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Introdução1
1Os autores agradecem o financiamento do Centro de Estudos da Metrópole (INCT/CEPID/CEM) para a realização
desta pesquisa, bem como à FAPESP e ao CNPq, em cujos programas de financiamento encontra-se inscrito o CEM.
Além disso, a autora Natália S. Bueno foi pesquisadora Pró-Redes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
durante a escrita deste texto. Versões anteriores foram apresentadas no X Encontro da Brazilian Studies Association
(BRASA, 2010), VII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP, 2010) e na Oficina “Organizações
Civis, Estado e Redes” (INCT/CEM, CIESAS, NIED, 2011). Os autores agradecem aos participantes e debatedores
desses eventos por suas contribuições. Por fim, agradecemos a Eduardo Marques pelos valiosos comentários as
versões preliminares do capítulo.
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 2
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
Tornou-se consenso nos últimos anos que as interpretações mais influentes
da sociedade civil carregaram as tintas na estilização normativa da sociedade civil,
negligenciado a heterogeneidade abissal da sociedade civil, bem como o fato de
perpassarem-na divergências e conflitos, e de ser portadora de características
eventualmente associáveis a efeitos positivos ou negativos (Alexander, 1998;
Encarnación, 2006; Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006; Gurza Lavalle, 2003;
Warren, 2004). Porém, e malgrado o caráter progressivamente consensual das
críticas, a exploração empírica dos papéis de intermediação política
desempenhados pela sociedade civil não apenas passou a receber atenção de
modo tardio como, não raro, preserva ainda a distinção implícita entre funções e
atores tradicionais e novos (Chalmers, Martin e Piester, 1997; Fox, 2006; Fung e
Wright, 2003; Heller, 2002; Santos e Avritzer, 2002; Isunza e Gurza Lavalle, 2010;
Gurza Lavalle e Castello, 2008; Gurza Lavalle, Houtzager e Castello, 2006ª)
Assim, atores outrora merecedores de atenção, como as associações de bairro,
saíram do elenco das escolhas empíricas de pesquisa. Mais: paira sobre elas,
como de resto sobre outros atores tradicionais da sociedade civil como as
entidades filantrópicas e assistenciais, certa suspeição quanto a sua escassa
relevância para a democratização da sociedade ― quer pelo caráter particularista
(material) de suas reivindicações quer pela sua limitada capacidade de atuação.
Novamente, o parâmetro subjacente é um conjunto de atores politizados e
voltados para a esfera pública munidos de discursos de importância geral ou
centrados em direitos.
2 A reconstrução do papel das ONGs no Brasil e, em muito menor medida, das associações de bairro em São Paulo,
retoma análise desenvolvida em Gurza Lavalle, Castello e Bichir (2007; 2008a)
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 7
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
com acesso aos principais equipamentos urbanos e culturais. Assim,
diferentemente das demandas das entidades micro-territoriais de classes médias,
orientadas à preservação de amenidades como praças e parques, as associações
com arraigo popular exprimiriam uma pauta de reivindicações com implicações
transformadoras do ponto de vista das prioridades do investimento público. Porém,
há diferenças consideráveis nas principais feições das organizações civis
territoriais mexicanas e paulistanas devido, principalmente, à conexão eleitoral
com o território e ao modo como os respectivos regimes políticos travaram
relações de legitimação com as camadas populares e suas demandas quando
formuladas fora do mundo do trabalho em regimes de natureza corporativa.
Cabe mencionar que, na literatura brasileira dos anos 1980 e começo dos
anos 1990, as associações de bairro foram pensadas no registro dos movimentos
sociais, especificamente como movimentos de bairro (Kowarick 2000: 19-41)
alinhados dentro do campo dos movimentos populares (Fernandes 2002: 45-46);
distintas das associações de amigos da cidade da primeira metade do século ou
das associações de moradores de classes médias, que também passaram por
processos de ampliação e politização das suas atividades no contexto das
mobilizações pela transição democrática(Boschi, 1987). No entanto, no percurso
dos anos 1990, as associações de bairro perderam centralidade no debate
acadêmico, pois suas reivindicações eminentemente distributivas, sua baixa
visibilidade e suas capacidades mínimas para disputar a agenda pública tornaram-
nas pouco palatáveis às exigências normativas que definiram teor do debate no
Brasil sobre a sociedade civil nesses anos.
3 Essa trajetória foi encontrada nas entrevistas às lideranças das associações de bairro que compõem a amostra aqui
examinada.
4 Essa conexão eleitoral parece não ocorrer em municípios menores. Ver o levantamento detalhado de Bosa (2009: 135-
164).
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 9
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
No México, o regime político se estruturou mediante a construção de um
corporativismo social amplo, e conferiu às eleições o papel de um “termômetro”
político dos ânimos da cidadania, mais do que de expediente para a escolha de
governantes. Assim, as associações de bairro ocuparam lugar nas relações de
legitimação entre o regime e as camadas populares, mas essa legitimação não
passou, na maior parte do século XX, pelo vínculo eleitoral. De fato, a forma de se
garantir ora a tolerância, ora a anuência, ora o reconhecimento formal das
autoridades para os assentamentos irregulares dos moradores de bairros
populares (“colonos”) dependeu, no segundo terço do século XX, da adoção de
forma organizativas ditadas pelo Estado, cujo reconhecimento requeria sua
incorporação no braço popular da estrutura corporativa do Partido Revolucionario
Institucional (PRI), a saber, na Confederación Nacional de Organizaciones
Populares (CNOP) (Moctezuma e Anaya, 1997: 96-97). Nas palavras de Duhau
(1998: 195), “Durante décadas, os bairros populares ficaram à margem da agenda
e instrumentos oficiais de controle e regulação do desenvolvimento urbano; [...]
eles foram incorporados como aspecto central das relações dos governos pós-
revolucionários com as camadas populares”.
Seja como for, elas parecem anunciar uma tendência que ganharia relevo
nos anos 1990, a saber, a redefinição dos atores micro-territoriais na lógica
eleitoral. Após a transição política na Cidade do México¸ o primeiro governo eleito
da cidade ─ o Partido de la Revolucion Democrática (PRD) ─ criou os Comitês de
Vizinhos (“Comités de Vecinos”) mediante a promulgação da Ley de Participapción
Ciudadana, como um primeiro piso de representação política no nível micro-local.
Trata-se de uma forma organizativa não compulsória e, do ponto de vista dos seus
criadores, visa a incentivar a participação cidadã nos bairros, mas a iniciativa foi
criticada por parte da literatura como a multiplicação da mais nova forma de
organização territorial regulada na história dessa cidade. Mais: dadas as
semelhanças entre essa iniciativa do primeiro governo de esquerda e eleito da
capital mexicana, e a tradição corporativa de organização vertical da sociedade, a
literatura manifesta inúmeras ressalvas e críticas diante dos comitês de vizinhos,
reputando-os, no melhor dos casos, como insignificantes e confinados à função de
gestores (Olvera, 2003; Sánchez Mejorada y Álvarez 2003).
5Os quatro estágios são: 1 Conselho Consultivo, 16 Juntas de Vizinhos, inúmeras Associações de Residentes e um
número por definição maior de “Chefes de Quarteirão” (Moctezuma e Anaya 1997: 95-105).
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 11
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
Embora a denominação “organização não-governamental” ou ONG,
conforme seu acrônimo mundialmente conhecido seja oriunda dos organismos
da cooperação internacional e tenha sido utilizada de modo corrente como termo
genérico para qualquer organização civil na literatura internacional, no Brasil e no
México remete a um subconjunto de entidades delimitado pela sua forma de
atuação e pela sua novidade histórica — embora a segunda feição seja mais
claramente enfatizada na literatura brasileira. Em ambos os contextos, quando se
atenta para as ONGs ou para uma parcela delas como uma constelação de atores
novos, a novidade é construída em função da sua forma distintiva de atuação,
voltada para a construção de opinião pública em torno de problemas emergentes e
mudança de valores, bem como para a incidência sobre a formulação de políticas
públicas. Assim, a partir das caracterizações disponíveis nas literaturas locais, sua
relação com as instituições políticas não seria primordialmente na qualidade de
demandantes beneficiários diretos de políticas, nem como prestadores de serviços
públicos em parceira com o Estado, mas como agentes engajados na mudança
social de valores, na disputa pública das prioridades sociais e na formulação de
políticas.
6 Para reforçar o argumento: na caracterização de Maria do Carmo Carvalho (1998: 87-88), as ONGs se regem pelo
princípio da solidariedade, por ações de multiple advocacy, de empowerment, e determinam fortemente a agenda
pública. A importância das redes ou a caracterização do estilo de trabalho das ONGs com base na noção de redes é
constante na literatura (Fernandes 2002: 76; Scherer-Warren 1996).
7 Embora raro na literatura brasileira, é possível, ainda, encontrar especificações dos beneficiários do trabalho das ONGs
em registro semelhante ao da assistência, próprio de entidades beneficentes (ver Coelho 2000: 60), ou em termos que
parecem mais apropriados para as décadas de 1970 e 1980 (Casanovas e García 1999: 63-67)
8 Ver também Álvarez 2005: 180; Isunza 2001: 257-270, 377-397; Durand 1994a
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 13
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
2. Estratégia analítica e amostra
9Informações sobre o projeto e referências para os principais trabalhos publicados realizados em:
http://www.ids.ac.uk/go/idsproject/rights-representation-and-the-poor ou http://cebrap.org.br
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 15
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
de relações na amostra está associada à relevância prática do vínculo e ao
prestígio da organização referida.
10O número de relações que cada ator possui é chamado de grau (degree), sendo que, para redes não-simétricas, as
organizações podem ter um número diferente de vínculos enviados (outdegree) e recebidos (indegree).
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 16
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
indiretos que os atores possuem (Wasserman e Faust 1994: pp.169-219)11.
Também se utilizou a medida de menor distância média (distância geodésica)
entre os atores, para aferir o acesso de um tipo de ator com relação a outros
atores na rede.
Uma explicação do uso dessas medidas na mesma constelação de atores aqui estudados também se encontra em
11
12 A caracterização dos tipos de organizações civis que aqui interessam foi apresentada em seção anterior e a partir das
literaturas locais. Análises pormenorizadas sobre todos os tipos de atores, bem como sobre a consistência da tipologia,
podem ser encontradas alhures (Gurza Lavalle, Castello e Bichir 2007; 2008a; 2008b; Gurza Lavalle e Bueno, 2011).
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 17
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil -
Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos
da Metrópole, 2012, p. 173-210.
residual, outras. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos tipos examinados na
amostra, sua idade e fornece exemplos de cada contexto.
Fonte: Projeto Rights, Representation, and the Poor: Comparing Large Developing Democracies – Brazil, India, and Mexico/*Todas as medidas,
com a exceção de dependência (Bonacich), influência indireta (Bonacich), distância média e intermediação com instituições políticas, foram
calculadas com a rede direcionada.
a) Apresenta valores somente para as organizações civis entrevistadas (n=169, Mx; n=202, SP).
b) Apresenta valores para todas as organizações civis da amostra (n=601, Mx; n=827, SP ).
c) Apresenta valores para todas as organizações civis do componente principal (n=578, Mx; n=775, SP).
d) A média para esta medida foi calculada para a rede com organizações civis e instituições políticas (n=802, Mx; n=1096, SP)
e) A média geral pertinente para cada medida foi utilizada como categoria de referência.
Gurza Lavalle, A., Bueno, N. S. “Sociedade civil e intermediação política - Associações de 24
bairro e ONGs em duas metrópoles latino-americanas”. In Eduardo Marques. Redes sociais no Brasil - Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas.1a
ed.Belo Horizonte : Fino Traço e Centro de Estudos da Metrópole, 2012, p. 173-210.
Tabela 5: Estratégias Relacionais Entre Tipos de Organizações Civis - Cidade do México e São Paulo
(%)a
Tipos ONGs Bairro Comitês Articuladora Populares Assistenciais Comunitárias Pastorais Fóruns
s
Cd Cd Cd Cd Cd Cd Cd Cd
SP Cd Mx SP SP SP SP SP SP SP SP
Mx Mx Mx Mx Mx Mx Mx Mx
ONGs 42,8 33,2 5,7 11,9 5,6 -- 21,0 19,5 5,9 6,7 4,9 4,4 1,8 4,8 3,2 9,8
Bairro 0,0 7,7 17,2 40,0 72,4 -- 0,0 12,3 0,0 5,1 0,0 9,2 10,3 5,6 -- 1,5 -- 13,
9
Comitês 2,2 -- 10,3 -- 76,5 -- 0,0 -- 5,1 -- 2,2 -- 0,7 -- -- -- -- --
Articuladoras 35,3 29,6 7,4 17,9 4,4 --
b
Populares 12,5 25,0 0,0 4,7 18,8 --
25
e considerando as feições polêmicas dos comitês não raro acusados na
literatura local de “inautenticidade” ou, melhor, de serem uma criação vertical
do poder alheia aos atores “genuínos” da sociedade civil , cumpre esclarecer
que a amostra por bola de neve no plano local só considerou atores
reconhecidos por outros atores com ação territorializada pelo seu
engajamento e trabalho junto às camadas populares ou pela sua relevância
para o trabalho local de outros atores. Nesse sentido, não foram introduzidos
crivos normativos prévios quanto à devida composição ou perfil da sociedade
civil.
26
destacam em relação aos segundos por serem mais ativas na construção de
vínculos. Tanto em termos de recebimento de vínculos quanto em sua
capacidade de intermediação, os comitês de vizinhos estão em melhor posição
na rede do que associações de bairro (Tabela 4). Mais: o aumento na sua
capacidade de intermediação é maior do que o aumento da capacidade de
intermediação das associações de bairro quando incluídas as instituições
políticas na rede. Em suma, os comitês parecem ter se tornado o tipo de
entidade mais relevante para a ação coletiva micro-territorial, assemelhando-se
de certa forma às associações de bairro paulistanas.
Associaçõe
Comitês de
s de Bairro
Mundo do
Trabalho
Governo
Políticos
Vizinhos
Partidos
ONGs
Tipos
Cidade do
México
ONGs 33.5 4.3 6.6 4.3 5.7 4.5
Associações de 0.0 53.8 10.3 0.0 12.8 12.8
Bairro
Comitês de 1.6 56.2 9.2 5.4 10.3 7.6
Vizinhos
Média Geral 20.9 15.6 8.2 6.9 6.2 5.2
São Paulo
ONGs 23.1 -- 7.5 13.0 4.0 8.3
Associações de 5.1 -- 16.2 6.4 11.1 26.3
Bairro
Média Geral 14.0 -- 11.0 10.0 8.1 10.7
Fonte: Projeto Rights, Representation, and the Poor: Comparing Large Developing
Democracies – Brazil, India, and Mexico
*A soma da percentagem não alcança 100% porque foram omitidas as colunas
referentes ao restante de organizações civis e instituições políticas que recebem
vínculos.
28
Tabela 7: Interface entre Organizações Civis e Subtipos de Instituições
Políticas – Cidade do México e São Paulo
(%)
Governo Mundo do Trabalho Partidos Políticos
Associações
Associações
proprietários
Participação
de Serviços
Espaços de
patronais e
Burocracia
Legislativo
Sindicatos
Prestação
Executivo
Esquerda
Gremais
Centro
estatal
Direita
Cidade do
México
ONGs 8.5 17.0 1.4 0.71 -- 13.5 3.5 2.1 12.1 7.1 4.9
Associações de 10.0 30.0 0.0 0.0 -- 0.0 0.00 0.00 30.0 10.0 10.0
Bairro 0
Comitês de 12.2 16.3 0.0 0.0 -- 8.2 0.00 8.2 16.3 14.3 6.1
Vizinhos
Média Geral 7.4 21.3 0.6 1.1 -- 12.5 1.0 2.6 10.4 6.3 4.0
São Paulo
ONGs 19.8 4.2 0.5 0.0 0.0 29.2 12.0 1.6 12.0 1.0 0.0
Associações de 44.7 1.0 0.0 1.0 0.0 16.5 0.0 1.9 14.6 12.6 4.9
Bairro
Média Geral 30.7 1.1 0.7 0.6 0.7 23.2 4.4 1.8 16.4 5.1 1.4
Fonte: Projeto Rights, Representation, and the Poor: Comparing Large Developing
Democracies – Brazil, India, and Mexico.
A média geral pertinente para cada medida foi calculada a partir do envio de todos os tipos de
organizações civis.
29
4.b.ONGs e instituições políticas nas duas metrópoles
As ONGs possuem posição de marcado destaque na rede das
organizações civis na Cidade do México. Quando consideradas suas relações
com as instituições políticas, sua capacidade de intermediação na rede
incrementa-se notavelmente ― pouco mais de 100% (Tabela 4).
É interessante notar o padrão homofílico dos vínculos estabelecidos
pelas ONGs, com cerca de 42% dos seus vínculos enviados a si mesmas
(Tabela 5). As articuladoras são o tipo com o qual estabelecem relações mais
intensas, o que não surpreende devido à afinidade de atuação entre ambos os
tipos. Articuladoras foram criadas, dentro outros atores, por ONGs para
representá-las perante o Estado e outras entidades da sociedade civil e para
coordenar suas estratégias de atuação e definição de prioridades (Gurza
Lavalle e Bueno no prelo; Gurza Lavelle, Castello e Bichir 2007). O
protagonismo das ONGs também se reflete no seu padrão relacional, pois as
ONGs constróem vínculos com todos os outros tipos de entidades na rede das
organizações civis. Mais: em termos de recebimento, as ONGs são procuradas
por todos os atores, exceto organizações de bairro, cujo perfil relacional,
conforme visto acima, é acentuadamente seletivo e exclusivo. Vale destacar
que as ONGs não só recebem vínculos de quase todos os atores, mas também
são as principais destinatárias dos vínculos de articuladoras, assistenciais,
comunitárias e, em menor medida, organizações populares. Em relação às
instituições políticas, as ONGs cultivam relações com governo, partidos e
entidades oriundas do mundo do trabalho em percentagem superior às suas
relações com todos os tipos de organizações civis colhidos na amostra,
excetuando às próprias ONGs e as articuladoras (Tabela 6). Contudo, fazem-
no em proporções que não superam a média das relações entre as
organizações civis da capital mexicana e as respectivas instituições em
questão. O exame dos atores privilegiados em cada uma das três interfaces
institucionais revela convergência para um padrão geral, a saber, poder
executivo, sindicatos e partidos de esquerda constituem, respectivamente, os
tipos de atores privilegiados na construção de relações dentro do governo, dos
partidos e das entidades do mundo do trabalho (Tabela 7). À margem desses
30
que constituem os maiores destinatários de vínculos enviados pelas ONGs, o
peso relativo de outras instituições na estratégia relacional das segundas
mostra peculiaridades dignas de nota. ONGs mantêm relações acima da média
não apenas com partidos de esquerda, mas também com aqueles de centro e
de direita. Ademais, são os únicos atores a manterem relações com
associações profissionais. Por fim, diferentemente das outras organizações
civis em exame, mantêm vínculos com todos os atores do governo, inclusive
com o poder legislativo.
31
paulistanas e as instituições políticas examinadas. Terceiro, quando olhados de
modo desagregado os atores privilegiados dentro das três interfaces com
instituições políticas, confirma-se um padrão geral que coincide parcialmente
com aquele encontrado na Cidade do México: sindicatos e partidos de
esquerda são destinatários privilegiados de vínculos (Tabela 7). Dentro do
governo são os espaços de participação e não o executivo que ocupam
posição preponderante como receptores de relações. Por fim, o peso relativo
de outros atores políticos em cada interface acusa semelhanças e diferenças
que merecem destaque. Apenas os partidos de esquerda guardam importância
na estratégia relacional das ONGs, pois destinam a partidos de centro uma
proporção quatro vezes inferior, isto e, apenas 1% da suas relações, e não
mantêm sequer um vínculo com partidos de direita. Associações profissionais
também são um ator procurado pelas ONGs paulistanas. E o poder executivo é
proporcionalmente relevante para as ONGs, pois procuram-no em
percentagem três vezes superior à media.
32
Tabela 8: Centralidade Segundo Sub-categorias de Instituições Políticas -
Cidade do México e São Paulo
Centralidade Intermediação a
Categorias* Passiva a
Cd. Mx SP Cd. Mx SP
Governo -0,26 0,07 -0,78 -0.33
(agregado)b
Burocracia -0,57 -0.49 -1 -0.98
Estatal
Espaços de - 0.32 -0.80 0.62
c
Governo Participação 0,46191
Executivo -0,38 -0.61 -0.83 -1
Legislativo -0,57 -0.58 -1 -1
Burocracias de -- -0.58 -- -1
Prestação de
Serviços
Mundo do -0,26 -0.12 -0,90 -0.44
Trabalho
(agregado)b
Mundo Associações de -0,57 -0,48 -1 -0,86
do proprietários e
Trabalhoc patronais
Associações -0,50 -0,35 -1 -0,90
gremiais
Sindicatos -0,35 -0.01 -0.88 -0.65
Partidos 2,65 2,51 5,28 1,17
(agregado)b
Partidos de 2,57 -0,16 0.97 -0,90
Direita
Partidosc
Partidos de 2,92 1,15 3,97 0,0
Centro
Partidos de 4,60 4,89 11,70 6,63
Esquerda
Cat. Ref a -- * * * *
Fonte: Projeto Rights, Representation, and the Poor: Comparing Large Developing
Democracies – Brazil, India, and Mexico/ A média geral pertinente para cada medida foi
utilizada como categoria de referência
a) A média geral pertinente para cada medida foi utilizada como categoria de referência
b) A média contempla todos os tipos civis e de instituições (agregados) da amostra.
c) A média contempla todos os tipos civis e de instituições (desagregadas) da amostra
34
a organizações civis. Por outras palavras, o papel de intermediação realizado
por associações micro-territoriais e ONGs não depende somente da sua
atuação, mas também das aberturas e incentivos oferecidos pelas instituições
políticas. Assim, os espaços institucionalizados de participação se revelam não
apenas relevantes nas estratégias relacionais das organizações civis
paulistanas, conforme já mostrado, mas estruturalmente centrais como
instâncias de intermediação. Tal centralidade não deriva imediatamente da sua
função institucional ― participação ― ou do fato de terem sido muito citados,
como evidenciado pela variação de escores nas duas cidades.
35
maior fatia de apoio, malgrado a maior procura pelos partidos de direita. Em
suma, associações micro-territoriais são procuradas de forma menos desigual
por partidos de todo espectro ideológico, ao passo que ONGs estão mais
associadas a partidos de esquerda ― tanto na busca quanto concessão de
apoio.
Tabela 9. Solicitação e Apoio a candidatos por tipo de
organização civil ― São Paulo (%)
Associações de
ONGs
Bairro
Orientação Partidos
Concedido
Concedido
Solicitado
Solicitado
PT (n=70) 37,3 100 27,9 33,3
PPS (n=12) 8,5 0,0 1,6 8,3
Esquerda PDT (n=9) 6,8 0,0 1,6 0,0
PC do B (n=8) 1,7 0,0 3,3 8,3
PSB (n=7) 3,4 0,0 0,0 0,0
Soma 57,7 100 34,4 49,9
PSDB (n=35) 13,6 0,0 14,8 16,7
Centro PMDB (n=20) 6,8 0,0 8,2 16,7
PV (n=3) 0,0 0,0 3,3 0,0
Soma 20,4 0 26,3 33,4
PPB (n=19) 6,8 0,0 11,5 8,3
PFL (n=9) 1,7 0,0 3,3 0,0
Direita PTB (n=8) 1,7 0,0 6,6 0,0
PL (n=4) 1,7 0,0 4,9 8,3
PRONA (n=2) 1,7 0,0 0,0 0,0
Soma 13,6 0 39,4 16,6
Outros 8.5 0,0 13.1 0,0
Total 100(59) 100(5) 100(61) 100(12)
36
Tabela 10. Solicitação e Apoio a candidatos por tipo de organização civil
- Cidade do México (%)
ONGs Comitês
de vizinhos
Orientação Partidos
Concedido
Concedido
Solicitado
Solicitado
PRD (n=34) 31,0 16,7 33,3 62,5
Esquerda PT (n=2) 3,4 16,7 3,0 0,0
México Posible (n=2) 6,9 0,0 0,0 0,0
Soma 41,3 33,4 36,3 62,5
PRI (n=20) 20,7 16,7 27,3 25,0
Centro Convergencia (n=5) 6,9 16,7 6,1 0,0
Verde Ecologista (n=1) 3,4 0,0 0,0 0,0
Soma 31 33,4 33,4 25
PAN (n=20) 17,2 0,0 18,2 12,5
Direita
Liberal Mexicana (n=1) 3,4 16,7 0,0 0,0
Soma 20,6 16,7 18,2 12,5
Outros (n=11) 6,9 16,7 12,1 0,0
Total 100 (29) 100(6) 100(33) 100(8)
Comentários Finais
37
descrições normativamente estilizadas do papel universalista de advocacy das
ONGs e do caráter particularista das demandas distributivas e materiais
próprias das entidades territoriais. Além disso, nossa análise permitiu capturar
alguns dos efeitos elusivos de duas inovações institucionais sobre a sociedade
civil: a criação dos comitês de vizinhos e dos espaços de participação. Os
primeiros, nativos da Cidade do México, mudaram a lógica da ação coletiva
micro-territorial na Cidade do México, e os segundos, presentes nas duas
metrópoles, mas com incidência mais marcante em São Paulo, abriram canais
preferenciais para a permeabilidade do governo por entidades civis em São
Paulo.
38
valha ― das associações de bairro em São Paulo, pois, como também foi
mostrado, elas apóiam candidatos de partidos de esquerda mais
frequentemente do que partidos de direita e centro. O traço relevante é que
essas associações estão conectadas a partidos de todo o espectro ideológico,
o que as distingue das ONGs, que apresentam conexões preferenciais com
partidos de esquerda. A conexão entre os circuitos do governo representativo e
as camadas mal-aquinhoadas da população não é trivial, se considerado que a
democracia sobre-representa os interesses organizados e que tal organização
é custosa. Vale notar que a diferença entre a oferta de benefícios qua políticas
em troca de votos, própria do jogo democrático, e a entrega prévia de
benefícios para garantir a definição do voto, via de regra caracterizada pela
sociologia política como pré-moderna ― “clientelismo” ―, é tênue e não pode
ser iluminada com o tipo de dado empregado neste capítulo.
39
Na Cidade do México a obtenção de benefícios por parte das
organizações territoriais não foi historicamente pautada pela conexão eleitoral,
mas, a julgar pela literatura, pela legitimação do regime nas camadas
populares através de sua incorporação a estruturas de representação
corporativa. Sem dúvida, essa lógica abria espaço para a ação estratégica de
atores do regime interessados em promover ocupações irregulares massivas
confiantes no lucro duplo decorrente da ampliação de suas bases sociais, por
um lado, e da negociação da sua fidelidade ao regime, por outro. A análise
mostra que o padrão relacional das associações de bairro na Cidade do México
não é passível de compreensão cabal sem contemplar os comitês de vizinhos,
pois as primeiras aparecem não apenas como entidades de vida relativamente
breve (e de poucos recursos14) e acentuadamente periféricas, mas também
como tributárias dos últimos quando considerada sua estratégia relacional.
40
As ONGs apresentam padrões semelhantes nas duas metrópoles
quanto a suas estratégias relacionais. Trata-se do ator mais importante nas
estratégias relacionais de todos os tipos de entidades encontrados nas
amostras das metrópoles em questão. Os achados da analise relacional
refutam uma das implicações associada ao seu perfil de advocacy, a saber, a
percepção de se tratar de atores desvencilhados de outros atores da sociedade
civil e, de modo mais preciso, sem liames com atores arraigados nas camadas
populares – como já apontado por Koslinski e Reis (2009). De fato, se, de um
lado, as ONGs se destacam, em ambos os contextos, por privilegiar relações
entre si (homofilia) e com outros atores altamente centrais, do outro, também
constituem o único ator que — além de ser o mais procurado por outras
entidades — constrói vínculos com praticamente todos os tipos de atores. Mais:
em São Paulo as ONGs conferem prioridade à construção de relações com
associações de bairro.
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