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Introdução ao comportamento não linear de estruturas

Manuel Ritto Corrêa

Conteúdo
1 Introdução 3
1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas? . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Análise linear versus análise não linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Objetivos e organização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais 7


2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais . . . . . 7
2.2 Tração e flexão elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.1 Material elastoplástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.2 Esforço axial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.3 Momento fletor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2.5 Flexão composta elastoplástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.6 Diagrama de interação de uma secção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto em
fundações diretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.4.1 Curva momento-curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.5 O conceito da rótula plástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução . . . . . . . . . . . . . 26

3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas 29


3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última . . . . . . . . 29
3.2 Estruturas isostáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.3 O comprimento da zona plastificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.6 Descargas e esforços e reações residuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4 Análise limite de estruturas elastoplásticas 45


4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.3 O teorema cinemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível . . . . . . . . . . 48
4.5 O teorema estático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
4.7 Exemplos de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

1
4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.9 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

5 Comportamento geometricamente não linear 61


5.1 O conceito de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
5.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
5.2.1 Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias . . . . . . . . . 66
5.2.3 Efeito das imperfeições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação . . . . . . . 68
5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas . . . . . . . . . 68
5.4 Encurvadura de colunas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.4.1 Equação diferencial de estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.4.2 Coluna de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
5.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso . . 73
5.4.4 Outras condições de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.4.5 A coluna encastrada-apoiada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
5.4.6 Coluna encastrada-livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.4.7 Comprimento de encurvadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

2
1 Introdução
1.1 Porquê estudar o comportamento não linear das estruturas?
A natureza é não linear. Mas a nossa forma de pensar tende a ser linear. Isto não é necessa-
riamente um inconveniente, já que a linearização de um problema permite-nos enfrentar pro-
blemas complexos e encontrar soluções através da sobreposição de resultados conhecidos de
problemas simples.
No campo das estruturas, a análise linear permite-nos obter uma aproximação do compor-
tamento real das estruturas a qual nos ajuda a compreender o seu modo de funcionamento.
É apenas natural que a concepção de estruturas vá buscar inspiração ao seu comportamento
linear. Mesmo o dimensionamento e a verificação da segurança foram durante muito tempo
essencialmente baseados na análise elástica linear e no conceito de tensão de segurança.
Mas existem vários inconvenientes no dimensionamento elástico de estruturas. Por um lado,
pode conduzir ao sobredimensionamento das peças estruturais e desse modo não ser económico.
De facto, as estruturas constituídas por materiais dúcteis como o aço apresentam geralmente
uma reserva de resistência para além do limite elástico, a qual depende de muitos factores tais
como o seu grau de estatia ou a forma das secções transversais. Um dos principais inconve-
nientes do dimensionamento elástico é que essa reserva nunca é explicitamente considerada e
muito menos quantificada. O modo de colapso também não é conhecido, tornando muito difícil
avaliar o desempenho de uma estrutura face a acções de extrema intensidade.
Por outro lado, existem situações, tais como a instabilidade de colunas esbeltas, onde os
resultados de uma análise linear diferem muito do comportamento real da estrutura, sendo
fundamental a consideração de uma análise geometricamente não linear para a verificação da
segurança.
Por estas razões, hoje em dia, a verificação da segurança de estruturas deve ter em conta
diversos aspetos do comportamento não linear de estruturas, os quais estão incorporados nos
modernos regulamentos de estruturas.

1.2 Análise linear versus análise não linear


A análise linear de estruturas assenta num conjunto de hipóteses que se traduzem por relações
lineares entre as diversas grandezas em jogo. Esta relações lineares podem ser observadas quer
no contexto da teoria da elasticidade, aplicada aos corpos encarados como contínuos defor-
máveis, quer no contexto de teorias estruturais, tais como a teoria das peças lineares (vigas,
estruturas reticuladas) ou teorias de peças laminares (placas, lajes ou cascas).
Assim, na teoria da elasticidade linear, admitem-se (i) relações deformações-deslocamentos,
onde o campo de deformações depende linearmente do campo de deslocamentos, (ii) relações
constitutivas, onde as tensões são proporcionais às deformações e (iii) equações de equilíbrio,
que são equações lineares envolvendo o campo de tensões e as cargas aplicadas. Verificada a
linearidade de todas estas equações1 — e admitindo que existam condições de fronteira sufici-
entes para impedir movimentos de corpo rígido — pode demonstrar-se que a solução existe e é
única. É também válido o princípio da sobreposição segundo o qual a resposta do corpo a uma
combinação linear de acções exteriores pode ser obtida através da mesma combinação linear
das respostas do corpo à atuação isolada de cada uma das acções exteriores.
A teoria das peças lineares pode ser encarada como a especialização da teoria da elasticidade,
através da adopção de algumas hipóteses complementares sobre os campos de deslocamentos
(hipótese de Bernoulli) e de tensões (hipótese de Navier), o que permite lidar com grandezas
de domínio unidimensional: deslocamentos e rotações do eixo da peça, deformações ao nível
1
É importante observar que são as equações que são lineares, e não a variação das diversas grandezas ao longo
do corpo. A teoria ser linear significa simplesmente que, por exemplo, se multiplicarmos por 2 as cargas aplicadas,
então os deslocamentos as deformações e as tensões deverão também ser multiplicadas por 2.

3
da secção transversal (extensão, curvatura, etc), esforços (esforço axial, momento fletor, etc) e
cargas atuando no eixo da peça. Uma estrutura com comportamento linear — onde as relações
entre as diversas grandezas unidimensionais são todas lineares — herda as propriedades referi-
das no parágrafo anterior para o caso de um corpo contínuo. Em particular, a solução existe e
é única — admitindo evidentemente que estão impedidos movimentos de corpo rígido, o que é
sempre verdade em estruturas não hipostáticas e sem ligações mal distribuídas. Continua tam-
bém válido o princípio da sobreposição, o qual é aliás vital na construção de métodos de análise,
tais como o método das forças.
A linearidade destas equações é, bem entendido, uma aproximação ao comportamento real
das estruturas o qual é, de facto, não linear. De um modo geral, a aproximação linear faz sentido
até um determinado nível de solicitação, a partir do qual é inevitável a consideração de análises
mais realistas as quais deverão incorporar, pelo menos, os efeitos não lineares mais relevantes
para o problema em análise. Em qualquer dos casos, a primeira abordagem de um determinado
problema deverá sempre passar por uma análise linear, que serve de referência e orientação na
realização das análises não lineares mais complexas.
Existem muitos aspetos não lineares que podem ou não ser contemplados numa dada análise
e, além disso, existem muitas formas de modelar cada um desses aspetos, recorrendo a mais ou
menos idealizações/simplificações. Isto leva a que por vezes se diga «análise linear há só uma,
análises não lineares há muitas». Mas qualquer análise não linear é manifestamente mais com-
plexa que uma análise linear. Basta pensar que a solução de um dado problema estrutural não
linear pode não existir ou ser múltipla, ou que deixa de ser válido o princípio da sobreposição.
É habitual e conveniente agrupar as fontes de não linearidade do comportamento estrutural
em dois tipos:2

não linearidade física (ou material) — sempre que o material não possa ser considerado elás-
tico linear, ou seja, quando as tensões/esforços não dependem linearmente das deforma-
ções.

não linearidade geométrica — (i) quando não se verifica a hipótese dos pequenos desloca-
mentos, sendo necessário considerar uma relação não linear entre deformações e desloca-
mentos e/ou (ii) quando nas equações de equilíbrio existem termos não desprezáveis aco-
plando tensões/esforços/cargas com deslocamentos, o que equivale a dizer que a escrita
das equações de equilíbrio deve ser feita na configuração deformada do corpo/estrutura.

1.3 Objetivos e organização


Neste texto de introdução ao comportamento não linear de estruturas, pretende-se abordar os
conceitos base em jogo, mantendo-se a exposição tão simples quanto possível. Assim considera-
-se separadamente cada um dos tipos de não linearidade acima referidos. Em ambos os casos,
o contexto é o de estruturas reticuladas planas, constituídas por peças lineares de secção trans-
versal simétrica, continuando a admitir-se a validade das hipóteses de Bernoulli e de Navier.
Admite-se ainda que apenas as tensões normais longitudinais são importantes, pelo que apenas
é necessário considerar uma relação constitutiva uniaxial.
As secções 2 a 4 incidem essencialmente sobre a não linearidade física associada ao com-
portamento elastoplástico do aço estrutural. Começa-se por estudar o comportamento das sec-
ções transversais, identificando-se esforços de plastificação (com e sem interação de esforços).
Deduzem-se relações constitutivas ao nível da secção transversal, dando-se particular atenção
à relação momento-curvatura em flexão simples e ao conceito de rótula plástica. Depois, na
secção 3, aborda-se a análise incremental de estruturas, sujeitas a perfis de carregamento,
identificando-se conceitos chave tais como carga de cedência e carga última. A secção 4 des-
2
Estas categorias não são exaustivas. Outra fonte importante de não linearidade advém do contacto entre corpos.

4
creve a análise limite do mesmo tipo de estruturas, que permite o cálculo da carga de colapso
com base no equilíbrio e num conjunto de teoremas.
Na secção 5 faz-se uma introdução à não linearidade geométrica, estudando-se primeiro
a estabilidade de modelos de barras rígidas e molas e depois o fenómeno da encurvadura de
colunas.

Nota:
Estas folhas foram inicialmente preparadas para apoio da unidade curricular de Resistên-
cia de Materiais 2 do ano de 2015/2016, de acordo com o currículo pós-Bolonha que re-
monta a 2007/2008, adotando a reorganização de capítulos introduzida a partir do ano letivo
2010/2011.
Esta segunda versão foi aumentada para refletir as alterações curriculares introduzidas no
ano de 2016/2017. A principal alteração é a inclusão do capítulo referente à análise limite, mas
foram introduzidas outras alterações pontuais (o diagrama de interação de uma secção em T, a
consideração de barras heterogéneas à tração, a análise incremental de uma treliça).
O autor agradece aos professores José Moitinho de Almeida, António Pinto da Costa e Pedro
Borges Dinis a ajuda na revisão do texto.

5
6
2 Comportamento fisicamente não linear de secções transversais
2.1 Equações que regem o comportamento não linear de secções transversais
Considere-se uma peça linear (viga, pilar), de eixo longitudinal x3 coincidente com o centro de
gravidade das secções transversais. Admite-se que a secção transversal é simétrica em relação
ao eixo vertical x2 . A secção transversal tem área A e momento de inércia I = I11 em relação
ao eixo x1 .
O material é não linear, devidamente caracterizado por uma lei constitutiva uniaxial conhe-
cida
σ33 = σ33 (ε33 ) (1)
Para já, admite-se que a forma desta função pode ser qualquer — o que é sugerido pela curva
genérica representada na figura 1. Observe-se que para esta caracterização estar completa é
também necessário saber como se processam as descargas.
σ33

ε33

Figura 1: Lei constitutiva uniaxial de um material não linear genérico.

Considere-se uma secção transversal submetida à flexão composta reta, isto é à atuação de
um esforço axial (ou esforço normal) N e de um momento fletor M = M1 , tal como represen-
tado na figura 2. Admitindo-se a hipótese de Bernoulli, pela qual as secções se mantêm planas,
o deslocamento axial u3 será uma função linear de x2 , o mesmo se passando com a extensão
longitudinal ε33 . Tem-se então
x2
ε33 = εG + (2)
R
onde εG representa a extensão longitudinal medida sobre o eixo da peça (isto é para x2 = 0) e
1
R é a curvatura da peça (em torno do eixo x1 ).
Admitindo conhecidos estes dois parâmetros, εG e R1 , e admitido que o carregamento da
secção é feito de modo a que a extensão ε33 de cada ponto aumente monotonamente — sem
descargas, portanto —, então a distribuição de tensões em toda a secção é facilmente determi-
nada recorrendo às equações (1) e (2). Finalmente, os esforços N e M1 podem ser obtidos por
integração na secção transversal,
Z Z
N= σ33 dA M= σ33 x2 dA (3)
A A

− M
LN
LN εG ⇒
G N
x1 x3
1
1 +
R

x2 x2 ε33 = εG + x2
σ33 (ε33 )
R

Figura 2: Flexão (composta) não linear de uma secção transversal.

7
Este processo de obter os esforços a partir dos parâmetros de deformação, utilizando suces-
sivamente as equações (1), (2) e (3), está ilustrado na figura 2 e pode ser condensadamente
escrito como
1 1
N = N (εG , ) M = M (εG , ) (4)
R R
Mais difícil, mas também mais interessante, é o problema inverso: conhecidos os esforços
atuantes N e M determinar os parâmetros de deformação εG e R1 e a correspondente distribuição
N
de tensões. Ao contrário do que acontece no caso elástico, onde se tem εG = EA e R1 = EI
M
,
no caso geral de um material não linear não costuma haver solução analítica, sendo necessário
resolver o sistema de equações não lineares (4) por métodos numéricos (iterativos). Este tipo
de análise está fora do âmbito do presente texto.

2.2 Tração e flexão elastoplástica


2.2.1 Material elastoplástico
Considere-se agora que o comportamento do material é descrito pelo modelo «elástico - perfei-
tamente plástico», ou simplesmente elastoplástico, representado na figura 3. Este modelo admite
que o comportamento é elástico linear para valores de tensão inferiores em módulo à tensão de
cedência σc e totalmente plástico quando o módulo da tensão é igual à tensão de cedência.
Este modelo constitutivo simples é adequado para modelar o comportamento do aço no
contexto da análise de estruturas, mas é importante ter a noção que constitui uma idealização
do verdadeiro comportamento do aço macio, cuja curva tensão-deformação é caracterizada por
um patamar de cedência finito seguido pelo endurecimento e estricção. A consideração de um
patamar de cedência indefinido é uma idealização que se justifica atendendo à boa ductilidade
exibida pelos aços.
A figura 3 também ilustra que as descargas a partir do patamar de cedência se processam
elasticamente. A deformação recuperada é deformação elástica, enquanto a deformação que
fica após descarga completa se designa por deformação plástica.
σ33
σc

E
1 ε33

−σc

Figura 3: Lei constitutiva uniaxial de um material elástoplástico.

Analisem-se de seguida as consequências desta relação constitutiva, quando uma secção é


submetida à acção isolada de um esforço axial ou de um momento fletor. Em ambos os casos,
estamos interessados em determinar o esforço de cedência — valor correspondente à primeira
cedência no material —, e o esforço de plastificação — valor correspondente à plastificação com-
pleta da secção. O esforço de cedência é importante porque assinala o fim do regime elástico,
sendo assim o limite de aplicabilidade da teoria linear. Por outro lado, o esforço de plastificação
em materiais elastoplásticos é o maior esforço que a secção é capaz de suportar.

2.2.2 Esforço axial


Admitindo-se uma secção homogénea, no caso de um esforço axial tem-se sempre um diagrama
de tensões uniforme, σ33 = N
A , como se mostra na figura 4. Assim, existe coincidência entre o

8
N < Np N = Np N
Np = Nc

EA
G 1 ε
x1 + +

−Np
x2 σ < σc σ = σc

Figura 4: Tensões σ33 para a atuação de um esforço axial crescente.

esforço normal de cedência Nc e o esforço normal de plastificação Np ,

Nc = Np = Aσc (5)

pelo que o diagrama N (ε), também representado na figura, é semelhante ao diagrama σ(ε) da
relação constitutiva. Como se verá, esta coincidência entre Nc e Np não existe em geral no caso
de secções heterogéneas, onde as cedências dos vários materiais ocorrem para valores de N
diferentes.
Se o esforço normal é constante ao longo de uma barra, de secção transversal também cons-
tante, a deformação plástica pode ocorrer em qualquer secção. É aliás o que acontece num
ensaio de tração uniaxial, onde, na cedência, é possível observar uma zona onde se localizam
as deformações plásticas, zona essa que se propaga depois progressivamente pelo provete com-
pleto. Do ponto de vista do comportamento estrutural de um tirante, é indiferente a distribuição
das deformações ao longo da barra, pelo que, muitas vezes, se prefere representar a relação
constitutiva axial na forma N (∆l), em vez da forma N (ε).
Embora este texto se foque essencialmente em secções homogéneas, é interessante discutir
o comportamento à tração de uma barra heterogénea constituída pela associação em série de
materiais elastoplásticos.3
A barra representada na figura 5 é constituída por dois materiais, ambos de comportamento
elastoplástico, caracterizados pelos respetivos módulos de elasticidade, E1 e E2 , e pelas respeti-
vas tensões de cedência σc1 e σc2 . Admite-se que a aderência entre os materiais é perfeita, pelo
que a extensão longitudinal é uniforme na secção transversal. A barra está submetida a um es-
forço axial N aplicado no centro (de rigidez) da secção. Note-se que se admite que a geometria
da secção é bi-simétrica, incluindo no que diz respeito à distribuição dos dois materiais, de modo
a que o único esforço não nulo seja a tração, independentemente da ocorrência de plastificação
em qualquer dos materiais.
Enquanto a barra se comporta elasticamente, o valor da extensão longitudinal é dado por
N
ε = Pn (6)
i Ei Ai

Impondo que a tensão em cada material seja inferior à respetiva tensão de cedência, facilmente
se conclui que o esforço normal de cedência é dado por
n
  !  
σci X σci
σi = Ei ε ≤ σci ⇒ ε ≤ min ⇒ Nc = Ei Ai min (7)
i Ei i Ei
i

Note-se que o primeiro material a ceder não é necessariamente o de menor tensão de cedência,
mas sim, aquele que apresenta uma menor deformação de cedência εi = σEcii .
3
Esta discussão tem um interesse algo académico, uma vez que as secções heterogéneas mais interessantes do
ponto de vista prático — as secções de betão armado — incluem um material (o betão) cujo comportamento não é
elastoplástico.

9
σ 1
N
σc1
E1 2
σc2 1
E2
1 ε
N
Np
1 Nc
2 P
Ei Ai
N 1 ε

Figura 5: Barra heterogénea à tração.

Após a cedência de um dos materiais, todo o acréscimo do esforço axial é absorvido pelo
outro material, ainda a trabalhar elasticamente. Quando finalmente este atinge a cedência, toda
a secção transversal está plastificada, sendo o correspondente esforço normal de plastificação
dado por
n
X
σi = σci ⇒ Np = Ai σci (8)
i

Para a secção heterogénea, o diagrama N (ε) é caracterizado por vários troços lineares, tal
como seP mostra também na figura 5. No primeiro troço o declive é dado pela rigidez axial
elástica ni Ei Ai , no segundo troço o declive é menor (só é contabilizada a contribuição para
a rigidez do material ainda em regime elástico) e no troço final o declive é nulo. Se em vez
de dois materiais, a secção for constituída por n materiais, aumenta naturalmente o número de
troços que formam o diagrama N (ε), mas note-se que, atendendo à forma como foram escritas,
as expressões apresentadas para Nc e Np conservam a validade.

2.2.3 Momento fletor

No caso da atuação de um momento fletor, a evolução do diagrama de tensões é mais compli-


cada, mesmo no caso de uma secção homogénea, tal como se representa na figura 6.

M < Mc M = Mc Mc < M < M p M = Mp

−σc −σc
− − − − −
LNp
LN LN
G LNe LNe
x1
+
v +
+
+ +

x2 σ < σc σ = σc σc σc σc

Figura 6: Tensões σ33 para a atuação de um momento fletor crescente.

Enquanto toda a secção permanece no domínio elástico, isto é, para 0 < M < Mc , o di-
agrama de tensões é linear σ33 = M
I x2 e a linha neutra coincide com o eixo x1 , passando,

10
portanto, no centro de gravidade G. Quando o momento é exatamente igual ao momento de
cedência Mc , o diagrama de tensões ainda é triangular, e o seu valor na fibra mais afastada da
linha neutra é, em módulo, igual à tensão de cedência. Designando por v a distância da fibra
mais afastada à linha neutra, tem-se então σc = MI c v pelo que o momento de cedência Mc é

I
Mc = W σc W = (9)
v
Nesta expressão, W designa-se por módulo de flexão elástica e é uma característica geométrica
da secção, vindo expresso em m3 .
Para valores do momento superiores ao momento de cedência, a distribuição de tensões
apresenta regiões onde a tensão é igual em valor absoluto à tensão de cedência, refletindo desse
modo o diagrama tensão-deformação da relação constitutiva elastoplástica. Para secções bi-
simétricas, a ocorrência de cedências não implica a mudança de posição da linha neutra. Mas,
se a secção não for bi-simétrica (como é sugerido na figura 6), a linha neutra deixa em geral
de passar no centro de gravidade, devendo a sua posição ser determinada com base na equação
N = 0 (estamos, no final de contas, a estudar o comportamento à flexão pura). À medida
que o valor do momento continua a aumentar, a região da secção que se conserva no domínio
elástico diminui progressivamente. No limite, quando M = Mp , a secção encontra-se totalmente
plastificada e não pode suportar qualquer acréscimo de momento.
−σc
A− A− σc
y − − M
G LNp ⇒ ⇒
x1 y+ A+ σ c
+
+
A

x2 σc

Figura 7: Determinação da linha neutra plástica e do momento de plastificação.

A determinação do valor do momento plástico Mp é muito facilitada pelo facto de, na situação
limite, toda a secção estar plastificada. Então, como se mostra na figura 7, admitindo um
momento positivo, todos os pontos abaixo da linha neutra plástica estão tracionados com σ = σc
enquanto todos os pontos acima dessa linha estão comprimidos com σ = −σc . Designando por
A+ e A− as áreas tracionada e comprimida, respetivamente, a equação de esforço normal nulo,
leva a concluir que
A
N = A+ σc − A− σc = 0 ⇒ A+ = A− =
2
Ou seja, a linha neutra plástica deve dividir a secção transversal em duas áreas iguais.
Para calcular o valor do momento plástico, basta observar que a resultante das tensões de
compressão e de tração devem passar, respetivamente, nos centros de gravidade das áreas com-
primidas e tracionadas, localizados a distâncias y − e y + da linha neutra plástica. Para além
disso, em flexão simples, é indiferente qual o eixo em relação ao qual se calcula o momento
resultante, sendo geralmente mais prático calculá-lo em relação à linha neutra plástica. Tem-se
então, as seguintes expressões alternativas

Mp = A+ σc y + + A− σc y − = σc A+ y + + A− y − = σc SLN +
 
+ SLN

ou, simplesmente,
+ −
Mp = Zσc Z = SLN + SLN (10)

11
onde o módulo de flexão plástica Z é dado pela soma dos momentos estáticos das áreas traciona-
das e comprimidas, calculados em valor absoluto em relação à linha neutra plástica. Tal como
o seu homónimo elástico, o módulo de flexão plástica é também uma característica geométrica
da secção e expressa em unidades de comprimento ao cubo (m3 , por exemplo).
Define-se como factor de forma f a razão entre o momento plástico e o momento de cedência,
a qual, como facilmente se mostra é também a razão entre os módulos de flexão plástica e
elástica,

Mp Zσc Z
f= = =
Mc W σc W

O factor de forma depende assim apenas da forma da secção (o que justifica o seu nome), é
sempre maior ou igual a 1, e dá uma indicação da reserva de resistência pós-cedência.
Por último, refira-se que a curva momentos curvaturas deverá ser da forma apresentada na
figura 8, qualquer que seja a forma da secção transversal. Até ao momento de cedência Mc a
relação é linear, com declive EI. A partir de Mc , o declive vai-se reduzindo, à medida que as
zonas plastificadas vão alastrando e o momento de plastificação Mp é atingido apenas assin-
toticamente para curvaturas infinitas. Na secção 2.4.1, mostra-se como se pode determinar a
expressão analítica desta curva, no caso concreto (e simples de calcular) de uma secção retan-
gular.

M
Mp
Mc
EI 1
1 R

−Mc
−Mp

Figura 8: Relação momentos curvatura de uma secção elastoplástica.

2.2.4 Exemplos de determinação de Mc e Mp

Com o auxílio da figura 9, determinamos os valores de Mc , de Mp e de f para quatro secções


simples: uma secção retangular, uma secção circular, uma secção em losango e uma secção de
parede fina em I. Todas estas secções são bi-simétricas, pelo que, em todas elas, a linha neutra
plástica coincide com a linha neutra elástica.

Ab

h Aa
r
h h

b b Ab

Figura 9: Determinação dos momentos de cedência e de plastificação em quatro secções.

12
Para a secção retangular, de largura b e altura h, tem-se:
bh3
I 12 bh2
Mc = W σc = σc = h
σc = σc
v 2
6
bh2
 
+ −
 bh h bh h
Mp = Zσc = SLN + SLN σc = + σc = σc
2 4 2 4 4
bh2
Mp Z 4
f= = = bh2
= 1,5
Mc W
6

O cálculo para a secção circular, de raio r, leva em conta que o centro de gravidade de um
4r
semi-círculo está situado a 3π a partir da base,
πr 4
I πr3
Mc = W σc = σc = 4 σc = σc
v r 4
πr2 4r πr2 4r 4r3

+ −

Mp = Zσc = SLN + SLN σc = + σc = σc
2 3π 2 3π 3
4r3
Mp Z 3 16
f= = = πr3
= ' 1,7
Mc W 3π
4

A secção em losango considerada, tem largura b e altura 2h, pelo que:


2bh 3
I bh2
Mc = W σc = σc = 12 σc = σc
v h 6
bh2

+ −
 bh h bh h
Mp = Zσc = SLN + SLN σc = + σc = σc
2 3 2 3 3
bh2
Mp Z 3
f= = = bh2
= 2,0
Mc W
6

Finalmente, consideramos uma secção em I de geometria idealizada, onde Ab e Aa são as


áreas de cada banzo e da alma, respetivamente, e h a altura, medida entre as linhas médias dos
banzos. Para efeitos de cálculo de v não se tem em conta a espessura da alma. Nestas condições,
temos:
2 2
2Ab h2 + Aa h12
 
I Aa
Mc = W σc = σc = h
σc = h Ab + σc
v 2
6
   
+ −
 h h Aa
Mp = Zσc = SLN + SLN σc = 2Ab + Aa σc = h Ab + σc
2 4 4
Ab + A4a

Mp Z
f= = =
Ab + A6a

Mc W

Se admitirmos que a área de cada banzo é o dobro da área da alma, Ab = 2Aa obtemos um
factor de forma f = 2726 ' 1,04. No limite, se admitirmos que toda a área da secção transversal
se concentra nos banzos, Aa → 0, o valor de f tende para a unidade. Neste cálculo, admitiu-
-se simplificadamente que o ponto mais afastado estava a uma distância de h2 da linha neutra
plástica. Cálculos mais precisos, usando as verdadeiras dimensões dos banzos e da alma de
perfis correntes, conduzem a um factor de forma à volta de 1,15.
Olhando para estes resultados, pode parecer paradoxal que a secção em I, cuja geometria foi
concebida para maximizar a resistência à flexão — para uma dada área de secção transversal
e para uma dada altura útil disponível —, seja aquela para a qual o factor de forma é mais
pequeno. A explicação reside no facto de a secção em I estar muito otimizada já para o momento

13
de cedência, pelo que a reserva pós cedência é relativamente pequena. De facto, para M = Mc ,
quando se atinge a primeira cedência, já a maior parte da secção transversal se encontra com
um valor de tensão muito perto de σc , pelo que a diferença entre Mc e Mp é pequena. Se a
área da alma for desprezável, a primeira cedência coincide mesmo com a plastificação total da
secção. No extremo oposto, o maior factor de forma atrás calculado é o do losango, no qual,
para M = Mc , a maior parte da secção transversal apresenta níveis de tensão muito baixos.
Em seguida, exemplifica-se o cálculo do momento plástico de uma secção não simétrica em
relação ao eixo x1 .

Exemplo: Determinar Mc e Mp da secção em T representada.


5a

a y d
G
4a

O cálculo de Mc necessita da posição de centro de gravidade e da inércia:

5a2 a2 + 4a2 3a 29
y= = a
5a2 + 4a2 18
2 2
5aa3 a(4a)3
 
2 29 a 2 29 707 4
I= + 5a a− + + 4a 3a − a = a
12 18 2 12 18 36
707 4
36 a 707 3
Mc = W σc = σc = a σc = 5,795 a3 σc
5a − 29a
18
122

Para obter Mp , é necessário determinar qual a posição da linha neutra plástica que divide a
secção em duas áreas iguais, Neste caso, como o banzo é maior do que a alma, é evidente
que essa linha deve cortar o banzo.
Uma vez determinada a sua posição, basta calcular o momento em relação a qualquer
eixo horizontal, sendo mais fácil calculá-lo em relação à própria linha neutra plástica.

5a2 + 4a2 9
5ad = 5a(a − d) + 4a2 ⇒ d = = a
    10a 10 
9 9 a a  a 209 3
Mp = Zσc = 5a a a + 5a + 4a2 2a + σc = a σc = 10,450 a3 σc
10 20 10 20 10 20

10,450
O factor de forma vale f = = 1,803.
5,795

2.2.5 Flexão composta elastoplástica

Consideremos agora a atuação conjunta de esforço normal e momento fletor. Para distinguir o
caso da aplicação isolada de cada esforço do caso da sua aplicação conjunta, designam-se por
esforços de plastificação reduzidos os esforços Np0 e Mp0 que correspondem à condição de a secção
estar totalmente plastificada. Facilmente se compreende que existem múltiplas soluções, cada
uma delas associada a uma determinada posição da linha neutra plástica. Do ponto de vista
prático, o problema habitualmente coloca-se no formato: conhecido o esforço normal aplicado,
determinar o momento fletor máximo.

14
As equações (3) continuam a ser a chave do problema, as quais, reescritas para a situação
em que toda a secção está plastificada, ficam
Z Z Z Z
Np0 = (−σc ) dA + (+σc ) dA Mp0 = (−σc x2 ) dA + (+σc x2 ) dA (11)
A− A+ A− A+

Como representado na figura 10, para o caso em que o momento aplicado é positivo, A+ é a
área da secção situada abaixo da linha neutra plástica, onde σ = +σc , enquanto A− é a área da
secção situada acima da linha neutra plástica, onde σ = −σc . A coordenada x2 é, bem entendido,
sempre calculada no referencial original, cuja origem se posiciona no centro de gravidade da
secção.
−σc
Mp0
G LN ⇒ Np0
x1

σc
x2
Figura 10: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos

Se o esforço axial for conhecido, a primeira das equações (11) permite obter a posição da
linha neutra plástica em flexão composta, enquanto a segunda dessas equações fornece o valor
de Mp0 . É importante observar que o momento da distribuição de tensões deve ser sempre
calculado em relação ao eixo x1 e não em relação à linha neutra plástica. No caso da flexão
simples (N = 0), onde a distribuição de tensões é um sistema de forças equivalente a conjugado,
o momento calculado em relação a qualquer eixo paralelo ao eixo x1 é o mesmo, pelo que é
geralmente mais fácil calculá-lo relativamente à linha neutra plástica. Tal não é possível em
flexão composta.
Segue-se um exemplo de aplicação.

Exemplo: Na viga em T considerada anteriormente, pretende-se determinar o momento


plástico reduzido, admitindo que o esforço axial vale N = −5a2 σc (compressão).
5a
−σc
29 a Mp0 = Mp,LN
0
+ Np0 (d − y)
a y = 18 a
G d = 3a − ⇒ 0

2a Mp,LN Np0
4a
LNp Np0
+ 2a
a σc

Face à compressão elevada, é razoável supor que a linha neutra plástica corta a alma. Então,
recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a sua posição, havendo que confirmar
que d está efetivamente situado entre a e 5a.
Depois calcula-se o momento da distribuição de tensões em relação ao centro de gravi-
dade da secção — recorde-se que y = 2918 a = 1,611 a.

Np0 = −5a2 σc = −σc 4a2 + ad + σc (5a − d) a ⇒ d = 3a



 a  86 3
Mp0 = 2a2 σc (4a − y) − 2a2 σc (2a − y) + 5a2 σc y − = a σc = 9,56 a3 σc
2 9

Note-se que a segunda parcela é negativa, porque as compressões na parte superior da alma
têm braço positivo.

15
Uma forma alternativa de calcular o momento plástico reduzido passa por calcular pri-
meiro o momento em relação à linha neutra plástica — mais fácil de calcular pois as distân-
cias são mais intuitivas de obter e as parcelas são todas positivas —, e, no final, propagar o
momento para o centro de gravidade tendo em conta o valor do esforço normal.

0
 a
Mp,LN = 2a2 σc a + 2a2 σc a + 5a2 σc 2a + = 16,5 a3 σc
2
Mp0 = Mp,LN
0
+ Np0 (d − y) = 16,5 a3 σc − 5a2 σc (3a − 1,611 a) = 9,56 a3 σc

Qualquer dos procedimentos conduz ao mesmo valor do momento plástico reduzido.

Note-se que, ao contrário do que o adjetivo reduzido pode levar a supor, nem sempre o valor
do momento de plastificação reduzido Mp0 é inferior ao do momento plástico Mp . De facto,
em secções não bi-simétricas o esforço axial é favorável sempre que tenha por efeito aproximar
a linha neutra plástica do centro de gravidade da secção, de modo a que todas as tensões da
distribuição plástica contribuam positivamente para o momento em torno de x1 .

Exemplo: Na viga em T atrás considerada, determinar os esforços de plastificação reduzidos


correspondentes à linha neutra plástica a passar no centro de gravidade da secção.

Continuando a designar por y = 1.611 a a distância de G à fibra superior, tem-se

Np0 = −σc 5a2 + a(y − a) + σc (5a − y) a = −2,22 a2 σc




2 2
 a (y − a) (5a − y)
Mp0 = 5a2 σc y − + σc + σc = 11,48 a3 σc
2 2 2
Observa-se que, neste caso, Mp0 = 11,48 a3 σc > 10,450 a3 σc = Mp . Na verdade, para esta
secção, este valor de Mp0 é o maior valor possível do momento resistente, o qual só é possível
de mobilizar com a atuação deste esforço axial Np0 = −2,22 a2 σc .

Se a secção for bi-simétrica, é possível estabelecer uma equivalência estática entre partes
do diagrama de tensões e cada um dos esforços de plastificação reduzidos Np0 e Mp0 . Basta
considerar uma zona central do diagrama de tensões, compreendida entre a linha neutra plástica
e uma linha que lhe é paralela disposta simetricamente em relação ao eixo x1 , que é equivalente
a N = Np0 e M = 0; ao mesmo tempo que as zonas periféricas do diagrama são estaticamente
equivalentes a N = 0 e Mp0 .
O exemplo seguinte tira partido desta decomposição.

Exemplo: Na viga em I representada, pretende-se determinar o momento plástico reduzido,


admitindo que o esforço axial vale N = −5a2 σc (compressão).
5a
−σc
a a−d
d
G − Mp0
3a 3a + 2d ⇒
Np0
LNp
a d + a−d
a σc

No caso desta secção bi-simétrica, há que identificar uma zona central, disposta simetrica-
mente em relação ao eixo x1 , que equilibre o valor de N = −5a2 σc . A área da alma (3a2 )
totalmente plastificada é equivalente a uma força de compressão N = −3a2 σc , sendo por-
tanto insuficiente para absorver o esforço axial. Isto significa que a linha neutra plástica

16
corta o banzo inferior. Novamente, recorrendo à equação do esforço normal, determina-se a
sua posição, caracterizada pela distância d, a qual estará forçosamente compreendida entre
0 e a.
Para calcular o momento plástico Mp0 basta multiplicar a resultante das zonas periféricas
pelo braço entre elas, já que a zona central não contribui para o momento.

Np0 = −5a2 σc = −σc 3a2 + 2d × 5a



⇒ d = 0,2 a
 
0,8a
Mp0 = 0,8 a × 5a × σc × 3a + 2 × 0,2a + 2 × = 16,8 a3 σc
2

Esta técnica facilita muito a análise da interação entre esforço normal e momento fletor em
secções bi-simétricas, mas é importante ter presente que este tipo de decomposição de diagramas
não é extensível a secções não simétricas em relação ao eixo x1 .
Embora seja tentador identificar cada um dos esforços com uma parte do diagrama de ten-
sões, não deve ser esquecido que o princípio da sobreposição não é válido em problemas não
lineares, pelo que mesmo a equivalência estática entre blocos de tensão e esforços, conside-
rada na análise de secções bi-simétricas, deve ser encarada com alguma reserva. Por exemplo,
não deve ser dito que as tensões no bloco central são provocadas pelo esforço axial, já que tais
tensões resultam da atuação simultânea dos dois esforços na secção.4
Neste texto, com o intuito de manter a complexidade num nível aceitável, apenas se tem
considerado o comportamento de secções simétricas em relação ao eixo x2 . Mas vale a pena abrir
um parêntese e referir o comportamento de uma secção não simétrica em relação ao eixo x2 mas
simétrica em relação ao eixo x1 , como, por exemplo, uma secção em «C». Se a determinação
do momento plástico Mp em flexão simples não põe qualquer dificuldade adicional, já o mesmo
não acontece com o seu comportamento em flexão composta. De facto, não havendo simetria
em relação a x2 , uma linha neutra plástica subida paralela a x1 é estaticamente equivalente à
atuação de um esforço normal N e de um momento fletor M1 , mas também de um momento
fletor M2 diferente de zero (o bloco central de tensões provoca momento em relação a x2 ).
Ou seja, embora o eixo x1 seja um eixo principal de inércia, no domínio elastoplástico a flexão
composta, caracterizada pela atuação apenas de N e M1 , é necessariamente desviada.

2.2.6 Diagrama de interação de uma secção

Para ter uma visão mais geral do comportamento de uma secção transversal, é útil a construção
de diagramas de interação, mostrando numa curva qual a relação entre os esforços de plastifica-
ção. No caso de secções com geometrias complicadas, a tarefa de construção desses diagramas
é mais adequadamente realizada através de calculo numérico.
Porém, para a secção retangular, de dimensões b × h, é relativamente simples obter analiti-
camente a curva de interação.
Em primeiro lugar, recorde-se que os esforços de plastificação (atuando isoladamente), cal-
culados na secção 2.2.4, são

bh2
Np = bhσc Mp = σc
4

Seja c a distância da linha neutra plástica ao eixo x1 , como se mostra na figura 11. Como a
secção é bi-simétrica, a resultante das tensões pode ser calculada a partir do bloco de tensões
central (de altura 2c), já que as tensões fora dessa zona central se anulam mutuamente. Tem-se
4
Não há, portanto, paralelo com o comportamento das secções em flexão composta elástica onde o diagrama de
tensões σ = NA
+ M x corresponde à sobreposição simples dos efeitos devidos à atuação isolada de cada um dos
I 2
esforços.

17
b
−σc h

b 2 − c σc
h −
2 −c Mp0
h 1 h

2 +c
LN c 2bcσc 2 2
G ⇒ Np0
x1 c + 1 h

h h

+c
2 h
b 2 − c σc 2 2
2 −c
σc
x2
Figura 11: Determinação dos esforços de plastificação reduzidos na secção retangular.

então
Np0 2c
Np0 = 2bcσc ⇒ = (12)
Np h

Em contrapartida, observa-se que o bloco central não contribui para o momento em torno de
x1 , pelo que, para calcular o valor de Mp0 , basta entrar em conta com os dois blocos de tensão
(superior e inferior) equivalentes a um binário igual a
2
Mp0 Np0
 2
4c2
     
h 1 h h
Mp0 = 2b − c σc +c =b − c2 σc ⇒ =1− 2 =1−
2 2 2 4 Mp h Np

onde, na última passagem, se teve em conta (12).


Se quisermos que a expressão de interação plástica seja válida independentemente dos sinais
dos esforços Np0 e Mp0 , somos conduzidos à seguinte expressão
0  0 2
Mp Np
+ =1
Mp Np

a qual descreve as duas parábolas representadas no diagrama da figura 12. É interessante


também calcular as combinações N − M associadas à primeira cedência, isto é a fronteira do
domínio elástico. Igualando a tensão máxima em valor absoluto à tensão de cedência, tem-se

N M N M N M
|σ|max = + = σc ⇒
+ =1 ⇒ + =1
A W Aσc W σc Nc Mc
M
o que, tendo em conta que para esta secção se tem Nc = Np e Mc = 1.5p , corresponde às quatro
retas também representadas na figura 12.
Vale a pena acrescentar que, atendendo à forma parabólica do diagrama de interação plás-
tica, se o esforço normal é pequeno em relação ao esforço normal de plastificação, o momento
plástico reduzido é muito próximo do momento plástico,
sendo justificável a não consideração
da interação. De facto, para a secção retangular, se NNp < 0,1, a redução do momento plástico

é inferior a 1%.
O próximo exemplo ilustra como o diagrama de interação pode ser usado para calcular a
carga de colapso de uma estrutura isostática.

18
N

Np = Nc Plástico

Elástico-plástico

M
Mc Mp

Elástico

Figura 12: Diagrama de interação plástica e elástica da secção retangular.

Exemplo: Determinar o valor da carga de colapso na consola representada na figura. A


secção é retangular com as dimensões indicadas e a tensão de cedência vale σc = 240 MPa.

10 0.3m
P

3.0m
0.1m
Nesta estrutura isostática, na secção de encastramento (onde os esforços são máximos), tem-
se N = P cos(10) e M = −3P sen(10). Os esforços de plastificação são

Np = Aσc = 0,1 × 0,3 × 240 × 103 = 7200 kN


0,1 × 0,32
Mp = Zσc = × 240 × 103 = 540 kNm
4
Tem-se então,
0  0 2  2
Mp Np −3P sen(10)
+ = + P cos(10) =1 ⇒ P = 1017 kN
Mp Np 540 7200

A solução positiva desta equação de segundo grau, conduz a P = 1017 kN. Apesar de a carga
ser aplicada quase na horizontal, observa-se que o esforço axial está muito longe de Np . De
facto, para a carga de colapso tem-se NNp = 10177200
cos(10)
= 0,14. Se se tivesse ignorado o efeito
do esforço axial, tinha-se simplesmente
0
Mp −3P sen(10)
= = 1 ⇒ P = 1037 kN
Mp 540

Para outras formas de secção, é geralmente impossível condensar o diagrama de interação


numa só equação como se fez aqui para a secção retangular. Mas se a geometria for relativa-
mente simples (secções em I ou T) não é muito complicado obter expressões analíticas sob forma
paramétrica, tomando para parâmetro a distância da linha neutra plástica a uma linha de refe-
rência, havendo, naturalmente que distinguir vários domínios a que correspondem expressões
diferentes. Este procedimento é exemplificado no exemplo que se segue.

19
Exemplo: Determinar o diagrama de interação para a viga em T considerada anteriormente.

Nesta secção, há que considerar duas possibilidades: ou a linha neutra plástica atravessa
o banzo ou atravessa a alma. Sejam d1 e d2 os parâmetros correspondentes a essas duas
situações, como se esquematiza na figura anexa.
5a
−σc −σc
a y= 29 d1 − −
18 a
G
4a
+
d2 +
a σc σc
Utilizando os procedimentos descritos anteriormente, o cálculo dos esforços de plastificação
para cada uma dessas situações conduz a

Np0 = −σc 5ad1 + σc 5a (a − d1 ) + σc 4a2 = σc 9a2 − 10ad1


 




d2 2
0 < d1 ≤ a ⇒ 0
= σc 5a 21 + σc 5a (a−d 1)
+ σc 4a2 4a

Mp,LN 2 2 + a − d1



Mp0 = Mp,LN
0
+ Np0 (d1 − y) = σc −5ad21 + 145 2

9 a d1

Np0

= −σc 5a2 − σc a (4a − d2 ) + σc ad2 = σc −9a2 + 2ad2




 2
d2
0 < d2 ≤ 4a ⇒ 0 a
+ 4a − d2 + σc a (4a−d2)

Mp,LN = −σc 5a2 2 2 + σc a 22



Mp0 0
+ Np0 (5a − y + d2 ) = σc −ad22 + 61 2

= Mp,LN 9 a d2

Atribuindo agora sucessivos valores a d1 e depois a d2 é possível traçar o diagrama de in-


teração que se apresenta em baixo. As expressões apresentadas atrás só são válidas para
momentos positivos, mas para traçar as curvas para momentos negativos basta trocar as tra-
ções com as compressões, pelo que ambas as expressões (Np0 e Mp0 ) trocam de sinal (ou seja,
o diagrama exibe uma simetria de rotação).
N

Np

0 ≤ d1 ≤ a

Mp M
−Mp
ponto de transição entre expressões
d1 = a; d2 = 4a
momento máximo
0 ≤ d2 ≤ 4a
−Np

Estão indicados os pontos notáveis calculados anteriormente: esforços de plastificação,


ponto que corresponde ao momento máximo e ainda o ponto de transição entre as
curvas paramétricas calculadas. Observa-se que o diagrama de interação não é simé-
trico, no sentido em que compressões aumentam a resistência plástica a momentos po-
sitivos e, pelo contrário, a tração é benéfica para a atuação de momentos negativos.

20
2.3 Flexão composta de materiais não resistentes à tração. Tensões de contacto
em fundações diretas
Nesta secção considera-se o comportamento de materiais cujo comportamento à compressão é
elástico linear mas que não são resistentes à tração. Para estes materiais, a relação constitutiva
uniaxial é a representada na figura 13. É importante observar que, apesar dos troços lineares,
σ

1 ε
E

Figura 13: Lei constitutiva uniaxial de um material não resistente à tração.

esta relação constitutiva é, no seu conjunto, uma relação não linear. Por exemplo, o princípio da
sobreposição não se pode aplicar porque, em geral, os pontos materiais à tração e à compressão
variam de solicitação para solicitação.
Uma das situações onde este modelo de comportamento material é muito utilizado é na
análise do contacto de uma fundação direta (sapata) com o terreno.5 De facto, podemos admitir
que o terreno de fundação reage elasticamente às pressões transmitidas pela sapata, mas não
devemos, obviamente, considerar que o terreno seja capaz de resistir a trações. De facto, sempre
que uma parte da sapata tenha tendência a levantar, descolará do terreno e a tensão de contacto
é nula. Note-se, aliás, que é impossível equilibrar um esforço axial positivo ou mesmo nulo (se
existir momento) Por esta razão, só faz sentido estudar o comportamento destes materiais à
flexão composta com compressão.
Considere-se então uma sapata retangular de dimensões b × h que deverá transmitir à fun-
dação um esforço axial de compressão N (como só faz sentido considerar compressões, não se
utiliza a convenção habitual de considerar a compressão negativa) e um momento fletor M —
ver figura 14. Note-se que os esforços deverão ser calculados em relação à base da sapata, pelo
que, conhecidos os esforços na base do pilar, é habitualmente necessário somar ao esforço axial
o peso próprio da sapata e somar ao momento o produto do esforço transverso pela altura da
sapata, processo esse esquematicamente indicado na figura 14.
M
e= N
N1
V1 M1

N2
=
N = N1 + N2

= N
z M = M1 + V1 z
V = V1 V

Figura 14: Sapata.

Tendo em conta o comportamento não linear da fundação, é conveniente substituir a força


N e o momento M , por uma única força, cuja linha de ação passa no centro de pressões, cuja
excentricidade vale e = M
N . Como é conhecido do estudo da flexão linear, se o centro de pressões
5
O modelo de cálculo é também adequado para descrever materiais, como o betão simples, cuja resistência à
tração, embora não nula, seja suficiente pequena para poder ser desprezada. Mas não é muito interessante analisar
o comportamento do betão fora do contexto das secções de betão armado e, neste texto de introdução ao comporta-
mento não linear, optou-se por não abordar as secções heterogéneas.

21
h
h h
6 6

σmax
NC σmed
CP
b

h
e 2 −e

2
1
N
1 1 e
6 2 h
h

e≤ 6 σmax

h

e≥ 6

σmax

h

3 2 −e

Figura 15: Tensão máxima na fundação em função da excentricidade do esforço axial.

estiver dentro do núcleo central, toda a secção estará submetida a tensões do mesmo sinal. Neste
caso, isto significa que, se e ≤ h6 , a base da sapata está toda à compressão, pelo que é irrelevante
a não resistência à tração e o diagrama de tensões é linear, sendo o seu valor máximo (em valor
absoluto) dado por
   
N M N Ne N 6e 6e
σmax = + = + bh2 = 1+ = σmed 1 +
A W bh bh h h
6
h
Por outro lado, se e > 6, apenas uma parte da base da sapata estará em contacto com o solo.
Neste caso, a distribuição de tensões é um triângulo, cuja resultante é estaticamente equivalente
à força N atuando com excentricidade e. Como a distância do centro de gravidade do triangulo
ao ponto mais comprimido vale h2 − e, a base do triangulo deverá ter por comprimento o triplo
desse valor. Igualando o esforço axial N à resultante do triangulo conclui-se então que
 
1 h 2N
N = b3 − e σmax ⇒ σmax =
3b h2 − e

2 2
A variação da tensão máxima na fundação em função da excentricidade, expressa pelas duas
expressões obtidas, está representada na figura 15.

2.4 Análise elastoplástica de uma secção retangular.


2.4.1 Curva momento-curvatura
A análise da evolução do diagrama de tensões de uma secção genérica submetida à flexão sim-
ples, levada a cabo na secção 2.2.3, só foi quantificada em termos dos valores notáveis do

22
momento, Mc e Mp . O que agora se pretende é obter a expressão exata da curva momentos-
curvatura no caso da secção retangular, mais simples de analisar.
Na fase elástica tem-se, bem entendido, a expressão linear
1
M = EI (M ≤Mc ) (13)
R
a qual é válida até se atingir o momento de cedência Mc , o qual corresponde à curvatura de
cedência R1c = MEI .
c

Para momentos superiores ao momento de cedência, a linha neutra permanece no eixo x1 ,


por ser um eixo de simetria desta secção. Assim, quando a secção está parcialmente plastificada,
o diagrama de tensões é da forma representada na figura 16, onde e denota a distância da
fronteira entre a zona plástica e a zona elástica, relativamente ao eixo x1 .
b
−σc
h
2 −e
h
2 e
G 2
x1 x3 3e
h
e
2 h 1 h

2 −e 2 2 +e
σc
x2 x2
Figura 16: Distribuição de tensões numa secção retangular na fase elastoplástica.

Para os pontos com x2 = e, estando no limite da região elástica, tem-se


e e σc
σ = Eε = E = σc ⇒ = (14)
R R E
Na cedência, tem-se ec = h2 , valor que vai diminuindo até e = 0, à medida que a secção plas-
tifica progressivamente. Como na última equação de (14), o último membro é constante, pode
escrever-se
h 1
e ec e Rc
= = 2 ⇒ h
= 1 (15)
R Rc Rc 2 R

ou seja, na fase elastoplástica, a dimensão da zona elástica é inversamente proporcional à cur-


vatura R1 .6
O momento resultante das tensões representadas na figura 16 é
 2 !2
e2 bh2 bh2
     
h 1 h 1 2 h e
M = 2b − e σc + e + eσc e = bσc − = σc − σc h
2 2 2 2 3 4 3 4 12 2

2
Usando o facto de Mp = bh4 σc e de a diferença entre o momento plástico e o momento de
2 2 2
cedência ser dada por Mp − Mc = bh4 σc − bh6 σc = bh
12 σc , em conjunto com a igualdade obtida
em (15), obtém-se finalmente
1
!2
Rc
M = Mp − (Mp − Mc ) 1 (Mc ≤ M < Mp ) (16)
R
6 1
A exposição ficaria um pouco mais clara se se atribuísse à curvatura um símbolo próprio, por exemplo, χ = R ,
em vez de a representar como o inverso do raio de curvatura. Nesse caso, ter-se-ia expressões mais simples, tais
como M = EIχ ou h/2 e
= χχc . Mas preferiu-se manter a notação utilizada anteriormente.

23
Se calcularmos o declive desta curva no ponto de cedência verificaremos que coincide com o
declive do troço elástico, isto é com a rigidez de flexão elástica EI,

dM
= EI
d( R1 ) 1 1

R
=R
c

Isto significa que não há ponto anguloso na transição do comportamento elástico para o elasto-
plástico, o que se compreende porque o espalhamento da zona plástica é gradual.
A curva momentos-curvatura completa, incorpora as expressões (13) e (16), e está repre-
sentada na figura 17. Observa-se que está de acordo com a figura geral apresentada na secção
2.2.3, mas agora está devidamente quantificada. Para outras secções, bi-simétricas ou não, as
expressões serão mais complicadas mas os aspetos qualitativos são preservados.
M

Mp
Mm M

Mc C

EI
EI 1
1 R
O 1 1 1 1
Rc Rr Rm R

Figura 17: Curva momentos curvatura de uma secção retangular. Carga e descarga. A
linha a traço interrompido corresponde ao modelo da rótula plástica.

2.4.2 Descarga elástica. Tensões residuais.


Como também representado na figura 17, admita-se que, a partir de um ponto da fase elas-
toplástica, caracterizado pelo momento (máximo) Mm e curvatura R1m , se procede à descarga
completa do momento aplicado à secção.
De acordo com a relação constitutiva elastoplástica (lembrar a figura 3), os pontos já plas-
tificados descarregam elasticamente. Numa secção bi-simétrica, isto significa que toda a secção
se comporta elasticamente, não havendo necessidade de distinguir o comportamento da zona
plástica do da zona elástica.7
Na relação momentos curvaturas, isto traduz-se por uma descarga paralela ao troço elástico
com declive igual a EI, pelo que é relativamente fácil obter o valor da curvatura residual R1r ,
correspondente ao ponto de descarga total, para o qual Mr = 0. Escrevendo a equação (16),
para M = Mm e R1m = R1c , facilmente se conclui que
s
1 1 Mp − Mc
=
Rm Rc Mp − M m

Estabelecendo a semelhança entre os triângulos de hipotenusa OC e RM , tem-se então


s !
1 1
Rm − Rr M m 1 1 M p − M c M m
1 = ⇒ = −
R
M c R r R c M p − M m M c
c

7
Já numa secção não bi-simétrica, na qual a linha neutra plástica não coincide com a elástica, isto não é verdade
em geral. Nesse caso, existem alguns pontos, na região compreendida entre a linha neutra plástica e a linha neutra
da descarga, que continuam a sua progressão no patamar de cedência.

24
Esta curvatura residual é, portanto, a curvatura permanente que fica na barra após ter sido
dobrada plasticamente e na qual apenas a deformação absorvida elasticamente foi recuperada.
Em termos de tensões, as tensões finais — ou tensões residuais — podem ser obtidas so-
mando as tensões correspondentes ao momento máximo Mm com os incrementos (positivos ou
negativos) das tensões observadas na descarga, como se exemplifica na figura 18. Faz-se notar
que, como Mm > Mc , para os pontos mais afastados da linha neutra se tem, no diagrama in-
cremental correspondente à descarga elástica, tensões superiores em valor absoluto à tensão de
cedência. Por essa razão, as tensões finais nesses pontos têm o sinal oposto ao da carga inicial.
Já o mesmo não acontece nas regiões da secção mais próximas da linha neutra. Acrescente-se
que os diagramas de tensões apresentados na figura 18 facilmente se aplicam a qualquer secção
bi-simétrica.
Em princípio, convém ainda confirmar que não existem cedências de sinal contrário
na descarga, ou seja, verificar que −σc + MWm < σc . Esta desigualdade é equivalente a
Mm < 2W σc = 2Mc . Ora, como o valor do momento máximo atingido não podia exceder o
momento plástico, tem-se Mm < Mp = f Mc , e, como na generalidade das secções bi-siméticas
se observa que f < 2, confirma-se não haver em geral cedências de sinal contrário na descarga
elástica de secções.

Mc < Mm < Mp −Mm M =0


Mm Mm
σ = −σc σ= W σ = −σc + W
+
− + Mm
− −σc + I em
em
+ =
em
+ +σc − Mm
I em
+ −

σ = σc σ = − MWm σ = σc − Mm
W

Figura 18: Tensões residuais numa secção retangular.

É importante salientar que o diagrama de tensões residuais é auto-equilibrado, isto é, deve


equilibrar esforços nulos. Na prática, para uma secção bi-simétrica fletida plasticamente, isso
significa que as tensões residuais exibem o característico padrão em «S» representado na figura
18.

2.5 O conceito da rótula plástica


Discute-se de seguida uma importante idealização do comportamento estrutural, a qual desem-
penha um papel determinante na análise incremental estudada na secção 3.
Na vizinhança de uma secção onde se atingiu o momento plástico Mp (ou próximo), o valor
das curvaturas é muito elevado, já que, como se viu, quando M → Mp , a curvatura tende para
infinito, R1 → ∞. Sobretudo, interessa notar que esses valores da curvatura são ordens de
grandeza superiores aos valores observados em secções que se mantêm no domínio elástico, ou
para as quais o momento pouco excede o momento de cedência.
Esta diferença de magnitudes faz com que se dê um fenómeno de localização acentuada
de curvatura.8 Então, uma aproximação razoável é admitir que a deformada do eixo da viga
apresenta uma rotação relativa concentrada na secção de momento máximo, conservando-se,
em termos comparativos, essencialmente retilínea fora dessa secção.
8
Este fenómeno será tanto mais evidente quanto maior seja a variação do diagrama de momentos fletores na
vizinhança do momento máximo, sendo, portanto, mais pronunciado na presença de cargas concentradas do que na
de cargas distribuídas.

25
Este conceito é geralmente designado por rótula plástica e está ilustrado na figura 19. Na
rótula plástica, podemos postular uma relação constitutiva M − θp , entre o momento e a rotação
relativa (plástica), a qual só admite rotações quando |M | = Mp . Em contrapartida, fora da rótula
plástica só se consideram as deformações elásticas, já que o efeito das deformações plásticas se
admite já estar contabilizado, embora de forma concentrada, na rótula plástica.

M
Mp
M
Mc
Mp
θp
−Mp
1
R

Mp Mp

θp

Figura 19: O conceito de rótula plástica.

Em termos práticos, isto corresponde a admitir que o diagrama momento-curvatura é apro-


ximado pela linha a traço interrompido que está desenhada na figura 17, onde, para M < Mp
se admite o comportamento elástico e apenas para M = Mp se admitem valores de curvatura
arbitrariamente grandes (que se traduzem na rotação plástica da rótula). Esta aproximação será
tanto melhor quanto mais próximos estiverem os valores dos momentos plástico e de cedência,
ou seja, quanto mais o factor de forma se aproximar da unidade.

2.6 Torção elastoplástica de secções com simetria de revolução


Neste texto, a atenção tem estado concentrada na flexão elastoplástica. Mas vale a pena observar
que o mesmo tipo de análise pode ser aplicada à torção de secções com simetria de revolução. De
forma a evidenciar as semelhanças, mas também porque o assunto é importante, apresenta-se
de seguida uma breve análise da torsão elastoplástica de círculos ou tubos circulares.
Para estas secções, a distribuição elástica de tensões tangenciais τ devida à atuação de um
momento torsor T é dada por

T T
τ = Gγ = Gρα = Gρ = ρ (17)
GIp Ip

onde, γ é a distorção que varia proporcionalmente à distancia ao centro ρ e à curvatura de


torção α, e Ip é o momento polar de inércia da secção.
Para um estado de tensão tangencial simples, de acordo com o critério de von Mises, a
σc
cedência atinge-se quando a tensão tangencial atinge o valor de τc = √ 3
. Admitindo um material
«elástico-perfeitamente plástico», a relação constitutiva entre a tensão tangencial e a distorção
é em tudo análoga à relação elastoplástica para estados uniaxiais considerada na figura 3 e está
representada na figura 20.

26
τ
σc
τc = √
3

G
1 ε33

−τc

Figura 20: Relação constitutiva tangencial de um material elastoplástico.

Sendo a tensão tangencial máxima na periferia, onde ρ é igual ao raio exterior r, o momento
torsor de cedência Tc de uma secção cujo raio exterior vale r é obtido através de

Tc Ip
τmax = r = τc ⇒ Tc = τc
Ip r

No caso da secção circular, tem-se

πr4
2 πr3
Tc = τc = τc
r 2
Para valores do momento torsor superiores a Tc , a evolução da distribuição de tensões e o
diagrama momento-curvatura T − α serão da forma representada na figura 21, sendo evidentes
as analogias com o comportamento à flexão de uma secção bi-simétrica. Quando a secção está
totalmente plastificada, o momento torsor atinge o seu valor máximo, o momento torsor de
plastificação Tp .

T
Tp
T < Tc Tc < T < Tp T = Tp
τmax < τc Tc
τc τc
GIp
1

Figura 21: Tensões tangenciais numa secção circular.

No contexto particular das secções com simetria de revolução, o momento torsor é mais
facilmente obtido por equilíbrio utilizando coordenadas polares. A coroa circular de raio ρ e
espessura dρ tem área infinitesimal dA = 2πρ dρ. Então, qualquer que seja a distribuição de
tensões tangenciais, o valor do momento torsor de uma secção tubular é dado por
Z Z re Z re
T = τ ρ dA = τ ρ 2πρ dρ = 2πτ ρ2 dρ
A ri ri

onde ri e re são, respetivamente, o raio interior e exterior.


Para obter o momento torsor de plastificação basta fazer τ = τc na expressão precedente. No
caso de uma secção circular de raio r fica
r
2πr3
Z
Tp = 2πτc ρ2 dρ = τc
0 3

27
Também é possível definir um factor de forma f , estabelecendo a relação entre os momentos
de plastificação e de cedência, o qual, para a secção circular, vale
2πr3
Tp 3 τc 4
f= = πr3
=
Tc 3
2 τc

Se for efetuada uma descarga a partir de um momento superior a Tc , há lugar ao apareci-


mento de tensões residuais, cuja determinação é feita nos mesmos moldes que no caso da flexão.
A figura 22 ilustra o caso de uma secção circular descarregada a partir da plastificação total.

T = Tp T = −Tp T =0
4 1
3 τc 3 τc
τc
τc
+ =

Figura 22: Tensões residuais de uma secção circular, descarregada a partir de Tp .

28
3 Análise incremental de estruturas elástoplásticas
3.1 Introdução. Parâmetros de carga. Carga de cedência e carga última
A análise de uma estrutura constituída por um material elastoplástico é obviamente condici-
onada pelo comportamento das secções transversais descrito na secção anterior. Desde logo,
a resistência das secções limita as cargas que a estrutura é capaz de suportar. Mas, também,
quer o cálculo de deslocamentos quer o traçado dos diagramas de esforços são alterados a par-
tir do momento em que a estrutura já não se comporta elasticamente. A notável excepção a
esta afirmação, são os diagramas de esforços em estruturas isostáticas, cujo traçado, admitindo
a linearidade geométrica, sendo feito exclusivamente a partir das equações de equilíbrio, não
depende das propriedades, elásticas ou plásticas, da secção transversal.
Para abordar o comportamento não linear de estruturas — onde, recorde-se, não é válido o
princípio da sobreposição —, é conveniente considerar a atuação de carregamentos crescentes,
estudando-se a forma como a estrutura vai reagindo até se dar o colapso final. Do ponto de vista
prático, pode fazer sentido distinguir entre cargas permanentes, cujos valores são conhecidos e
fixos9 , e cargas variáveis, cujos valores dependem linearmente de um parâmetro de carga. Muitas
vezes, porém, não se faz esta distinção e admite-se, simplificadamente, que todos os carrega-
mentos são proporcionais ao parâmetro de carga. Na verdade, mais do que tentar reproduzir
fielmente o modo como as cargas serão aplicadas, importa sobretudo caracterizar o compor-
tamento estrutural, descrevendo a evolução do alastramento da plasticidade, quantificando a
máxima capacidade de carga e identificando o modo como se dá o colapso.10 Assim, neste texto
não se fará distinção entre cargas permanentes e variáveis.
A vantagem de admitir que o carregamento depende de um único valor escalar é a de per-
mitir a realização de uma análise incremental, onde é determinada uma trajetória de equilíbrio
relacionando o valor do parâmetro de carga P com um deslocamento representativo.11 Esta tra-
jetória de equilíbrio é importante porque caracteriza muito bem a resposta estrutural, podendo
identificar-se dois valores notáveis: a carga de cedência Pc , correspondente ao fim do regime
elástico, e a carga última Pu , para a qual se dá o colapso da estrutura.
Em estruturas compostas apenas por barras submetidas a esforço normal, tais como treliças,
as trajetórias de equilíbrio são caracterizadas por um conjunto de troços lineares, correspon-
dendo as transições às sucessivas plastificações das barras. Em termos incrementais, tudo se
passa como se as barras já plastificadas não existissem, enquanto o comportamento das barras
não plastificadas se conserva elástico.12
Já a análise elastoplástica de vigas hiperestáticas é uma tarefa mais complexa, a qual fica,
contudo, bastante facilitada se se adoptar o modelo da rótula plástica referido anteriormente.
De facto, adoptando esse modelo, também é possível encarar o comportamento da estrutura à
flexão como uma sucessão de comportamentos lineares. De cada vez que se forma uma nova
rótula plástica, nessa secção o momento mantém-se constante e a rotação relativa entre os dois
lados da rótula passa a ser livre. Dito de outra forma: em termos incrementais, a rótula plástica
comporta-se como uma rótula.
Em qualquer dos casos — plastificação de uma barra à tração/compressão ou formação de
uma rótula plástica13 —, a estrutura comporta-se incrementalmente como uma estrutura elástica
cujo grau de hiperestatia se reduziu em uma unidade. Ou seja, embora no domínio não linear
9
E para as quais, nas situações mais habituais, a resposta da estrutura é ainda totalmente elástica.
10
De resto, o processo de quantificação das cargas é sempre muito idealizado. Por exemplo, as sobrecargas, que
são cargas variáveis, distribuem-se espacialmente sempre de uma forma irregular.
11
Por exemplo, o deslocamento vertical a meio vão, ou o deslocamento do ponto de aplicação da carga mais
importante, ou, ainda, o maior deslocamento esperado na estrutura.
12
No caso de barras heterogéneas, há que, incrementalmente, ignorar apenas os materiais já plastificados.
13
De um modo mais geral, também é possível considerar a interação de esforços N − M na formação de células
plásticas, onde a extensão plástica e a rotação plástica são ambas não nulas. Mas considera-se esse assunto fora do
âmbito deste texto.

29
não seja válido o princípio da sobreposição, é possível decompor a resposta da estrutura numa
soma de parcelas (no sentido incremental).
A análise incremental consiste então em analisar (elasticamente) uma sucessão de estrutu-
ras, progressivamente menos hiperestáticas, até à formação do mecanismo de colapso. Assim,
podemos estabelecer as condições que regem a determinação de Pc e Pu :
carga de cedência Pc — é o valor do parâmetro de carga para o qual se dá a primeira cedên-
cia num ponto da estrutura. É importante porque assinala o fim do domínio elástico (e
o fim da validade do princípio da sobreposição), o que significa que existe uma secção
transversal onde se atingiu N = Nc (tração simples) ou M = Mc (flexão simples).
carga última Pu — é o valor do parâmetro de carga que corresponde ao colapso da estrutura,
sendo obviamente crucial para a verificação da segurança. Para existir colapso é necessário
que se tenha atingido a plastificação num número suficiente de secções transversais, nas
quais se tem N = Np (tração simples) ou M = Mp (flexão simples).
Em muitos casos, o número suficiente de secções plastificadas, mencionado para a determi-
nação de Pu , corresponde ao grau de hiperestatia mais um. De facto, uma estrutura n vezes
hiperestática com n + 1 plastificações (por N = Np ou M = Mp ) deverá ser hipostática do
primeiro grau, ou seja, um mecanismo. Mas existem exceções — por exemplo, envolvendo a
formação de mecanismos parciais a que se faz referência na secção 3.9 — , pelo que é preferível
não quantificar e manter a expressão «em número suficiente».

3.2 Estruturas isostáticas


Numa estrutura isostática, os diagramas de esforços em função do parâmetro de carga P podem
ser determinados apenas com base no equilíbrio. Por esta razão e também porque o mecanismo
de colapso se gera assim que uma secção atinge a plastificação total, a determinação das cargas
de cedência e de colapso é relativamente direta.
Numa treliça isostática constituída por barras homogéneas, para as quais existe coincidência
entre Np e Nc , o colapso da estrutura dá-se assim que se dá a cedência da primeira barra, tendo-
-se portanto Pu = Pc . Tal já não acontece se as barras da treliça forem heterogéneas, uma vez
que para estas barras se tem geralmente Np > Nc . Contudo, se todas as barras de uma treliça
isostática tiverem as mesmas propriedades, é a mesma barra que condiciona a primeira cedência
e o colapso, pelo que se terá
Pu Np
=
Pc Nc
No caso de uma viga isostática, basta igualar o momento máximo (em função de P ) a Mc
e a Mp , para calcular Pc e Pu respetivamente. Em vigas isostáticas onde o factor de forma seja
uniforme, pode concluir-se que
Pu Mp
= =f
Pc Mc
Ou seja, em estruturas isostáticas de secção uniforme — treliças ou vigas — verifica-se que,
em termos relativos, a reserva de resistência da estrutura no domínio não linear corresponde
N M
exatamente à reserva de resistência da secção condicionante ( Npc ou Mpc ). Porém, tal resultado
não se pode estabelecer sempre que a relação entre os esforços de plastificação e de cedência
não for uniforme em toda a estrutura; por exemplo se o factor de forma não for uniforme para
a toda estrutura, ou se a estrutura incorporar barras à tração e outras à flexão. Efetivamente,
nessa situação, pode dar-se o caso de a primeira secção a atingir a cedência não chegar a plas-
tificar totalmente no colapso, o qual será condicionado por outra secção. O exemplo seguinte,
envolvendo uma treliça com uma barra homogénea e outra heterogénea, ilustra esta possibili-
dade.

30
Exemplo: Determinar Pc e Pu nas duas estruturas articuladas representadas. A primeira
estrutura é constituída por duas barras homogéneas, enquanto na segunda estrutura uma
das barras é heterogénea. Todos os materiais são elastoplásticos com as propriedades
indicadas.
B P B P E; A; σc
4
E; 45 A; σc
3
16E; 15 A; 2σc

B P
5
3P 4
A C A C 3P

Sendo a estrutura isostática, os esforços nas duas barras são obtidos por equilíbrio do nó B,
concluindo-se que NAB = + 35 P e que NBC = − 43 P , valores válidos para ambas as estruturas
e independentemente de já ter ocorrido a primeira cedência ou não.
A secção homogénea é caracterizada por Np = Nc = Aσc , pelo que a carga de colapso (e
de cedência) da primeira estrutura é condicionada pela barra inclinada (mais esforçada),

5
P = Aσc ⇒ Pu = Pc = 0,6 Aσc
3
A secção heterogénea tem um esforço axial de cedência diferente do de plastificação, os
quais são obtidos recorrendo às expressões da secção 2.2.2,
n
X 4A A
E i Ai = E + 16E = 4EA
i
5 5
n
!    
X σci σc 2σc
Nc = Ei Ai min = 4EA min ; = 0,5 Aσc
i
i Ei E 16E
n
X 4A A
Np = Ai σci = σc + 2σc = 1,2 Aσc
i
5 5

Para encontrar o valor da carga de cedência da segunda estrutura é preferível analisar as


duas barras
(
5
3 P ≤ Aσc ⇒ P ≤ 0,6 Aσc
4 ⇒ Pc = 0,375 Aσc
3 P ≤ 0,5 Aσc ⇒ P ≤ 0,375 Aσc

verificando-se que a primeira cedência ocorre agora no material central (aquele que mini-
miza a relação σEcii ) da barra vertical.
Em contrapartida, a barra diagonal continua a ser a primeira a plastificar (é a barra com
maior esforço axial e menor esforço de plastificação), pelo que a carga de colapso permanece
inalterada, isto é Pu = 0,6 Aσc também para a segunda estrutura.
Observa-se que na segunda estrutura a primeira barra a ceder é a vertical, mas a primeira
a plastificar é a diagonal. Assim não há coincidência entre o valor de PPuc = 1,6 e qualquer das
Np
relações Nc (1 para a barra diagonal homogénea e 2,4 para a barra vertical heterogénea).

3.3 O comprimento da zona plastificada


Em vigas isostáticas é relativamente fácil determinar a extensão da zona plastificada, a que
por vezes se chama, num ligeiro abuso de linguagem, comprimento da rótula plástica. Como
explicado anteriormente, na secção 2.5, apenas na zona onde M ≈ Mp existem as curvaturas

31
L L
2 2
P

L−Lp L−Lp
2 Lp 2

M Mc
Mp
Figura 23: Determinação da zona plastificada numa viga simplesmente apoiada submetida
a uma carga concentrada.

muito elevadas que legitimam o conceito de rótula plástica. A admitir um comprimento finito
para a rótula plástica, ele deveria ser muito mais pequeno que a extensão da zona plastificada.
Demonstra-se o processo no caso de uma viga simplesmente apoiada submetida à acção de
uma carga concentrada a meio vão, cujo diagrama de momentos fletores está representado na
figura 23. As cargas de cedência e última são obtidas a partir do momento máximo de meio vão,
 4Mc
PL Pc
 =
L
|M |max = ⇒ (18)
4 
P 4Mp
u =
L

Como esperado para uma viga isostática com secção uniforme, verifica-se que PPuc = f .
No colapso, a secção de meio vão está, obviamente, totalmente plastificada. Mas a zona
das secções parcialmente plastificadas estende-se num determinado comprimento Lp à volta da
secção de meio vão. Para determinar o valor desse comprimento, basta observar que na fronteira
da zona plastificada o momento vale Mc , o qual se relaciona com Pc através de (18), pelo que
 
P L − Lp Pc L Pc
= Mc = ⇒ Lp = L 1 −
2 2 4 P
Pc
Quando P = Pu , a razão Pu é igual ao inverso do factor de forma, tendo-se
 
1
Lp = L 1 −
f

Na figura 23 está representada a progressão da zona plastificada no caso de uma secção retan-
gular, sendo o valor final do comprimento da zona plastificada dado por Lp = L3 . Para outras
formas da secção transversal, este comprimento será tanto menor quanto mais o factor de forma
se aproxima da unidade. No limite, admitindo uma secção em «I» idealizada, em que toda a
área da secção se concentra nos banzos e onde f ≈ 1, o comprimento da zona plastificada tende
para zero.
Note-se que esta análise é relativamente simples de realizar por se tratar de uma viga isos-
tática, onde o espalhamento da plasticidade não interfere com a distribuição de esforços, os
quais são determinados exclusivamente por equilíbrio. Embora em vigas hiperestáticas o espa-
lhamento da zona plastificada siga qualitativamente um padrão semelhante, a sua determinação
rigorosa exige uma análise bastante mais sofisticada.

32
3.4 Análise incremental de uma estrutura articulada
É para estruturas hiperestáticas que a análise incremental ganha a sua razão de ser. Para exem-
plificar a aplicação de uma análise incremental, começa-se por considerar a treliça hiperestática
representada na figura 24, cujo carregamento é uma força aplicada no nó C (com duas compo-
nentes, horizontal e vertical). Todas a barras são homogéneas, têm a mesma rigidez axial e o
mesmo esforço de plastificação Np (coincide com Nc ).

3P 3∆P
P −2,975P ∆P
5 3 C D C D
4

−3,75∆P
P

−1,519P
P
3 ,46
9
31
P
1,25 ∆
P
−2 2 ,5 +
6,25
+ +
A A
+2,024P B +5∆P B
4 4

Figura 24: Análise incremental de uma treliça hiperestática. Na figura da esquerda estão
representados a geometria e carregamento e ainda os esforços elásticos. A fi-
gura da direita apresenta os esforços correspondentes à parcela incremental,
após plastificação da barra CD.

Na figura incluem-se os esforços na fase elástica cuja obtenção foi feita, por exemplo, recor-
rendo ao método das forças. Sendo todas as barras iguais, a primeira a ceder e plastificar é a
barra mais solicitada, a barra CD. O valor do parâmetro de carga correspondente é
1
NCD = −2,975P = −Np ⇒ P1 = Pc = Np = 0,3361Np
2,975

Observe-se que o valor de P é necessariamente positivo, e que a barra comprimida plastifica


para N = −Np .14
Após a plastificação da barra CD, a estrutura entra na chamada fase elastoplástica,
comportando-se incrementalmente como uma estrutura isostática, idêntica à estrutura consi-
derada mas à qual foi retirada a barra CD. Os esforços correspondentes, obtidos por equilíbrio
(método dos nós), estão representados também na figura 24. Para P > P1 , o esforço axial em
cada barra é dado pela soma do esforço que corresponde ao fim da fase elástica (P = P1 ) com
a parcela incremental correspondente a ∆P = P − P1 . Sendo a mais esforçada em cada uma
das parcelas, é evidente que a barra BD é a próxima a plastificar — à tração —, o que permite
calcular o valor de ∆P através de

NBD = +2,531P1 + 6,25∆P = 2,531 × 0,3361Np + 6,25∆P = Np ⇒ ∆P = 0,0239Np

Com duas barras plastificadas, a estrutura transforma-se (incrementalmente) num meca-


nismo, com

Pu = P2 = P1 + ∆P = 0,360Np

Não é possível aumentar mais o valor do parâmetro de carga, embora, face ao comportamento
elastoplástico dos materiais, a estrutura mantenha a sua capacidade resistente para valores do
parâmetro de carga inferiores.
14
Alternativamente, o cálculo de P1 podia ser feito em módulo, a partir de |N | = 2,975P = Np . Porém, a
abordagem apresentada no texto principal é mais geral, já que transita facilmente também para o cálculo de P2 ,
lidando sem problemas com eventuais inversões de sinal.

33
Aplicando a lógica incremental a cada uma das barras, obtém-se

NAB = +2,024 × 0,3361Np + 5,00 × 0,0239Np = (0,680 + 0,120)Np = +0,800Np


NAC = −2,469 × 0,3361Np + 1,25 × 0,0239Np = (−0,830 + 0,030) = −0,800Np
NBC = −1,519 × 0,3361Np − 3,75 × 0,0239Np = (−0,511 − 0,090) = −0,600Np
NBD = +2,531 × 0,3361Np + 6,25 × 0,0239Np = (0,851 + 0,149)Np = +1,000Np
NCD = −2,975 × 0,3361Np + 0,00 × 0,0239Np = (−1,000 + 0,000)Np = −1,000Np

Nesta lista, que inclui as barras plastificadas no colapso, é possível identificar os esforços para
P = P1 , a sua variação entre P1 e Pu e, por fim, o seu valor na altura do colapso. É interessante
observar que a distribuição de esforços é bastante diferente entre a fase elástica e a fase elasto-
plástica, ao ponto de uma das barras — a barra AC — inverter o sentido de carregamento após
P1 .
Neste exemplo, admitiu-se que uma barra plastificada à compressão é capaz de manter in-
definidamente uma compressão igual a N = −Np , como admitido atrás na secção 2.2.2. É
importante ressalvar que uma barra nessa situação dificilmente se mantém reta sendo propensa
a instabilizar por encurvadura — ver introdução aos fenómenos geometricamente não lineares
na secção 5. Mas o acoplamento entre comportamentos física e geometricamente não lineares
está fora do âmbito deste texto, admitindo-se aqui que as barras comprimidas estão continua-
mente contraventadas de modo aos deslocamentos laterais estarem impedidos.

3.5 Análise incremental de uma viga hiperestática

A nossa atenção vira-se agora para o comportamento de vigas hiperestáticas elastoplásticas, mais
interessante do ponto de vista prático, o que justifica um estudo mais aprofundado. Importa
dizer que muitos dos conceitos que irão ser abordados para a viga (desenho do mecanismo,
descargas, esforços residuais, cálculo de deslocamentos, etc) se aplicam também a estruturas
articuladas sem alteração de maior, com as diferenças óbvias relativas ao traçado de diagramas
de esforços. Por outro lado, de modo a que seja possível ler esta secção independentemente da
secção anterior, repetem-se muitas das explicações referentes à lógica incremental.
A aplicação da análise incremental a vigas é muito semelhante à realizada atrás, mas com
duas importantes diferenças. Em primeiro lugar é preciso lidar com o diagrama de momentos
fletores, o qual varia ao longo da viga em vez de ser constante em cada barra, identificando
as secções de momento máximo nas quais se formam as rótulas plásticas. Por outro lado, é
importante ter presente que no caso da estrutura articulada a transição entre a fase elástica
e plástica de uma barra (homogénea) é de facto instantânea (quando |N | = Np ), enquanto
nas vigas essa transição se admite ser aproximadamente instantânea (quando |M | = Mp ) em
consequência do modelo da rótula plástica descrito anteriormente.15
Assim, considere-se o caso de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas iguais
de valor P , representada na figura 25 (P é, portanto, o parâmetro de carga). A estrutura é, bem
entendido, uma vez hiperestática.
Com base no diagrama de momentos em fase elástica (fornecido na figura), determina-se
a carga de cedência Pc igualando o valor máximo desse diagrama a Mc . De acordo com o
modelo da rótula plástica, admite-se que a estrutura continua a comportar-se elasticamente até
à formação da primeira rótula plástica, a qual ocorrerá para o valor do parâmetro de carga P1 .

15
Já no caso de barras heterogéneas inseridas em estruturas articuladas, a analogia com o modelo da rótula
plástica é potencialmente maior: a relação esforço axial apresentada na figura 5 pode, numa análise mais simplista,
ser aproximada por uma função com apenas dois troços: elástico até Np seguido do patamar perfeitamente plástico.

34
P P
A D
B C
L L L
3 3 3

− P3L PL 2P L
− 9 9
M
+
[elastico]

−Mp Mp 2Mp
− 3 3
M
+
[P = P1 ]

∆P ∆P
A

∆P L ∆P L
3 3
M
+
[∆P ]
Mp
2Mp Mp L
3 = 3 + L
3
−Mp
− Mp
M
+
[P = P2 ]

Figura 25: Análise incremental de uma viga encastrada-apoiada submetida a duas cargas
concentradas.

A determinação de P1 é em tudo análoga à determinação de Pc . Tem-se, portanto,


 3Mc
PL Pc =

L
|M |max = ⇒
3 P = 3Mp

1
L
Fazendo P = P1 no diagrama de momentos elástico, obtém-se o diagrama de momentos na
formação da primeira rótula plástica, em termos da resistência da secção Mp .
Formada a primeira rótula plástica, na secção do encastramento A, a estrutura comporta-se
incrementalmente como isostática, o que permite obter o diagrama incremental de momentos
∆M , em função do incremento ∆P , apenas com base nas equações de equilíbrio. Para obter
o valor de P2 , correspondente à formação da segunda rótula plástica, calcula-se qual o menor
valor do incremento da carga ∆P que permite atingir Mp numa das secções candidatas, B e C:
Mp ∆P L 2Mp
B: M= + = Mp ⇒ ∆P =
3 3 L
2Mp ∆P L Mp
C: M= + = Mp ⇒ ∆P =
3 3 L

35
A secção condicionante é, portanto, a secção C, pelo que P2 é
3Mp Mp 4Mp
P2 = P1 + ∆P = + =
L L L
Neste caso, era óbvio que a segunda rótula plástica se formaria em C, já que partia de um
valor do momento mais elevado e o incremento para ∆P era o mesmo para as duas secções. Mas
pretendeu-se ilustrar o procedimento geral em que é necessário calcular ∆P para várias secções
candidatas.16 Chama-se a atenção que as secções plastificam para M = Mp ou para M = −M p.
Se, numa dada secção, o valor de ∆M varia negativamente com ∆P , então o momento final
deverá ser comparado como −Mp , conduzindo, em qualquer dos casos a um valor positivo de
∆P .
Prosseguindo com a análise, podemos agora obter o diagrama de momentos para P = P2 ,
somando simplesmente o diagrama correspondente a P = P1 (recorde-se, é o diagrama elástico
M
fazendo P = P1 ) com o diagrama incremental ∆M particularizado para ∆P = Lp . Esse
diagrama está também representado na figura 25.
Finalmente, observa-se que a estrutura, que inicialmente era hiperestática do primeiro grau,
se tornou, após a formação de duas rótulas plásticas, num mecanismo, pelo que, neste caso,
Pu = P2 . O mecanismo representado na figura 25 evidencia as duas rótulas plásticas em A e
em C. Entre as rótulas plásticas, admite-se que a viga permanece elástica. No entanto, face à
dimensão arbitrária dos deslocamentos no mecanismo, não é habitual representar as (pequenas)
deformações elásticas no desenho do mecanismo.
Conclui-se então que, neste caso, se tem
4Mp
4Mp Pu L 4 Mp 4
Pu = ⇒ = 3Mc
= = f >f
L Pc L
3 Mc 3

Isto ilustra que, de um modo geral, as estruturas hiperestáticas apresentam uma reserva de re-
sistência no domínio não linear superior ao das estruturas isostáticas. Na verdade, à medida
que se vão formando rótulas plásticas, existe um efeito de redistribuição de esforços, pelo que o
diagrama de momentos final não é proporcional ao diagrama elástico e o colapso não é condici-
onado apenas pela resistência da secção transversal mais solicitada. Quanto mais hiperestática
for a estrutura, maior é este efeito.
Se se pretender obter os diagramas de esforços para P1 < P < Pu , basta utilizar o
diagrama incremental de forma inversa. No exemplo considerado, em primeiro lu-
gar determina-se ∆P = P − P1 e o diagrama de momentos final é dado pela soma
3.5M
M (P > P1 ) = Mel (P1 ) + ∆M (P − P1 ). Por exemplo, para P = L p , tem-se

3.5Mp 3Mp Mp
∆P = P − P1 = − =
L L 2L
pelo que os correspondentes momentos em B e C valem respetivamente
M p Mp L Mp 2Mp Mp L 5Mp
MB = + = MC = + =
3 2L 3 2 3 2L 3 6
O momento em A mantém-se obviamente igual a −MP .
Os procedimentos apresentados para esta viga hiperestática do primeiro grau são facilmente
generalizados para estruturas hiperestáticas de maior grau. A diferença principal reside em ser
necessário considerar mais parcelas na soma incremental. Por exemplo, numa viga três vezes
hiperestática, se P1 corresponde à formação da primeira rótula plástica, há que determinar dia-
gramas de esforços, numa estrutura duas vezes hiperestática, para ∆P1 = P − P1 e obter o valor
16
Deve acrescentar-se que carregamentos constituídos exclusivamente por cargas concentradas facilitam a análise,
porque o número de secções candidatas é finito. Na presença de cargas distribuídas, seria necessário determinar qual
a secção de momento máximo, a qual varia com ∆P .

36
de P2 para a formação da segunda rótula plástica. O processo é repetido para determinar P3 ,
desta vez com base nos diagramas duma estrutura uma vez hiperestática, para ∆P2 = P −P1 . For-
mada a terceira rótula plástica, a estrutura torna-se finalmente isostática (incrementalmente),
para ∆P3 = P − P3 . A carga última, correspondendo à formação da quarta rótula plástica,
será então dada por Pu = P4 = P1 + ∆P1 + ∆P2 + ∆P3 . Ressalve-se que fenómenos como a
ocorrência de mecanismos locais podem alterar este quadro geral.

3.6 Descargas e esforços e reações residuais


A lógica incremental também pode ser aplicada para analisar as descargas. A única diferença
é que se torna necessário considerar parcelas em que o incremento do parâmetro de carga é
negativo. Analogamente ao que se passa ao nível do ponto material ou da secção transversal, as
descargas da estrutura processam-se habitualmente em regime elástico.
Se a descarga é feita de um ponto anterior à primeira plastificação, isto é, a partir de P < P1 ,
a carga elástica e a descarga elástica são parcelas simétricas e a estrutura recupera a sua confi-
guração inicial, sendo o valor dos esforços finais identicamente nulos em toda a estrutura.
Mais interessante é a descarga total de uma estrutura a partir de um valor P = Pm > P1 ,
isto é a partir de um ponto da fase elastoplástica. Neste caso, é necessário somar, aos diagramas
correspondentes a P = Pm , os diagramas elásticos calculados para um valor de ∆P = −Pm .
Isto significa que, geralmente, a descarga elástica é de maior dimensão que a carga elástica até
P = P1 . Deve ser feito o teste ao aparecimento de plastificações em sentido contrário, embora
na maior parte dos casos tal fenómeno não ocorra.
Continue, então, a analisar-se o comportamento da viga hiperestática considerada na secção
anterior, admitindo-se que se procede à descarga total a partir da iminência do colapso. Na
figura 26, mostram-se os diagramas de momentos fletores (i) na iminência do colapso, para
4M
P = Pu = L p , (ii) correspondente à descarga elástica, isto é, o diagrama elástico calculado
4M
para ∆P = −Pu = − L p , e (iii) final, dado pela soma dos dois primeiros diagramas.
O diagrama final, denominado diagrama de momentos fletores residual, mostra que a estru-
tura, completamente descarregada, ainda está sujeita a esforços residuais não nulos. Observe-se,
contudo, que o diagrama de momentos final é linear, não variando de declive nas secções B e C,
o que é perfeitamente compreensível atendendo a que a carga final é nula. No entanto, apesar
de não existirem cargas aplicadas, existem reações não nulas, também representadas na figura
26, em equilíbrio com os esforços residuais. Estas reações são auto-equilibradas, no sentido em
que equilibram cargas nulas, e são denominadas de reações residuais.
É mais fácil de compreender a resposta da estrutura se nos concentrarmos na história da pri-
meira rótula plástica, formada na secção de encastramento. Nessa secção ocorreu uma rotação
plástica negativa (pois tinha-se M = −M p) para P > P1 , o que permite dizer que, se, de alguma
forma, o apoio direito fosse retirado no final, a viga ficaria reta, mas inclinada para baixo. Na
presença do apoio, a reacção residual tem que ser para cima, e a viga, na sua configuração final
(descarregada), encontra-se deformada elasticamente, no vão, e plasticamente, na secção de
encastramento.
Note-se, aliás, que só é possível a existência de reações e esforços residuais em estruturas
hiperestáticas. De facto, uma estrutura isostática é, por definição, estaticamente determinada e
na ausência de carregamento, tanto as reações como os esforços só podem ser nulos. Por outro
lado, numa estrutura hiperestática do primeiro grau como esta, basta conhecer o valor de uma
reação ou de um esforço numa secção para poder reconstruir todas as reações residuais e poder
traçar todos os diagramas de esforços. No fim de contas, isso é uma consequência direta do
significado do grau de hiperestatia: é o grau de indeterminação das equações de equilíbrio.

37
−Mp 4Mp 4Mp
L L
M −
+ Mp
[P = Pu ] 2Mp
3
+

4Mp L 4Mp 4Mp L 4Mp


= L 9 = 9
L 3 3 4Mp 2L 8Mp
L 9 = 9
M −
+
[P = −Pu (elástico)] 4Mp 4Mp
L L

=
Mr + 8Mp Mp
Mp − =
[P = 0] 2Mp 4Mp 2M
9 9
3 − 9 = 9p
4Mp Mp
−Mp + 3 = 3

Mp
3

Mp
Mp
3L
3L

Figura 26: Descarga elástica de uma viga encastrada apoiada submetida a duas cargas
concentradas. Esforços e reações residuais.

3.7 Utilização do PTV para o cálculo de deslocamentos


Uma das melhores formas de caracterizar a resposta estrutural é através do traçado de trajetórias
de equilíbrio. De acordo com o modelo das rótulas plásticas, a trajetória consiste numa sucessão
de troços retos, pelo que basta calcular os valores dos deslocamentos que se observam quando
da formação de cada uma das rótulas plásticas (ou da ocorrência da plastificação de um tirante).
O cálculo dos deslocamentos pode ser realizado, de uma forma prática e eficiente, através
do método da carga unitária. Recorde-se que este método é uma aplicação do princípio dos tra-
balhos virtuais, a qual envolve a consideração de um sistema equilibrado, cujos esforços estão
em equilíbrio com uma carga unitária (aplicada no ponto de que se pretende calcular o desloca-
mento), e de um sistema compatível, onde se observam os deslocamentos e deformações reais
da estrutura.
Existem várias formas de aplicar este método à análise incremental de uma estrutura elas-
toplástica. Por um lado, é possível adoptar a lógica incremental e calcular o deslocamento por
soma dos deslocamentos em cada parcela incremental — recorde-se que, entre os instantes de
formação das rótulas plásticas, a estrutura se comporta como uma estrutura elástica de hiperes-
tatia cada vez mais reduzida. Mas, é também possível calcular qualquer deslocamento de uma
só vez, da forma que se exemplifica de seguida.
Há apenas que ter cuidado com o trabalho realizado nas rótulas plásticas e na sua eventual
contabilização na equação do trabalho virtual. De facto, numa rótula plástica existe uma rotação
relativa não nula, ao mesmo tempo que, e ao contrário das verdadeiras rótulas, o momento é
também não nulo.
Porém, em estruturas hiperestáticas não colapsadas é sempre possível equilibrar a carga uni-
tária através de uma distribuição de esforços que apresenta valores nulos do momento em todas
as rótulas plásticas já formadas (e esforço normal nulo em tirantes plastificados). Desta forma,
o trabalho virtual nas rótulas plásticas é nulo e apenas deve ser contabilizado o trabalho dos

38
esforços equilibrados nas deformações elásticas da estrutura analisada.
Em contrapartida, se a estrutura já tiver colapsado, não é, obviamente, possível arranjar uma
distribuição de esforços em equilíbrio nas condições indicadas no parágrafo anterior — seria
equivalente a equilibrar a carga unitária numa estrutura hipostática. Mas é também verdade
que a determinação de deslocamentos numa estrutura em colapso é um problema obviamente
indeterminado.
Para exemplificar o cálculo de deslocamentos e o traçado da trajetória de equilíbrio, retoma-
se o exemplo da viga hiperestática (desprezam-se como habitualmente as deformações por
corte). Pretende-se calcular o valor do deslocamento vertical do ponto B em 3 situações: para
P = P1 (1ª rótula plástica), para P = P2 = Pu (iminência do colapso) e para P = 0 (des-
locamento residual, após descarga). Os diagramas de momentos fletores nestas três situações
constam das figuras 25 e 26, a que correspondem as curvaturas elásticas dadas por R1 = EI M
em
todas as secções excepto no encastramento A. O (único) diagrama que equilibra a carga unitária
aplicada em B e que satisfaz MA = 0 está representado na figura 27 e as integrações necessá-
rias para o cálculo dos deslocamentos pretendidos estão indicadas na figura 28. Finalmente, as
trajetórias de equilíbrio obtidas, relativas á carga e descarga, estão representadas na figura 29,
onde se indica também, de modo qualitativo, a trajetória real, isto é, a que se obteria se não se
tivesse admitido o modelo simplificado das rótulas plásticas.


=0 A D
B C

1
2 3
3

M + 2L
9

Figura 27: Diagrama M para o cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-


apoiada.

R −Mp
2
1 5 Mp L
δB1 = EI Mp
= 162 EI
L 2Mp
2L 9 3 3
9
R −Mp
2
1 10 Mp L
δB2 = EI = 162 EI
L 2Mp
2L 9 3 Mp
9
R
2 2
1 5 Mp L 3.333 Mp L
δBr = EI 2Mp Mp = 243 EI = 162 EI
L Mp
2L 9 9
9 3
9
Figura 28: Cálculo do deslocamento vertical de B na viga encastrada-apoiada para P = P1 ,
P = P2 = Pu e para P = 0 (deslocamento residual após descarga a partir da
iminência do colapso). As contas detalhadas foram omitidas.

39
P modelo da rótula plástica
4Mp
Pu = P2 = L
3Mp
P1 = L real
3Mc
Pc = L
descarga

δBr δB1 δB2 δB


Figura 29: Trajetória carga-deslocamento da viga encastrada-apoiada.

3.8 Utilização do PTV para o cálculo de cargas de colapso


A carga última ou de colapso Pu é, sem dúvida, a grandeza mais importante que interessa
conhecer na resposta não linear de uma estrutura de comportamento elastoplástico. A análise
incremental atrás descrita é uma forma de a obter, que porém pode ser bastante trabalhosa,
especialmente para estruturas de elevado grau de hiperestatia a que correspondem trajetórias
complicadas com muitos troços.
Se o mecanismo de colapso for conhecido, existe uma forma mais direta de obter a carga
última, que se baseia no facto de o colapso da estrutura ser estaticamente determinado.17 Efe-
tivamente, uma estrutura n vezes hiperestática colapsa normalmente com a formação de n + 1
rótulas plásticas (ou tirantes plastificados). Isto significa que as n incógnitas hiperestáticas mais
o valor da carga de colapso Pu podem ser determinadas com base nas n + 1 equações que re-
sultam de igualar o momento M nas rótulas plásticas ao valor da resistência plástica Mp (ou
N = Np ). Esta observação mostra que as características elásticas da estrutura, embora funda-
mentais para a determinação da trajetória de equilíbrio, são irrelevantes para o cálculo de Pu .
Exemplifica-se o processo com o cálculo de Pu na viga encastrada-apoiada atrás considerada.
Considerando o mecanismo de colapso, representado na figura 25 em baixo, é evidente que os
momentos em A e C devem valer, respetivamente, MA = −Mp e MC = Mp . Estes momentos
podem também ser calculados por equilíbrio a partir da reacção vertical em D, VD , e da carga
última Pu . Escreve-se então
( ( (
3M
MA = −Mp VD L − P L3 − P 2L
3 = −M p VD = L p
⇒ ⇒ 4M (19)
MC = M p VD L3 = Mp Pu = L p

o que é, sem dúvida, uma forma muito mais rápida de calcular Pu .


Em alternativa, é possível escrever apenas uma única equação de equilíbrio, recorrendo ao
PTV. Para tal, considera-se o campo de deslocamentos virtuais coincidente com o mecanismo
de colapso, tal como representado na figura 30. Observando que os centros instantâneos de
rotação dos dois corpos coincidem com os pontos A e D, calculando o deslocamento do ponto
C com base na rotação de cada um dos corpos, obtém-se a relação entre as rotações virtuais,

2L L
δrCy = δθ1 = δθ2 ⇒ δθ2 = 2δθ1
3 3

Como entre rótulas o deslocamento virtual é de corpo rígido, as únicas forças internas que
produzem trabalho são os momentos (plásticos) instalados nas rótulas. Estes trabalhos nas
rótulas plásticas são sempre negativos já que a rotação relativa tem sempre sentido contrário ao
do momento plástico — ver novamente a figura 19.
17
Ter porém em atenção o caso especial dos mecanismos parciais discutidos na secção 3.9.

40
Pu Pu

δθ1 = δθ δθ2 = 2δθ


A D
B 3δθ
L C
3 δθ
2L
3 δθ

Figura 30: Utilização do PTV para o cálculo de Pu na viga encastrada-apoiada.

Assim, a equação dos trabalhos virtuais tem por única incógnita o valor de Pu , permitindo
calcular facilmente o seu valor:
L 2L 4Mp
δWext + δWint = 0 ⇒ Pu δθ + Pu δθ − Mp δθ − Mp 3δθ = 0 ∀δθ ⇒ Pu =
3 3 L
(20)

Note-se que este procedimento é apenas uma forma mais eficiente de condensar as equações de
equilíbrio, as quais, complementadas com o conhecimento dos momentos nas rótulas plásticas,
permitem a determinação de Pu . Tanto as equações (19) como as equações (20) são manifesta-
ções do mesmo princípio: um mecanismo de colapso é estaticamente determinado.
Observe-se que os resultados anteriores dependem da localização das rótulas plásticas no
mecanismo de colapso, o qual, contudo, não é geralmente conhecido à partida. É importante
chamar a atenção que o cálculo da carga de colapso tendo por base um mecanismo que não o
verdadeiro conduz a um resultado errado, mais elevado e, portanto, contra a segurança.
Assim, tal como apresentado, este tipo de análise é apenas útil para verificar o valor da carga
de colapso determinada previamente através de uma análise incremental, a qual terá permitido
também identificar o mecanismo de colapso.
Porém, existem casos em que o mecanismo de colapso é óbvio por só haver um plausível. Por
exemplo, numa viga encastrada-apoiada submetida à acção de apenas uma carga concentrada,
o diagrama de momentos apresenta extremos locais apenas na secção de encastramento e na
secção de aplicação da carga, pelo que só existem duas secções candidatas à formação das duas
rótulas plásticas necessárias para a formação do mecanismo de colapso. Nestas situações, a
determinação da carga última por esta via é fácil e sem problemas.
Resta acrescentar que mesmo desconhecendo o mecanismo de colapso, é possível, ainda
assim, determinar a carga última através da denominada análise limite. Este tipo da análise,
que será explicado na secção 4, baseia-se (i) na consideração de vários mecanismos, a que
correspondem, por equilíbrio, diferentes valores do parâmetro de carga e (ii) num conjunto de
teoremas estabelecendo majorantes e minorantes da carga de colapso.

3.9 Mecanismos de colapso globais, parciais e múltiplos


Em geral, o mecanismo de colapso de uma estrutura hiperestática de grau n envolve a formação
de n+1 secções plastificadas (rótulas plásticas e/ou tirantes plastificados). Quando isto acontece
o mecanismo é dito global e, como se viu atrás, o colapso é estaticamente determinado. Mas
existem situações em que o número de plastificações no colapso é menor ou maior do que n + 1.
Quando apresenta um número de secções plastificadas menor que n + 1, o mecanismo é
classificado como parcial. Esta designação justifica-se porque muitas vezes o mecanismo parcial
envolve apenas o colapso de uma parte da estrutura. Um dos exemplos mais representativos
é o colapso de uma consola envolvendo apenas uma rótula plástica, independentemente de
essa consola poder pertencer a uma estrutura muito hiperestática. Mas a designação é algo
enganadora, pois o mecanismo parcial pode implicar o movimento de toda a estrutura. Em

41
qualquer dos casos, como o número de secções em que se conhece o valor do esforço no colapso
é reduzido, não é possível obter os diagramas de esforços em toda a estrutura apenas com base
no equilíbrio, embora seja sempre possível a obtenção da carga última.
Por outro lado, quando o colapso envolve mais do que n + 1 secções plastificadas — o que
implica necessariamente a ocorrência de duas ou mais plastificações simultâneas —, o meca-
nismo de colapso tem mais do que um grau de liberdade e, por essa razão, é designado por
múltiplo. Mecanismos múltiplos ocorrem mais frequentemente em estruturas de geometria e
carregamento simétricos.

n=2
2 rótulas plásticas
mecanismo parcial

n=2
3 rótulas plásticas
mecanismo global

n=3
4 rótulas plásticas
mecanismo global

n=6
6 rótulas plásticas
mecanismo parcial

n=1
3 rótulas plásticas
mecanismo múltiplo

Figura 31: Mecanismos globais, parciais e múltiplos

Na figura 31 desenham-se vários exemplos de mecanismos globais, parciais e múltiplos.


Pode-se constatar nesses exemplos que é possível ter um mecanismo global onde parte da estru-
tura permanece imóvel no colapso e, pelo contrário, é possível ter um mecanismo parcial que
envolve o movimento de toda a estrutura. O factor determinante é mesmo a relação entre o

42
número de rótulas plásticas e o grau de hiperestatia da estrutura e, evidentemente, as referidas
consequências na determinação estática e no número de graus de liberdade do mecanismo de
colapso.
Do ponto de vista da análise incremental, a principal consequência da ocorrência tanto de
mecanismos parciais como múltiplos é que o número de troços da trajetória de equilíbrio é
menor do que os n + 2 esperados à partida.18

18
Para além dos n troços hiperestáticos, há que contar com o troço isostático e com o troço horizontal correspon-
dente ao mecanismo propriamente dito . Por exemplo, a trajetória apresentada na figura 29, relativa a uma estrutura
uma vez hiperestática, tem 3 troços.

43
44
4 Análise limite de estruturas elastoplásticas
4.1 Introdução
A carga última (ou de colapso) de uma estrutura de comportamento elastoplástico pode também
ser determinada por análise limite. Esta técnica baseia-se na procura direta do mecanismo de
colapso e da distribuição de esforços que lhe corresponde, não se preocupando com a história
de formação de rótulas plásticas nem permitindo obter a trajetória de equilíbrio (em contraste
com à análise incremental descrita na secção 3). Embora não forneça tanta informação como a
análise incremental, permite obter o principal resultado da análise do comportamento de uma
estrutura elastoplástica — a carga última — de uma forma muito mais expedita.
A análise limite fundamenta-se num conjunto de três teoremas, cujo enunciado e aplicação
serão descritos mais à frente na presente secção. A sua aplicação permite obter ou o valor exato
da carga de colapso (em problemas simples) ou, em alternativa, um intervalo para esse valor,
o que na maior parte dos casos é suficiente em termos práticos. Estes teoremas foram demons-
trados por Drucker, Prager e Greenberg (1952) na sua forma mais geral (envolvendo estados
de tensão multiaxiais), mas aqui considera-se apenas a sua aplicação às estruturas consideradas
anteriormente (estruturas reticuladas onde se admitem estados de tensão uniaxial e modos de
colapso envolvendo a formação de rótulas plásticas ou a plastificação de barras biarticuladas).
Por vezes a análise limite é apresentada recorrendo a um conjunto de hipóteses mais exigente
do que o realmente necessário. Mas, na verdade, apenas são necessárias as seguintes hipóteses:
carregamento proporcional — o carregamento aplicado à estrutura é proporcional a um pa-
râmetro de carga.

comportamento geometricamente linear — o comportamento da estrutura é geometrica-


mente linear, tanto na fase elástica, como após a primeira cedência ou mesmo após a
formação do mecanismo de colapso.

comportamento material plástico — o material pode ceder indefinidamente sem nunca atin-
gir a rotura ou perda de resistência, verificando-se −σc ≤ σ ≤ σc , independentemente da
história de deformações registada (por exemplo, é irrelevante a ocorrência de cargas, des-
cargas ou recargas).19 O material «elástico–perfeitamente plástico» satisfaz obviamente
esta condição. No presente contexto, pode dizer-se que os esforços em todas as secções
verificam a condição de plastificação

−Mp ≤ M ≤ Mp (flexão) −Np ≤ N ≤ Np (tração)

De resto, estas hipóteses são também partilhadas pela análise incremental. É interessante ob-
servar que a análise limite não necessita de admitir o modelo da rótula plástica, já que a análise
limite não se preocupa com a obtenção de trajetórias de equilíbrio (nem é capaz de as obter). Na
verdade, como veremos, a aplicação da análise limite é independente das deformações elásticas
e também do espalhamento das zonas plásticas nas secções parcialmente plastificadas.
No que se segue é útil a consideração das seguintes classificações:
mecanismo cinematicamente admissível — estrutura em que o número de secções total-
mente plastificadas (rótulas plásticas e/ou tirantes plastificados) é suficiente para que a
estrutura se comporte como um mecanismo. Nessas secções, o valor absoluto do esforço é
igual ou superior20 ao valor de plastificação, sendo o seu sinal determinado pelo sentido
da rotação relativa.
19
No caso de se considerarem estados de tensão multiaxiais (o que está fora do âmbito deste texto), exige-se que
a superfície de cedência seja convexa.
20
Na verdade, podia-se omitir a expressão «ou superior», mas do ponto de vista estritamente cinemático não é
necessário exigir a igualdade estrita.

45
esforços estaticamente admissíveis — distribuição de esforços na estrutura na qual os valores
de plastificação não são ultrapassados em nenhuma secção.
Como é evidente, no colapso forma-se um mecanismo cinematicamente admissível, ao qual
corresponde uma distribuição de esforços estaticamente admissível.

4.2 Carga de um mecanismo cinematicamente admissível


Como se viu na secção 3.8, admitindo um determinado mecanismo é possível utilizar o PTV para
determinar qual é o valor do parâmetro de carga que está em equilíbrio com os momentos plás-
ticos que ocorrem nas rótulas plásticas inerentes a esse mecanismo. Nessa secção, o mecanismo
considerado correspondia ao verdadeiro mecanismo de colapso, pelo que se obteve o verdadeiro
valor da carga última.
Vamos agora avaliar as consequências de partir de um mecanismo incorreto. Assim,
considere-se o mecanismo cinematicamente admissível representado na figura 32, o qual en-
volve a formação de uma rótula plástica (negativa) em A e outra (positiva em B), o que por si
só é suficiente para conhecer o valor do momento nessas duas secções.
5Mp
Pk Pk = L

2δθ δθ
A D

2L 3δθ C L
3 δθ
B 3 δθ

−Mp

M
Mp +
4Mp
5Mp 3
[Pk = L ]

Figura 32: Utilização do PTV para o cálculo de P associado a um mecanismo incorreto na


viga encastrada-apoiada. Diagrama de momentos fletores correspondente.

Seguindo um processo análogo ao seguido na escrita da equação (20) — optando por passar
os termos negativos do trabalho das forças interiores logo para o segundo membro onde se
tornam positivos — obtém-se para este mecanismo
2L L 5Mp
δWext + δWint = 0 ⇒ Pk δθ + Pk δθ = Mp 2δθ + Mp 3δθ ∀δθ ⇒ Pk =
3 3 L
(21)
Utiliza-se a letra k («kinematic») para referir o mecanismo cinematicamente admissível para não
confundir Pk com a carga de cedência Pc .
Observando que Pk é superior à verdadeira carga de colapso Pu , este cálculo mostra que a
determinação da carga de colapso com base num mecanismo que não temos a certeza de ser
o verdadeiro é um procedimento arriscado que pode conduzir a resultados errados (e contra a
segurança).
Contudo, uma análise mais aprofundada deste mecanismo permite-nos detectar que o me-
canismo não pode ser o verdadeiro, bastando traçar o diagrama de momentos correspondente
à localização das duas rótulas e ao valor calculado para o parâmetro de carga e verificar a sua
validade. Para tal, começa-se por calcular a reação em D,
2L L 2L 5Mp L 4Mp
M B = VD − P = VD − = Mp ⇒ VD = (22)
3 3 3 L 3 L

46
para depois calcular o valor de MC
L 4Mp L 4
M C = VD = = Mp (23)
3 L 3 3
O diagrama resultante está também incluído na figura 32, sendo visível que existe uma
parte desse diagrama (assinalada a vermelho) que não respeita a condição de plastificação
−Mp < M < +Mp . Ou seja, o mecanismo cinematicamente admissível está em equilíbrio com
uma distribuição de esforços que não é estaticamente admissível, pelo que não pode ser o ver-
dadeiro mecanismo de colapso.

4.3 O teorema cinemático


Não foi por acaso que o parâmetro de carga calculado com base num mecanismo cinemati-
camente admissível é superior a Pu . De facto, um dos teoremas da análise limite estabelece
precisamente essa relação:

teorema cinemático — Um parâmetro de carga Pk em equilíbrio com os esforços de um meca-


nismo cinematicamente admissível é um majorante da carga de colapso Pu
Pu ≤ Pk

Para não sobrecarregar a exposição e a notação, o esboço de demonstração que se apresenta


de seguida considera apenas carregamentos constituídos por forças concentradas e mecanismos
envolvendo a formação de rótulas plásticas, mas a sua generalização a carregamentos mais
gerais ou mecanismos envolvendo também plastificações de tirantes é relativamente simples.
A demonstração baseia-se na dupla aplicação do PTV. Recorde-se que na aplicação deste
princípio se utiliza uma solução compatível e uma solução equilibrada, as quais podem ou não
estar relacionadas. No que segue, escolhem-se sempre para soluções compatíveis, mecanismos
nos quais as barras entre rótulas se conservam rígidas — pelo que o trabalho das forças internas
inclui apenas o trabalho realizado nas rótulas do mecanismo considerado.
Em primeiro lugar, considere-se um mecanismo cinematicamente admissível como solução
compatível e o carregamento e distribuição de momentos que lhe está associado como solução
equilibrada. Admita-se, adicionalmente, que o sentido do mecanismo foi escolhido de modo a
que o trabalho (total) das forças exteriores seja positivo.
Deste modo, o cálculo do parâmetro de carga Pk que corresponde a este mecanismo cinema-
ticamente admissível pode ser obtido a partir de
nF nk
(k) (k) (k)
X X
Pk Fi δui = Mi δθi (24)
i=1 i=1

o que constitui a generalização da equação (21). Nesta expressão (24), nF é o número de forças
(k)
aplicadas, Fi corresponde à iésima dessas forças no perfil de carregamento e δui é o desloca-
mento sofrido pelo ponto de aplicação da iésima carga nesse mesmo mecanismo.21 Relativamente
ao trabalho das forças internas, nk é o número de rótulas plásticas envolvidas no mecanismo ci-
(k) (k)
nematicamente admissível, Mi é o valor do momento nessas rótulas e δθi é a rotação relativa
em cada uma das rótulas do mecanismo considerado. Como existe coincidência entre a solução
compatível e a equilibrada, o momento nas rótulas é necessariamente o de plastificação.22
21
No exemplo considerado, o perfil de carregamento são duas forças de valor unitário F1 = F2 = 1, a que
(k) (k)
correspondem os deslocamentos δu1 = 2L 3
δθ e δu2 = L3 δθ. Na presença de outro tipo de cargas, tais como
(k)
momentos aplicados ou cargas distribuídas, δui pode representar uma rotação ou um integral de deslocamentos.
22 (k) (k)
No exemplo anterior, no mecanismo com rótulas em A e B tem-se M1 = −Mp e M2 = Mp a que corres-
(k) (k)
pondem rotações relativas do mesmo sinal, δθ1 = −2δθ e δθ2 = 3δθ. Havendo tirantes plastificados, algumas
das parcelas deste último somatório devem ser substituídas pelo produto de um esforço axial pelo alongamento do
tirante.

47
De seguida, continue a considerar-se o mecanismo cinematicamente admissível como solu-
ção compatível, mas adote-se como solução equilibrada a que corresponde à verdadeira carga
de colapso Pu e à respetiva distribuição de esforços no colapso. A equação do PTV fica então
nF nk
(k) (u) (k)
X X
Pu Fi δui = Mi δθi (25)
i=1 i=1

(u)
onde Mi são os momentos no colapso, observados nas secções que constituem as rótulas do
mecanismo cinematicamente admissível. Não existindo agora coincidência entre a solução com-
patível e a equilibrada, estes valores não são forçosamente iguais a momentos de plastificação.23
Em cada uma das parcelas relativas às forças internas verifica-se a seguinte relação24
(u) (k) (k) (k)
Mi δθi ≤ Mi δθi (26)

(k) (u) (k)


De facto, se a rotação relativa δθi ≥ 0, verifica-se Mi ≤ Mp = Mi e, inversamente, se
(k) (u) (k)
δθi ≤ 0, verifica-se Mi ≥ −Mp = Mi . Verificando-se esta relação entre cada uma das par-
celas do somatório, também se verifica entre os somatórios totais.
Assim, das equações (24) e (25) e das inequações (26) pode concluir-se
P(u) (k) P (k) (k)
Mi δθi M δθi
Pu = P (k)
≤ P i (k)
= Pk ⇒ Pu ≤ Pk (27)
Fi δui Fi δui

que é o resultado que se queria demonstrar. Na escrita da inequação (27) tirou-se partido do
facto de o parâmetro de carga poder ser posto em evidência (saindo, portanto, para fora dos
somatório do trabalho das forças exteriores), e da hipótese, admitida atrás, de o sentido do
P (k)
mecanismo corresponder a um trabalho das forças exteriores positivo, isto é, a Fi δui > 0
(o que, aliás, é o que faz sentido para obter um parâmetro de carga positivo).
O teorema cinemático permite estabelecer majorantes da carga de colapso, o que do ponto de
vista da verificação da segurança não é muito útil, já que, quando se verifica que o mecanismo
não é estaticamente admissível, não há garantias de o colapso não se dar para valores muito
inferiores do majorante obtido.
Existem duas formas de lidar com esta limitação.
Em primeiro lugar, note-se que, como corolário do teorema cinemático, pode afirmar-se que
o parâmetro de carga de colapso Pu é o menor dos valores que se obtêm considerando todos os
mecanismos cinematicamente admissíveis. Em alguns problemas simples,25 este facto permite
por si só a determinação expedita da carga de colapso, mas é incomportável para problemas de
maior dimensão.
Numa segunda alternativa, os resultados obtidos a partir do teorema cinemático devem ser
complementados com uma abordagem estática que se apresenta de seguida.

4.4 Carga de uma distribuição de esforços estaticamente admissível


Enquanto na secção 4.2 se estudou um mecanismo cinematicamente admissível que não corres-
pondia a uma distribuição de esforços estaticamente admissível, a nossa atenção incidirá agora
23
De facto, no exemplo anterior, admitindo o mecanismo com rótulas em A e B e consultando o diagrama de
(u) (u)
momentos no colapso que consta da figura 25, tem-se M1 = −Mp e M2 = 23 Mp .
24
A consulta das notas de rodapé 22 e 23 pode ajudar na interpretação desta inequação.
25
No exemplo da viga encastrada-apoiada que tem vindo a ser considerado, apenas são razoáveis os dois me-
canismos cinematicamente admissíveis analisados até aqui (nas secções 3.8 e 4.2). Um outro aparente candidato
envolveria a formação de rótulas em B e C, mas isso exigiria a formação de uma rótula plástica em B com momento
negativo, ao mesmo tempo que a presença da carga em B só pode estar associada a um máximo local do momento,
pelo que este mecanismo é de excluir logo à partida.

48
sobre a situação inversa: distribuições de esforços estaticamente admissíveis que não correspon-
dem a mecanismos cinematicamente admissíveis.
Existem várias formas de gerar distribuições estaticamente admissíveis com algum potencial.
Por exemplo, podemos arbitrar valores para as incógnitas hiperestáticas (em função de P ou
não), traçar os diagramas em função de P e depois calcular qual é o maior valor de P que ainda
satisfaz a admissibilidade estática.
Mas, do ponto de vista prático, é geralmente mais fácil partir da distribuição de esforços as-
sociada a um mecanismo cinematicamente compatível — e que se revelou não ser estaticamente
admissível — e corrigi-la através da multiplicação por um factor apropriadamente escolhido.
Assim, multiplique-se o diagrama de momentos representado na figura 32 por um factor de
3
4 , de modo a que o maior momento em valor absoluto seja exatamente igual a Mp , obtendo-se
o diagrama apresentado na figura 33. O parâmetro de carga que lhe corresponde é também
obtido pela multiplicação pelo mesmo factor,

3 3 5Mp Mp
Ps = Pk = = 3.75 (28)
4 4 L L

Para manter a consistência com a notação introduzida atrás utiliza-se agora a letra s («static»)
para referir a distribuição estaticamente admissível.

Mp
Ps Ps = 3,75 L

A B C D
(não é um mecanismo)

(M = −Mp )
3Mp
− 4 −
M 3Mp
4
Mp
[Ps = 3,75
Mp +
L ]
(M = Mp )
Figura 33: Diagrama de momentos fletores estaticamente admissível e correspondente pa-
râmetro de carga.

Apesar deste diagrama ser indubitavelmente estaticamente admissível (não são ultrapassa-
dos os momentos de plastificação), não é suscetível de gerar um mecanismo cinematicamente
admissível. De facto, a formação de uma única rótula plástica — em C — é neste caso insufici-
ente para a estrutura se comportar como um mecanismo.
Não sendo esta a distribuição de esforços no colapso, põe-se a questão de qual a relação entre
o valor de Ps obtido e a verdadeira carga de colapso Pu . Do ponto de vista intuitivo, o diagrama
da figura 33 sugere que ainda é possível aumentar o valor do parâmetro de carga, facto que será
demonstrado na próxima secção. Nessas condições, reunindo a informação recolhida na secção
4.2 e na presente secção 4.4, podemos estabelecer que a verdadeira carga de colapso deve estar
compreendida no intervalo

Mp Mp
Ps ≤ Pu ≤ Pk ⇒ 3,75 ≤ Pu ≤ 5
L L

Como não podia deixar de ser, o valor anteriormente determinado para a carga de colapso,
M
Pu = 4 Lp , está dentro destes limites.

49
4.5 O teorema estático
O resultado intuído atrás pode ser colocado numa base mais rigorosa recorrendo ao segundo
dos teoremas da análise limite:

teorema estático — Um parâmetro de carga Ps em equilíbrio com uma distribuição de esforços


estaticamente admissível é um minorante da carga de colapso Pu

Ps ≤ Pu

A demonstração deste teorema é muito semelhante à do teorema cinemático, recorrendo à


dupla aplicação do PTV. A diferença é que agora a solução compatível é sempre a do verdadeiro
mecanismo de colapso, ao mesmo tempo que as soluções equilibradas são (i) a carga e os esfor-
ços do colapso, ou (ii) a carga e uma distribuição de esforços estaticamente admissíveis. Tem-se
então, por um lado
nF nu
(u) (u) (u)
X X
Pu Fi δui = Mi δθi (29)
i=1 i=1

(u) (u)
onde Pu é a carga de colapso, Mi são os momentos nas rótulas plásticas no colapso e δui e
(u)
δθi são os deslocamentos dos pontos de aplicação das nF cargas e as rotações relativas nas nu
rótulas, todos referentes ao mecanismo de colapso. Por outro lado, tem-se também
nF nu
(u) (s) (u)
X X
Ps Fi δui = Mi δθi (30)
i=1 i=1

(s)
onde Ps é a carga da distribuição estaticamente admissível e Mi são os momentos dessa dis-
tribuição calculados nas secções onde se formam as rótulas plásticas do mecanismo de colapso.
Em cada uma das parcelas relativas às forças internas verifica-se agora a seguinte relação
(s) (u) (u) (u)
Mi δθi ≤ Mi δθi (31)
(u) (s) (u) (u)
pois se a rotação relativa δθi ≥ 0, verifica-se Mi ≤ Mp = Mi e, inversamente, se δθi ≤ 0,
(s) (u)
verifica-se Mi ≥ −Mp = Mi .
Assim, das equações (29) e (30) e das inequações (31) pode concluir-se
P (s) (u) P (u) (u)
Mi δθi M δθi
Ps = P (u)
≤ P i (u)
= Pu ⇒ Ps ≤ Pu (32)
Fi δui Fi δui

4.6 Metodologia para obtenção da carga de colapso


Os dois teoremas da análise limite podem ser combinados num terceiro:

teorema da unicidade — Um parâmetro de carga em equilíbrio com um mecanismo cinema-


ticamente admissível e com uma distribuição de esforços estaticamente admissível é o
verdadeiro parâmetro de carga de colapso Pu .

Note-se que a correta identificação da carga de colapso, não significa necessariamente que se
tenha identificado o mecanismo de colapso — já que este pode ser múltiplo — ou a distribuição
de esforços no colapso — a qual pode ser parcialmente indeterminada no caso de um mecanismo
parcial. A este respeito, recordem-se os comentários tecidos na secção 3.9. Mas vale a pena notar
que a validade e aplicação dos teoremas da análise limite são independentes de qual é o tipo de
mecanismo de colapso.

50
O conjunto dos três teoremas da análise limite permite adotar a seguinte estratégia para a
obtenção da carga de colapso (ou de um intervalo suficientemente apertado):

Metodologia

1. Escolher um mecanismo verosímil;

2. Utilizar a equação do PTV e o teorema cinemático para obter um majorante Pk ;

3. Traçar os diagramas de esforços, usando as equações de equilíbrio, o valor de Pk


e os esforços nas rótulas plásticas (ou nos tirantes plastificados);

4. Se essa distribuição de esforços for estaticamente admissível, pelo teorema da


unicidade, já se encontrou a carga de colapso, Pu = Pk ;

5. Caso contrário, aplicar um factor de escala para obter uma distribuição estatica-
mente admissível e obter, através do teorema estático, um minorante Ps ;

6. Se o intervalo não for satisfatório, considerar como próximo candidato um me-


canismo que inclua rótulas plásticas (ou tirantes plastificados) nas secções mais
solicitadas.

4.7 Exemplos de aplicação


Para ilustrar a aplicação da metodologia apresentada atrás, segue-se um conjunto de exemplos
representativos. O primeiro exemplo é referente a uma estrutura articulada.

Exemplo: Determinar um intervalo para (ou o valor de) Pu no caso da estrutura articulada
considerada na secção 3.4.

A estrutura é uma vez hiperestática, pelo que à partida é necessária a plastificação de


duas barras. Comece-se por admitir como mecanismo verosímil, aquele que resulta da
plastificação das barras BC e CD , as quais são assim retiradas da estrutura, devendo ser
substituídas pelo esforço de plastificação Np .
21
3P 3P = 15 Np
7
C Np Np P = 15 Np Np
P D
4δθ 2
Np 3 Np C Np
3
δθ 3δθ
Np Np
5 3 5
A 3 Np
4 B
B 4
3 Np

4 4

Neste cenário as barras AB e BD permanecem imóveis no mecanismo (a treliça ABD é isostá-


tica). Para que as cargas produzam trabalho positivo, a barra AC deverá rodar (em torno de
A) no sentido dos ponteiros do relógio, pelo que se conclui que as duas barras plastificadas
devem plastificar à compressão. Na figura acima representa-se o mecanismo e os esforços
nas barras plastificadas, bem como os deslocamentos do ponto C em função da rotação δθ. O

51
desenho do mecanismo deve respeitar a hipótese dos pequenos deslocamentos, em particular
no que diz respeito aos deslocamentos serem perpendiculares à linha que os une ao centro
de rotação. Note-se ainda que não é imprescindível o desenho rigoroso, mas não pode haver
dúvidas sobre o valor (das componentes) do deslocamento dos pontos notáveis.
A equação de trabalhos fica então (mais uma vez, o trabalho negativo das forças interio-
res é inscrito como positivo no segundo membro da equação)
7
3P 4δθ + P 3δθ = Np 4δθ + Np 3δθ ⇒ P = Np = 0,467Np
15
Para verificar a admissibilidade estática, recorre-se ao equilíbrio dos nós B e C (em conjunto
com o valor de P obtido), determinando-se os esforços das restantes barras: NAC = − 23 Np ;
NAB = − 43 Np e NBD = + 53 Np (ver esquemas à direita na figura).
Conclui-se que a barra mais esforçada é a barra BD, cujo valor absoluto do esforço axial
excede o valor de Np . De acordo com a metodologia apresentada, isto significa que o verda-
deiro parâmetro de colapso deve estar compreendido entre
3 7 7
0,280Np = Np ≤ P ≤ Np = 0,467Np
5 15 15
Este intervalo é ainda bastante grande, pelo que se considera um novo candidato para
mecanismo de colapso, o qual admite a plastificação das barras BD — a mais esforçada no
mecanismo anterior — e CD. Note-se que não faz sentido admitir a plastificação das barras
BD e BC porque, nesse caso, o ponto C ficaria imóvel (em virtude de as barras AC e CD se
manterem rígidas) e as forças exteriores não realizariam trabalho.
3δθ
27
3P 3P = 25 Np
9
P Np Np P = 25 Np Np
D
C 4δθ 3
4 C 5 Np
Np 5 Np
3
δθ 3
5 3 5 Np
B Np Np
A 4
δθ 4
B
4δθ 5 Np
4 4

O mecanismo envolve agora a rotação (infinitesimal) de corpo rígido do triângulo ABC em


torno do apoio A e a plastificação das barras CD (compressão) e BD (tração). Na figura acima
resume-se toda a informação necessária relativa ao mecanismo e à sua posterior verificação
estática.
O valor da carga que corresponde a este mecanismo é
3 9
3P 4δθ + P 3δθ = Np 4δθ + Np 3δθ ⇒ P = Np = 0,360Np
5 25
a que correspondem os esforços nas barras não plastificadas: NAB = + 54 Np ; NAC = − 45 Np
e NBC = − 35 Np , todos estaticamente admissíveis. Pelo teorema da unicidade concluímos
então que

Pu = 0,360Np

valor que, como não podia deixar de ser, coincide com o determinado anteriormente, na
secção 3.4, por análise incremental.

Note-se que a metodologia indicada pode ser adaptada consoante a natureza do problema.
Por exemplo, se o número de mecanismos candidatos é muito limitado, pode ser vantajoso a
determinação da carga correspondente a vários mecanismos, mais fácil de fazer, e selecionar o

52
melhor candidato — o que corresponde ao menor valor da carga de colapso — e proceder à
verificação da admissibilidade estática, mais trabalhosa de realizar, apenas para este candidato.
Se foram ensaiados todos os mecanismos possíveis, o mecanismo selecionado é necessariamente
o verdadeiro pelo que esta verificação serve apenas como derradeira confirmação. Se, pelo con-
trário, foram experimentados apenas alguns candidatos, esta técnica tem pelo menos o mérito
de conduzir, após a verificação da admissibilidade estática, a um intervalo mais apertado para a
verdadeira carga de colapso.
A determinação de um intervalo para a carga de colapso é especialmente relevante na pre-
sença de cargas distribuídas que tornam difícil a localização das rótulas plásticas de vão. O
próximo exemplo ilustra este aspeto, para além de incluir barras com várias resistências plásti-
cas (por flexão ou tração).

Exemplo: Determinar um intervalo para (ou o valor de) Pu no caso da estrutura represen-
tada em baixo, a qual está submetida à ação de uma carga concentrada horizontal de valor
P no topo do pilar e de uma carga distribuída de valor PL na viga horizontal. Duas das
barras têm momentos plásticos de valor MpAB = Mp (pilar) e MpBC = 2Mp (viga), que se
admitem independentes do esforço normal, e o esforço axial de plastificação do tirante vale
3M
NpCD = L p .

D
L P 3Mp
L NpCD = L

P B MpBC = 2Mp C

L
MpAB = Mp
A
3L

A estrutura é uma vez hiperestática, pelo que à partida os mecanismos envolvem duas
secções plastificadas. Mas existem muitas possibilidades, pelo que se começa por considerar
três mecanismos distintos.

primeiro mecanismo:

D
Lδθ
P δθ
L

P B Mp C
Mp
δθ
A

Mp

O primeiro mecanismo envolve rótulas nas duas extremidades do pilar AB. O pilar AB roda
em torno de A e o tirante CD roda em torno de D, pelo que ambas as extremidades da viga
se deslocam na horizontal o que implica que a viga está em translação. A partir do desenho
do mecanismo escreve-se a equação dos trabalhos
Mp
P Lδθ = Mp δθ + Mp δθ ⇒ P =2
L

53
Na escrita desta equação teve-se em atenção que a rótula em B se forma para
M = MpAB = Mp , valor que corresponde à menor resistência das barras que concor-
rem no ponto B, e ainda ao facto de a rotação relativa em B coincidir com a rotação da barra
AB, já que a barra BC está em translação.

segundo mecanismo:

D
Lδθ
P
L

C
P B 3Mp
Np = L
3Lδθ
δθ

Mp

O segundo mecanismo envolve a plastificação do tirante e uma rótula plástica na base do


pilar. A estrutura ABC roda em torno de A e a equação de trabalhos revela que
 
P 3L 3Mp 20Mp Mp
P Lδθ + 3L δθ = Mp δθ + (3Lδθ) ⇒ P = = 1,8181
L 2 L 11L L

No cálculo do trabalho da carga distribuída multiplicou-se a resultante da carga distribuída


pelo deslocamento do ponto da viga situado na linha de ação dessa resultante (a meio vão).26

terceiro mecanismo:

D
Lδθ
P δθ
L

P B C 1,5Lδθ
2Mp 2Mp
δθ
A

Mp

O terceiro mecanismo envolve duas rótulas plásticas, na base do pilar e a meio-vão da viga.
Neste caso, a metade esquerda roda em torno de A enquanto o ponto C se desloca na ho-
rizontal, acompanhando a rotação do tirante. Com base no movimento de C e da rótula
plástica de meio-vão, não é difícil concluir que a metade direita da viga roda em torno de
D e que as rotações das duas metades da viga são iguais em valor absoluto. Sendo assim,
tem-se
   
P 1,5L P 1,5L
P Lδθ + 1,5L δθ + 1,5L δθ = Mp δθ + 2Mp 2δθ
L 2 L 2
20Mp Mp
⇒P = = 1,5384
13L L
26
No caso de uma carga distribuída uniforme vertical, o trabalho pode, em alternativa, ser calculado multiplicando
a densidade de carga pelo integral do deslocamento vertical. No presente caso, isso levaria a escrever a segunda
parcela do trabalho das forças exteriores como PL 3L(3Lδθ)
2
, valor que coincide com o apresentado. Note-se porém
que esta técnica alternativa só é válida para cargas uniformes, ao passo que a opção seguida no texto se aplica para
quaisquer cargas aplicadas a um corpo rígido, desde que seja conhecida a linha de ação da resultante.

54
onde foi necessário subdividir a carga distribuída em duas resultantes atuando em cada um
dos corpos rígidos.27
Este terceiro mecanismo é então o melhor candidato por ser o que apresenta o menor
valor do parâmetro de carga. Deixa-se como exercício a obtenção de intervalos para o pa-
râmetro de carga de colapso, baseados nos dois primeiros mecanismos. Para verificar a
admissibilidade estática do terceiro mecanismo, começa-se por calcular a reação vertical em
D (↑), que coincide com o esforço axial do tirante NCD , com base no conhecimento do valor
de P e do momento na rótula plástica da secção de meio-vão,

1 20Mp (1,5L)2 97 Mp Mp 3Mp


RD 1,5L − = 2Mp ⇒ RD = NCD = = 2,4872 < = NpCD
L 13L 2 39 L L L
Para além da verificação do tirante é necessário verificar a resistência à flexão das restantes
barras. O diagrama de momentos fletores (calculado, por exemplo, a partir dos valores de
P e de RD ) está representado em baixo.

B
0,53Mp C
2,01Mp 2Mp

xmax
Mp
A

Em particular, a secção de momento máximo localiza-se no ponto de esforço transverso nulo,


situado a
97 Mp
P RD 39 L 97
−RD + xmax = 0 ⇒ xmax = L= 20Mp
L= L = 1,617L
L P 60
13L

e o momento máximo vale


2 !
P x2max

97 97 1 20 97
Mmax = RD xmax − = − Mp = 2.0105Mp > 2Mp = MpBC
L 2 39 60 2 13 60

Verifica-se assim que esta distribuição de esforços não é estaticamente admissível, embora
por pouco, o que se traduz num intervalo bastante apertado para a carga de colapso:
2 Mp Mp Mp
1,5384 = 1,5304 ≤ Pu ≤ 1,5384
2.0105 L L L

Como se compreende facilmente, um procedimento por tentativa e erro nunca identificará


precisamente a localização da rótula plástica quando esta ocorre no vão sob uma carga distri-
buída. Isto não é um problema porque, em termos práticos, como o exemplo precedente mostra,
a carga de colapso pode ser determinada com uma precisão muito razoável e o verdadeiro me-
canismo de colapso difere muito pouco do considerado.
É porém possível deixar em aberto a localização da rótula e, desse modo, obter precisamente
quer o valor da carga de colapso, quer a geometria exata do mecanismo de colapso, como se
mostra de seguida.

27
Ou então, calcula-se o trabalho da carga distribuída multiplicando a densidade de carga pela área da deformada,
resultando em PL 3L(1,5Lδθ)
2
.

55
Exemplo: Na estrutura analisada no exemplo anterior, determinar exatamente a carga de
colapso.

3L−x
x δθ

D
Lδθ
P δθ
L

P B C (3L − x)δθ
2Mp 3L
2Mp x δθ
δθ
A

Mp
3L − x x

Já sabemos que o mecanismo de colapso envolve uma rótula plástica em A e outra no vão BC.
Seja x a distância da rótula de vão ao ponto C. O centro de rotação da parte direita da viga
estará localizado na vertical de C, podendo estar acima ou abaixo de D, consoante o valor de
x. Em qualquer dos casos, compatibilizando o deslocamento vertical dessa rótula plástica, é
possível concluir que a rotação da parte direita da viga vale 3L−x
x δθ, sendo δθ a rotação da
parte esquerda do pórtico, e, consequentemente, a rotação relativa na rótula plástica de vão
vale δθ + 3L−x 3L
x δθ = x δθ. Com base no desenho do mecanismo que se apresenta em cima,
a equação de trabalhos fica

     
P 3L − x P 3L − x 3L
P Lδθ + (3L − x) δθ + x δθ = Mp δθ + 2Mp δθ
L 2 L 2 x
6L + x
⇒ P (x) = Mp
x(5,5L − 1,5x)

Esta expressão permite calcular o valor do parâmetro de carga para cada valor de x, isto
é, para cada localização da rótula plástica de vão. Em particular, para x = 1.5L recuperamos
M
o valor P = 1,5384 Lp , determinado anteriormente. Pelo teorema cinemático, qualquer
mecanismo cinematicamente admissível corresponde a um majorante da carga de colapso,
pelo que basta determinar o mínimo da expressão P (x), igualando a zero a sua derivada.
Omitem-se os detalhes dos cálculos, mas apresentam-se os resultados
( √
dP (x) xmax = ( 58 − 6)L = 1,616L
=0 ⇒ √ M M
dx P (xmax ) = 2 (47 + 6 58) p = 1,5321 p = Pu
121 L L

A carga de colapso é apenas marginalmente inferior à determinada anteriormente (e, ob-


viamente, dentro do intervalo). A rótula plástica de vão está muito perto de — mas não
coincide com — o ponto de momento máximo que corresponde ao mecanismo anterior. Para
M
ter a certeza de que o valor Pu = 1,5321 Lp é de facto a carga última seria aconselhável a
verificação da admissibilidade estática, tarefa que se omite aqui por ser demasiado parecida
(em método e em valores) à realizada para o terceiro mecanismo.

Finalmente, inclui-se um exemplo que envolve um mecanismo parcial, o que torna um pouco
mais difícil a verificação da admissibilidade estática, atendendo à zona hiperestática que subsiste
no colapso.

56
Exemplo: Calcular o parâmetro de carga correspondente à formação de rótulas em C e D
da viga contínua sujeita a duas cargas concentradas e verificar se a admissibilidade estática
é satisfeita.
L L L L
2 2 2 2

P P
C E
A
B
δθ 2δθ
D

−Mp

Mp

Esta viga é duas vezes hiperestática pelo que o mecanismo indicado é parcial (um mecanismo
global necessitaria de três rótulas plásticas). Para este mecanismo, facilmente se conclui que

L Mp
P δθ = Mp δθ + Mp 2δθ ⇒ P =6
2 L
Para verificar a admissibilidade estática traça-se o diagrama de momentos fletores. En-
quanto o traçado no troço CDE é imediato, verificamos que as equações de equilíbrio não
são suficientes para a determinação dos esforços no troço ABC. De facto, é inevitável que,
impondo o momento em apenas duas secções (as rótulas plásticas) numa estrutura três vezes
indeterminada (não conhecemos o valor de duas incógnitas hiperestáticas, nem o valor do
parâmetro de carga), a estrutura ainda permaneça uma vez estaticamente indeterminada.
A verificação da admissibilidade estática, pode ser feita, deixando em aberto o valor de
um esforço ou, em alternativa, desde logo fixando o valor do momento numa secção candi-
data igual à resistência plástica. Assim, calcule-se o momento em B, admitindo conhecido o
valor do momento em A, bastando para isso sobrepor o momento de uma viga simplesmente
apoiada com carga a meio vão ao diagrama linear entre MA e MC

M A + MC PL MA − Mp Mp L MA
MB = + = +6 = + Mp
2 4 2 L 4 2
A partir desta relação de equilíbrio entre MA e MB , facilmente se conclui que fazendo
MA = −Mp («esgotando» a reserva de resistência da secção de encastramento) tem-se
M
MB = 2p e, em contrapartida, fazendo MB = Mp (a resistência máxima da secção de
meio vão) tem-se MA = 0. Qualquer destas distribuições é estaticamente admissível, como,
de resto, todas as situações intermédias representadas esquematicamente no diagrama de
momentos traçado na figura.
Assim, tendo encontrado um mecanismo cinematicamente admissível a que corresponde
uma distribuição estaticamente admissível (várias na verdade!), estamos na presença da
M
verdadeira carga de colapso, isto é, Pu = 6 Lp . Contudo, neste caso não é possível conhecer
totalmente a distribuição de esforços no colapso, já que uma parte da estrutura permanece
hiperestática no colapso.

4.8 Uma visualização dos teoremas de análise limite


Os teoremas da análise limite aplicam-se independentemente do grau de hiperestatia, estando
concluída a apresentação dos conceitos teóricos e exemplificação da sua aplicação na prática.

57
Mas em problemas hiperestáticos do primeiro grau é possível recorrer a uma ilustração gráfica
do espaço das soluções equilibradas que se crê ser inspiradora e que se apresenta de seguida.
Começa-se por observar que, num problema hiperestático do primeiro grau, a estática do
problema fica completamente definida se conhecermos os valores do parâmetro de carga P
e da incógnita hiperestática X. Em consequência, o espaço de todas as soluções equilibradas
pode ser representado num gráfico a duas dimensões, por exemplo usando X para o eixo das
abcissas e P para o das ordenadas. As condições de plastificação das diversas secções podem
facilmente ser representadas neste espaço, definindo a sua intersecção o domínio estaticamente
admissível. Em contrapartida, as regiões fora desse domínio caraterizam-se por uma ou mais
secções plastificadas, cada uma suscetível de constituir uma rótula plástica ativa (ou tirante
plastificado). O domínio cinematicamente admissível é definido pelas regiões do espaço onde
as secções plastificadas permitem a formação de um mecanismo — avaliação essa que tem que
conciliar o sinal do momento com a rotação relativa (e uma condição análoga para os tirantes
plastificados).
Como exemplo, voltemos ao problema da viga encastrada submetida a duas cargas concen-
tradas. Tomando como incógnita hiperestática X a reação vertical em D, é possível determinar o
momento nas três secções críticas (A, B e C) em função do parâmetro de carga P e da incógnita
hiperestática X,
L 2L
MA = XL − P −P
3 3
2L L
MB = X −P
3 3
L
MC = X
3
Impondo a condição de estes momentos serem, em valor absoluto, inferiores ao momento de
plastificação Mp concluímos que
Mp Mp
|MA | ≤ Mp ⇒ X− ≤P ≤X+
L L
Mp Mp
|MB | ≤ Mp ⇒ 2X − 3 ≤ P ≤ 2X + 3
L L
Mp Mp
|MC | ≤ Mp ⇒ −3 ≤X≤3
L L
Na figura 34 representa-se o espaço das soluções equilibradas correspondem a um valor positivo
do parâmetro de carga P . As condições de plastificação acima determinadas são limitadas por
três pares de retas, sendo a sua intersecção o domínio estaticamente admissível, assinalado a
verde.
Para ajudar a identificar as regiões cinematicamente admissíveis, identificam-se, nas várias
sub-regiões exteriores ao domínio estaticamente admissível, quais as rótulas plásticas ativas,
tendo o cuidado de assinalar se correspondem a momentos positivos (trações nas fibras inferi-
ores assinaladas a azul) ou negativos (trações nas fibras superiores assinaladas a vermelho).28
Apenas a região assinalada a vermelho corresponde à formação de mecanismos, os quais estão
esquematicamente representados. Nas restantes regiões (amarelas), não e possível formar me-
canismos pois as rótulas ativas ou são em número insuficiente ou agrupam-se todas do mesmo
lado.29
28
Note-se que, no espaço completo das soluções equilibradas, existem outras secções, para além das secções A, B
e C, que também podem ultrapassar os valores de plastificação. No entanto, como neste problema só se consideram
cargas concentradas, é suficiente limitar a análise a essas três secções críticas.
29
Por exemplo, nesta estrutura, não é possível formar um mecanismo com duas ou três rótulas positivas. Em
outros textos, por vezes é definida a condição de paridade — a um momento plástico positivo tem que corresponder
uma rotação plástica positiva —, mas aqui prefere-se incluir essa condição dentro da definição geral de mecanismo
cinematicamente admissível.

58
P

Cinematicamente
admissível
P P
D

p
M
A B C

=−
X

p
M
+
B
M

=
A
M
4Mp
Pu =

p
M
L

=+
3Mp

B
P1 =

M
L

l
íve
MC = −Mp

p
M

iss

=

dm
A

ea
M
al)

MC = +Mp
nt
nt

me
me
cre

ica
(in

tat
Es

X
3Mp 3Mp
− L L

Figura 34: Espaço das soluções equilibradas no problema da viga encastrada-apoiada sub-
metida a duas cargas concentradas. A região verde é estaticamente admissível:
o momento plástico não é ultrapassado em nenhuma secção. A região verme-
lha é cinematicamente admissível: o momento plástico é atingido num número
suficiente de secções para se formar um mecanismo. Nas regiões a amarelo
as secções plastificadas não permitem a formação de um mecanismo. A traço-
ponto sobrepõe-se a trajetória obtida pela análise incremental.

Da observação da figura os teoremas da análise limite têm uma interpretação gráfica ime-
diata: a carga de colapso (i) maximiza o valor de P na região estaticamente admissível, (ii)
minimiza o valor de P na região cinematicamente admissível e (iii) é o único valor de P parti-
lhado pelas duas regiões.
Note-se que na região cinematicamente admissível os esforços de plastificação são geral-
mente ultrapassados. Se quisermos considerar apenas os mecanismos em que o momento é
estritamente igual ao de plastificação nas rótulas plásticas admitidas, temos apenas dois me-
canismos, assinalados no desenho por círculos: o de colapso e o que corresponde a 5Mp/L (o
analisado na secção 4.2).
Na figura representa-se ainda a trajetória obtida para este problema através da análise incre-
mental. O troço elástico corresponde à incognita hiperestática X = 2P 3L , enquanto que após P1
se tem ∆X = ∆P . Esta trajetória é incluída apenas como referência, não sendo relevante para
a análise limite.
Os conceitos envolvidos na construção deste diagrama mantêm-se válidos para outras estru-
turas com as devidas adaptações, podendo mencionar-se os seguintes aspetos:

(i) em estruturas mais hiperestáticas, a representação gráfica torna-se impraticável: os domí-


nios estatica e cinematicamente admissíveis tornam-se tridimensionais ou multidimensio-
nais de ordem superior;

59
(ii) se o colapso se dá para um mecanismo parcial existe uma fronteira finita e horizontal entre
os domínios estatica e cinematicamente admissíveis, que traduz a indeterminação estática
do colapso mas não a da carga de colapso;

(iii) na presença de cargas distribuídas, as secções candidatas à plastificação distribuem-se con-


tinuamente, pelo que a fronteira do domínio estaticamente admissível contém geralmente
troços curvos.

4.9 Comentários finais


Os teoremas da análise limite são aplicáveis a vários tipos de estrutura (treliças, vigas, pórticos),
independentemente de qual o seu grau de hiperestatia e de qual é o tipo de mecanismo de
colapso (global, local, múltiplo). A aplicação dos teoremas permite obter o valor do parâmetro
de carga de colapso — ou, em alternativa, restringi-lo a um intervalo limitado — de uma forma
relativamente simples, em função das resistências plásticas das secções e das características
geométricas da estrutura. Bem vistas as coisas, esta relativa simplicidade é uma consequência
do colapso ser estaticamente determinado.
É aliás esta determinação estática do colapso, que permite realizar a análise limite sem
sequer conhecer as propriedades elásticas das barras (a rigidez axial EA e a de flexão EI). O
conhecimento destas propriedades elásticas é necessário para a análise incremental dos troços
hiperestáticos da trajetória de equilíbrio, mas é irrelevante para a análise do colapso. Realizando
uma análise limite não ficamos a saber a ordem de formação das rótulas plásticas, nem, tão
pouco, conseguimos detetar a ocorrência de descargas elásticas em rótulas plásticas que no
decurso da trajetória de equilíbrio tenham invertido o sentido de carregamento, tudo aspetos
para os quais são relevantes as propriedades elásticas. Mas a análise permite-nos determinar a
carga de colapso e também os diagramas de esforços no colapso (quando o mecanismo é parcial
existe uma zona hiperestática, que não afeta a carga de colapso).
Pela mesma razão, o colapso não depende da ação de variações de temperatura, da existên-
cia de assentamentos de apoio nem da presença de tensões residuais. Estas ações ou condições
iniciais afetam a distribuição de esforços enquanto não se atinge o colapso, mas deixam de o
fazer quando o mecanismo se forma (novamente, com a possível exceção das regiões hiperestá-
ticas nos mecanismos parciais). Como todas estas ações não produzem esforços em estruturas
isostáticas ou em partes estaticamente determinadas de estruturas hiperestáticas, são incapazes
de realizar trabalho no mecanismo de colapso, não afetando, portanto, a carga de colapso.
Os teoremas da análise limite têm portanto condições de aplicabilidade muito geral, na ver-
dade apenas requerendo que se verifiquem as hipóteses nas quais estão fundados os teoremas
da análise limite: (i) resistência plástica mantida indefinidamente, independentemente da de-
formação sofrida, e (ii) comportamento geometricamente linear.
A última palavra vai por isso para os cuidados a ter com a aplicação da análise limite.
Admitir que a resistência plástica se mantém independentemente da deformação é uma ide-
alização que só faz sentido se o material evidenciar um elevado grau de ductilidade. Embora as
estruturas metálicas apresentem de um modo geral excelente ductilidade, há que ter em conta
eventuais problemas de baixa ductilidade no contexto de muito baixas temperaturas ou de aços
de alta resistência.
Por outro lado, as altas resistências do aço levam à conceção de estruturas muito esbeltas, as
quais se tornam vulneráveis a fenómenos de instabilidade. Uma introdução ao comportamento
geometricamente não linear é levada a cabo na secção 5, mas existem muitos outros aspetos
geometricamente não lineares que afetam o comportamento plástico das estruturas, os quais não
são aqui abordados. Mas convém estar ciente de que na presença de instabilidades geométricas
(globais ou locais) as equações de equilíbrio dependem explicitamente dos deslocamentos o que
compromete a aplicação da análise limite.

60
5 Comportamento geometricamente não linear
5.1 O conceito de estabilidade
Conceitos fundamentais na análise de uma estrutura são, obviamente, os conceitos de equilíbrio
e de resistência, o que justifica a atenção que lhes tem sido dedicada. Mas não basta garantir que
uma estrutura está em equilíbrio, é também necessário garantir que esse equilíbrio é estável, isto
é, assegurar que, a estrutura tende a recuperar o equilíbrio se este for ligeiramente perturbado.
O conceito de estabilidade pode ser explicado através de um exemplo muito simples, en-
volvendo uma esfera repousando sobre uma superfície, representado na figura 35. O peso da
esfera atua na vertical, pelo que a condição de equilíbrio está verificada se a superfície não apre-
sentar localmente qualquer inclinação. De facto, a esfera inicia o seu movimento — perdendo o
equilíbrio estático — apenas quando a reação normal à superfície é incapaz de equilibrar o peso
(vertical) da esfera ou, de um ponto de vista alternativo, quando o peso realiza trabalho num
movimento infinitesimal ao longo da superfície. Isto significa que qualquer das três posições
representadas na figura 35 é de equilíbrio. Mas as três situações são muito distintas entre si, se
investigarmos o que acontece quando se perturba ligeiramente o equilíbrio, deslocando a esfera
para uma posição próxima.

P
P sen θ
P cos θ
R
θ

Figura 35: Estabilidade do equilíbrio de uma esfera sobre uma superfície.

Para compreendermos melhor o problema avaliemos as forças em jogo atuando na esfera


nas posições perturbadas, vizinhas às três posições de equilíbrio.
A esfera situada no «vale» tende a voltar à posição inicial de equilíbrio, já que a componente
do peso paralela à superfície na posição perturbada aponta para a posição inicial.30 Observe-se
que esta recuperação «automática» da posição de equilíbrio dá-se independentemente do lado
para o qual se desloca a esfera. Este tipo de equilíbrio é estável.
Passa-se exatamente o oposto com a esfera situada no cume da «montanha»: assim que ela é
desviada da posição de equilíbrio, a componente útil do peso leva a esfera a afastar-se cada vez
mais da posição inicial. O equilíbrio é instável.
Uma situação intermédia, dita de equilíbrio neutro, é a da esfera que se encontra sobre a
«planície»: após uma perturbação inicial a esfera não recupera a posição inicial, mas também
não se afasta mais.
Como é fácil de compreender, os equilíbrios instáveis correspondem a equilíbrios que se ve-
rificam em condições tão ideais que, na prática, são impossíveis de concretizar. Basta pensar
que qualquer ínfima perturbação será extraordinariamente amplificada, perdendo-se irremedi-
avelmente o equilíbrio. Pelo contrário, os equilíbrios estáveis são relativamente insensíveis a
pequenas perturbações, já que a própria natureza do sistema faz com que pequenos desequilí-
brios sejam automaticamente corrigidos.
A avaliação da estabilidade de equilíbrio pode também ser feita recorrendo a um critério
energético. No exemplo da esfera a energia potencial gravítica V = mgh é tanto maior quanto
a altura a que se encontra a esfera, ou seja a forma da superfície por onde rola a esfera é muito
30
A componente normal do peso, P cos θ, é anulada pela reação normal R da superfície sobre a esfera. Note-se
que o diagrama de corpo livre representado corresponde à situação em que se despreza o atrito. A consideração do
atrito complica um pouco as equações de movimento mas não altera o ponto essencial para a presente discussão: a
esfera tende a voltar para baixo devido ao seu peso próprio.

61
semelhante ao gráfico da função V (x), sendo x a abcissa da posição da esfera. Constata-se
assim que, quando o equilíbrio é estável, o ponto de equilíbrio corresponde a um mínimo local
da energia potencial e, quando é instável, corresponde a um máximo local.
O conceito de estabilidade do equilíbrio é muito importante em estruturas ou elementos es-
truturais muito esbeltos31 submetidos a esforços ou tensões de compressão. A instabilidade de
uma coluna comprimida por encurvadura é um problema clássico estudado por Euler (1744),
com aplicação evidente no dimensionamento de pilares, o qual tem que ter em conta não só a re-
sistência das secções mas também o colapso associado à instabilidade. O estudo da encurvadura
de colunas é o principal objetivo desta secção. Outros problemas de estabilidade relevantes,
considerados em disciplinas mais avançadas, envolvem a instabilidade lateral por flexão-torção
de uma viga ou a instabilidade local de placa de um banzo comprimido.
Tal como no exemplo da esfera, na análise da coluna deformável o conceito de perturbação
de uma configuração de equilíbrio e a consideração da geometria «deformada» continuam a
ser fundamentais. De facto, embora em muitos problemas da análise estrutural se admita que
as linhas de ação das várias forças (externas e internas) não se alteram com a deformação da
estrutura, este tipo de simplificação não é válido numa análise de estabilidade.
Por outro lado, uma abordagem energética continua a fazer sentido, mantendo-se o conceito
de estabilidade associado a um mínimo (local) da energia potencial. A principal alteração é que
se torna necessário incluir na expressão da energia potencial também a contribuição da energia
de deformação elástica.

5.2 Análise de um modelo de um grau de liberdade

Antes de abordar o problema da coluna deformável, é vantajoso introduzir e analisar problemas


envolvendo modelos estruturais constituídos por um conjunto de barras rígidas e molas elásticas.
Deste modo é possível introduzir conceitos importantes — tais como as trajetórias de equilíbrio
e cargas críticas —, num ambiente matematicamente mais simples.

P
P
B

L
θ
K
A
M

Figura 36: Modelo com um grau de liberdade. Geometria inicial e configuração defor-
mada.

Considere-se então o problema modelo representado na figura 36, no qual uma carga P é
aplicada no topo B de uma barra rígida, de comprimento L, cujo apoio fixo em A é comple-
mentado com uma mola de rotação de rigidez K. Como o modelo tem apenas um grau de
liberdade é fácil representar a configuração deformada genérica, caracterizada pelo ângulo θ,
do qual dependem tanto a distância d como o momento de reação na mola M .

31
Diz-se que algo é muito esbelto quando uma das suas dimensões é muito mais pequena que outra.

62
d = L sen(θ)
P
P
traj. pós-encurvadura
Pcr
ponto de bifurcação
θ
traj. fundamental

P θ
M

Figura 37: Análise de pós-encurvadura do modelo com um grau de liberdade. Diagrama


de corpo livre e trajetórias de equilíbrio.

5.2.1 Equilíbrio
Com base no diagrama de corpo livre da barra, representado na figura 37, a equação de equilíbrio
que corresponde ao movimento é a equação de momentos em torno do ponto A,32

M − Pd = 0 (33)

O deslocamento no topo da barra d relaciona-se com a deformação da mola θ através da seguinte


relação de compatibilidade

d = L sen θ

enquanto o valor do momento M é obtido com base na «relação constitutiva» da mola

M = Kθ

Substituindo as expressões de d e M na equação de equilíbrio, temos simplesmente

Kθ − P L sen θ = 0 (34)

Esta equação é não linear em θ, admitindo dois tipos de solução


(
θ=0 (trajetória fundamental)
K θ
P = L sen θ (trajetória de pós-encurvadura)

Qualquer das soluções identifica uma relação entre o valor da carga P o ângulo θ que corres-
pondem a configurações de equilíbrio. Para interpretarmos estes resultados traçamos as duas
trajetórias de equilíbrio no espaço P (θ) efetuado na figura 37.
Na trajetória fundamental a barra mantém-se sempre vertical (θ = 0), sendo o valor da carga
P arbitrário. Dito por outras palavras: a posição vertical é sempre uma posição de equilíbrio em
que a linha de ação da carga P passa pelo apoio, não solicitando o momento de reação da mola
de rotação.
Pelo contrário, na trajetória de pós-encurvadura para garantir o equilíbrio é necessário uma
relação precisa entre o valor da carga P e o ângulo de rotação θ.
As duas trajetórias intersectam-se num ponto de bifurcação, a qual, observando que
limθ→0 senθ θ = 1, se dá para
K
P = Pcr =
L
32
Os valores das reações vertical (P ) e horizontal (0), podem ser obtidos por equilíbrio de forças, mas não desem-
penham um papel relevante neste problema.

63
d = Lθ
P
P
traj. pós-encurvadura

Pcr
ponto de bifurcação
θ
traj. fundamental

P θ
M

Figura 38: Análise linear de estabilidade do modelo com um grau de liberdade. Diagrama
de corpo livre e trajetórias de equilíbrio.

Esta carga recebe o nome de carga crítica.


Estas trajetórias foram obtidas através de uma análise não linear ou análise de pós-
encurvadura, a qual trata a geometria de forma não linear — e exata neste caso — e na qual as
equações de equilíbrio são escritas na configuração deformada. Estas trajetórias também podem
ser obtidas com base na abordagem energética levada a cabo na secção 5.2.2, abordagem essa
que tem a vantagem de permitir também a análise da estabilidade das trajetórias.

∗∗∗

Mas, antes disso, convém investigar quais os efeitos de hipóteses simplificativas nos resul-
tados aqui obtidos. Note-se que neste problema simples não foi particularmente difícil obter as
expressões das trajetórias e da carga crítica. Mas, à medida que abordarmos problemas com mais
graus de liberdade, a análise torna-se consideravelmente mais complexa, pelo que se recorrerá
a hipóteses simplificativas cujo impacto importa avaliar.
Assim, volte-se a representar o diagrama de corpo livre do modelo, mas linearizando o des-
locamento d em função da rotação θ — ver figura 38. Na prática, admite-se que o ângulo θ é
suficientemente pequeno para que sejam válidas as aproximações sen θ ≈ θ e cos θ ≈ 1, que, no
essencial, são as aproximações decorrentes da hipótese dos pequenos deslocamentos.33
A relação de compatibilidade é agora

d = Lθ

o que em conjunto com a relação constitutiva da mola (inalterada) leva à seguinte versão da
equação de equilíbrio (33)

Kθ − P Lθ = (K − P L)θ = 0

a qual continua a admitir dois tipos de solução


(
θ=0 (trajetória fundamental)
K
P = L (trajetória de pós-encurvadura)

Estas trajetórias estão também representadas na figura 38. Comparando com a figura 37,
observa-se que se obtém a mesma trajetória fundamental, mas a trajetória de pós-encurvadura
33
Correspondem a manter apenas o primeiro termo da expansão em série de Taylor em torno da origem

θ3 θ5 θ7 θ2 θ4 θ6
sen θ = θ − + − + ... cos θ = 1 − + − + ...
3! 5! 7! 2! 4! 6!

64
P
P

traj. fundamental

P θ
M = Kθ

Figura 39: Análise linear do modelo com um grau de liberdade. Diagrama de corpo livre e
trajetórias de equilíbrio.

fica reduzida à tangente à verdadeira trajetória. No entanto, continua a verificar-se uma bifurca-
ção, mantendo-se ainda o valor da carga crítica. Isto indica que este tipo de análise, denominada
por análise linear de estabilidade, é suficiente para determinar a carga crítica.

∗∗∗

Aumentando o número de hipóteses simplificativas, considere-se agora o diagrama de corpo


livre do modelo, representado na figura 39. A grande diferença, relativamente à análise linear
de estabilidade é que a linha de ação da força P não acompanha o movimento de rotação da
barra. Pode parecer estranho, especialmente por comparação direta com as análises anteriores,
mas há que reconhecer que corresponde à prática utilizada ao longo da Resistência de Materiais
para traçar diagramas de esforços e calcular tensões.
Neste caso, tem-se obviamente

d=0

pelo que a equação de equilíbrio (33) se torna linear em θ, com uma solução trivial

Kθ = 0 ⇒ θ=0

Ou seja, apenas a trajetória fundamental é agora obtida, não havendo vestígio da trajetória de
pós-encurvadura, da bifurcação ou da carga crítica.
É inevitável que o resultado de uma análise linear — onde todas as equações (equilíbrio,
compatibilidade e constitutivas) são lineares — seja único. Por isso, não é de estranhar que este
tipo de análise seja inapropriado para problemas de estabilidade.
Em suma: qualquer avaliação de cargas de bifurcação resulta sempre de uma análise que,
no mínimo, deve estabelecer as equações de equilíbrio na configuração deformada.34
34
Note-se que as designações de análise linear de estabilidade e de análise linear podem proporcionar alguma
confusão pela semelhança dos termos, pelo que convém salientar as diferenças de conceito.
A primeira designação — análise linear de estabilidade — é oriunda da teoria matemática das equações diferenciais
e sistemas dinâmicos, onde o termo linear alude ao facto de a equação de movimento ser linearizada no grau de
liberdade. Por exemplo, no presente caso, a equação de movimento será M = −I θ̈, sendo I a inércia da massa da
barra em relação ao ponto de apoio. Admitindo P constante e linearizando em ordem a θ (em torno da posição de
equilíbrio inicial), obtém-se, naturalmente, (K − P L)θ + I θ̈ = 0. Num sistema estável, o coeficiente do primeiro
termo é positivo, pelo que θ̈ tem o sinal contrário de θ.
A segunda designação — análise linear — é a habitualmente utilizada no contexto da análise de estruturas para
descrever uma análise onde todas as relações — de compatibilidade, constitutivas e de equilíbrio — são lineares, o
que efetivamente implica a escrita das equações de equilíbrio na configuração indeformada. Neste sentido estrito,
uma análise linear de estabilidade é uma análise não linear, embora com vários termos linearizados. E, na prática, a
análise linear de estabilidade de um problema estrutural pode exigir a resolução prévia de um problema de análise
linear.

65
5.2.2 Energia potencial e análise de estabilidade das trajetórias

A abordagem levada a cabo na secção anterior centrava-se nas equações de equilíbrio. De


seguida, complementa-se essa análise recorrendo a conceitos energéticos.
Neste problema, a energia potencial tem duas parcelas, sendo dada por

1
V = Vg + Ve = P L cos θ + Kθ2
2
Nesta expressão, o primeiro termo corresponde à energia potencial gravítica Vg = mgh de uma
massa m a uma altura h, bastando encarar a carga P como o peso de uma massa (através
de P = mg) e medindo a altura h = L cos θ a partir da base fixa. O segundo termo é a
energia de deformação elástica da mola de rotação, cujo momento de restituição é dado por
M = − dVdθ = −Kθ (o sinal negativo significa que o momento de reação se opõe à rotação).
e

À semelhança do problema da esfera, o equilíbrio corresponde aos pontos de estacionarie-


dade da energia potencial. Num problema de um grau de liberdade como este, basta igualar a
derivada a zero
dV
= −P L sen θ + Kθ = 0

que equivale à equação (34) obtida anteriormente por equilíbrio. A partir desta equação, a
obtenção das trajetórias de equilíbrio segue exatamente os mesmos passos.
Mas, para além da determinação das posições de equilíbrio, a análise baseada nos critérios
energéticos permite ainda a discussão sobre a sua estabilidade. Tal como sugerido no problema
da esfera, uma posição de equilíbrio é estável se corresponder a um mínimo (local) da energia
potencial (total).
Neste caso particular de um grau de liberdade, a análise é feita com base na segunda deri-
vada da função V (θ)

d2 V
= −P L cos θ + K
dθ2
Assim, na trajetória fundamental, onde se tem θ = 0, conclui-se que
(
K
d2 V >0 seP < L
(trajetória fundamental) 2
= −P L + K K
dθ <0 seP > L

Ou seja: para P < Pcr = K L a trajetória fundamental é estável e para P > Pcr a trajetória é
instável. Em contrapartida, na trajetória de pós-encurvadura, onde P = K θ
L sen θ tem-se

d2 V
 
θ
(trajetória de pós-encurvadura) =K 1− > 0 para θ ∈] − π,0[∪]0,π[
dθ2 tg θ

Finalmente, para avaliar a estabilidade do ponto de bifurcação é necessário investigar derivadas


de ordem superior, podendo concluir-se no presente caso que é estável.35 A figura 40 fornece
uma representação atualizada das trajetórias de equilíbrio, na qual se representa as trajetórias
estáveis a cheio e as instáveis a traço interrompido. Além disso incluem-se gráficos da energia
potencial para dois valores da carga P , abaixo e acima da carga crítica. Pode observar-se que
para P < Pcr existe apenas uma posição de equilíbrio (estável) e que para P > Pcr existem
duas posições estáveis (nos dois ramos da trajetória de pós-encurvadura) e uma posição instável
entre elas (na trajetória fundamental).
35
A terceira derivada é nula mas a quarta é positiva.

66
P V
P = 1.25 K
L

K
Pcr = L

P = 0.5 K
L
θ θ
Figura 40: Modelo de um grau de liberdade. Estabilidade das trajetórias e energia poten-
cial para dois valores de P .

5.2.3 Efeito das imperfeições


Uma perspetiva diferente mas complementar pode ser ganha a partir da consideração do modelo
contendo uma imperfeição geométrica, tal como representado na figura 41. Admita-se que
antes da aplicação da carga P a barra está ligeiramente inclinada de um ângulo θ0 a partir da
vertical. Então, na posição deformada da barra, a deformação da mola é dada por θ − θ0 e,
consequentemente, o momento de reação fornecido pela mola elástica vale M = K(θ − θ0 ).
d = L sen(θ)
P P
P
B
Pcr

L θ0 θ0
θ0 %
K θ
A
P θ
M = K(θ − θ0 )

Figura 41: Modelo de um grau de liberdade com imperfeições. Diagrama de corpo livre e
trajetórias de equilíbrio.

A equação de equilíbrio modificada permite concluir


K (θ − θ0 )
K(θ − θ0 ) − P L sen θ = 0 ⇒ P =
L sen θ
Observa-se assim que a configuração inicial θ = θ0 só é de equilíbrio para P = 0.
As trajetórias que correspondem a diversos valores da imperfeição inicial θ0 estão represen-
tadas na figura 41. Na presença de uma imperfeição θ0 , as duas trajetórias do modelo perfeito
(fundamental e de pós-encurvadura) transformam-se numa só — dita trajetória do modelo im-
perfeito —, deixando também de haver qualquer bifurcação. Note-se que cada trajetória imper-
feita se caracteriza pela existência de dois ramos. Na prática, iniciando o carregamento a partir
do zero, verifica-se que o modelo segue sempre um dos ramos da trajetória — para o lado da
imperfeição —, o qual é estável. O outro ramo é pouco interessante: para além de instável não
pode ser alcançado apenas por ação de uma força P de intensidade crescente.
Para imperfeições iniciais de amplitudes crescentes, as trajetórias afastam-se cada vez mais
das trajetórias do modelo perfeito, sendo importante notar que se a imperfeição for pequena
a trajetória do modelo imperfeito não se afasta muito da trajetória fundamental do modelo
perfeito, para valores da carga inferiores à carga crítica.

67
5.2.4 Conclusões retiradas da análise do modelo e sua extrapolação
Está na altura de extrair conclusões da análise deste modelo simplificado.
Quer recorrendo à análise de estabilidade quer por consideração direta do modelo imper-
feito, concluiu-se que, na prática, a carga crítica constitui um limite à capacidade de suporte do
modelo. Em condições ideais, na ausência de imperfeições, a trajetória é instável acima da carga
crítica. Mas, mais importante que isso, na presença de pequenas imperfeições inevitavelmente
sempre presentes num mundo real, a trajetória do modelo imperfeito diverge substancialmente
à medida que a carga se aproxima da carga crítica. Assim, do ponto de vista da avaliação da
segurança face à instabilidade, a carga crítica é o parâmetro fundamental.
Por outro lado, a determinação do valor da carga crítica pode ser feita a partir da análise
linear de estabilidade, sem dúvida mais simples de realizar que uma análise de pós-encurvadura.
Embora estas conclusões tenham aqui sido extraídas estritamente para o caso deste modelo
de um grau de liberdade, acontece que elas são representativas de muitos comportamentos es-
truturais. Isto é particularmente conveniente porque em sistemas estruturais mais complexos, a
análise de pós-encurvadura é bastante mais difícil. Assim, no resto deste texto utiliza-se exclu-
sivamente a análise linear de estabilidade para a determinação de cargas críticas, primeiro em
outros modelos estruturais de barras rígidas e depois para estudar colunas deformáveis.

5.3 Análise linear de estabilidade de outros modelos de barras rígidas


Apresenta-se de seguida a análise de dois modelos, que contemplam aspetos não presentes no
modelo atrás considerado. Em ambos escrevem-se as equações de equilíbrio numa configura-
ção deformada, mas, no contexto da análise linear de estabilidade, adopta-se a hipótese dos
pequenos deslocamentos, o que permite com vantagem utilizar a linearização das relações tri-
gonométricas.
2Lθ

P P
HC
C C

L θ2 = 2θ
B B
M = K × 3θ

2L
θ1 = θ
K HA
A A
P
M = Kθ

Figura 42: Modelo de um grau de liberdade hiperestático. Equilíbrio na configuração de-


formada.

O primeiro, envolve a análise da estrutura hiperestática representada na figura 42. É rela-


tivamente trivial estabelecer a relação entre os ângulos de rotação das duas barras,36 pelo que
escrevendo as equações de equilíbrio na configuração deformada tem-se
( (
K
MA = −HC 3L = −Kθ HC = 3L θ
⇒ 5K
MB = P 2Lθ − HC L = 3Kθ P =3L
36
Se não se utilizasse a hipótese dos pequenos deslocamentos, ter-se-ia θ2 = arcsen(2 sen θ1 ), o que mostra como
essa hipótese simplifica significativamente a análise.

68
O valor de P é portanto o valor da carga crítica deste modelo, para a qual existem configurações
de equilíbrio adjacentes à trajetória fundamental (a qual é caracterizada por θ = 0).

∗∗∗

O segundo modelo é a barra comprimida com dois graus de liberdade representada na figura
43. Como o deslocamento vertical do apoio direito é nulo, os ângulos das três barras com a
horizonal estão relacionados através de

θ1 L + θ2 L − θ3 L = 0 ⇒ θ2 = θ3 − θ1

Ou seja, apenas dois dos ângulos são independentes. Note-se que se admitem como positivos os
sentidos de rotação indicados na figura.
L L L

B C
A D P
K K

K
θ1 θ3 L

P P

θ2
3K
L
θ1 − θ2 θ2 + θ3

Figura 43: Modelo de dois graus de liberdade. Equilíbrio na configuração deformada e


modos de instabilidade.

Inserindo esta relação nas equações de equilíbrio estabelecidas na configuração deformada


tem-se
(     
MB = P θ1 L = K(θ1 − θ2 ) = K(2θ1 − θ3 ) 2K − P L −K θ1 0
⇒ =
MC = P θ3 L = K(θ2 + θ3 ) = K(2θ3 − θ1 ) −K 2K − P L θ 3 0

Esta equação é linear nos graus de liberdade, sendo óbvio que a solução trivial θ1 = θ3 = 0
corresponde à trajetória fundamental. Para existirem outras configurações de equilíbrio é neces-
sário que o sistema de equações seja indeterminado, o que acontece se o determinante da matriz
do sistema for nulo. Esta condição permite obter o valor das cargas de bifurcação:
(
2 2 Pbif,1 = K
L = Pcr
(2K − P L) − K = 0 ⇒
Pbif,2 = 3 K
L

A carga crítica, a partir da qual a trajetória fundamental se torna instável,37 é a menor das cargas
de bifurcação.
A estas duas cargas de bifurcação, correspondem diferentes configurações deformadas. Para
as obter, substitui-se o valor da carga no sistema, que embora indeterminado permite relacionar
os dois graus de liberdade. Para P = Pbif,1 tem-se

2K − K
       
LL −K θ1 K −K θ1 0
K = = ⇒ θ3 = θ1
−K 2K − L L θ3 −K K θ3 0
37
A demonstração desta afirmação está fora do âmbito deste texto.

69
e para P = Pbif,2 tem-se

2K − 3K
       
L L −K θ1 −K −K θ1 0
= = ⇒ θ3 = −θ1
−K 2K − 3K
L L θ 3 −K −K θ 3 0

As duas configurações, que recebem o nome de modos de instabilidade estão esquematicamente


representadas na figura 43.

5.4 Encurvadura de colunas


5.4.1 Equação diferencial de estabilidade
Considere-se agora o comportamento de uma coluna simplesmente apoiada de comprimento
L, cuja rigidez de flexão da secção transversal é EI e que está submetida a uma carga P de
compressão, tal como representado na figura 44. Por uma questão de simplicidade, considera-se
apenas o movimento no plano x2 − x3 e não se considera a atuação de cargas de vão, já que
estas não estão presentes no problema em estudo.
Comece-se por observar que com este carregamento o resultado de uma análise linear é uma
compressão uniforme, isto é N = −P e M = V = 0 em toda a coluna. Interessa reconhecer
que, mesmo fora das hipóteses admitidas na análise linear, esta solução é sempre uma solução
de equilíbrio caracterizada por deslocamentos laterais u2 nulos — no fundo, corresponde à
trajetória fundamental deste problema. Mas, sobretudo em colunas esbeltas, existem outras
soluções de equilíbrio que interessa estudar. Motivados pelos resultados obtidos com os modelos
de barras rígidas, recorreremos aqui à análise linear de estabilidade para encontrar cargas de
bifurcação e, desse modo, avaliar a estabilidade do equilíbrio da trajetória fundamental.

P P

EI

L
x3

u2 (x3 )
x2
x3

Figura 44: Coluna simplesmente apoiada. Geometria e configuração deformada.

Enquanto nos modelos de barras rígidas o número de graus de liberdade era finito e as
equações de equilíbrio constituíam um conjunto discreto, numa coluna deformável é preciso
lidar com uma função contínua u2 (x3 ) descrevendo o deslocamento transversal e com uma
equação diferencial de equilíbrio regendo a sua variação. Embora as equações diferenciais de
equilíbrio de peças lineares tenham sido obtidas em disciplinas anteriores a propósito do traçado
de diagramas de esforços, no contexto de uma análise linear de estabilidade é necessário a
consideração da configuração deformada, pelo que é necessário voltar a deduzi-las.
Assim, considere-se um troço elementar da coluna e os esforços que nele atuam, tal como
representado na figura 45. Houve a preocupação de representar uma situação genérica em que
nem o deslocamento transversal nem a rotação da secção transversal são nulos.
Note-se que, considerando uma rotação não nula, a própria definição do que são os esforços
normal e transverso se torna discutível. Esta é aliás uma questão recorrente em problemas

70
N

M + dM

du2 V

dx3
u2

V
M

Figura 45: Troço elementar de coluna para o estabelecimento da equação diferencial de


equilíbrio.

geometricamente não lineares: os esforços (ou as tensões internas) deverão estar orientados
com a configuração inicial ou, pelo contrário, deverão acompanhar a rotação da secção (ou
do material)?38 Em geral, existem vantagens e inconvenientes em cada uma das opções, mas
para este problema é mais simples optar por definir o esforço axial na vertical, alinhado com a
configuração inicial, e o esforço transverso na horizontal, tal como consta da figura 45. Com esta
definição, os esforços axial e transverso são constantes ao longo da coluna o que não acontece
com a definição alternativa onde seria necessário decompor a carga P nas direções tangente e
normal à coluna deformada. Por outro lado, esta opção é legitimada pelo facto de estarmos no
contexto de uma análise linear de estabilidade onde apenas interessa considerar configurações
de equilíbrio muito próximas da inicial.
Assim, escrevendo a equação de equilíbrio de momentos numa das secções do troço infinite-
simal obtém-se
M + dM = M + V dx3 − N du2
Simplificando termos e dividindo por dx3 conclui-se que
dM du2
=V −N (35)
dx3 dx3
Chama-se a atenção para o resultado, talvez inesperado, de que, de acordo com as presentes
definições, a derivada do momento fletor não é igual ao esforço transverso como acontece na
análise linear.
Esta é a equação diferencial de equilíbrio mais interessante para o problema em análise, já
que os esforços N e V são constantes, pois foram definidos em relação a um referencial fixo e
as cargas de vão estão ausentes. Em particular, o esforço axial é conhecido, sendo dado por
N = −P
O momento fletor pode ser relacionado com a curvatura da peça linear através da relação
constitutiva. Tirando partido de a hipótese dos pequenos deslocamentos ser admissível numa
análise linear de estabilidade, admite-se que, tal como na análise linear, a curvatura é dada pela
segunda derivada do deslocamento lateral. Sendo assim, admitindo o comportamento elástico
linear, o momento fletor é calculado através de
1 d2 u2
M = EI = −EI 2
R dx3
38
Quando se lida com tensões ainda há a questão de definir as tensões como a força por unidade de área inicial ou
da configuração deformada.

71
O sinal negativo tem em conta os sentidos positivos admitidos: uma curvatura com concavidade
para a direita caracteriza-se por u2,33 < 0 e corresponde a um momento positivo de acordo com
a convenção habitual de esforços.
Substituindo as expressões de N e M na equação (35), obtém-se

EI u2,333 + V + P u2,3 = 0 (36)

onde se utilizou a convenção habitual de usar ( ),3 para representar derivadas em ordem a x3 .
Derivando esta equação em ordem a x3 , o esforço transverso constante desaparece, pelo que se
obtém a equação diferencial de quarta ordem

EI u2,3333 + P u2,33 = 0 (37)

que será a base da análise da análise linear de estabilidade de colunas com diversas condições
de apoio.

5.4.2 Coluna de Euler


No caso da coluna simplesmente apoiada, é possível realizar uma análise mais simples: como
uma coluna nessas condições tem necessariamente reações horizontais nulas, tem também o
esforço transverso nulo (tal como definido atrás). Então, por equilíbrio, é fácil de estabelecer a
seguinte relação

M = P u2

Introduzindo novamente a relação momentos-curvatura, obtemos a seguinte equação diferencial


de segunda ordem:39

EI u2,33 + P u2 = 0 (38)

A solução geral para a equação (38), é da forma

u2 (x3 ) = A sen kx3 + B cos kx3

verificando-se assim

u2,3 (x3 ) = Ak cos kx3 − Bk sen kx3


u2,33 (x3 ) = −Ak 2 sen kx3 − Bk 2 cos kx3

Substituindo as expressões de u2 e de u2,33 na equação diferencial (38), tem-se

−k 2 EI + P (A sen kx3 + B cos kx3 ) = 0




Para assegurar que o lado esquerdo da equação seja identicamente nulo é necessário que a
expressão incluída no primeiro parênteses seja nula, ou seja, que
q
k = EI P
⇒ P = k 2 EI (39)

A variável k torna-se assim numa forma alternativa de exprimir a carga P .


Para completar a análise é necessário estabelecer as condições de fronteira que, neste caso,
consistem no deslocamento transversal ser nulo em ambas as extremidades. Assim,
(     
u2 (0) = 0 ⇒ A sen 0 + B cos 0 = 0 0 1 A 0
⇒ = (40)
u2 (L) = 0 ⇒ A sen kL + B cos kL = 0 sen kL cos kL B 0
39
Como é óbvio, é fácil obter a equação (37) a partir desta. Mas saliente-se que essa equação é mais geral já que,
ao contrário desta, não requer um esforço transverso nulo.

72
Para além da solução A = B = 0 que corresponde à trajetória fundamental na qual a coluna
não deflete, só existem outras soluções quando o sistema é indeterminado, isto é, quando o
determinante da matriz é nulo

0 1
sen kL cos kL = 0 ⇒ sen kL = 0 ⇒ kL = nπ, n ∈ N

Existem assim infinitas cargas de bifurcação obtidas através de

nπ n2 π 2 EI
q
P
k= EI = ⇒ Pn =
L L2
a menor das quais (corresponde a n = 1) é a carga crítica dada por

π 2 EI
Pcr = P1 = PE = (41)
L2
Esta expressão da carga crítica de uma coluna simplesmente apoiada é central no estudo da
encurvadura de colunas e é também designada por carga de Euler PE .
Para encontrar os modos de instabilidade, basta substituir kL = nπ em (40) para concluir
que B = 0 e A é indeterminado. Concluímos assim que a função u2 (x3 ) é dada por
 nπ 
u2 (x3 ) = A sen x3
L
Os três primeiros modos de instabilidade estão representados na figura 46.

π 2 EI 4π 2 EI 9π 2 EI
Pcr = P1 = L2 P2 = L2 P3 = L2
P

P3 = 9Pcr

P2 = 4Pcr

P1 = Pcr

Figura 46: Modos de instabilidade da coluna simplesmente apoiada.

Finalmente, ainda na figura 46, desenham-se as trajetórias de equilíbrio obtidas, estabele-


cendo a relação entre a carga P e a amplitude do modo de instabilidade A. Embora a análise
linear de estabilidade aqui levada a cabo não o permita concluir, verifica-se que a trajetória
fundamental só é estável até à carga crítica.

5.4.3 Deslocamento, rotação, curvatura, momento fletor e esforço transverso


A função u2 (x3 ) desempenha o papel central nesta análise. Aliás, note-se que os deslocamentos
axiais u3 (x3 ) estão omissos da formulação, pela simples razão que o esforço axial é obtido por
equilíbrio, não sendo necessário recorrer à equação constitutiva N = EA u3,3 . Pode mostrar-
-se que na pós-encurvadura o deslocamento vertical do ponto de aplicação da carga deve-se
sobretudo à flexão da coluna, mas a sua quantificação, não sendo relevante para a análise linear
de estabilidade, é aqui omitida.
Existem diversas quantidades que podem ser obtidas a partir da função u2 (x3 ), estando os
principais resultados resumidos na tabela 1.

73
Tabela 1: Quantidades obtidas a partir de u2 (x3 )

Grandeza Relação com u2 (x3 )


Deslocamento (→) u2 (x3 )
Rotação ( ) θ1 = −u2,3 (x3 )
1
Curvatura R = −u2,33 (x3 )
Momento M = −EI u2,33 (x3 )
Esforço transverso V = −EI u2,333 (x3 ) − P u2,3 (x3 )
Carga transversal p2 = EI u2,3333 (x3 ) + P u2,33 (x3 ) = 0

Na maior parte dos casos a definição é a expectável, havendo apenas que chamar novamente
a atenção para a expressão do esforço transverso, que resulta diretamente da equação (36). Por
uma questão de completitude, inclui-se, também, a expressão da carga transversal — inexistente
— que coincide assim com a equação diferencial de quarta ordem (37).

5.4.4 Outras condições de apoio


De seguida-se estuda-se o comportamento da coluna para diferentes condições de apoio. O
procedimento é muito semelhante à análise da coluna simplesmente apoiada, com a crucial
diferença de ser necessário recorrer à equação diferencial de quarta ordem, para ter em conta a
possibilidade de haver um esforço transverso não nulo.
A solução geral da equação (37) é agora
u2 (x3 ) = A sen kx3 + B cos kx3 + Cx3 + D
a partir da qual se verifica
u2,3 (x3 ) = Ak cos kx3 − Bk sen kx3 + C
u2,33 (x3 ) = −Ak 2 sen kx3 − Bk 2 cos kx3
u2,333 (x3 ) = −Ak 3 cos kx3 + Bk 3 sen kx3
u2,3333 (x3 ) = Ak 4 sen kx3 + Bk 4 cos kx3
Por um processo em tudo análogo ao realizado atrás, verifica-se que as expressões de u2,33 e
de u2,3333 satisfazem totalmente a equação diferencial de quarta ordem (37), novamente com k
dado por (39).
São necessárias quatro condições de fronteira: uma para cada grau de liberdade — transla-
ção ou rotação — em cada uma das extremidades. Nos casos a analisar, ora se considera que
um deslocamento ou rotação está totalmente impedido, ou, em alternativa, que não há qualquer
restrição a esse movimento — e, neste caso, o esforço transverso ou o momento fletor são nulos.
Consultando a tabela 1, observa-se que a maior parte destas condições consiste simplesmente
em anular a função u2 (x3 ) ou uma das suas derivadas. A notável excepção é o caso do esforço
transverso, que, para a definição adotada, envolve a terceira e a primeira derivada. A substitui-
ção das expressões anteriores na expressão de V e a utilização da igualdade (39) conduzem a
uma expressão inesperadamente simples
P P

V = −EI −A EI k cos kx3 + B EI k sen kx3 − P (Ak cos kx3 − Bk sen kx3 + C) = 0 ⇒ C = 0
(42)

5.4.5 A coluna encastrada-apoiada


Por exemplo, no caso da coluna encastrada-apoiada, as condições a impor são: deslocamento e
rotação nulos no encastramento e deslocamento e momento nulo no apoio móvel. Consultando

74
a tabela 1 é-se conduzido a
 


u2 (0) = 0 

B+D =0

u (L) = 0 
A sen kL + B cos kL + CL + D = 0
2



u2,3 (0) = 0 

kA + C = 0

EIu (L) = 0 −k 2 EIA sen kL − k 2 EIB cos kL = 0

2,33

ou, de forma matricial,


    
0 1 0 1 A 0
sen kL cos kL L 1 B  0

 k
  =   (43)
0 1 0  C  0
sen kL cos kL 0 0 D 0

A condição de determinante nulo revela



0 1 0 1

sen kL cos kL L 1

k = sen kL − kL cos kL = 0
0 1 0
sen kL cos kL 0 0

Não sendo cos kL = 0 solução, é possível dividir a condição por cos kL chegando-se então a

tg kL = kL

que é uma equação não linear em kL, cuja solução mais pequena diferente de zero é
kL = 4.49341. Recorrendo à equação (39), obtém-se o valor da carga crítica
4,49341 EI
q
k = EI P
= ⇒ Pcr = 4,493412 2
L L
ou, de forma equivalente,

π π π 2 EI π 2 EI
q
P
k= EI = ≈ ⇒ Pcr = 2
≈ (44)
0,699156L 0,7L (0,699156L) (0,7L)2

Para obter a forma do modo de encurvadura, recorre-se à equação (43), sendo possível desde
logo concluir40



 D = −B = kLA




C = −kA

B = − tg(kL)A = −kLA

Então, o modo de encurvadura fica definido pela seguinte expressão


 
πx3 π πx3 πx3 π
u2 (x3 ) = A sen − cos − +
0,7L 0,7 0,7L 0,7L 0,7

a qual se encontra desenhada na figura 47. O ponto de inflexão, para o qual u2,33 = 0, ocorre
sensivelmente para x3 = 0,3L, ou seja, a uma distância de 0,7L do apoio simples.
40
A segunda equação, após substituição destas expressões, revela-se indeterminada,

A(sen kL − kL cos kL − kL + kL) = 0 ⇒ 0=0

75
0,7L
L 0,5L

2L

Figura 47: Comprimento de encurvadura e modo crítico de instabilidade de colunas com


diversas condições de apoio. Os pontos assinalados correspondem a secções de
momento nulo.

5.4.6 Coluna encastrada-livre


No caso de uma coluna encastrada na base e livre no topo, a análise segue basicamente os
mesmos passos. A imposição das condições de fronteira leva a (fez-se uso da equação (42))
 


 u2 (0) = 0 

 B+D =0

u (0) = 0 
kA + C = 0
2,3



 M (L) = 0 

 A sen kL + B cos kL = 0

V (L) = 0 
C = 0

a que corresponde o seguinte determinante



0 1 0 1

k 0 1 0

sen kL cos kL = k cos(kL) = 0 (45)
0 0
0 0 1 0

A solução positiva mais pequena é dada por kL = π2 , pelo que

π 2 EI
Pcr = (46)
(2L)2

e neste caso o modo de encurvadura, também representado na figura 47, é dado por
 πx3 
u2 (x3 ) = D 1 − cos
2L

5.4.7 Comprimento de encurvadura


É interessante observar que as expressões (44) e (46) coincidem com a carga crítica de Euler,
equação (41), desde que se substitua o comprimento por Le = 0,7 L ou Le = 2 L. No caso da
coluna encastrada-apoiada, este comprimento é também a distância entre os pontos de momento

76
nulo. Esta identificação é mais difícil de fazer no caso da coluna encastrada-livre, já que Le > L
mas a interpretação sugerida na figura 47 envolvendo uma estrutura «refletida» é reveladora.
Estas observações levam à introdução do conceito de comprimento de encurvadura Le como
sendo o comprimento de uma coluna simplesmente apoiada cuja carga crítica é idêntica à da
coluna em análise. Tem a vantagem de facilitar a memorização, uma vez que, na maior parte dos
casos em análise, simples considerações, envolvendo a forma da deformada e a sua articulação
com os apoios, permitem a determinação do comprimento de encurvadura41 . Exemplo disso
é o caso da coluna encastrada-encastrada, também incluído na figura 47, para o qual, face à
localização das três secções de rotação nula — nos apoios e no meio vão —, se torna óbvio que
o comprimento de encurvadura é Le = 0,5L.
Com este conceito, a carga crítica de uma coluna é sempre dada por

π 2 EI
Pcr = (47)
L2e

dependendo o comprimento de encurvadura Le das condições de apoio.

5.4.8 Carga máxima suportada por uma coluna

Toda a análise levada a cabo nesta secção considera unicamente o comportamento plano de
colunas elásticas, sem imperfeiçoes e com apoios ideais. É apropriado terminar com a menção a
alguns aspetos essenciais para a avaliação da segurança de colunas reais que serão abordados
em disciplinas mais avançadas.
Em primeiro lugar, as colunas podem instabilizar em qualquer uma das direções. Se as
condições de apoio forem idênticas, um pilar encurvará fletindo em torno da menor inércia da
sua secção transversal. Pelo contrário, se as condições de apoio motivarem comprimentos de
encurvadura diferentes em cada uma das direções, é necessário determinar a qual delas está
associada a menor carga de bifurcação.
O efeito de condições de apoio menos ideais — por exemplo, apoios elásticos — também
não foi aqui considerado.

Py = Aσc

π 2 EI
Pcr = L2e

Le

colunas curtas colunas longas

Figura 48: Carga máxima suportada por uma coluna elastoplástica perfeita (sem imperfei-
ções).

Finalmente, note-se que a instabilidade elástica é sobretudo relevante para colunas esbeltas.
Em contrapartida, o modo de colapso de uma coluna curta é determinado pela cedência do
material. Ou seja, embora os comportamentos física e geometricamente não lineares tenham
41
O único resultado menos óbvio é o da coluna encastrada-apoiada, para o qual temos a felicidade de ter um
número muito aproximadamente redondo Le ≈ 0,7L.

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aqui sido estudados em separado, há muitas situações em que é necessária a sua consideração
conjunta. Numa primeira abordagem, um pouco simplista, podemos dizer que a carga máxima
que uma coluna à compressão simples pode suportar é dada pela menor das seguintes cargas

π 2 EI
 
Pmax = min Pcr = ; P y = Aσ c
L2e

A figura 48 mostra a dependência da carga Pmax com o comprimento (de encurvadura) da


coluna. Claramente, as colunas podem ser classificadas como curtas ou longas, consoante plas-
tifiquem ou instabilizem primeiro.
Na verdade, uma análise mais realista necessita da consideração das imperfeições geométri-
cas e materiais (tensões residuais), cuja presença aumenta a interação entre os dois fenómenos
(instabilidade e cedência), particularmente nos comprimentos intermédios. Os regulamentos
estruturais substituem a curva ideal representada na figura 48 por curvas de dimensionamento
que, de alguma forma, têm em conta os efeitos das imperfeições. Mas esse tema está fora do
âmbito deste texto.

Manuel Ritto Corrêa

Novembro 2016

(1.ªversão: Novembro 2015; 2.ª versão: Novembro 2016; correções: 26 Janeiro 2022)

https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/homepage/ist12396/textos-pedagogicos

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