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Romanis no Cédig Aly Professor Os Cédigos do século XIX io deste século represent ce de uma linha evol pensamento jurfdico que vé na n« dica, especialmente na lei, a exp razio. O jusnatutalismo racion: século XVII e XVIII a ruptura ¢ solutismo, que encontra sua form olenta na Revolugio Francesa, cr as bases culturais e politicas para da ratio sobre a vohuntas, acaband locar os individuos e o proprio E sub homie, sed sub lege. A luta et vontade era antiga. Toda a ba média se apaixona vivamente terminaveis discussbes teol6gica Deus seria prisioneiro da razio 0 sesse, tudo poderia, inclusive a magdo do pecado em virtude®. A semelhanga de Deus concebido tade,liberto dos ditames e dos co mentos da razio, molda-se, na confers ot a Face de Oreo 1. Sob ico, porns, Car Sei, Voesu 2. Vc, Hane Wz Dorcas Revita da Faculdade de Direito da UFh 0 Estado nio eram relagbes juridicas, mas simples lagos de subordinagio ou de suji- Go, pois situavam-se, a rigor, numa érea “sem Direito”. O tinico dieito que existia cera, assim, 0 direito privado, a que o pré- prio Estado por vezes se submetia, como proprietério ou gestor de interesses patrimoniais, aparecendo entéo como “fiscus”, seguindo em tudo as linhas do de- senho da instiuigéo romana. O direito pri- vvado era, aids, em grande medida, diteito romano, cujo respeito e acatamento nio se ddavam ratione Imperi, pois © Estado roma- no hi muito desaparecera, mas imperiam rationis, por forga da exceléncia dos seus principios e normas ou, numa palavra, da azo que, no seu conjunto, espelhavam. (© Estado de Direito que, na Europa continental surge com a Revolugio Fran- «esa, tem no principio da legalidade um dos seus prinefpios estruturantes. O campo até enti “sem Direito", das relagdes entre os individuos € o Estado, passa a ser integral- mente coberto e compreendido pelo Direi- to, no se admitindo, sob nenhuma hip6tese, que a autoridade pablica interfira na liberdade ou na propriedade dos indivt- duos sem autorizagio legal. A lei que € cri- ada para reger essas novas situagSes nao tem, por certo, a garantia de racionalidade que a patina do tempo e do longo percurso de experincia hist6rica davam aos precei tos do direito romano, Ela resulta, entre- tanto, da “vontade geral"do povo, como pretendia Rousseau’ . E, precisamente por Almiro do Couto e Silva ser manifestagio do que quer a maioria dos cidadiios, muito difcilmente se desviaré da razio. Oconsenso democraticamente esta- belecido impunha-lhe, de certo modo,a ‘marca ¢ 0 selo da racionalidade. S6 muito mais tarde € que se compreenderé - © os horrores do nazismo sero decisivos para que iss0 ocorra - que a lei nem sempre & justa e que o diteito positivo nem sempre corresponde aos ideais de justiga 2. As grande codificagdes do século passado e as do inicio deste século realizam- se numa fase em que as etapas da evolugio do direito que sucintamente descrevi es- tio, sendo completas, pelos menos em final de elaboragio. Jé se encontra, entio, de ‘qualquer maneira, consolidado, ao influxo das idéias de Rousseau, 0 novo conceito de lei. E & sob a forma de lei que os cédigos serio editados. Pode-se dizer, asim, que as codificages submeteram-se a duplo teste de racionalidade. Por um lado porque os ‘c6digos acolhem nos seus textos, como re- algado, um conjunto de normas cuja ade- ‘quagdo ao corpo social em larga parte estava provada e comprovada por quase dois de mil anos de aplicacao, nao se podendo su- por ou imaginar que aquele complexo de regras fosse contratio a razio. E, pot outro, porque, assumindo eles a natureza de lei, a expresso da vontade geral, convertiam-se desde logo na razio sem paixio de que j falava Aristoteles. Justiga e lei, nesse con- texto, tornam-se nogées coincidentes. A justica est revelada no direito positivo. | Du Contat Socal Lio eap. V:"Surcate be, on va start qin pls demanded ui appartent fa ess, ‘uz eles sons acts de avo gre lepine est a dese des spit mare de Eat ‘Pediat, pulse nal n't ust anvars hl mde niconmartcn st eat sours auto, sql ne Sot ‘10 des reir nos volo deaqu 080) Romanismo ¢ Germanismo no Cédigo essa maneira, os postulados ra ‘transpostos para a érbita do Ditei ziram, numa evolugao natural e p tes distinta, ao positivismo judi que tem, nas codificagdes moder 6s seus mais belos frutos. Bem 5 cédigos foram concebidos como tinadas a perenidade. Sio textos culcam como exaustivos ¢ de isentos de lacunas, a que os aplicadores estio jungidos por la ita dependéncia. A essas cons devers ainda acrescentar-se que gos mais recentes, como € 0 case Cédigo Civil, foram tributiios do co esforgo de anslise e sistemati preendido pela pandectistica : século XIX, que, trabalhando de pecial sobre o direito romano, consideravelmente 0 aspe racionalidade de suas normas. Né © cientificismo jurfdico, que foi de que se serviu a pandectistica controu sua expresso. m Begifsuriprudenz, se propunha a e articular toda a matéria jurtdic tema completo, limado e polido pela razao, e to densamente fec impossbilitasse 0 juiz, ele propric nessa cigncia juridica, de rebelar a sua légica interna, 3. O caréter de monumer ral, que se predicava aos c6digos 4 Cvs do Couto «Sha, Le Dr Ci Be ‘1850, em vest portugues, ma ree ‘Auge, Uv co evga, 187.18. Gustav Boer" seu ssa, ena mt mai um io co séoo XX co quem ‘BS rpaoo, de rn um ode Fan (Weta do Orato Prado Modona isos ‘Revista da Faculdade de Direto da UFROS, v.13, 1997 10 tosdos tragos que eram fortes evivos 8 épo- ca da sua entrada em vigor, como a fé ina- balével na cigneia, a crenga no postivismo juridico e no valor sem contraste da dogmética jurdica, a identidade entre di- Teito positivo ¢ justiga ou mesmo entre leie justica ou lei ¢ razio, quando, enfim, se poe seriamente em diivida a utilidade das codificagées, havendo quem diga, como ‘Natalino Irti’, que estamos vivendo a épo- ca da “descodifieagio”, a preocupagio em identificar qual a carga de romanismo e de germanismo que se transmitiu a0 nosso Cédigo Civil revela, € obvio, preacupagio eminentemente histrica, 4. Para essa tarefa, que se poderia chamar de genealogia cultural, cumpre, em primeiro lugar, que se esclarega o que hi de se entender por romanismo ou germanismo. E por todos sabido que hé considerdvel in- fluéncia do direito romano, assim como também, embora em menor medida, do d reito germanico no Cédigo Civil Brasileiro. As dividas e dificuldades comecam a sur. sir, porém, quando se tem presente o fato de que o direito romano consiste numa ex- periéncia, como direito da nagio romana, de aproximadamente mil anos. Apés 00caso do Império Romano do ocidente, ele sobre- vive ainda, embora em forma vulgar, deca- dente, degradado e corrompido, como diteito dos povos barbaros que dominam a Europa e, igualmente, no diteto bizantino. No século XIl, com Imeério ¢ a Escola de Bolonha, € ele redescoberto e reestudado, para ser, depois, recebido como direito co- 5 LE cote Decaateazona, Miao, Gu, 1988 Almiro do Couto e Silva ‘mum, de caréter subsidiério, na maior par- te dos paises europeus, formando, com a fi- losofia grega ¢ a religido cristd, a base de cultura da assim chamada civilizagao oci- dental. Houve, portanto, virios diteitos ro- ‘manos, Sem preocupagao de exaustividade, pode-se falar num diteito romano do pert- ‘odo arcaico, em outro do periodo cléssico, ‘em outro do perfodo pés-clissico, em ou- tro da codificacio justinianéia,em outro dos slosadores,em outro dos comentaristas, em ‘outro da pandectistica lems do século XIX. Dessas distintas expressées do direito ro- ‘mano é assente que a mais pura é a que corresponde ao periodo cléssico, ou seja, 0 perfodo que compreende os dois primeiros séculos do Principado, do mesmo modo ‘como nio se discute que a mais cientifica é a da pandectistica. O diteito romano do perfodo clissico ¢ uma sistema jusfdico aberto,como o chamou Fritz Schulz, cian- do a distingio, que fara sucesso, entre sis- temas juridicos abertos e fechados',embora nem aqueles sejam inteiramente abertos e nem estes completamente fechados. Os Cédigos, sabidamente, dio origem a siste- ‘mas juridicos fechados, na medida em que co aplicador parte das normas nele contidas, tratando de fazer a subsungao do caso con- creto nesses preceitos. Nos sistemas aber- 10s, a autoridade investida de dizer o direito parte do.caso, chegando-se, pelos preceden- tes acumulados € por um processo de pro- sgressiva abstragio,& fixagio de um elenco de normas juridicas’. A frase de Paulo, non {6 Gesciohi cerRamsce Reciswisseschat Weiner, Hermann Bia, 1961,» , 7. MaxKasw, url Méhce des Juco Romans, in Romania, wel, 106-128. Romanismo ¢ Germanismo no Cédigo ex regula ius summatur, sed ex i regula fiat reflete exemplarmen ‘ncia primordial do caso na cor sistema juridico romano e a form: juristas cléssicos. Assim, ainda c to romano clissico tivesse sc Adriano e com o Edictum Perpe significativa redugio da “abert tema, nao foi ele, entretanto, 0« por influenciar 0 Cédigo Civil Para que bem se compreenda deve-se esclarecer,a esta altura, a fixagio, feita por Sélvio Juliar tos dos pretores no Edictum Pe direito léssico romano, a seu ter foi consolidado ou codificado. C to de juristas, consistia principa manifestages esparsas de juri que conhecemos tio somente pe que € a parte mais importante Turis Civils, e assim mesmo de muito imperfeita. A reproducio, das opinides dos juris freqiientemente nao respeita a ginal. Os fragmentos das obras fem, por vezes, mutilagses. O sio submetidos a modificagies ‘mos, conhecidos como interpol identificago nem sempre é ff desafiando muitas delas, até hoj ea ciéncia dos eruditos. Desse gado que o direito romano deix Cédigo Civil nao consistiu no c instituigdes, idéias e conceitos t 8 50.17.31 Sobre iss, porto, o magn ens evita de Conta Ger o Etc 10. ide dep. Bess. 1, der Be. 240; Macs Cet Revita da Faculdade de Direto da UFRGS, ¥. 13, 1997 2 trangeiras ou na recém criada universidade portuguesa. Os demais, quando aplicados ‘aos mistetes da justica ou da administragao do reino, estabeleciam contato com 0 di- reito romano ou com o direito canénico mediante textos que 56 indiretamente os espelhavam, como sucedia com as coleti- neas juridicas castelhanas, ordenadas por D.Afonso 0 Sabio, o Fuero Real e as Siete Partidas, manuseadas no original ou em tra dugio portuguesa’? 6. Fosse como fosse, 0 certo € que © incipiente direito portugues era ainda um corpo de normas muito incompleto acunoso, cujos defeitos se faziam mais evi- dentes porque estendido sobre um direito subsididrio que se apresentava como um tecido denso, rico, de extraordinéria abrangéncia e que respondia, quase sem- pre, as diividas e questdes postas a cada ‘momento pela opulenta e variada sucessio dos casos coneretos. Nao é de espantar, portanto, que, nessas circunstincias, a vida juridica se paucasse prevalentemente pelo direito subsidistio, representando o direito propriamente lusitano um modesto papel. Com o andar do tempo, entretanto, cresce 0 ntimero dos interessados em co- nhecer o diteito romano nos seus préprios mananciais, passando esses estudi criminar as obras de segunda mio que 0 divulgavam e a protestar, sobretudo, con- tra a aplicacio das Siete Partidas as causas em julgamento, quando elas deveriam ser decididas pelos preceitos romanos, assim como estayam inscritos na obra de Justiniano. A pressio dessas exigéncias é 12 er, Bier, 9.29. Almiro do Couto ¢ Silva que comegam a circular, no século XV, tradugées da obra legislativa justinianeia e de textos do direito candnico, bem como dda Glosa de Actirsio e dos Comentérios de Bartolo, afastando-se definitivamente, do ‘campo do direito subsidiério, as contribui- .s6es do direito castelhano. A partir daf os conflitos que se irio estabelecer serio en- tte 0 diteito romano e 0 direito canénico, por um lado e, por outro, entre 0 direito Portugués e o direito romano e canénico, como diteito subsidiério. Com a promulga- ‘sho das Ordenagées Afonsinas, em 1446 0u 1447, este altimo conflito é solvido com a declaragio da prevaléncia do direito portu- gués sobre o direito subsidiério.Esse estado de coisas perdura nas Ordenagées Manuelinas, do infcio do século XVI e nas ‘Ordenagées Filipinas, do comego do sécu- lo XVII(1603) que tornam a afirmar a pre~ ‘eminéncia das fontes imediatas do Direito, consistentes nas leis nacionais, estilos da Corte e costumes do Reino sobre o direito subsididtio, Na hip6tese de o direito roma~ no € 0 direito candnico nao terem solugio para 0 caso conereto, dever-se-ia recorrer Glosa Magna de Acirsio ou & opiniao de Bartolo. Contudo, desde as Ordenagoes Manuelinas, nas suas duas versOes, @ auto- ridade dos textos de Aciisio e Bartolo f- cou condicionada a sua concordncia com a opiniao comum dos doutores. 7, Em breves linhas e seguindo sem- pre os passos de Braga da Cruz, € assim que se descreve, sob o aspecto formal, a ques- tao da hierarquia das fontes do direito em Portugal e, desde o descobrimento, também, Romanismo ¢ Germanismo no Cidigo ¢ por conseqtiéncia, no Brasil. Mat te, entretanto, a pratica juridi comumente subvertia essa hierar do primazia a0 direito sub notadamente ao direito romano, mento do direito nacional. Nao se modifica essa situa advento das reformas pombalin edigio da Lei de 18 de agosto de nhecida como Lei da Boa Razio ¢ de Lei, que, em 1772, aprovou : Estatutos da Universidade de Coit reformas orientam-se pelas idéia plamente citculavam no século d que, na rea jurfdica, se expr jusnaturalismo racionalista € rmodemus pandectarim. A boa raz ratio, passa a set, desde enti 0 ci cexceléncia a comandar a interpre integragao de lacunas. O direito t persiste como direito subsidiéri expresse a razio natural, a qual, ante, j nos primeiros anos do sé poder estar mais bem refletida jo de outros povos, especialn codificagbes e, dentre estas, no | Napoleo, que & 0 que goza de m tigio. Com a edigdo do Cédigo C gués, de 1867, cessa, em Portugal, das Ordenagdes Filipinas e, pois, ‘romano como direito subsidisrio 8, No Brasil, com a Indep foi desde logo adotada a legisla ‘guesa!, como medida que se pret se manifestamente provis6ri Constituigio Imperial de 1824, 12 Lede 2 de trode 123. Revista da Faculdade de Dirt da UFRGS, ¥. 13, 1997 4 Razo, mas também o que se convencionou cchamar o direito dos povos cultos'. Carlos de Carvalho, no preficio que escreveu em 1889 para sua Nova Consoli- dacao das Leis Civis, assim retrata o diteito brasileiro daquele fim de século, fazendo pensar no tormento que deveria ser para os juizes, advogados, estudantes € os que, por quaisquer motivos, devessem aprendé-lo, interpreté-lo e aplicéclo: “O direito romano”, diz ele, “principalmente pela ligdo alema de Heineccio, Waldeck, Savigny, Puchta, Mublenbruch, Mackeldey e Varkoenig, para ‘do falar nos compéndios franceses ¢ belgas, 0 direizo francés por Domat e Pothier e pelos co- mentérios doutrinais do Cédigo de Napoledo, isto é, pelo método exegetico, Merlin e Dalloz ¢ (05 e6igos de outras nagées, pela Concordance de St. Joseph, constituiam em regra os elemen- tos de ensino. Coelho da Rocha, suprindo as lacunas com 0 Cédigo da Prissia, Correa ‘lle, com receio de passar por inovador, re- correndo @ opinido dos doutore velhos ej fa- lecidos. Borges Cameiro pedindo a Heineccio subsidis para formar o jus constitutum era, ‘com Mello Freire e Almeida Lobdio, os guias ‘espirtuais do foro, servindo de artigos de or- ‘namentagao os vlhos e poeirentos praxistas” Por outro lado, prossegue, “ndo hd preceto juridico por mais simples, evidente ow intuit v0, que ndo se sinta obrigado a comparecer perante os tribunais acompanhado de nusme- oso séquito. As egras de dieito ndo circulam nem sdo recebidas pela forga da lei, de seu es- pirito ou principios mas pelo niimero de Almiro do Couto Siva cendossantes, nacionais poucos e estrangeiros ‘muitos, de preferéncia italianos e alemaes"™. 9. As consideragées até aqui feits,

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