discussão proposta,


o autor apresenta e propõe uma meditação – seguida de avaliação despojada de valores pré-
concebidos – sobre o que, de fato, representou o contato entre civilizações tão díspares,
quanto a ocidental e a oriental, sobretudo para os primeiros. Principalmente no tocante aos
seus reflexos sob a análise do ponto de vista psicológico.

Mais uma vez não se pretendeu fechar questão. Antes, porém, abrir horizontes para o
pensamento, a cultura e a informações futuras.
Na trajetória, não nos esquecemos de questões didáticas relacionadas ao objetivo
proposto, de tal sorte que foram apresentados alguns conceitos básicos da cultura e medicina
chinesas, de forma menos aprofundada, é certo – não por desmerecimento dos temas e sim
para não corrermos riscos de perda no foco prático, ou mesmo da finalidade desta monografia.

Destarte, realizado tal alerta, tratamos de conceitos como Tao, dualidade primordial,
Tchi ou Qi, além de apresentarmos considerações, não menos importantes, sobre energias e
seu ´engendramento` no homem.

Seguindo por esta linha de raciocínio, apresentamos os ciclos de geração e


dominância, tratamos de numerologia chinesa – sobretudo do número cinco e não deixamos
de comentar sobre sua simbologia – estabelecemos paralelos entre medicina chinesa e física
quântica, bem como comentamos os fatores de adoecimento. Dedicamos um capítulo especial
às ´entidades viscerais` e falamos, ainda que rapidamente, sobre o Shen, o Espírito, assunto
vasto e profundo que mereceria, seguramente, outro trabalho de igual monta.

No entanto, como se trata de assunto absolutamente importante e inerente aos


objetivos desta monografia, o tratamos da melhor forma possível, sem perdermos o
referencial primeiro deste trabalho.

Com isso, encerramos a primeira parte.

Na segunda, adentramos nossos estudos explicando porque nossa preferência por Jung,
citamos seus estudos e práticas clinicas relacionadas às pesquisas sobre alquimia e seus
reflexos psicológicos nas fases da busca do Elixir da Longa Vida, segundo o modo ocidental
de pensar.

Demos um salto para o oriente e fizemos referência, com maior ênfase aos textos
clássicos propriamente ditos, de como eles indicam as aplicações e recomendações rumo à
obtenção do ´Elixir da Longa Vida`, ou o caminho para a longevidade mediante fórmulas e
exercícios apresentados pela chamada alquimia interior, segundo a concepção chinesa.

Estudamos o caminho da meditação, bem como a fisiologia Taoísta, os Vasos


Extraordinários, ou Maravilhosos, bem como realizamos um resumo das etapas propostas
pelos textos clássicos na obtenção de tal alquimia.

Apresentamos a conclusão de Zhao Bichen, bem como de outros taoístas, além de


propormos uma discussão – e reflexão – de como todo este embasamento teórico pode
refletir-se na prática clínica moderna ocidental.
Encerramos, conforme já dito, não propondo questões fechadas e sim indicando uma
possível abertura para novos estudos e caminhos que poderão propiciar ao moderno terapeuta
acupunturista – por intermédio de um olhar bastante individual sobre seus pacientes – uma
tentativa de visar algo mais e maior do que a simples retirada de sintomas ou a cura de males
ou doenças.

Palavras Chaves:

Medicina Tradicional Chinesa – MTC, Acupuntura, O Segredo da Flor de Ouro, Alquimia Ocidental,
Alquimia Chinesa, Alquimia Interior, Medicina Taoísta, Meditação, Entidades Viscerais.
Sumário

Introdução ....................................................................................................... xx

Primeira Parte

Capítulo I – Ponto de Partida: Contato ou Choque? ......................................... xx

Capítulo II – Do Tao à Dualidade Primordial ................................................... xx

Capítulo III - Dois pólos: antagônicos, mas complementares ............................. xx

Capítulo IV – Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar ........................................ xx

Capítulo V – Conceitos importantes sobre Energias ........................................ xx

Capítulo VI – Patologias Modernas versus Patologias Antigas ...................... xx

Capítulo VII - Ciclos de Geração e Dominância .......................................... xx

Capítulo VIII – O número Cinco e sua Simbologia ......................................... xx

Capítulo IX – Paralelo com a Física Quântica ............................................... xx

Capítulo X – Fatores de adoecimento, segundo a MTC ................................. xx

Capítulo XI – Entidades Viscerais ................................................................. xx

Capítulo XII – Shen, o Espírito........................................................................ xx

Segunda Parte

Capítulo XIII – Apêndices Psicológicos à chinesa .......................................... xx

Capítulo XIV – O Porque de Jung ..................................................................... xx

Capítulo XV – Alquimia, pela Alquimia mesma ............................................... xx

Capítulo XVI – Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior ..................................... xx


Capítulo XVII – Os Oito Vasos Extraordinários, ou Maravilhosos ................. xx

Capítulo XVIII – A Flor de Ouro é o Elixir da Vida ............................................ xx

Capítulo XIX – A Flor de Ouro é a Luz do Céu ............................................. xx

Capítulo XX – O Caminho da Meditação .......................................................... xx

Capítulo XXI – As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa ................ xx

Capítulo XXII – Sublimação da Essência ............................................................. xx

Capítulo XXIII – Sublimação do Sopro ................................................................ xx

Capítulo XXIV – Sublimação da Energia Espiritual ............................................ xx

Capítulo XXV – Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas ....................................... xx

Capítulo XXV – Conclusão Final.................................................................. xx

Referências Bibliográficas............................................................................... xx
Introdução

A idéia para a realização desta monografia para a conclusão do curso de especialização


em Ciências Clássicas Chinesas pela Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio
partiu da necessidade de o autor estabelecer alguns parâmetros entre sua prática clínica –
como terapeuta acupunturista ocidental – face à riqueza e profundidade da filosofia,
pensamento e espiritualidade chinesas.

Para ampliar o assunto em referência e tratando-se da origem do autor – descendente


de italianos, nascido e criado no bairro do Bom Retiro, próximo ao centro da cidade de São
Paulo, SP – buscou-se, então, levantar como foram, e de fato ainda é, para os cidadãos das
diversas culturas e formações os primeiros contatos do homem ocidental com a civilização
oriental.

Antes de tudo, é preciso destacar que tais contatos se deram em diversos momentos
históricos e de variedade muito grande de formas. Muitas delas, de maneira absolutamente
específica e individual, como foram os casos de alguns renomados sinólogos, sem contar a
experiência própria de G. Soulié de Morrant que, literalmente, mergulhou na cultura chinesa
de modo a apreender os cânones mais profundos da Medicina Tradicional Chinesa – MTC e
da Acupuntura para transformar-se, posteriormente, em seu introdutor às mentes da
civilização ocidental.

Dito isto, e excetuando-se tais sinólogos e o próprio Soulié de Morrant, pode-se


perguntar como foram os contatos entre estas duas civilizações hemisféricas? Como
ocidentais, cabe formular algumas perguntas.

– Como foi este impacto para nós, diante de uma cultura milenarmente mais evoluída?
Como este contato modificou – e ainda está modificando – sua prática clínica mediante a
aplicação da Acupuntura, por exemplo? Como foram as primeiras relações entre ´o estado da
alma` dos ocidentais com este mesmo estado dos orientais e vice-versa?

Em um trecho do livro ´O Segredo da Flor de Ouro, Um Livro de Vida Chinês`, com


comentários de C. G. Jung e R. Wilhelm 1 , o primeiro reconhece que o conhecimento do

1
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984.
O texto original Tai I Gin Hua Dsung Dschï provém de um circulo esotérico da China cujo teor foi transmitido
Oriente implicou em um conhecimento de uma civilização milenar, “edificada organicamente
sobre instintos primitivos, a qual nada tem a ver com a moralidade brutal dos germanos
bárbaros, recentemente civilizados que somos (referindo-se aos europeus). Por isso, os
chineses não têm tendência à repressão violenta dos instintos, que envenena nossa
espiritualidade, imprimindo-lhe um exagero histérico”2, escreve Jung3.

Uma repressão, como veremos no decorrer desta monografia, capaz de causar uma
ferida na psique que necessitará ainda de algum tempo antes de fechar-se totalmente.

Note-se, entretanto, que esta é apenas uma das premissas básicas, o ponto de partida
desta monografia que tem a presunção de analisar um outro tópico importante da filosofia
chinesa que, em seus ditames mais profundos, relaciona-se à alquimia antiga, por exemplo, e
sua possível importância na prática clinica do profissional acupunturista.

– Existem conceitos, até mesmo pontos de acupuntura que devem ser levados em
conta na hora de se aplicar uma agulha em tratamento de patologias comuns que podem
atingir o amplo conceito da alquimia? – Como a alquimia prevê a unificação de consciência e
vida? – Como se deve atentar aos pontos específicos, durante a anamnese, de modo a escolher
a melhor terapêutica, segundo tais princípios?

De fato, estas foram as primeiras perguntas surgidas ao se pensar sobre o tema desta
monografia e que se somaram a muitas outras relativas a tal proposta. Principalmente se
levarmos em conta a possibilidade de um corpo teórico – tão vasto e profundo quanto o da
Medicina Tradicional Chinesa – MTC, que conta com registros há pelo menos cinco mil anos
– que visa inclusive tratar de patologias consideradas contemporâneas e modernas de estudos
e relatos bem mais recentes. – Haveriam patologias tão similares na época antiga? – Como o
conhecimento filosófico pode auxiliar nesta prática clínica?

Estas são algumas das questões que procuraremos responder e também propor para
uma reflexão conjunta ao longo deste trabalho.

oralmente durante muito tempo. Mais tarde também por intermédio de manuscritos. A primeira publicação data
da época de Kiën-Lung (século XVIII), e em 1920 este texto foi reimpresso em Pequim, aparecendo numa edição
de 1000 exemplares, junto com o Hui Ming Ging.
2
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 60.
3
Carl Gustav Jung, ilustre médico suíço nasceu em 1875. No principio de sua carreira dedicou-se à psiquiatria e
à compreensão da psique humana. Contemporâneo de Freud, Jung foi considerado um de seus discípulos
favoritos. Porém com o tempo, diferenciou-se, pois acabou discordando e ampliando alguns de seus conceitos
principalmente no tocante ao desenvolvimento da sexualidade e seus distúrbios. Jung não satisfeito foi além.
Observando os sonhos de seus pacientes, mitos das mais diversas culturas e religiões, Jung constatou a existência
de uma estrutura psíquica comum a toda humanidade. A isto chamou de Inconsciente Coletivo.
Primeira Parte
Capítulo I

Ponto de Partida.

Contato ou Choque?

O contato entre as civilizações oriental e ocidental – logo após tomarem conhecimento


uma da outra – pode ser analisado sob diversos ângulos e facetas. Afinal, falamos de culturas
de natureza absolutamente diferentes, de formas e costumes totalmente díspares e, até então,
autônomos diante de um conhecimento que deve ser analisado, aliás, como tudo, em sentido
de mão dupla. De ida e de vinda, como tão bem preconiza a filosofia oriental, em especial a
chinesa.

É fato que foram – e ainda são – muitas as dificuldades, segundo a ótica do mundo
ocidental, para que se possa entender o âmago dos conceitos filosóficos – e, por conseguinte,
da própria Medicina Tradicional Chinesa –MTC em toda a sua magnitude.

A começar pela linguagem do mundo oriental. Peguemos, em princípio, este fato, o da


linguagem. É fato que não pretendemos adentrar aqui na complexa concepção filosófica dos
ideogramas, fato que daria, certamente, uma outra monografia. No entanto, iremos apenas
ressaltar que os ideogramas representam idéias e símbolos, ao contrário das palavras, sinais e
signos, conforme as conhecemos nos diversos idiomas ocidentais.

Vamos aqui nos ater às dificuldades de interpretação dos textos orientais segundo o
´ponto de partida`, a inicial de um texto e da defesa das idéias, algo semanticamente diferente
do que estamos acostumados a lidar.

O Centro como Partida

Uma diferença básica – e de fundamental importância – é que o autor chinês,


normalmente, parte do centro de suas idéias. Ele inicia seu texto, sua defesa teórica,
justamente pelo assunto principal, pelo mais importante. Depois, conforme o caso, ele vai
explicando, de maneira simbólica, o âmago apresentado logo no início.
É o que o ocidental denomina de ápice, meta, ou o último fato a ser conhecido em uma
explanação, seja textual, seja oral. É a conclusão teórica. Apenas para dar um exemplo prático
do que isto significa, é como se iniciássemos uma monografia pela sua conclusão.

Portanto, enquanto o oriental inicia sua explanação pela parte mais importante, nós,
ocidentais, damos inúmeros volteios até atingir o clímax do texto, ou apontar a conclusão de
todo o raciocínio teórico anteriormente apresentado.

Entre outros tantos exemplos, neste sentido, podemos citar duas frases inicias do texto
denominado Hui Ming Ging4:

“O que existe por si mesmo se chama Tao”.

Uma outra:

“O segredo mais sutil do Tao é a essência e a vida”5.

A tradução do chinês para o português, como se vê, indica uma série de palavras que
podem sugerir grande profundidade e magnitude teórica e filosófica. Lembremos de um
detalhe importante, já dito acima e que convém repetir. Não há única tradução para os
ideogramas, principalmente aos temas filosóficos, aos ligados à cosmogênese e no tocante à
Medicina Tradicional Chinesa – MTC.

Basta citar as traduções existentes relativas ao Tao, ideograma que possui, na


linguagem chinesa, dois sinais: cabeça e caminhar.

Por conta disso, muitos autores traduzem Tao por ´caminho` ou ´providência`. Alguns
jesuítas o adaptaram para `Deus´ e Richard Wilhelm, por seu lado, traduz o termo Tao por
´sentido`.

4
Essência (sing) e consciência (hui) – Hui Ming Ging, texto citado no livro O Segredo da Flor de Ouro – Um
Livro de Vida Chinês – C.G.Jung e R.Wilhelm, Editora Vozes, 2ª. Edição, Petrópolis, 1984, tradução de Dora
Ferreira da Silva e Maria Luíza Appy, página 36. Na página 83 desta mesma obra, Richard Wilhelm escreve que
o Hui Ming Ging, ou livro da Consciência e da Vida, foi editado por Liu Hua Yang, em 1794. Natural de Hukou,
província de Kiangsi, Liu Yang tornou-se posteriormente monge no Claustro da Dupla Flor de Loto (Shuang
Liën Si) na província de Anhui. A tradução foi baseada numa nova edição, que alguém, sob o pseudônimo de
Hui Dschen Dsï (aquele que se tornou consciente da Verdade), imprimiu juntamente com o Segredo da Flor de
Ouro, numa tiragem de mil exemplares em 1921.
5
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 36.
Diante disso, comprova-se, mais uma vez, que a tradução pode variar muito, segundo
o tradutor, sua filosofia, experiência de vida, raciocínio, formação didática e orientação
filosófica etc. Vale lembrar que, no caminho da tradução, também se pode utilizar a amplitude
do raciocínio analógico – que, aliás, vai muito além das simples comparações como as
utilizamos no decorrer do aprendizado nas escolas acadêmicas ocidentais –, de modo a
ampliarmos os conceitos inerentes ao nosso objeto de estudo.

Desta forma, para o conceito de ´cabeça`, por exemplo, pode-se fazer analogias com o
termo consciência, da mesma forma que com ´caminhar` para, juntando-se os dois símbolos,
ser traduzido como ´caminho consciente`. Ainda recorrendo-se à analogia, Tao também pode
ser livremente traduzido como a ´luz do céu`6, uma vez que a essência e a vida estão contidas
na luz proveniente do céu.

Como se vê, mais uma vez, ficam patentes as diferenças entre as culturas do Oriente e
do Ocidente, bem como de sua escrita e interpretação simbólica.

Enquanto aqui no ocidente o raciocínio e o pensamento seguem um determinado


sentido e de forma linear, reto e plano, no Oriente ele é mais parecido com o universo,
redondo, circular e global. Como se pode ver no exemplo que se segue:

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões7

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro eu”

Hui Ming Ging8

6
id. ibid., página 36.
7
Eflúvio – sm – Fluido sutil que emana dos corpos; emanação; perfume, aroma fragrância. Dicionários da
Língua Portuguesa – Soares Amora – 6ª. Edição – Editora Saraiva – Evitar a efluxão refere-se à proteção da
unidade da consciência contra a fragmentação provocada pelo inconsciente.
8
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37.
Segundo Carl Gustav Jung, na obra citada, estes versos contém uma indicação
alquímica, já que indica um método, ou mesmo caminho para a geração do ´corpo
diamantino`, que estudaremos a seguir:

“Para isso, é necessário um ´aquecimento`, ou seja, elevação da


consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja
´iluminada`. Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a
vida que deve ser elevada ou exaltada. A união de ambas produz ´a
vida consciente`. Segundo o (texto) Hui Ming Ging, os antigos sábios
conheciam o modo de suprimir a separação entre consciência e vida,
pois cultivavam as duas. Deste modo o ´scheli´ (corpo imortal) se funde
e se completa o grande Tao”9

Como escrevemos para o homem ocidental – e concordamos com Jung quando ele
ressalta a seriedade de se ter a concordância entre os estados psíquicos e o simbolismo do
Oriente e do Ocidente –, tais analogias abrem um extenso caminho que nos conduz “às
câmaras interiores do espírito oriental, caminho que não pede sacrifício de nossa própria
maneira de ser. Isto sim, seria uma ameaça de desenraizamento”, escreve Jung10.

Destarte, referindo-se aos que não sabem onde estão as verdadeiras fontes da força
secreta, diz Gu De: “As pessoas mundanas perderam as raízes e se atêm às copas das
árvores”.11

Neste ponto é possível destacar que estas analogias não são, nem um telescópio, nem
um microscópio intelectuais capazes de abrir uma perspectiva indiferente, pelo fato de nada
representarem de fundamental. Ao contrário, trata-se de um caminho que indica certo
sofrimento na busca e na luta comum a todos os povos civilizados; “trata-se da tremenda
experiência da natureza de tornar-se consciente, outorgada à humanidade, e que une as
culturas mais distantes numa tarefa comum”.12

Assim, com bastante propriedade, Jung, na obra citada, explica que o homem europeu,
“um germânico recém-civilizado” (uma vez que há apenas mil anos vivia ainda sob os

9
id. ibid., página 37.
10
id. ibid., página 36
11
id. ibid., página 62
12
id. ibid., página 66
ditames do politeísmo), invadiu o Oriente, em especial a China, defrontando-se com uma
civilização, em diversos aspectos, milenarmente mais evoluída.

Entre outras análises possíveis, o psiquiatra e psicanalista destaca que, justamente, sob
o ponto de vista psíquico e espiritual reside o aspecto e o ponto de vista onde esta invasão
física teve um, talvez entre os mais caros, preço. Afinal, por conta desta tentativa de
colonização e exploração, o homem branco – ocidental e europeu – precisou assimilar uma
cultura – e também um valor espiritual – de maneira muito mais intensa do que ele pudesse,
talvez, estar preparado. Faltou-lhe, então, estrutura.

Neste sentido, para Jung, o homem oriental chinês, por intermédio de seu modo de
vida muito mais natural, sempre conviveu de maneira muito mais harmônica com seus
próprios instintos. Enquanto o europeu, sobretudo depois deste contato – e conhecimento –
precisou reprimir estes instintos, a duras penas, diga-se. Instintos que foram guardados
´embaixo do tapete` sem, no entanto, perderem a sua força original. Afinal, ainda que no
inconsciente – colocado aqui como se lata de descarte fosse – eles continuaram vivos e fortes.

Principalmente porque o problema do progresso espiritual religioso, para Jung, deve


ser tratado com as diferenças entre o Oriente e o Ocidente, quanto ao modo de tratar a ´jóia`,
isto é, o seu símbolo central.

“Enquanto o Ocidente enfatiza a encarnação humana, a personalidade e a


historicidade do Cristo, no Oriente se diz: ´sem começo, sem fim, sem passado, sem futuro`.
Ou seja, enquanto o cristão subordina-se à pessoa divina e superior, à espera de sua graça; o
oriental sabe que a redenção depende de sua própria obra”. 13

Diante disso, este tópico mostra que o contato realizado entre tais civilizações causou
uma repressão dos instintos, uma ferida, do homem ocidental que ainda deverá levar muito
tempo para ser curada. O psiquiatra e psicólogo faz uma interessante analogia do homem
branco europeu com Amfortas, o rei pescador ferido na virilha pela lança de Longinus – a
mesma que feriu o Cristo. Os anjos confiaram e concederam a honra da guarda dos sagrados
objetos (a lança e o cálice que recolheu o sangue do Justo) para Tituriel, pai de Amfortas, de
quem a lança foi mais tarde surrupiada por Klingsor, o cavalheiro que fazia oposição à
comunidade dos santos guerreiros de Monte Salvat (Monte Saúde). Sua oposição advinha pelo
fato dele não ser admitido na Ordem dos Santos Cavalheiros.

13
id. ibid., página 66
Klingsor, então rouba a lança de Amfortas e o fere na virilha que, em se tratando de
figuras mitológicas, representa a própria humanidade agrilhoada ao sexo. Só depois de
Parsifal ter percorrido todos os arcanos maiores por duas vezes – na primeira vez ele deixa de
fazer a pergunta redentora ao se defrontar com o Graal – nosso cavalheiro tolo-inocente-herói,
na segunda oportunidade, consegue realizar a pergunta e libertar todo o reino da magia de
Klingsor.

Só depois disso ele consegue curar a ferida de Amfortas tocando-a com a lança.
Interessante simbologia e analogia já que apenas, e tão somente, o objeto que feriu será capaz
de curar.

Mas esta é uma outra história que, sem dúvida, mereceria esforços para a redação de
outra monografia, assunto que, no entanto, foge muito de nossos objetivos aqui traçados.

Então, retomando-se a pergunta título deste primeiro capítulo – Ponto de Partida,


Contato ou Choque? – deixemos a resposta aos nossos leitores, lembrando, entretanto, que o
raciocínio global, redondo, oriental caminha em contraponto ao modelo linear e cartesiano
ocidental.

Podemos também destacar que, se por um lado, o homem branco europeu invadiu
fisicamente a China, ele foi invadido interiormente por uma cultura milenarmente superior à
sua, o que lhe valeu a ferida do rei Amfortas, segundo Jung, e que agora se encontra em uma
busca incessante para tornar-se consciente do processo de cura de maneira ampla do
inconsciente de todo o mundo ocidental.

“Há pouco mais de mil anos caímos de um politeísmo cru numa religião oriental,
altamente desenvolvida, que impeliu o espírito imaginativo de semibárbaros a alturas que
não correspondem ao seu desenvolvimento espiritual. Para manter de um modo ou de outro
essa altura, era inevitável que a esfera do instinto tivesse que ser duramente reprimida.
Dessa forma, a prática religiosa e a moralidade assumiram um caráter decididamente brutal,
para não dizer maligno.

Os elementos reprimidos obviamente não se desenvolveram, mas prosseguiram e


ainda prosseguem vegetando no inconsciente, em sua barbárie primitiva... A ferida de
Amfortas e o dilaceramento fáustico do homem germânico ainda não estão curados. Seu
inconsciente ainda permanece carregado de conteúdos que, em primeiro lugar, deverão ser
trazidos à tona da consciência, para que a libertação seja possível”14, escreve Jung.

Em um outro trecho, em sua conclusão sobre este assunto, Jung reconhece que “a
invasão européia do Oriente foi um ato de violência em grande escala e nos legou - ´noblesse
oblige`- a obrigação de compreender o espírito do Oriente. Isto é talvez mais importante para
nós do que parecemos pressentir”.15

14
id. ibid., página 60.
15
id. ibid., página 69.
Capítulo II

Do Tao à Dualidade Primordial

Como dito, em seu âmago, o conhecimento tradicional chinês traz em seus símbolos –
e linguagem próprios – muito conteúdo a que nossas mentes ocidentais ainda não estão
acostumadas, até por questões semânticas e culturais, a discernir e entender.

Como se sabe, todo símbolo abrange além dos objetos palpáveis e visíveis e o que eles
podem significar, o que implica em sentidos ocultos em uma só expressão. Por isso é que a
sua interpretação permite riqueza variada de uma gama de significados que podem implicar
em uma série de associações que não podem ser reduzidas, simplesmente, e definidas em
única direção ou sentido. Aliás, definição, em última análise, significa colocar um fim. E o
símbolo caminha justamente em sentido contrário, ou seja, amplia significados. Em outras
palavras, a interpretação do símbolo depende de quem o interpreta, em qual contexto e em
qual momento se localiza, local, história, cultura, níveis de informação etc.

Polaridade em tudo

Ainda que de certa forma bastante popularizada – e até mesmo banalizada nos últimos
tempos por determinados meios e mídias – a filosofia do Yin e do Yang – as duas energias
opostas, mas complementares – o fato é que se trata, ainda, de uma teoria de difícil
compreensão em toda a sua abrangência e utilizando-se apenas a nossa habitual e linear forma
de raciocínio ocidental.

Afinal de contas, trata-se da polaridade primordial responsável pela construção do


universo e das dez mil coisas, inclusas aí as pessoas, bem como a interpretação da filosofia
dos cinco elementos – Água, Terra, Metal, Fogo e Madeira – que apresentam uma dimensão
bastante ampla e simbólica.

O Tao, em sua forma originária, como explica Wilhelm – que o traduz como ´sentido
do mundo` - consiste “em uma cabeça, que deve ser interpretada como ´começo`, e em um
sinal para ´ir` (ou andar), precisamente em seu duplo significado que implica também o de
´trilho`: além disso, ainda um sinal para ´deter-se` que desaparece na grafia posterior... O
pensamento subjacente é o de que ele, mesmo sendo imóvel, transmite todos os movimentos
outorgando-lhes a lei. Os caminhos do céu são aqueles através dos quais os astros se
movimentam; o caminho do homem é a via pelo qual ele deve andar”.16

Ao tratar da consciência celeste, ou ´luz do céu`, Wilhelm lembra e cita o Mestre Lü


Dsu que dizia: aquilo que é por si mesmo denominamos sentido (Tao).

“O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e
vida não podem ser vistos, estão contidos na luz do céu. A luz do céu não pode ser vista, está
contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do
Grande Uno”.17

Se estabelecermos paralelo com os dias atuais, podemos reconhecer que muito já se


caminhou nesse sentido, sobretudo nos avançados estudos sobre holografia, física quântica
(ora energia, ora partícula material), universos paralelos etc., onde se estabelece que uma
parte – pequena que seja – sempre possui em si o Todo em potencial, em um quantum
suficiente para auxiliar um possível processo de reconstituição após fragmentação.

No entanto, há muito ainda para se marchar diante da necessidade de se ter uma visão
poética do universo capaz de nos permitir adentrar ao hermetismo da linguagem chinesa. Tal,
fato, acreditamos, possibilita chamar a Acupuntura até de Arte Terapêutica – uma arte/ciência,
com absoluta praticidade, indicada para o tratamento de diversos males, inclusive de origem
psíquica, mas unindo a visão da natureza, do cosmos e do homem, em único organismo que é,
a um só tempo, fisiológico e anímico – portanto psíquico – e também espiritual.

Holismo – raiz de holístico – quer dizer a capacidade de sintetizar


unidades em totalidades organizadas. A filosofia oriental reza que o homem é
um todo indivisível, cujos componentes distintos não podem ser considerados
separadamente. Assim como no holograma, qualquer parte de uma imagem é

16
id. ibid., página 92.
17
id. ibid., página 97.
capaz de reconstruir a imagem inteira. Karl Pribam, neurocientista norte-
americano, faz interessante associação analógica do holograma com os
estudos de imagens do cérebro, o que explica que não se pode determinar uma
região exata para a memória, já que a mesma pode estar espalhada por
diferentes regiões do cérebro e que, ao se reconstituir, seria possível
reconstituir o todo. O símbolo funciona como um holograma ao evocar
imagens diversas para reconstituir o todo original, levando em conta pólos
opostos e conceitos diversos.18

Seguindo esta linha de raciocínio, então, pode-se afirmar que o homem representa
simbolicamente todo o universo e a natureza. Ainda que cada parte representada (pessoa) seja
única e individual, a soma delas é sempre diferente do total inicial, acrescida das
características – e experiências, diríamos, principalmente pelas vivências individuais – que
irão auxiliar, sobremaneira, na interpretação dos fatos e da própria vida na história de um
indivíduo. Segundo Soares Amora, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, o termo
indivíduo quer dizer: indiviso; o que não se pode dividir. Portanto, o indivíduo,
analogicamente, é a parte única que não se pode mais dividir.

E é justamente na alma do indivíduo onde se encontram as sedes das duas funções


mais importantes da alma humana: a emoção e o pensamento. Geralmente contraditórias,
portanto com forças distintas, uma vez que uma busca o prazer, enquanto a outra o raciocínio.

Além disso, pode-se também traçar um paralelo analítico (e analógico como dito
acima) com Pathos, enquanto emoção, sensações e sentimentos; e Logos, enquanto raciocínio
lógico e pensamentos. A patologia, então, pode ser encarada como um termo que merece ser
analisado sob a ótica do desequilíbrio entre Pathos e Logos, a emoção e o pensamento,
responsáveis pela vida anímica nesses dois campos de consciência do indivíduo.

18
CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004. A autora é
médica acupunturista e pós-graduada em Psicologia Analítica.
Capítulo III

Dois pólos: antagônicos,

mas complementares

O Yin é feminino, passivo, interno, sombra, mal, obscuro, terra, útero, inconsciente,
analogicamente relacionado a Eros, emoção. Já o Yang é masculino, ativo, externo, vida, luz,
bem, claro, céu, o falo, o consciente, relacionado a Logos, portanto, a razão. Nem um nem
outro tem conceito ou valor de bem ou mal no sentido de avaliação moral ou estética, é
preciso ressaltar. Ambos são pólos geradores do Universo que, aliás, não existiria um sem o
outro, seu oposto-complementar.

E é justamente deste conflito – amistoso, é preciso dizer – gerado por estes opostos é
que surge a fonte da vida e toda a sua diversidade. Vida e construção ou doença, morte e
destruição. É assim que os chineses propõem a resolução dos conflitos mediante uma análise
das enormes possibilidades criativas do relacionamento de ambos os pólos.

Quando o Yin e o Yang se unem, formam o universo – diferente do estágio inicial – a


exemplo do que ocorre com os gametas masculinos e femininos que geram uma criança
autônoma e diferente dos pais, aliás também relacionado à física quântica que trataremos mais
a frente.

Diz o Su Wen, um dos mais antigos livros sobre MTC:

“O Yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a


terra. O Yang corresponde ao movimento e a sua energia simboliza o céu;
portanto, o Yin e o Yang são caminhos da terra e do céu. Como o nascimento,
o crescimento, o desenvolvimento, a colheita e o armazenamento são levados a
efeito de acordo com a regra de crescimento e declínio do Yin e do Yang, então
o Yin e o Yang são os princípios que norteiam todas as coisas”.19

19
– O Livro do Imperador Amarelo - Tradução dos 34 capítulos do Huang Ti Nei Ching Su Wen, Editora
Terceiro Milênio.
Notável no símbolo do Tao ou do Tai Chi (acima), é que não há apenas e tão somente
a presença da polaridade, mas encerra-se também a idéia de que um pólo está contido no
outro, em seu oposto. Além disso, o símbolo do Yin e Yang dá uma clara idéia de movimento
e transformação, portanto, não se trata de algo estático, conforme, aliás, explica o I Ching, o
Livro das Mutações. No estágio máximo do Yin, (extremidade inferior), há a semente do
Yang, e no ponto máximo do Yang (extremidade superior), está a semente do Yin.

Em outras palavras – e em uma clara alusão à analogia já citada – à meia-noite ocorre


o início de um novo dia. E, ao meio dia, há o início de uma nova noite.

Ainda em se tratando do Tao, Wilhelm explica que do Tai Gi (símbolo acima) surgem
os princípios da realidade, o pólo luminoso (yang) e o pólo obscuro ou sombrio (yin). “Os
círculos estudiosos europeus pensaram primeiramente em relações sexuais. No entanto, os
sinais se referem aos fenômenos da natureza. Yin é sombra, portanto o lado norte de uma
montanha e o lado sul de um rio (uma vez que o sol durante o dia ocupa tal posição e faz com
que a montanha vista do sul pareça escura). Yang mostra em sua forma originária pálpebras
pestanejando e é – em relação ao sinal yin – o lado sul da montanha e o lado norte do rio”.20

Entretanto, deve-se destacar que Yin e Yang são só atuantes no domínio do fenômeno
e têm sua origem comum no Uno, sem dualidade, onde Yang é o principio ativo
condicionante e Yin o princípio passivo e condicionado. “Menos abstratos do que Yin e Yang
são os conceitos do criativo e do receptivo que procedem do Livro das Mutações. Eles são
simbolizados pelo Céu e pela Terra. Mediante a união de ambos e através da ação das forças
originárias duais dentro dessa cena (segundo a lei originária uma do Tao) se originam as
´dez mil coisas`, isto é, o mundo exterior”.21

20
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 92
21
id. ibid., página 92.
Capítulo IV

Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar

Como dito anteriormente, a linguagem chinesa utiliza ideogramas que transmitem


´idéias` e pensamentos. E o ideograma que representa Tchi, como os demais, possui diversas
representações e traduções possíveis. De “respiração”, “sopro” e até de “arroz cru” ou “não
cozido”. Para melhor entendermos isso, é preciso recorrer à gênese do Cosmos, a
Cosmogênese, ou seja, a explicação do surgimento do mundo, segundo os chineses.

O ´arroz cru` ou `não cozido`, segundo entendemos, possui a indicação de um


alimento que ainda necessita ser preparado. Trata-se de uma representação bastante profunda
e ampla já que ali, além do processo mecânico de exalar o ar, busca-se também atingir (no
sentido de buscar) a essência que está por trás do ato em si, a essência enquanto ´sopro`.

E é da polaridade original e primordial na criação do Universo – Yin e Yang – é que


surgem os cinco sopros primordiais que irão, depois, ´engendrar` (no conceito filosófico de
criar e manter), os cinco órgãos, as cinco vísceras e, por conseguinte, as cinco matrizes das
emoções que veremos oportunamente. É por isso que, quando se trata de Medicina
Tradicional Chinesa – MTC, o símbolo da escrita é de fundamental importância, cuja leitura e
interpretação dos ideogramas dependem dos indivíduos em questão e da época dos leitores,
conforme já foi dito.

Assim é, por exemplo, com Chen, termo que representa a palavra espírito e os sopros
universais. O sopro enquanto energia celeste, sopro divino, força transformadora, força vital
que engendra cada órgão do ser humano, segundo as suas especificidades.

Um outro conceito, que ainda pode ser destacado para auxiliar a explicar esta ampla
linha de raciocínio, é o do Tchi, ou Qi, que penetra todas as funções do ser vivo e é
responsável pela formação e transformação de toda a vida. Segundo preconiza a Medicina
Tradicional Chinesa – MTC, os padrões de funcionamento do corpo devem ser interpretados
segundo um agrupamento realizado em torno dos cinco elementos – Água, Madeira, Fogo,
Terra e Metal.
É a partir das inter-relações dos cinco elementos e de seus princípios é que resulta a
compreensão das determinações das etiologias das doenças, síndromes e também a
formulação de diagnósticos, bem próprios, diga-se, segundo explica a Medicina Tradicional
Chinesa – MTC.

Além dos cinco elementos, a Medicina Tradicional Chinesa – MTC leva em conta e
trabalha com oito princípios:

Yin

Yang

Profundo

Superficial

Deficiente (Vazio)

Plenitude (Excesso)

Frio

Calor
Capítulo V

Conceitos importantes sobre Energias

Entre as interpretações possíveis – bem como o estabelecimento da cultura oriental da


Medicina Chinesa – MTC e o conhecimento ocidental é preciso destacar alguns conceitos
importantes que devem ser levados em conta, por exemplo, no decorrer da realização da
anamnese pelo terapeuta/acupunturista, tanto na busca da etiologia das doenças, como na
elaboração do diagnóstico e também na especificação da linha do tratamento. A saber:

Oposição – um se opõe a outro, entretanto por intermédio de uma visão que visa o seu
próprio complemento – masculino e feminino, terra e céu, lua e sol, quietude e
movimento, calor e frio etc. – complementado pelo princípio da interdependência.

Interdependência – um não vive sem o outro. Não há dia sem noite, nem sombra
sem luz etc.

Consumo – excesso de um consome o outro.

Exemplo. Fogueira – fogo é yang, mas a lenha é yin. Um aumenta, o outro diminui.

Transformação – Yin transforma-se em Yang e vice-versa – tempestade e calmaria.


Capítulo VI

Patologias Modernas

versus Patologias Antigas

Há cinco mil anos não havia na China microscópios para detectar vírus e bactérias. No
entanto, se falava em energias perversas. Elas podem ser o vento, calor, frio, umidade ou
secura. De acordo com os cinco elementos, Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal que, por sua
vez, também agrupam uma série de determinadas doenças.

Além disso, o conceito de saúde para os chineses tradicionais antigos parte da


harmonia do Yin e do Yang e de seus movimentos, em cinco direções, em cinco elementos ou
símbolos. Os cinco movimentos são chamados de Wu Xing, onde Xing significa o que se
movimenta, os pés que se alternam – direita e esquerda – andar, caminhar, conduzir, agir.
Esses movimentos implicam nos elementos, nas cores, sabores, sons e também nos órgãos,
vísceras e suas funções no corpo e na mente do homem.

Vamos analisar cada um dos cinco elementos, indicando rapidamente o seu


movimento, a direção, imagem, ideogramas, órgãos e vísceras, aspectos, atitudes etc.

Fogo

Movimento: culminar, chegar ao máximo

Direção: multidirecional

Imagem: estouro, imagem de um raio

Ideograma: Huo

Dinâmica: explosão

Órgão: Coração

Víscera: ID – Intestino Delgado

Estação: Verão

Manifestação externa: tez, cor do rosto


Abertura: língua

Aspecto mental/emocional: Shen – espírito, consciência

Atitude: extroversão, comunicabilidade, sedução

Emoção: Alegria

Fatores de adoecimento: hiperexcitação, choques emocionais, bebidas alcoólicas,


alimentos gordurosos, perda de sangue

Madeira

Movimento: para cima, dirige-se ao alto

Direção: brota e cresce. Evoca.

Imagem: algo duro, fixo e linear

Ideograma: Mu

Dinâmica: direção ao alto

Órgão: Fígado

Víscera: VB – Vesícula Biliar

Estação: Primavera

Manifestação externa: unhas

Abertura: olhos

Aspecto mental/emocional: alma, inconsciente, força emocional

Atitude: ação, conquista, planejamento

Emoção: Raiva

Fatores de adoecimento: frustrações, alimentação gordurosa, álcool, raiva contida, irritação

Fogo (C – Coração e ID – Intestino Delgado) e Madeira (F –Fígado e VB – Vesícula Biliar)


são características Yang, portanto, com movimentos para cima e para fora. Água (R – Rim e
B - Bexiga) e Metal (P - Pulmão e IG – Intestino Grosso) – características Yin – apresentam
movimentos para baixo e para dentro.

Metal

Movimento de uma superfície lisa e brilhante

Direção: retorno

Imagem: separação do puro e do impuro, estratificação

Ideograma: Jin

Dinâmica: retração e decantação

Órgão: Pulmão

Víscera: IG – Intestino Grosso

Estação: Outono

Respiração, nariz e intestinos

Manifestação externa: pele e pêlos

Abertura: nariz

Atitude: introspecção, acúmulo, instinto, reflexo

Emoção: Tristeza

Fatores de adoecimento: cigarro, poluição, falta de líquidos, ambientes secos, luto, pesar,
perdas importantes

Água

Movimento que conduz à aproximação e à oscilação em torno de seu eixo

Direção: para baixo

Imagem: regeneração

Ideograma: Shui
Dinâmica: descida

Órgão: Rins

Víscera: B - Bexiga

Estação: Inverno

Clima: Frio

Vitalidade e ancestralidade

Ouvidos e força de vontade

Manifestação externa: cabelos

Abertura: ouvidos

Aspecto mental/emocional: força de vontade e capacidade de adaptação

Atitude: perseverança, coragem e autopreservação

Emoção: Medo, adaptação

Fatores de adoecimento: envelhecimento, doenças crônicas, excesso de atividade sexual,


excesso de trabalho, deficiência de energia hereditária

Terra

Movimento: alto, como um altar que fica no centro do Templo

Direção: multidirecional

Imagem: limite entre o Céu e a Terra – Mundo Interno e Mundo Externo

Ideograma: Tu

Dinâmica: função transmutação, centrar e fixar

Órgão: Baço e Pâncreas

Víscera: E - Estômago

Estação: Verão

Manifestação externa: lábios


Abertura: Boca

Atitude: reflexão, introversão, comedimento

Emoção: Pensamento, Reflexão

Fatores de adoecimento: pensamentos repetitivos, excesso de trabalho, ambientes úmidos e


frios, alimentos crus, alimentação desregrada
Capítulo VII

Ciclos de Geração e Dominância

Conhecidos os cinco elementos – os cinco órgãos e as cinco vísceras – agora é preciso


citar e destacar a importância dos ciclos de geração e de dominância entre eles, fundamental
conceito para que se possa entender o conceito de saúde e de doença, segundo os critérios e o
conhecimento chineses.

Antes porém, é preciso explicar e entender que há os ciclos naturais de geração: água
gera madeira, que gera fogo, que gera a terra, que gera o metal, que gera a água.

Assim, temos:

A água irriga a planta (madeira), que alimenta o fogo, que queima a madeira e deposita
as cinzas – que alimenta a terra – que gera em seu interior os metais e também a água que
brota da pedra e das fontes minerais.

Já o ciclo de dominância implica não apenas no controle, mas, também, no domínio de


um elemento sobre outro, o que, em última instância, impede o crescimento descontrolado de
qualquer um deles.

Desta forma, a água controla o fogo, que controla o metal, que controla a madeira, que
controla a terra, que controla a água.

Simbolicamente temos:

A água apaga o fogo, o fogo forja o metal, o metal corta a madeira, a madeira tira da
terra seus nutrientes para crescer e a terra absorve a água.

E é justamente no jogo e na correlação entre as forças dos ciclos de geração e de


dominância que deve haver um equilíbrio – saúde – e, caso entre em desequilíbrio, ocorre a
doença. Quer dizer, a patologia ocorre quando um elemento agride outro – a água agride a
terra, a terra a madeira, a madeira o metal, o metal o fogo e o fogo agride a água.

É o chamado ciclo de contra-geração e de desorganização interna.


Capítulo VIII

O número Cinco e sua Simbologia

Em chinês, o ideograma para homem é o pentagrama, a estrela de cinco pontas, que


entre outros tantos significados podemos destacar a figura de um homem em pé de braços e
pernas abertos. O quinto ponto é, justamente, a cabeça.

O número cinco também indica dois movimentos e um retorno.

As cinco posições são:

esquerda, direita, alto, baixo e centro

Trata-se de uma interpretação simbólica das posições – e dos eixos – de respeitável


importância para a realização de uma interpretação psicológica.
No eixo horizontal, por exemplo, pode-se fazer uma associação com o mundo interno
e o mundo externo do ser humano. O Eu e o Outro, o que é Self e o não-Self. No consultório,
diríamos nós, este eixo pode ser associado ao paciente deitado na maca. Já no eixo vertical, a
representação recai sobre o mundo da terra e o mundo do céu, as raízes e o crescimento, bem
e mal, corpo e espírito. Novamente no consultório, pode-se fazer uma analogia com o
terapeuta/acupunturista colocando as agulhas em seu paciente.
Na intersecção dos dois, bem no centro, se encontra a figura do homem que está entre
o céu e a terra.

Aspectos importantes
do número três

A importância da tríade, segundo a filosofia chinesa implica em uma série de


interpretações deste número na Medicina Tradicional Chinesa – MTC. De fato, a tríade
permite uma gama enorme de interpretações sintetizadas no corpo, alma e espírito no homem.
Além disso, grande número de religiões tem a tríade como base da sua filosofia e
prática, a exemplo do catolicismo – Pai, Filho e Espírito Santo – os Egípcios – Osíris, Ísis e
Hórus –, Hindus – Brahma, Vishnu e Shiva –, e mesmo na Cabala judaica onde se destaca, na
árvore sefirotal, a tríplice coroa – Kether, Chokmah e Binah, entre outros tantos exemplos.

Simbolicamente podemos dizer que as energias celestes são captadas pela respiração,
enquanto as telúricas pelos alimentos.

E claro está que esta é apenas uma visão simplista deste posicionamento filosófico e
prático como se verá adiante. Muito embora, nem todos autores estudados em nosso curso de
especialização em ciências clássicas chinesas estabelecem essa leituras paralela, conforme é o
caso de René Guénon, como destaca em sua obra A Grande Tríade. Ali o autor alerta,
sobretudo, as diferenças existentes entre ternário e a trindade cristã. “Antes de abordar o
estudo da Tríade extremo-oriental, convém pôr-se, cuidadosamente em guarda contra as
confusões e as falsas assimilações que circulam em geral no Ocidente e que provêm,
sobretudo, de se querer achar, em seja qual for o ternário tradicional, um equivalente mais
ou menos exato da Trindade cristã. Esse erro não é apenas de teólogos, que seriam ao menos
perdoáveis por querer reduzir tudo a seu ponto de vista especial...22”

Embora, mais a frente, e na mesma obra, o próprio Guénon reconheça que é possível
estabelecer comparações, desde que “dois ternários pertencentes a formas tradicionais
distintas é a possibilidade de estabelecer entre eles, de maneira válida, uma correspondência
temo a termo; noutras palavras, é preciso que seus termos estejam entre si, realmente, uma
relação equivalente ou similar”.23

Claro está, portanto, que se ocorre a possibilidade de correspondência – termo a termo


– em nosso modo de entender, se avaliarmos a ´função` de cada elemento em determinado
momento histórico, inclusive da vida dos terapeutas e também dos pacientes, então é possível
estabelecer paralelos então entre Pai, Mãe e Filho com a trindade cristã e a trimurti das
diversas religiões.

22
GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento – Tradução de Daniel Camarinha da Silva, página 13.
23
id. ibid., página 14.
Capítulo IX

Paralelo com a Física Quântica

Para a física quântica, o átomo e os seus componentes ora são partículas sólidas, ora
são ondas. Portanto, não há uma representação única e estanque, pois sua natureza é a própria
transformação, o movimento. Pode-se, em nossa opinião, estabelecer uma certa analogia com
o Yin e Yang, sobretudo se avaliarmos sob o ponto de vista de sombra e luz, matéria e
espírito. A matéria equivaleria, nesta leitura, à partícula (Yin) e o espírito à onda (Yang).

Destarte – e além disto – o moderno e atual modelo subatômico quântico, portanto,


serve como importante auxílio para a nossa compreensão, uma vez que não são, em sua
totalidade, aquilo que representam. Portanto, acreditamos ser justo ampliar a dimensão do
mundo psíquico que está por exigir uma transcendência do pensamento linear e racional, de
modo a tornar-se capaz de promover a possibilidade de se entrar no mundo intuitivo e
holográfico dos símbolos.

Como se vê, a holografia é uma interpretação que demonstra – por intermédio de


figuras e ‘projeções’ de imagens – que se pode partir de cada uma das partes e se chegar ao
todo; no entanto, e ao mesmo tempo, o Todo que chega a transcender a simples soma de suas
partes individuais. Podemos entender aqui como o Todo, por pequeno que seja o elemento ou
a ´coisa em si` como um pequeno Tao que se expressa igualmente em suas pequenas partes.

Analogia e bastante interessante do Tao e da própria humanidade.

Isto porque, seguindo na linha psicológica, para os chineses, o Tchi é aquilo que
movimenta o homem em direção ao mundo, no entanto, é mais do que simplesmente a libido,
conforme o conceito freudiano do termo. O Tchi, segundo os chineses, molda o homem e
pode torná-lo mais ou menos neurótico. Pode tanto libertar, quanto prender.

Assim, o Tchi proporciona também a formação da estrutura psíquica, por ser o homem
o resultado das “impressões energéticas” ao longo da vida, como o amor, a atenção, o vazio, a
falta de contato, a contenção da criatividade etc.
Capítulo X

Fatores de adoecimento, segundo a MTC

A Medicina Tradicional Chinesa – MTC aponta para duas direções para explicar os
fatores de adoecimento: um interno e outro externo.

Entre as causas externas podem ocorrer aquelas tanto por deficiência do sistema de
defesa (imunológico) ou por causa de um indivíduo sofrer muitas agressões do ambiente em
que vive. Elas não são excludentes e podem, inclusive, ser concomitantes.

Variam muito, de caso para caso, de indivíduo para indivíduo.

Em se tratando dos fatores internos podemos destacar a estrutura genética e


hereditária, bem como outros pontos que devem ser levados em conta, como o modo de vida e
também como a pessoa lida e convive com os seus próprios sentimentos. Em se tratando dos
fatores externos, pode-se citar o clima, as estações e o meio ambiente. Também se deve
considerar ainda que se pode adoecer no físico, na mente ou em ambos.

Nesta linha de raciocínio devemos lembrar que a partir do surgimento da medicina


psicossomática – e também das terapias com abordagem corporal no Ocidente – passou-se a
acreditar que as doenças físicas como gastrites, doenças articulares, cefaléia, doenças
intestinais e até mesmo o câncer teriam como base alterações emocionais. É fato que ocorreu
até um certo exagero neste sentido, uma vez que uma pessoa pode apresentar gastrite sem ser
nervosa, ou desenvolver um câncer sem ser uma pessoa ressentida ou muito magoada. O fato
é que pessoas bem resolvidas sob o ponto de vista emocional também podem ter câncer,
obesidade, gripe, dor etc.

No entanto, é preciso ressaltar, segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, os


fatores causadores da doença podem agir de forma diferente em um corpo mais frágil ou em
um mais fortalecido. A abordagem de que a saúde depende de inúmeras interações possíveis
entre o ambiente, emoções, alimentação, estilo de vida e inevitável vulnerabilidade do ser
mostra que na condição humana também se deve incluir a doença e a morte.

É por isso que há tipos de doentes que têm apenas doenças mentais e outros, somente
doenças físicas, uma abordagem, no entanto, que deve ser cuidados para não cindir, uma vez
mais, corpo e mente, dois aspectos de um mesmo organismo que não podem ser divididos, ou
separados.

Outro fato importante levado em conta pelos chineses é que o equilíbrio entre Yin e Yang,
entre o indivíduo e o meio não é estático, mas dinâmico como a própria natureza. No processo
de adoecimento leva-se em conta:

• Redução da energia vital e do Tchi correto quando o corpo não possui resistência
adequada para defender-se.

• Excesso de agentes patogênicos – também chamados de energia perversa ou Xué.

O desequilíbrio que leva à doença depende da interação entre o ´correto` e o


´perverso`. O Tchi correto depende de alguns fatores como:

• Alimentação.

• Resistência adquirida por treinamento (exercícios).

• Constituição física (hereditariedade).

• Meio circunvizinho (estabilidade ambiental).

• Estado mental.

Fatores de adoecimento externos

Entre estes fatores ressaltamos as alterações no clima, as estações do ano, vírus,


bactérias e aos chamados seis excessos como Vento, Frio, Calor ou Fogo, Umidade, Secura e
Canícula. Sabe-se que, quando o homem é capaz de se adaptar às variações climáticas, os
fatores externos não são considerados patogênicos. Caso contrário, ele adoece.

Por isso, a importância de identificar cada doença em cada pessoa examinando cada
paciente como único, com sua história, que exige exame físico, de língua, pulso etc. No livro
O Físico, o autor, Noah Gordon, traça a história romanceada da medicina. No texto, cita
Avicena – que alguns julgam como figura lendária, outros, entretanto, admitem e apostam que
ele de fato existiu. O importante nesta monografia e destacar uma frase que li no livro de
Gordon e que me marcou muito, então de autoria de Avicena, o ´Príncipe dos Médicos`
dirigida aos estudantes de medicina: “Os pulsos não mentem jamais”, disse ele.

Uma frase de efeito, curta, objetiva e absolutamente correta. Afinal, um paciente pode
dissimular um sentimento, uma emoção, ocultar ou tentar esconder um sintoma do terapeuta,
disfarçar um sinal do médico, do analista etc. No entanto, quando se apalpam os pulsos, as
batidas revelam até mesmo o indizível, o escondido, o oculto, e permite um diagnóstico
próprio da Medicina Chinesa e especialmente para a Acupuntura.

Para se medir o pulso, com os três dedos – indicador, médio e anular – de ambas mãos
– o médico/terapeuta/acupunturista ´mede` uma série de órgãos, avaliando se estão,
basicamente, excitados ou enfraquecidos. O Acupunturista mais experiente é capaz de avaliar
mais detalhes em cada um desses estágios. No entanto, para não sairmos do foco dessa
questão, é importante citar os órgãos avaliados numa tomada de pulso que antecede a
aplicação das agulhas.

Ao todo são 12 funções avaliadas:

Intestino Grosso e Pulmão

Estômago e Baço Pâncreas (para os chineses os dois órgãos formam um meridiano)

Triplo Reaquecedor e Circulação e Sexualidade *

Intestino Delgado e Coração

Vesícula Biliar e Fígado

Bexiga e Rim

Fatores de adoecimento internos

Referem-se às emoções, fato que faz parte integral da vida humana. Quando muito
intensas, ou porque permanecem por longo período, podem tornar-se fatores de adoecimento,
uma vez que podem gerar desarmonia nos órgãos e vísceras. Assim como as desarmonias nos
órgãos e vísceras também geram emoções alteradas e distorções da realidade. Assim, um afeta
o outro, assim como o Yin afeta o Yang e vice-versa. As principais emoções estudadas na
MTC são: alegria, raiva, tristeza, pesar, preocupação, medo e choque.

Nem externos, nem internos

Há uma gama variada que a MTC leva em conta como alimentação, ocupação,
excessos em geral, de trabalho, de exercícios físicos, de relações sexuais, sem contar os
traumas e epidemias.
Capítulo XI

Entidades Viscerais

“O coração é, segundo a concepção chinesa, a


sede da consciência emocional, que é despertada através
da reação emotiva dos cinco sentidos para as impressões
do mundo exterior”,24 Wilhelm.

Não se pode estudar o aspecto alquímico da Medicina Tradicional Chinesa – MTC


sem estudar as entidades viscerais: Shen, Hun, Po, Yi e Zhi. São estas entidades, assunto de
grande importância para o entendimento da psicologia e da alquimia em se tratando ao que
dizem os textos clássicos chineses, que tornam possíveis não apenas utilizar os seus conceitos
para o diagnóstico, como também para o tratamento dos pacientes com queixas psicológicas.

Por intermédio da anamnese e do diagnóstico de excessos ou insuficiências de


determinado órgão (ou função e, conseqüentemente, ´entidade visceral` que engloba também
associações entre funções), bem como de sua representação psíquica é possível determinar
quais as melhores linhas de tratamento que devem ser seguidas.

Sem aprofundar-se neste estudo – aqui caberia outra monografia – destacaremos,


rapidamente, o que representa cada uma delas, sem esquecer que todas representam a
consciência (Shen, que é o grande maestro) e os aspectos da alma, da intenção, do
pensamento, dos instintos, vontade de viver, entre outras.

Abaixo, um resumo das colocações, aspectos e características das denominadas


entidades viscerais:

Shen é o espírito, a consciência, ligado ao elemento Fogo, ao verão, também


com a claridade e a expansão. Também responsável pela razão, poder de
síntese, inteligência global com influência direta sobre as demais entidades

24
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 94
viscerais. O Shen individual é o que a pessoa recebe no céu anterior (antes da
concepção).

Hun é a alma, Madeira, primavera, ascensão, abertura e crescimento.


Imaginação e condicionamento. Memória rápida e não discriminativa como
ocorre em Yi.

Po é a alma corporal, Metal, outono, movimento de descida e recolhimento.


Autopreservação, preservação da espécie e sexualidade.

Yi, raciocínio e lógica, Terra, movimento de centrar ou dar referência. Intuição


e memorização, aprendizado consciente necessário para o amadurecimento do
ser humano.

Zhi, elemento Água, inverno, força e vontade de viver. Determinação do

prazer, vontade de realizar as tarefas. Disfunções – sentimento de culpa =

destrutivo e autopunição

O Hun está ligado ao Fígado e tem características associadas ao movimento e ao fluxo


de energia. Pode-se analisar como é a expressão do paciente (ou como está em determinada
fase da vida) mediante a análise do funcionamento deste órgão e a presença deste elemento
em seu quadro geral.

Ligado aos sonhos e a capacidade de planejamento e de traçar objetivos na vida, esta


entidade visceral também é responsável pelo inconsciente, pelos sonhos, arquétipos e
fantasias.

O Hun é o que separa e distingue o que é prazer de desprazer e nos mobiliza em


função do primeiro. Ligado diretamente aos músculos e à tensão ou relaxamento, essa
função/órgão (e entidade visceral) relaciona-se também às couraças conforme especificou
William Reich.

O Hun também está ligado com a agressividade e o olho é a sua expressão. Assim, o
olhar do paciente deve ser analisado pelo médico/terapeuta para avaliar este importante item
durante a anamnese inicial e em todas as demais sessões de tratamento.

Po é a camada mais primitiva da consciência instintiva e também chamada de alma


corporal. Reações de luta e fuga, ataques de pânicos ou impulsivos, além dos controles
esfincterianos são realizados por esta função. Aloja-se no Pulmão, fonte de energia do ar
(energia celestial) que gera a energia suficiente para a queima dos alimentos e sua distribuição
pelo corpo todo. É o espírito estruturante que condensa a energia para a formação de cada ser.

Dá a orientação para a manutenção da vida – necessidades de alimento, sono,


preservação de perigos (instintos) – e ajuda na estruturação também da consciência do Ego.
Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o Po, ligado também à pele. Helena
Campiglia 25 estabelece ligações do Po com o Id da psicanálise e ao cérebro reptiliano.
Atitudes como explosões, sustos, sobressaltos, reações espontâneas, irracionais ou instintivas
estão ligadas ao Po.

A entidade visceral Yi está ligada com a intenção e a ideação, sugestão, opinião, idéias
e pensamentos. Relacionada ao meridiano Baço-Pâncreas, esta função dá lucidez ao
pensamento e à consciência. É a compreensão, o julgamento e pode proporcionar a sabedoria.
Não à toa, representa o centro.

Doenças psicológicas como a bulimia e a anorexia também estão relacionadas aos


distúrbios do meridiano Baço-Pâncreas. Também as memórias corporais estão intimamente

25
CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004
ligadas a essa função que guarda as imagens, ideais e as intenções. Inspiração e criatividade,
pensamentos e a capacidade de decorar – memória – estão relacionadas ao Yi.

Pensamentos obsessivos são desequilíbrios dessa função. Por excesso. Quando há


deficiência, a pessoa não consegue se concentrar (ou tem dificuldades) de memorizar ou ter
raciocínio lógico. A astenia mental também está inclusa nessa entidade visceral.

Zhi pode ser traduzido como a força de vontade ou a capacidade de realização. Gera o
movimento do Tao, portanto é a base do funcionamento do Shen. Aloja-se nos Rins, órgão
responsável pela energia ancestral, também chamada de “bateria do corpo”. Pode-se, entre
outras maneiras, avaliar como está a função de um indivíduo, analisando sua capacidade de
realizar projetos e de concretizar idéias.

Alterações do Zhi podem gerar medo, sentimento de inferioridade, timidez,


desconfiança e, no pólo oposto, sentimento de superioridade, autoritarismo e falta de limites.
Também se relaciona aos objetivos, intensidade e direcionamento da atenção e energia nos
projetos de vida.

A tabela abaixo estabelece algumas relações entre entidades viscerais e reações


emocionais.

Entidade Meridiano Excesso Insuficiência

Yi Baço Calma excessiva, Falta de memória, esquecimento


tranqüilidade exagerada, freqüente, ansiedade
Pâncreas
fixação no passado, idéias crônica, falta de desejo e
fixas, pode virar obsessão desgosto
Shen Coração Excitação mental, alegria Abatimento, timidez, muitas
exagerada, riso constante e queixas, incapacidade de
CS
exagerado esforços físicos e mentais

Hun Fígado Cólera, raiva, ira e Falta de imaginação, de


irritabilidade concentração, de coordenação
de idéias, falta de iniciativa

Zhi Rins Autoritarismo, temeridade, Indecisão, medo, angústia,


pode gerar hiperplasia de aperto no peito, ausência de
próstata propósitos, fraqueza de caráter

Pó Pulmão Agressividade seguida de Desinteresse total, perda do


tristeza, (bi-polar), obsessão instinto de conservação,
pelo futuro, romântico nas expõe-se a riscos
artes desnecessários
Capítulo XII

Shen – o Espírito

Segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, o Shen forma-se no momento da


união do óvulo com o espermatozóide, do encontro da energia da mãe com a energia do pai,
quando se forma um novo ser, uma nova consciência. É da união da essência (Jing) dos pais
que cada órgão formado terá uma parte do Shen. A força do Shen depende da força da
essência dos pais, representada, sobretudo, no encontro primordial do Yang (pai) com o Yin
(mãe).

Assim, o Shen é responsável pela mente e por suas funções como vigília, percepção,
alerta, julgamento, interpretação, associações, memória, inteligência cognição, capacidade
exploratória, domínio dos impulsos, sono, insighths, juízo, humor, conhecimento, assimilação
de experiências, criatividade, armazenamento e uso das informações, autoconhecimento e
evolução.

Pulmão – Po

Baço – Yi

Rim – Zhi

Fígado – Hun

Coração – Shen

A caracterização em cada órgão e víscera do Shen realmente ocorre, mas é preciso


ressaltar que o Shen também é a capacidade de síntese de todas elas, além de origem
energética. Em outras palavras, o Shen está ligado à consciência individual e coletiva das
pessoas, além de ser a única ´entidade visceral` capaz de atuar e interferir nas demais.

“O que é espírito? O espírito (Shen) não pode ser escutado nem


ouvido. O olho deve ser brilhante de percepção e o coração deve ser aberto e
atento para que o espírito se revele subitamente pela consciência de cada um.
Não se pode exprimir pela boca, só o coração sabe exprimir tudo quanto pode
ser observado. Ao se prestar muita atenção, pode-se saber subitamente, mas
também se pode perde de repente esse saber. Mas Shen, o espírito, torna-se
claro para o homem como se o vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala
dele como espírito”.

Capítulo 26 do Su Wen, pertencente ao Nei Ching – a Bíblia dos


Acupunturistas
Segunda Parte
Capítulo XIII

Apêndices Psicológicos à chinesa

“O corpo é animado pela participação conjunta


de duas estruturas anímicas: 1. hun, que eu traduzi por
animus, uma vez que pertence ao princípio Yang e 2. po,
traduzido por anima, uma vez que pertence ao princípio
Yin. Ambos são representações obtidas mediante a
observação do processo da morte, tendo o sinal
característico do demônio do morto (gui)” 26 , escreve
Wilhelm.

Jung, colega e co-autor junto com Wilhelm do livro O Segredo da Flor de Ouro,
acredita ser adequada esta tradução uma vez que o caractere hun é composto do sinal ´nuvens`
associado ao sinal ´demônio`. Portanto, ´demônio das nuvens`, é um princípio, o sopro da
alma que pertence ao Yang, portanto masculino. “Após a morte, hun se eleva e se torna Shen,
´espírito ou deus que se expande e manifesta`”27, diz Jung.

Já a anima, chamada de Po, se escreve com caracteres correspondentes a ´branco` e a


´demônio`, portanto o ´fantasma branco`, que pertence ao Yin, à alma corporal, inferior e que
é feminina. “Após a morte, ela desce tornando-se ´gui`, demônio freqüentemente chamado
´aquele que retorna `( à terá): o fantasma ou espectro”28, escreve Jung.

Destarte, animus e anima na concepção chinesa se separam após a morte, seguindo


cada qual o seu próprio destino. “O animus está no coração celeste; de dia, mora nos olhos
(isto é, na consciência) e, de noite, sonha a partir do fígado”.

26
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 94
27
Página 52
28
Id. Ibidem
A anima, pelo contrário, é ´a força do pesado e turvo`, presa ao coração corporal,
carnal. “Suas atuações (efeitos) são os ´desejos carnais e os ímpetos de cólera`”29, escreve
Jung.

Aqui se pode recorrer a uma outra diferença fundamental entre as culturas oriental e
ocidental na concepção filosófica e religiosa entre ambas civilizações (conforme assunto
tratado em capítulos anteriores) que é a doutrina yoga chinesa a qual rejeita os conteúdos da
fantasia, assim como nós, ocidentais. Porém, por motivos diferentes.

“No Oriente, imperam concepções e doutrinas que permitem a plena expressão da


fantasia criadora; lá, é necessário proteger-se contra seu excesso. Nós, pelo contrário,
consideramos a fantasia como um pobre devaneio subjetivo. As figuras inconscientes não
aparecem, naturalmente, de um modo abstrato, despojadas de todo ornamento.

Pelo contrário, elas são engastadas e entrelaçadas num véu de fantasias, de um


colorido surpreendente e de uma perturbadora plenitude. O Oriente pode rejeitar essas
fantasias, porque há muito que já tirou seu extrato, condensando-as nos ensinamentos
profundos de sua sabedoria. Nós, porém, não experimentamos tais fantasias uma só vez, e
tampouco extraímos sua quintessênia. Ainda temos de recuperar uma larga faixa de vivências
experimentais e somente então, quando houvermos encontrado o conteúdo sensato na
aparente insensatez, poderemos separar o que é valioso daquilo que não tem valor.
Estejamos seguros de que a essência que extrairmos de nossas vivências será diversa da que
o Oriente hoje nos oferece”, escreve Jung.30

29
Id. Ibidem
30
Idem, Página 56
Capítulo XIV

O Porque de Jung

“A alquimia encontra-se no limiar da religião e da


ciência e é a mãe da química. Surge como produto
da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega”.

Fátima Brazão

Alquimia procede da palavra árabe Kimyâ (pedra filosofal). Em grego Khyméia – quer
dizer mistura de vários líquidos. Podemos destacar, entretanto, que a palavra ´curar`
significava, originalmente, ´serviço a Deus`, portanto, a cura ocorria num contexto sagrado.
Na Grécia, os pais da alquimia foram os filósofos pré-socráticos tais como Empedócles,
Thales de Mileto, Zénon de Eléa, Heráclito, Demócrito, Zózimo de Panápolis.

No trabalho, “Alquimia – Um processo de transformação da Alma”, a psicóloga


junguiana Fátima Brazão ressalta que a grande busca humana é encontrar um significado de
existir, “e a procura de um sentido para o mundo e o universo que equivale à busca para um
sentindo de si mesmo”. Em seu trabalho, Brazão lembra que a psique conta com um princípio
estruturador que unifica os conteúdos arquetípicos, o que Jung denominou de Self ou Si-
Mesmo.

“O Self é o centro ordenador e unificador da psique total (consciente e inconsciente),


assim como o eu é o centro da personalidade consciente ou ego”31.

Brazão lembra que Jung observou a existência de uma meta, uma direção, uma
finalidade na psique em direção ao Self. “A esse processo ele designou de Individuação, que
significa tornar-se uno”. Em linguagem chinesa, podemos recorrer ao caminho de retorno ao
Tao. Esta é uma das razões porque damos especial ênfase ao que Jung falava por ser o
médico, psiquiatra e psicanalista ocidental que mais se aproximou dos estudos relativos à
Alquimia oriental e ocidental.

31
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
“Cedo percebi que a psicologia analítica coincidia de modo bastante singular com a
alquimia... Foi, com efeito, uma descoberta marcante: eu encontrara a contraparte histórica
da minha psicologia do inconsciente. A possibilidade de comparação com a alquimia, bem
como a cadeia intelectual ininterrupta que remontava ao Gnosticismo, davam-lhe
substância... todo o procedimento alquímico pode muito bem representar o processo de
individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de
importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo
alquímico”32.

Ainda seguindo nossos estudos no trabalho de Brazão, encontra-se uma reflexão


interessante. “A alquimia encontra-se no limiar da religião e da ciência e é a mãe da química.
Surge como produto da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega. O patrono desta arte
é o Deus egípcio Toth, divindade da sabedoria que fora posteriormente identificado pelos
gregos como Hermes, para os latinos Mercúrio”. Destarte, os egípcios desejavam assegurar a
imortalidade por intermédio da técnica e magia. Assim, mumificavam seus mortos para se
tornarem divindades cósmicas, Queriam ser um com o universo. Eles acreditavam que o
espírito caiu na matéria e que precisavam libertá-lo.

32
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
Capítulo XV

Alquimia, pela Alquimia mesma

O processo clássico do trabalho dos alquimistas era criar uma substância transcendente
e miraculosa conhecida como o ´Elixir da Longa Vida`, percorrer o caminho da busca da
Pedra Filosofal. O procedimento, em primeiro lugar, era tentar descobrir qual o material
adequado, a chamada Prima Matéria, depois submetê-la, em seguida, a uma série de
operações que a transformariam em pedra filosofal.

Quando nos referimos aos estados mitológicos, que tratam da evolução da consciência,
cada um deles tem uma referência aos quatro elementos e com a própria operação alquímica.

Desta forma temos:

Calcinatio é a operação do fogo;

Solutio – a da água;

Coagulatio – a da terra;

Sublimatio – a do ar.

Comentaremos, a seguir, brevemente cada um deles:

Calcinatio

A calcinação envolve intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água e


todos os demais elementos passíveis de volatilização. Resta um fino pó seco, cinza branca.

São simbolizados por intermédio de três níveis de Fogo na alquimia ocidental: o Lobo,
o Leão e o Rei.
“Jung demonstrou que o fogo simboliza a libido, nesse sentido o lobo representa o
desejo e os instintos; o Leão é o impulso egocêntrico objetivo e o Rei é a consciência
objetiva”33.

Solutio

Em termos essenciais, esta é a operação que transforma um sólido em estado líquido.


O sólido desaparece no solvente, como se tivesse sido engolido. Solutio, então, significa o
retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – isto é, à Prima
Matéria. Se se considerarmos a água como o útero, a solutio é uma espécie de retorno a ele,
no entanto, com interpretação aqui de um ´renascimento`.

Já em se tratando do processo de transformação da consciência, isto ocorre quando os


aspectos fixos e estáticos da personalidade não admitem mudanças. O inconsciente coloca em
questão as atitudes estabelecidas do ego.

Uma receita alquímica de solutio diz :

“Dissolve então sol e lua em nossa água solvente, que é familiar e amigável, cuja
natureza mais se aproxima deles, como se fosse um útero, uma mãe, uma matriz, o princípio e
o fim de sua vida. E esta é a própria razão pela qual eles são melhorados ou corrigidos nesta
água, porque o semelhante se rejubila no semelhante...

Assim, convém te unires aos consangüíneos ou aos de tua espécie... E como sol e lua
têm sua origem nesta água, sua mãe, é necessário, portanto, que nela voltem a entrar, isto é ,
no útero de sua mãe, para que possam ser regenerados ou nascer de novo, e com mais saúde,
mais nobreza e mais força.”( Secret Book of Artephius)34

A solutio, de fato, tem duplo efeito: provoca o desaparecimento de uma forma e


também o surgimento de uma nova, desta vez, regenerada. Psicologicamente, é o sentido de

33
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
34
Idem.
que o velho princípio dirigente, que passou pela solutio, pede para voltar a ser coagulado
numa nova forma e com uma certa quantidade de energia à sua disposição.

De certa forma, o batismo tem o antigo significado da provação pela água. Significa
uma conversão total, na morte da velha vida e o renascimento de uma outra pessoa na
comunidade de crentes religiosos.

No batismo cristão, o indivíduo é unido com Cristo; quer dizer, vincula-se o ego com
o Si-Mesmo.

Lao Tsé descreve:

“O melhor dos homens é como a água.

A água a todas as coisas beneficia.

E com elas não compete.

Ocupa os (humildes) locais vistos por

todos com desdém.

Nos quais se assemelha ao Tao.

Em sua morada ama a terra.

Em seu coração, ama a profundidade.

Em suas relações com os outros, ama a paz;

No trabalho, ama a habilidade;

Em suas ações, ama a oportunidade.

Porquanto não querela,

Vê-se livre de reparos”

Já Jung, diz: A análise e a interpretação dos sonhos confronta o ponto de vista da consciência
com as declarações do inconsciente, com o que lhe amplia o horizonte limitado. Esse
afrouxamento de atitudes rígidas e restritas corresponde à solução de elementos pela aqua
permanens”35.

35
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
Para o professor Henrique José de Souza, ilustre conhecedor das ciências de todas as
Idades, diz em um de seus escritos que não são os remédios que curam, mas o magnetismo
que se estabelece entre o médico e o paciente36.

Coagulatio

A coagulatio pertence ao simbolismo do elemento terra. Refere-se, portanto, à


experiência no laboratório onde o resfriamento transforma um líquido em sólido. Em termos
essenciais, a coagulatio é o processo que transforma as coisas em terra. “Terra”, por
conseguinte, é um dos sinônimos de coagulatio.

“Pesada e permanente, tem forma e posição fixa. Não desaparece no ar por meio da
volatilização, nem se adapta facilmente à forma de qualquer recipiente, ao contrário da
água. Psicologicamente, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada
particular - isto é, tornar-se algo ligado a um ego”37.

Fátima Brazão, em seu trabalho, explica que nos mitos este processo aparece na
imagem pela ação (mergulho, batedura, movimento em espiral). “O Turba Philosophorum dá
a seguinte receita: Toma o mercúrio, coagula-o no corpo de Magnésio, no chumbo ou no
Enxofre que não queima etc.”

Sob o ponto de vista psicológico, a coagulatio significa que o Espírito fugidio de


Mercúrio é o espírito autônomo da psique arquetípica. “Significa nada menos que ligar o ego
com o Si-Mesmo, realizar a individuação. A assimilação de um complexo é, portanto, uma
contribuição a coagulatio do Si-Mesmo”, escreveu Brazão, ao estabelecer as seguintes
analogias em seu trabalho:

Atribuíam três agentes da coagulatio: o magnésio, o chumbo e o enxofre.

1. O Magnésio que significava vários minérios metálicos crus ou misturas impuras.


Psicologicamente, isto pode ser uma referência à união do transpessoal com a
realidade humana corriqueira.

36
Id. Ibidem
37
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
2. O Chumbo é pesado, sombrio e incômodo. É associado ao planeta Saturno, carrega as
qualidades de depressão, melancolia e da limitação. Assim sendo, o transcendente
deve vincular-se com a pesada realidade e com a limitação das particularidades
pessoais. Isso ocorre quando o indivíduo assume responsabilidade pessoal pelas suas
fantasias. É diferente da idéia pensada e a falada.

3. O Enxofre tem sua cor amarelada e seu caráter inflamável o associa ao sol. Por outro
lado, seus vapores têm mal cheiro e escurecem a maioria dos metais, é representado
como uma característica do inferno. Jung em Mysterum Coniunctionis, sintetiza o
enxofre:

“O enxofre constitui a substância ativa do sol ou, em linguagem psicológica, a força


impulsionadora da consciência: de um lado, a vontade, melhor concebida como um
dinamismo subordinado à consciência; do outro, a compulsão, uma motivação ou impulso
involuntário, que vai desde o simples interesse até a compulsão propriamente dita.

A compulsão é o grande mistério da existência humana. É o cruzamento da nossa


vontade consciente e da nossa razão por uma entidade inflamável que esta dentro de nós,
manifestando-se ora como um incêndio destruidor, ora como um calor que gera vida”,
escreve Fátima Brazão.

Sublimatio

Sublimatio é a operação que pertence ao ar, transformando os materiais por intermédio


da elevação e volatilização. O sólido, ao ser aquecido, passa diretamente para o estado gasoso
e sobe até a borda do vaso, onde volta a assumir o estado sólido na região superior, mais fria.
A destilação é um processo em que o líquido se torna vapor ao ser aquecido e volta a
condensar-se.

Desta forma, “o termo “sublimação” vem do latim sublimis, que significa “elevado”.
A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior torna-se algo
superior. Todas as imagens referentes ao movimento para cima, escadas, degraus,
elevadores, alpinismo, montanhas, voar, e assim por diante- pertencem a esse simbolismo.
Em termos psicológicos isso corresponde a uma forma de lidar com um problema
concreto”38. Por isso é que nas imagens da alquimia a sublimatio aparece como aquilo que sai
da terra e é transportado para o céu.

É a fase descrita como purificação. Quando são misturados num estado de


contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser purificados pela separação. O
simbolismo da sublimatio permanece no cerne de todos os esforços humanos voltados para o
desenvolvimento. Afinal, tudo aquilo que evoca nossos melhores aspectos de nossa natureza,
“mais elevada” é, com efeito, toda a moralidade, ética e partilham do conjunto de imagens
vinculado a ela.

Mortificatio

Segundo Jung, a opus alquímica tem três estágios: nigredo, albedo e rubedo: o
enegrecimento, o branqueamento e o avermelhamento. A nigredo, ou escurecimento, pertence
à operação denominada de mortificatio. Significa, literalmente, “matar”, sendo pertinente,
portanto, à experiência da morte. É a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao
negrume, à derrota, à tortura, à mutilação, ao apodrecimento. Todavia, estas imagens
sombrias com freqüência levam a imagens de crescimento e ressurreição.

“Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra. Em nível pessoal é positivo


ter consciência do próprio mal, porque a negrura é o começo da brancura”. De acordo com
a lei dos opostos, uma intensa consciência de um dos lados constela seu contrário. A partir
do negrume, nasce a luz”39.

Separatio

Considerava-se como a prima matéria um composto, mistura de componentes que são


indiferenciados e opostos entre si e que requeria um processo de separação. A mistura passa,
então, por uma discriminação de suas partes e componentes. Produz-se a ordem a partir da
confusão em um processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos da
criação.

38
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
39
Idem.
Aliás, o primeiro ato da criação é, portanto, a separação do casal divino, Pai Céu e
Mãe Terra, que os afasta o bastante para que seja criado um espaço para o resto da criação. Na
tradição chinesa, do Tao surgem o Yin e o Yang. Em termos psicológicos, o resultado da
separatio pela divisão em dois é a consciência dos contrários.

“Desta forma, a separatio é o elemento que dá ensejo à existência consciente e a


separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não eu; esse é o primeiro par de opostos”40.
Na medida em que os opostos permanecem inconscientes e não-separados, vivemos num
estado de participation mystique, já tratado anteriormente e que significa a identificação com
um dos lados de um par de opostos e a projeção de seu contrário como um inimigo. “O
espaço para a existência da consciência surge entre os opostos, o que significa que nos
tornamos conscientes de sermos capazes de conter e de suportar os opostos em nosso
interior”.

A criação por intermédio da separatio também é descrita como divisão em quatro (os
quatro elementos). O motivo desta divisão corresponde, em termos psicológicos, à aplicação
das quatro funções do ego. “São elas: a sensação que nos dias quais são os fatos; o
pensamento, que determina os conceitos gerais em que os fatos podem ser situados, o
sentimento, que nos diz se gostamos ou não dos fatos; à intuição, que sugere a possível
origem dos fatos, aquilo para onde podem levar e os vínculos que podem ter com outros fatos
e apresenta possibilidades, e não certezas”41.

Ainda sob o ponto de vista psicológico, Brazão lembra que as características ligadas à
separatio são: Logos-Cortador, espadas, facas, lâminas bem afiadas. O Logos é o grande
agente de separatio, aquele que traz a consciência e exerce poder sobre a natureza – interior e
exterior – graças à sua capacidade de dividir, nomear e categorizar. Ao separar os opostos, o
Logos traz clareza; mas, ao torná-lo visível, evidencia também o conflito. No texto do
Evangelho, podemos encontrar : “Eu não vim trazer a paz, mas uma espada...” Jesus: “Talvez
os homens pensem que eu vim para trazer paz à terra. Eles não sabem que eu vim para
trazer discórdia...” Um processo de separatio pode ser anunciado pelo aumento do conflito e
do antagonismo num relacionamento antes amigável. Isso será provável, em especial, se o
relacionamento for o de identificação inconsciente.

Um outro importante aspecto da separatio é vinculado ao termo “extractio”. A


extração é a separação entre a parte essencial e seu corpo. E preciso extrair o espírito da

40
Id., herdem
41
Id., herdem
matéria, alma do corpo. Isto representa, sob o ponto de vista psicológico, à retirada de uma
projeção, normalmente seguida pela mortificatio.

O produto da purificação da terra é a chamada “terra branca foliada”. Esta é então


unida ao “sol” purificado ou ao princípio do “ouro” pela receita: “Semeia teu ouro na terra
branca”. Os dois protagonistas – Sol e Lua, marido e esposa, terra e espírito – representam
todos os pares de opostos. Devem ser purificados por inteiro da contaminação mútua, o que
significa um diligente e prolongado escrutínio dos próprios complexos de cada pessoa.
Terminada a separatio, os opostos purificados podem ser reconciliados na coniunctio, que é
o alvo da opus. “Só pode se unir aquilo que foi devidamente separado.”42

Coniunctio

A coniunctio é o ponto culminante da opus. Destarte, os alquimistas ocidentais


chegaram a testemunhar em seus laboratórios exemplos variados de combinações químicas e
físicas, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira com propriedades distintas,
uma espécie de conjunção entre homem e mulher.

Este fato forneceu diversas imagens para a fantasia alquímica.

“Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é


aconselhável distinguir duas fases: uma inferior e uma superior. A coniunctio inferior é uma
união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou
discriminadas. É sempre seguida pela morte ou mortificatio. A coniunctio superior, por outro
lado, é o alvo da opus, a suprema realização. A experiência da união é quase sempre uma
mistura dos aspectos inferiores e superiores. Todavia útil distinguir entre os dois para
propósitos descritivos. A união dos opostos que foram separados de maneira imperfeita
caracteriza a natureza inferior”.

É justamente o objetivo da opus a criação de uma entidade miraculosa que recebe


vários nomes como “Pedra Filosofal”, “Nosso Ouro”, “Água Penetrante”, “Tintura” etc. Sua
produção resulta da união dos opostos purificados, e como combina os opostos, retifica toda
unilateralidade.

Descreve-se a Pedra Filosofal como: “uma pedra que tem o poder de amolecer todos
os corpos duros e de endurecer todos os corpos moles”, a pedra com Sapientia Dei que diz de
42
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
si mesma: “Eu sou a mediadora dos elementos, que faz um concordar com o outro; aquilo
que é quente torno frio, e vice-versa, aquilo que é seco torno úmido e vice versa, o duro em
mole. Sou o final e o meu amado é o começo. Sou toda a obra, e toda a ciência oculta-se em
mim”43.

Também o termo “Pedra Filosofal” é a união de opostos. A filosofia, o amor pela


sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura
e crua. Assim, o termo sugere algo como a eficácia prática e concreta da sabedoria ou da
consciência.

Jung descreve o seguinte, sobre este assunto:

“Eros é um kosmogonos, um criador e pai-mãe de toda consciência superior. Por


vezes sinto que as palavras de Paulo –“ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos
anjos, mas não tivesse amor” – podem muito bem ser a primeira condição de todo o
conhecimento e a quintessência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da
frase “Deus é amor”, as palavras afirmam o complexo oppositorum da cabeça de Deus....

Somos, no sentido mais profundo, as vítimas e os instrumentos do “amor”


cosmogônico... Sendo uma parte um homem não pode captar o todo. Ele se encontra a mercê
do todo. Pode obedecer a ele ou rebelar-se contra ele; mas sempre é tomado por ele e
contido dentro dele. Depende dele e é por ele sustentado. O amor é sua luz e sua treva, cujo
final ele não pode ver. “O amor não termina” – que o homem fale com as “línguas dos
anjos” ou persiga, com exatidão cientifica, a vida da célula em sua fonte última. ... Se possui
um grão de sabedora, ele deporá as armas e nomeará o desconhecido pelo ainda mais
desconhecido, ignotum per ignotius - isto é, como o nome de Deus. Essa é uma confissão de
humildade, de imperfeição e de dependência; mas, ao mesmo tempo, um testemunho da
liberdade do homem para escolher entre a verdade e o erro.” 44

Não poderíamos encerrar esta parte da monografia sem citar um dos textos
considerados entre os mais sagrados da alquimia, conhecido como ´A Tábua da Esmeralda` de
Hermes, o Trimegistro, o três vezes grande, escrita em latim, embora em 1923 fora descoberta
também uma versão na língua árabe.

43
Id. Ibidem
44
Jung, Memories, Dreams, Reflections, p. 353s
1 – Verdadeiro, sem enganos, certo e digníssimo de crédito.

2 – Aquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima, e aquilo que está em cima é
igual àquilo que está embaixo, para realizar os milagres de uma só coisa.

3 – E, assim como todas as coisas se originaram de uma só, pela mediação dessa coisa, assim
também todas as coisas vieram dessa coisa, por meio da adaptação.

4 – Seu pai é o sol; sua mãe, a lua; o vento a carregou em seu ventre, sua ama é a terra.

5 – Eis o pai de tudo, a complementação de todo o mundo.

6 – Sua força é completada se for voltada para dentro da terra.

7 – Separa a terra do fogo, o sutil do denso, com delicadeza e com grande ingenuidade.

8 – Ela ascende da terra para o céu, e desce outra vez para a terra, e recebe o poder do que
está em cima e do que está embaixo. E, assim, terás a glória de todo o mundo. Desse modo,
toda a treva fugirá de ti.

9 – Eis o forte poder da força absoluta; porque ela vence toda coisa sutil e penetra todo
sólido.

10 – E assim o mundo foi criado.

11 – Daqui virão as prodigiosas adaptações. à feição das quais ela é.

12 – E assim sou chamado Hermes Trismegistus, tendo as três partes da filosofia de todo o
mundo.

13 – Aquilo que eu disse acerca da operação do sol está terminado.


Capítulo XVI

Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior

Nos textos sobre fisiologia taoísta de alquimia interior, estudados no decorrer de nosso
curso de especialização em Ciências Clássicas Chinesas, sobretudo no Weisheng Shenglixue
mingzhi 45 aparecem as palavras campo de cinábrio46 e os meridianos curiosos, meridianos
singulares ou, como melhor chamamos, vasos maravilhosos. Estes termos aparecem segundo
uma interpretação do corpo humano e de seu funcionamento, segundo uma forma taoísta de
encará-lo.

Os campos de Cinábrio (dantian) são alguns locais do corpo humano reconhecidos


como sedes das transformações e das mutações, segundo aponta o citado texto. “O cinábrio, o
sulfureto de mercúrio, é uma forma inferior de uma pedra vermelha que, em alquimia
chinesa, é a matéria prima da pedra filosofal. Em outros termos, o cinábrio é a matéria de
base para a elaboração do ouro em alquimia externa, a droga (no sentido de remédio ou
medicamento) da imortalidade em alquimia interior”.47

Este mesmo texto cita o Shuowen, fazendo referência à lembrança de que o cinábrio
(dan), representa um poço, um agujero (agulheiro ou buraco) que contém uma pedra,
garantindo e lembrando que o cinábrio é muito abundante no sul da China, realizando,
entretanto, importante ressalva. “Os campos de cinábrio não são, pois, nem depósitos e nem
lugares ordinários, e sim campos onde se transformam certos materiais segundo a alquimia
interior”.48

E, muito embora o texto original chinês não dê nenhuma precisão onde se localizam os
campos de cinábrio, conta que a respiração penetra desde o fundo da cabana (choupana) no
campo de cinábrio, onde a essência e o alimento são mantidos na busca da longevidade.

45
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – traducción Del
chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al castellano de Francisco F. Villalba –
Miraguano Ediciones.
46
Optamos em manter a palavra Cinábrio uma vez que na língua portuguesa há: Zinabre - sm Azinhavre.
Azinhavre – sm – Substância verde que se forma nos objetos de cobre expostos ao ar ou umidade, conforme
Dicionário da Língua Portuguesa – Soares Amora – Editora Saraiva.
47
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 19.
48
id. ibid., página 19.
Apenas por volta dos séculos III e IV é que aparecem três campos de cinábrio.

A saber:

• O inferior, embaixo do umbigo.

• O mediano, ao nível do coração.

• O superior, na cabeça.

Note-se que há alguma discrepância entre a localização exata do campo de cinábrio


inferior entre textos mais recentes – Baopuzi neipian e Dengzhen yinjue, do século IV – e os
mais antigos como Taixi jing e Xiuzhen shishu. Enquanto os primeiros o localizam a 2,4
polegadas abaixo do umbigo, os mais antigos referem-se ao mesmo campo a 1,3 polegada
abaixo do umbigo, sendo que a medida de 2,4 polegadas, segundo o texto estudado, é a
medida adotada pela maioria dos taoístas contemporâneos. Voltaremos a este assunto mais
adiante. Ao contrário de outros campos de cinábrio, onde se discute com detalhes sua
localização e função, o inferior é raramente citado e encontrado nas obras clássicas chinesas.

“Raros são os textos que dão outras precisões sobre sua localização. Se pode citar um
texto das Seis Dinastias, de Laozi zhongking (Yunji qiqian), que o descreve da seguinte
maneira: ´O campo de cinábrio (inferior) é a raiz do homem. É onde se acumula a essência e
a energia espiritual. É o lugar da origem dos cinco alentos, o palácio do embrião. É onde se
acumula a essência do homem e a menstruação da mulher. Preside o nascimento e é a porta
da união do Yin e do Yang, e se situa a três polegadas abaixo do umbigo”.49

Este mesmo texto dá forma e cores:

• É vermelho no centro.

• Verde à esquerda e amarelo à direita.

• Branco acima, negro abaixo. Quadrado e redondo.

49
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
• Mede quatro polegadas e tem como modelo o céu, a terra e o homem.

• As cinco cores tomo como modelo os cinco elementos.50

No entanto, segundo Zhao Bichen no texto que ora estudamos, ocorre uma leitura que
acima confunde o cinábrio inferior com o útero e com o sexo. “Pelo que se refere às cores,
sua distribuição não corresponde com a repartição corrente das cores no espaço conforme se
segue: amarelo no centro, vermelho no sul, negro no norte, branco no oeste e verde no
leste”51.

Ainda segundo Zhao Bichen, na alquimia interior os campos de cinábrio são lugares
de transformação da essência, dos sopros e da energia espiritual. São três regiões do corpo
onde se concentram três etapas do trabalho psicofisiológico.

Conforme o Tratado dos Três Campos e os Três Cinábrios52, “a energia espiritual que
nasce no seio do sopro 53 , se situa no cinábrio superior; o sopro que nasce do seio da
essência, se situa no cinábrio mediano; e a união da água e o sopro verdadeiro forma a
essência que se situa no cinábrio inferior. No campo superior é a morada da energia
espiritual, no campo mediano o palácio dos sopros e no campo inferior é a região da
essência”54.

Outro clássico chinês – Dacheng jiejing55 – também cita os campos de cinábrio e os


nomeia.

“O campo de cinábrio superior o Niwan, se situa no centro da cabeça. Também


chamado Tanque (ou reservatório) do Loto Superior (shang lian-chi), e é onde está contida a
energia espiritual. O campo de cinábrio mediano, também chamado Caldeirão da Terra (tu
fu) o Tanque do Loto Mediano (zhong lianchi), se encontra a 3,6 polegadas por debaixo do
centro do corpo. Mede 1,2 polegadas, e é o lugar onde se alimenta o embrião. Está situado a
direita da Morada do Arcana (dongfang), e a esquerda do Minstang. O campo de cinábrio
inferior, também chamado Tanque Florecido (huachi) ou Oceano dos Sopros (qihai) se situa
a 1,3 polegadas por debaixo do umbigo. Está a mesma distância do cóccix que dos rins e

50
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
51
id. ibid., página 20.
52
Xiuzhen shishu, compliacion de los Song, número 263 – página 6b.
53
sm 1 hálito, bafo, alento. 2 vigor. 3 esforço. 4 fig ânimo. Do espanhol aliento pode-se traduzir para o souffle,
em francês – sopro, conforme utilizamos a tradução nesta monografia.
54
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
55
Dacheng jiejing, escrito por Liu Huayang no século XVIII
corresponde às gônadas. É onde está encerrada a essência e é o lugar onde se recolhe o
remédio. Também está situado a esquerda do Mingtang e a direita da Morada do Arcano56”.

Segundo Zhao Bichen, os textos de alquimia interior não fazem mais do que descrever
a circulação dos sopros internos pelos vasos maravilhosos de uma maneira mais ou menos
velada, citando o Nanjing – O Livro das 81 Dificuldades que tem três capítulos sobre os oitos
meridianos curiosos, extraordinários ou, como preferimos chamar, de vasos maravilhosos.

“Li Shizhen, célebre médico da dinastia dos Ming, retoma o exposto no Nanjing e
ressalta que o essencial para um médico conhecer bem o papel destes oito meridianos, com o
fim de não buscar vagamente a causa de uma enfermidade, e que um taoísta, graças a estes
meridianos, irá assegurar o bom funcionamento do forno e da caldeira”57.

Ainda segundo este mesmo texto, para os taoístas, os oito meridianos curiosos
desempenham um papel diferente na circulação da energia ancestral já que postulam que estes
meridianos estão bloqueados nos homens comuns que, entretanto, podem funcionar
plenamente por intermédio de exercícios e esforços que estimulariam o seu funcionamento.

56
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 21.
57
id. ibid., página 21.
Capítulo XVII

Os Oito Vasos Extraordinários,


Curiosos ou Maravilhosos

Os Vasos Maravilhosos, como preferimos chamar, são também conhecidos como


meridianos Extraordinários ou Curiosos e possuem características muito próprias,
principalmente porque são virtuais, isto é, no estado normal do organismo eles encontram-se
como ´adormecidos`. Enquanto os vasos da grande circulação transportam a energia de forma
continuada, os Vasos Maravilhosos só aparecem em estados patológicos.

“Todo transtorno de energia que não pode ser ´absorvido` pela ´pequena circulação`
e seu mecanismo regulador, irá buscar drenar em algum Vaso Maravilhoso”58.

Além de seu funcionamento em estados patológicos, contrariamente, eles são


poderosos aliados no tratamento por intermédio da acupuntura. Diferentemente dos demais
meridianos de energia, os Vasos Maravilhosos possuem pontos mestres que abrem os vasos e
assim o reconectam à grande circulação de energia.

Além disso, eles não precisam de pontos próprios, já que estes pontos mestres fazem
parte de outros meridianos conforme o caso.

Existem oito Vasos Maravilhosos – sendo quatro de natureza Yang e quatro de


natureza Yin. São os seguintes:

Os quatro Vasos Maravilhosos Yin:

1. Tchrong-Mo – Ponto Mestre – BP 4 (Kong-Soun)

2. Inn-Oe – Ponto Mestre – CS 6 (Nei-Koann)

3. Jenn-Mo – Ponto Mestre – P 7 (Lie-Tsiue)

4. Inn-Tsia-Mo – Ponto Mestre – R 6 (Tchao-Rae)

58
Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco – David
Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Los Vasos Maravilhosos – Página 271.
Os quatro Vasos Maravilhosos Yang:

1. Tae-Mo – Ponto Mestre – VB 41 (Linn-Trsi)

2. Iang-Oe – Ponto Mestre – TR 5 (Oae-Koann)

3. Tou-Mo – Ponto Mestre – ID 3 (Reou-Tsri)

4. Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-Mo)

O Vaso Maravilhosos Jenn-Mo e Tou-Mo são distintos não bilaterais como os demais
e relacionam-se com a pequena circulação. Os demais se relacionam e se agrupam em pares:

Primeiro Par

1. Tchrong-Mo – BP 4

2. Inn Oe – CS 6

Segundo Par

1. Tae Mo – VB 41

2. Iang-Oe – TR 5

Terceiro Par

1. Tou-Mo – ID 3

2. Iang-Tsia-Mo – B 62

Quarto Par

1. Jenn-Po – P 7
2. Inn-Tsiao-Mo – R 6

A escolha de um determinado Vaso Maravilhoso se dá conforme a patologia


apresentada pelo paciente e de acordo com a experiência clínica do acupuntor. “Existe até um
índice terapêutico, com os pontos sintomáticos de cada enfermidade, figurando o Vaso
Maravilhoso correspondente. Ademais, os Vasos Maravilhosos podem ser usados conforme o
critério clínico geral”59.

Depois de escolhido o Vaso Maravilhoso, a sessão de acupuntura deve ser iniciada


pelo ponto mestre, deste vaso, seguido dos pontos sintomáticos e se encerra com o ponto
mestre do vaso par correspondente.

Abaixo citamos algumas indicações60 destes Vasos Maravilhosos, sem entrarmos nos
trajetos já que isto iria demandar muitas explicações que fogem do escopo principal desta
monografia.

Assim temos:

1 – Tchrong-Mo – BP4 (Kong-soun)

Indicações: Transtornos digestivos, aerofagia, todas as enfermidades do estômago


como hiperacidez, inapetência, gases estomacais. Todas as enfermidades intestinais, diarréia e
icterícia. Angina, palpitações, taquicardia, arritmia, endocardites, miocardites, pericardites.
Hipotensão. Em resumo: indicado para dores da região cardíaca, males digestivos, transtornos
hepáticos e transtornos relacionados ao tubo digestivo.

2 – Inn-Oe – CS 6 (Nei-koann)

Indicações: Indigestão, constipação espamódica, convulsões, hipertensão,


arteriosclerose, artrites, varizes, hemorróidas. Obesidade, depressão mental, melancolia,
tristeza, timidez, neurastenia, emotividade, inquietude, angústia, ansiedade, temor, agitação,
riso nervoso, amnésia, sonhos, pesadelos, transtornos mentais e delírio.

59
Acupuntura – Teoría y Práctica – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Página 273.
60
Conforme indicações de David Sussmann, em sua obra, Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua
Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco.
3 – Tae-Mo – VB 41 (Linn-tsri)

Indicações: Artrites e artroses, reumatismo articular agudo, contratura das mãos, pé e


dedos. Tremores nos quatro membros, especialmente do pé. Cefaléias e vertigens. Dores e
edemas na face, olhos, ouvidos e garganta. Dores e nevralgias dos quatro membros, inchaço
do abdômen, vômitos. Menstruação insuficiente, inflamação das mamas, anemia, debilidade
física e mental profundo com esgotamento, enfraquecimento.

4 – Yang-Oe – TR 5 (Oae-koann)

Indicações: Dores nas articulações dos membros, frio nos joelhos, mal estar nos braços
e pernas, enxaquecas, lombalgias e dores na coluna vertebral, no pescoço, cabeça e nas órbitas
dos olhos. Calor e paralisia dos membros. Suores noturnos, dores oculares, prurido
generalizado, dermatites, acnes, otites, sangramento do nariz, excesso de menstruação.

5 – Tou-mo – Ponto Mestre ID 3 (Reou-tsri)

Indicações: Temores, contratura dos membros, confusão mental, enxaqueca, edemas


nos olhos com lacrimação, dor lombar, joelhos, dentes, glaucoma, conjuntivite, estomatite,
gengivite, amidalite, angina, surdez, epilepsia, alucinações. Em resumo: transtornos artríticos,
reumáticos, nervosos e cerebrais.

6 – Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-mo)

Indicações: Contração da coluna vertebral, edema nos maléolos, cefaléia com dor nos
olhos, dificuldades para estender ou flexionar os membros, abscesso na mama, zumbido nos
ouvidos, dores articulares, edemas. Afecções paralíticas nos membros, congestão cerebral,
hemorragia cerebral, afasia.

7 – Jenn-Mo – Ponto Mestre P 7 (Lie-tsiue)

Indicações: Dermatites, eczemas, cefaléia occipital, insuficiência pancreática,


diabetes, todas as enfermidades pulmonares, tosse, bronquite, congestão pulmonar,
broncopneumonia, gripe, coqueluche, tuberculose pulmonar, enfisema, asma. Todas as
enfermidades do nariz: rinite, sinusite, alergias, faringites, laringites, astenias e todas as
inflamações da mucosa.

8 – Inn-Tsiao-Mo – Ponto Mestre R 6 (Tchao-raé)

Indicações: Todos os transtornos da micção, enurese, cistite, frigidez, impotência,


esterilidade, prostatite, corrimento vaginal, dores e congestão ovárica, transtornos da
menstruação, regras abundantes, ameaça de aborto, insônia, constipação crônica. Em resumo:
todos os transtornos genito-urinários.
Capítulo XVIII

A Flor de Ouro é o Elixir da Vida

O significado literal de Gin Dan é esfera de ouro, a pílula de ouro, ou o Elixir da Vida,
a Flor de Ouro, que se obtém por intermédio das transformações da consciência espiritual que,
por sua vez, dependem do coração. E, muito embora, seja exata, tal magia é secreta, é fluida e
exige extrema inteligência e lucidez, bem como aprofundamento e tranqüilidade. “As pessoas
desprovidas dessa extrema inteligência e compreensão não encontram o caminho da
utilização, ao passo que as pessoas desprovidas do extremo aprofundamento e tranqüilidade
não conseguem estabilizá-lo”.61

Assim como existem céu e terra, também existem dois corações. O coração de carne,
embaixo, tem a forma de um grande pêssego e é encoberto pelas ´asas` do pulmão. É
sustentado pelo fígado e servido pelas vísceras. Depende do mundo exterior. Já o coração
celeste, que reside na cabeça não deve comover-se. “Se isto ocorresse, não seria bom.
Quando as pessoas comuns morrem, ele se comove, mas isso não é bom. Evidentemente, é
muito melhor que a luz já se tenha firmado num corpo-espírito e que sua força vital penetre
pouco a pouco os impulsos e movimentos. Mas este é um segredo silenciado há milênios”.62

O coração inferior é um general forte e poderoso que despreza o senhor celeste e


usurpa-lhe a liderança. Quando, entretanto, consegue-se fortalecer o castelo originário, o
soberano forte e sadio ocupa o seu trono. “Os olhos impelem ao movimento circular como
dois ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua força.
Quando a soberania está centrada e em ordem, todos os heróis subversivos se apresentam
com as lanças de ponta para baixo, a fim de receber ordens”.63

E só quando o espírito originário ultrapassa as diferenças polares de luz e obscuridade


é que o discípulo não irá mais permanecer nos três mundos (céu, terra e inferno), embora no
caminho para o Elixir da Vida reconhece-se a água-semente, o fogo-espírito e a terra-
pensamento.

61
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.
62
id. ibid., página 100.
63
id. ibid., página 101.
Para explicar melhor este assunto Wilhelm estabelece algumas comparações
importantes e muito úteis aos profissionais da Acupuntura:

1. Água-semente – uma força (Eros) uma e verdadeira do céu primeiro.

2. Fogo-espírito é a luz (Logos).

3. Terra-pensamento é o coração celeste da morada do meio (intuição).

Desta forma poderemos fazer interessante analogia com todas as funções Yin.
Dissemos a pouco que o coração terrestre é como um grande pêssego apoiado no Fígado e
tem como asas os Pulmões.

Portanto, temos três funções Yin: Coração, Fígado e Pulmões.

Agora, Wilhelm fala da água-semente, analogia possível aos Rins, Fogo-espírito


(Logos ou Fogo Imperador) analogia possível com o Coração ou com o Mestre do Coração
(CS), e terra-pensamento, Baço-Pâncreas, tão importante e citado na filosofia de esvaziar-se a
mente e pensar com a barriga.

Acreditamos que tais analogias fazem muito sentido, principalmente ao destacar um


outro trecho de Wilhelm, na obra citada, conforme se segue. “Usamos o fogo-espírito para
agir, a terra-pensamento como substância e água-semente como fundamento”.64

“O Grande Uno contém em si a verdadeira força


(prana), a semente, o espírito, o animus e a anima. Quando os
pensamentos se tranqüilizam plenamente, de modo a ver-se o
coração celeste, a inteligência espiritual, por si mesma, atinge a
origem. Este ser habita, sem dúvida, o verdadeiro espaço, mas o
lampejo da luz habita nos dois olhos. Portanto, o mestre ensina
o movimento circular da luz, a fim de alcançar o verdadeiro ser.
O verdadeiro ser é o espírito originário. O espírito originário é

64
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 101.
justamente ser e vida, e quando nisso se reconhece o real, aí
está a força originária. E é justamente isto o grande sentido”.65

65
Long Yen – Suramgama-sutra budista. JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de
Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.
Capítulo XIX

A Flor de Ouro é a Luz do Céu

Ao entender e buscar compreender o que é Tao, sobretudo se o encararmos como um


método ou caminho consciente que deve unir o que está separado, chegaremos próximo ao
conceito psicológico da linguagem chinesa e de se realizar o que propõe o Tao.

Segundo o texto Hui Ming Ging, “é necessário um ´aquecimento`, ou seja, uma


elevação da consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja ´iluminada`.
Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a vida que deve ser elevada ou
exaltada. A união de ambas produz a ´vida consciente`. ... os antigos sábios conheciam o
modo de suprimir a separação entre consciência e vida, pois cultivavam as duas”.66

Segundo a concepção junguiana, a união dos opostos em um nível mais alto de


consciência não é um processo mental ou racional, menos ainda uma questão de desejo ou
vontade, e sim um processo de desenvolvimento psíquico que se exprime por intermédio dos
símbolos. “Quando as fantasias tomam a forma de pensamentos, emergem formulações
intuitivas de leis ou princípios obscuramente pressentidos, que longo tende a ser
dramatizados ou personificados”67.

Em sua prática clínica e em suas pesquisas, Jung pôde comprovar que as fantasias
desenhadas pelos seus pacientes podem aparecer em símbolos que pertencem ao tipo
´mandala`. “Mandala significa circulo e praticamente circulo mágico. Os mandalas não se
difundiram somente através do Oriente, mas também são encontrados entre nós. A Idade
Média e em especial a baixa Idade Média é rica de mandalas cristãos”.68, escreve Jung.

Nestes mandalas é importante ressaltar que o ponto central também pode ser
representado por Jesus Cristo rodeado pelos quatro evangelistas nos pontos cardeais. Entre os
egípcios também Hórus e seus quatro filhos foram representados da mesma forma e o centro
mostra o local do ´olho filosófico`, ou ´espelho da sabedoria` conforme algumas tradições.
Precisamos ainda ressaltar que diversas tradições, a chinesa inclusive, leva em conta no seu

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37
67
id. ibid., página 38
68
id. ibid., página 38
processo de cosmogênese os quatro pontos cardeais com um quinto ponto no centro, que
depois se desloca acima e à direita, representando a Terra.

Na prática, podemos estabelecer que há os quatro pontos cardeais no consultório e no


centro, onde reside a luz, está o terapeuta/acupunturista e o paciente buscando a vivência
alquímica de se partir do corpo físico buscando atingir a luz do espírito, a descoberta e o
próprio incentivo do Shen. Outra analogia possível é que se forma a cruz mundana, de quatro
braços iguais, sendo que o paciente deitado na horizontal, forma este braço da cruz, enquanto
que o vertical é representado pelo terapeuta-acupuntor trabalhando.

A flor de ouro é a luz.

E a luz do céu é o Tao.

Jung, na obra citada, afirma que a Flor de Ouro é um símbolo mandálico, também
encontrado em uma série de desenhos de seus pacientes. Trata-se de um ´ornamento
geometricamente ordenado` como uma flor irrompendo do fundo da obscuridade em luz
colorida e incandescente. Tais desenhos exprimem o nascimento da flor de ouro, pois,
segundo o Hui Ming Ging, a vesícula germinal` é o ´castelo de cor amarela`, o ´coração
celeste`, ´os terraços da vitalidade`, ´o campo de uma polegada da casa de um pé`, ´a sala
purpúrea da cidade de jade`, ´a passagem escura`, ´o espaço do céu primeiro`, ou também
chamado de ´o castelo do dragão no fundo do mar`.

Ela é também chamada ´a região fronteiriça das montanhas de neve`, ´a passagem


primordial`, ´o reino da suprema alegria`, ´o país sem fronteiras` e o altar sobre o qual
consciência e vida são criadas. “Se o agonizante não conhecer este lugar germinal”, diz Hui
Ming Ging, “não encontrará a unidade de consciência e vida nem mesmo em mil
nascimentos, ou dez mil eons”, cita Jung.69

No princípio, quando tudo ainda é informe e ligado ao um, tudo jaz no fundo do mar,
na escuridão do inconsciente. Uma só unidade, inseparavelmente misturada como a semente
do fogo no forno da purificação. A partir deste fundo é que surge o fogo que sobe e penetra a
semente, incubando-o para que uma grande flor de outro nasça e cresça da vesícula germinal.

69
id. ibid., página 40
Diz Jung. “Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de
purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da
água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente, mediante um processo de vida
e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida”.70

Ainda segundo o psicanalista, essas imagens surgem espontaneamente de duas fontes:


o inconsciente e a plana devoção que proporciona um pressentimento do si-mesmo, da própria
essência individual.

“Um clarão de luz circunda o mundo do espírito.


Esquecemo-nos uns dos outros, puros,

silenciosos, vazios e onipotentes.

O vazio é atravessado pelo brilho do coração celeste.

Lisa é a água do mar e a lua


se espelha em sua superfície.

Apagam-se as nuvens no espaço azul;

lúcidas, cintilam as montanhas.

A consciência se dissolve em contemplação.

Solitário, repousa o disco da lua”

Hui Ming Ging71

“A meta evidente da imagem é traçar um ´sulcus primigenius`, um sulco mágico em


redor do centro que é o templo ou temenos (área sagrada) da personalidade mais íntima, a
fim de evitar uma possível ´efluxão`, ou preservá-la, por meios apotropaicos, de uma eventual
distração devido a fatores externos”, escreve Jung.72

70
id. ibid., página 39
71
Hui Ming Ging, obra citada.
72
id. ibid., página 40
Ainda sob o ponto de vista psicológico, podemos lembrar do movimento da roda do
sol, que quando começa a girar se vivifica, e a partir daí inicia o seu caminho. “O Tao começa
a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o que é periférico é
subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung73.

Ao interpretarmos este texto podemos utilizar a via do estágio de plenitude como um


estado anímico caracterizado pelo desprendimento da consciência em relação ao mundo. Ao
mesmo tempo uma consciência vazia e não-vazia, plena.

A consciência deixa de se preocupar com as imagens das coisas para, apenas, as


conter. Pode-se ter acesso à abundância anterior do mundo, imediata e premente, onde nada
perde de sua riqueza e maravilha, porém também não domina mais a consciência.

“O Tao começa a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o


que é periférico é subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung74.
75
É nesta hora que desaparece a participation mystique responsável pelo
entrelaçamento da consciência com o mundo. É quando a consciência deixa de ser dominada
por intenções compulsivas e passa a contemplar, conforme exprime o texto chinês. Afinal, a
participation mystique aponta para o grande e indeterminado remanescente da indiferenciação
entre sujeito e objeto, de tal monta entre os primitivos, que não pode deixar de espantar os
homens de consciência européia ou ocidental.

“O homem civilizado considera-se naturalmente bem acima destas coisas. No entanto,


não raro, passa a vida inteira identificado com os pais, com seus afetos e preconceitos,
culpando impudicamente os outros pelas coisas que não se dispõe a reconhecer em si mesmo.
E guarda também um remanescente da inconsciência primitiva da não-diferenciação entre
sujeito e objeto. Por isso mesmo é influenciado magicamente por inúmeros seres humanos,
coisas e circunstâncias, isto é, sente-se assediado de modo irresistível por forças
perturbadoras, muito apreciadas com as dos primitivos; do mesmo modo que estes últimos
necessita de encantamentos ou feitiços apotropaicos.... ...O homem ocidental não manipula

id. ibid., página 41


74
id. ibid., página 41
75
Participation Mystique é um termo utilizado por Lévy-Bruhl que designa o sinal característico da mentalidade
primitiva.
mais com amuletos, bolsas medicinais e sacrifícios de animais, porém com soporíferos,
neuroses, racionalismo, culta da vontade etc.”76, conforme Jung.

76
id. ibid., páginas 58 a 60.
Capítulo XX

O Caminho da Meditação

Citando o Hui Ming Ging, Wilhelm lembra que a obra trata de instruções budistas e
taoístas de meditação como parte de um pressuposto fundamental das duas esferas anímicas
que surgem a partir do nascimento: consciente e inconsciente, separadas uma da outra.

“O consciente é o elemento de diferenciação individual (ego freudiano) e o


inconsciente, o elemento da união cósmica. O princípio da obra se baseia na integração de
ambos os elementos, pelo caminho da meditação. O inconsciente deve ser como que
fecundado pela submersão do consciente, deve ser trazido à consciência; juntamente com o
consciente assim ampliado, acede então a um plano de consciência suprapessoal, na forma
de um renascimento espiritual”77, escreve Wilhelm.

Destarte, se o indivíduo conseguir reconhecer o inconsciente como fator co-


determinante do modo mais amplo possível, então o centro de gravidade da personalidade
total irá se deslocar. Não persistirá no eu, que é apenas o centro da consciência, mas passará
para um ponto, por assim dizer, virtual entre o consciente e o inconsciente: o si-mesmo, o self.

“Se a mudança for bem sucedida isto significa o fim da ´participation mystique`,
surge, então, uma personalidade que só sofrerá nos andares inferiores, uma vez que nos
andares superiores estará singularmente desapegada, tanto dos acontecimentos penosos,
quanto dos felizes”, diz Jung78. O advento e nascimento dessa personalidade superior é o que
tem em mira nosso texto ao falar do ´fruto sagrado`, do ´corpo diamantino`, ou de qualquer
outra espécie de corpo incorruptível.

No entanto, há um perigo quando ocorre o encontro da consciência individual –


delimitada – com a enorme extensão do inconsciente coletivo, já que este último tem um
efeito dissolvente sobre a consciência. Para Jung os ensinamentos contidos no Hui Ming Ging
dizem respeito ao cultivo da ioga chinesa.

77
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 83.
78
Idem, Página 38.
Aliás, a ilustração que consta da capa do O Segredo da Flor de Ouro mostra um sábio
em contemplação e de sua cabeça sai chamas e delas surgem cinco formas humanas que, por
sua vez, se dividem em vinte e cinco formas menores.

Diz uma advertência do Hui Ming Ging: “As formas que se configuram através do
fogo do espírito são formas e cores vazias. A luz da essência brilha de volta ao originário,
que é o verdadeiro”, 79 referindo-se à quarta etapa da meditação quando deve ocorrer as
rememorações das encarnações anteriores, conforme esquema que se segue:

Primeira etapa de meditação

Concentração da luz

Segunda etapa de meditação

Começo do renascimento no espaço da força

Terceira etapa de meditação

Libertação do corpo-espírito para uma existência autônoma

Quarta etapa de meditação

O Centro em meio às circunstâncias

Segundo o livro O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï), a prática da
ioga chinesa permite a libertação dos grilhões do mundo exterior ilusório, aliás, objetivo de
diversas seitas que surgiram na China em diversos momentos históricos, sobretudo os de
penúria econômica. No entanto, o mais alto grau desta atitude meditativa é tender ao nirvana
budista “ou então prepara a possibilidade de continuação da vida depois da morte, não com
decomposição no decaído mundo das sombras, mas como espírito consciente; é isto que

79
Hui Ming Ging, citado na página 46 da edição consultada de O Segredo da Flor de Ouro.
propõe o presente texto, conectando o princípio espiritual do homem com forças psicogênicas
correspondentes”80, escreve Wilhelm.

Segundo ele, com este processo pode-se fortalecer o processo vital obtendo
rejuvenescimento e normalização energética de modo a superar a morte. Esta passa ser um
processo harmônico e natural da conclusão da vida. “O corpo terrestre será, então,
abandonado pelo princípio espiritual (apto a prosseguir uma vida independente no corpo
espiritual (criado por seu sistema energético), tal como ocorre com a cigarra ao abandonar
sua casca seca”81, escreve Wilhelm.

Na época Tang – no decorrer do século VIII – a tradição oral fala do Elixir de Ouro da
Vida (Gin Dan Giau), fundada pelo adepto taoísta Lü Yen (Lü Dung Bin), considerado como
um dois oito imortais em “uma época que todas as religiões autóctones e estrangeiras eram
toleradas e praticadas”82, até a última perseguição movida pelo governo manchú em 1891
quando mais de 15.000 de seus adeptos foram cruelmente massacrados.

Na busca histórica, Wilhelm cita Guan Yin Hi, o Mestre Yin Hi do Desfiladeiro que,
segundo a lenda, foi para ele que Lao Tse escreveu o Tao Te King, onde é possível encontrar
uma série dos ensinamentos místicos, ocultos e esotéricos.

“Na época Han, o taoísmo degenerava cada vez mais em práticas mágicas externas;
os mágicos da corte, de procedência taoísta, procuravam obter a pílula de ouro (a pedra
filosofal) por meios alquímicos, que produzisse ouro a partir de metais vis, conferindo ao
homem a imortalidade física” 83. Além disso, as designações alquímicas começaram a tomar
força e também passaram a representar símbolos de processos psicológicos e se aproximar dos
pensamentos originais de Lao Tse.

Houve importante influência do budismo, sobretudo o praticado na escola Tiën-Tao de


Dschï Kai, de origem Mahayana (que antes desta época dominou fortemente a China) e sutras
que foram repetidos no Gin Dan Giau.

“Numa página é descrito com detalhes o cultivo da ´Flor de Ouro`, e em outra são
introduzidos pensamentos nitidamente budistas, que deslocam a meta com toda a evidência
para a obtenção do nirvana através do repúdio do mundo”84, escreve Wilhelm, admitindo que

80
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 86.
81
Idem, Página 86.
82
Idem Página 87.
83
Idem, página 88.
84
Idem página 88.
algumas seções foram suprimidas da edição utilizada para esta monografia, embora nas
primeiras fases é que se trata o trabalho do renascimento interior através do movimento
circular da luz e a geração da semente divina.

“A luz é a vida dos homens.

O olho é a Luz do corpo.

O renascimento espiritual do homem pela água e pelo fogo, ao


que se deve acrescer a terra (pensamento), enquanto regaço materno
ou campo arado. Comparemos com as palavras de João (apóstolo).
“Eu vos batizo com o água; depois de mim virá alguém que voz
batizará com o Espírito Santo e fogo” ou “quem não nascer de novo da
água e do espírito não entrará no Reino do Céu”.85, compara Wilhelm.

Wilhelm explica que o processo vital descendente – o movimento direto e habitual –


leva em conta dois fatores – o intelectual e o animal – que, em geral, relaciona-se a anima ou
vontade insensível, aprisionada pelas paixões que, praticamente, obriga o animus, ou
intelecto, a trabalhar para seus serviços (ou satisfações das emoções). O ser volta-se para fora
e as forças do animus e da anima se esvaem e a vida se consome. Gera-se novos seres e o
ponto final é a morte.

“A anima mergulha, o animus se eleva e o eu é privado de sua


força, numa situação dúbia. Quando esta ´externalização` se afirma,
ocorre em conseqüência o peso e o mergulho na surda aflição da morte
e o eu só se alimenta miseravelmente das imagens ilusórias da vida que
ainda o atraem, sem que, no entanto, possa participar ativamente delas
(inferno, almas famintas). Se apesar disso, houve um esforço par ao
alto, recebe-se uma vida relativamente beatífica, de acordo com os
méritos, pelo menos durante algum tempo, enquanto se é fortalecidos
pelas forças dos sacrifícios dos sobreviventes”.86

85
Idem página 89
86
Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95
No entanto, ressalta Willhelm, quando se consegue durante a vida iniciar um
movimento ´reversivo` e ascendente das forças vitais, quando a anima é dominada pelo
animus, ocorre uma espécie de libertação das coisas exteriores que passam a ser reconhecidas,
mas não cobiçadas, com o conseqüente rompimento da ilusão.

“Ocorre um movimento circular ascendente das energias. O eu


retira-se dos emaranhados do mundo e permanece vivo depois da
morte, uma vez que a ´interiorização` impediu as forças vitais de se
derramarem para fora; pelo contrário, estas últimas criaram um centro
vital na rotação interior da mônada, que não depende da existência
corporal. Um tal eu é um Deus, um Schen. O sinal para Schen
significa: expandir-se, atuar, em suma, é o contrário de gui. Em sua
grafia antiga, Schen ´pe representado por um meandro duplamente
sinuoso, que também pode significar trovão, raio, excitação elétrica”.87

Em um outro trecho, Wilhelm escreve: “Eterna é apenas a Flor de Ouro, que brota da
libertação interior de todos os envolvimentos com as coisas. O homem que alcança este
estágio ultrapassa seu eu. Não se limita mais à mônada, mas penetra no circula da dualidade
polar de todos os fenômenos e retorna ao Uno, isento de dualidade: o Tao”.88 Além disso,
Wilhelm assinala a diferença entre o budismo e o taoísmo. No primeiro há retorno ao nirvana,
quando ocorre uma extinção total do eu, que é apenas ´ilusório`, assim como o mundo é
ilusório.

Já no taoísmo, ocorre o contrário, a meta é conservar na transfiguração a idéia da


pessoa e os ´vestígios` das vivências. “É a luz que com a vida retorna a si mesma,
simbolizada no nosso texto pela Flor de Ouro”89.

87
Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95
88
id. ibid., página 96
89
id. ibid., página 96
Capítulo XXI

As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa

Zhao Bichen, que pertencia à escola Wu Liu, estabelece três etapas para o trabalho
psicofisiológico da Alquimia Interior efetuadas em cada um dos três campos de cinábrio90.
Parte do campo inferior, onde se sublima a essência para transformá-la em sopro, no campo
médio, onde o sopro, ou alento se transforma em energia espiritual, e o campo de cinábrio
superior, onde se volta a vacuidade (lian jing hua qi, lian qi hua shen, lian shen huan xu).

São três fenômenos que podem ser observados durante a realização destas três etapas,
segundo aponta Zhao Bichen.

No primeiro, quando a essência é sublimada não se experimentam desejos sexuais.


Quando o sopro é sublimado não se sente fome ou desejos, e quando a energia espiritual está
sublimada não se sente sono ou necessidade de descanso. Esta divisão em três etapas ocorre
ao redor de três conceitos diferentes: essência, sopro e energia espiritual.

Essência, sopro e energia espiritual

Como os caracteres chineses são signos e emblemáticos, para compreender estas


noções fundamentais da alquimia interior o conteúdo semântico pode variar segundo a língua
ocidental utilizada na tradução e a época em que o contexto é analisado.

“Os três tesouros do corpo são a essência, o sopro e a energia espiritual. A intuição
clara e perspicaz é a energia espiritual; aquela que penetra todas as partes e se move em
círculos é o alimento; os humores e os líquidos que embebem o corpo é a essência. Se queres
distingui-los segundo sua função, a energia espiritual controla e governa, o sopro preside a
aplicação das ordens, a essência preside a transformação e a geração. Cada um tem uma
função específica e segue as ordens do chefe. Se queres distingui-los desde o ponto de vista
de sua utilização, a essência pode transformar o sopro, o sopro pode transformar a energia

90
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 35.
espiritual. Ali onde chega a energia espiritual, chega o sopro. Ali onde chega o sopro, chega
a essência”.91

A Essência

No Neijing, obra médica dos Han, o jing tem as vezes o sentido de essência seminal, e
as vezes o sentido de quintessência dos órgãos, ou as vezes o sentido de gérmen da vida. Diz
o Lingshu. “No começo, durante a concepção, o primeiro que se forma é a essência; uma vez
formada a essência aparecem o cérebro e a medula”, conta no Wisheng Shenglixue mingzhi -
Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen.

Em um outro trecho, da mesma obra, encontramos: “Quando o sopro do céu anterior


se põe em movimento, se transforma em essência do céu anterior invisível, a qual se
transforma em essência material do céu posterior. O trabalho consiste em evitar que a
essência se converta em essência do céu posterior e em fazer uma maneira que a essência do
céu anterior volte a converter-se em sopro primordial. Este trabalho se efetua graças a
respiração”92.

O Sopro

No Shuowen, o sopro ou alento refere-se aos vapores que ascendem. Há quatro grafias
diferentes, cada uma com seu próprio significado. Na primeira, encontra-se o vapor com o
fogo embaixo. Na segunda, antiga da época da dinastia Son, é o sopro do céu anterior em
oposição ao sopro do céu posterior. Na terceira, escreve-se apenas o ideograma relacionado a
vapor e, por último, a mais corrente é o vapor embaixo do elemento arroz, ou seja,
transformação do sopro por intermédio da nutrição física e do alimento.

Aproveitamos outro trecho de Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y


Medicina Taoísta – Zhao Bichen, onde se compara sopro celeste com a respiração humana.
“O sopro está no céu, e o que o coloca em movimento é o vento, e o seu movimento são as

91
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 36.
92
id. ibid., página 37.
transformações, a respiração, o rápido e o que ascende (sobe), e o que volta, o que se
dispersa, o que abre e o que brilha é a luz. O fogo pode oculta a sombra e conter a forma”.93

A Energia Espiritual

“O Sheng é a divindade celeste de onde surgem as dez mil coisas”, diz o Shuowen. Já
no I Ching, o livro das Mutações, se define assim: “Quando o Yin e Yang são insondáveis, se
fala de Sheng”. No Nijing está escrito o seguinte: “Oh Sheng, inaudível e invisível, quando o
coração se abre a ti, não mais pensamento, a intuição cognitiva nos faz compreender de
pronto que tu és inexpressável”.94 E dá continuidade a essa explicação lembrando que, em
alquimia interior, o Sheng é o embrião imortal que se fabrica no corpo, deve ser sempre
Yang, já que se subsiste um pouco de Yin, se converteria como presa dos demônios (gui)95”,
em uma clara alusão de que Sheng – espírito, encontra-se no céu e se contrapõe aos demônios,
espíritos da terra.

93
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 38.
94
id. ibid., página 38.
95
id. ibid., página 38.
Capítulo XXII

Sublimação da Essência

A primeira etapa, a ´sublimação da essência` também é conhecida como a fase de


´colocar os cimentos nos cem dias` conforme consta de uma passagem do Sutra Budista `Loto
da Boa Lei`96 e que visa que a essência volte para o cérebro depois de estabelecer, nos canais
das funções, o controle da circulação circular ou pequena revolução celeste.

Segundo o Tratado de Alquimia e Medicina Taoísta, de Zhao Bichen, para que esta
essência retorne ao cérebro cita-se práticas antigas e que foram muito utilizadas durante a
dinastia Han. É fato que alguns autores de textos sobre a alquimia interior recomendavam
utilizar a energia sexual – quando aparece durante a meditação – ou ´nas práticas de
dormitório`, como dizem os textos clássicos. Nas práticas sexuais, mesmo nas horas de
máxima excitação, recomendava-se ao homem não chegar ao clímax e ejacular. É fato
também que alguns autores afirmaram que ´cabalgar` (cavalgar, montar) as mulheres seria
uma técnica herética e recomendavam não pensar nas práticas sexuais. Outros não
estabelecem um paralelo entre jing (a essência) e o esperma. ... “deve-se atuar no momento
em que ocorre a ereção e se põe em movimento a energia sexual, momento em que os textos
taoístas chamam de ´período Del Zi vivo`(huozishi)97.

Isto se diz porque, segundo alguns taoístas, a ereção não está apenas ligada à atividade
sexual e sim às boas condições da função vital e demonstra que esta energia circula bem e em
quantidade suficiente, lembrando que ela pode ocorrer com bebês dormindo, por exemplo,
que nada têm a ver com a busca do sexo. Recomenda-se aproveitar este momento de fluxo de
energia pra se trabalhar mediante a pequena revolução celeste e cultivar o Tao.

Segundo Zhilun98, “apenas o sopro que está profundamente enterrado pode inverter a
essência e transformá-la em sopro do céu anterior, quando a essência não pode sair e deve-
se fazê-la subir e estabelecer a circulação circular nos canais de função e de controle
mediante um trabalho mental e respiração rítmica. Isto é a pequena revolução celeste”.

96
Wu Liu xianzong quanji, página 53.
97
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.
98
Zhilun, capítulo 8, em Wu Liu xianxong quanxi, página 206, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado
de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.
Pequena revolução celeste

Para se estabelecer a pequena revolução celeste, dizem os textos clássicos chineses,


deve-se colocar em movimento a Roda da Lei, de fato, uma expressão budista que representa
o momento da iluminação, em que Buda percebeu bem ser ele um Santo e se pôs a praticar e
divulgar sua doutrina.

“Para estabelecer a comunicação circular deve-se unir os canais abaixo e acima; por
baixo pressionando o canal da uretra e por cima colocando a ponta da língua no palato. O
circulo dos canais de controle e de função estão divididos em doze pontos segundo a jornada
de vinte e quatro horas – 12 horas chinesas – que correspondem aos intervalos de tempo e
respiração....

O microcosmo que é o corpo humano tem um tempo e um ritmo calcado no


macrocosmo. Psicologicamente, situa-se no centro do corpo e move-se no tempo no lugar
desta revolução circular onde se situa muito além do tempo”99.

99
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 43.
As doze seções são designadas conforme o período cíclico e são denominados: Zi,
Chou, Yin, Mão, Chen, Si, Wy, Wei, Shen, Yu, Xu e Hai que designam também os intervalos
de tempo das respirações. Diz o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e
Medicina Taoísta que o sopro verdadeiro do círculo formado pelos canais de função e de
controle devem ser estimulados e acompanhados pela respiração externa – chamada de fogo
militar – oposta ao fogo civil – que é o pensamento criador.

A respiração deve seguir um ritmo preciso de acordo com as seções dos canais
atravessados pelo fluxo da essência invertida. “No começo da inspiração a essência invertida
(quer dizer, o sopro verdadeiro), recorre ao ponto Zi do canal de controle, depois sobre ao
ponto Chou, ao mesmo tempo em que se conta nove inspirando. Sem parar de inspirar, se
conta de novo nove, enquanto que a essência invertida passa por Yin, depois passa por Mão
ao mesmo tempo que se retém a inspiração. Se inspira de novo enquanto se conta duas vezes
nove quando a essência passa por Chen, depois por Si e deve ter chegado ao limite da
inspiração quando a essência chega a Wu”100. Para baixo deve-se seguir de maneira análoga.
Se expira contando duas vezes seis quando a essência recorre os pontos Wei e Shen, se marca
uma pausa durante Yu, depois se continua a expiração e se conta durante Xu e Hai.

“Depois de cem dias desta prática, efetuada em cada ereção, a essência se transforma
continuamente em sopro, e já não se observa perda nenhuma da essência seminal. Então se

100
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 43.
recupera o estado de indistinção do embrião, estado marcado pela indiferença dos órgãos
dos sentidos e, portanto, da percepção.

Segundo Nan Huaijin, a continuidade desta prática se constitui uma estimulação das
funções hormonais, se observa uma retração do sexo, assim como uma ascensão a partir do
campo do cinábrio inferior de uma força que se une a uma outra força proveniente do
estômago, e um intercâmbio de ambas forças como base da segunda etapa”101.

101
id. ibid., página 43.
Capítulo XXIII

Sublimação do Sopro

Mesmo em menores detalhes, o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e


Medicina Taoísta demonstra que a prática é muito mais mental com o desenvolvimento,
durante dez meses, do cambo de cinábrio mediano, do embrião imortal surgido após o
casamento da energia espiritual com o sopro verdadeiro que deve ocorrer na primeira etapa do
trabalho. Há referência nos textos de alquimia oriental que há uma cópula entre o ´fogo do
coração`, representado pelo trigrama Li – Fogo (onde dois traços Yang encerram um Yin) e a
´água dos rins`, representado pelo trigrama Kan – Água (onde traços Yin encerram um Yang),
de forma que o fogo (céu) desce e a água (terra) sobe.

“O movimento para o alto da linha Yang de Kan representa a purificação e a


dissolução da essência; o movimento para baixo da linha Yin de Li representa a cristalização
da luz, o que corresponde as estadas solve e coagula da alquimia ocidental. Se poderia dizer
também que ocorre uma fusão progressiva entre a parte fisiológica (a essência original do
sopro) e a psique (energia espiritual do indivíduo)”.102

“O verdadeiro licor do coração e dos pulmões é atraído pelo verdadeiro sopro


descendente. Deve-se visualizar progressivamente a união até que a luz do chumbo brilhe em
forma de lua e que o sopro de mercúrio se eleve como um sol. O sol e a lua copular e se
fundem em forma de um círculo vermelho que ilumina o alto e o baixo (do corpo). Então se
perde a consciência de si, das coisas e do universo, e se vive como um sono, com se estivesse
embriagado. Este estado é fugidio como um relâmpago e deve ocorrer rapidamente”103.

Noção de embrião

A noção do embrião da imortalidade está prevista no desenvolvimento de um embrião


humano que, segundo os chineses, demora 10 meses. Ele é formado a partir do sopro
verdadeiro, também chamado como ´parcela da luz verdadeira´. Em alguns textos seu

102
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 44.
103
id. ibid., página 44.
desenvolvimento é descrito como pérola-embrião que deve ser aquecida e alimentada. “No
começo, o caos, no seio do Vazio e do Não-Ser se encontra o sopro luminoso que, uma vez
chegado ao seu apogeu, engendra a umidade, a qual, quando chega a seu apogeu, se
transforma em bruma e em rocio (não sei a tradução)”104.

Diz o Nei King, capítulo 20. “Aqueles que buscam a imortalidade devem respirar o
sopro original... Convém controlar a essência e alimentar a matriz para regenerar o corpo
físico. Se conservar o embrião e se detiver a essência, se pode viver muito tempo”.105

Embrião do Sopro e

Respiração Embrionária

A formação do embrião do sopro no campo de cinábrio está ligada a concepção da


respiração embrionária. Alguns termos podem ser associados ao Tai Chi como ´respiração
embrionária`, `respiração do embrião`, ou `respiração da matriz´.

“O sopro do Uno é a respiração embrionária. A matriz do palácio que encerra a


energia espiritual, a respiração é o ponto de partida da transformação em embrião. A
respiração engendra a respiração e a energia espiritual é o embrião; o embrião não pode
realizar-se em a respiração; a energia espiritual a respiração não tem governador. Assim, a
energia espiritual é a que governa a respiração, a respiração é a raiz do embrião, e a matriz
é a morada da respiração”.106

Adiante, este mesmo texto aponta um comentário publicado no Yunji qi qian


localizando este embrião a três polegadas debaixo do umbigo, referindo-se a este ponto como
o local onde acontece a união entre a energia espiritual e o sopro, engendrando assim o
embrião misterioso.

104
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 48.
105
id. ibid., página 48.
106
id. ibid., página 49.
Capítulo XXIV

Sublimação da Energia Espiritual

Depois de iniciar no campo de cinábrio inferior e encerrada a segunda etapa, no campo


de cinábrio mediano, ocorre o nascimento e, para tal, deve-se elevar a mente até o campo de
cinábrio superior. “É como se o praticante se banhasse em um calor suave acompanhado de
um esquecimento do corpo e do espírito que parece fundir-se em um halo de luz. “Esta
sensação é mais intensa no nível da cabeça”107.

Em uma tradução livre, relato abaixo as fases desta etapa.

1. As flores se reúnem quando o espírito alcança a extrema quietude e depois de reunir


Xing e Ming, os três remédios – essência, sopro e energia espiritual – florecem, sendo
que a energia espiritual aparece na flor de ouro. “Corpo, espírito e pensamento são as
Três Famílias. Quando os três se encontram o embrião está consumado (formado).
Essência, sopro e energia espiritual são as três origens. Quando os três retornam ao
Uno, o cinábrio está consumado. Para retornar os três ao Uno deve-se estar em
quietude e o espírito estar vazio”108.

2. Os cinco sopros rendem homenagem à origem. Os cinco sopros das cinco vísceras ou
dos cinco elementos cujas interpretações podem variar de autor para autor nos textos
clássicos chineses. O sopro original da unidade se divide e engendra os princípios
primários: Yin e Yang. Estes se dividem nas cinco direções e se o corpo está imóvel, a
essência é reforçada e a água retorna a sua origem, sendo que o sopro é reforçado com
o fogo retornando à sua origem. Acalmado o mundo, todas as coisas voltam ao seu
princípio.

Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52.
108
Chuan dao ji, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao
Bichen – página 52.
3. Amamentar a criatura durante três anos. Uma frase que nos leva à análise ao plano
mais alto dos sentidos e do conhecimento apenas discursivo. Há inclusive uma
advertência neste sentido. ´Muitos perigos acercam o adepto neste estado`, dizem os
textos clássicos chineses. O embrião tende a sair pela porta do céu, acima da cabeça.
Além disso, o recém nascido não é forte o suficiente para voltar e a ´energia espiritual
Yin` deve ser alimentada durante três anos no campo de cinábrio superior. “Neste
período deve-se conseguir transformar a energia espiritual Yin em energia espiritual
Yang. Não há que se pensar que o recém nascido se encontra no campo de cinábrio
superior. É apenas necessário que esta entidade ilumine o campo de cinábrio e se
funda com a Grande Vacuidade: este é o começo da criança”.109 Neste momento, os
referidos textos ressaltam o cuidado que o adepto deve ter já que há uma total
transformação da energia Yin em Yangshen, ou o espírito Yang, o espírito da luz. “A
aparição de um grande número de demônios para atacar o Yang é um dos múltiplos
perigos desta etapa sobre o que insiste Wu Chongxu. Se recordarmos que os demônios
pertencem ao mundo Yin da terra, seu ataque pode interpretar-se como uma última
defesa do Yin antes de seu desaparecimento completo”.110 Uma destas armadilhas é a
das ilusões, com o surgimento de fenômenos luminosos ou de visões de belas
mulheres tocando instrumentos delicados e com todo tipo de coisas agradáveis de
modo a fazer com que o adepto desista de sua busca e intento de iluminar-se.

4. Meditar defronte ao muro por nove anos. Nesta etapa, a energia espiritual – o Shen –
sublima-se e cristaliza-se. Se trata aqui da contemplação surgida de uma grande
concentração que conduz à fusão na vacuidade.... A expressão ´meditar nove anos
defronte a um muro` refere-se a lenda na qual Bodhidharma, primeiro patriarca na
China do Budismo Zen, meditou por nove anos frente a um muro evitando um só
momento de sonolência.

109
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 54.
110
id. ibid., página 55.
Capítulo XXV

Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas

Todo o conteúdo tanto as descrições fisiológicas de Zhao Bichen quando texto de


taoístas, sobretudo da escola Wu Liu, provocaram muita ironia e espanto nos ocidentais que o
acusaram de inexatidão, de ´erros grotescos` etc. No entanto, a fisiologia taoísta está baseada,
fundamentalmente, na observação de repetições dos mecanismos psicofisiológicos
importantes que provocam sensações e percepções que, claro, é de caráter absolutamente
subjetivo.

Com muita propriedade, Zhao Bichen coloca em questão da importância das secreções
humorais do corpo como saliva, lágrimas, mucosidades, sêmen etc. com o fato de elas estarem
ligadas à fascinação que exercem sobre os taoístas.

Defende-se, em seus postulados, que a essência pode ser invertida graças à


concentração mental capaz de aumentar a luz interior. “Graças à concentração pode-se
aumentar a luz interior. Aqui aparece o laço estreito que para os taoístas existe entre o
fisiológico e o psicológico, entre matéria e espírito: toda troca espiritual origina uma troca
fisiológica (e sobre isto se trata a alquímica ocidental, convencida de que pode trocar a
matéria com o espírito)”111, destacando-se que, para os taoístas, não há separação entre corpo
e espírito.

Segundo esta concepção taoísta, a primeira troca energética ocorre quanto os gametas
do pai se unem aos da mãe para juntos formarem um novo alento, um novo sopro que dará
origem ao embrião propriamente dito. A segunda troca ocorrer quando o embrião de dez
meses (nove meses de gestação) respira o sopro da vida e quanto o espírito assume sua
própria natureza e se está preparado para vir ao mundo (nascer). A terceira troca, depois de
sua evolução e que vai até 16 anos, quando sua essência e sopro alcançam seu apogeu. “A
primeira passagem é a sublimação da essência e sua transformação em sopro. A segunda
passagem é a sublimação do sopro e sua transformação em energia espiritual, e a terceira
passagem é a sublimação da energia espiritual e seu retorno a Vacuidade”112.

111
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.
112
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.
A imortalidade, ou melhor, a longevidade é uma das metas destas práticas, mas não é a
única: os problemas essenciais da vida recebem uma solução original. No curso das três
etapas do trabalho alquímico, o taoísta aprende a suprimir seu desejo sexual que turva a paz
interior de um indivíduo e melhora sua saúde e talvez chega a adquirir a longevidade.

A partir da segunda etapa reduz o consumo de alimentos. Podemos lembrar que o


taoísmo antigo comportava um grande número de práticas que permitiam abster-se de cereais
(alimentos) alimentando-se do sopro e alcançar assim a imortalidade. Aqui a perda do apetite
aparece durante a sublimação do sopro.

E, por último na terceira etapa, a necessidade de dormir diminui. Estes fenômenos vão
acompanhado por um aumento da temperatura interna; as roupas perdem assim sua
importância. O ideal taoísta é poder ter uma vida frugal, com abrigo das necessidades
fisiológicas mais elementares como sono, alimento e sexualidade.

Também não se podem esquecer os textos e os alquimistas ocidentais, inclusive


citados no Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta que bem
estabeleceram comparações e analogias entre o microcosmo e o macrocosmo, conforme se
segue: “O paralelo entre macrocosmos e microcosmo é constantemente estabelecido nos
textos de alquimia ocidental e Fulcanelli insiste bem sobre isto quando diz “O alquimista
deve seguir o mais fielmente possível sua realização microcósmica, todas as circunstâncias
que acompanham a Grande Obra do Criador”113

113
Fulcanelli, Lãs moradas filsofofales, vol II – página 32 - Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia
y Medicina Taoísta – página 59.
Capítulo XXVI

Conclusão final:

É certo que nem todos pacientes estão prontos, ou desejam chegar a uma solução
original de voltar à infância, voltar à mãe, chegar à origem e, portanto, a imortalidade, ao Tao,
a vacuidade original. No entanto, a questão que se propõe nesta monografia é exatamente esta.
E se houver um paciente que busca no acupunturista/terapeuta suas iniciações nos mistérios
possíveis? Pode-se auxiliá-lo ? Quais conceitos que deveremos levar em conta na hora de se
aplicar uma agulha?

Estudando-se a figura publicada na página 41 do Wisheng Shenglixue mingzhi –


Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen podemos fazer analogias livres de
modo a picar pontos que possam auxiliar a fechar o circuito na pequena circulação que,
associadas aos métodos apresentados acima, sobretudo os da respiração e da fixação da
consciência em determinados pontos corporais, podemos destacar, em uma livre associação de
acupontos:

Wu – VG 20 (Pae-Roe)

Zi – VC 1 (Roe-Inn)

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Mao – VC 12 (Tchong-Koann)

Chen – VC 17 (Trann-Tchong)

Com as seguintes características de localização e tratamento de sintomas:

Wu – VG 20 (Pae-Roe) – Ponto de reunião de todos os meridianos Yang.

Sintomas: Sem força espiritual, preocupação com o passado, descuido com o futuro.
Demasiadas idéias e preocupações, Amnésia, perda de objeto, face vermelha e sensação de
congestão depois de ingerir vinho.
Indicado para estados de excitação, depressão, epilepsia, insônia, medo, falta de concentração,
histeria, neurastenia, cefaléia, anemia cerebral, hemiplegia e afasia. Obstrução nasal,
sangramento pelo nariz, hipoacusia, gazes e rinites. Hemorróidas, prolapso retal e palpitações.

Zi – VC 1 (Roe-Inn) – Ponto de reunião com o Vaso Governador e Vaso Tchrong-Mo.


Atua sobre o fígado, cabeça e todas as afecções dor órgãos genitais.

Sintomas: debilidade geral, afecções Yin. Hemorróidas, prurido anal, retenção de urina
e distúrbios menstruais.

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Sintomas: dores na parte baixa do tórax e na região lombar, gastralgia e visão


reduzida.

Mao – VC 12 (Tchong-Koann) – Ponto de alarme do meridiano do estômago. Ponto de


reunião com os meridianos do pulmão, fígado, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor,
intestino delgado e está relacionado com os Vasos Maravilhosos : Inn-Oe (CS 6 – BP 4) e
Tchrong-Mo (BP 4 – CS 6).

Sintomas: Todas as enfermidades e disfunções gástricas, náuseas, inapetência,


vômitos, gastralgia, diarréia, úlcera gástrica, meteorismo, aerofagia.

Chen – VC 17 (Trann-Tchong) – Ponto de alarme respiratório e do meridiano do triplo


reaquecedor. Vasos secundários se relacionam com os meridianos do coração, do intestino
delgado, rim, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor, fígado, pulmão, intestino grosso,
baço-pâncreas, bem como dos vasos maravilhosos Yang-Tsiao Mo (B 62 – ID 3) Tchrong-Mo
(BP 4 – CS 6) e Inn- Oe (CS 6 – BP 4)

Sintomas: Transtornos energéticos por excesso ou por carência. Tosse, asma, dispnéia,
dores no peito, angina, vômitos, espasmos no esôfago, lactação insuficiente, infecção nas
mamas.

*
Acreditamos, firmemente, que a Acupuntura como método terapêutico praticado com
constância, leva os indivíduos e os pacientes a retornarem, objetivamente, aos seus próprios
princípios, fato que permite a possibilidade do desenvolvimento das etapas da alquimia
interior como preconizavam os chineses antigos.

Atingir tudo por intermédio do vazio pleno, da vacuidade.

A proposta para reflexão, constante na inicial desta monografia, diz respeito


justamente à esta necessidade em estudarmos os pontos acima citados na busca de maior
consciência espiritual das pessoas que se submetem à Medicina Tradicional Chinesa – MTC,
sobretudo à acupuntura, desde que assim o desejarem.

Neste sentido, acreditamos que os acupontos VG 20 (Pae-Roe), VC 1 (Roe-Inn), VG 7


(Tchong-Su), VC 12 (Tchong-Koann) e VC 17 (Trann-Tchong) podem facilitar a
transformação energética, sem contar que alguns deles situam-se exatamente nos campos de
cinábrio, citados anteriormente, que poderão facilitar tal trabalho.

Quanto ao empirismo de tais afirmativas, apenas a experiência prática e clínica –


levando-se em consideração esta assertivas – exigirá ainda um certo tempo de modo que se
comprove ou se rechace tais possibilidades.

Certos de que fizemos nossa parte, com tal estudo e proposta,

aguardemos então o que o tempo – e a prática clinica – dirá.


Referências Bibliográficas

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua
Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984.

CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo,
2004.

GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento, São Paulo.

BRAZÃO, Fátima, Alquimia – Um processo de transformação da Alma. Trabalho inédito da


psicóloga clinica junguiana. São Paulo. 2004.

BICHEN, Zhao – Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta ––


traducción Del chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al
castellano de Francisco F. Villalba – Miraguano Ediciones.

SUSSMANN, David – Acupuntura – Teoría y Práctica – Décima Terceira Edicion – Editorial


Kier – Buenos Ayres, Décima Terceira Edição – Argentina. 2000.

KING, Nei – O livro de Acupunctura do Imperador Amarelo – Tradução dos 34 capítulos do


Huan Ti Nei Su Wen – Editora Terceiro Milênio – São Paulo. 1995.

SHU, Ling – Base da Acupuntura Tradicional Chinesa – Tradução e Comentários de Ming


Wong – Organização Andrei Editora Ltda., São Paulo, 1995.
Introdução

A idéia para a realização desta monografia para a conclusão do curso de especialização


em Ciências Clássicas Chinesas pela Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio
partiu da necessidade de o autor estabelecer alguns parâmetros entre sua prática clínica –
como terapeuta acupunturista ocidental – face à riqueza e profundidade da filosofia,
pensamento e espiritualidade chinesas.

Para ampliar o assunto em referência e tratando-se da origem do autor – descendente


de italianos, nascido e criado no bairro do Bom Retiro, próximo ao centro da cidade de São
Paulo, SP – buscou-se, então, levantar como foram, e de fato ainda é, para os cidadãos das
diversas culturas e formações os primeiros contatos do homem ocidental com a civilização
oriental.

Antes de tudo, é preciso destacar que tais contatos se deram em diversos momentos
históricos e de variedade muito grande de formas. Muitas delas, de maneira absolutamente
específica e individual, como foram os casos de alguns renomados sinólogos, sem contar a
experiência própria de G. Soulié de Morrant que, literalmente, mergulhou na cultura chinesa
de modo a apreender os cânones mais profundos da Medicina Tradicional Chinesa – MTC e
da Acupuntura para transformar-se, posteriormente, em seu introdutor às mentes da
civilização ocidental.

Dito isto, e excetuando-se tais sinólogos e o próprio Soulié de Morrant, pode-se


perguntar como foram os contatos entre estas duas civilizações hemisféricas? Como
ocidentais, cabe formular algumas perguntas.

– Como foi este impacto para nós, diante de uma cultura milenarmente mais evoluída?
Como este contato modificou – e ainda está modificando – sua prática clínica mediante a
aplicação da Acupuntura, por exemplo? Como foram as primeiras relações entre ´o estado da
alma` dos ocidentais com este mesmo estado dos orientais e vice-versa?

Em um trecho do livro ´O Segredo da Flor de Ouro, Um Livro de Vida Chinês`, com


comentários de C. G. Jung e R. Wilhelm114, o primeiro reconhece que o conhecimento do

114
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984.
O texto original Tai I Gin Hua Dsung Dschï provém de um circulo esotérico da China cujo teor foi transmitido
Oriente implicou em um conhecimento de uma civilização milenar, “edificada organicamente
sobre instintos primitivos, a qual nada tem a ver com a moralidade brutal dos germanos
bárbaros, recentemente civilizados que somos (referindo-se aos europeus). Por isso, os
chineses não têm tendência à repressão violenta dos instintos, que envenena nossa
espiritualidade, imprimindo-lhe um exagero histérico”115, escreve Jung116.

Uma repressão, como veremos no decorrer desta monografia, capaz de causar uma
ferida na psique que necessitará ainda de algum tempo antes de fechar-se totalmente.

Note-se, entretanto, que esta é apenas uma das premissas básicas, o ponto de partida
desta monografia que tem a presunção de analisar um outro tópico importante da filosofia
chinesa que, em seus ditames mais profundos, relaciona-se à alquimia antiga, por exemplo, e
sua possível importância na prática clinica do profissional acupunturista.

– Existem conceitos, até mesmo pontos de acupuntura que devem ser levados em
conta na hora de se aplicar uma agulha em tratamento de patologias comuns que podem
atingir o amplo conceito da alquimia? – Como a alquimia prevê a unificação de consciência e
vida? – Como se deve atentar aos pontos específicos, durante a anamnese, de modo a escolher
a melhor terapêutica, segundo tais princípios?

De fato, estas foram as primeiras perguntas surgidas ao se pensar sobre o tema desta
monografia e que se somaram a muitas outras relativas a tal proposta. Principalmente se
levarmos em conta a possibilidade de um corpo teórico – tão vasto e profundo quanto o da
Medicina Tradicional Chinesa – MTC, que conta com registros há pelo menos cinco mil anos
– que visa inclusive tratar de patologias consideradas contemporâneas e modernas de estudos
e relatos bem mais recentes. – Haveriam patologias tão similares na época antiga? – Como o
conhecimento filosófico pode auxiliar nesta prática clínica?

Estas são algumas das questões que procuraremos responder e também propor para
uma reflexão conjunta ao longo deste trabalho.

oralmente durante muito tempo. Mais tarde também por intermédio de manuscritos. A primeira publicação data
da época de Kiën-Lung (século XVIII), e em 1920 este texto foi reimpresso em Pequim, aparecendo numa edição
de 1000 exemplares, junto com o Hui Ming Ging.
115
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 60.
116
Carl Gustav Jung, ilustre médico suíço nasceu em 1875. No principio de sua carreira dedicou-se à psiquiatria
e à compreensão da psique humana. Contemporâneo de Freud, Jung foi considerado um de seus discípulos
favoritos. Porém com o tempo, diferenciou-se, pois acabou discordando e ampliando alguns de seus conceitos
principalmente no tocante ao desenvolvimento da sexualidade e seus distúrbios. Jung não satisfeito foi além.
Observando os sonhos de seus pacientes, mitos das mais diversas culturas e religiões, Jung constatou a existência
de uma estrutura psíquica comum a toda humanidade. A isto chamou de Inconsciente Coletivo.
Capítulo I

Ponto de Partida.

Contato ou Choque?

O contato entre as civilizações oriental e ocidental – logo após tomarem conhecimento


uma da outra – pode ser analisado sob diversos ângulos e facetas. Afinal, falamos de culturas
de natureza absolutamente diferentes, de formas e costumes totalmente díspares e, até então,
autônomos diante de um conhecimento que deve ser analisado, aliás, como tudo, em sentido
de mão dupla. De ida e de vinda, como tão bem preconiza a filosofia oriental, em especial a
chinesa.

É fato que foram – e ainda são – muitas as dificuldades, segundo a ótica do mundo
ocidental, para que se possa entender o âmago dos conceitos filosóficos – e, por conseguinte,
da própria Medicina Tradicional Chinesa –MTC em toda a sua magnitude.

A começar pela linguagem do mundo oriental. Peguemos, em princípio, este fato, o da


linguagem. É fato que não pretendemos adentrar aqui na complexa concepção filosófica dos
ideogramas, fato que daria, certamente, uma outra monografia. No entanto, iremos apenas
ressaltar que os ideogramas representam idéias e símbolos, ao contrário das palavras, sinais e
signos, conforme as conhecemos nos diversos idiomas ocidentais.

Vamos aqui nos ater às dificuldades de interpretação dos textos orientais segundo o
´ponto de partida`, a inicial de um texto e da defesa das idéias, algo semanticamente diferente
do que estamos acostumados a lidar.

O Centro como Partida

Uma diferença básica – e de fundamental importância – é que o autor chinês,


normalmente, parte do centro de suas idéias. Ele inicia seu texto, sua defesa teórica,
justamente pelo assunto principal, pelo mais importante. Depois, conforme o caso, ele vai
explicando, de maneira simbólica, o âmago apresentado logo no início.
É o que o ocidental denomina de ápice, meta, ou o último fato a ser conhecido em uma
explanação, seja textual, seja oral. É a conclusão teórica. Apenas para dar um exemplo prático
do que isto significa, é como se iniciássemos uma monografia pela sua conclusão.

Portanto, enquanto o oriental inicia sua explanação pela parte mais importante, nós,
ocidentais, damos inúmeros volteios até atingir o clímax do texto, ou apontar a conclusão de
todo o raciocínio teórico anteriormente apresentado.

Entre outros tantos exemplos, neste sentido, podemos citar duas frases inicias do texto
denominado Hui Ming Ging117:

“O que existe por si mesmo se chama Tao”.

Uma outra:

“O segredo mais sutil do Tao é a essência e a vida”118.

A tradução do chinês para o português, como se vê, indica uma série de palavras que
podem sugerir grande profundidade e magnitude teórica e filosófica. Lembremos de um
detalhe importante, já dito acima e que convém repetir. Não há única tradução para os
ideogramas, principalmente aos temas filosóficos, aos ligados à cosmogênese e no tocante à
Medicina Tradicional Chinesa – MTC.

Basta citar as traduções existentes relativas ao Tao, ideograma que possui, na


linguagem chinesa, dois sinais: cabeça e caminhar.

Por conta disso, muitos autores traduzem Tao por ´caminho` ou ´providência`. Alguns
jesuítas o adaptaram para `Deus´ e Richard Wilhelm, por seu lado, traduz o termo Tao por
´sentido`.

117
Essência (sing) e consciência (hui) – Hui Ming Ging, texto citado no livro O Segredo da Flor de Ouro – Um
Livro de Vida Chinês – C.G.Jung e R.Wilhelm, Editora Vozes, 2ª. Edição, Petrópolis, 1984, tradução de Dora
Ferreira da Silva e Maria Luíza Appy, página 36. Na página 83 desta mesma obra, Richard Wilhelm escreve que
o Hui Ming Ging, ou livro da Consciência e da Vida, foi editado por Liu Hua Yang, em 1794. Natural de Hukou,
província de Kiangsi, Liu Yang tornou-se posteriormente monge no Claustro da Dupla Flor de Loto (Shuang
Liën Si) na província de Anhui. A tradução foi baseada numa nova edição, que alguém, sob o pseudônimo de
Hui Dschen Dsï (aquele que se tornou consciente da Verdade), imprimiu juntamente com o Segredo da Flor de
Ouro, numa tiragem de mil exemplares em 1921.
118
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 36.
Diante disso, comprova-se, mais uma vez, que a tradução pode variar muito, segundo
o tradutor, sua filosofia, experiência de vida, raciocínio, formação didática e orientação
filosófica etc. Vale lembrar que, no caminho da tradução, também se pode utilizar a amplitude
do raciocínio analógico – que, aliás, vai muito além das simples comparações como as
utilizamos no decorrer do aprendizado nas escolas acadêmicas ocidentais –, de modo a
ampliarmos os conceitos inerentes ao nosso objeto de estudo.

Desta forma, para o conceito de ´cabeça`, por exemplo, pode-se fazer analogias com o
termo consciência, da mesma forma que com ´caminhar` para, juntando-se os dois símbolos,
ser traduzido como ´caminho consciente`. Ainda recorrendo-se à analogia, Tao também pode
ser livremente traduzido como a ´luz do céu` 119 , uma vez que a essência e a vida estão
contidas na luz proveniente do céu.

Como se vê, mais uma vez, ficam patentes as diferenças entre as culturas do Oriente e
do Ocidente, bem como de sua escrita e interpretação simbólica.

Enquanto aqui no ocidente o raciocínio e o pensamento seguem um determinado


sentido e de forma linear, reto e plano, no Oriente ele é mais parecido com o universo,
redondo, circular e global. Como se pode ver no exemplo que se segue:

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões120

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro eu”

Hui Ming Ging121

119
id. ibid., página 36.
120
Eflúvio – sm – Fluido sutil que emana dos corpos; emanação; perfume, aroma fragrância. Dicionários da
Língua Portuguesa – Soares Amora – 6ª. Edição – Editora Saraiva – Evitar a efluxão refere-se à proteção da
unidade da consciência contra a fragmentação provocada pelo inconsciente.
121
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37.
Segundo Carl Gustav Jung, na obra citada, estes versos contém uma indicação
alquímica, já que indica um método, ou mesmo caminho para a geração do ´corpo
diamantino`, que estudaremos a seguir:

“Para isso, é necessário um ´aquecimento`, ou seja, elevação da


consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja
´iluminada`. Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a
vida que deve ser elevada ou exaltada. A união de ambas produz ´a
vida consciente`. Segundo o (texto) Hui Ming Ging, os antigos sábios
conheciam o modo de suprimir a separação entre consciência e vida,
pois cultivavam as duas. Deste modo o ´scheli´ (corpo imortal) se funde
e se completa o grande Tao”122

Como escrevemos para o homem ocidental – e concordamos com Jung quando ele
ressalta a seriedade de se ter a concordância entre os estados psíquicos e o simbolismo do
Oriente e do Ocidente –, tais analogias abrem um extenso caminho que nos conduz “às
câmaras interiores do espírito oriental, caminho que não pede sacrifício de nossa própria
maneira de ser. Isto sim, seria uma ameaça de desenraizamento”, escreve Jung123.

Destarte, referindo-se aos que não sabem onde estão as verdadeiras fontes da força
secreta, diz Gu De: “As pessoas mundanas perderam as raízes e se atêm às copas das
árvores”.124

Neste ponto é possível destacar que estas analogias não são, nem um telescópio, nem
um microscópio intelectuais capazes de abrir uma perspectiva indiferente, pelo fato de nada
representarem de fundamental. Ao contrário, trata-se de um caminho que indica certo
sofrimento na busca e na luta comum a todos os povos civilizados; “trata-se da tremenda
experiência da natureza de tornar-se consciente, outorgada à humanidade, e que une as
culturas mais distantes numa tarefa comum”.125

Assim, com bastante propriedade, Jung, na obra citada, explica que o homem europeu,
“um germânico recém-civilizado” (uma vez que há apenas mil anos vivia ainda sob os

122
id. ibid., página 37.
123
id. ibid., página 36
124
id. ibid., página 62
125
id. ibid., página 66
ditames do politeísmo), invadiu o Oriente, em especial a China, defrontando-se com uma
civilização, em diversos aspectos, milenarmente mais evoluída.

Entre outras análises possíveis, o psiquiatra e psicanalista destaca que, justamente, sob
o ponto de vista psíquico e espiritual reside o aspecto e o ponto de vista onde esta invasão
física teve um, talvez entre os mais caros, preço. Afinal, por conta desta tentativa de
colonização e exploração, o homem branco – ocidental e europeu – precisou assimilar uma
cultura – e também um valor espiritual – de maneira muito mais intensa do que ele pudesse,
talvez, estar preparado. Faltou-lhe, então, estrutura.

Neste sentido, para Jung, o homem oriental chinês, por intermédio de seu modo de
vida muito mais natural, sempre conviveu de maneira muito mais harmônica com seus
próprios instintos. Enquanto o europeu, sobretudo depois deste contato – e conhecimento –
precisou reprimir estes instintos, a duras penas, diga-se. Instintos que foram guardados
´embaixo do tapete` sem, no entanto, perderem a sua força original. Afinal, ainda que no
inconsciente – colocado aqui como se lata de descarte fosse – eles continuaram vivos e fortes.

Principalmente porque o problema do progresso espiritual religioso, para Jung, deve


ser tratado com as diferenças entre o Oriente e o Ocidente, quanto ao modo de tratar a ´jóia`,
isto é, o seu símbolo central.

“Enquanto o Ocidente enfatiza a encarnação humana, a personalidade e a


historicidade do Cristo, no Oriente se diz: ´sem começo, sem fim, sem passado, sem futuro`.
Ou seja, enquanto o cristão subordina-se à pessoa divina e superior, à espera de sua graça; o
oriental sabe que a redenção depende de sua própria obra”. 126

Diante disso, este tópico mostra que o contato realizado entre tais civilizações causou
uma repressão dos instintos, uma ferida, do homem ocidental que ainda deverá levar muito
tempo para ser curada. O psiquiatra e psicólogo faz uma interessante analogia do homem
branco europeu com Amfortas, o rei pescador ferido na virilha pela lança de Longinus – a
mesma que feriu o Cristo. Os anjos confiaram e concederam a honra da guarda dos sagrados
objetos (a lança e o cálice que recolheu o sangue do Justo) para Tituriel, pai de Amfortas, de
quem a lança foi mais tarde surrupiada por Klingsor, o cavalheiro que fazia oposição à
comunidade dos santos guerreiros de Monte Salvat (Monte Saúde). Sua oposição advinha pelo
fato dele não ser admitido na Ordem dos Santos Cavalheiros.

126
id. ibid., página 66
Klingsor, então rouba a lança de Amfortas e o fere na virilha que, em se tratando de
figuras mitológicas, representa a própria humanidade agrilhoada ao sexo. Só depois de
Parsifal ter percorrido todos os arcanos maiores por duas vezes – na primeira vez ele deixa de
fazer a pergunta redentora ao se defrontar com o Graal – nosso cavalheiro tolo-inocente-herói,
na segunda oportunidade, consegue realizar a pergunta e libertar todo o reino da magia de
Klingsor.

Só depois disso ele consegue curar a ferida de Amfortas tocando-a com a lança.
Interessante simbologia e analogia já que apenas, e tão somente, o objeto que feriu será capaz
de curar.

Mas esta é uma outra história que, sem dúvida, mereceria esforços para a redação de
outra monografia, assunto que, no entanto, foge muito de nossos objetivos aqui traçados.

Então, retomando-se a pergunta título deste primeiro capítulo – Ponto de Partida,


Contato ou Choque? – deixemos a resposta aos nossos leitores, lembrando, entretanto, que o
raciocínio global, redondo, oriental caminha em contraponto ao modelo linear e cartesiano
ocidental.

Podemos também destacar que, se por um lado, o homem branco europeu invadiu
fisicamente a China, ele foi invadido interiormente por uma cultura milenarmente superior à
sua, o que lhe valeu a ferida do rei Amfortas, segundo Jung, e que agora se encontra em uma
busca incessante para tornar-se consciente do processo de cura de maneira ampla do
inconsciente de todo o mundo ocidental.

“Há pouco mais de mil anos caímos de um politeísmo cru numa religião oriental,
altamente desenvolvida, que impeliu o espírito imaginativo de semibárbaros a alturas que
não correspondem ao seu desenvolvimento espiritual. Para manter de um modo ou de outro
essa altura, era inevitável que a esfera do instinto tivesse que ser duramente reprimida.
Dessa forma, a prática religiosa e a moralidade assumiram um caráter decididamente brutal,
para não dizer maligno.

Os elementos reprimidos obviamente não se desenvolveram, mas prosseguiram e


ainda prosseguem vegetando no inconsciente, em sua barbárie primitiva... A ferida de
Amfortas e o dilaceramento fáustico do homem germânico ainda não estão curados. Seu
inconsciente ainda permanece carregado de conteúdos que, em primeiro lugar, deverão ser
trazidos à tona da consciência, para que a libertação seja possível”127, escreve Jung.

Em um outro trecho, em sua conclusão sobre este assunto, Jung reconhece que “a
invasão européia do Oriente foi um ato de violência em grande escala e nos legou - ´noblesse
oblige`- a obrigação de compreender o espírito do Oriente. Isto é talvez mais importante para
nós do que parecemos pressentir”.128

127
id. ibid., página 60.
128
id. ibid., página 69.
Capítulo II

Do Tao à Dualidade Primordial

Como dito, em seu âmago, o conhecimento tradicional chinês traz em seus símbolos –
e linguagem próprios – muito conteúdo a que nossas mentes ocidentais ainda não estão
acostumadas, até por questões semânticas e culturais, a discernir e entender.

Como se sabe, todo símbolo abrange além dos objetos palpáveis e visíveis e o que eles
podem significar, o que implica em sentidos ocultos em uma só expressão. Por isso é que a
sua interpretação permite riqueza variada de uma gama de significados que podem implicar
em uma série de associações que não podem ser reduzidas, simplesmente, e definidas em
única direção ou sentido. Aliás, definição, em última análise, significa colocar um fim. E o
símbolo caminha justamente em sentido contrário, ou seja, amplia significados. Em outras
palavras, a interpretação do símbolo depende de quem o interpreta, em qual contexto e em
qual momento se localiza, local, história, cultura, níveis de informação etc.

Polaridade em tudo

Ainda que de certa forma bastante popularizada – e até mesmo banalizada nos últimos
tempos por determinados meios e mídias – a filosofia do Yin e do Yang – as duas energias
opostas, mas complementares – o fato é que se trata, ainda, de uma teoria de difícil
compreensão em toda a sua abrangência e utilizando-se apenas a nossa habitual e linear forma
de raciocínio ocidental.

Afinal de contas, trata-se da polaridade primordial responsável pela construção do


universo e das dez mil coisas, inclusas aí as pessoas, bem como a interpretação da filosofia
dos cinco elementos – Água, Terra, Metal, Fogo e Madeira – que apresentam uma dimensão
bastante ampla e simbólica.

O Tao, em sua forma originária, como explica Wilhelm – que o traduz como ´sentido
do mundo` - consiste “em uma cabeça, que deve ser interpretada como ´começo`, e em um
sinal para ´ir` (ou andar), precisamente em seu duplo significado que implica também o de
´trilho`: além disso, ainda um sinal para ´deter-se` que desaparece na grafia posterior... O
pensamento subjacente é o de que ele, mesmo sendo imóvel, transmite todos os movimentos
outorgando-lhes a lei. Os caminhos do céu são aqueles através dos quais os astros se
movimentam; o caminho do homem é a via pelo qual ele deve andar”.129

Ao tratar da consciência celeste, ou ´luz do céu`, Wilhelm lembra e cita o Mestre Lü


Dsu que dizia: aquilo que é por si mesmo denominamos sentido (Tao).

“O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e
vida não podem ser vistos, estão contidos na luz do céu. A luz do céu não pode ser vista, está
contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do
Grande Uno”.130

Se estabelecermos paralelo com os dias atuais, podemos reconhecer que muito já se


caminhou nesse sentido, sobretudo nos avançados estudos sobre holografia, física quântica
(ora energia, ora partícula material), universos paralelos etc., onde se estabelece que uma
parte – pequena que seja – sempre possui em si o Todo em potencial, em um quantum
suficiente para auxiliar um possível processo de reconstituição após fragmentação.

No entanto, há muito ainda para se marchar diante da necessidade de se ter uma visão
poética do universo capaz de nos permitir adentrar ao hermetismo da linguagem chinesa. Tal,
fato, acreditamos, possibilita chamar a Acupuntura até de Arte Terapêutica – uma arte/ciência,
com absoluta praticidade, indicada para o tratamento de diversos males, inclusive de origem
psíquica, mas unindo a visão da natureza, do cosmos e do homem, em único organismo que é,
a um só tempo, fisiológico e anímico – portanto psíquico – e também espiritual.

Holismo – raiz de holístico – quer dizer a capacidade de sintetizar


unidades em totalidades organizadas. A filosofia oriental reza que o homem é
um todo indivisível, cujos componentes distintos não podem ser considerados
separadamente. Assim como no holograma, qualquer parte de uma imagem é

129
id. ibid., página 92.
130
id. ibid., página 97.
capaz de reconstruir a imagem inteira. Karl Pribam, neurocientista norte-
americano, faz interessante associação analógica do holograma com os
estudos de imagens do cérebro, o que explica que não se pode determinar uma
região exata para a memória, já que a mesma pode estar espalhada por
diferentes regiões do cérebro e que, ao se reconstituir, seria possível
reconstituir o todo. O símbolo funciona como um holograma ao evocar
imagens diversas para reconstituir o todo original, levando em conta pólos
opostos e conceitos diversos.131

Seguindo esta linha de raciocínio, então, pode-se afirmar que o homem representa
simbolicamente todo o universo e a natureza. Ainda que cada parte representada (pessoa) seja
única e individual, a soma delas é sempre diferente do total inicial, acrescida das
características – e experiências, diríamos, principalmente pelas vivências individuais – que
irão auxiliar, sobremaneira, na interpretação dos fatos e da própria vida na história de um
indivíduo. Segundo Soares Amora, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, o termo
indivíduo quer dizer: indiviso; o que não se pode dividir. Portanto, o indivíduo,
analogicamente, é a parte única que não se pode mais dividir.

E é justamente na alma do indivíduo onde se encontram as sedes das duas funções


mais importantes da alma humana: a emoção e o pensamento. Geralmente contraditórias,
portanto com forças distintas, uma vez que uma busca o prazer, enquanto a outra o raciocínio.

Além disso, pode-se também traçar um paralelo analítico (e analógico como dito
acima) com Pathos, enquanto emoção, sensações e sentimentos; e Logos, enquanto raciocínio
lógico e pensamentos. A patologia, então, pode ser encarada como um termo que merece ser
analisado sob a ótica do desequilíbrio entre Pathos e Logos, a emoção e o pensamento,
responsáveis pela vida anímica nesses dois campos de consciência do indivíduo.

131
CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004. A autora
é médica acupunturista e pós-graduada em Psicologia Analítica.
Capítulo III

Dois pólos: antagônicos,

mas complementares

O Yin é feminino, passivo, interno, sombra, mal, obscuro, terra, útero, inconsciente,
analogicamente relacionado a Eros, emoção. Já o Yang é masculino, ativo, externo, vida, luz,
bem, claro, céu, o falo, o consciente, relacionado a Logos, portanto, a razão. Nem um nem
outro tem conceito ou valor de bem ou mal no sentido de avaliação moral ou estética, é
preciso ressaltar. Ambos são pólos geradores do Universo que, aliás, não existiria um sem o
outro, seu oposto-complementar.

E é justamente deste conflito – amistoso, é preciso dizer – gerado por estes opostos é
que surge a fonte da vida e toda a sua diversidade. Vida e construção ou doença, morte e
destruição. É assim que os chineses propõem a resolução dos conflitos mediante uma análise
das enormes possibilidades criativas do relacionamento de ambos os pólos.

Quando o Yin e o Yang se unem, formam o universo – diferente do estágio inicial – a


exemplo do que ocorre com os gametas masculinos e femininos que geram uma criança
autônoma e diferente dos pais, aliás também relacionado à física quântica que trataremos mais
a frente.

Diz o Su Wen, um dos mais antigos livros sobre MTC:

“O Yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a


terra. O Yang corresponde ao movimento e a sua energia simboliza o céu;
portanto, o Yin e o Yang são caminhos da terra e do céu. Como o nascimento,
o crescimento, o desenvolvimento, a colheita e o armazenamento são levados a
efeito de acordo com a regra de crescimento e declínio do Yin e do Yang, então
o Yin e o Yang são os princípios que norteiam todas as coisas”.132

132
– O Livro do Imperador Amarelo - Tradução dos 34 capítulos do Huang Ti Nei Ching Su Wen, Editora
Terceiro Milênio.
Notável no símbolo do Tao ou do Tai Chi (acima), é que não há apenas e tão somente
a presença da polaridade, mas encerra-se também a idéia de que um pólo está contido no
outro, em seu oposto. Além disso, o símbolo do Yin e Yang dá uma clara idéia de movimento
e transformação, portanto, não se trata de algo estático, conforme, aliás, explica o I Ching, o
Livro das Mutações. No estágio máximo do Yin, (extremidade inferior), há a semente do
Yang, e no ponto máximo do Yang (extremidade superior), está a semente do Yin.

Em outras palavras – e em uma clara alusão à analogia já citada – à meia-noite ocorre


o início de um novo dia. E, ao meio dia, há o início de uma nova noite.

Ainda em se tratando do Tao, Wilhelm explica que do Tai Gi (símbolo acima) surgem
os princípios da realidade, o pólo luminoso (yang) e o pólo obscuro ou sombrio (yin). “Os
círculos estudiosos europeus pensaram primeiramente em relações sexuais. No entanto, os
sinais se referem aos fenômenos da natureza. Yin é sombra, portanto o lado norte de uma
montanha e o lado sul de um rio (uma vez que o sol durante o dia ocupa tal posição e faz com
que a montanha vista do sul pareça escura). Yang mostra em sua forma originária pálpebras
pestanejando e é – em relação ao sinal yin – o lado sul da montanha e o lado norte do rio”.133

Entretanto, deve-se destacar que Yin e Yang são só atuantes no domínio do fenômeno
e têm sua origem comum no Uno, sem dualidade, onde Yang é o principio ativo
condicionante e Yin o princípio passivo e condicionado. “Menos abstratos do que Yin e Yang
são os conceitos do criativo e do receptivo que procedem do Livro das Mutações. Eles são
simbolizados pelo Céu e pela Terra. Mediante a união de ambos e através da ação das forças
originárias duais dentro dessa cena (segundo a lei originária uma do Tao) se originam as
´dez mil coisas`, isto é, o mundo exterior”.134

133
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 92
134
id. ibid., página 92.
Capítulo IV

Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar

Como dito anteriormente, a linguagem chinesa utiliza ideogramas que transmitem


´idéias` e pensamentos. E o ideograma que representa Tchi, como os demais, possui diversas
representações e traduções possíveis. De “respiração”, “sopro” e até de “arroz cru” ou “não
cozido”. Para melhor entendermos isso, é preciso recorrer à gênese do Cosmos, a
Cosmogênese, ou seja, a explicação do surgimento do mundo, segundo os chineses.

O ´arroz cru` ou `não cozido`, segundo entendemos, possui a indicação de um


alimento que ainda necessita ser preparado. Trata-se de uma representação bastante profunda
e ampla já que ali, além do processo mecânico de exalar o ar, busca-se também atingir (no
sentido de buscar) a essência que está por trás do ato em si, a essência enquanto ´sopro`.

E é da polaridade original e primordial na criação do Universo – Yin e Yang – é que


surgem os cinco sopros primordiais que irão, depois, ´engendrar` (no conceito filosófico de
criar e manter), os cinco órgãos, as cinco vísceras e, por conseguinte, as cinco matrizes das
emoções que veremos oportunamente. É por isso que, quando se trata de Medicina
Tradicional Chinesa – MTC, o símbolo da escrita é de fundamental importância, cuja leitura e
interpretação dos ideogramas dependem dos indivíduos em questão e da época dos leitores,
conforme já foi dito.

Assim é, por exemplo, com Chen, termo que representa a palavra espírito e os sopros
universais. O sopro enquanto energia celeste, sopro divino, força transformadora, força vital
que engendra cada órgão do ser humano, segundo as suas especificidades.

Um outro conceito, que ainda pode ser destacado para auxiliar a explicar esta ampla
linha de raciocínio, é o do Tchi, ou Qi, que penetra todas as funções do ser vivo e é
responsável pela formação e transformação de toda a vida. Segundo preconiza a Medicina
Tradicional Chinesa – MTC, os padrões de funcionamento do corpo devem ser interpretados
segundo um agrupamento realizado em torno dos cinco elementos – Água, Madeira, Fogo,
Terra e Metal.
É a partir das inter-relações dos cinco elementos e de seus princípios é que resulta a
compreensão das determinações das etiologias das doenças, síndromes e também a
formulação de diagnósticos, bem próprios, diga-se, segundo explica a Medicina Tradicional
Chinesa – MTC.

Além dos cinco elementos, a Medicina Tradicional Chinesa – MTC leva em conta e
trabalha com oito princípios:

Yin

Yang

Profundo

Superficial

Deficiente (Vazio)

Plenitude (Excesso)

Frio

Calor
Capítulo V

Conceitos importantes sobre Energias

Entre as interpretações possíveis – bem como o estabelecimento da cultura oriental da


Medicina Chinesa – MTC e o conhecimento ocidental é preciso destacar alguns conceitos
importantes que devem ser levados em conta, por exemplo, no decorrer da realização da
anamnese pelo terapeuta/acupunturista, tanto na busca da etiologia das doenças, como na
elaboração do diagnóstico e também na especificação da linha do tratamento. A saber:

Oposição – um se opõe a outro, entretanto por intermédio de uma visão que visa o seu
próprio complemento – masculino e feminino, terra e céu, lua e sol, quietude e
movimento, calor e frio etc. – complementado pelo princípio da interdependência.

Interdependência – um não vive sem o outro. Não há dia sem noite, nem sombra
sem luz etc.

Consumo – excesso de um consome o outro.

Exemplo. Fogueira – fogo é yang, mas a lenha é yin. Um aumenta, o outro diminui.

Transformação – Yin transforma-se em Yang e vice-versa – tempestade e calmaria.


Capítulo VI

Patologias Modernas

versus Patologias Antigas

Há cinco mil anos não havia na China microscópios para detectar vírus e bactérias. No
entanto, se falava em energias perversas. Elas podem ser o vento, calor, frio, umidade ou
secura. De acordo com os cinco elementos, Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal que, por sua
vez, também agrupam uma série de determinadas doenças.

Além disso, o conceito de saúde para os chineses tradicionais antigos parte da


harmonia do Yin e do Yang e de seus movimentos, em cinco direções, em cinco elementos ou
símbolos. Os cinco movimentos são chamados de Wu Xing, onde Xing significa o que se
movimenta, os pés que se alternam – direita e esquerda – andar, caminhar, conduzir, agir.
Esses movimentos implicam nos elementos, nas cores, sabores, sons e também nos órgãos,
vísceras e suas funções no corpo e na mente do homem.

Vamos analisar cada um dos cinco elementos, indicando rapidamente o seu


movimento, a direção, imagem, ideogramas, órgãos e vísceras, aspectos, atitudes etc.

Fogo

Movimento: culminar, chegar ao máximo

Direção: multidirecional

Imagem: estouro, imagem de um raio

Ideograma: Huo

Dinâmica: explosão

Órgão: Coração

Víscera: ID – Intestino Delgado

Estação: Verão

Manifestação externa: tez, cor do rosto


Abertura: língua

Aspecto mental/emocional: Shen – espírito, consciência

Atitude: extroversão, comunicabilidade, sedução

Emoção: Alegria

Fatores de adoecimento: hiperexcitação, choques emocionais, bebidas alcoólicas,


alimentos gordurosos, perda de sangue

Madeira

Movimento: para cima, dirige-se ao alto

Direção: brota e cresce. Evoca.

Imagem: algo duro, fixo e linear

Ideograma: Mu

Dinâmica: direção ao alto

Órgão: Fígado

Víscera: VB – Vesícula Biliar

Estação: Primavera

Manifestação externa: unhas

Abertura: olhos

Aspecto mental/emocional: alma, inconsciente, força emocional

Atitude: ação, conquista, planejamento

Emoção: Raiva

Fatores de adoecimento: frustrações, alimentação gordurosa, álcool, raiva contida, irritação

Fogo (C – Coração e ID – Intestino Delgado) e Madeira (F –Fígado e VB – Vesícula Biliar)


são características Yang, portanto, com movimentos para cima e para fora. Água (R – Rim e
B - Bexiga) e Metal (P - Pulmão e IG – Intestino Grosso) – características Yin – apresentam
movimentos para baixo e para dentro.

Metal

Movimento de uma superfície lisa e brilhante

Direção: retorno

Imagem: separação do puro e do impuro, estratificação

Ideograma: Jin

Dinâmica: retração e decantação

Órgão: Pulmão

Víscera: IG – Intestino Grosso

Estação: Outono

Respiração, nariz e intestinos

Manifestação externa: pele e pêlos

Abertura: nariz

Atitude: introspecção, acúmulo, instinto, reflexo

Emoção: Tristeza

Fatores de adoecimento: cigarro, poluição, falta de líquidos, ambientes secos, luto, pesar,
perdas importantes

Água

Movimento que conduz à aproximação e à oscilação em torno de seu eixo

Direção: para baixo

Imagem: regeneração

Ideograma: Shui
Dinâmica: descida

Órgão: Rins

Víscera: B - Bexiga

Estação: Inverno

Clima: Frio

Vitalidade e ancestralidade

Ouvidos e força de vontade

Manifestação externa: cabelos

Abertura: ouvidos

Aspecto mental/emocional: força de vontade e capacidade de adaptação

Atitude: perseverança, coragem e autopreservação

Emoção: Medo, adaptação

Fatores de adoecimento: envelhecimento, doenças crônicas, excesso de atividade sexual,


excesso de trabalho, deficiência de energia hereditária

Terra

Movimento: alto, como um altar que fica no centro do Templo

Direção: multidirecional

Imagem: limite entre o Céu e a Terra – Mundo Interno e Mundo Externo

Ideograma: Tu

Dinâmica: função transmutação, centrar e fixar

Órgão: Baço e Pâncreas

Víscera: E - Estômago

Estação: Verão

Manifestação externa: lábios


Abertura: Boca

Atitude: reflexão, introversão, comedimento

Emoção: Pensamento, Reflexão

Fatores de adoecimento: pensamentos repetitivos, excesso de trabalho, ambientes úmidos e


frios, alimentos crus, alimentação desregrada
Capítulo VII

Ciclos de Geração e Dominância

Conhecidos os cinco elementos – os cinco órgãos e as cinco vísceras – agora é preciso


citar e destacar a importância dos ciclos de geração e de dominância entre eles, fundamental
conceito para que se possa entender o conceito de saúde e de doença, segundo os critérios e o
conhecimento chineses.

Antes porém, é preciso explicar e entender que há os ciclos naturais de geração: água
gera madeira, que gera fogo, que gera a terra, que gera o metal, que gera a água.

Assim, temos:

A água irriga a planta (madeira), que alimenta o fogo, que queima a madeira e deposita
as cinzas – que alimenta a terra – que gera em seu interior os metais e também a água que
brota da pedra e das fontes minerais.

Já o ciclo de dominância implica não apenas no controle, mas, também, no domínio de


um elemento sobre outro, o que, em última instância, impede o crescimento descontrolado de
qualquer um deles.

Desta forma, a água controla o fogo, que controla o metal, que controla a madeira, que
controla a terra, que controla a água.

Simbolicamente temos:

A água apaga o fogo, o fogo forja o metal, o metal corta a madeira, a madeira tira da
terra seus nutrientes para crescer e a terra absorve a água.

E é justamente no jogo e na correlação entre as forças dos ciclos de geração e de


dominância que deve haver um equilíbrio – saúde – e, caso entre em desequilíbrio, ocorre a
doença. Quer dizer, a patologia ocorre quando um elemento agride outro – a água agride a
terra, a terra a madeira, a madeira o metal, o metal o fogo e o fogo agride a água.

É o chamado ciclo de contra-geração e de desorganização interna.


Capítulo VIII

O número Cinco e sua Simbologia

Em chinês, o ideograma para homem é o pentagrama, a estrela de cinco pontas, que


entre outros tantos significados podemos destacar a figura de um homem em pé de braços e
pernas abertos. O quinto ponto é, justamente, a cabeça.

O número cinco também indica dois movimentos e um retorno.

As cinco posições são:

esquerda, direita, alto, baixo e centro

Trata-se de uma interpretação simbólica das posições – e dos eixos – de respeitável


importância para a realização de uma interpretação psicológica.
No eixo horizontal, por exemplo, pode-se fazer uma associação com o mundo interno
e o mundo externo do ser humano. O Eu e o Outro, o que é Self e o não-Self. No consultório,
diríamos nós, este eixo pode ser associado ao paciente deitado na maca. Já no eixo vertical, a
representação recai sobre o mundo da terra e o mundo do céu, as raízes e o crescimento, bem
e mal, corpo e espírito. Novamente no consultório, pode-se fazer uma analogia com o
terapeuta/acupunturista colocando as agulhas em seu paciente.
Na intersecção dos dois, bem no centro, se encontra a figura do homem que está entre
o céu e a terra.

Aspectos importantes
do número três

A importância da tríade, segundo a filosofia chinesa implica em uma série de


interpretações deste número na Medicina Tradicional Chinesa – MTC. De fato, a tríade
permite uma gama enorme de interpretações sintetizadas no corpo, alma e espírito no homem.
Além disso, grande número de religiões tem a tríade como base da sua filosofia e
prática, a exemplo do catolicismo – Pai, Filho e Espírito Santo – os Egípcios – Osíris, Ísis e
Hórus –, Hindus – Brahma, Vishnu e Shiva –, e mesmo na Cabala judaica onde se destaca, na
árvore sefirotal, a tríplice coroa – Kether, Chokmah e Binah, entre outros tantos exemplos.

Simbolicamente podemos dizer que as energias celestes são captadas pela respiração,
enquanto as telúricas pelos alimentos.

E claro está que esta é apenas uma visão simplista deste posicionamento filosófico e
prático como se verá adiante. Muito embora, nem todos autores estudados em nosso curso de
especialização em ciências clássicas chinesas estabelecem essa leituras paralela, conforme é o
caso de René Guénon, como destaca em sua obra A Grande Tríade. Ali o autor alerta,
sobretudo, as diferenças existentes entre ternário e a trindade cristã. “Antes de abordar o
estudo da Tríade extremo-oriental, convém pôr-se, cuidadosamente em guarda contra as
confusões e as falsas assimilações que circulam em geral no Ocidente e que provêm,
sobretudo, de se querer achar, em seja qual for o ternário tradicional, um equivalente mais
ou menos exato da Trindade cristã. Esse erro não é apenas de teólogos, que seriam ao menos
perdoáveis por querer reduzir tudo a seu ponto de vista especial...135”

Embora, mais a frente, e na mesma obra, o próprio Guénon reconheça que é possível
estabelecer comparações, desde que “dois ternários pertencentes a formas tradicionais
distintas é a possibilidade de estabelecer entre eles, de maneira válida, uma correspondência
temo a termo; noutras palavras, é preciso que seus termos estejam entre si, realmente, uma
relação equivalente ou similar”.136

Claro está, portanto, que se ocorre a possibilidade de correspondência – termo a termo


– em nosso modo de entender, se avaliarmos a ´função` de cada elemento em determinado
momento histórico, inclusive da vida dos terapeutas e também dos pacientes, então é possível
estabelecer paralelos então entre Pai, Mãe e Filho com a trindade cristã e a trimurti das
diversas religiões.

135
GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento – Tradução de Daniel Camarinha da Silva, página 13.
136
id. ibid., página 14.
Capítulo IX

Paralelo com a Física Quântica

Para a física quântica, o átomo e os seus componentes ora são partículas sólidas, ora
são ondas. Portanto, não há uma representação única e estanque, pois sua natureza é a própria
transformação, o movimento. Pode-se, em nossa opinião, estabelecer uma certa analogia com
o Yin e Yang, sobretudo se avaliarmos sob o ponto de vista de sombra e luz, matéria e
espírito. A matéria equivaleria, nesta leitura, à partícula (Yin) e o espírito à onda (Yang).

Destarte – e além disto – o moderno e atual modelo subatômico quântico, portanto,


serve como importante auxílio para a nossa compreensão, uma vez que não são, em sua
totalidade, aquilo que representam. Portanto, acreditamos ser justo ampliar a dimensão do
mundo psíquico que está por exigir uma transcendência do pensamento linear e racional, de
modo a tornar-se capaz de promover a possibilidade de se entrar no mundo intuitivo e
holográfico dos símbolos.

Como se vê, a holografia é uma interpretação que demonstra – por intermédio de


figuras e ‘projeções’ de imagens – que se pode partir de cada uma das partes e se chegar ao
todo; no entanto, e ao mesmo tempo, o Todo que chega a transcender a simples soma de suas
partes individuais. Podemos entender aqui como o Todo, por pequeno que seja o elemento ou
a ´coisa em si` como um pequeno Tao que se expressa igualmente em suas pequenas partes.

Analogia e bastante interessante do Tao e da própria humanidade.

Isto porque, seguindo na linha psicológica, para os chineses, o Tchi é aquilo que
movimenta o homem em direção ao mundo, no entanto, é mais do que simplesmente a libido,
conforme o conceito freudiano do termo. O Tchi, segundo os chineses, molda o homem e
pode torná-lo mais ou menos neurótico. Pode tanto libertar, quanto prender.

Assim, o Tchi proporciona também a formação da estrutura psíquica, por ser o homem
o resultado das “impressões energéticas” ao longo da vida, como o amor, a atenção, o vazio, a
falta de contato, a contenção da criatividade etc.
Capítulo X

Fatores de adoecimento, segundo a MTC

A Medicina Tradicional Chinesa – MTC aponta para duas direções para explicar os
fatores de adoecimento: um interno e outro externo.

Entre as causas externas podem ocorrer aquelas tanto por deficiência do sistema de
defesa (imunológico) ou por causa de um indivíduo sofrer muitas agressões do ambiente em
que vive. Elas não são excludentes e podem, inclusive, ser concomitantes.

Variam muito, de caso para caso, de indivíduo para indivíduo.

Em se tratando dos fatores internos podemos destacar a estrutura genética e


hereditária, bem como outros pontos que devem ser levados em conta, como o modo de vida e
também como a pessoa lida e convive com os seus próprios sentimentos. Em se tratando dos
fatores externos, pode-se citar o clima, as estações e o meio ambiente. Também se deve
considerar ainda que se pode adoecer no físico, na mente ou em ambos.

Nesta linha de raciocínio devemos lembrar que a partir do surgimento da medicina


psicossomática – e também das terapias com abordagem corporal no Ocidente – passou-se a
acreditar que as doenças físicas como gastrites, doenças articulares, cefaléia, doenças
intestinais e até mesmo o câncer teriam como base alterações emocionais. É fato que ocorreu
até um certo exagero neste sentido, uma vez que uma pessoa pode apresentar gastrite sem ser
nervosa, ou desenvolver um câncer sem ser uma pessoa ressentida ou muito magoada. O fato
é que pessoas bem resolvidas sob o ponto de vista emocional também podem ter câncer,
obesidade, gripe, dor etc.

No entanto, é preciso ressaltar, segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, os


fatores causadores da doença podem agir de forma diferente em um corpo mais frágil ou em
um mais fortalecido. A abordagem de que a saúde depende de inúmeras interações possíveis
entre o ambiente, emoções, alimentação, estilo de vida e inevitável vulnerabilidade do ser
mostra que na condição humana também se deve incluir a doença e a morte.

É por isso que há tipos de doentes que têm apenas doenças mentais e outros, somente
doenças físicas, uma abordagem, no entanto, que deve ser cuidados para não cindir, uma vez
mais, corpo e mente, dois aspectos de um mesmo organismo que não podem ser divididos, ou
separados.

Outro fato importante levado em conta pelos chineses é que o equilíbrio entre Yin e Yang,
entre o indivíduo e o meio não é estático, mas dinâmico como a própria natureza. No processo
de adoecimento leva-se em conta:

• Redução da energia vital e do Tchi correto quando o corpo não possui resistência
adequada para defender-se.

• Excesso de agentes patogênicos – também chamados de energia perversa ou Xué.

O desequilíbrio que leva à doença depende da interação entre o ´correto` e o


´perverso`. O Tchi correto depende de alguns fatores como:

• Alimentação.

• Resistência adquirida por treinamento (exercícios).

• Constituição física (hereditariedade).

• Meio circunvizinho (estabilidade ambiental).

• Estado mental.

Fatores de adoecimento externos

Entre estes fatores ressaltamos as alterações no clima, as estações do ano, vírus,


bactérias e aos chamados seis excessos como Vento, Frio, Calor ou Fogo, Umidade, Secura e
Canícula. Sabe-se que, quando o homem é capaz de se adaptar às variações climáticas, os
fatores externos não são considerados patogênicos. Caso contrário, ele adoece.

Por isso, a importância de identificar cada doença em cada pessoa examinando cada
paciente como único, com sua história, que exige exame físico, de língua, pulso etc. No livro
O Físico, o autor, Noah Gordon, traça a história romanceada da medicina. No texto, cita
Avicena – que alguns julgam como figura lendária, outros, entretanto, admitem e apostam que
ele de fato existiu. O importante nesta monografia e destacar uma frase que li no livro de
Gordon e que me marcou muito, então de autoria de Avicena, o ´Príncipe dos Médicos`
dirigida aos estudantes de medicina: “Os pulsos não mentem jamais”, disse ele.

Uma frase de efeito, curta, objetiva e absolutamente correta. Afinal, um paciente pode
dissimular um sentimento, uma emoção, ocultar ou tentar esconder um sintoma do terapeuta,
disfarçar um sinal do médico, do analista etc. No entanto, quando se apalpam os pulsos, as
batidas revelam até mesmo o indizível, o escondido, o oculto, e permite um diagnóstico
próprio da Medicina Chinesa e especialmente para a Acupuntura.

Para se medir o pulso, com os três dedos – indicador, médio e anular – de ambas mãos
– o médico/terapeuta/acupunturista ´mede` uma série de órgãos, avaliando se estão,
basicamente, excitados ou enfraquecidos. O Acupunturista mais experiente é capaz de avaliar
mais detalhes em cada um desses estágios. No entanto, para não sairmos do foco dessa
questão, é importante citar os órgãos avaliados numa tomada de pulso que antecede a
aplicação das agulhas.

Ao todo são 12 funções avaliadas:

Intestino Grosso e Pulmão

Estômago e Baço Pâncreas (para os chineses os dois órgãos formam um meridiano)

Triplo Reaquecedor e Circulação e Sexualidade *

Intestino Delgado e Coração

Vesícula Biliar e Fígado

Bexiga e Rim

Fatores de adoecimento internos

Referem-se às emoções, fato que faz parte integral da vida humana. Quando muito
intensas, ou porque permanecem por longo período, podem tornar-se fatores de adoecimento,
uma vez que podem gerar desarmonia nos órgãos e vísceras. Assim como as desarmonias nos
órgãos e vísceras também geram emoções alteradas e distorções da realidade. Assim, um afeta
o outro, assim como o Yin afeta o Yang e vice-versa. As principais emoções estudadas na
MTC são: alegria, raiva, tristeza, pesar, preocupação, medo e choque.

Nem externos, nem internos

Há uma gama variada que a MTC leva em conta como alimentação, ocupação,
excessos em geral, de trabalho, de exercícios físicos, de relações sexuais, sem contar os
traumas e epidemias.
Capítulo XI

Entidades Viscerais

“O coração é, segundo a concepção chinesa, a


sede da consciência emocional, que é despertada através
da reação emotiva dos cinco sentidos para as impressões
do mundo exterior”,137 Wilhelm.

Não se pode estudar o aspecto alquímico da Medicina Tradicional Chinesa – MTC


sem estudar as entidades viscerais: Shen, Hun, Po, Yi e Zhi. São estas entidades, assunto de
grande importância para o entendimento da psicologia e da alquimia em se tratando ao que
dizem os textos clássicos chineses, que tornam possíveis não apenas utilizar os seus conceitos
para o diagnóstico, como também para o tratamento dos pacientes com queixas psicológicas.

Por intermédio da anamnese e do diagnóstico de excessos ou insuficiências de


determinado órgão (ou função e, conseqüentemente, ´entidade visceral` que engloba também
associações entre funções), bem como de sua representação psíquica é possível determinar
quais as melhores linhas de tratamento que devem ser seguidas.

Sem aprofundar-se neste estudo – aqui caberia outra monografia – destacaremos,


rapidamente, o que representa cada uma delas, sem esquecer que todas representam a
consciência (Shen, que é o grande maestro) e os aspectos da alma, da intenção, do
pensamento, dos instintos, vontade de viver, entre outras.

Abaixo, um resumo das colocações, aspectos e características das denominadas


entidades viscerais:

Shen é o espírito, a consciência, ligado ao elemento Fogo, ao verão, também


com a claridade e a expansão. Também responsável pela razão, poder de
síntese, inteligência global com influência direta sobre as demais entidades

137
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 94
viscerais. O Shen individual é o que a pessoa recebe no céu anterior (antes da
concepção).

Hun é a alma, Madeira, primavera, ascensão, abertura e crescimento.


Imaginação e condicionamento. Memória rápida e não discriminativa como
ocorre em Yi.

Po é a alma corporal, Metal, outono, movimento de descida e recolhimento.


Autopreservação, preservação da espécie e sexualidade.

Yi, raciocínio e lógica, Terra, movimento de centrar ou dar referência. Intuição


e memorização, aprendizado consciente necessário para o amadurecimento do
ser humano.

Zhi, elemento Água, inverno, força e vontade de viver. Determinação do

prazer, vontade de realizar as tarefas. Disfunções – sentimento de culpa =

destrutivo e autopunição

O Hun está ligado ao Fígado e tem características associadas ao movimento e ao fluxo


de energia. Pode-se analisar como é a expressão do paciente (ou como está em determinada
fase da vida) mediante a análise do funcionamento deste órgão e a presença deste elemento
em seu quadro geral.

Ligado aos sonhos e a capacidade de planejamento e de traçar objetivos na vida, esta


entidade visceral também é responsável pelo inconsciente, pelos sonhos, arquétipos e
fantasias.

O Hun é o que separa e distingue o que é prazer de desprazer e nos mobiliza em


função do primeiro. Ligado diretamente aos músculos e à tensão ou relaxamento, essa
função/órgão (e entidade visceral) relaciona-se também às couraças conforme especificou
William Reich.

O Hun também está ligado com a agressividade e o olho é a sua expressão. Assim, o
olhar do paciente deve ser analisado pelo médico/terapeuta para avaliar este importante item
durante a anamnese inicial e em todas as demais sessões de tratamento.

Po é a camada mais primitiva da consciência instintiva e também chamada de alma


corporal. Reações de luta e fuga, ataques de pânicos ou impulsivos, além dos controles
esfincterianos são realizados por esta função. Aloja-se no Pulmão, fonte de energia do ar
(energia celestial) que gera a energia suficiente para a queima dos alimentos e sua distribuição
pelo corpo todo. É o espírito estruturante que condensa a energia para a formação de cada ser.

Dá a orientação para a manutenção da vida – necessidades de alimento, sono,


preservação de perigos (instintos) – e ajuda na estruturação também da consciência do Ego.
Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o Po, ligado também à pele. Helena
Campiglia 138 estabelece ligações do Po com o Id da psicanálise e ao cérebro reptiliano.
Atitudes como explosões, sustos, sobressaltos, reações espontâneas, irracionais ou instintivas
estão ligadas ao Po.

A entidade visceral Yi está ligada com a intenção e a ideação, sugestão, opinião, idéias
e pensamentos. Relacionada ao meridiano Baço-Pâncreas, esta função dá lucidez ao
pensamento e à consciência. É a compreensão, o julgamento e pode proporcionar a sabedoria.
Não à toa, representa o centro.

Doenças psicológicas como a bulimia e a anorexia também estão relacionadas aos


distúrbios do meridiano Baço-Pâncreas. Também as memórias corporais estão intimamente

138
CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004
ligadas a essa função que guarda as imagens, ideais e as intenções. Inspiração e criatividade,
pensamentos e a capacidade de decorar – memória – estão relacionadas ao Yi.

Pensamentos obsessivos são desequilíbrios dessa função. Por excesso. Quando há


deficiência, a pessoa não consegue se concentrar (ou tem dificuldades) de memorizar ou ter
raciocínio lógico. A astenia mental também está inclusa nessa entidade visceral.

Zhi pode ser traduzido como a força de vontade ou a capacidade de realização. Gera o
movimento do Tao, portanto é a base do funcionamento do Shen. Aloja-se nos Rins, órgão
responsável pela energia ancestral, também chamada de “bateria do corpo”. Pode-se, entre
outras maneiras, avaliar como está a função de um indivíduo, analisando sua capacidade de
realizar projetos e de concretizar idéias.

Alterações do Zhi podem gerar medo, sentimento de inferioridade, timidez,


desconfiança e, no pólo oposto, sentimento de superioridade, autoritarismo e falta de limites.
Também se relaciona aos objetivos, intensidade e direcionamento da atenção e energia nos
projetos de vida.

A tabela abaixo estabelece algumas relações entre entidades viscerais e reações


emocionais.

Entidade Meridiano Excesso Insuficiência

Yi Baço Calma excessiva, Falta de memória, esquecimento


tranqüilidade exagerada, freqüente, ansiedade
Pâncreas
fixação no passado, idéias crônica, falta de desejo e
fixas, pode virar obsessão desgosto
Shen Coração Excitação mental, alegria Abatimento, timidez, muitas
exagerada, riso constante e queixas, incapacidade de
CS
exagerado esforços físicos e mentais

Hun Fígado Cólera, raiva, ira e Falta de imaginação, de


irritabilidade concentração, de coordenação
de idéias, falta de iniciativa

Zhi Rins Autoritarismo, temeridade, Indecisão, medo, angústia,


pode gerar hiperplasia de aperto no peito, ausência de
próstata propósitos, fraqueza de caráter

Pó Pulmão Agressividade seguida de Desinteresse total, perda do


tristeza, (bi-polar), obsessão instinto de conservação,
pelo futuro, romântico nas expõe-se a riscos
artes desnecessários
Capítulo XII

Shen – o Espírito

Segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, o Shen forma-se no momento da


união do óvulo com o espermatozóide, do encontro da energia da mãe com a energia do pai,
quando se forma um novo ser, uma nova consciência. É da união da essência (Jing) dos pais
que cada órgão formado terá uma parte do Shen. A força do Shen depende da força da
essência dos pais, representada, sobretudo, no encontro primordial do Yang (pai) com o Yin
(mãe).

Assim, o Shen é responsável pela mente e por suas funções como vigília, percepção,
alerta, julgamento, interpretação, associações, memória, inteligência cognição, capacidade
exploratória, domínio dos impulsos, sono, insighths, juízo, humor, conhecimento, assimilação
de experiências, criatividade, armazenamento e uso das informações, autoconhecimento e
evolução.

Pulmão – Po

Baço – Yi

Rim – Zhi

Fígado – Hun

Coração – Shen

A caracterização em cada órgão e víscera do Shen realmente ocorre, mas é preciso


ressaltar que o Shen também é a capacidade de síntese de todas elas, além de origem
energética. Em outras palavras, o Shen está ligado à consciência individual e coletiva das
pessoas, além de ser a única ´entidade visceral` capaz de atuar e interferir nas demais.

“O que é espírito? O espírito (Shen) não pode ser escutado nem


ouvido. O olho deve ser brilhante de percepção e o coração deve ser aberto e
atento para que o espírito se revele subitamente pela consciência de cada um.
Não se pode exprimir pela boca, só o coração sabe exprimir tudo quanto pode
ser observado. Ao se prestar muita atenção, pode-se saber subitamente, mas
também se pode perde de repente esse saber. Mas Shen, o espírito, torna-se
claro para o homem como se o vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala
dele como espírito”.

Capítulo 26 do Su Wen, pertencente ao Nei Ching – a Bíblia dos


Acupunturistas
Segunda Parte
Capítulo XIII

Apêndices Psicológicos à chinesa

“O corpo é animado pela participação conjunta


de duas estruturas anímicas: 1. hun, que eu traduzi por
animus, uma vez que pertence ao princípio Yang e 2. po,
traduzido por anima, uma vez que pertence ao princípio
Yin. Ambos são representações obtidas mediante a
observação do processo da morte, tendo o sinal
característico do demônio do morto (gui)” 139 , escreve
Wilhelm.

Jung, colega e co-autor junto com Wilhelm do livro O Segredo da Flor de Ouro,
acredita ser adequada esta tradução uma vez que o caractere hun é composto do sinal ´nuvens`
associado ao sinal ´demônio`. Portanto, ´demônio das nuvens`, é um princípio, o sopro da
alma que pertence ao Yang, portanto masculino. “Após a morte, hun se eleva e se torna Shen,
´espírito ou deus que se expande e manifesta`”140, diz Jung.

Já a anima, chamada de Po, se escreve com caracteres correspondentes a ´branco` e a


´demônio`, portanto o ´fantasma branco`, que pertence ao Yin, à alma corporal, inferior e que
é feminina. “Após a morte, ela desce tornando-se ´gui`, demônio freqüentemente chamado
´aquele que retorna `( à terá): o fantasma ou espectro”141, escreve Jung.

Destarte, animus e anima na concepção chinesa se separam após a morte, seguindo


cada qual o seu próprio destino. “O animus está no coração celeste; de dia, mora nos olhos
(isto é, na consciência) e, de noite, sonha a partir do fígado”.

139
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 94
140
Página 52
141
Id. Ibidem
A anima, pelo contrário, é ´a força do pesado e turvo`, presa ao coração corporal,
carnal. “Suas atuações (efeitos) são os ´desejos carnais e os ímpetos de cólera`”142, escreve
Jung.

Aqui se pode recorrer a uma outra diferença fundamental entre as culturas oriental e
ocidental na concepção filosófica e religiosa entre ambas civilizações (conforme assunto
tratado em capítulos anteriores) que é a doutrina yoga chinesa a qual rejeita os conteúdos da
fantasia, assim como nós, ocidentais. Porém, por motivos diferentes.

“No Oriente, imperam concepções e doutrinas que permitem a plena expressão da


fantasia criadora; lá, é necessário proteger-se contra seu excesso. Nós, pelo contrário,
consideramos a fantasia como um pobre devaneio subjetivo. As figuras inconscientes não
aparecem, naturalmente, de um modo abstrato, despojadas de todo ornamento.

Pelo contrário, elas são engastadas e entrelaçadas num véu de fantasias, de um


colorido surpreendente e de uma perturbadora plenitude. O Oriente pode rejeitar essas
fantasias, porque há muito que já tirou seu extrato, condensando-as nos ensinamentos
profundos de sua sabedoria. Nós, porém, não experimentamos tais fantasias uma só vez, e
tampouco extraímos sua quintessênia. Ainda temos de recuperar uma larga faixa de vivências
experimentais e somente então, quando houvermos encontrado o conteúdo sensato na
aparente insensatez, poderemos separar o que é valioso daquilo que não tem valor.
Estejamos seguros de que a essência que extrairmos de nossas vivências será diversa da que
o Oriente hoje nos oferece”, escreve Jung.143

142
Id. Ibidem
143
Idem, Página 56
Capítulo XIV

O Porque de Jung

“A alquimia encontra-se no limiar da religião e da


ciência e é a mãe da química. Surge como produto
da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega”.

Fátima Brazão

Alquimia procede da palavra árabe Kimyâ (pedra filosofal). Em grego Khyméia – quer
dizer mistura de vários líquidos. Podemos destacar, entretanto, que a palavra ´curar`
significava, originalmente, ´serviço a Deus`, portanto, a cura ocorria num contexto sagrado.
Na Grécia, os pais da alquimia foram os filósofos pré-socráticos tais como Empedócles,
Thales de Mileto, Zénon de Eléa, Heráclito, Demócrito, Zózimo de Panápolis.

No trabalho, “Alquimia – Um processo de transformação da Alma”, a psicóloga


junguiana Fátima Brazão ressalta que a grande busca humana é encontrar um significado de
existir, “e a procura de um sentido para o mundo e o universo que equivale à busca para um
sentindo de si mesmo”. Em seu trabalho, Brazão lembra que a psique conta com um princípio
estruturador que unifica os conteúdos arquetípicos, o que Jung denominou de Self ou Si-
Mesmo.

“O Self é o centro ordenador e unificador da psique total (consciente e inconsciente),


assim como o eu é o centro da personalidade consciente ou ego”144.

Brazão lembra que Jung observou a existência de uma meta, uma direção, uma
finalidade na psique em direção ao Self. “A esse processo ele designou de Individuação, que
significa tornar-se uno”. Em linguagem chinesa, podemos recorrer ao caminho de retorno ao
Tao. Esta é uma das razões porque damos especial ênfase ao que Jung falava por ser o
médico, psiquiatra e psicanalista ocidental que mais se aproximou dos estudos relativos à
Alquimia oriental e ocidental.

144
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
“Cedo percebi que a psicologia analítica coincidia de modo bastante singular com a
alquimia... Foi, com efeito, uma descoberta marcante: eu encontrara a contraparte histórica
da minha psicologia do inconsciente. A possibilidade de comparação com a alquimia, bem
como a cadeia intelectual ininterrupta que remontava ao Gnosticismo, davam-lhe
substância... todo o procedimento alquímico pode muito bem representar o processo de
individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de
importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo
alquímico”145.

Ainda seguindo nossos estudos no trabalho de Brazão, encontra-se uma reflexão


interessante. “A alquimia encontra-se no limiar da religião e da ciência e é a mãe da química.
Surge como produto da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega. O patrono desta arte
é o Deus egípcio Toth, divindade da sabedoria que fora posteriormente identificado pelos
gregos como Hermes, para os latinos Mercúrio”. Destarte, os egípcios desejavam assegurar a
imortalidade por intermédio da técnica e magia. Assim, mumificavam seus mortos para se
tornarem divindades cósmicas, Queriam ser um com o universo. Eles acreditavam que o
espírito caiu na matéria e que precisavam libertá-lo.

145
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
Capítulo XV

Alquimia, pela Alquimia mesma

O processo clássico do trabalho dos alquimistas era criar uma substância transcendente
e miraculosa conhecida como o ´Elixir da Longa Vida`, percorrer o caminho da busca da
Pedra Filosofal. O procedimento, em primeiro lugar, era tentar descobrir qual o material
adequado, a chamada Prima Matéria, depois submetê-la, em seguida, a uma série de
operações que a transformariam em pedra filosofal.

Quando nos referimos aos estados mitológicos, que tratam da evolução da consciência,
cada um deles tem uma referência aos quatro elementos e com a própria operação alquímica.

Desta forma temos:

Calcinatio é a operação do fogo;

Solutio – a da água;

Coagulatio – a da terra;

Sublimatio – a do ar.

Comentaremos, a seguir, brevemente cada um deles:

Calcinatio

A calcinação envolve intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água e


todos os demais elementos passíveis de volatilização. Resta um fino pó seco, cinza branca.

São simbolizados por intermédio de três níveis de Fogo na alquimia ocidental: o Lobo,
o Leão e o Rei.
“Jung demonstrou que o fogo simboliza a libido, nesse sentido o lobo representa o
desejo e os instintos; o Leão é o impulso egocêntrico objetivo e o Rei é a consciência
objetiva”146.

Solutio

Em termos essenciais, esta é a operação que transforma um sólido em estado líquido.


O sólido desaparece no solvente, como se tivesse sido engolido. Solutio, então, significa o
retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – isto é, à Prima
Matéria. Se se considerarmos a água como o útero, a solutio é uma espécie de retorno a ele,
no entanto, com interpretação aqui de um ´renascimento`.

Já em se tratando do processo de transformação da consciência, isto ocorre quando os


aspectos fixos e estáticos da personalidade não admitem mudanças. O inconsciente coloca em
questão as atitudes estabelecidas do ego.

Uma receita alquímica de solutio diz :

“Dissolve então sol e lua em nossa água solvente, que é familiar e amigável, cuja
natureza mais se aproxima deles, como se fosse um útero, uma mãe, uma matriz, o princípio e
o fim de sua vida. E esta é a própria razão pela qual eles são melhorados ou corrigidos nesta
água, porque o semelhante se rejubila no semelhante...

Assim, convém te unires aos consangüíneos ou aos de tua espécie... E como sol e lua
têm sua origem nesta água, sua mãe, é necessário, portanto, que nela voltem a entrar, isto é ,
no útero de sua mãe, para que possam ser regenerados ou nascer de novo, e com mais saúde,
mais nobreza e mais força.”( Secret Book of Artephius)147

A solutio, de fato, tem duplo efeito: provoca o desaparecimento de uma forma e


também o surgimento de uma nova, desta vez, regenerada. Psicologicamente, é o sentido de

146
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
147
Idem.
que o velho princípio dirigente, que passou pela solutio, pede para voltar a ser coagulado
numa nova forma e com uma certa quantidade de energia à sua disposição.

De certa forma, o batismo tem o antigo significado da provação pela água. Significa
uma conversão total, na morte da velha vida e o renascimento de uma outra pessoa na
comunidade de crentes religiosos.

No batismo cristão, o indivíduo é unido com Cristo; quer dizer, vincula-se o ego com
o Si-Mesmo.

Lao Tsé descreve:

“O melhor dos homens é como a água.

A água a todas as coisas beneficia.

E com elas não compete.

Ocupa os (humildes) locais vistos por

todos com desdém.

Nos quais se assemelha ao Tao.

Em sua morada ama a terra.

Em seu coração, ama a profundidade.

Em suas relações com os outros, ama a paz;

No trabalho, ama a habilidade;

Em suas ações, ama a oportunidade.

Porquanto não querela,

Vê-se livre de reparos”

Já Jung, diz: A análise e a interpretação dos sonhos confronta o ponto de vista da consciência
com as declarações do inconsciente, com o que lhe amplia o horizonte limitado. Esse
afrouxamento de atitudes rígidas e restritas corresponde à solução de elementos pela aqua
permanens”148.

148
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
Para o professor Henrique José de Souza, ilustre conhecedor das ciências de todas as
Idades, diz em um de seus escritos que não são os remédios que curam, mas o magnetismo
que se estabelece entre o médico e o paciente149.

Coagulatio

A coagulatio pertence ao simbolismo do elemento terra. Refere-se, portanto, à


experiência no laboratório onde o resfriamento transforma um líquido em sólido. Em termos
essenciais, a coagulatio é o processo que transforma as coisas em terra. “Terra”, por
conseguinte, é um dos sinônimos de coagulatio.

“Pesada e permanente, tem forma e posição fixa. Não desaparece no ar por meio da
volatilização, nem se adapta facilmente à forma de qualquer recipiente, ao contrário da
água. Psicologicamente, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada
particular - isto é, tornar-se algo ligado a um ego”150.

Fátima Brazão, em seu trabalho, explica que nos mitos este processo aparece na
imagem pela ação (mergulho, batedura, movimento em espiral). “O Turba Philosophorum dá
a seguinte receita: Toma o mercúrio, coagula-o no corpo de Magnésio, no chumbo ou no
Enxofre que não queima etc.”

Sob o ponto de vista psicológico, a coagulatio significa que o Espírito fugidio de


Mercúrio é o espírito autônomo da psique arquetípica. “Significa nada menos que ligar o ego
com o Si-Mesmo, realizar a individuação. A assimilação de um complexo é, portanto, uma
contribuição a coagulatio do Si-Mesmo”, escreveu Brazão, ao estabelecer as seguintes
analogias em seu trabalho:

Atribuíam três agentes da coagulatio: o magnésio, o chumbo e o enxofre.

4. O Magnésio que significava vários minérios metálicos crus ou misturas impuras.


Psicologicamente, isto pode ser uma referência à união do transpessoal com a
realidade humana corriqueira.

149
Id. Ibidem
150
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
5. O Chumbo é pesado, sombrio e incômodo. É associado ao planeta Saturno, carrega as
qualidades de depressão, melancolia e da limitação. Assim sendo, o transcendente
deve vincular-se com a pesada realidade e com a limitação das particularidades
pessoais. Isso ocorre quando o indivíduo assume responsabilidade pessoal pelas suas
fantasias. É diferente da idéia pensada e a falada.

6. O Enxofre tem sua cor amarelada e seu caráter inflamável o associa ao sol. Por outro
lado, seus vapores têm mal cheiro e escurecem a maioria dos metais, é representado
como uma característica do inferno. Jung em Mysterum Coniunctionis, sintetiza o
enxofre:

“O enxofre constitui a substância ativa do sol ou, em linguagem psicológica, a força


impulsionadora da consciência: de um lado, a vontade, melhor concebida como um
dinamismo subordinado à consciência; do outro, a compulsão, uma motivação ou impulso
involuntário, que vai desde o simples interesse até a compulsão propriamente dita.

A compulsão é o grande mistério da existência humana. É o cruzamento da nossa


vontade consciente e da nossa razão por uma entidade inflamável que esta dentro de nós,
manifestando-se ora como um incêndio destruidor, ora como um calor que gera vida”,
escreve Fátima Brazão.

Sublimatio

Sublimatio é a operação que pertence ao ar, transformando os materiais por intermédio


da elevação e volatilização. O sólido, ao ser aquecido, passa diretamente para o estado gasoso
e sobe até a borda do vaso, onde volta a assumir o estado sólido na região superior, mais fria.
A destilação é um processo em que o líquido se torna vapor ao ser aquecido e volta a
condensar-se.

Desta forma, “o termo “sublimação” vem do latim sublimis, que significa “elevado”.
A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior torna-se algo
superior. Todas as imagens referentes ao movimento para cima, escadas, degraus,
elevadores, alpinismo, montanhas, voar, e assim por diante- pertencem a esse simbolismo.
Em termos psicológicos isso corresponde a uma forma de lidar com um problema
concreto”151. Por isso é que nas imagens da alquimia a sublimatio aparece como aquilo que
sai da terra e é transportado para o céu.

É a fase descrita como purificação. Quando são misturados num estado de


contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser purificados pela separação. O
simbolismo da sublimatio permanece no cerne de todos os esforços humanos voltados para o
desenvolvimento. Afinal, tudo aquilo que evoca nossos melhores aspectos de nossa natureza,
“mais elevada” é, com efeito, toda a moralidade, ética e partilham do conjunto de imagens
vinculado a ela.

Mortificatio

Segundo Jung, a opus alquímica tem três estágios: nigredo, albedo e rubedo: o
enegrecimento, o branqueamento e o avermelhamento. A nigredo, ou escurecimento, pertence
à operação denominada de mortificatio. Significa, literalmente, “matar”, sendo pertinente,
portanto, à experiência da morte. É a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao
negrume, à derrota, à tortura, à mutilação, ao apodrecimento. Todavia, estas imagens
sombrias com freqüência levam a imagens de crescimento e ressurreição.

“Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra. Em nível pessoal é positivo


ter consciência do próprio mal, porque a negrura é o começo da brancura”. De acordo com
a lei dos opostos, uma intensa consciência de um dos lados constela seu contrário. A partir
do negrume, nasce a luz”152.

Separatio

Considerava-se como a prima matéria um composto, mistura de componentes que são


indiferenciados e opostos entre si e que requeria um processo de separação. A mistura passa,
então, por uma discriminação de suas partes e componentes. Produz-se a ordem a partir da
confusão em um processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos da
criação.

151
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
152
Idem.
Aliás, o primeiro ato da criação é, portanto, a separação do casal divino, Pai Céu e
Mãe Terra, que os afasta o bastante para que seja criado um espaço para o resto da criação. Na
tradição chinesa, do Tao surgem o Yin e o Yang. Em termos psicológicos, o resultado da
separatio pela divisão em dois é a consciência dos contrários.

“Desta forma, a separatio é o elemento que dá ensejo à existência consciente e a


separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não eu; esse é o primeiro par de opostos”153.
Na medida em que os opostos permanecem inconscientes e não-separados, vivemos num
estado de participation mystique, já tratado anteriormente e que significa a identificação com
um dos lados de um par de opostos e a projeção de seu contrário como um inimigo. “O
espaço para a existência da consciência surge entre os opostos, o que significa que nos
tornamos conscientes de sermos capazes de conter e de suportar os opostos em nosso
interior”.

A criação por intermédio da separatio também é descrita como divisão em quatro (os
quatro elementos). O motivo desta divisão corresponde, em termos psicológicos, à aplicação
das quatro funções do ego. “São elas: a sensação que nos dias quais são os fatos; o
pensamento, que determina os conceitos gerais em que os fatos podem ser situados, o
sentimento, que nos diz se gostamos ou não dos fatos; à intuição, que sugere a possível
origem dos fatos, aquilo para onde podem levar e os vínculos que podem ter com outros fatos
e apresenta possibilidades, e não certezas”154.

Ainda sob o ponto de vista psicológico, Brazão lembra que as características ligadas à
separatio são: Logos-Cortador, espadas, facas, lâminas bem afiadas. O Logos é o grande
agente de separatio, aquele que traz a consciência e exerce poder sobre a natureza – interior e
exterior – graças à sua capacidade de dividir, nomear e categorizar. Ao separar os opostos, o
Logos traz clareza; mas, ao torná-lo visível, evidencia também o conflito. No texto do
Evangelho, podemos encontrar : “Eu não vim trazer a paz, mas uma espada...” Jesus: “Talvez
os homens pensem que eu vim para trazer paz à terra. Eles não sabem que eu vim para
trazer discórdia...” Um processo de separatio pode ser anunciado pelo aumento do conflito e
do antagonismo num relacionamento antes amigável. Isso será provável, em especial, se o
relacionamento for o de identificação inconsciente.

Um outro importante aspecto da separatio é vinculado ao termo “extractio”. A


extração é a separação entre a parte essencial e seu corpo. E preciso extrair o espírito da

153
Id., herdem
154
Id., herdem
matéria, alma do corpo. Isto representa, sob o ponto de vista psicológico, à retirada de uma
projeção, normalmente seguida pela mortificatio.

O produto da purificação da terra é a chamada “terra branca foliada”. Esta é então


unida ao “sol” purificado ou ao princípio do “ouro” pela receita: “Semeia teu ouro na terra
branca”. Os dois protagonistas – Sol e Lua, marido e esposa, terra e espírito – representam
todos os pares de opostos. Devem ser purificados por inteiro da contaminação mútua, o que
significa um diligente e prolongado escrutínio dos próprios complexos de cada pessoa.
Terminada a separatio, os opostos purificados podem ser reconciliados na coniunctio, que é
o alvo da opus. “Só pode se unir aquilo que foi devidamente separado.”155

Coniunctio

A coniunctio é o ponto culminante da opus. Destarte, os alquimistas ocidentais


chegaram a testemunhar em seus laboratórios exemplos variados de combinações químicas e
físicas, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira com propriedades distintas,
uma espécie de conjunção entre homem e mulher.

Este fato forneceu diversas imagens para a fantasia alquímica.

“Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é


aconselhável distinguir duas fases: uma inferior e uma superior. A coniunctio inferior é uma
união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou
discriminadas. É sempre seguida pela morte ou mortificatio. A coniunctio superior, por outro
lado, é o alvo da opus, a suprema realização. A experiência da união é quase sempre uma
mistura dos aspectos inferiores e superiores. Todavia útil distinguir entre os dois para
propósitos descritivos. A união dos opostos que foram separados de maneira imperfeita
caracteriza a natureza inferior”.

É justamente o objetivo da opus a criação de uma entidade miraculosa que recebe


vários nomes como “Pedra Filosofal”, “Nosso Ouro”, “Água Penetrante”, “Tintura” etc. Sua
produção resulta da união dos opostos purificados, e como combina os opostos, retifica toda
unilateralidade.

Descreve-se a Pedra Filosofal como: “uma pedra que tem o poder de amolecer todos
os corpos duros e de endurecer todos os corpos moles”, a pedra com Sapientia Dei que diz de
155
BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de
transformação da Alma.
si mesma: “Eu sou a mediadora dos elementos, que faz um concordar com o outro; aquilo
que é quente torno frio, e vice-versa, aquilo que é seco torno úmido e vice versa, o duro em
mole. Sou o final e o meu amado é o começo. Sou toda a obra, e toda a ciência oculta-se em
mim”156.

Também o termo “Pedra Filosofal” é a união de opostos. A filosofia, o amor pela


sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura
e crua. Assim, o termo sugere algo como a eficácia prática e concreta da sabedoria ou da
consciência.

Jung descreve o seguinte, sobre este assunto:

“Eros é um kosmogonos, um criador e pai-mãe de toda consciência superior. Por


vezes sinto que as palavras de Paulo –“ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos
anjos, mas não tivesse amor” – podem muito bem ser a primeira condição de todo o
conhecimento e a quintessência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da
frase “Deus é amor”, as palavras afirmam o complexo oppositorum da cabeça de Deus....

Somos, no sentido mais profundo, as vítimas e os instrumentos do “amor”


cosmogônico... Sendo uma parte um homem não pode captar o todo. Ele se encontra a mercê
do todo. Pode obedecer a ele ou rebelar-se contra ele; mas sempre é tomado por ele e
contido dentro dele. Depende dele e é por ele sustentado. O amor é sua luz e sua treva, cujo
final ele não pode ver. “O amor não termina” – que o homem fale com as “línguas dos
anjos” ou persiga, com exatidão cientifica, a vida da célula em sua fonte última. ... Se possui
um grão de sabedora, ele deporá as armas e nomeará o desconhecido pelo ainda mais
desconhecido, ignotum per ignotius - isto é, como o nome de Deus. Essa é uma confissão de
humildade, de imperfeição e de dependência; mas, ao mesmo tempo, um testemunho da
liberdade do homem para escolher entre a verdade e o erro.” 157

Não poderíamos encerrar esta parte da monografia sem citar um dos textos
considerados entre os mais sagrados da alquimia, conhecido como ´A Tábua da Esmeralda` de
Hermes, o Trimegistro, o três vezes grande, escrita em latim, embora em 1923 fora descoberta
também uma versão na língua árabe.

156
Id. Ibidem
157
Jung, Memories, Dreams, Reflections, p. 353s
1 – Verdadeiro, sem enganos, certo e digníssimo de crédito.

2 – Aquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima, e aquilo que está em cima é
igual àquilo que está embaixo, para realizar os milagres de uma só coisa.

3 – E, assim como todas as coisas se originaram de uma só, pela mediação dessa coisa, assim
também todas as coisas vieram dessa coisa, por meio da adaptação.

4 – Seu pai é o sol; sua mãe, a lua; o vento a carregou em seu ventre, sua ama é a terra.

5 – Eis o pai de tudo, a complementação de todo o mundo.

6 – Sua força é completada se for voltada para dentro da terra.

7 – Separa a terra do fogo, o sutil do denso, com delicadeza e com grande ingenuidade.

8 – Ela ascende da terra para o céu, e desce outra vez para a terra, e recebe o poder do que
está em cima e do que está embaixo. E, assim, terás a glória de todo o mundo. Desse modo,
toda a treva fugirá de ti.

9 – Eis o forte poder da força absoluta; porque ela vence toda coisa sutil e penetra todo
sólido.

10 – E assim o mundo foi criado.

11 – Daqui virão as prodigiosas adaptações. à feição das quais ela é.

12 – E assim sou chamado Hermes Trismegistus, tendo as três partes da filosofia de todo o
mundo.

13 – Aquilo que eu disse acerca da operação do sol está terminado.


Capítulo XVI

Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior

Nos textos sobre fisiologia taoísta de alquimia interior, estudados no decorrer de nosso
curso de especialização em Ciências Clássicas Chinesas, sobretudo no Weisheng Shenglixue
mingzhi 158 aparecem as palavras campo de cinábrio159 e os meridianos curiosos, meridianos
singulares ou, como melhor chamamos, vasos maravilhosos. Estes termos aparecem segundo
uma interpretação do corpo humano e de seu funcionamento, segundo uma forma taoísta de
encará-lo.

Os campos de Cinábrio (dantian) são alguns locais do corpo humano reconhecidos


como sedes das transformações e das mutações, segundo aponta o citado texto. “O cinábrio, o
sulfureto de mercúrio, é uma forma inferior de uma pedra vermelha que, em alquimia
chinesa, é a matéria prima da pedra filosofal. Em outros termos, o cinábrio é a matéria de
base para a elaboração do ouro em alquimia externa, a droga (no sentido de remédio ou
medicamento) da imortalidade em alquimia interior”.160

Este mesmo texto cita o Shuowen, fazendo referência à lembrança de que o cinábrio
(dan), representa um poço, um agujero (agulheiro ou buraco) que contém uma pedra,
garantindo e lembrando que o cinábrio é muito abundante no sul da China, realizando,
entretanto, importante ressalva. “Os campos de cinábrio não são, pois, nem depósitos e nem
lugares ordinários, e sim campos onde se transformam certos materiais segundo a alquimia
interior”.161

E, muito embora o texto original chinês não dê nenhuma precisão onde se localizam os
campos de cinábrio, conta que a respiração penetra desde o fundo da cabana (choupana) no
campo de cinábrio, onde a essência e o alimento são mantidos na busca da longevidade.

158
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – traducción Del
chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al castellano de Francisco F. Villalba –
Miraguano Ediciones.
159
Optamos em manter a palavra Cinábrio uma vez que na língua portuguesa há: Zinabre - sm Azinhavre.
Azinhavre – sm – Substância verde que se forma nos objetos de cobre expostos ao ar ou umidade, conforme
Dicionário da Língua Portuguesa – Soares Amora – Editora Saraiva.
160
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 19.
161
id. ibid., página 19.
Apenas por volta dos séculos III e IV é que aparecem três campos de cinábrio.

A saber:

• O inferior, embaixo do umbigo.

• O mediano, ao nível do coração.

• O superior, na cabeça.

Note-se que há alguma discrepância entre a localização exata do campo de cinábrio


inferior entre textos mais recentes – Baopuzi neipian e Dengzhen yinjue, do século IV – e os
mais antigos como Taixi jing e Xiuzhen shishu. Enquanto os primeiros o localizam a 2,4
polegadas abaixo do umbigo, os mais antigos referem-se ao mesmo campo a 1,3 polegada
abaixo do umbigo, sendo que a medida de 2,4 polegadas, segundo o texto estudado, é a
medida adotada pela maioria dos taoístas contemporâneos. Voltaremos a este assunto mais
adiante. Ao contrário de outros campos de cinábrio, onde se discute com detalhes sua
localização e função, o inferior é raramente citado e encontrado nas obras clássicas chinesas.

“Raros são os textos que dão outras precisões sobre sua localização. Se pode citar um
texto das Seis Dinastias, de Laozi zhongking (Yunji qiqian), que o descreve da seguinte
maneira: ´O campo de cinábrio (inferior) é a raiz do homem. É onde se acumula a essência e
a energia espiritual. É o lugar da origem dos cinco alentos, o palácio do embrião. É onde se
acumula a essência do homem e a menstruação da mulher. Preside o nascimento e é a porta
da união do Yin e do Yang, e se situa a três polegadas abaixo do umbigo”.162

Este mesmo texto dá forma e cores:

• É vermelho no centro.

• Verde à esquerda e amarelo à direita.

• Branco acima, negro abaixo. Quadrado e redondo.

162
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
• Mede quatro polegadas e tem como modelo o céu, a terra e o homem.

• As cinco cores tomo como modelo os cinco elementos.163

No entanto, segundo Zhao Bichen no texto que ora estudamos, ocorre uma leitura que
acima confunde o cinábrio inferior com o útero e com o sexo. “Pelo que se refere às cores,
sua distribuição não corresponde com a repartição corrente das cores no espaço conforme se
segue: amarelo no centro, vermelho no sul, negro no norte, branco no oeste e verde no
leste”164.

Ainda segundo Zhao Bichen, na alquimia interior os campos de cinábrio são lugares
de transformação da essência, dos sopros e da energia espiritual. São três regiões do corpo
onde se concentram três etapas do trabalho psicofisiológico.

Conforme o Tratado dos Três Campos e os Três Cinábrios165, “a energia espiritual


que nasce no seio do sopro166, se situa no cinábrio superior; o sopro que nasce do seio da
essência, se situa no cinábrio mediano; e a união da água e o sopro verdadeiro forma a
essência que se situa no cinábrio inferior. No campo superior é a morada da energia
espiritual, no campo mediano o palácio dos sopros e no campo inferior é a região da
essência”167.

Outro clássico chinês – Dacheng jiejing168 – também cita os campos de cinábrio e os


nomeia.

“O campo de cinábrio superior o Niwan, se situa no centro da cabeça. Também


chamado Tanque (ou reservatório) do Loto Superior (shang lian-chi), e é onde está contida a
energia espiritual. O campo de cinábrio mediano, também chamado Caldeirão da Terra (tu
fu) o Tanque do Loto Mediano (zhong lianchi), se encontra a 3,6 polegadas por debaixo do
centro do corpo. Mede 1,2 polegadas, e é o lugar onde se alimenta o embrião. Está situado a
direita da Morada do Arcana (dongfang), e a esquerda do Minstang. O campo de cinábrio
inferior, também chamado Tanque Florecido (huachi) ou Oceano dos Sopros (qihai) se situa
a 1,3 polegadas por debaixo do umbigo. Está a mesma distância do cóccix que dos rins e

163
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
164
id. ibid., página 20.
165
Xiuzhen shishu, compliacion de los Song, número 263 – página 6b.
166
sm 1 hálito, bafo, alento. 2 vigor. 3 esforço. 4 fig ânimo. Do espanhol aliento pode-se traduzir para o souffle,
em francês – sopro, conforme utilizamos a tradução nesta monografia.
167
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.
168
Dacheng jiejing, escrito por Liu Huayang no século XVIII
corresponde às gônadas. É onde está encerrada a essência e é o lugar onde se recolhe o
remédio. Também está situado a esquerda do Mingtang e a direita da Morada do Arcano169”.

Segundo Zhao Bichen, os textos de alquimia interior não fazem mais do que descrever
a circulação dos sopros internos pelos vasos maravilhosos de uma maneira mais ou menos
velada, citando o Nanjing – O Livro das 81 Dificuldades que tem três capítulos sobre os oitos
meridianos curiosos, extraordinários ou, como preferimos chamar, de vasos maravilhosos.

“Li Shizhen, célebre médico da dinastia dos Ming, retoma o exposto no Nanjing e
ressalta que o essencial para um médico conhecer bem o papel destes oito meridianos, com o
fim de não buscar vagamente a causa de uma enfermidade, e que um taoísta, graças a estes
meridianos, irá assegurar o bom funcionamento do forno e da caldeira”170.

Ainda segundo este mesmo texto, para os taoístas, os oito meridianos curiosos
desempenham um papel diferente na circulação da energia ancestral já que postulam que estes
meridianos estão bloqueados nos homens comuns que, entretanto, podem funcionar
plenamente por intermédio de exercícios e esforços que estimulariam o seu funcionamento.

169
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 21.
170
id. ibid., página 21.
Capítulo XVII

Os Oito Vasos Extraordinários,


Curiosos ou Maravilhosos

Os Vasos Maravilhosos, como preferimos chamar, são também conhecidos como


meridianos Extraordinários ou Curiosos e possuem características muito próprias,
principalmente porque são virtuais, isto é, no estado normal do organismo eles encontram-se
como ´adormecidos`. Enquanto os vasos da grande circulação transportam a energia de forma
continuada, os Vasos Maravilhosos só aparecem em estados patológicos.

“Todo transtorno de energia que não pode ser ´absorvido` pela ´pequena circulação`
e seu mecanismo regulador, irá buscar drenar em algum Vaso Maravilhoso”171.

Além de seu funcionamento em estados patológicos, contrariamente, eles são


poderosos aliados no tratamento por intermédio da acupuntura. Diferentemente dos demais
meridianos de energia, os Vasos Maravilhosos possuem pontos mestres que abrem os vasos e
assim o reconectam à grande circulação de energia.

Além disso, eles não precisam de pontos próprios, já que estes pontos mestres fazem
parte de outros meridianos conforme o caso.

Existem oito Vasos Maravilhosos – sendo quatro de natureza Yang e quatro de


natureza Yin. São os seguintes:

Os quatro Vasos Maravilhosos Yin:

5. Tchrong-Mo – Ponto Mestre – BP 4 (Kong-Soun)

6. Inn-Oe – Ponto Mestre – CS 6 (Nei-Koann)

7. Jenn-Mo – Ponto Mestre – P 7 (Lie-Tsiue)

8. Inn-Tsia-Mo – Ponto Mestre – R 6 (Tchao-Rae)

171
Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco – David
Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Los Vasos Maravilhosos – Página 271.
Os quatro Vasos Maravilhosos Yang:

5. Tae-Mo – Ponto Mestre – VB 41 (Linn-Trsi)

6. Iang-Oe – Ponto Mestre – TR 5 (Oae-Koann)

7. Tou-Mo – Ponto Mestre – ID 3 (Reou-Tsri)

8. Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-Mo)

O Vaso Maravilhosos Jenn-Mo e Tou-Mo são distintos não bilaterais como os demais
e relacionam-se com a pequena circulação. Os demais se relacionam e se agrupam em pares:

Primeiro Par

3. Tchrong-Mo – BP 4

4. Inn Oe – CS 6

Segundo Par

3. Tae Mo – VB 41

4. Iang-Oe – TR 5

Terceiro Par

3. Tou-Mo – ID 3

4. Iang-Tsia-Mo – B 62

Quarto Par

3. Jenn-Po – P 7
4. Inn-Tsiao-Mo – R 6

A escolha de um determinado Vaso Maravilhoso se dá conforme a patologia


apresentada pelo paciente e de acordo com a experiência clínica do acupuntor. “Existe até um
índice terapêutico, com os pontos sintomáticos de cada enfermidade, figurando o Vaso
Maravilhoso correspondente. Ademais, os Vasos Maravilhosos podem ser usados conforme o
critério clínico geral”172.

Depois de escolhido o Vaso Maravilhoso, a sessão de acupuntura deve ser iniciada


pelo ponto mestre, deste vaso, seguido dos pontos sintomáticos e se encerra com o ponto
mestre do vaso par correspondente.

Abaixo citamos algumas indicações173 destes Vasos Maravilhosos, sem entrarmos nos
trajetos já que isto iria demandar muitas explicações que fogem do escopo principal desta
monografia.

Assim temos:

1 – Tchrong-Mo – BP4 (Kong-soun)

Indicações: Transtornos digestivos, aerofagia, todas as enfermidades do estômago


como hiperacidez, inapetência, gases estomacais. Todas as enfermidades intestinais, diarréia e
icterícia. Angina, palpitações, taquicardia, arritmia, endocardites, miocardites, pericardites.
Hipotensão. Em resumo: indicado para dores da região cardíaca, males digestivos, transtornos
hepáticos e transtornos relacionados ao tubo digestivo.

2 – Inn-Oe – CS 6 (Nei-koann)

Indicações: Indigestão, constipação espamódica, convulsões, hipertensão,


arteriosclerose, artrites, varizes, hemorróidas. Obesidade, depressão mental, melancolia,
tristeza, timidez, neurastenia, emotividade, inquietude, angústia, ansiedade, temor, agitação,
riso nervoso, amnésia, sonhos, pesadelos, transtornos mentais e delírio.

172
Acupuntura – Teoría y Práctica – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Página 273.
173
Conforme indicações de David Sussmann, em sua obra, Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua
Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco.
3 – Tae-Mo – VB 41 (Linn-tsri)

Indicações: Artrites e artroses, reumatismo articular agudo, contratura das mãos, pé e


dedos. Tremores nos quatro membros, especialmente do pé. Cefaléias e vertigens. Dores e
edemas na face, olhos, ouvidos e garganta. Dores e nevralgias dos quatro membros, inchaço
do abdômen, vômitos. Menstruação insuficiente, inflamação das mamas, anemia, debilidade
física e mental profundo com esgotamento, enfraquecimento.

4 – Yang-Oe – TR 5 (Oae-koann)

Indicações: Dores nas articulações dos membros, frio nos joelhos, mal estar nos braços
e pernas, enxaquecas, lombalgias e dores na coluna vertebral, no pescoço, cabeça e nas órbitas
dos olhos. Calor e paralisia dos membros. Suores noturnos, dores oculares, prurido
generalizado, dermatites, acnes, otites, sangramento do nariz, excesso de menstruação.

5 – Tou-mo – Ponto Mestre ID 3 (Reou-tsri)

Indicações: Temores, contratura dos membros, confusão mental, enxaqueca, edemas


nos olhos com lacrimação, dor lombar, joelhos, dentes, glaucoma, conjuntivite, estomatite,
gengivite, amidalite, angina, surdez, epilepsia, alucinações. Em resumo: transtornos artríticos,
reumáticos, nervosos e cerebrais.

6 – Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-mo)

Indicações: Contração da coluna vertebral, edema nos maléolos, cefaléia com dor nos
olhos, dificuldades para estender ou flexionar os membros, abscesso na mama, zumbido nos
ouvidos, dores articulares, edemas. Afecções paralíticas nos membros, congestão cerebral,
hemorragia cerebral, afasia.

7 – Jenn-Mo – Ponto Mestre P 7 (Lie-tsiue)

Indicações: Dermatites, eczemas, cefaléia occipital, insuficiência pancreática,


diabetes, todas as enfermidades pulmonares, tosse, bronquite, congestão pulmonar,
broncopneumonia, gripe, coqueluche, tuberculose pulmonar, enfisema, asma. Todas as
enfermidades do nariz: rinite, sinusite, alergias, faringites, laringites, astenias e todas as
inflamações da mucosa.

8 – Inn-Tsiao-Mo – Ponto Mestre R 6 (Tchao-raé)

Indicações: Todos os transtornos da micção, enurese, cistite, frigidez, impotência,


esterilidade, prostatite, corrimento vaginal, dores e congestão ovárica, transtornos da
menstruação, regras abundantes, ameaça de aborto, insônia, constipação crônica. Em resumo:
todos os transtornos genito-urinários.
Capítulo XVIII

A Flor de Ouro é o Elixir da Vida

O significado literal de Gin Dan é esfera de ouro, a pílula de ouro, ou o Elixir da Vida,
a Flor de Ouro, que se obtém por intermédio das transformações da consciência espiritual que,
por sua vez, dependem do coração. E, muito embora, seja exata, tal magia é secreta, é fluida e
exige extrema inteligência e lucidez, bem como aprofundamento e tranqüilidade. “As pessoas
desprovidas dessa extrema inteligência e compreensão não encontram o caminho da
utilização, ao passo que as pessoas desprovidas do extremo aprofundamento e tranqüilidade
não conseguem estabilizá-lo”.174

Assim como existem céu e terra, também existem dois corações. O coração de carne,
embaixo, tem a forma de um grande pêssego e é encoberto pelas ´asas` do pulmão. É
sustentado pelo fígado e servido pelas vísceras. Depende do mundo exterior. Já o coração
celeste, que reside na cabeça não deve comover-se. “Se isto ocorresse, não seria bom.
Quando as pessoas comuns morrem, ele se comove, mas isso não é bom. Evidentemente, é
muito melhor que a luz já se tenha firmado num corpo-espírito e que sua força vital penetre
pouco a pouco os impulsos e movimentos. Mas este é um segredo silenciado há milênios”.175

O coração inferior é um general forte e poderoso que despreza o senhor celeste e


usurpa-lhe a liderança. Quando, entretanto, consegue-se fortalecer o castelo originário, o
soberano forte e sadio ocupa o seu trono. “Os olhos impelem ao movimento circular como
dois ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua força.
Quando a soberania está centrada e em ordem, todos os heróis subversivos se apresentam
com as lanças de ponta para baixo, a fim de receber ordens”.176

E só quando o espírito originário ultrapassa as diferenças polares de luz e obscuridade


é que o discípulo não irá mais permanecer nos três mundos (céu, terra e inferno), embora no
caminho para o Elixir da Vida reconhece-se a água-semente, o fogo-espírito e a terra-
pensamento.

174
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.
175
id. ibid., página 100.
176
id. ibid., página 101.
Para explicar melhor este assunto Wilhelm estabelece algumas comparações
importantes e muito úteis aos profissionais da Acupuntura:

4. Água-semente – uma força (Eros) uma e verdadeira do céu primeiro.

5. Fogo-espírito é a luz (Logos).

6. Terra-pensamento é o coração celeste da morada do meio (intuição).

Desta forma poderemos fazer interessante analogia com todas as funções Yin.
Dissemos a pouco que o coração terrestre é como um grande pêssego apoiado no Fígado e
tem como asas os Pulmões.

Portanto, temos três funções Yin: Coração, Fígado e Pulmões.

Agora, Wilhelm fala da água-semente, analogia possível aos Rins, Fogo-espírito


(Logos ou Fogo Imperador) analogia possível com o Coração ou com o Mestre do Coração
(CS), e terra-pensamento, Baço-Pâncreas, tão importante e citado na filosofia de esvaziar-se a
mente e pensar com a barriga.

Acreditamos que tais analogias fazem muito sentido, principalmente ao destacar um


outro trecho de Wilhelm, na obra citada, conforme se segue. “Usamos o fogo-espírito para
agir, a terra-pensamento como substância e água-semente como fundamento”.177

“O Grande Uno contém em si a verdadeira força


(prana), a semente, o espírito, o animus e a anima. Quando os
pensamentos se tranqüilizam plenamente, de modo a ver-se o
coração celeste, a inteligência espiritual, por si mesma, atinge a
origem. Este ser habita, sem dúvida, o verdadeiro espaço, mas o
lampejo da luz habita nos dois olhos. Portanto, o mestre ensina
o movimento circular da luz, a fim de alcançar o verdadeiro ser.
O verdadeiro ser é o espírito originário. O espírito originário é

177
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 101.
justamente ser e vida, e quando nisso se reconhece o real, aí
está a força originária. E é justamente isto o grande sentido”.178

178
Long Yen – Suramgama-sutra budista. JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de
Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.
Capítulo XIX

A Flor de Ouro é a Luz do Céu

Ao entender e buscar compreender o que é Tao, sobretudo se o encararmos como um


método ou caminho consciente que deve unir o que está separado, chegaremos próximo ao
conceito psicológico da linguagem chinesa e de se realizar o que propõe o Tao.

Segundo o texto Hui Ming Ging, “é necessário um ´aquecimento`, ou seja, uma


elevação da consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja ´iluminada`.
Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a vida que deve ser elevada ou
exaltada. A união de ambas produz a ´vida consciente`. ... os antigos sábios conheciam o
modo de suprimir a separação entre consciência e vida, pois cultivavam as duas”.179

Segundo a concepção junguiana, a união dos opostos em um nível mais alto de


consciência não é um processo mental ou racional, menos ainda uma questão de desejo ou
vontade, e sim um processo de desenvolvimento psíquico que se exprime por intermédio dos
símbolos. “Quando as fantasias tomam a forma de pensamentos, emergem formulações
intuitivas de leis ou princípios obscuramente pressentidos, que longo tende a ser
dramatizados ou personificados”180.

Em sua prática clínica e em suas pesquisas, Jung pôde comprovar que as fantasias
desenhadas pelos seus pacientes podem aparecer em símbolos que pertencem ao tipo
´mandala`. “Mandala significa circulo e praticamente circulo mágico. Os mandalas não se
difundiram somente através do Oriente, mas também são encontrados entre nós. A Idade
Média e em especial a baixa Idade Média é rica de mandalas cristãos”.181, escreve Jung.

Nestes mandalas é importante ressaltar que o ponto central também pode ser
representado por Jesus Cristo rodeado pelos quatro evangelistas nos pontos cardeais. Entre os
egípcios também Hórus e seus quatro filhos foram representados da mesma forma e o centro
mostra o local do ´olho filosófico`, ou ´espelho da sabedoria` conforme algumas tradições.
Precisamos ainda ressaltar que diversas tradições, a chinesa inclusive, leva em conta no seu

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37
180
id. ibid., página 38
181
id. ibid., página 38
processo de cosmogênese os quatro pontos cardeais com um quinto ponto no centro, que
depois se desloca acima e à direita, representando a Terra.

Na prática, podemos estabelecer que há os quatro pontos cardeais no consultório e no


centro, onde reside a luz, está o terapeuta/acupunturista e o paciente buscando a vivência
alquímica de se partir do corpo físico buscando atingir a luz do espírito, a descoberta e o
próprio incentivo do Shen. Outra analogia possível é que se forma a cruz mundana, de quatro
braços iguais, sendo que o paciente deitado na horizontal, forma este braço da cruz, enquanto
que o vertical é representado pelo terapeuta-acupuntor trabalhando.

A flor de ouro é a luz.

E a luz do céu é o Tao.

Jung, na obra citada, afirma que a Flor de Ouro é um símbolo mandálico, também
encontrado em uma série de desenhos de seus pacientes. Trata-se de um ´ornamento
geometricamente ordenado` como uma flor irrompendo do fundo da obscuridade em luz
colorida e incandescente. Tais desenhos exprimem o nascimento da flor de ouro, pois,
segundo o Hui Ming Ging, a vesícula germinal` é o ´castelo de cor amarela`, o ´coração
celeste`, ´os terraços da vitalidade`, ´o campo de uma polegada da casa de um pé`, ´a sala
purpúrea da cidade de jade`, ´a passagem escura`, ´o espaço do céu primeiro`, ou também
chamado de ´o castelo do dragão no fundo do mar`.

Ela é também chamada ´a região fronteiriça das montanhas de neve`, ´a passagem


primordial`, ´o reino da suprema alegria`, ´o país sem fronteiras` e o altar sobre o qual
consciência e vida são criadas. “Se o agonizante não conhecer este lugar germinal”, diz Hui
Ming Ging, “não encontrará a unidade de consciência e vida nem mesmo em mil
nascimentos, ou dez mil eons”, cita Jung.182

No princípio, quando tudo ainda é informe e ligado ao um, tudo jaz no fundo do mar,
na escuridão do inconsciente. Uma só unidade, inseparavelmente misturada como a semente
do fogo no forno da purificação. A partir deste fundo é que surge o fogo que sobe e penetra a
semente, incubando-o para que uma grande flor de outro nasça e cresça da vesícula germinal.

182
id. ibid., página 40
Diz Jung. “Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de
purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da
água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente, mediante um processo de vida
e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida”.183

Ainda segundo o psicanalista, essas imagens surgem espontaneamente de duas fontes:


o inconsciente e a plana devoção que proporciona um pressentimento do si-mesmo, da própria
essência individual.

“Um clarão de luz circunda o mundo do espírito.


Esquecemo-nos uns dos outros, puros,

silenciosos, vazios e onipotentes.

O vazio é atravessado pelo brilho do coração celeste.

Lisa é a água do mar e a lua


se espelha em sua superfície.

Apagam-se as nuvens no espaço azul;

lúcidas, cintilam as montanhas.

A consciência se dissolve em contemplação.

Solitário, repousa o disco da lua”

Hui Ming Ging184

“A meta evidente da imagem é traçar um ´sulcus primigenius`, um sulco mágico em


redor do centro que é o templo ou temenos (área sagrada) da personalidade mais íntima, a
fim de evitar uma possível ´efluxão`, ou preservá-la, por meios apotropaicos, de uma eventual
distração devido a fatores externos”, escreve Jung.185

183
id. ibid., página 39
184
Hui Ming Ging, obra citada.
185
id. ibid., página 40
Ainda sob o ponto de vista psicológico, podemos lembrar do movimento da roda do
sol, que quando começa a girar se vivifica, e a partir daí inicia o seu caminho. “O Tao começa
a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o que é periférico é
subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung186.

Ao interpretarmos este texto podemos utilizar a via do estágio de plenitude como um


estado anímico caracterizado pelo desprendimento da consciência em relação ao mundo. Ao
mesmo tempo uma consciência vazia e não-vazia, plena.

A consciência deixa de se preocupar com as imagens das coisas para, apenas, as


conter. Pode-se ter acesso à abundância anterior do mundo, imediata e premente, onde nada
perde de sua riqueza e maravilha, porém também não domina mais a consciência.

“O Tao começa a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o


que é periférico é subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung187.
188
É nesta hora que desaparece a participation mystique responsável pelo
entrelaçamento da consciência com o mundo. É quando a consciência deixa de ser dominada
por intenções compulsivas e passa a contemplar, conforme exprime o texto chinês. Afinal, a
participation mystique aponta para o grande e indeterminado remanescente da indiferenciação
entre sujeito e objeto, de tal monta entre os primitivos, que não pode deixar de espantar os
homens de consciência européia ou ocidental.

“O homem civilizado considera-se naturalmente bem acima destas coisas. No entanto,


não raro, passa a vida inteira identificado com os pais, com seus afetos e preconceitos,
culpando impudicamente os outros pelas coisas que não se dispõe a reconhecer em si mesmo.
E guarda também um remanescente da inconsciência primitiva da não-diferenciação entre
sujeito e objeto. Por isso mesmo é influenciado magicamente por inúmeros seres humanos,
coisas e circunstâncias, isto é, sente-se assediado de modo irresistível por forças
perturbadoras, muito apreciadas com as dos primitivos; do mesmo modo que estes últimos
necessita de encantamentos ou feitiços apotropaicos.... ...O homem ocidental não manipula

id. ibid., página 41


187
id. ibid., página 41
188
Participation Mystique é um termo utilizado por Lévy-Bruhl que designa o sinal característico da mentalidade
primitiva.
mais com amuletos, bolsas medicinais e sacrifícios de animais, porém com soporíferos,
neuroses, racionalismo, culta da vontade etc.”189, conforme Jung.

189
id. ibid., páginas 58 a 60.
Capítulo XX

O Caminho da Meditação

Citando o Hui Ming Ging, Wilhelm lembra que a obra trata de instruções budistas e
taoístas de meditação como parte de um pressuposto fundamental das duas esferas anímicas
que surgem a partir do nascimento: consciente e inconsciente, separadas uma da outra.

“O consciente é o elemento de diferenciação individual (ego freudiano) e o


inconsciente, o elemento da união cósmica. O princípio da obra se baseia na integração de
ambos os elementos, pelo caminho da meditação. O inconsciente deve ser como que
fecundado pela submersão do consciente, deve ser trazido à consciência; juntamente com o
consciente assim ampliado, acede então a um plano de consciência suprapessoal, na forma
de um renascimento espiritual”190, escreve Wilhelm.

Destarte, se o indivíduo conseguir reconhecer o inconsciente como fator co-


determinante do modo mais amplo possível, então o centro de gravidade da personalidade
total irá se deslocar. Não persistirá no eu, que é apenas o centro da consciência, mas passará
para um ponto, por assim dizer, virtual entre o consciente e o inconsciente: o si-mesmo, o self.

“Se a mudança for bem sucedida isto significa o fim da ´participation mystique`,
surge, então, uma personalidade que só sofrerá nos andares inferiores, uma vez que nos
andares superiores estará singularmente desapegada, tanto dos acontecimentos penosos,
quanto dos felizes”, diz Jung191. O advento e nascimento dessa personalidade superior é o que
tem em mira nosso texto ao falar do ´fruto sagrado`, do ´corpo diamantino`, ou de qualquer
outra espécie de corpo incorruptível.

No entanto, há um perigo quando ocorre o encontro da consciência individual –


delimitada – com a enorme extensão do inconsciente coletivo, já que este último tem um
efeito dissolvente sobre a consciência. Para Jung os ensinamentos contidos no Hui Ming Ging
dizem respeito ao cultivo da ioga chinesa.

190
JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora
Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 83.
191
Idem, Página 38.
Aliás, a ilustração que consta da capa do O Segredo da Flor de Ouro mostra um sábio
em contemplação e de sua cabeça sai chamas e delas surgem cinco formas humanas que, por
sua vez, se dividem em vinte e cinco formas menores.

Diz uma advertência do Hui Ming Ging: “As formas que se configuram através do
fogo do espírito são formas e cores vazias. A luz da essência brilha de volta ao originário,
que é o verdadeiro”, 192 referindo-se à quarta etapa da meditação quando deve ocorrer as
rememorações das encarnações anteriores, conforme esquema que se segue:

Primeira etapa de meditação

Concentração da luz

Segunda etapa de meditação

Começo do renascimento no espaço da força

Terceira etapa de meditação

Libertação do corpo-espírito para uma existência autônoma

Quarta etapa de meditação

O Centro em meio às circunstâncias

Segundo o livro O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï), a prática da
ioga chinesa permite a libertação dos grilhões do mundo exterior ilusório, aliás, objetivo de
diversas seitas que surgiram na China em diversos momentos históricos, sobretudo os de
penúria econômica. No entanto, o mais alto grau desta atitude meditativa é tender ao nirvana
budista “ou então prepara a possibilidade de continuação da vida depois da morte, não com
decomposição no decaído mundo das sombras, mas como espírito consciente; é isto que

192
Hui Ming Ging, citado na página 46 da edição consultada de O Segredo da Flor de Ouro.
propõe o presente texto, conectando o princípio espiritual do homem com forças psicogênicas
correspondentes”193, escreve Wilhelm.

Segundo ele, com este processo pode-se fortalecer o processo vital obtendo
rejuvenescimento e normalização energética de modo a superar a morte. Esta passa ser um
processo harmônico e natural da conclusão da vida. “O corpo terrestre será, então,
abandonado pelo princípio espiritual (apto a prosseguir uma vida independente no corpo
espiritual (criado por seu sistema energético), tal como ocorre com a cigarra ao abandonar
sua casca seca”194, escreve Wilhelm.

Na época Tang – no decorrer do século VIII – a tradição oral fala do Elixir de Ouro da
Vida (Gin Dan Giau), fundada pelo adepto taoísta Lü Yen (Lü Dung Bin), considerado como
um dois oito imortais em “uma época que todas as religiões autóctones e estrangeiras eram
toleradas e praticadas”195, até a última perseguição movida pelo governo manchú em 1891
quando mais de 15.000 de seus adeptos foram cruelmente massacrados.

Na busca histórica, Wilhelm cita Guan Yin Hi, o Mestre Yin Hi do Desfiladeiro que,
segundo a lenda, foi para ele que Lao Tse escreveu o Tao Te King, onde é possível encontrar
uma série dos ensinamentos místicos, ocultos e esotéricos.

“Na época Han, o taoísmo degenerava cada vez mais em práticas mágicas externas;
os mágicos da corte, de procedência taoísta, procuravam obter a pílula de ouro (a pedra
filosofal) por meios alquímicos, que produzisse ouro a partir de metais vis, conferindo ao
homem a imortalidade física” 196. Além disso, as designações alquímicas começaram a tomar
força e também passaram a representar símbolos de processos psicológicos e se aproximar dos
pensamentos originais de Lao Tse.

Houve importante influência do budismo, sobretudo o praticado na escola Tiën-Tao de


Dschï Kai, de origem Mahayana (que antes desta época dominou fortemente a China) e sutras
que foram repetidos no Gin Dan Giau.

“Numa página é descrito com detalhes o cultivo da ´Flor de Ouro`, e em outra são
introduzidos pensamentos nitidamente budistas, que deslocam a meta com toda a evidência
para a obtenção do nirvana através do repúdio do mundo”197, escreve Wilhelm, admitindo

193
WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição,
Petrópolis. 1984. Página 86.
194
Idem, Página 86.
195
Idem Página 87.
196
Idem, página 88.
197
Idem página 88.
que algumas seções foram suprimidas da edição utilizada para esta monografia, embora nas
primeiras fases é que se trata o trabalho do renascimento interior através do movimento
circular da luz e a geração da semente divina.

“A luz é a vida dos homens.

O olho é a Luz do corpo.

O renascimento espiritual do homem pela água e pelo fogo, ao


que se deve acrescer a terra (pensamento), enquanto regaço materno
ou campo arado. Comparemos com as palavras de João (apóstolo).
“Eu vos batizo com o água; depois de mim virá alguém que voz
batizará com o Espírito Santo e fogo” ou “quem não nascer de novo da
água e do espírito não entrará no Reino do Céu”.198, compara Wilhelm.

Wilhelm explica que o processo vital descendente – o movimento direto e habitual –


leva em conta dois fatores – o intelectual e o animal – que, em geral, relaciona-se a anima ou
vontade insensível, aprisionada pelas paixões que, praticamente, obriga o animus, ou
intelecto, a trabalhar para seus serviços (ou satisfações das emoções). O ser volta-se para fora
e as forças do animus e da anima se esvaem e a vida se consome. Gera-se novos seres e o
ponto final é a morte.

“A anima mergulha, o animus se eleva e o eu é privado de sua


força, numa situação dúbia. Quando esta ´externalização` se afirma,
ocorre em conseqüência o peso e o mergulho na surda aflição da morte
e o eu só se alimenta miseravelmente das imagens ilusórias da vida que
ainda o atraem, sem que, no entanto, possa participar ativamente delas
(inferno, almas famintas). Se apesar disso, houve um esforço par ao
alto, recebe-se uma vida relativamente beatífica, de acordo com os
méritos, pelo menos durante algum tempo, enquanto se é fortalecidos
pelas forças dos sacrifícios dos sobreviventes”.199

198
Idem página 89
199
Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95
No entanto, ressalta Willhelm, quando se consegue durante a vida iniciar um
movimento ´reversivo` e ascendente das forças vitais, quando a anima é dominada pelo
animus, ocorre uma espécie de libertação das coisas exteriores que passam a ser reconhecidas,
mas não cobiçadas, com o conseqüente rompimento da ilusão.

“Ocorre um movimento circular ascendente das energias. O eu


retira-se dos emaranhados do mundo e permanece vivo depois da
morte, uma vez que a ´interiorização` impediu as forças vitais de se
derramarem para fora; pelo contrário, estas últimas criaram um centro
vital na rotação interior da mônada, que não depende da existência
corporal. Um tal eu é um Deus, um Schen. O sinal para Schen
significa: expandir-se, atuar, em suma, é o contrário de gui. Em sua
grafia antiga, Schen ´pe representado por um meandro duplamente
sinuoso, que também pode significar trovão, raio, excitação
elétrica”.200

Em um outro trecho, Wilhelm escreve: “Eterna é apenas a Flor de Ouro, que brota da
libertação interior de todos os envolvimentos com as coisas. O homem que alcança este
estágio ultrapassa seu eu. Não se limita mais à mônada, mas penetra no circula da dualidade
polar de todos os fenômenos e retorna ao Uno, isento de dualidade: o Tao”.201 Além disso,
Wilhelm assinala a diferença entre o budismo e o taoísmo. No primeiro há retorno ao nirvana,
quando ocorre uma extinção total do eu, que é apenas ´ilusório`, assim como o mundo é
ilusório.

Já no taoísmo, ocorre o contrário, a meta é conservar na transfiguração a idéia da


pessoa e os ´vestígios` das vivências. “É a luz que com a vida retorna a si mesma,
simbolizada no nosso texto pela Flor de Ouro”202.

200
Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95
201
id. ibid., página 96
202
id. ibid., página 96
Capítulo XXI

As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa

Zhao Bichen, que pertencia à escola Wu Liu, estabelece três etapas para o trabalho
psicofisiológico da Alquimia Interior efetuadas em cada um dos três campos de cinábrio203.
Parte do campo inferior, onde se sublima a essência para transformá-la em sopro, no campo
médio, onde o sopro, ou alento se transforma em energia espiritual, e o campo de cinábrio
superior, onde se volta a vacuidade (lian jing hua qi, lian qi hua shen, lian shen huan xu).

São três fenômenos que podem ser observados durante a realização destas três etapas,
segundo aponta Zhao Bichen.

No primeiro, quando a essência é sublimada não se experimentam desejos sexuais.


Quando o sopro é sublimado não se sente fome ou desejos, e quando a energia espiritual está
sublimada não se sente sono ou necessidade de descanso. Esta divisão em três etapas ocorre
ao redor de três conceitos diferentes: essência, sopro e energia espiritual.

Essência, sopro e energia espiritual

Como os caracteres chineses são signos e emblemáticos, para compreender estas


noções fundamentais da alquimia interior o conteúdo semântico pode variar segundo a língua
ocidental utilizada na tradução e a época em que o contexto é analisado.

“Os três tesouros do corpo são a essência, o sopro e a energia espiritual. A intuição
clara e perspicaz é a energia espiritual; aquela que penetra todas as partes e se move em
círculos é o alimento; os humores e os líquidos que embebem o corpo é a essência. Se queres
distingui-los segundo sua função, a energia espiritual controla e governa, o sopro preside a
aplicação das ordens, a essência preside a transformação e a geração. Cada um tem uma
função específica e segue as ordens do chefe. Se queres distingui-los desde o ponto de vista
de sua utilização, a essência pode transformar o sopro, o sopro pode transformar a energia

203
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 35.
espiritual. Ali onde chega a energia espiritual, chega o sopro. Ali onde chega o sopro, chega
a essência”.204

A Essência

No Neijing, obra médica dos Han, o jing tem as vezes o sentido de essência seminal, e
as vezes o sentido de quintessência dos órgãos, ou as vezes o sentido de gérmen da vida. Diz
o Lingshu. “No começo, durante a concepção, o primeiro que se forma é a essência; uma vez
formada a essência aparecem o cérebro e a medula”, conta no Wisheng Shenglixue mingzhi -
Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen.

Em um outro trecho, da mesma obra, encontramos: “Quando o sopro do céu anterior


se põe em movimento, se transforma em essência do céu anterior invisível, a qual se
transforma em essência material do céu posterior. O trabalho consiste em evitar que a
essência se converta em essência do céu posterior e em fazer uma maneira que a essência do
céu anterior volte a converter-se em sopro primordial. Este trabalho se efetua graças a
respiração”205.

O Sopro

No Shuowen, o sopro ou alento refere-se aos vapores que ascendem. Há quatro grafias
diferentes, cada uma com seu próprio significado. Na primeira, encontra-se o vapor com o
fogo embaixo. Na segunda, antiga da época da dinastia Son, é o sopro do céu anterior em
oposição ao sopro do céu posterior. Na terceira, escreve-se apenas o ideograma relacionado a
vapor e, por último, a mais corrente é o vapor embaixo do elemento arroz, ou seja,
transformação do sopro por intermédio da nutrição física e do alimento.

Aproveitamos outro trecho de Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y


Medicina Taoísta – Zhao Bichen, onde se compara sopro celeste com a respiração humana.
“O sopro está no céu, e o que o coloca em movimento é o vento, e o seu movimento são as

204
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 36.
205
id. ibid., página 37.
transformações, a respiração, o rápido e o que ascende (sobe), e o que volta, o que se
dispersa, o que abre e o que brilha é a luz. O fogo pode oculta a sombra e conter a forma”.206

A Energia Espiritual

“O Sheng é a divindade celeste de onde surgem as dez mil coisas”, diz o Shuowen. Já
no I Ching, o livro das Mutações, se define assim: “Quando o Yin e Yang são insondáveis, se
fala de Sheng”. No Nijing está escrito o seguinte: “Oh Sheng, inaudível e invisível, quando o
coração se abre a ti, não mais pensamento, a intuição cognitiva nos faz compreender de
pronto que tu és inexpressável”.207 E dá continuidade a essa explicação lembrando que, em
alquimia interior, o Sheng é o embrião imortal que se fabrica no corpo, deve ser sempre
Yang, já que se subsiste um pouco de Yin, se converteria como presa dos demônios (gui)208”,
em uma clara alusão de que Sheng – espírito, encontra-se no céu e se contrapõe aos demônios,
espíritos da terra.

206
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 38.
207
id. ibid., página 38.
208
id. ibid., página 38.
Capítulo XXII

Sublimação da Essência

A primeira etapa, a ´sublimação da essência` também é conhecida como a fase de


´colocar os cimentos nos cem dias` conforme consta de uma passagem do Sutra Budista `Loto
da Boa Lei`209 e que visa que a essência volte para o cérebro depois de estabelecer, nos canais
das funções, o controle da circulação circular ou pequena revolução celeste.

Segundo o Tratado de Alquimia e Medicina Taoísta, de Zhao Bichen, para que esta
essência retorne ao cérebro cita-se práticas antigas e que foram muito utilizadas durante a
dinastia Han. É fato que alguns autores de textos sobre a alquimia interior recomendavam
utilizar a energia sexual – quando aparece durante a meditação – ou ´nas práticas de
dormitório`, como dizem os textos clássicos. Nas práticas sexuais, mesmo nas horas de
máxima excitação, recomendava-se ao homem não chegar ao clímax e ejacular. É fato
também que alguns autores afirmaram que ´cabalgar` (cavalgar, montar) as mulheres seria
uma técnica herética e recomendavam não pensar nas práticas sexuais. Outros não
estabelecem um paralelo entre jing (a essência) e o esperma. ... “deve-se atuar no momento
em que ocorre a ereção e se põe em movimento a energia sexual, momento em que os textos
taoístas chamam de ´período Del Zi vivo`(huozishi)210.

Isto se diz porque, segundo alguns taoístas, a ereção não está apenas ligada à atividade
sexual e sim às boas condições da função vital e demonstra que esta energia circula bem e em
quantidade suficiente, lembrando que ela pode ocorrer com bebês dormindo, por exemplo,
que nada têm a ver com a busca do sexo. Recomenda-se aproveitar este momento de fluxo de
energia pra se trabalhar mediante a pequena revolução celeste e cultivar o Tao.

Segundo Zhilun211, “apenas o sopro que está profundamente enterrado pode inverter
a essência e transformá-la em sopro do céu anterior, quando a essência não pode sair e deve-
se fazê-la subir e estabelecer a circulação circular nos canais de função e de controle
mediante um trabalho mental e respiração rítmica. Isto é a pequena revolução celeste”.

209
Wu Liu xianzong quanji, página 53.
210
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.
211
Zhilun, capítulo 8, em Wu Liu xianxong quanxi, página 206, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado
de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.
Pequena revolução celeste

Para se estabelecer a pequena revolução celeste, dizem os textos clássicos chineses,


deve-se colocar em movimento a Roda da Lei, de fato, uma expressão budista que representa
o momento da iluminação, em que Buda percebeu bem ser ele um Santo e se pôs a praticar e
divulgar sua doutrina.

“Para estabelecer a comunicação circular deve-se unir os canais abaixo e acima; por
baixo pressionando o canal da uretra e por cima colocando a ponta da língua no palato. O
circulo dos canais de controle e de função estão divididos em doze pontos segundo a jornada
de vinte e quatro horas – 12 horas chinesas – que correspondem aos intervalos de tempo e
respiração....

O microcosmo que é o corpo humano tem um tempo e um ritmo calcado no


macrocosmo. Psicologicamente, situa-se no centro do corpo e move-se no tempo no lugar
desta revolução circular onde se situa muito além do tempo”212.

212
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 43.
As doze seções são designadas conforme o período cíclico e são denominados: Zi,
Chou, Yin, Mão, Chen, Si, Wy, Wei, Shen, Yu, Xu e Hai que designam também os intervalos
de tempo das respirações. Diz o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e
Medicina Taoísta que o sopro verdadeiro do círculo formado pelos canais de função e de
controle devem ser estimulados e acompanhados pela respiração externa – chamada de fogo
militar – oposta ao fogo civil – que é o pensamento criador.

A respiração deve seguir um ritmo preciso de acordo com as seções dos canais
atravessados pelo fluxo da essência invertida. “No começo da inspiração a essência invertida
(quer dizer, o sopro verdadeiro), recorre ao ponto Zi do canal de controle, depois sobre ao
ponto Chou, ao mesmo tempo em que se conta nove inspirando. Sem parar de inspirar, se
conta de novo nove, enquanto que a essência invertida passa por Yin, depois passa por Mão
ao mesmo tempo que se retém a inspiração. Se inspira de novo enquanto se conta duas vezes
nove quando a essência passa por Chen, depois por Si e deve ter chegado ao limite da
inspiração quando a essência chega a Wu”213. Para baixo deve-se seguir de maneira análoga.
Se expira contando duas vezes seis quando a essência recorre os pontos Wei e Shen, se marca
uma pausa durante Yu, depois se continua a expiração e se conta durante Xu e Hai.

“Depois de cem dias desta prática, efetuada em cada ereção, a essência se transforma
continuamente em sopro, e já não se observa perda nenhuma da essência seminal. Então se

213
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 43.
recupera o estado de indistinção do embrião, estado marcado pela indiferença dos órgãos
dos sentidos e, portanto, da percepção.

Segundo Nan Huaijin, a continuidade desta prática se constitui uma estimulação das
funções hormonais, se observa uma retração do sexo, assim como uma ascensão a partir do
campo do cinábrio inferior de uma força que se une a uma outra força proveniente do
estômago, e um intercâmbio de ambas forças como base da segunda etapa”214.

214
id. ibid., página 43.
Capítulo XXIII

Sublimação do Sopro

Mesmo em menores detalhes, o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e


Medicina Taoísta demonstra que a prática é muito mais mental com o desenvolvimento,
durante dez meses, do cambo de cinábrio mediano, do embrião imortal surgido após o
casamento da energia espiritual com o sopro verdadeiro que deve ocorrer na primeira etapa do
trabalho. Há referência nos textos de alquimia oriental que há uma cópula entre o ´fogo do
coração`, representado pelo trigrama Li – Fogo (onde dois traços Yang encerram um Yin) e a
´água dos rins`, representado pelo trigrama Kan – Água (onde traços Yin encerram um Yang),
de forma que o fogo (céu) desce e a água (terra) sobe.

“O movimento para o alto da linha Yang de Kan representa a purificação e a


dissolução da essência; o movimento para baixo da linha Yin de Li representa a cristalização
da luz, o que corresponde as estadas solve e coagula da alquimia ocidental. Se poderia dizer
também que ocorre uma fusão progressiva entre a parte fisiológica (a essência original do
sopro) e a psique (energia espiritual do indivíduo)”.215

“O verdadeiro licor do coração e dos pulmões é atraído pelo verdadeiro sopro


descendente. Deve-se visualizar progressivamente a união até que a luz do chumbo brilhe em
forma de lua e que o sopro de mercúrio se eleve como um sol. O sol e a lua copular e se
fundem em forma de um círculo vermelho que ilumina o alto e o baixo (do corpo). Então se
perde a consciência de si, das coisas e do universo, e se vive como um sono, com se estivesse
embriagado. Este estado é fugidio como um relâmpago e deve ocorrer rapidamente”216.

Noção de embrião

A noção do embrião da imortalidade está prevista no desenvolvimento de um embrião


humano que, segundo os chineses, demora 10 meses. Ele é formado a partir do sopro
verdadeiro, também chamado como ´parcela da luz verdadeira´. Em alguns textos seu

215
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 44.
216
id. ibid., página 44.
desenvolvimento é descrito como pérola-embrião que deve ser aquecida e alimentada. “No
começo, o caos, no seio do Vazio e do Não-Ser se encontra o sopro luminoso que, uma vez
chegado ao seu apogeu, engendra a umidade, a qual, quando chega a seu apogeu, se
transforma em bruma e em rocio (não sei a tradução)”217.

Diz o Nei King, capítulo 20. “Aqueles que buscam a imortalidade devem respirar o
sopro original... Convém controlar a essência e alimentar a matriz para regenerar o corpo
físico. Se conservar o embrião e se detiver a essência, se pode viver muito tempo”.218

Embrião do Sopro e

Respiração Embrionária

A formação do embrião do sopro no campo de cinábrio está ligada a concepção da


respiração embrionária. Alguns termos podem ser associados ao Tai Chi como ´respiração
embrionária`, `respiração do embrião`, ou `respiração da matriz´.

“O sopro do Uno é a respiração embrionária. A matriz do palácio que encerra a


energia espiritual, a respiração é o ponto de partida da transformação em embrião. A
respiração engendra a respiração e a energia espiritual é o embrião; o embrião não pode
realizar-se em a respiração; a energia espiritual a respiração não tem governador. Assim, a
energia espiritual é a que governa a respiração, a respiração é a raiz do embrião, e a matriz
é a morada da respiração”.219

Adiante, este mesmo texto aponta um comentário publicado no Yunji qi qian


localizando este embrião a três polegadas debaixo do umbigo, referindo-se a este ponto como
o local onde acontece a união entre a energia espiritual e o sopro, engendrando assim o
embrião misterioso.

217
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 48.
218
id. ibid., página 48.
219
id. ibid., página 49.
Capítulo XXIV

Sublimação da Energia Espiritual

Depois de iniciar no campo de cinábrio inferior e encerrada a segunda etapa, no campo


de cinábrio mediano, ocorre o nascimento e, para tal, deve-se elevar a mente até o campo de
cinábrio superior. “É como se o praticante se banhasse em um calor suave acompanhado de
um esquecimento do corpo e do espírito que parece fundir-se em um halo de luz. “Esta
sensação é mais intensa no nível da cabeça”220.

Em uma tradução livre, relato abaixo as fases desta etapa.

5. As flores se reúnem quando o espírito alcança a extrema quietude e depois de reunir


Xing e Ming, os três remédios – essência, sopro e energia espiritual – florecem, sendo
que a energia espiritual aparece na flor de ouro. “Corpo, espírito e pensamento são as
Três Famílias. Quando os três se encontram o embrião está consumado (formado).
Essência, sopro e energia espiritual são as três origens. Quando os três retornam ao
Uno, o cinábrio está consumado. Para retornar os três ao Uno deve-se estar em
quietude e o espírito estar vazio”221.

6. Os cinco sopros rendem homenagem à origem. Os cinco sopros das cinco vísceras ou
dos cinco elementos cujas interpretações podem variar de autor para autor nos textos
clássicos chineses. O sopro original da unidade se divide e engendra os princípios
primários: Yin e Yang. Estes se dividem nas cinco direções e se o corpo está imóvel, a
essência é reforçada e a água retorna a sua origem, sendo que o sopro é reforçado com
o fogo retornando à sua origem. Acalmado o mundo, todas as coisas voltam ao seu
princípio.

Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52.
221
Chuan dao ji, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao
Bichen – página 52.
7. Amamentar a criatura durante três anos. Uma frase que nos leva à análise ao plano
mais alto dos sentidos e do conhecimento apenas discursivo. Há inclusive uma
advertência neste sentido. ´Muitos perigos acercam o adepto neste estado`, dizem os
textos clássicos chineses. O embrião tende a sair pela porta do céu, acima da cabeça.
Além disso, o recém nascido não é forte o suficiente para voltar e a ´energia espiritual
Yin` deve ser alimentada durante três anos no campo de cinábrio superior. “Neste
período deve-se conseguir transformar a energia espiritual Yin em energia espiritual
Yang. Não há que se pensar que o recém nascido se encontra no campo de cinábrio
superior. É apenas necessário que esta entidade ilumine o campo de cinábrio e se
funda com a Grande Vacuidade: este é o começo da criança”.222 Neste momento, os
referidos textos ressaltam o cuidado que o adepto deve ter já que há uma total
transformação da energia Yin em Yangshen, ou o espírito Yang, o espírito da luz. “A
aparição de um grande número de demônios para atacar o Yang é um dos múltiplos
perigos desta etapa sobre o que insiste Wu Chongxu. Se recordarmos que os demônios
pertencem ao mundo Yin da terra, seu ataque pode interpretar-se como uma última
defesa do Yin antes de seu desaparecimento completo”.223 Uma destas armadilhas é a
das ilusões, com o surgimento de fenômenos luminosos ou de visões de belas
mulheres tocando instrumentos delicados e com todo tipo de coisas agradáveis de
modo a fazer com que o adepto desista de sua busca e intento de iluminar-se.

8. Meditar defronte ao muro por nove anos. Nesta etapa, a energia espiritual – o Shen –
sublima-se e cristaliza-se. Se trata aqui da contemplação surgida de uma grande
concentração que conduz à fusão na vacuidade.... A expressão ´meditar nove anos
defronte a um muro` refere-se a lenda na qual Bodhidharma, primeiro patriarca na
China do Budismo Zen, meditou por nove anos frente a um muro evitando um só
momento de sonolência.

222
Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 54.
223
id. ibid., página 55.
Capítulo XXV

Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas

Todo o conteúdo tanto as descrições fisiológicas de Zhao Bichen quando texto de


taoístas, sobretudo da escola Wu Liu, provocaram muita ironia e espanto nos ocidentais que o
acusaram de inexatidão, de ´erros grotescos` etc. No entanto, a fisiologia taoísta está baseada,
fundamentalmente, na observação de repetições dos mecanismos psicofisiológicos
importantes que provocam sensações e percepções que, claro, é de caráter absolutamente
subjetivo.

Com muita propriedade, Zhao Bichen coloca em questão da importância das secreções
humorais do corpo como saliva, lágrimas, mucosidades, sêmen etc. com o fato de elas estarem
ligadas à fascinação que exercem sobre os taoístas.

Defende-se, em seus postulados, que a essência pode ser invertida graças à


concentração mental capaz de aumentar a luz interior. “Graças à concentração pode-se
aumentar a luz interior. Aqui aparece o laço estreito que para os taoístas existe entre o
fisiológico e o psicológico, entre matéria e espírito: toda troca espiritual origina uma troca
fisiológica (e sobre isto se trata a alquímica ocidental, convencida de que pode trocar a
matéria com o espírito)”224, destacando-se que, para os taoístas, não há separação entre corpo
e espírito.

Segundo esta concepção taoísta, a primeira troca energética ocorre quanto os gametas
do pai se unem aos da mãe para juntos formarem um novo alento, um novo sopro que dará
origem ao embrião propriamente dito. A segunda troca ocorrer quando o embrião de dez
meses (nove meses de gestação) respira o sopro da vida e quanto o espírito assume sua
própria natureza e se está preparado para vir ao mundo (nascer). A terceira troca, depois de
sua evolução e que vai até 16 anos, quando sua essência e sopro alcançam seu apogeu. “A
primeira passagem é a sublimação da essência e sua transformação em sopro. A segunda
passagem é a sublimação do sopro e sua transformação em energia espiritual, e a terceira
passagem é a sublimação da energia espiritual e seu retorno a Vacuidade”225.

224
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.
225
Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.
A imortalidade, ou melhor, a longevidade é uma das metas destas práticas, mas não é a
única: os problemas essenciais da vida recebem uma solução original. No curso das três
etapas do trabalho alquímico, o taoísta aprende a suprimir seu desejo sexual que turva a paz
interior de um indivíduo e melhora sua saúde e talvez chega a adquirir a longevidade.

A partir da segunda etapa reduz o consumo de alimentos. Podemos lembrar que o


taoísmo antigo comportava um grande número de práticas que permitiam abster-se de cereais
(alimentos) alimentando-se do sopro e alcançar assim a imortalidade. Aqui a perda do apetite
aparece durante a sublimação do sopro.

E, por último na terceira etapa, a necessidade de dormir diminui. Estes fenômenos vão
acompanhado por um aumento da temperatura interna; as roupas perdem assim sua
importância. O ideal taoísta é poder ter uma vida frugal, com abrigo das necessidades
fisiológicas mais elementares como sono, alimento e sexualidade.

Também não se podem esquecer os textos e os alquimistas ocidentais, inclusive


citados no Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta que bem
estabeleceram comparações e analogias entre o microcosmo e o macrocosmo, conforme se
segue: “O paralelo entre macrocosmos e microcosmo é constantemente estabelecido nos
textos de alquimia ocidental e Fulcanelli insiste bem sobre isto quando diz “O alquimista
deve seguir o mais fielmente possível sua realização microcósmica, todas as circunstâncias
que acompanham a Grande Obra do Criador”226

226
Fulcanelli, Lãs moradas filsofofales, vol II – página 32 - Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia
y Medicina Taoísta – página 59.
Capítulo XXVI

Conclusão final:

É certo que nem todos pacientes estão prontos, ou desejam chegar a uma solução
original de voltar à infância, voltar à mãe, chegar à origem e, portanto, a imortalidade, ao Tao,
a vacuidade original. No entanto, a questão que se propõe nesta monografia é exatamente esta.
E se houver um paciente que busca no acupunturista/terapeuta suas iniciações nos mistérios
possíveis? Pode-se auxiliá-lo ? Quais conceitos que deveremos levar em conta na hora de se
aplicar uma agulha?

Estudando-se a figura publicada na página 41 do Wisheng Shenglixue mingzhi –


Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen podemos fazer analogias livres de
modo a picar pontos que possam auxiliar a fechar o circuito na pequena circulação que,
associadas aos métodos apresentados acima, sobretudo os da respiração e da fixação da
consciência em determinados pontos corporais, podemos destacar, em uma livre associação de
acupontos:

Wu – VG 20 (Pae-Roe)

Zi – VC 1 (Roe-Inn)

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Mao – VC 12 (Tchong-Koann)

Chen – VC 17 (Trann-Tchong)

Com as seguintes características de localização e tratamento de sintomas:

Wu – VG 20 (Pae-Roe) – Ponto de reunião de todos os meridianos Yang.

Sintomas: Sem força espiritual, preocupação com o passado, descuido com o futuro.
Demasiadas idéias e preocupações, Amnésia, perda de objeto, face vermelha e sensação de
congestão depois de ingerir vinho.
Indicado para estados de excitação, depressão, epilepsia, insônia, medo, falta de concentração,
histeria, neurastenia, cefaléia, anemia cerebral, hemiplegia e afasia. Obstrução nasal,
sangramento pelo nariz, hipoacusia, gazes e rinites. Hemorróidas, prolapso retal e palpitações.

Zi – VC 1 (Roe-Inn) – Ponto de reunião com o Vaso Governador e Vaso Tchrong-Mo.


Atua sobre o fígado, cabeça e todas as afecções dor órgãos genitais.

Sintomas: debilidade geral, afecções Yin. Hemorróidas, prurido anal, retenção de urina
e distúrbios menstruais.

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Sintomas: dores na parte baixa do tórax e na região lombar, gastralgia e visão


reduzida.

Mao – VC 12 (Tchong-Koann) – Ponto de alarme do meridiano do estômago. Ponto de


reunião com os meridianos do pulmão, fígado, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor,
intestino delgado e está relacionado com os Vasos Maravilhosos : Inn-Oe (CS 6 – BP 4) e
Tchrong-Mo (BP 4 – CS 6).

Sintomas: Todas as enfermidades e disfunções gástricas, náuseas, inapetência,


vômitos, gastralgia, diarréia, úlcera gástrica, meteorismo, aerofagia.

Chen – VC 17 (Trann-Tchong) – Ponto de alarme respiratório e do meridiano do triplo


reaquecedor. Vasos secundários se relacionam com os meridianos do coração, do intestino
delgado, rim, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor, fígado, pulmão, intestino grosso,
baço-pâncreas, bem como dos vasos maravilhosos Yang-Tsiao Mo (B 62 – ID 3) Tchrong-Mo
(BP 4 – CS 6) e Inn- Oe (CS 6 – BP 4)

Sintomas: Transtornos energéticos por excesso ou por carência. Tosse, asma, dispnéia,
dores no peito, angina, vômitos, espasmos no esôfago, lactação insuficiente, infecção nas
mamas.

*
Acreditamos, firmemente, que a Acupuntura como método terapêutico praticado com
constância, leva os indivíduos e os pacientes a retornarem, objetivamente, aos seus próprios
princípios, fato que permite a possibilidade do desenvolvimento das etapas da alquimia
interior como preconizavam os chineses antigos.

Atingir tudo por intermédio do vazio pleno, da vacuidade.

A proposta para reflexão, constante na inicial desta monografia, diz respeito


justamente à esta necessidade em estudarmos os pontos acima citados na busca de maior
consciência espiritual das pessoas que se submetem à Medicina Tradicional Chinesa – MTC,
sobretudo à acupuntura, desde que assim o desejarem.

Neste sentido, acreditamos que os acupontos VG 20 (Pae-Roe), VC 1 (Roe-Inn), VG 7


(Tchong-Su), VC 12 (Tchong-Koann) e VC 17 (Trann-Tchong) podem facilitar a
transformação energética, sem contar que alguns deles situam-se exatamente nos campos de
cinábrio, citados anteriormente, que poderão facilitar tal trabalho.

Quanto ao empirismo de tais afirmativas, apenas a experiência prática e clínica –


levando-se em consideração esta assertivas – exigirá ainda um certo tempo de modo que se
comprove ou se rechace tais possibilidades.

Certos de que fizemos nossa parte, com tal estudo e proposta,

aguardemos então o que o tempo – e a prática clinica – dirá.


Referências Bibliográficas

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Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984.

CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo,
2004.

GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento, São Paulo.

BRAZÃO, Fátima, Alquimia – Um processo de transformação da Alma. Trabalho inédito da


psicóloga clinica junguiana. São Paulo. 2004.

BICHEN, Zhao – Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta ––


traducción Del chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al
castellano de Francisco F. Villalba – Miraguano Ediciones.

SUSSMANN, David – Acupuntura – Teoría y Práctica – Décima Terceira Edicion – Editorial


Kier – Buenos Ayres, Décima Terceira Edição – Argentina. 2000.

KING, Nei – O livro de Acupunctura do Imperador Amarelo – Tradução dos 34 capítulos do


Huan Ti Nei Su Wen – Editora Terceiro Milênio – São Paulo. 1995.

SHU, Ling – Base da Acupuntura Tradicional Chinesa – Tradução e Comentários de Ming


Wong – Organização Andrei Editora Ltda., São Paulo, 1995.

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