ntuto ongmal em trances: La Jemme a VIenne uu cemps ae.

rreua
© Editions Stock/Laurence Pernoud, 1989
Tradução: Ma ri na Appenzel!er.
Capa: Francis Rodrigues
Fotocomposição: Soluções Artes Gráficas
Equipe Editorial
Coordenação: Beatriz Marchesini
Assistente Edit.: Regina Maria Seco.
· Copicfesque: Niuza M. Gonçalves
Revisão: Josiane Pio Romera
Vera Luciana Morandim
Rosângela Queiroz I(
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional SUMÁRIO
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

l
9
''-A
Célia, 1921 - .
ulher em Viena nos tempos de Freud I Célia
Bertin ; tradução Marina Appenzeller. ·-
I

cfY
Campinas, SP : Papirus, 1990.

Bibliografia. Introdução
I
I. Freud, Sigmund·, 1856-1939 2. Mulheres -condições
sociais- Áustria- Viena 3. Mulheres- Psicologia EM VIENA
4. Psicanálise I. Título.
CDD-305 .420943613 Da "casa da expiação"... . .. -..................................... .... 11
-150.1952
-158.633 ... à Berggasse .................................... ........................ 15
90-2105 -616.89170224042

Índices pará catálogo sistemático: 1

I. Freud, Sigmund : Sistemas psicanaliticos
150.1952 UM IMPERADOR E DUAS MULHERES
2. Mulheres: Condições sociais: Viena: Sociologia
305 .420943613
3. Mulheres : Psicanálise : Medicina
Uma mãe forte e dedicada .................................... ......... 19
616.8917024042 A arquiduquesa recusa a realidade .. .. . .. .. .. . .. .. .. . .. . .. .. .. .. .. .. 21
4. Mulheres : Psicologia 155.633
5. Viena: Mulheres: Condições sociais: Sociologia
"Adeus, juventude!" .................................... ............... 22
305.420943613 O amor é um encantamento .................................... ....... 24
ISBN 85-308-0133-4
Vinda de um outro mundo, feita para uma outra época ...... 26
As conseqüências de uma política antiquada .........•........... 28
DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA: Os novos palácios de um império antigo ........................... 29
© M. R. Cornacchia & Cia. Ltda. O último diálogo .................................... ..................... 30
As duas Vienas .................................... ....................... 31
~~ pap1(Uf EDITORA ·A morte inelutável .................................... ................... 32
Fone: (0192) 31-3534 e 32-7268 Um velho sonho de poder inextirpável ............................. 33
Cx. Postal 736 - CEP 13 001 - Campinas - SP - Brasil Em Viena, o caos . .. . . . . .. . . .. . .. .. . . . .. . .. . . .. . . .. .. . . .. .. .. .. .. . . . . . . . . 34
Fone: (OI!) 570-2877 - Filial/SP

proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,
resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.
 Para uma mulher do final do século, entrar sozinha num
café parece uma aventura, e, no entarito, boa parte da vida das
vienenses acontece em estabelecimentos que, como o resto,
dividem-se em várias categorias. Cada qual tem seus ritos, porém
todos oferecem café ou chocolate, ·muitas vezes encimados de
creme chantilly, o copo de água e os jornais presos num bambu.
As mulheres acabam sempre indo ao café, a principio acompanhadas
por seus maridos ou com toda a família, nunca sozinhas sem
companheiros. O olhar de reprovação lançado pelos clientes às
mesas significa que elas não são bem-vindas naquele território
masculino. Só sua presença perturba uma.ordem estabelecida da
a
qual não podem participar. Que voltem seu fogão ou as suas
salas com os móveis sobrecarregados de bibelôs, às poltronas com
os encostos enfeitados de rendinhas!

A moda dos espartilhos e dos falbalás

As vienenses não usam aquelas capas justas de cetim

ornadas de estrasses, de onde emergem ombros tão nus quanto
os pescoços e acabados por torrentes de .tule que deixam entrever
as· pernas e permitem valsar como as heroínas de opereta bem
maquiadas e com penachos na cabeça. Essas imagens da vienense
alegre, encantadora, livre, são fantasmas de gerações de homens.
Ao contrário, o estado de dependência em que são mantidas
reflete-se nas roupas. Em geral, até o início. do século XX, os
vestido são estremamente rígidos, forrados, com barbatanas,
cobrindo até a ponta dos pés, usados sobre pesados saiotes e
espartilhos que sufocam para diminuir a cintura, fazer". os seios
subirem, dissimular e transformar o corpo cujas formas verdadeiras
não se deve descobrir. Os decotes em Viena são menos profundos
do que em Paris, a roupa íntima mais severa, trata-se, é claro,
de "pessoas convenientes".

Interessadas, como a maioria das vienenses, por aquilo

que ainda é chamado de "toalete" , algumas mulheres acabam
por sentir o desejo de se vestir de outra forma. Os espartilhos e
os falbalás devem desaparecer para ceder lugar a uma moda fluida,
em que o corpo esbelto, sem muito busto, é adivinhado sob véus,
musselinas de seda bordadas de ouro ou de prata em cores preciosas,

65
que evocam a suntuosidade de Bizâncio e seu refinamento. É
curioso essas mulheres no caminho da libertação reagirem ao
apelo do Oriente, sempre presente em Viena. Não pensam no
modo de vida das orientais; seus vestidos revolucionários, sem
lembrar o das parisienses sob o Diretório, partem do mesmo
princípio - não provocar ilusões sobre as formas de seu corpo
- e ilustram a mesma ruptura com uma sociedade que rejeitam.
As mulheres que se vestem assim têm recursos consideráveis,
e, nesses últimos anos do século XIX, não se esboça uma
transformação apenas em seu vestuário; mas trata-se de uma
minoria, e elas não são encorajadas ou apoiadas por suas
companheiras. Mal ficam sabendo que algumas delas, prisioneiras
dessas limitações, para elas insuportáveis, impostas pela tradição,
estão se tornando histéricas. Vivem afastadas ein seu mundo
privilegiado que, para elas, nem sempre o é e do qual logo darão
um jeito de se livrar.
As outras estão ocupadas demais para ousar enfrentar a
hostilidade que seu meio não deixaria de manifestar num caso
assim. Além disso, estão convencidas de que isso não as levaria
a nenhuma parte. Sua mãe, as mulheres de uma geração anterior,
ou suas irmãs e amigas não se queixam. Aceitam o destino que
é o seu há séculos. Aceitam a conspiração do silêncio. Se algo
não vai bem, a responsabilidade é delas. Devem, como as outras,
ser solidárias com os homens, agradecidas a seus maridos por
eles protegerem-nas e criar seus filhos para que sejam o mais bem
sucedidos possível e para que se tornem como seus pais. Dão as
suas filhas a educação que receberam, ensinam-lhes a submissão
e a modéstia - é claro que o futuro depende do homem com o
qual se vai casar.
Contudo, tanto em Viena quanto em outros lugares, o
desenvolvimento da indústria produz efeitos que modificam a
vida cotidiana de todos os habitantes. Mas nada é simples na
capital de Francisco José, que insiste na tradição e não quer ceder
em nenhum ponto. A novidade é perniciosa. O soberano permanece
fixado no passado como já o era com 18 anos, quando se tornou
imperador. Decidido a negar o progresso, resiste às mudanças
de uma maneira tão determinada, que continuará recusando usar
l
66
I
I
!
luz elétrica em Hofburg , iluminado até a sua morte com lampiões
de petróleo e velas.
As querelas das minorias e as mulheres
Em 1883, o arquiduque Rodolfo , ao pronunc iar o discurso
de inauguração da Terceira Exposição Internacional de Eletricidade
Aplicada à Iluminação, declara: ''O objetivo dessa obra é
empregar, com o auxílio do trabalho científico, uma força natural
poderosa cujo valor não é efêmero e em cujo désenvolvimento
acreditamos plename nte". Favorável ao progresso, o príncipe
herdeirp está ao mesmo tempo consciente dos perigos da situaçao
política, pois as fileiras de seus amigos liberais estão diminuindo.
Aquele ano de 1883 vê degenerar em manifestaÇão política
pangermanista e anti-semita, em torno de Georg von Schõnerer,
uma cerimônia em memória de Richard vVagner, que acaba de
morrer. Chefe do Partido Radical Nacionalista, Georg von
Schõnerer, que jamais liderará um movimento de massa, sabe
explorar os descontentamentos. É pangermanista, fascinado pelo
ideal da Grande Alemanha dos revolucionários alemães de 1848,
o q-ue agrada aos estudantes que desaprovam o multinacionalismo
do governo imperial. Schõnerer deseja o desmembramento da
dupla monarquia dos Habsburgos, cuja parte ocidental seria
vinculada ao Reich de Bismarck. Seu anti-semitismo denuncia
ao mesmo tempo os grandes negócios judeus, seus associados -
a
enquanto seu pai, que construiu primeira ferrovia austríaca,
aumentou consideravelmente sua fortuna trabalha ndo com os
Rotschild - e os vendedores ambulantes judeus que ameaçam o
ganha-pão dos artesãos e dos pequenos comerciantes. Schõnerer
será muito admirado por Hitler e é em parte em virtude do clima
de perturbação e insegurança que consegue que Houston Stewart
Chamberlain, marido de uma das filhas de Richard Wagner, se
instale em Viena, onde virá a publicar, em 1889, Os fundamentos
do século XIX, que se tornará o livro de referência do
nacional-socialismo, no qual proclam a a superioridade do sangue
germânico.
Karl Lueger, chefe dos cristãos-sociais, aproveitará a
corrente anti-semita para se eleger prefeito de Viena em 1895,
67
nomeação que Francisco · José, percebendo os perigos que o
anti-semitismo pode provocar para a dupla monarquia, só
homologarâ em 1897 após novas eleições. O anti-semitismo, a
partir de então, não cessa de conquistar adeptos.
· Essas querelas de nacionalidades, religiões e língl\as são
muito complexas no império austro-húngai:o. O que estâ em jogo
continua sendo o desejo de dominação, que acarreta às vezes
reações inesperadas. Assim, em 1897, o conde Casímir Badeni,
polonê s,. primei ro-min istro de Franci sco José, impõe às
administrações da Boêmia e da Morâvia a ordem de utilizar
indiferentemente o alemão ou o checo. Os furtcionârios têm três
anos para aprender a língua que não sabem. Para· defender· os
privilégios dos de língua alemã, a Neue Freie Press (Nova Imprensa
Livre), jornal liberal muito influente em Viena, faz campanha
contra a medida. A influência do jornal é tamanha, que Badeni
terâ de pedir demissão, e sua decisão jamais serâ aplicada. A
tomada de posição da Neue Freie Press mostra a atitude da
intelligentsia que se diz liberal, mas recusa qualquer iniciativa
ameaçadora as suas vantagens. Ela acaba vencendo, pois as
minorias, assim como as mulheres, não conseguem concordar
entre si, e pelos mesmos motivos: elas insistem nas suas diferenças
sem tomar consciência de que todas estão sofrendo injustiças,
fato que deveria uni-las.
Os homens da alta burguesia cuja língua materna é o
alemão ocupam postos de comando na indústria e nas finanças.
Como todos os outros domínios, a imprensa lhes pertence, e ela
aprova sua vontade de continuar a ser os únicos a manipular as
engrenagens do Estado e a opinião. No final dos séculos XIX,
alguns gr~pos banc~rios controlam os grandes jor~ais liberais:
O Anglo-Osterreich1sche Bank (Banco Anglo-Austnaco) possm
a Neue Freie Press, e a Wiener Bankverein (União de Bancos
11
· Vienenses), aPresse, jornall iberall ealista fundado em 1848 •
Entretanto o físico nuclear Victor Weisskopf, que foi
diretor do CERN de Genebra nos anos 60, disse-me que sua
bisavó Charlotte Cohn, que tinha um banco em Viena e patrocinava
uma ação vigorosa pela promoção dos direitos das mulheres,
fundara dois jornais; Confiou a direção de um deles, Der Abend
68
(A Noite) a um de seus filhos, um socialista fabiano, ou seja,
partidârio do socialismo tal como o concebe a Sociedade Fabian a
de Londres, origem do ·partido trabalhista. Tendo ficado viúva
muito jovem, teve de assumir os negócios de seu marido e entrar .
no banco. Era então impensâvel uma mulher lançar~se numa
carreira assim, fora de tais circunstâncias. E, embora feminista
ardorosa, chamou não sua filha, a avó de Victor Weisskopf, mas
seu filho para dirigir o jornal! Observemos igualmente que a
família era de língua germânica.
Um fragmento da burguesia, intelectuais, alguns raros
aristocratas, não concorda com a atitude daqueles que, ao mesmo
tempo que se pretendem liberais, combatem pelo domínio dos
de língua germânica. Acham necessârio mudàr o curso das coisas.
Cosmopolitas, cultos e humanistas, conhecem os impressionistas,
sabem o que fez em Londres o movimento "Arts and Crafts ",
de John Ruskin ou William Morris e Burne-Jones. Desejam uma
renovação artística e, como os ingleses, também apreciariam uma
mudança na política, que consideram perigosa e até catastrófica.
Quando o poder político passa para as mãos de Karl Lueger e
dos cristãos-sociais, muito populares junto aos pequenos-burgueses
que aprovam o anti-semitismo e os lemas demagógicos contra o
grande capital, os novos-ricos e os imigrados, chega para eles a
hora de agir. O pintor Gustav Klimt cria naquele momento um
novo movimento com 19 outros artistas. Para esses burgueses
empreendedores, apoiâ-los é a única maneira de alcançar seus
objetivos. Logo se juntam a eles pintores, arquitetos e escritores.
Reconciliando-se com o passado barroco do coração da capital,
denunciam a encenação e a decoração pretensiosa completamente
desprovida de alma e de verdade do Ring. Querem obras que
levem em consideração a existência tal qual é para seus
contemporâneos que usam o trem, os transportes urbanos, a
bicicleta e também o automóvel, se seus recursos lhe permitem.
Seguindo uma estética viva, estão prontos para construir edifícios,
monumentos, igrejas, a conceber móveis, objetos e quadros
como ninguém jamais viu. Esses artistas desejam alertar o público
contra o anacronismo vazio da estética dos arquitetos do Ring e
de seus imitadores, também querem, como os mecenas que os
apóiam, seduzidos por suas idéias sociais e generosas.
69
 Aos 35 anos, Klimt já é célebre. Começou sua brilhante
carreira como "artista do Ring" e recebeu várias encomendas
do Estado, entre as quais decorar o novo Burgtheater com pinturas
históricas. Muitos personagens influentes foram ali representados
- entre os quais a amante de Francisco José, o que lhe valeu
em 1890 o Prêmio do Imperad or. Sua ruptura com o academismo
será particularmente notada. Reunirá ao seu redor, com mais
facilidade que outros, pintores, escultores, artistas gráficos e
arquitetos.
A Secessão exprime uma sede de liberdade
Desde o início, as mulheres participam do movimento
que adotará o nome Secessão, enfatizando assim o lado liberado
e inovador de sua ação. Entre essas mulheres, pintoras de talento
como Tina Blau-Lang, Olga Wisinger-Florian, ambas alunas de
E mil J acob Schindler, o pintor paisagista pai daquela que se
tornará Alma Mahler e também Suzanne Gianitsc h. Elena
Luksch-Makowsky, filha e esposa de pintor, nascida em São
Petesburgo, torna-se em 1901 o primeiro membro feminino da
Secessão. Colabora na revista Ver Sacrum (Primavera Sagrada)
e participa de várias exposições até sua partida de Viena alguns
anos depois. Como seus companheiros, todas elas insistem em
se dissociar da "arte do Ring".
Os talentos fervilham, assim como as idéias, e todos os
tipos de tentativas para exprimir a sede de liberdade, abalar as
falsas aparências, as obrigações estéreis. A Secessão, que engloba
o grupo Jung Wien, formado pela vanguar da literária, é uma
resposta à Casa dos Artistas, que existe há mais de 30 anos e que
é, de certa forma, uma emanação do Ring, onde a qualidade tem
menos importância que a opulência, onde nada. de novo chama
a atenção. Os artistas da Secessão terão sua revista, Ver Sacrum,
cujo primeiro número será lançado em 1898, onde irá se exprimir
a aspiração para atingir a verdade do indivíduo e lhe proporc ionar
uma nova evolução. Naquele mesmo ano, o arquitet o Joseph
Maria Olbrich construirá o edifício da Secessão, que imediatamente
os vienenses apelidarão "repolh o dourado " em virtude de sua
cúpula recoberta de folhas de louro em metal. Os principais
70
mecenas dessa casa da Secessão são Karl Wittgenstein, o pai do
filósofo, e Augusto Lederer, grande industrial e colecionador.
' A Secessão depressa conquis tará adeptos e amplidã o,
enquant o evolui e levanta polêmicas. Desde os clamores de
indignação que saudara m a construç ão da Torre Eiffel até as
suscitadas pelo Centro Pompid ou ou pela pirâmid e de E.M. Pei,
no Louvre, ou ainda o Museu de Orsay, tivemos a oportun idade
de constatar que os monumentos e edifícios provoca m controvérsias
bem maiores do que as pinturas ou as obras literárias mais
subversivas. Uma mudanç a de estilo tão radical quant.o a que
acontece no final do século na capital do império austro-h úngaro
não pode ser ignorad a ou deixar os vienenses indiferentes. A
austeridade jamais prevaleceu na arte daquele grande país;
questiona-se então o novo rigor. Não se compreendem as razões
da ruptura com o passado, encarna do pelos edifícios construídos
sob a égide de Francisco José. A maioria do público ainda acha
que o neoclássico, o neogótico e o neo-renascentista se harmon izam
da melhor forma possível com o cerimonial da corte do império ...
Aquelas fachadas nuas de proporç ões pouco habituai s e cujo
único luxo consiste nos materiais empregados ...:_ madeira , placas
de pedra encastradas em armaçõe s metálicas - não trazem
nenhum a mensagem. Parecem exaltar a indigência .. Os arquitet os
irão desconcertar ainc:la mais quando utilizarem o tijolo, o ferro
e o concreto.
O primeiro a intrigar o público é Otto Wagner, encarregado
pela municipalidade de Viena de construi r o Stadtba hn, isto é, a
rede ferroviária urbana que deverá servir aos subúrbi os e atravess ar
a cidade. A realização do projeto se inicia em 1894; assiste-se ao
surgimento de estações, túneis, viadutos, pontos pelos quais toda
a população se interessa. Otto Wagner nada .tem de iconoclasta,
não abandon a a tradição hi~tórica, mas a ela integra os elementos
da art-nouveau já estabelecida em outras partes da Europa. Seu
estilo é despojado; ainda não se tem o hábito de usar qualificativos
como "funcio nal", mas suas estações exigem tal adjetivo e
provocam o primeiro choque. Nas platafor mas dessa estações,
as saias longas incômodas das mulheres, apertada s demais na
cintura, já parecem uni tanto-fo ra de moda.
71
 Essa arquite tura obrigar á as vienenses .a tomar consciência
do presente. Um outro arquite to, Joseph Hoffm ann, esçreve:
''Enqua nto nossa linguagem e nossa sensibilidade não soubere m
exprimir de maneir a simples e clara o espírito de nosso tempo,
estaremos atrasad os em relação a nossos ancestr ais, e nenhum a
mentira conseguirá dissimular nossas fraquez as". Tornou-se
urgente compre ender que não é necessário viver no passado para
sentir a embriaguez procur ada pelos habitan tes dessa cidade. A
beleza do presente tem a vantage m de ser nova e insólita; estimul a
a imagin ação. É uma espécie de explosã o de frescor que se produz
de repente nas artes plásticas e nas artes aplicad as. É aí que se
situa a verdad eira "prima vera". A literatu ra também progrid e
muito, mas reflete uma angústi a que só acontec erá mais tarde,
entre os escultores e pintore s, no expressionismo:
Otto Wagner, Hoffm ann e os outros desejam constru ir
museus e bibliotecas, mas não conseg uirão satisfazer a seus anseios.
A Caixa Econôm ica do Correio , alguns bancos , cafés e cabarés
serão os únicos edifícios públicos que eles constru irão. As
encome ndas particu lares, porém, não faltam. As grandes fortuna s
austríac as da era industr ial aprecia m seus talento s e não temem
sua ousadia , muito pelo contrár io. Por uma espécie de parado xo
que não acontece só na Viena de 1900, essa arte a princíp io
destina da ao povo torna-s e reserva da a uma elite. Mecenas e
artistas se entende m bem, e as mulheres têm um papel import ante
nessas amizades.
Em Viena, a cultura artístic a e literári a tornou- se mais
do que uma maneir a de afirmar que se pertenc e a uma elite. A
arte é um elemento essencial da vida desses grupos de gente rica
e ativa. Como percebem a orienta ção do govern o, as grandes
famílias liberais sentem que as posições do poder vão lhe escapar ,
não hesitan do então em encora jar seus filhos a se lançare m em
carreira s artísticas. A vocaçã o de Hugo von Hofma nnstah l foi
estimul ada por seus pais, assim como a de Stefan Zweig.
Os mecenas são mulheres
Os salões contrib uem para continu ar a criar esse . laço
estreito entre a arte e o mundo ; os grande s arquite tos da época
72
da Secessão, o pintor Klimt, seus amigos e aqueles que os
comand itam têm vidas bastant e semelhantes. Compa rtilham as
mesmas opiniões, os mesmos gostos. Pode-se assegurar que as
mulheres serviram de ponte entre os dois universos.
Primavesi é um nome ligado ·ao sucesso e à própria
existência da Secessão. Eugénie Primavesi, que todos chamam
Mada, é atriz, entusiasma-se com a atitude dos artistas que
romper am com a arte oficial, e seu marido , Otto, aceitará financi ar
generosamente seus empreendimentos. Primavesi é banque iro e
um dos maiores acionistas das refinarias de açúcar e das fiações
de cânham o da Morávi a. A sede de seus negócios fica em Olmütz ,
perto da qual Hoffm ann constrói para o casal uma casa de campo
inspira da no gosto popula r da Morávi a, onde Mãda e Otto dão
grandes festas, às vezes Schweindelfeste que se desenvolvem
numa atmosf era muito descon traída, onde a magia do teatro tem
a sua particip ação. Marca mais essas festas a boêmia luxuosa
que as diversões de salão. Os amigos artistas distraem muito
Mada e, em compensação, ela se preocu pa com eles e sabe
organiz ar o que lhes é necessário no plano material. Não é uma
simples munda na que tenta ser admira da. Em 1914, levará seu
marido a particip ar de uma maneir a decisiva na salvação dos
ateliês vienenses, os Wiener Werkstatte, nascidos da Secessão.
Entre os Leder, cujo papel é essencial na criação da
Secessão, Klimt é o deus de Serena. Os negócios de August o
compreendem ao mesmo tempo refinarias de álcool na Galícia e
na Hungri a, constru ção de vagões, de locomotivas, instala ção
de ferrovias, enquan to Serena pinta. Seu retrato feito por Klimt
alia formas imprecisas a um rosto quase nítido, sorrind o de
maneir a discreta, com um olhar terno.
Na família Mautne r von Markh of, grandes industr iais e
banque iros, Editha encarrega Hoffm ann de decorar sua sala de
jantar e ainda compra muitas obras dos artistas da Secessão. Sua
filha Ditha irá casar-se com o pintor decora dor arquite to Kolom an
Moser, a quem conheceu na casa de seus pais, e colecio nará as
telas dos amigos de seu marido corri muito discernimento. A casa
de Sonja Knips, mulher de um banque iro que também particip a
da metalurgia, é decorad a por Hoffm ann e abriga vários Klimt,
73
entre os quais um retrato de 1898 em que Sonja se parece com
uma heroína de Strindberg. Muitas outras mulheres de industriais
pediram que Klimt fizesse seu retrato, como a senhora Augusto
Heymann ou Adele B1och-Bauer.
Alexandrine Schõnerer, longe de pertencer a esse meio
liberal e cosmopolita, é irmã de Georg von Schõnerer, mas as
atividades pangermanistas e anti-semitas de seu irmão não a
perturbam. Tem paixão pelo teatro, e a fortuna de seu pai lhe
permite realizar seu sonho: compra o Theater an der Wien, o
mais antigo e encantador teatro da cidade. Ali foi montada Fidelio
e tocado, pela primeira vez, o concerto para violino de Beethoven.
Mais tarde, tornou-se um teatro popular, onde os vienenses
vinham ouvir operetas. Alexandrine Schõnerer soube abrilhantá-lo
e torná-lo o local por excelência da opereta vienense tal como se
a imagina interpretada na "cidade extraordinária", com o máximo
de vestidos.farfalhantes, trajes resplandescentes, encanto e leveza.
Ali foi montada A viúva alegre em 1905.
Margaret Stonborough-Witt genstein uniu dois mundos: é
a irmã mais velha de Ludwig, o filósofo que alguns consideram
o mais importante da época contemporânea, e à filha de Karl
Wittgenstein, que financiou a casa da Secessão e foi um grande
colecionador. Nessa família em que as crianças recebiam uma
formação clássica, Margaret era a rebelde. Desdenhou os autores
gregos e latinos para devorar Schopenhauer, Kierkegaard e Ibsen
e apaixonar-se pelas ciências sociais. Seus pais também freqüentavam
músicos; Brahms, Joseph Joachim, Mahler, Bruno Walter, o
jovem Pablo Casais havia sido,· eram ou seriam freqüentadores
da casa. Karl Wittgenstein jamais se separava de seu violino, e
sua mulher, Leopoldine, era uma excelente pianista.
Nessa atmosfera,· era de se esperar que os dons artísticos
das crianças fossem apreciados. Não foi nada disso que ocorreu,
fato que acarretou tragédias, pois três dos irmãos de Margaret
se suicidaram. · 7.
Karl Wittgenstein pretendia que se obedecesse a sua vontade,
e os negócios eram a regra à qual seus filhos deveriam se submeter.
Margaret era censurada, mas ele não. levava a sério a rebeldia
74
da filha, bastava aguardar que ela entrasse nos eixos, ou seja,
se casasse. Margaret tinha uma irmã pintora, Hermine, o que
não incomodava ninguém. O pai achava que ela fazia uma espécie
de trabalho de mulheres. Essa personagem, tão temível para os
seus quanto magnífica e admirável para os outros, morreu em
1913, sem saber que seus dois últimos filhos seriam um filósofo,
outro pianista. Maurice Ravel dedicou seu Concerto para a mão
esquerda a Paul Wittgenstein, que teve de amputar um braço
em decorrência de ferimentos de guerra~
Sem renunciar às vantagens que lhe proporcionavam a
fortuna familiar, Margaret permaneceu fiel aos ideais de sua
juventude. Influenciou a formação de seu irmão Ludwig, cujas
leituras dirigiu desde que ele era apenas uina criança. Permaneceu
perto dele e foi a Ludwig - que publicou em 1921 a única obra
editada enquanto ele estava vivo, Tractatus logico-philosophicus
i
;:.
- que confiou, em 1926, a construção de sua casa que abrigaria
sua coleção de arte moderna e antiga, Kundmannstrasse , em Viena.
Essa moradia extraordinária, onde se reflete a austeridade e o
sentido de grandeza do filósofo visionário, convinha perfeitamente
a essa mulher de grande originalidade. Sempre aberta às novas
pesquisas, era normal que ela se interessasse pela psicanálise.
Margaret tornou-se amiga próxima de Freud, que já desempenhava
um papel capital na vida das mulheres de Viena.
Notas
1. Reingard Witzmann, "La société viennoise entre l'image préconçue et la réalité"
em Vienne 1890-1920.
2. V~tor Tapié, Vienne au temps de François-Joseph, p. 65.
3. Citada in Victor Tapié, Vienne au temps de François-Joseph, pp. 111-112.
4. Peter Altenberg, Nouvelles esquisses viennoises, pp. 88-89.
5. Kurt Blaukopf, "Musique et art lyrique", pp. 244-245, em Vienne 1890-1920.
6. Michael Pollak, Vienne, 1900, p. 90.
Ann Tizia Leitich, La viennoise.
8. Hélene Deutsch, Autobiographie, p. 128.
9. lbíd., p. 129.
10. Citado por Michae1 Pollak, Víenne 1900, p. 55.
11 .. Michael Pollak, Vienne 1900, p. 62.
75
 revelações não as amedro ntam. Um certo equilíbrio, é claro, não
é encontrado imediatamente, mas nem por isso acham que precisam
deitar-se em seu divã, cujo tapete persa e cujas almofadas de
veludo azul lhes parecem horrivelmente fora de moda. Elas
estimulam Klimt, Schiele e Kokoschka. Em parte graças a elas,
eles conseguem escapar ao domínio da Cacãnia. Fato singular é
que as descobertas de Freud e o advento ao primeiro plano de
artistas que desejavam romper de frente com uma sociedade
../ ultraconservadora se tenham produzido simultaneamente.
Essas mulheres pioneiras da liberdade mudarã o o cenário
de suas casas, assim como a maneira de se vestir. Interessar-se
pelos ofícios artísticos que as arrancará das tarefas femininas
habituais é ao mesmo tempo responder ao apelo de uma tradição
artesanal bem implantada em Viena. A Escola de Artes Aplicadas
funciona a cerca de 40 anos e, fato notável, desde a sua fundação,
aceita mulheres. Alguns ateliês de esmalte e restauração de tapetes
são dirigidos por mulheres: Adele von Stark, Léopoldine Guttmann,
Rosalia Rothansl, primeiras professoras aceitas em estabelecimentos
de ensino superior. A formação profissional que ali se adquire
não é questionada pelas adeptas da Secessão. O que se deve
renovar é a estética ensinada. A Secessão irá se dedicar a isso e
conseguirá impor-se com bastante rapidez. Em 1903, sob a
influência do movimento Arts and Crafts, de John Ruskin e
William Morris, os arquitetos Josef Hoffm ann e Koloman Moser
fundam, com o auxílio do banqueiro Fritz Waerndorfer, a Wiener
Werkstiitte (Ateliês vienenses) diretamente inspirada pelo movimento
britânico 7 • Os ofícios artísticos que produzem objetos, móveis,
tecidos, cerãmicas, ourivesaria e jóias que refletem a época fascinam
as mulheres em busca da liberdade. Elas vêem imediatamente
como poderão exercitar ao mesmo tempo sua imaginação e sua
habilidade manual. A nova estética corresponde a seus desejos.

A costureira da Secessão
A moda é uma das especialidades da capital austríaca.
Todas as vienerises preocupam-se com ela. Num certo nível, a
costura torna-se uma arte, é o que acha Emilie Flõge na .época
em que conhece Gustav Klimt, de quem se tornará companheira

179
 em 1897, com apenas 23 anos. Ela é magnífica, um rostin
ho
emoldurado· por uma abundante cabeleira cor de cobre,
cor de
seus olhos muito afastado&, que ficam verdes dependendo
tempo ou do humor. Deve-se ter muita vontade de.,sucesso do
época em que se pretende que as vienenses permaneçam em
numa
casa,
até as que se declaram, como ela, marginais. Klimt desen
hou e
pintou muito a bela Emilie. O retrato azul, que data de
1902,
mostra-a num vestido suntuoso, fluido, decotado, cober
to
motivos dourados e prateados, uma echarpe envolvendo de
pescoço longo .. Provavelmente o vestido foi desenhado seu ·
pelo
próprio Klimt e, dois anos depois, Emilie. Flõge abre um
ateliê
de costura para o qual, de início, o pintor cria os modelos.
Antes da Secessão, algumas costureiras célebres, como
Hermine Hauck, primeira costureira da monarquia, ou
"os
Farnhammer", família que dirigiu por muito tempo uma
casa
de qualidade porém convencional, já haviam se destacado.
bda senhora Farber, modista, foi famosa em vários paíse A vários retratos. Adcle posou para a maravilhosa e lasciva Judit
s. Ao
abrir seu ateliê de costura, EJTiilie Flõge continua a tradiç
ão
plano da qualidade, mas rompe com o estilo existente e cria no
uma
moda totalmente diversa, que a princípio provocará prote
stos
entre a maioria das mulheres mundanas - .e entre seus marid
- antes de ser aceito e aclamado por todos. os
Emilie. sabe o que quer, e quer o melhor. Assim
oficinas serão decoradas pela Wiener Werkstãtte. O resul , suas
tado é
ótimo. A obra de Josef Hoffmann e de Kolo Moser apres
enta~se
sob um aspecto simples. Thdo é despojado, muito limpo:
paredes
brancas, molduras brancas para portas e janelas, móveis laque
ados
de branco de uma elegância leve. ó ateliê de costura cham
a-se
Schwestern Flõge (Irmãs Flõge) e situa-se na Mariahilfer
strass e
sobre o café ·casa Piccola. ·
Mesmo para alguém que vive num meio onde o dinhe
e o talento são abundantes, a aventura não é fácil. Emili iro
e ·só
pensa em conquistar uma clientela de aristocratas e grand
es
burguesas, suficientemente jovens para aceitarem suas suges
Klimt dá seus conselhos de bom grado, mas não se zanga tões.
quando
e substituído como modelista por E.J. Wimmer.;Wisgrill,
que
dirigiu o departamento de ''mod a'' da Wiener Werkstãtte quan
do
180
de sua criação em 1911. Schwestern Flõge tem um grande
sucesso
entre o público que acompanha as atividades dos artist
as da
Secessão. Emilie não poup a esforços. Conheceu Paul Poire
época em que Berta Zuckerkandl trouxe o costureiro para t na
Viena.
Como sua amiga, é sensível à beleza e ao clima de Paris. Adqu
irirá
o hábito de ir para lá duas ·vezes por ano para fazer comp
ras e
informar-se.
Por seu intermédio, Paul Poire tlanç a em Paris uma coleção
de sedas estampadas a mão pela Wiener Werkstãtte e faz
muitas
encomendas. Emilie Flõge também promove em 1912 a apres
entação
das criações da Wiener Werkstãtte relativas à moda na
mansão
particular de Poiret. Conduz seus negócios com grande comp
etência
sem nada perder de seu encanto e de uma espécie de fragil
idade .
exterior. Ela deixa Klimt pintar suas clientes - e talvez
de seu companheiro - como Adele Bloch-Bauer, da qual aman tes
ele fez
h 1,
mas ela é rica demais. A arte de Klimt será para ela um
luxo a
mais. Se sucumbiu realmente às delícias do adultério,
pôde
também dar-se ao luxo de não ter remorsos, privilégio supre
mo!
Já Emilie tem de se preocupar com o desenvolvimento
de seu
ateliê. Em suas oficinas, chega a empregar oiten ta costu
reiras e
três cortadeiras.
No decorrer da Primeira Guerra tv1:undial, os costureiros
vienenses trata m de combater a influência francesa e impo
r sua
moda. Mas as mulheres perderam o gosto pelo vestir
-se, e a
propaganda machista não as. atinge. De volta à paz, apesa
r da
miséria reinante e da morte de Klimt, Emilie Flõ.ge retom
a seu
dinamismo, volta a viajar, e seu ateliê existirá até 1938, que
para ela, assim como para tantas outras, o fim da esperança. marca
No tempo de Emilie Flõge, há outras costureiras
em Viena. Pouco a pouco, todas vão ser influenciadfamosas
as pela
costureira da Secessão. Emilie marcou sua época, porque
colocou
toda a sua energia e talento em sua profissão'. Várias vezes
foi
comparada a Chanel. Elas têm em comum a paixão pela
arte e
pelo trabalho. Ambas freqüentaram simultaneamente o
mundo
elegante e o dos artistas. Mas, ao contrário da Grande Senh
Emilie Flõge jamais pensou em mostrar sua costura nas orita,
ruas.
181
Nada disso, concebia vestidos para uma elite- mesmo na época
em que Viena tinha uma municipalidade social-democrata e em
que o austro-marxismo amedrontava grande parte de sua clientela.
Também nesse aspecto, Emilie Flõge é tipicamente vienense, tanto
quanto a Wiener Werkstãtte, que, por continuar produzindo
objetos muito caros e 'tecidos igualmente refinados e custosos,
deixará de existir em 1932 por falta de clientes.
A primeira decoradora
Mathilde Flõgl é de uma outra geração. Tem quase 20
anos menos que Emilie Flõge. Nasceu em Brno, mas estudou na
Escola de Artes Aplicadas de Viena de 1909 a 1916 e tornou-se
colaboradora e depois membro dà Wiener Werkstãtte. 1fabalha
intensamente, também em direção ao êxito, como a grande
costureira. Mas almeja um êxito diferente. O clima social evoluiu:
as mulheres jovens, que obtêm o direito de voto em 1920, já não
querem ser discriminadas em ofícios como o de costureira, que,
em princípio, não se afasta tanto das atividades femininas
tradicionais. Mathilde Flõgl quer ser considerada uma artista por
inteiro.
No período em que a cidade de Viena é administrada pelos
social-democratas, há poucos novos-ricos, mas uma profusão de
novos-pobres. Mathilde Flõgl, que então inicia sua carreira, tenta
encontrar seu espaço naquele mundo ainda dominado pelos
homens, integrando-se em organizações altamente profissionais.
Torna-se membro do Werksbund austríaco, que é um movimento
"vanguardista" criado em 1912 a partir do modelo alemãd e que
agrupa artistas e artesãos, industriais e arquitetos. Foi definido
como "um local de reflexão teórica e de experimentação prática
sobre o ambiente humano em contato direto com os movimentos
sociais". O Werksbund contribui para a organização de várias
exposições e, entre 1931 e 1932, constrói na 13~ circunscrição de
Viena, o "loteamento do Werksbund" 8 • Mathilde Flõgl é a única
mulher no movimento, e é fácil imaginar os obstáculos que
encontrou antes de ser aceita e o nível de qualidade exigido de
uma mulher.
182
· Mathilde Flõgl pertenceu igualmente à Associação das
Mulheres Artistas Vienenses, um grupo de importância menor,
mas é de sua parte uma demonstração de solidariedade com relação
as suas co-irmãs, cujas dificuldades ela conhecia. Faz questão
de participar das exposições internacionais. Em 1925, a de Paris
e a da Deutsche Frauenkunst (Associação Alemã para a Arte
Feminina), em 1928 a do ·Neuzeitliche Wohnung (O Apartamento
Moderno) e muitas outras depois. Trabalha com artes gráficas e
domina todas as suas formas. Executará pinturas murais em casas
decoradas por Josef Hoffmann, antes de abrir, em 1931, seu
próprio ateliê de decoração. Hoffmann é. o arquiteto-decorador
mais requisitado por aqueles que ainda têm meios que lhes
permitem instalar-se em "casas artísticas" conforme o seu ideal.
Mathilde conseguiu para si uma espécie de liberdade que lhe
permite agir e ter um êxito profissional surpreendente. Essa
liberdade destina-a a uma solidão freqüente, pois no combate
em que decidiu entrar; acha mais adversários do que auxiliares.
As exiladas
Algumas mulheres que sentem um dom e desejam
exprimi-lo sonham com ter por meio dele acesso à independência,
mas muitas não têm a habilidade de Mathilde Flõgl e não conseguem
impor-se naquele país tão refratário ao seu desenvolvimento. Às
vezes, o exílio é a solução. Assim Maria- mais chamada Mitzi
- von Uchatius abandona Viena para usar melhor o que aprendeu
na Escola de Artes Aplicadas. Em Paris, lança-se na gravura em
madeira e, em 1906, em brinquedos de madeira para o editor
Goubil. A seguir, trabalha em Nova Iorque no Museu da História
das Artes .Aplicadas, antes de voltar para a Áustria, onde seus
feitos no exterior lhe garantem a direção de ensino de desenho e
de escultura ein madeira em escolas famosas.
Lily Steiner é outra exilada que viverá muito tempo em
Paris, onde se instala em 1927 e onde morrerá em 1961. A princípio
é desenhista-gravadora e, a partir de 1910, sob a influência de
Kokoschka, pinta a óleo. É esposa de um industrial têxtil, colega
de classe de Karl Kraus e grande amigo do arquiteto Adolf Loos,
a quem pede para construir a casa deles na 13 ~ circunscrição de
183
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