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III

Maggie

Apenas duas pessoas além do escritor tinham a chave de sua casa.

A primeira delas era sua mãe, que morava a dois estados de distância, e na
verdade, não tinha a menor ideia de ter uma chave consigo. O que ela sabia era de um
envelope pardo lacrado, que o escritor em certo Natal deixara por lá, com os dizeres “SÓ
ABRIR EM CASO DE EMERGÊNCIA”. Na época, o envelope provocou emoções ruins na
mãe: ficou a pensar que seu filho estaria ocultando alguma doença, se magoou por ele não
dizer o que era nem lhe conceder claramente o acesso aos conteúdos. Não durou tanto.
Colocou no meio dos restos de papéis de seu falecido marido e esqueceu.

A segunda pessoa com a chave era Maggie.

Foi numa segunda-feira, quando visitou o velho café vazio - as segundas são
sempre fracas para o estabelecimento, o que muito agrada ao escritor - que Maggie havia
começado em seu trabalho. Nada em Maggie chamava especial atenção, nem do escritor,
nem de ninguém. Tudo o que transmitia era uma rara “honestidade fechada”, talvez a
mistura de sua eficiência com timidez. Para o dono da loja, que não percebia a importância
do carisma na conquista de novos clientes, era tudo o que precisava: Maggie não atrasava,
Maggie servia a todos e mantinha tudo limpo, Maggie eventualmente fazia compras para a
loja quando algum item faltava, e jamais chegou com um centavo sequer a menos de troco.
Para o escritor, também era perfeito: o café não crescia, continuava sendo seu
“quartel-general do vazio”. Isso foi o que fez o escritor confiar nela, a ponto de um dia lhe
brilhar a ideia de diminuir, pelo menos uma vez por semana, a permanente pilha de louça
na pia da cozinha. Maggie aceitou ser contratada como diarista nos dias de folga, e meses
depois de perfeita eficiência silenciosa, ganhou uma chave, para que não incomodasse ao
escritor se porventura ele estivesse metido em seu computador.

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