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MUNDO JURÍDICO 1

Artigo de Leonardo Greco

O ACESSO AO DIREITO E À JUSTIÇA

Leonardo Greco1

1.(Acesso ao Direito) No Estado Democrático Contemporâneo, os


direitos fundamentais constitucionalmente assegurados têm eficácia imediata,
cumprindo ao Estado garantir a todos os cidadãos o respeito a esses Direitos de
modo concreto e efetivo, não obstante as inúmeras desigualdades e condições
adversas que dificultam na prática o seu exercício.

A Constituição Portuguesa, com muita razão, associa no artigo 20 o


acesso à justiça ao acesso ao direito, como a indicar que, antes de assegurar o
acesso à proteção judiciária dos direitos fundamentais, deve o Estado investir o
cidadão diretamente no gozo dos seus direitos, ficando a proteção judiciária através
dos tribunais, como instrumento sancionatório, no segundo plano, acionável apenas
quando ocorrer alguma lesão ou ameaça a um desses direitos.

Para regulamentar esse preceito constitucional, foi editado em


Portugal o Decreto-lei 387-B/87, que dispõe especificamente sobre o acesso ao
direito e o acesso à justiça.

2.(Educação Básica) Para o acesso ao direito, o Estado deve desenvolver com


eficiência uma série de atividades essenciais e dar efetividade a uma série de
pressupostos.

O primeiro é a formação do cidadão através da Educação Básica,


infundindo-lhe a consciência dos seus direitos e também dos seus deveres sociais,
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade.

3.(Sobrevivência condigna) O segundo é o oferecimento a todos os


cidadãos de condições mínimas de sobrevivência e de existência condignas,
através do acesso ao trabalho produtivo, livremente escolhido, e do pagamento de
remuneração capaz de prover ao sustento do trabalhador e de sua família.

O incapacitado para o trabalho, a criança, o idoso, o trabalhador


eventualmente desempregado e aquele cuja remuneração não lhe oferece o mínimo
para uma sobrevivência digna, devem receber a proteção social do Estado e da
coletividade, não apenas através de auxílios financeiros, mas também através da
assistência social e da mobilização da comunidade para ações de solidariedade.

Nenhuma eficácia ou utilidade têm inúmeros direitos


constitucionalmente assegurados para milhões de cidadãos que vivem na
ignorância e na miséria.

1
Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade Nacional de
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Gama
Filho.

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Nenhuma crença na dignidade da pessoa humana e no valor social do


trabalho têm aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicância, da
prostituição, de atividades ilícitas, ou aqueles que se sentiram forçados a sujeitar-se
à exploração de outrem para sobreviver.

4.(Ruptura dos quistos sociais) A pobreza engendra inúmeras relações de


dominação entre pessoas e entre grupos sociais. As habitações subumanas da
periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais,
terras sem lei, controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores.

O Estado que não for capaz de dotar essas comunidades do acesso


efetivo à Educação, à Saúde, à Segurança e à Paz Públicas e ao trabalho lícito,
certamente não lhes estará assegurando o acesso ao Direito, porque a população,
abrutalhada pela miséria e coagida pelo medo, não desfruta da mínima eficácia
concreta dos seus direitos fundamentais.

5.(Associativismo) O acesso ao Direito nas sociedades modernas, mesmo


nas economicamente desenvolvidas, exige o fortalecimento dos grupos
intermediários e do associativismo.

O cidadão não está mais em condições de defender-se


individualmente das ameaças e lesões aos seus direitos perpetradas por pessoas
ou grupos que se encontram em posição de vantagem, nas relações econômicas e
sociais.

O sindicato veio a exercer este papel, em relação ao trabalhador


empregado.

Mas hoje as relações de dominação não são apenas as que existem


no mundo do trabalho, mas as que se revelam em todos os tipos de relações
humanas: relações de consumo, relações de vizinhança, relações locatícias,
relações comerciais internas e internacionais e, não com menor relevância, relações
entre os particulares e o Estado, entre outras.

Dificilmente o Estado tem condições de prover pela legislação ou pela


administração à efetiva manutenção do equilíbrio nas relações jurídicas privadas.

É preciso assegurar esse equilíbrio na prática, o que somente tornar-


se-á possível através da articulação dos sujeitos que se encontram em posição de
desvantagem em organizações e associações, que, pela união de esforços,
consigam compensar o desequilíbrio existente e dar aos indivíduos e grupos a força
e a capa de proteção necessárias para ombrearem-se aos seus adversários e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condições.

6.(Ministério Público) No Brasil, mais do que as associações, quem tem


exercido esse papel de intervenção em relações jurídicas privadas e naquelas em
que numerosas pessoas se encontram em posição de desvantagem é o Ministério
Público, cuja atuação nesse campo tem caráter nitidamente assistencial.

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Essa intervenção se justifica, especialmente porque grande parte dos


que necessitam de proteção não estão em condições, sequer, de organizar-se em
associações. Todavia, trata-se de um resquício de paternalismo estatal, que com
frequência tem desbordado para a defesa de interesses políticos e de interesses
polêmicos, sem respeito ao princípio da subsidiariedade que deve ditar a
intervenção do Estado nas relações jurídicas privadas.

Tão antidemocrático quanto privar o mais fraco do acesso ao direito é


transformar o Ministério Público em juiz do bem e do mal.

7.(Responsabilidade do Estado) Pressuposto indispensável do acesso ao


Direito é a transparência do Estado no trato de questões que possam afetar a esfera
de interesses dos cidadãos, aos quais é indispensável assegurar o direito de influir
eficazmente nas decisões do poder público, através dos mais diversos instrumentos
de participação democrática.

Mais importantes ainda, no plano das relações entre o Estado e os


cidadãos, são o espontâneo e impessoal reconhecimento e o respeito aos direitos
subjetivos dos particulares por parte do Estado, quando a esses direitos
correspondem deveres, obrigações, serviços ou atividades das pessoas jurídicas de
Direito Público ou dos seus agentes.

A relação Estado-cidadão não é mais a relação soberano-súdito.

O cidadão tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu


patrimônio jurídico.

Lamentavelmente, a crise do Estado tem levado no Brasil a aceitar-se


como normal que as pessoas jurídicas de Direito Público não cumpram devidamente
as prestações positivas de que são devedoras perante os particulares, cabendo a
estes demandar na Justiça para obtê-las.

8.(Desvirtuamento da Justiça) Essa visão deformada da responsabilidade


do Estado distorceu também o papel da Justiça. De guardiã das liberdades
individuais e dos direitos dos cidadãos foi transformada em administradora da
moratória do Estado e em eficiente proteladora do pagamento das suas dívidas e do
cumprimento das suas obrigações para com os cidadãos.

Esse kafkiano ritual de inadimplência oficial é amplamente favorecido


por inúmeros privilégios processuais e, quando estes não bastam para eternizar os
processos, novas leis processuais são editadas pelo Executivo por meio de Medidas
Provisórias, reeditadas e aprimoradas infinitamente a cada 30 dias. 2

9. (Imoral parcelamento dos precatórios) A inadimplência estatal é grandemente


favorecida pela impossibilidade de execução específica das condenações judiciais
2
O texto se refere à situação existente até o advento da Emenda
Constitucional n 32, de 11 de setembro de 2001, que proibiu a edição de
medidas provisórias em matéria processual, embora mantendo em vigor as pré-
existentes.

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pecuniárias contra o Estado, em razão do regime dos precatórios instituído no artigo


100 da Constituição, geralmente descumprido pelas pessoas jurídicas de direito
público, que não incluem, como deveriam, as necessárias verbas no orçamento
para o seu pagamento.

Essa situação se agravou extraordinariamente com a promulgação da


lastimável e imoral Emenda Constitucional nº 30/2000, que, alterando a redação do
artigo 100 da Carta Magna, parcelou os precatórios pendentes em dez anos,
ressalvados os de pequeno valor definidos em lei, os de natureza alimentícia, os
anteriormente parcelados pelo art. 33 do ADCT, os de desapropriações do único
imóvel residencial e os que já tivessem os respectivos recursos liberados ou
depositados.

Essas regras iníquas consagram, por via indireta, uma inaceitável


imunidade do Estado ao cumprimento das condenações judiciais, porque verbas não
são incluídas no orçamento, por ação ou omissão do Executivo ou do Legislativo, e
essa situação absolutamente afrontosa dos direitos dos credores e do próprio artigo
100 ficam totalmente impunes e contra elas não dispõe o Judiciário de sanções
eficazes.

Mas se o Executivo quiser pagar a algum credor, nada impede que o


faça extrajudicialmente, com o aplauso dos órgãos fiscalizadores dos gastos do
Tesouro, através de acordos que aparecem como vantajosos por qualquer
abatimento que o credor aceite do total devido.

Se atentarmos para a técnica de elaboração do orçamento das


pessoas jurídicas de direito público, facilmente verificaremos que o que ocorre com
as condenações judiciais é uma verdadeira discriminação. Todas as verbas são
incluídas no orçamento por mera previsão de despesa, exceto as destinadas ao
pagamento de condenações judiciais. Anualmente, os técnicos do Governo e, a
seguir, os parlamentares, fazem previsões de receitas e projetam, igualmente por
antecipação, quais serão as obras, os serviços ou as atividades que o Estado
executará com esses recursos.

Normalmente os débitos de quaisquer dotações orçamentárias ainda


não se encontram vencidos na data da elaboração do orçamento. O seu vencimento,
a sua exigibilidade, ocorrerá no curso do exercício financeiro, portanto, depois de
votado e em vigor o orçamento. Essa mesma regra deveria ser aplicada aos débitos
oriundos de condenações judiciais, ou seja, mediante uma previsão de despesa feita
no momento da elaboração da proposta orçamentária e da sua votação pelo
Legislativo, dispor o Erário, em cada ano, de dotações específicas para ir pagando
os débitos judiciais, na medida em que fossem transitando em julgado as sentenças
condenatórias proferidas contra a Fazenda.

Os precatórios seriam cumpridos com as verbas existentes no


orçamento do exercício em curso. Se no final do exercício, as dotações se
esgotassem, seriam cobertas, como as demais despesas públicas, por créditos
suplementares ou especiais.

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Uma outra solução, igualmente protetiva dos direitos dos credores,


começou a surgir em alguns outros países, como a Itália, a Espanha, Portugal e a
Argentina, que, limitando a impenhorabilidade dos bens públicos, admitem a penhora
de bens dominicais do Estado e de receitas públicas não vinculadas ao exercício de
atividades essenciais. Em Portugal, os bens dos corpos administrativos, as coisas do
seu domínio privado, podem ser penhoradas, desde que não estejam afetadas a um
fim de utilidade pública. Na Espanha, em 1998, o Tribunal Constitucional declarou a
inconstitucionalidade do Regulamento das Fazendas Locais que proibia
genericamente a penhora de bens públicos, fosse ou não do patrimônio disponível.
Na Argentina, se o Estado se tornar remisso, poderão ser penhorados bens públicos
de utilização privada. No Direito Italiano, não são impenhoráveis o dinheiro público e
os créditos inscritos em balanço, salvo os originários de relações de direito público,
como tais entendidas as resultantes de atos cumpridos no exercício de poderes de
império da administração; os créditos públicos de origem privada, que não têm uma
destinação pública previamente estabelecida.

Há muitas pessoas jurídicas de direito público titulares de vasto


patrimônio ocioso ou não utilizado em fins públicos, que poderiam servir para saldar
dívidas, sem desviar recursos dos serviços essenciais do Estado.

No plano infraconstitucional poder-se-ia cogitar de algum tipo de


contempt of court, aplicado pelo próprio juiz da execução, que sancionasse os
agentes das pessoas jurídicas de Direito Público, caso não cumprido o artigo 100 da
Constituição, ou seja, caso não incluída a verba no orçamento do ano seguinte ou
não efetuado o pagamento nesse ano. A sanção poderia ser uma multa pecuniária
periódica, a ser executada como título judicial em execução pessoal contra o agente
sancionado.

No Estado de Direito, que respeita os direitos dos cidadãos, a


intangibilidade do patrimônio público somente se justifica na medida em que serve
ao bem comum, através da sua afetação ao exercício de funções públicas de
interesse de toda a coletividade.

O parcelamento dos precatórios da Emenda n 30 veio, portanto, na


contra-mão da História, pois ao invés de aperfeiçoar o sistema de cumprimento
efetivo das obrigações do Estado para com os cidadãos, fragilizou-o, chancelando a
inadimplência e favorecendo as negociações escusas

Sem dúvida, estamos diante de uma flagrante violação da garantia


constitucional da tutela jurisdicional efetiva (Constituição, artigo 5, inciso XXXV).

10.(Aconselhamento jurídico) Prosseguindo, parece-me que o acesso ao


Direito não estará concretamente assegurado se o Estado não oferecer a todo
cidadão a possibilidade de receber aconselhamento jurídico a respeito dos seus
direitos.

A Constituição de 1988, no artigo 5°, inciso LXXIV, assegurou a todos


“assistência jurídica”, a englobar assistência judiciária e assessoramento jurídico
extrajudicial.

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É preciso que esse direito seja assegurado na prática.

A vida moderna e o Direito tornaram-se excessivamente complexos.

A consciência jurídica do homem comum, que deve ser adquirida na


família e na escola, não é mais suficiente para a tomada de decisões na vida diária
das pessoas.

Todas as pessoas mantêm complexas relações jurídicas com


instituições financeiras, com fornecedores de bens e de serviços etc.

Nessas relações jurídicas, com frequência os cidadãos têm de tomar


decisões rápidas.

O cidadão que tem meios procura um advogado particular para


assessorá-lo.

Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito, com plenitude.

11.(Acesso à Justiça) Sem dúvida o último pressuposto do acesso ao


Direito é o acesso à Justiça, no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial,
previamente instituído como competente, para a solução de qualquer litígio a
respeito de interesse que se afirme juridicamente protegido ou para a prática de
qualquer ato que a lei subordine à aprovação, autorização ou homologação judicial.

Se o cidadão tem consciência dos seus direitos, se o Estado lhe


fornece todas as condições para livremente exercê-los, mas algum outro cidadão ou
algum órgão do próprio Estado impede ou dificulta esse exercício, cabe ao poder
público pôr à disposição do cidadão lesionado ou ameaçado a jurisdição necessária
para assegurar o pleno acesso a tal direito.

A mesma faculdade deve ser conferida ao cidadão, que se apresente


como titular de um direito, nos casos em que a lei subordina a existência, validade
ou eficácia desse direito à concorrência da vontade estatal, manifestada através de
um órgão jurisdicional.

Cumpre reconhecer que o acesso à Justiça sofre para a sua


efetividade três tipos de obstáculos ou barreiras: as barreiras econômicas, as
barreiras geográficas e as barreiras burocráticas.

12.(Barreiras econômicas) As barreiras econômicas resultam do custo da


Justiça: custas, honorários de advogado, riscos de sucumbência.

Muitos cidadãos se sentem desestimulados de ingressar em juízo


porque o benefício econômico almejado, muitas vezes, é inferior às despesas a
desembolsar.

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Não se trata de obstáculo subjetivo, falta de meios do postulante, mas


de desestímulo decorrente de despesas que, em grande parte não serão
ressarcidas.

Os honorários da sucumbência normalmente não cobrem os


honorários contratuais.

Os honorários periciais muitas vezes desestimulam a parte que teria


de antecipar o seu depósito, pois nem sempre terá a certeza de ressarcir-se desse
desembolso.

Os obstáculos econômicos também atingem o pobre, na medida em


que a Defensoria Pública, apesar da previsão constitucional, não está
adequadamente estruturada em todo o País.

E atingem igualmente o cidadão de classe média, aquele que não


pode beneficiar-se da gratuidade, mas para quem as despesas judiciais impõem
sacrifício apreciável.

As despesas processuais muito elevadas, como, por exemplo, a taxa


judiciária incidente sobre o benefício econômico almejado pelo Autor, são, em
muitos Estados, outro fator de desestímulo ao acesso à Justiça.

13.(Barreiras geográficas) As barreiras geográficas são decorrentes da


imensidão do território nacional e da impossibilidade de colocar pelo menos um juiz
ao alcance de qualquer cidadão.

Há muitos Estados em que as partes têm de percorrer centenas de


quilômetros para comparecerem à sede do Juízo territorialmente competente, por
meios de transporte precários e demorados.

Na própria Justiça Federal, é fato recente a criação de Varas em


Municípios do Interior.

Justiça distante significa, em muitos casos, ausência de lei, porque


violações de direitos são cometidas e é muito custoso e demorado acionar o
aparelho judiciário. Ademais, o juiz dificilmente tem condições de ir ao local dos
fatos, que muitas vezes é um local por ele totalmente desconhecido, e de colher
provas mais diretas, em razão da distância.

Somente a presença do Judiciário em todas as áreas habitadas do


território nacional poderá assegurar o efetivo acesso à Justiça a todos os cidadãos.

Nas localidades em que a reduzida população ou o reduzido número


de feitos não justificassem a presença permanente de um juiz togado, deveria existir
o juiz de paz ou outro tipo de órgão, com poderes para julgar causas de menor
complexidade e para conceder medidas provisórias urgentes em quaisquer outras
causas.

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Lamentavelmente, a Constituição de 1988 proíbe a outorga ao juiz de


paz de qualquer poder decisório.

Essa presença permanente do juiz em todas as localidades também


deveria ser assegurada através da residência obrigatória do juiz na comarca,
determinada na Constituição e na Lei Orgânica da Magistratura, mas não observada
com o rigor necessário em muitos Estados, cujos magistrados a isso resistem, em
razão das precárias condições de moradia a que ficariam sujeitos, juntamente com
os seus familiares.

14.(Justiça ao alcance do cidadão) O juiz deve estar ao alcance dos


cidadãos, para providências urgentes, a qualquer dia e a qualquer hora. A própria
Lei Orgânica da Magistratura impõe ao juiz o dever de atender às partes
interessadas em qualquer horário.

Todavia, em muitas comarcas do Interior, normalmente não há juiz


presente nos fins de semana. E, mesmo durante a semana, em muitos Estados, o
juiz somente é encontrado nos dias de audiência, o que, em muitos casos, não
ultrapassa a um ou dois dias por semana.

No Direito das Ordenações, o juiz era obrigado a atender aos cidadãos


que espontaneamente o procurassem pelo menos em um dia da semana. Hoje
muitos juízes criam obstáculos a receber as partes e até mesmo os advogados, ou
permanecem no foro apenas nos horários de audiências e pelo tempo necessário
para despachar o seu expediente.

15.(Barreiras burocráticas) Quanto às barreiras burocráticas, ninguém ignora


o desaparelhamento da máquina judiciária, decorrente da má remuneração e da
falta de formação técnico-profissional dos serventuários e a inadequação da
estrutura judiciária para enfrentar a massa de feitos que lhe é submetida.

Despachos de expediente, que deveriam ser proferidos em dois dias,


demoram seis meses; a distribuição de um recurso, na Secretaria de alguns
tribunais, demora de um a dois anos; o Ministério Público retém autos para parecer
durante meses, o mesmo ocorrendo com muitos juízes, quanto às sentenças;
petições protocoladas demoram três a quatro meses para serem juntadas aos autos.

As vantagens de ser devedor, a inadimplência e a litigância de má-fé


das pessoas jurídicas de Direito Público estimulam a interposição de recursos
inviáveis, a produção de provas inúteis, a contestação de direitos incontestáveis,
sobrecarregando a Justiça, dificultando e retardando o acesso do cidadão ao pleno
gozo do seu direito.

16.(Um diálogo humano) Também é componente do acesso à Justiça, o


direito do cidadão, em qualquer processo, se necessário, entrevistar-se
pessoalmente com o juiz, não apenas para ser ouvido sobre o que lhe for
perguntado, mas para travar com o magistrado um diálogo humano. O processo
escrito e o excesso de trabalho conduziram a um progressivo distanciamento entre

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os juiz e as partes e à criação de resistência e dificuldades ao contato pessoal das


partes com o julgador.

17.(O papel do advogado) A análise das condições necessárias ao efetivo


acesso à Justiça não pode deixar de questionar o papel do advogado no moderno
processo judicial.

Exercendo a defesa técnica, sua presença firmou-se como


indispensável, para assegurar a plenitude de defesa.

Todavia, a sua contratação impõe ao cidadão um custo, nem sempre


necessário e nem sempre recuperável.

Na medida em que o processo se desformalize e em que se eleve a


consciência jurídica dos cidadãos, certamente decairá a necessidade imperiosa da
presença do advogado.

Nos Juizados Especiais, nas causas até 20 salários-mínimos, sua


presença é facultativa. Em muitas outras situações, deve ser reavaliada a sua
presença forçada.

18.(Competência do advogado) Mas, sem dúvida, nas causas em que a


parte, por imposição ou não da lei, constituir um advogado, este deve gozar de
absoluta competência e de total liberdade profissional, sem as quais a plenitude de
defesa não será mais do que uma garantia de fachada.

O exercício profissional por pessoas insuficientemente capacitadas é


apontado muitas vezes como justificativa da concessão de poderes inquisitórios ao
juiz.

Confrontada a triste realidade brasileira, em que muitos direitos


legítimos são postos a perder por incapacidade do advogado, que, inscrito na OAB,
está habilitado a patrocinar qualquer causa perante qualquer juízo ou tribunal, com
a elitização da profissão que existe em muitos países, nos quais o patrocínio de
causas em tribunais superiores é privilégio de alguns poucos advogados, ocorre-me
uma indagação: será que todos os advogados deveriam ser indistintamente
autorizados a patrocinar todos os tipos de causas perante quaisquer tribunais?

19.(Livre escolha do advogado pelo pobre) Na defesa do pobre em juízo,


é evidente a posição de desvantagem em que se encontra o beneficiário da
assistência judiciária gratuita, pela falta do vínculo de confiança entre ele e o seu
patrono.

Calamandrei, no seu famoso Processo e Democracia, sustentava que


o pobre deveria ter a mesma liberdade de escolha do advogado que tem aquele que
paga a remuneração do seu patrono.

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Em raros países, talvez em nenhum outro a não ser a Inglaterra, tem o


pobre esse direito de escolha, o que coloca o seu acesso à Justiça em plano de
bastante inferioridade em relação ao seu adversário.

As compensações que a lei processual eventualmente dá ao defensor


dativo do pobre (inexistência de confissão ficta, prazos em dobro, intimações
sempre pessoais), estão muito longe de suprir a desvantagem decorrente da
inexistência do direito de escolha e do vínculo de confiança.

20.(Assistência judiciária completa) Ainda no campo da assistência


judiciária, ainda mais se acentua a desvantagem do pobre num sistema em que
muitos atores indispensáveis do processo - advogados, serventuários, peritos - são
obrigados a servir sem qualquer remuneração.

Enquanto a lei brasileira não assegurar a remuneração módica de


todos esses sujeitos, por conta do Estado ou de um fundo público, como nas causas
da Justiça remunerada, não existirá igualdade de oportunidade entre os
beneficiários da gratuidade e os demais litigantes no acesso à Justiça.

21.(Contraditório efetivo) O acesso à Justiça, tal como é concebido


modernamente no contexto das garantias da eficácia concreta dos direitos
fundamentais, implica também na redefinição do alcance do princípio do
contraditório, como projeção processual do princípio político da participação
democrática; contraditório que não se resume ao direito de ser ouvido, mas que
impõe o direito de influir eficazmente na decisão, através de um diálogo jurídico que
construa uma ponte sobre o abismo de comunicação que separa a atividade das
partes de oferecer alegações e produzir provas e o seu reflexo sobre a inteligência
do juiz na qual se produz a decisão; contraditório que assegure às partes o direito a
pelo menos uma audiência oral, se por elas considerada necessária, possibilitando
a convivência humana espontânea com o juiz e o exercício da auto-defesa por meio
do chamado interrogatório livre; contraditório que trate as partes com efetiva
igualdade ou paridade de armas, de acordo com as circunstâncias da causa,
outorgando a ambas amplas possibilidades de influenciar a decisão; contraditório
com flexibilidade de prazos, cuja razoabilidade ou congruidade deve ser aferida em
cada caso.

22.(Justiça rápida) A Justiça como instrumento de garantia da eficácia dos


Direitos fundamentais somente cumprirá o seu papel através de decisões rápidas.

As Convenções Européia e Americana de Direitos Humanos se


referem ao direito a uma decisão rápida ou a uma decisão em prazo razoável.

Os direitos cujo gozo é protelado pela demora da Justiça são direitos


sem eficácia até que a proteção judicial se concretize.

Daí o apelo frenético à tutela de urgência, através das liminares e


tutelas antecipatórias, tão necessária em nossos dias.

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O único retardamento legítimo à proteção judiciária dos direitos é o


que decorre da necessidade impostergável de assegurar à parte contrária o mesmo
direito de acesso à Justiça através do pleno exercício do seu direito de defesa e de
assegurar ao juiz o tempo indispensável a uma cognição adequada.

23.(Juízes independentes e responsáveis) Mas talvez o mais árduo


desafio da Justiça do nosso tempo é a garantia de um tribunal independente,
consagrada em todas as declarações humanitárias.

Somente juízes independentes podem exigir dos demais Poderes do


Estado o respeito aos direitos subjetivos dos cidadãos, assegurando a convivência
de todos num verdadeiro Estado de Direito Democrático.

Mas juízes independentes não são juízes arbitrários e corruptos,


imunes a qualquer sanção, que se sobrepõem à lei, mas juízes obedientes à lei e
plenamente responsáveis civil, penal e disciplinarmente pelos abusos que
cometerem como quaisquer outros servidores públicos.

Cada Democracia deve engendrar o seu próprio sistema de


responsabilização dos juízes que concilie o binômio responsabilidade-
independência, sem que a hipertrofia de uma sacrifique a outra.

A independência não se assegura apenas com garantias formais ou


nominais. Assim, por exemplo, que valor tem a irredutibilidade de vencimentos como
garantia da independência, se os juízes suportam, frequentemente, em razão da
inflação, sucessivas perdas salariais e o reajuste de sua remuneração está
condicionado a lei de iniciativa do Executivo?

Por outro lado, que eficácia pode ter o controle disciplinar da conduta
dos juízes, se são os seus próprios pares que, muitas vezes com espírito
corporativo, o exercem, sem qualquer transparência?

24. (Juízes com responsabilidade social) Talvez os mais perniciosos riscos a que se
sujeitam os juízes em razão do excesso de trabalho, da rotinização das suas
atividades e da falta de estímulo ao desempenho qualitativo, são o conformismo e a
indiferença burocrática.

Os juízes precisam com frequência renovar a sua têmpera, avaliar o


desempenho do Judiciário e de si próprios e aferir se estão com eficiência
atendendo à demanda social por Justiça, inserindo nesse processo
necessariamente mecanismos de consulta pública e de participação democrática
que contribuam para o constante aprimoramento da sua atividade. Os cidadãos
precisam confiar no Judiciário como garantia da eficácia dos seus direitos e de uma
convivência social pacífica e justa. Essa confiança resulta menos do valor
intelectual dos juízes e da erudição das suas decisões, e mais da consciência dos
cidadãos de que o Judiciário de fato assume a responsabilidade de buscar com todo
o empenho a realização daqueles objetivos, enfrentando e superando todos os
obstáculos que se antepõem e colocando-se efetivamente à disposição de todos
que dele necessitam.

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25.(Necessidade de tutelas diferenciadas)


Protelações decorrentes da ineficiência da máquina judiciária, da falta de
formação adequada de juízes e serventuários, do excesso de processos, são
ilegítimas e inaceitáveis, induzindo muitos cidadãos a buscar justiça pelas próprias
mãos, o que devolve os seres humanos à Pré-História e à lei do mais forte,
desestimulando outros da luta pelo Direito.

Muitos direitos se perdem porque os seus titulares não estão dispostos


a lutar por eles, conscientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a proteção
judiciária tardia, ou, até, de que os ônus e sofrimentos da perseguição do direito
sobrepujarão o benefício da sua conquista.

O salto qualitativo que deve dar a Justiça, como serviço público


essencial, talvez não esteja ao alcance dos meios de que para esse fim pode dispor
o Estado, num país pobre como o Brasil.

Por isso, mais do que em países ricos, o acesso à Justiça dependerá


em grande parte da estruturação e fortalecimento de várias modalidades de tutela
jurisdicional diferenciada.

A tutela diferenciada abrange os meios alternativos de solução de


conflitos, como a mediação, a arbitragem e a justiça interna das associações.

26.(Mediação) A mediação vem progredindo no Brasil como


consequência da crise da administração da Justiça, seja na figura dos conciliadores
ou juízes leigos dos juizados especiais, seja na dos chamados juizados informais.
Recentemente, a lei criou a conciliação prévia das causas trabalhistas nas
empresas ou sindicatos. O sucesso desses mecanismos, voluntários ou
compulsórios, dependerá fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua
aptidão de gerar soluções que satisfaçam aos contendores.

27.(Arbitragem) A arbitragem foi objeto de lei modernizadora, a Lei


9.307/96, com pouco reflexo na prática, em face da resistência da sociedade
brasileira em dela fazer uso. Essa resistência se justifica não apenas pela falta de
tradição na sua utlização, mas também pela inflexibilidade da lei que, em busca de
um modelo ideal (solução extrajudicial sem reexame de mérito pelo Judiciário),
acaba por desencorajar aqueles que não estão dispostos a dar um salto no escuro,
correndo o risco de perder o seu direito sem a possibilidade de qualquer revisão
judicial. A experiência de outros países, especialmente dos Estados Unidos, deveria
levar-nos a admitir alternativas menos rígidas de arbitragem, inclusive para que a
ela tenham acesso sujeitos de relações jurídicas caracterizadas pela desigualdade
entre os que delas participam, como relações trabalhistas e de consumo.

28.(Justiça interna das associações) A justiça interna das associações


existe apenas no âmbito das entidades esportivas.

O estímulo ao uso desse meio deve fazer parte da educação para a


cidadania, como instrumento de valorização do espírito associativo e da

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Artigo de Leonardo Greco

preservação dos valores e objetivos culturais, religiosos, sociais, regionais e tantos


outros que unem pessoas integrantes de grupos específicos.

29.(Outras modalidades de tutela diferenciada) A tutela diferenciada abrange,


ainda, os juizados especiais para causas de menor complexidade, os juízes de paz
e juízes leigos, e a adoção pela lei processual de procedimentos concentrados de
cognição sumária.

É característica essencial da tutela diferenciada a sua utilização


opcional ou facultativa, pois muitos desses meios não se revestem das garantias
habituais dos magistrados ou não se prestam à ampla discussão de todas as
matérias de fato e de direito que poderiam ser alegadas num processo mais amplo.

Para que a tutela diferenciada se consolide é necessário que, além da


confiabilidade das decisões, ela apresente vantagens acentuadas em relação à
jurisdição comum, quanto à rapidez, informalidade, e ao custo.

30.(Juizados Especiais) Os Juizados Especiais vêm alcançando esses


objetivos, embora não se possa afirmar que esses resultados persistirão, pois
mantida a mesma estrutura cartorária da justiça comum, a tendência já verificada
em alguns casos é a de perda de celeridade com enorme desestímulo ao uso desse
meio.

A próxima instalação dos Juizados Especiais Federais ampliará


certamente o acesso à Justiça e acelerará decisões e a respecitva execução em
matérias de grande relevância social, como as dos pagamentos de benefícios da
Seguridade Social.

31.(Juízes de paz e juízes leigos) Os juízes de paz e juízes leigos, previstos


na Constituição, não têm qualquer poder decisório, o que limita o alcance da sua
atuação, que poderia ser muito mais amplo, no sentido de uma justiça coexistencial,
provida por membros da própria comunidade, conforme sugerido por Cappelletti.

Aliás, a gravidade da crise da Justiça e os obstáculos ao acesso à


Justiça no Brasil impõem que se suscite o debate sobre a conveniência da
manutenção do sistema de juízes exclusivamente profissionais entre nós adotado.

32.(Procedimentos de cognição sumária) Quanto aos procedimentos de


cognição sumária, a única experiência recente foi a fracassada ação monitória, cuja
contestação, chamada de embargos, conduz ao rito ordinário, com custas, com
advogado e com embargos suspensivos da execução, enfim, sem vantagem prática
palpável em relação ao procedimento comum.

33.(Reforma processual) Tão urgente quanto a ampliação da tutela


diferenciada é uma reforma processual humanizadora, apta a munir o juiz de todos
os meios necessários a enfrentar os desafios do nosso tempo, capaz de prevenir e
de equacionar com celeridade e baixo custo os chamados litígios do contencioso de
massa, que introduza nas ações coletivas procedimentos probatórios próprios, como
as audiências públicas e a intervenção voluntária técnica, para levar em conta o

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pluralismo social, e permitir que o juiz exerça com segurança as novas


responsabilidades gerenciais e normativas que certos direitos de terceira ou quarta
geração depositam nas suas mãos.

Em outras ocasiões tenho feito sugestões concretas no sentido da


modernização dos processos de conhecimento, de execução e cautelar, no âmbito
do Processo Civil, que tem sido o objeto do meu magistério e da minha prioritária
reflexão, bem como da própria Constituição, que me parecem indispensáveis à
efetividade do processo, como instrumento de garantia dos direitos dos cidadãos.

34.(Reforma da Constituição) Na Constituição, conviria abrir espaço à


flexibilização legislativa através da modificação dos artigos 22-I e 24-XI, permitir a
composição de juizados especiais apenas com juízes leigos e dar poder jurisdicional
aos juízes de paz (art.98), modificar o artigo 100 para acabar com o imoral sistema
de pagamento das condenações da Fazenda Pública através de precatórios,
eliminar as exigências de exequatur e homologação das cartas rogatórias e
sentenças estrangeiras, especialmente no âmbito de tratados de integração; e
subordinar as decisões judiciais à jurisdição internacional, especialmente em
matéria de Direitos Humanos e no âmbito de tratados de integração.

35.(Reforma do processo de conhecimento) No processo de


conhecimento, voltaria a apontar: a privatização dos atos de comunicação: citações
e intimações; a desjurisdicionalização de inúmeros procedimentos especiais, como
o arrolamento, a separação e o divórcio consensual; a transferência da ação
monitória para os juizados especiais, reduzida a dilação probatória exclusivamente
à prova documental; a antecipação da conciliação para o momento inicial do
processo, com a participação de juízes de paz ou leigos; desenvolvimento da
conciliação extrajudicial paralela à marcha do processo judicial; o estímulo à
conciliação, nos moldes da legislação canadense, com a elevação dos encargos da
sucumbência se o resultado do processo não iguala ou ultrapassa a proposta não
aceita; a criação de astreintes endoprocessuais; a eliminação do efeito suspensivo
da apelação, salvo em caráter cautelar, verificados os pressupostos caso a caso; a
progressividade dos juros moratórios, nas ações condenatórias; a desistência da
ação e o reconhecimento do pedido sem os encargos da sucumbência; o julgamento
antecipado definitivo da parte incontroversa; eliminação do reexame necessário;
eliminação dos privilégios da Fazenda Pública.

36.(Reforma da execução) No processo de execução, apontei: a necessidade


de especialização da competência; mais intensa descentralização dos atos
ordinatórios; a indisponibilidade genérica de todos os bens do devedor enquanto
não garantida a execução pela penhora; a eliminação de atos desnecessários,
como a avaliação; a reforma dos embargos do devedor para impedir a sua utilização
com objetivo procrastinatório e ampliar a possibilidade de defesa do devedor; a
criação de mecanismo que facilite ao credor informações sobre a localização dos
bens do devedor; a eliminação da impenhorabilidade de certos bens; a eliminação
de sucessivas intimações por editais do devedor remisso; a extensão da multa
diária do artigo 287 a todos os pedidos condenatórios; a atribuição do cumprimento
das obrigações de fazer infungíveis a um executor judicial; a solução de incidentes
da execução, como a penhora e a ausência de licitante na arrematação, em

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audiência; a supressão da liquidação, com a concentração de toda a atividade


cognitiva em um único procedimento; a dispensa de sucessivas intimações
pessoais; a busca de alternativas para a arrematação, muitas vezes ruinosa para o
devedor; a simplificação da execução para entrega de coisa; a eliminação das
restrições à execução provisória.

37.(Reforma do processo cautelar) No processo cautelar, a par de


conciliar a inevitável confusão entre a tutela antecipada e as medidas cautelares,
conviria flexibilizar a contra-cautela do artigo 805, não mais limitando-a à prestação
de caução; a cumulação obrigatória da medida cautelar com a ação principal, nas
ações satisfativas; a dispensa do prazo para a ação principal; a instituição de
audiência de convalidação imediatamente subsequente à concessão de liminar
inaudita altera parte; a especialização da competência para as medidas cautelares;
a propositura da medida cautelar no local onde deva ser efetivada; a redução ou
eliminação das medidas típicas para adequar o processo cautelar à tutela
necessária do direito material.

38.(Jurisdição constitucional) Não é possível falar de acesso à Justiça na


vida democrática contemporânea sem mencionar o acesso à jurisdição
constitucional.

Apesar da ampliação do contencioso constitucional pela Constituição


de 1988, há insuficiências flagrantes, algumas decorrentes da própria Carta Magna,
outras das interpretações restritivas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Cappelletti, em Jurisdição Constitucional das Liberdades, assinalou a


relevância para a eficácia dos direitos individuais de um sistema de controle de
constitucionalidade que assegure o amplo acesso, autônomo e incidental, de
qualquer cidadão ao Tribunal Constitucional, como ocorre na Alemanha, através da
Verfassungsbeschwerde.

Lamentavelmente, no Brasil, o cidadão somente tem acesso ao


controle difuso, pela via do recurso extraordinário, reservado o controle concentrado
a certas autoridades e entidades de classe de âmbito nacional, como a OAB e as
confederações sindicais.

Muitos direitos individuais constitucionalmente assegurados não


receberam a devida e oportuna proteção pela impossibilidade de acesso direto do
cidadão ao Supremo Tribunal Federal, como ocorreu com o bloqueio de cruzados
pelo Plano Collor, em 1990.

As limitações ao mandado de injunção e à inconstitucionalidade por


omissão, conforme a jurisprudência do STF, praticamente tornaram inócua essa
garantia constitucional.

As recentes leis 9868 e 9882/99, apesar dos aprimoramentos técnicos,


não progrediram no sentido de facilitar o acesso dos cidadãos ao controle
concentrado de constitucionalidade, tendo sido vetado pelo Executivo o dispositivo

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que facultava a propositura por qualquer cidadão da Arguição de Descumprimento


de Preceito Fundamental.

O controle concentrado não pode ser conclusivo quando a


inconstitucionalidade é rejeitada, porque o STF não exerce cognição exaustiva
sobre todas as possíveis razões de contestação da lei em face da Constituição.
Para que esse controle não se transforme em instrumento autoritário e inibidor da
garantia do primado da própria Constituição, impõe-se eliminar o efeito vinculante
da decisão declaratória da constitucionalidade ou da rejeição da
inconstitucionalidade.

39.(Conclusão) Tudo isto exposto e ressalvando a omissão deliberada


das observações que a análise do tema poderia suscitar no processo penal, resulta
a minha convicção de que a concretização do acesso ao Direito e do acesso à
Justiça no Brasil será uma obra ciclópica, a ser construída coletivamente por
juristas, educadores, administradores e legisladores.

A magnitude dessa obra exige que comecemos a executá-la já.

Atingimos um estágio de desenvolvimento do Direito Humanitário que


não mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padrão de
convivência humana que outras nações já alcançaram.

Certamente será obra de mais de uma geração. Mas, se trabalharmos


com firmeza, certamente os jovens de hoje poderão legar aos seus descendentes
um país melhor e uma sociedade mais justa e democrática.

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2001

Bibliografia básica

-Piero Calamandrei, Processo e Democrazia, in Opere Giuridiche, v.1, 1965, p. 618


e ss.
-Nicolò Trocker, Processo Civile e Costituzione, Giuffrè, Milano, 1974, ps.91/157.
-Augusto M. Morello, El moderno derecho procesal, in “Estudios de Derecho
Procesal - Nuevas Demandas, Nuevas Respuestas”, vol.I, Abeledo-Perrot, Buenos
Aires, 1998, págs.13/22.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

GRECO, Leonardo. O acesso ao Direito e à Justiça. Disponível na Internet:


<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em xx de xxxxxxxx de xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site)

Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 31.01.2003

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