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NATAL/RN
2021
ANNA LÍVILA FONTENELES VALE
NATAL/RN
2021
ANNA LÍVILA FONTENELES VALE
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Juciano de Sousa Lacerda
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
(orientador)
__________________________________
Profa. Dra. Thays Helena Silva Teixeira
Universidad Nacional de La Pampa (Argentina)
__________________________________
Profa Ms. Raquel Assunção Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
AGRADECIMENTOS
Sou imensamente grata por todas as pessoas que me deram suporte para
conseguir terminar esse trabalho, e entenderam como esse processo foi intenso e
peculiar para mim. Agradeço, primeiramente, às mulheres mais importantes da minha
vida, Márcia e Jane. Vocês são as mulheres que mais me inspiram, que fique claro.
Agradeço à Marina, e não tenho nem palavras para descrever o suporte que
encontrei nela, minha grande amiaga. Menção honrosa ao Querom Merom.
Técia e Jessyca, gratidão pelas contribuições que me trouxeram e que pude
agregar para enriquecer essa pesquisa, e também por ouvir meus podcasts enquanto
fazia o trabalho.
À Ecto, o amor da minha vida, que estava mais ansiosa que eu para que eu
terminasse isso e desenvolveu técnicas diversas para perguntar se eu já tinha
terminado mesmo sem perguntar se eu já tinha terminado.
Diana, que se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse, e realmente
me ajudou, com dicas imprescindíveis para a conclusão.
Ao meu orientador, que respeitou meu processo, obrigada.
E a todas as outras pessoas não mencionadas, mas que sabem que são
amadas, e torceram por mim igualmente.
RESUMO
Esta pesquisa tem o objetivo de analisar o que publicidade contemporânea tem feito
na mídia social digital Instagram, a partir da análise de perfis veganos brasileiros em
uma investigação exploratória e descritiva de estudo de caso múltiplo, fundamentada
em pesquisa bibliográfica. O percurso teórico traça a contextualização e
desenvolvimento da comunicação publicitária, e as influências da democratização do
acesso às Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, perpassando os
estudos de mediação e midiatização, e influência das redes e mídias sociais na
mudança das dinâmicas comunicacionais, favorecendo o surgimento de
influenciadores digitais. Contextualiza também o veganismo enquanto movimento
interseccional que vai além de um regime alimentar, alicerçado em um
posicionamento ético, filosófico e político, elucidando as principais pautas defendidas
pelos adeptos. Por fim, analisa estratégias e inserções publicitárias observadas
durante investigação de perfis veganos brasileiros no Instagram, diferenciando os
anúncios de divulgações espontâneas, e pontuando os formatos utilizados para fazer
publicidade na mídia social digital escolhida.
This research aims to analyze what contemporary advertising has done on the digital
social media Instagram, from the analysis of brazilian vegan profiles in an exploratory
and descriptive investigation of a multiple case study, based on bibliographic research.
The theoretical path traces the contextualization and development of advertising
communication, and the influences of the democratization of access to New
Information and Communication Technologies, permeating the studies of mediation
and mediatization, and the influence of networks and social media in changing
communication dynamics, resulting in a emergence of digital influencers. It also
contextualizes veganism as an intersectional movement that goes beyond a diet,
based on an ethical, philosophical and political position, elucidating the main guidelines
defended by the supporters. Finally, it analyzes advertising strategies observed during
the investigation of brazilian vegan profiles on Instagram, differentiating ads from
spontaneous recommendation, and punctuating the formats used to advertise on the
chosen digital social media.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9
1.1 OBJETIVOS................................................................................................... 10
1.1.1 Objetivo geral................................................................................................. 10
1.1.2 Objetivos específicos ..................................................................................... 10
2 PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA, MIDIATIZAÇÃO E CONSUMO ......... 11
2.1 MERGULHO NOS CONTEXTOS E CONCEITOS ........................................ 11
2.2 FLUXO DAS MÍDIAS ÀS AÇÕES (DESÁGUE NO CONSUMO) ................... 16
2.3 INUNDAÇÃO DE INFLUÊNCIAS .................................................................. 24
3 VEGANISMOS .............................................................................................. 30
3.1 REGANDO O TERRENO, COLHENDO CONCEITOS.................................. 30
3.2 UMA MESA DE INTERSECÇÕES ................................................................ 47
4 METODOLOGIA DE PESQUISA, RESULTADOS E ANÁLISES ................. 53
4.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA ................................................................ 53
4.2 ATMOSFERA DA PESQUISA ....................................................................... 53
4.3 PROCECIMENTOS DE PESQUISA.............................................................. 54
4.3.1 Fundamentação teórica ................................................................................. 54
4.3.2 Seleção de perfis brasileiros veganos no Instagram ..................................... 55
4.3.3 Análise dos perfis elegidos ........................................................................... 58
4.4 RESULTADOS E ANÁLISES ........................................................................ 59
4.4.1 Dos recursos do aplicativo ............................................................................ 59
4.4.2 Dos perfis ...................................................................................................... 60
4.4.3 Dos anúncios ................................................................................................ 76
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 81
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 83
9
1 INTRODUÇÃO
1.1 OBJETIVOS
valores divulgados em uma propaganda podem não corresponder aos valores de uma
sociedade de consumo (TRINDADE, 2012).
Posto isso, independentemente de haver ou não consenso em relação à
distinção proposta, cada vez mais os limites dos termos perderam a forma, e vêm
sendo empregados muitas vezes como sinônimos, deixando em segundo plano as
diferenças conceituais (SOUZA; ANDRES; CASTRO, 2018). No entanto, Gomes
(2008), defensora das distinções semânticas e históricas, afirma que essa prática de
considerar e aplicá-los como sinônimos é particularmente brasileira.
Esse panorama elucida as origens e conceituações, mas fato é que a
publicidade e a propaganda são produtos da realidade que as cercam, e por muito
tempo “acostumou-se a refletir, reproduzir e reforçar, sem questionar, os valores e a
moralidade social, as leis e a ética, a cultura, a tecnologia, as relações econômicas,
políticas” (MACHADO, 2018, p. 70), mas não estava acostumada a ser contestada. A
comunicação persuasiva era transmitida para muitos, moldando comportamentos,
sem ter sua prática questionada.
Além disso, Machado (2018) atribui todo esse “silêncio” à impossibilidade dos
inconformados de se fazerem ouvir, em tão grande escala, pelo menos. No entanto,
isso começou a mudar a partir do início dos anos 2000, com as tecnologias e redes
digitais, e é por isso que as pesquisas atuais da área buscam ultrapassar os limites
terminológicos, e nesse sentido
1Grande volume de dados variados produzidos no ambiente virtual processados em alta velocidade,
que, ao serem analisados, podem ajudar a perceber padrões, perfis de consumo, entre outras utilidades
no mundo da Tecnologia da Informação (e comunicação).
22
E, como reforça Souza (2018), através da circulação nas mídias digitais, são
deixados rastros que passam por um processamento em forma de dados por
softwares2, e dentro da lógica dos algoritmos, geram perfis de comportamento e
consumo. Esses recursos são usados estrategicamente para objetivos
mercadológicos e políticos, ao fornecer conteúdos relevantes para os usuários, ou
disseminando informações que julguem importantes, de maneira segmentada.
Eskjær (2013) aponta e concorda que o consumo se tornou midiatizado,
principalmente porque a indústria vem se empenhando na questão da "circulação
simbólica", transformando bens materiais em "sistemas simbólicos" de valores,
narrativas, distinções sociais, identidade, entre outros. Dessa forma, o consumo acaba
sendo atrelado às representações midiáticas, que controla essa rede de significados.
Conforme observa Pompeu (2019), não demorou para que marcas dos mais
diversos segmentos, justamente em reação a essa maximização generalizada do
consumo, mudassem seus discursos e suas práticas. “De fábricas produtoras e
vendedoras de mercadorias, transformaram-se em instituições simbólicas
representantes de valores” (POMPEU, 2019, p. 156).
Trazendo as proposições de Winfred Schulz (2004), apontadas por Hjarvard
(apud 2012, p. 59), e associadas ao consumo por Eskjær (2013), em que identifica
quatro tipos de processos onde os meios de comunicação alteram a comunicação e a
interação humanas sendo eles o de extensão, substituição, fusão ou amalgamação, e
acomodação.
O processo de extensão implode a barreira tempo-espaço, e em termos
midiáticos, proporciona novas formas e possibilidade de aquisições de bens e
serviços, agora não mais limitados pela localização geográfica ou horário comercial.
O de substituição consiste na inserção de atividades midiáticas antes vividas
apenas através de interações sociais presenciais. A fusão, ou amalgamação, aponta
2 Programas de computador.
23
para a ubiquidade das mídias no cotidiano, reduzindo a linha que diferencia o consumo
da mediação.
A acomodação trata da adoção e preenchimento da vida através dos moldes
midiáticos, conforme eles vão ganhando importância econômica, social e cultural.
Entretanto, esses processos já bastante difundidos carregam consigo os
paradoxos da midiatização e o consumo sustentável e ético, como contribui Eskjær
(2013). Se por um lado a extensão permite o redimensionamento para um consumo
mais sustentável, pelo outro há um risco de estímulo ao consumo, que mesmo que
teoricamente mais ético, ainda possui custos de produção, transporte, energéticos, e
se feito em demasia, pode perder seu caráter sustentável.
A substituição, tende a acarretar em uma centralização, e o risco de eliminação
do comércio local. A fusão, no sentido do consumo ético, acaba sendo uma integração
gradual de hábitos de consumo incentivados pela mídia, que também traz o risco de
comercializar o consumo sustentável, tornando-se mais uma forma de reforçar hábitos
consumistas; o que já vem ocorrendo.
No âmbito da acomodação, as empresas e marcas vêm se apropriando das
ideologias sustentáveis e adaptando seus discursos, criando novos produtos e
gerando mais incentivo ao consumo. Seus posicionamentos almejam, mais que uma
conduta ética e sustentável, evitar a perda de partes do mercado para outras
empresas. Essa é uma das práticas associadas ao greenwashing, em que há uma
apropriação de posicionamento ou discurso ambientalista para ocultar práticas de
produção e comercialização degradantes ao meio ambiente e sociedade, confundindo
os consumidores mais que informando.
Em suma, Eskjær (2013) defende que as instituições têm abraçado um discurso
político sustentável, usando as mídias para propagar e cultivar essa imagem, com
rótulos progressivamente contraditórios. Enfatizando Pompeu (2019, p. 159)
3O uso do termo “atores” é atribuído à pesquisadora Raquel Recuero, que se refere aos que compõe
os processos comunicacionais midiáticos. Nas redes sociais, por exemplo, podem ser indivíduos,
grupos, e até instituições (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011);
25
para embasar o que aqui se propõe, são trazidos os conteúdos mais relevantes para
compreensão do tópico, somado a outras contribuições.
A convergência das mídias, conceituado por Henry Jenkins (2009) (apud
MARTINO, 2014), está muitas vezes associada apenas à fusão de diferentes mídias
e funções em um único dispositivo, mas esse processo não é apenas tecnológico e
reverbera em diversas dimensões. Não se pode esquecer o aspecto cultural dessa
convergência midiática.
Quando se fala sobre os novos papéis desempenhados pelos indivíduos,
também refere-se a esse processo cultural, que é dinâmico, e para acontecer, conta
com a contribuição dos atores envolvidos e sua capacidade de elaborar suas
mensagens tanto quanto recriar as que têm acesso, a partir das mídias diversas. Tem
sido assim a modificação do circuito, por tanto tempo implementado, de emissor-
receptor (JENKINS, 2009 apud MARTINO, 2014).
Pierry Lévy é recorrentemente mencionado na academia pelas significativas
contribuições dos seus estudos no campo da cibercultura e ciberespaço, mas as
proposições de Pramond K. Nayar (2010) (apud MARTINO, 2014), melhor corroboram
para o percurso conceitual do presente trabalho. O pesquisador explica e estuda a
cibercultura a partir de processos políticos, históricos e sociais.
Ele defende que identidade não existe naturalmente, mas se constrói através
das interações e relações sociais e grupais, mesmo que levando em consideração as
desigualdades e estruturas de poder nessas dinâmicas. Dessa forma, considera que
assumir uma identidade é um ato político e busca compreender como o ciberespaço
e as mídias digitais interferem nesse processo.
Na visão de Nayar (2010) (apud MARTINO, 2014), as mídias não são apenas
ferramentas técnicas, e sim fatores de ação política, e não podem ser separadas do
seu contexto histórico e social. Dominar os espaços virtuais e seus códigos, além do
simplório acesso à internet, é uma das formas de poder contemporânea. As culturas
e as tecnologias se retroalimentam em suas construções, da mesma forma que o
ciberespaço recebe as manifestações culturais humanas, essas são modificadas pelo
ciberespaço.
O autor observa também uma relação entre as ciberculturas e o consumo, já
que há demandas econômicas, tecnológicas e sociais para fazer parte do
ciberespaço. Há um custo para adentrar, assim como para manter, e por isso
26
Redes sociais podem ser entendidas como um tipo de relação entre seres
humanos pautada pela flexibilidade de sua estrutura e pela dinâmica entre
seus participantes. Apesar de relativamente antiga nas ciências humanas, a
ideia de rede ganhou mais força quando a tecnologia auxiliou a construção
de redes sociais conectadas pela internet, definidas pela interação via mídias
digitais.
3 VEGANISMOS
isso ocorre nos animais e não nas plantas ou outros seres que não possuem (SOUZA,
2016).
O outro conceito primordial para a compreensão do veganismo, em sua
essência, é o que, em 1970, o psicólogo Richard Ryder chamou de "especismo": a
discriminação baseada na espécie, (ABOGLIO, 2009), a crença de que certas
espécies são mais importantes do que outras; que algumas possuem mais direitos do
que as demais.
Como exemplo, grande parte das pessoas ama cães e gatos, mas admite
comer bois, aves, porcos e peixes, igualmente sencientes, dotados de emoções, de
consciência da dor. O especismo antropocêntrico é usado, no entanto, para se referir
à discriminação que envolve atribuir à espécie humana mais valor do que as demais,
e que acreditar que apenas essa é participante da comunidade moral (ARTICO, 2015;
NEGRINI, 2019; SOUZA, 2016).
Entre os que lutam pelos direitos animais, como elucida Negrini (2019), há uma
corrente que advoga pela adoção de medidas paliativas para melhoria das condições
de vida dos animais, são os chamados benestaristas; e do outro lado se encontram
os abolicionistas, que lutam pela libertação animal.
Se por um lado comer carne foi uma vantagem adaptativa importante para a
sobrevivência do gênero Homo, por outro, as sociedades que mais se
desenvolveram posteriormente foram as que dominaram a agricultura.
Cidades e civilizações inteiras se constituíram em torno da prática. Os
humanos primitivos que se dedicavam apenas à caça desapareceram. Mas a
história é feita de ocultações. As hegemonias se constroem invisibilizando as
partes não hegemônicas. (NEGRINI, 2019, p.45)
5 E frisamos o uso “de forma geral”, levando em consideração as pessoas em condição de vulnerabilidade
econômica, social, que ou não possuem instruções sobre suas possibilidades, ou, como é o mais comum,
estão sujeitas a comerem o que é proporcionado em seu contexto, não cabendo ao movimento vegano
julgar essas condições em busca de impor suas verdades. Esse não seria um veganismo inclusivo.
40
animais, como também os produzem para esse fim, sob condições precárias à vida,
com enclausuramento, maltrato, superlotação, danos físicos e psicológicos
(ABOGLIO, 2009; NEGRINI, 2019).
Grande parte dos animais são vegetarianos, e os que não são, caçam, matam
e comem sua presa da maneira que está, sem temperos, condimentos ou cocção, e o
fazem por necessidade biológica (ABOGLIO, 2009). Não há condição de paridade na
forma em que os humanos, atualmente, obtêm seus insumos de origem animal, exceto
os que criam, vão à pesca ou têm a caça como hobby6, e ainda assim, o fazem com
a utilização de aparatos tecnológicos designados para tais atividades.
realidade da linha de produção a qual são submetidos os animais não humanos, além
evidenciar o seu viés econômico, que sustenta tais práticas.
A produção de animais é constituída de privações, sofrimento, estresse e
confinamento (ABOGLIO, 2009; NEGRINI, 2019). As galinhas não podem atender aos
seus instintos de chocar em ninhos, fazendo isso de maneira exposta, que para elas
é repugnante; seus bicos, que são cheios de terminações nervosas, são cortados sem
anestesia, para evitar a auto e a inter mutilação, recurso à qual recorrem na condição
extremo estresse (ABOGLIO, 2009).
Os animais são modificados geneticamente para que produzam mais mesmo
que seja exaustivo; recebem hormônios para que cresçam mais e mais rápido; a
convivência com os próprios excrementos, e superlotação são a realidade de milhões
desses animais (ABOGLIO, 2009).
A criação considerada mais humanitária, "livre de gaiolas", é feita com um
amontoamento em galpões, ainda em condições deploráveis, mas algumas pessoas
estão dispostas a pagar um pouco mais para aliviar a consciência, e é só até esse
ponto que se torna aceitável para os criadores, a partir do momento que se torna mais
lucrativo (ABOGLIO, 2009; NEGRINI, 2019).
Os animais sentem o cheiro e veem a morte dos seus companheiros, escutam
os gritos e o debater-se ao serem encaminhados para o abate e são tomados pelo
pavor, eles sabem o que está acontecendo, e para onde serão destinados (ABOGLIO,
2009).
Os peixes, seres sensíveis e com capacidade de se comunicar, são retirados
em toneladas das profundidades, muitas vezes sofrendo de uma dolorosa
descompressão, que faz saltar os seus olhos e até órgãos para fora do corpo
(ABOGLIO, 2009). Nos tanques de criação acabam tomando muitos antibióticos para
contornar as doenças decorrentes do ambiente estressante e confinado, e ainda
assim, morrem aos montes, no processo desenvolvem-se bactérias resistentes aos
remédios administrados, tornando-se ainda mais perigosas (ABOGLIO, 2009).
O leite, tido como mais aceitável por não causar a morte, é produto de uma
indústria até pior que a da carne (ABOGLIO, 2009; NEGRINI, 2019). São extraídos
majoritariamente das vacas, mas também de cabras, búfalas, e no Brasil, é possível
acompanhar a produção trimestralmente através de divulgação do IBGE da Pesquisa
Pecuária.
43
Figura 1).
9A potiguar Ellen Monielle, em seu perfil no Instagram (@eco.fada) fez uma série de vídeos do IGTV,
em parceria com a ativista vegana, também potiguar, Sandra Guimarães, falando sobre o
veganwashing.
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10‘Todas as opressões estão conectadas. Veganismo é uma extensão lógica da luta anti-opressão’.
Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2018/04/todas-as-opressoes-estao-
48
O relatório divulgado no início de 2020 pela ONG Oxfam, que tem como pauta
a erradicação da pobreza, e desigualdade social, revela que os 2.153 bilionários do
mundo têm mais riqueza que cerca de 60% da população11. O Brasil é o segundo país
com maior concentração de renda do mundo, onde 1% da população detém 28,3% da
renda total do país12, o que é favorecido através de isenções e reduções fiscais,
cobradas de maneira desproporcional sobre os que detém grandes riquezas13.
Para Negrini (2019, p.84) “animais humanos e não humanos são igualmente
peças da engrenagem do capitalismo, que exaure a vida de ambos como um recurso
que pode ser comprado”.
A interseccionalidade entre feminismo e veganismo foi introduzida por Carol
Adams, com o seu livro A Política Sexual da Carne: Uma teoria feminista-vegetariana,
publicado a primeira vez em 1990. A autora inspirou pesquisadoras e abriu espaço
para o que hoje se debate e reconhece como ecofeminismo, em que a exploração e
violências aplicadas às fêmeas de todas as espécies são objeto de reflexão e luta pela
libertação.
E assinala, “a hierarquia da proteína da carne reforça uma hierarquia de raça,
classe e sexo” (ADAMS, 2012, p. 64), defendendo que o racismo e o sexismo,
concatenados, colocaram a carne na posição de alimento do homem branco. Ainda
nessa perspectiva, Aboglio (2009) reforça ao dizer que libertação feminina não fará
sentido até que as mulheres vejam semelhança com a exploração de fêmeas de
outras espécies, atribuída também ao sistema patriarcal, tão útil para a economia
neoliberal.
Negrini (2019) enriquece o debate trazendo a contribuição para o feminismo e
veganismo negro, também tratado por afroveganismo, como intersecção discutida
conectadas-veganismo-e-uma-extensao-logica-da-luta-anti-
opressao/#:~:text=Embora%20o%20objetivo%20do%20veganismo,opress%C3%A3o%20de%20um%
20modo%20geral.&text=J%C3%A1%20o%20carnismo%2C%20a%20ideologia,fracos%2C%20os%20
n%C3%A3o%2Dhumanos Acesso em: 12 abr. 2021.
11 Bilionários do mundo têm mais riqueza do que 60% da população mundial. Disponível em:
https://www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-do-mundo-tem-mais-riqueza-do-que-60-da-populacao-
mundial/ Acesso em: 12 abr. 2021
12 Brasil tem 2ª maior concentração de renda do mundo, diz relatório da ONU. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/09/brasil-tem-segunda-maior-concentracao-de-renda-do-
mundo-diz-relatorio-da-onu.ghtml Acesso em: 12 abr. 2021
13 Concentração de riqueza no Brasil é ainda maior que a de renda. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/imposto-de-heranca-e-concentracao-da-riqueza-no-
brasil.shtml Acesso em: 12 abr. 2021.
49
pelas irmãs Aph e Syl Ko no livro Aphro-ism: Essays on Pop Culture, Feminism, and
Black Veganism From Two Sisters (2017). Para elas,
justificada, pois os animais são vistos como menos capazes (TAYLOR, 2017 apud
NEGRINI, 2019).
Outro tema que cada vez mais repercute dentro do movimento se trata de
garantia de acesso à segurança e soberania alimentar e nutricional. Segurança
alimentar e nutricional é visto como uma estratégia ou conjunto de ações participativas
entre setores, que objetiva a realização do direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente (NEGRINI, 2019).
Já a soberania alimentar, diz respeito ao direito de os povos definirem suas
políticas alimentares e nutricionais com autonomia, de decidirem sobre o que produzir,
para quem produzir e em que condições produzir (NEGRINI, 2019). Esses assuntos
se tornaram pauta devido aos moldes produtivos do agronegócio que ferem tanto a
um, quanto ao outro direito supracitado.
Como pontua Negrini (2019), enquanto dentro do país não há distribuição de
terra, incentivos ao pequeno produtor, pelo contrário, os grandes produtores do
agronegócio ocupam extensas áreas, com práticas de monocultura e cada vez maior
utilização de agrotóxicos, com incentivos e isenções fiscais, sem garantir a segurança
alimentar da população, e ameaçando a soberania. No Brasil, a produção interna de
alimentos é suprida especialmente pela agricultura familiar (NEGRINI, 2019).
21 Esse selo é um recurso do Instagram para garantir que o perfil é da pessoa a quem se refere,
geralmente utilizado por figuras públicas e celebridades. Para saber mais, conferir conteúdo
disponibilizado pela empresa sobre como se tornar verificado:
https://www.facebook.com/business/help/830094584007801?id=419087378825961
22 Disponível em: https://www.instagram.com/natalyneri/ Acesso em: 12 de abr. 2021
23 Disponível em: https://www.instagram.com/sapavegana/ Acesso em: 12 de abr. 2021
58
A análise dos perfis foi feita por duas semanas, com o intervalo de quatro meses
entre cada uma. Esse intervalo foi decorrente de uma pausa na pesquisa. A primeira
semana foi da sexta, 13 de novembro de 2020, à sexta dia 20 de novembro de 2020.
A segunda semana de análise, com a retomada da pesquisa, foi da sexta, 26 de março
de 2021, à sexta 02 de abril de 2021. A coleta, nas duas semanas, foi feita todo dia
às 19 horas, acompanhando todo o conteúdo publicado nas últimas 24 horas.
Para registro da coleta, foi criada uma planilha de controle na ferramenta
Google Sheets27, onde era possível registrar, por perfil, o número de publicações, o
teor dos conteúdos, se havia divulgação, indicação de publicidade, utilização de
recursos do aplicativo, espaço para observações gerais e dos anúncios observados
na investigação, como é possível ver na imagem (Figura 3). Cada dia possuía uma
aba específica na planilha.
30 Por memes entende-se aqui conteúdos em forma de imagem, vídeo, ou outro formato, de intenção
humorística, e comparativa entre a situação da cena registrada com a vida cotidiana, e compartilhada
na internet.
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Dos perfis analisados, foi o que teve maior frequência de postagem, com
atividade diária, pelo menos nos stories. A média foi de 18 stories e mais de uma
publicação no feed por dia, mas leva-se em consideração que muitos dos seus
compartilhamentos eram conteúdos de outros perfis.
Notou-se ainda, que esse também foi um perfil que angariou novos seguidores
no período de análise, como é possível observar na imagem (Figura 17).
74
Nota-se que a amostra dos perfis traz personalidades que representam uma
série de interseccionalidades, algumas das quais são tratadas dentro do veganismo,
como racismo, gênero, desigualdade social, lutas de classe, etc.
Percebeu-se também diversos conteúdos que podem ser considerados
divulgações, já que tratam de mencionar marcas e perfis que fornecem serviços,
produtos, conteúdos, mas nem sempre eles são sinalizados como publicidade, e
talvez não sejam. Apesar dos recursos disponibilizados pela mídia para que isso fique
explicitado (indicação de parcerias pagas, hashtags) o controle de quem realmente
diferencia os patrocínios e opiniões pessoais ainda não é bem definido.
O desejo pessoal do produtor de conteúdo de compartilhar uma sugestão,
indicação, pode, e geralmente ocorre, partir de uma motivação não exatamente ligada
a interesses financeiros e comerciais, mas o de dar suporte a algo que realmente
aprovou ao utilizar, e/ou que apoiam as causas veganas.
No entanto, levando em consideração a posição que ocupam e o capital social
que os acompanham, entende-se que até mesmo essas atitudes sem fins comerciais
podem vir a beneficiar aqueles que foram divulgados, e a intenção é realmente essa,
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assim como o possível engajamento que resulte dessa divulgação também é benéfica
ao influenciador.
Outra estratégia observada foi a de divulgação de cupons. Uma das formas que
as marcas encontram de serem notadas através dos influenciadores e conquistar
consumidores para seus produtos é a disponibilização de cupons de desconto
personalizados para seguidores das personalidades escolhidas para fazerem a
divulgação.
Notou-se que os influenciadores não promovem apenas outras marcas, como
também a si mesmos, tanto quando criam algum produto ou serviço, quanto por
produzirem conteúdos em outras mídias digitais, e buscam aumentar engajamento em
todas elas.
Nem todos possuem um discurso mais politizado, ou o fazem com frequência,
levando o veganismo para além de uma dieta vegetariana estrita. No entanto, nenhum
dos perfis analisados, adotou uma postura visivelmente contraditória ou que
enfraquecesse o movimento.
O quadro abaixo (Quadro 1) sintetiza o que foi observado nos perfis em questão
de presença publicitária, divulgações (sem sinalização de patrocínio), e conteúdo de
incentivo ao veganismo para além da alimentação. O quadro apresenta também a
quantidade total de publicações por stories e feed durante os 14 dias, referentes às
duas semanas de investigação, e o saldo comparativo de seguidores entre as
semanas analisadas.
@veganismo_simpl -3 mil
- Sim -
es
@eco.fada Sim Sim Sim 35 4 +2,7 mil
@fabiochaves Sim Sim Sim 80 17 +3,4 mil
@paruvegan Sim Sim Sim 257 20 +7,9 mil
Fonte: Elaboração própria (2021).
Vale salientar que isso se refere apenas aos conteúdos observados nas
semanas de investigação, não significa que os perfis que não fizeram publicidade
nesse período não o tenham feito em outro, assim como quem não mencionou um
conteúdo voltado para o veganismo não o tenha feito em outro momento em seu perfil.
Quanto a relação entre quantidade de conteúdos compartilhados, presença
publicitária e aumento ou redução de seguidores, o estudo não foi conclusivo o
suficiente para estabelecer uma associação direta, já que quem mais ganhou
seguidores não era o que postava mais, além de ser um dos perfis com maior
posicionamento e teor político em seu discurso entre os analisados, e um dos únicos
em que não se observou estratégias publicitárias de outras marcas.
Apesar de essa ser uma informação complementar, não cabia à pesquisa
analisar o capital social dos perfis, e sim, as estratégias publicitárias adotadas.
quando se encerram as postagens recentes dos que são seguidos, e exatamente por
seguir poucos perfis isso fica mais evidente, o aplicativo apresenta postagens de
pessoas/produtores de conteúdos/marcas que não são seguidos pelo perfil
investigativo.
Dessa forma, no caso de não ter mais informações para consumir daqueles que
foram escolhidos para serem acompanhados, há a possibilidade de seguir utilizando
o aplicativo vendo o que ele oferece baseado no que já se acompanha, curte, segue,
fazendo-se ainda mais atraente, evitando saída do usuário por falta de informação
para consumir, compartilhar, etc.
E assim, conforme mais tempo o usuário passa no aplicativo, mais dados
fornece para o algoritmo, mais suscetível se torna a todos os anúncios a ele
apresentados, reforçando e fortificando o poder de influência da mídia, que se torna
mais atraente para novos anunciantes, reforçando as teorias contemporâneas de
comunicação publicitária, que observam a tendência dessa ser cada vez mais
aglutinada a estratégias que envolvem entretenimento e interatividade.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
possível dos hábitos de consumo midiático de quem já utilizava o aparelho onde foi
realizada a investigação, não há embasamento que garanta que não houve influência.
Por não proporcionar interações durante a investigação, isso também pode ter
afetado a segmentação dos anúncios aos quais se teve acesso, e essa é mais uma
possibilidade passível de investigação em trabalhos futuros.
A idealização da pesquisa foi feita antes da pandemia, porém, a execução foi
após, e ainda assim, o trabalho não discorre tanto sobre a influência desse contexto
no trabalho final. Desdobramentos possíveis seriam, no âmbito da comunicação, tratar
do aumento do tempo em mídias e redes sociais digitais após quarentena. No âmbito
do veganismo, explorar o argumento de que se a produção agropecuária, e/ou o hábito
cultural de comer carne fossem diferentes, muitas pandemias que já existiram
poderiam ter sido evitadas.
De toda forma, os objetivos propostos foram atingidos a partir da metodologia
adotada, e mesmo ciente de que as manifestações publicitárias contemporâneas
expostas foram limitadas às observadas na amostra da pesquisa, pode-se dizer que
o presente trabalho contribui para uma maior apropriação dos processos
comunicacionais contemporâneos, assim como da teoria que antecede a práxis que
engloba o veganismo.
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REFERÊNCIAS
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