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HEBE MATTOS

“Remanescentes
das comunidades
dos quilombos”:
memória do
cativeiro e políticas
de reparação
no Brasil

HEBE MATTOS
é professora do
Departamento de História
da Universidade Federal
Fluminense.
O presente artigo propõe uma interpre-
tação, ainda que preliminar, para a
história da aprovação e dos desdobramentos
legais do Artigo 68 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias (ADCT) da Constituição
Brasileira de 1988, que reconheceu direitos ter-
ritoriais aos “remanescentes das comunidades
dos quilombos”, garantindo-lhes a titulação
definitiva pelo Estado brasileiro1.
Para entender a redação do artigo e sua
inclusão nas disposições transitórias da Cons-
tituição é preciso levar em consideração, pri-
meiramente, o fortalecimento dos movimentos
negros no país, ao longo da década de 1980, e a
revisão por eles proposta em relação à memória
pública da escravidão e da Abolição. À imagem
da princesinha branca, libertando por decreto
escravos submissos e bem tratados, que du-
rante décadas se difundiu nos livros didáticos
brasileiros, passou-se a opor a imagem de um
sistema cruel e violento, ao qual o escravo negro
resistia, especialmente pela fuga e formação
de quilombos2.
A pesquisa acadêmica em história social da
escravidão foi também tocada por essa conjun-
tura. A partir de uma perspectiva que propunha
1 O texto integral do Art. 68 do
pensar o escravo como ator social relevante para Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias estabelece
a compreensão histórica da sociedade brasileira, que: “Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas
uma revisão historiográfica se produziu no país terras é reconhecida a pro-
priedade definitiva, devendo
em relação ao tema. A demografia, a cultura, o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos”.
as relações familiares e a sociabilidade escrava 2 Cf. Mariza Soares, “Nos Ata-
lhos da Memória – Monumento
passaram a ser estudadas por inúmeros pesqui- a Zumbi”, in Paulo Knauss (org.),
Cidade Vaidosa. Imagens
sadores. Cada vez mais as ações e opções dos Urbanas do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 7 Letras, 1999, pp.
africanos escravizados no Brasil foram perce- 117-35.

bidas como essenciais para a compreensão his-


3 Cf. “A Historiografia Recente da tórica da sociedade que os escravizava. majoritariamente identificadas como “terras
Escravidão Brasileira”, in Stuart
Schwartz, Escravos, Roceiros e Desde suas estratégias de organização de de preto”6, nem sempre se associava à idéia
Rebeldes, Bauru, Edusc, 2001, famílias, de formação de organizações histórica clássica do quilombo. Muitos dos
pp. 21-82.
religiosas para obtenção de alforria, até as grupos referenciados à memória da escra-
4 Cf. Stuart Schwartz, Segredos
Internos. Escravos e Engenhos diferentes formas de sua inserção no mundo vidão e à posse coletiva da terra, em casos
na Sociedade Colonial, São do trabalho3. estudados por antropólogos ou historiadores
Paulo, Companhia das Letras,
1988, especialmente caps. 16 De fato, o avanço da pesquisa histórica nos anos 70 e 80, tinham seu mito de ori-
e 17; Flávio S. Gomes, Histórias
de Quilombolas: Mocambos e colocara em relevo, também, a impressio- gem em doações senhoriais realizadas no
Comunidades de Senzalas no nante legitimidade da sociedade escravista contexto da Abolição7. Apesar disso, além
Rio de Janeiro – Século XIX, Rio
de Janeiro, Arquivo Nacional, no Brasil até pelo menos a primeira metade da referência étnica e da posse coletiva da
1995, e A Hidra e os Pânta-
nos. Mocambos, Quilombos e
do século XIX, mesmo entre ex-escravos, terra, também os conflitos fundiários viven-
Comunidades de Fugitivos no o que não eliminava os episódios de resis- ciados no tempo presente aproximavam o
Brasil (Séculos XVII-XIX), São
Paulo, Unesp, 2005; e J. J. Reis tência, que ocorriam, entretanto, nos limites conjunto das “terras de preto”, habilitan-
& Flávio S. Gomes, Liberdade por do pensável e do possível no contexto da do-as a reivindicar enquadrar-se no novo
um Fio. História dos Quilombos
no Brasil, São Paulo, Companhia sociedade brasileira oitocentista. Muitas dispositivo legal.
das Letras, 1996.
vezes os episódios de fuga ou rebeldia Juristas, historiadores, antropólogos
5 Entre as pesquisas desenvolvi-
das ainda nos anos 1980, cf.: embutiam uma pauta de reivindicação e pos- e, em especial, a Associação Brasileira de
Célia Azevedo, Onda Negra sibilidades de volta ao trabalho; as revoltas Antropologia (ABA) tiveram importante
Medo Branco: o Negro no
Imaginário das Elites. Século abertas de africanos recém-chegados foram papel nessa discussão8. Tendo em vista o
XIX, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
mais comuns que as de escravos crioulos crescimento do movimento quilombola,
1987; S. Chalhoub, Visões da
Liberdade: uma História das Últi- (nascidos no Brasil); as concentrações de predominaram as interpretações que consi-
mas Décadas da Escravidão na
Corte, São Paulo, Companhia escravos fugidos, chamadas mocambos ou deravam a ressemantização da palavra “qui-
das Letras, 1990. quilombos, se eram efetivamente endêmi- lombo” para efeitos da aplicação da provisão
6 Sobre o tema, cf.: Alfredo Wag- cas, encontravam-se em estreita relação constitucional, valorizando o contexto de
ner Berno de Almeida, “Terras
de Preto. Terras de Santo. Terras com o mundo das senzalas4. resistência cultural que permitiu a viabili-
de Índio”, in J. Habette & E. M.
Castro (orgs.), Cadernos Naea,
A conjunção desses dois movimentos zação histórica de tais comunidades9.
UFPA, 1989; e Alfredo Wagner resultou em significativo deslocamento nas Com abrangência nacional, o processo
Berno de Almeida (org.), Terras de
Preto no Maranhão: Quebrando imagens mais correntes em relação à escra- de emergência das novas comunidades
o Mito do Isolamento, São Luís, vidão e à Abolição no país, fazendo emergir quilombolas se apresenta hoje como uma
Centro de Cultura Negra do
Maranhão (CCN-MA) e Socie- a figura do escravo como protagonista tam- realidade social inescapável. Segundo o
dade Maranhense de Direitos
Humanos (SMDH), 2002. bém do processo abolicionista, através de decreto 4.887, de 20/11/2003, que regula-
7 Cf. Luiz Eduardo Soares,
processos judiciais de ação de liberdade, de menta o artigo constitucional, em termos
Campesinato: Ideologia e Políti- atos de rebeldia no dia-a-dia das senzalas e legais, “a caracterização dos remanescen-
ca, Rio de Janeiro, Zahar, 1981;
Robert W. Slenes, “Histórias das fugas coletivas generalizadas na década tes das comunidades dos quilombos será
do Cafundó”, in Carlos Vogt & de 1880, acontecimentos que precederam e atestada mediante autodefinição da própria
Peter Fry, Cafundó. A África no
Brasil, São Paulo/Campinas, balizaram o ato legal da Abolição5. Nesse comunidade”, entendo-as como “grupos
Companhia das Letras/Editora
da Unicamp, 1996. contexto, algumas comunidades negras ru- étnicos-raciais, segundo critérios de auto-
8 Sobre essa questão, cf.: Richard rais isoladas alcançaram certa notoriedade atribuição, com trajetória histórica própria,
Price, “Reinventando a História como possíveis descendentes de antigos dotados de relações territoriais específicas,
dos Quilombos. Rasuras e
Confabulações”, in Afro-Ásia, quilombolas. A aprovação do artigo sobre com presunção de ancestralidade negra
23, 1999, pp. 239-65. Ver
também: Cultural Survival Quar-
os direitos territoriais das comunidades dos relacionada com a resistência à opressão
tely, vol. 25, n. 4, Cambridge, quilombos culminou, assim, em todo um histórica sofrida”.
2002, dossiê Marrons in the
Americas, especialmente o ar- processo de revisão histórica e mobilização Atualmente, 178 comunidades estão
tigo de Jean François Verlan. política, que conjugava a afirmação de uma formalmente referidas como remanescentes
9 Cf. Eliane Cantarino O’Dwyer identidade negra no Brasil à difusão de das comunidades dos quilombos no Sistema
(org.), Terra de Quilombo (Apre-
sentação, 1-2), Publicação da uma memória da luta dos escravos contra de Informações das Comunidades Afro-
Associação Brasileira de Antro-
pologia (ABA), Rio de Janeiro,
a escravidão. brasileiras (Sicab) na página da Fundação
1995. Sobre o conceito de No entanto, a maioria das muitas co- Cultural Palmares, 70 delas já tituladas10.
ressemantização, ver também:
Alfredo Wagner B. de Almeida, munidades negras rurais espalhadas pelo Levantamento do Centro de Geografia e
“Quilombos: Sematologia Face país, em conflito pelo reconhecimento da Cartografia Aplicada (Ciga) da Univer-
a Novas Identidades”, in PVN
(org.), Frechal: Terra de Preto posse tradicional de terras coletivas, então sidade de Brasília (UnB), sob a direção

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do geógrafo Rafael Sanzio, registrou 848 de alianças e de conflitos”13..Tais territórios, – Quilombo Reconhecido como
Reserva Extrativista, São Luís,
ocorrências em 2000 e 2.228 territórios que atraíam também camponeses livres, em SMDDH, CCN, 1996; Flávio
S. Gomes, “Ainda sobre os
quilombolas em 200511. geral libertos e seus descendentes, continua- Quilombos: Repensando a
ram a servir como opção de sobrevivência Construção de Símbolos de
Identidade Étnica no Brasil”, in
para os últimos escravos da região após a M. H. T. Almeida, P. Fry, & E. Reis
Abolição. (orgs.), Política e Cultura: Visões

OS NOVOS QUILOMBOS
do Passado e Perspectivas
Nas comunidades de quilombo do Alto Contemporâneas, São Paulo,
Anpocs/Hucitec, 1996; e, ain-
Trombetas, a memória dos antigos mocam- da, Eliane Cantarino O’Dwyer
Se não são necessariamente descenden- bos mostrou-se, desde o início, constitutiva (org.), Quilombos. Identidade
Étnica e Territorialidade, Rio de
tes de antigos acampamentos de escravos da identidade dos grupos, e os territórios Janeiro, Editora FGV, 2002.
fugidos, escondidos nas matas desde o hoje reivindicados correspondem, de modo 10 Cf. Sistema de Informações das
tempo do Brasil monárquico, de onde afinal geral, às antigas áreas mocambeiras14. Comunidades Afro-brasileiras
(Sicab) na página da Funda-
surgiram os novos quilombos? Como os As áreas geográficas reivindicadas pelas ção Cultural Palmares do
Ministério da Cultura (www.
mais críticos tendem a ressaltar, eles têm comunidades dos quilombos no Maranhão palmares.gov.br, acessado em
claramente uma origem recente nas deman- têm maior amplitude e se estendem por pra- 3/9/2005).

das por garantia de direitos à posse coletiva ticamente todo o estado. Antigas fazendas 11 Cf. Rafael Sanzio, “O Espaço
Geográfico dos Remanescentes
de terras, apresentadas por colonos e pos- escravistas e suas comunidades de senzala de Antigos Quilombos no Bra-
sil”, in Terra Livre, 17, 2001,
seiros negros tradicionais, a partir do apoio estão historicamente na base da formação pp. 139-54, e Território das
de novos aliados, entre os quais a Pastoral de muitas das chamadas “terras de preto” Comunidades Quilombolas, 2a
Configuração Espacial, Brasília,
da Terra da Igreja Católica, os movimentos maranhenses, mas o papel da fronteira Ciga-UnB, 2005. Ver também
negros, a Associação Brasileira de Antro- aberta na expansão dos mocambos tende Segundo Cadastro Municipal
dos Territórios Quilombolas do
pologia e alguns outros atores da sociedade hoje a predominar na memória pública Brasil (http://www.unb.br/acs/
unbagencia/ag0505-18.htm).
civil brasileira pós-redemocratização, que das comunidades dos quilombos, sobre
12 Cf. Hebe Mattos, Marcas da
ocuparam papel especial12. as narrativas de viés paternalista, que en- Escravidão. Biografia, Racia-
Por outro lado, há claramente também fatizavam heranças, compras ou doações lização e Memória do Cativeiro
na História do Brasil, tese
uma origem remota, fortemente ancorada de terra por parte dos antigos senhores, apresentada como requisito
na formação de um campesinato constituído antes predominantes15. De fato, a pesquisa para concurso de professor
titular em História do Brasil,
por escravos libertos e seus descendentes no histórica tende a comprovar que ambos os Niterói, Universidade Federal
Fluminense, 2004, parte 1.
contexto da desagregação da escravidão e fenômenos se entrecruzaram no processo
13 Cf. Flávio S. Gomes, Experiências
de sua abolição no Brasil, que permite tais de desagregação da sociedade escravista Atlânticas. Ensaios e Pesquisas
grupos reivindicarem-se como comunida- maranhense e continuaram a se misturar sobre a Escravidão e o Pós-
emancipação no Brasil, Passo
des tradicionais e como quilombolas. como opções para o campesinato negro Fundo, FPF, 2003, p. 89.
No Maranhão e no Pará encontra-se depois da Abolição16. 14 Cf. Eurípedes Funes, Comu-
proporção expressiva das comunidades dos Também no sertão do Nordeste, en- nidades Remanescentes dos
Mocambos do Alto Trombetas,
quilombos. São 34 no Pará e 35 no Maranhão contra-se uma expressiva concentração Comissão Pro-Índio de São
Paulo, dezembro de 2000
registrados no Sicab da Fundação Palmares e das comunidades dos quilombos referidas (www.quilombo.org.br/quilom-
642 e 294, respectivamente, segundo o mapa à provisão constitucional, e pelo menos a bo/doc/ComunidadesRema-
nescentes.doc); e Eurípedes
dos territórios quilombolas da Universidade primeira delas assim identificada, o Qui- Funes, Nasci nas Matas, Nunca
Tive Senhor: História e Memória
de Brasília. A proliferação de acampamentos lombo do Rio das Rãs, na Bahia, já foi alvo dos Mocambos do Baixo Ama-
de escravos fugidos, chamados mocambos, de pesquisas históricas e antropológicas zonas, tese de doutorado, São
Paulo, FFLCH/USP, 1995.
na fronteira entre Maranhão e Pará, bem aprofundadas17. O mapa dos territórios das
15 Cf. Luiz Eduardo Soares,
como nas cachoeiras do alto do Rio Trom- comunidades dos quilombos produzido pela Campesinato: Ideologia e
betas, tornou tais áreas alvos preferenciais Universidade de Brasília refere-se a 396 Política…, op. cit.; e “Os
Quilombos e as Novas Et-
da preocupação repressiva das autoridades comunidades no estado, a maioria delas nias”, in Eliane C. O’Dwyer,
Quilombos Identidade Étnica
provinciais do Pará, na segunda metade do no sertão. Vinte e seis delas encontram-se e Territorialidade…, op. cit.
século XIX, no contexto de desagregação da referidas no Sistema de Informações das 16 Cf., especialmente: Flávio S.
ordem escravista na região. Segundo Flávio Comunidades Afro-brasileiras (Sicab) da Gomes, Experiências Atlânti-
cas…, op. cit., caps. 3 e 4.
Gomes, “quilombolas, grupos indígenas e Fundação Palmares. De fato, a pesquisa
17 Por ângulos diferentes, o pro-
depois colonos e camponeses fizeram ali sobre o Quilombo do Rio das Rãs aponta cesso de mobilização política
suas próprias fronteiras, as quais foram para um campesinato negro, formado por e de construção da identidade
quilombola em Rio das Rãs
marcadas por inúmeras experiências de lutas, libertos e seus descendentes desde o final aparece estudado em duas

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teses de doutorado: René Marc, do século XVIII, que se dirigiu para a re- A família como linhagem, os nomes
A Formação da Identidade
Quilombola dos Negros de gião em busca de um projeto camponês em próprios que se repetem em cada geração
Rio das Rãs, doutorado em grande parte efetivado por diversas formas ou se transformam em sobrenomes, a pa-
História, Salvador, UFBA, 1999;
e François Véran, “Rio das Rãs. tradicionais de posse da terra, só ameaçadas rentela como referência de pertencimento
Terre de Noirs”, doutorado em
Antropologia, Paris, EHESS,
a partir de meados do século XX. Não é à comunidade, práticas comuns às antigas
2000. por acaso que cerca de 2/3 dos quilombos comunidades de senzala do Brasil oitocen-
18 É o caso, por exemplo, das ainda não titulados que participaram do tista, apresentam-se como regularidades em
comunidades de Manguinhos,
Rasa, Marambaia, Bracuí e Questionário Socioeconômico produzido muitos dos grupos identificados23. Nesse
Campinho da Independência, pela Fundação Palmares, em 2003, num sentido, as comunidades de quilombo que
no Rio de Janeiro, todas em áreas
de antigos portos clandestinos total de 105 comunidades, declarem ter emergem da aplicação do artigo cons-
de desembarque de escravos.
Cf. Ana Lugão Rios & Hebe
obtido suas terras por compra ou herança, titucional emprestam visibilidade a um
Mattos, Memórias do Cativeiro. mesmo que não consigam produzir títulos campesinato negro formado no processo
Família, Trabalho e Cidadania
no Pós-Abolição, Rio de Janeiro, que o comprovem. de desagregação da escravidão no Brasil,
Civilização Brasileira, 2005, No Sudeste do Brasil, com relativo que de certa maneira sobreviveu ao intenso
parte II, cap. 4.
paralelismo nas áreas do Sul do país, as processo de urbanização sofrido pela socie-
19 É o caso das comunidades de
São José da Serra e de Quatis, pesquisas históricas e antropológicas mais dade brasileira nos últimos 50 anos.
no Rio de Janeiro, de Cafundós,
em São Paulo, e de Morro Alto, aprofundadas sugerem fortemente que os Como é amplamente conhecido, o ato
no Rio Grande do Sul, entre novos quilombos estão diretamente ligados legal de abolição definitiva da escravidão no
muitas outras. Cf. Ana Lugão
Rios & Hebe Mattos, Memórias à última geração de cativos africanos, es- Brasil se fez por uma lei assinada pela prin-
do Cativeiro…, op. cit., parte
timada em cerca de um milhão de pessoas cesa regente, que simplesmente declarava
II, cap. 4; Robert W. Slenes,
“Histórias do Cafundó”, in chegadas ao Brasil por força da demanda abolida a escravidão no Brasil e revogava
Carlos Vogt e Peter Fry, Cafundó.
A África no Brasil, op. cit.; da expansão cafeeira, principal produto as disposições em contrário, em 13 de maio
Daisy Macedo Barcellos et alii, de exportação brasileiro no século XIX, de 1888 (Lei Áurea). Após a lei, e durante
Comunidade Negra de Morro
Alto. Historicidade, Identidade espraiadas desde os portos clandestinos do alguns anos, os ex-senhores continuaram a
e Territorialidade, Porto Alegre,
UFRGS Editora, 2004. litoral para as demais lavouras comerciais se organizar politicamente demandando in-
20 É o caso, entre outros, do
da região. É significativa a concentração denização pela perda de sua propriedade em
quilombo do Laudêncio. Cf. de comunidades em zonas litorâneas, re- escravos. Quase não se discutiu formas de
Robson Luis M. Martins, Os
Caminhos da Liberdade: Aboli- constituindo o mapa dos desembarques reparação aos ex-escravos, mas, nos meses
cionistas, Escravos e Senhores na clandestinos de escravos após 183118, data finais da monarquia, a questão da “demo-
Província do Espírito Santo 1884-
1888, História – Universidade da primeira lei brasileira de extinção do cracia rural”, com a discussão de projetos
Estadual de Campinas, 1997;
e Osvaldo Martins de Oliveira, tráfico atlântico de escravos. Tais comuni- que incluíssem algum tipo de acesso à terra
“Quilombo do Laudêncio, Mu- dades estão também presentes nas antigas aos recém-libertos, foi postulada por seto-
nicípio de São Mateus (ES)”,
in Eliane C. O’Dwyer (org.), áreas escravistas de exportação, muitas res abolicionistas como um complemento
Quilombos, Identidade Étnica e
Territorialidade, op. cit.
vezes disputando a propriedade das antigas necessário da Abolição da escravidão24.
fazendas onde seus antepassados serviram Com a regulamentação do Artigo 68 do
21 É o caso do quilombo Silva, no
Rio Grande do Sul. Cf. Relatório como escravos19. Encontram-se, ainda, em ADCT da Constituição de 1988, com mais
de Identificação de Ana Paula
Comin de Carvalho e Rodrigo antigas áreas de fronteira agrícola aberta, de cem anos de atraso, a possibilidade de
de Azevedo Weimer (Fundação onde por vezes existiam menções a antigos contemplar com terras os descendentes dos
Cultural Palmares, 2004).
quilombos, mas para onde os últimos liber- últimos escravos, libertos no século XIX,
22 Cf. Ana Lugão Rios e Hebe
Mattos, Memórias do Cativeiro. tos também se dirigiram, imediatamente pode vir a se concretizar.
Trabalho, Família e Cidadania
no Pós-Abolição, op. cit., parte
antes e após a Abolição, em busca de um
II, cap. 4.; Robert W. Slenes, projeto camponês a ser vivido coletivamen-
“Histórias do Cafundó”, op.
cit.; e Daisy Macedo Barcellos te. Este parece ser o caso, especialmente,
et alii, Comunidade Negra de
Morro Alto, op. cit.
das comunidades do Espírito Santo20. Em MEMÓRIAS DO CATIVEIRO
alguns casos também as comunidades são
23 Sobre o papel do parentesco e
dos nomes próprios, nas comu- fruto de movimentos migratórios de famí- Para reforçar esse último ponto, passo
nidades escravas brasileiras do
século XIX, cf.: Robert Slenes,
lias dos últimos libertos ao longo do século a analisar algumas evidências produzidas
Na Senzala, uma Flor, Rio de XX21. Em mais de uma das comunidades pelo projeto Memórias do Cativeiro do
Janeiro, Nova Fronteira, 1998;
e Ana Lugão Rios, “Família e identificadas foi possível reconstituir genea- Laboratório de História Oral e Imagem
Transição. Famílias Negras em logias até os africanos escravos chegados (Labhoi) da Universidade Federal Flumi-
Paraíba do Sul, 1872-1920”,
dissertação de mestrado em à região no século XIX22. nense, que reuniu e analisou entrevistas de

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descendentes de escravos das antigas áreas mais eu vi meus pais, foi ser escrava em outra
cafeeiras do Centro-Sul do país (Rio de fazenda”26) são também recorrentes, foram
Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito comprovadas empiricamente em mais de
Santo), que concentravam a maioria dos um dos casos registrados, e correspondem
escravos às vésperas da abolição definitiva ao que a pesquisa histórica registra para o
do cativeiro. As entrevistas de história oral, período27.
que deram origem a um livro e um DVD, Apesar das referências históricas ao
não guardavam qualquer preocupação ini- trauma do tráfico negreiro na origem fami-
cial com o tema dos novos quilombos, mas liar, os personagens cativos com identidade
diversos grupos visitados pelos pesquisa- própria nas narrativas são aqueles inseridos
dores do Labhoi passaram a identificar-se em uma comunidade escrava mais antiga e
como comunidades quilombolas ao longo diferenciada, distinguindo-se dos demais.
do desenvolvimento do projeto25. Assim, os A memória genealógica referida a antigas
resultados alcançados ilustram de maneira comunidades de senzala está na base da
expressiva as possibilidades do trabalho constituição da nova identidade quilombola
histórico com a memória coletiva presente na maioria das comunidades negras da re-
nas comunidades dos quilombos que emer- gião, conforme já foi considerado.
giram a partir da aprovação da provisão Nesse sentido, são os padrões comuns de
constitucional. referência à escravidão, incrivelmente simi-
São os aspectos simbólicos da memória lares nos diversos conjuntos de entrevistas
familiar da escravidão que mais se destacam analisados, que merecem ser especialmente
nas narrativas, elaboradas e reelaboradas em ressaltados. De fato, uma certa periodização
função de relações tecidas no tempo pre- do processo de abolição do cativeiro, entre-
sente, como em todo trabalho de produção cruzando o tempo privado e geracional da
de memória coletiva. No entanto, para o memória familiar com o tempo público do
presente artigo, escolhi colocar em relevo processo abolicionista, apresentou-se como
outra dimensão do material produzido pelo uma primeira linha de força a estruturar as História, Niterói, UFF, 1990.
projeto: os aspectos históricos referentes à coincidências narrativas encontradas. Sobre a noção de linhagem
e o papel do nome nas comu-
escravidão oitocentista, isto é, referidos a Via de regra, os antepassados dos de- nidades de quilombo contem-
porâneas, cf., entre outros:
experiências empiricamente comprováveis, poentes apareceram classificados em três Robert W. Slenes, “Histórias
existentes nos relatos reunidos. diferentes gerações: aqueles que chegaram do Cafundó”, op. cit.; Dayse
Macedo Barcellos et alii, Comu-
Entre eles, destaco especialmente as ainda sob a vigência do tráfico transatlântico nidade Negra de Morro Alto,
op. cit.; Hebe Mattos, “Marcas
referências à estrutura do tráfico atlântico – os africanos; seus filhos nascidos no Brasil da Escravidão”, op. cit.
clandestino (1831-56) e também ao tráfico – ainda escravos ou “ventre-livres”; e seus 24 Cf. Claudia Andrade dos San-
interno que lhe sucedeu. netos nascidos já no tempo da liberdade. tos, “Projetos Sociais Abolicionis-
tas. Rupturas ou Continuísmo?”,
Os desembarques clandestinos estão Destaca-se, nesse caso, a relevância na in Daniel Aarão Reis Filho (org.),
referidos de modo surpreendente nos de- memória familiar do impacto de medidas Intelectuais, História e Política
(Séculos XIX e XX), Rio de Janeiro,
poimentos, especialmente de moradores legais de profundo alcance na redefinição 7 Letras, 2000, pp. 54-74.
de comunidades negras litorâneas, situadas das relações cotidianas entre senhores e 25 O projeto resultou no livro
próximas de praias onde se tem registro de escravos e entre os cativos entre si no século Memórias do Cativeiro. Família,
Trabalho e Cidadania no Pós-
desembarque ilegal de escravos (como Ma- XIX: a extinção do tráfico africano (1850) Abolição, de autoria de Ana
Lugão Rios e Hebe Mattos (op.
rambaia, Bracuí e Rasa), hoje identificadas e a Lei do Ventre Livre (1871); medidas cit.) e em um DVD de mesmo
como comunidades de quilombo. que se apresentariam pouco presentes nas título, com roteiro baseado no
livro, com direção e montagem
A identificação de origem na África Cen- celebrações públicas relativas ao calendário de Guilherme Fernandez e Isabel
Castro.
tral dos antepassados, em especial na utiliza- abolicionista estruturadas após a Lei Áurea
26 Cf. depoimento de D. Júlia,
ção das designações de procedência usuais e o advento do período republicano. Labhoi-UFF, 1994.
no século XIX (Bento Monjola, Tio Congo, Por outro lado, apesar de a maioria das 27 Cf., entre outros: Hebe Mattos,
etc.), é outra referência repetida, fortemente entrevistas consideradas no projeto ter sido “Laços de Família e Direitos no
Final da Escravidão”, in Luiz
ancorada em evidências históricas. produzida entre 1987 e 1994, a faixa etá- Felipe Alencastro (org.), História
As referências à separação de famílias ria dos narradores escolhidos fez emergir, da Vida Privada no Brasil, vol.
II. São Paulo, Companhia das
no tráfico interno (“minha avó dizia, nunca inicialmente, uma memória que conjugava Letras, 1998, pp. 337-84.

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algumas leituras do processo abolicionista, a memória coletiva dos grupos estudados.
construídas ainda durante o século XIX, Nesse novo contexto, narrativas de fugas,
com um determinado processo de enqua- antes silenciadas, emergiram nos depoimen-
dramento dessa memória, que facilmente se tos. Na comunidade de São José da Serra,
identifica com os esforços pedagógicos e em uma série de depoimentos de um dos
normatizadores da chamada Era Vargas, em mais velhos moradores, após os contatos da
especial do Estado Novo (1937-45). Fundação Palmares e o reconhecimento do
Em dois pontos (política e trabalho), o grupo como remanescente das comunidades
marco de descontinuidade nas falas analisa- dos quilombos, um avô que veio fugido de
das se apresentava, de forma generalizada, uma fazenda para a outra em busca da prote-
referido à experiência de passagem do rural ção do fazendeiro, antes pouco mencionado,
ao urbano nos anos 30 a 50 do século XX ressurgiu como herói, e o fazendeiro que o
e/ou a uma experiência de quebra ou de “acoitou”, como organizador de quilombos.
fragilização do poder político dos fazen- A “Fazenda do Ferraz” era também o “Qui-
deiros no nível local nesse mesmo período. lombo do Ferraz”29. Mas foram os filhos e
Ambas as experiências, em apenas alguns netos de nossos depoentes, os mais velhos
casos, porém de forma comum a todos os deles nascidos em meados do século XX,
conjuntos analisados, aparecem associadas que construíram a nova identidade quilom-
diretamente às figuras da princesa Isabel bola. Recuperaram as narrativas de seus
e de Getúlio Vargas. Ângela de Castro pais e avós, mas desenvolveram para elas
Gomes colocou em relevo, em artigo que novas interpretações. Nesse novo contexto,
escrevemos a quatro mãos, a “coincidência práticas culturais com origem no tempo
narrativa” entre essa formulação e alguns do cativeiro, como, por exemplo, o jongo
aspectos da política cultural divulgada pelo e o caxambu – canto e dança em roda ao
Estado Novo em relação às leituras históri- som de tambores –, foram transformadas
cas dos significados da Abolição28. em capital simbólico para afirmação da
Nesse mesmo artigo, procurei argumentar identidade quilombola30.
que versões como essas precisam ser ana-
lisadas para além de seu caráter de simples
reprodução da política cultural divulgada
pelo Estado. Elas ganham inteligibilidade POLÍTICAS DE REPARAÇÃO E
na medida em que se referem a estruturas
de periodização efetivamente generaliza- CIDADANIA
das e referenciadas à vivência familiar dos
28 Cf. Hebe Mattos & Ângela de narradores. Os contratos de trabalho e a “Negro no cativeiro/ Passou tanto tra-
Castro Gomes, Sobre Apropria-
ções e Circularidades: Memória vivência política do campesinato negro nas balho/ Ganhou sua liberdade/ No dia 13 de
do Cativeiro e Política Cultural
na Era Vargas. História Oral, décadas que se seguiram imediatamente à maio”. Essa é a letra de um jongo cantado
São Paulo, 1998, vol. 1, no Abolição da escravidão são fundamentais ainda hoje em alguns dos novos quilombos
1S, pp. 121-44.
para compreender essa apropriação especí- do estado do Rio de Janeiro. Neles não
29 Cf. entrevistas de Manoel
Seabra, da Comunidade de fica de periodização da memória coletiva, é difícil encontrar, entre os mais velhos,
São José da Serra, Catálogo de
História Oral, Acervo Memórias
na qual Isabel e Getúlio aparecem muitas aqueles que se dizem netos de um “Treze
do Cativeiro (Labhoi-UFF, 1998, vezes associados. Permitiram ressignificar de Maio” e que são capazes de nos contar
2003, 2004 e 2005) e DVD
Memórias do Cativeiro (Labhoi- a experiência pessoal e a tradição familiar histórias do “tempo do cativeiro”, como os
UFF, 2005). referente à memória do cativeiro porque, avós lhes contavam. Tal encontro ilustra de
30 Cf. conferência e entrevista de com elas, foram capazes de dialogar. forma expressiva quão pouco significa, em
Antônio Nascimento Fernandes,
Comunidade de São José da Na última década, o início dos processos uma perspectiva histórica, os pouco mais de
Serra, Catálogo de História
Oral, Projeto Memórias do
de identificação e demarcação das chamadas cem anos que separam o Brasil do século
Cativeiro, Labhoi-UFF, 2003; “terras de preto” como remanescentes dos XXI de uma época na qual os brasileiros
Ana Lugão Rios & Hebe Mat-
tos, Memórias do Cativeiro, quilombos e as novas veiculações públicas, se dividiam entre cidadãos livres (das mais
op. cit., parte II, cap. 4; DVD na escola e na mídia, dos significados da diferentes origens e sobre os quais raramente
Memórias do Cativeiro, Labhoi-
UFF, 2005. escravidão impactaram significativamente se mencionava a cor) e escravos (todos eles

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descendentes de africanos, muitas vezes nem a crítica a ela desenvolvida pelos mo-
com a cor ou a origem colada no próprio vimentos negros conseguiram ainda reverter
nome – José Preto, Antônio Pardo, Maria os sentidos hierarquizados das designações
Crioula e assim por diante). Apesar disso, de cor desde longo tempo presentes na socie-
apenas uma minoria dos brasileiros afro- dade brasileira. Não modificaram também
descendentes ainda se encontrava cativa o recurso ao silêncio como a forma mais
naquele 13 de maio de 1888, não mais que usual de conviver com elas em situações
5% da população negra do país. formais de igualdade.
Apesar da continuidade da escravidão, Como no século XIX, dizer-se negro
baseada no direito de propriedade, um ainda é basicamente assumir a memória
pensamento universalista, anti-racista e da escravização inscrita na pele de milhões
antitráfico desenvolveu-se no Brasil desde a de brasileiros. Essa é a base que empresta
época da Independência. No Brasil “não há consistência histórica à discussão sobre
mais que escravos ou cidadãos”, publicavam políticas de ação afirmativa no Brasil com
os jornais radicais do período, defendendo a base na auto-identificação como negro.
igualdade “entre todas as cores” de cidadãos No Brasil, nomear a cor ainda hierarquiza,
brasileiros31. Toda uma geração intelectual pois implica quebrar o pacto de silêncio
de “homens de cor” foi formada a partir sobre o passado escravo, celebrado entre
desse liberalismo anti-racista e antitráfico, os cidadãos brasileiros livres em plena vi-
que só se tornaria abertamente abolicionista gência da escravidão. Passados mais de cem
no final do século XIX. Ao aceitarem uma anos da Abolição, quebrar com a ética do
justificativa não racializada para a escravi- silêncio apresenta-se paradoxalmente como
dão metiam-se, entretanto, num beco sem caminho possível para reverter tal processo
saída, pois a linguagem racial permanecia, de hierarquização cristalizado no tempo,
na prática, como elemento de suspeição e e instaurar um universalismo almejado,
hierarquização. Todo afrodescendente livre, mas não verdadeiramente atingido, desde
mesmo se proprietário de escravos, encon- o século retrasado.
trava-se dramaticamente dependente de um Foi rompendo com o princípio do si-
reconhecimento público da sua condição lêncio que emergiram as “terras de preto”.
de livre, para não ser confundido com um Colonos e posseiros em luta pela terra
escravo ou ex-escravo. A efetivação de uma ameaçada pelos processos de moderni-
ética do silêncio em relação às cores dos zação do século XX, ao identificarem-se
cidadãos, pelo menos em situações formais primeiro como “pretos” e depois como
de igualdade, foi a resultante prática desses “quilombolas”, tornaram-se sujeitos polí-
embates, como a homenagem que o vício ticos coletivos. As metamorfoses sociais
presta à virtude. possíveis a tais atores estiveram, entretanto,
O silêncio sobre a cor como símbolo de firmemente ancoradas na associação entre
cidadania foi uma experiência construída identidade camponesa e memória do cati-
nas lutas anti-racistas do século XIX, que veiro, seja como reminiscência familiar ou
combatiam as hierarquias de cor entre a estigma. Como descendentes de escravos,
população livre até então vigentes na socie- reivindicam políticas de reparação do es-
dade colonial. A legitimação não racial da tado brasileiro
continuidade da escravidão então afirmada A identificação coletiva é sempre pro- 31 Cf., entre outros, na Biblioteca
no Brasil teve conseqüências. Embaralhou cesso e construção e só pode ser entendida Nacional, o jornal O Mulato ou
o Homem de Cor, editado em
a “linha de cor” na sociedade brasileira, levando em conta contextos históricos e 1833. Sobre o tema, cf. Hebe
Mattos, Escravidão e Cidadania
porém sem impedir a adoção pública de políticos. Tanto o silêncio sobre a cor como no Brasil Monárquico, Rio de
projetos racistas de “branqueamento”, numa ética social, quanto sua reivindicação, hoje, Janeiro, Jorge Zahar, 2000,
pp. 20-6.
época em que tais discursos tinham estatuto como bandeira de luta, são frutos diferentes
32 Cf. Lilia M. Schwarcz, O Espe-
de conhecimento científico no pensamento da presença difusa do racismo na sociedade táculo das Raças. Cientistas,
ocidental32. Ao longo do século XX, nem a brasileira em suas complexas relações com Instituições e Questão Racial no
Brasil, 1870-1930, São Paulo,
construção da noção de democracia racial, a memória do cativeiro. Companhia das Letras, 1993.

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