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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO


COORDENADORIA DE PESQUISA

Relatório final de projeto

Identificação do projeto

Título

"A ÉTICA DA VERDADE EM LACAN E FOUCAULT A PARTIR DA PERSPECTIVA DAS


PRÁTICAS DE SI

Edital de referência
Edital PIBIC /2016

Resumo
O projeto de pesquisa em questão pretendeu investigar de que forma o engendramento da prática
psicanalítica por Lacan e a retomada do cuidado de si em Foucault se deram como formulações de
uma ética da verdade. As questões do cuidado de si (epiméleia heautoû) da cultura antiga, como
vemos nas últimas preleções de Foucault no Collège de France, são apresentadas no exercício da
espiritualidade como condição de acesso à verdade, constatando-se o delineamento de um cuidado,
um tratamento, uma estética da existência que se dão na expressão da veridicção que se pronuncia
em um ato de coragem, e em que se articula fundamentalmente um princípio ativo de
autoconstituição. Por sua vez, a ética psicanálise pensada por Lacan se radicaliza na questão da
relação entre verdade e sujeito e com isso se coloca em destaque os efeitos éticos estabelecidos a
partir de uma fala que ultrapassaria qualquer conhecimento do "bem" e se vincularia às vicissitudes
do desejo. Desta forma, coube-nos com esta pesquisa abordar o alcance da ética da verdade
apresentada no pensamento de Foucault e Lacan no que concerniu a circundar as possibilidades
sobre o que pode ser transformado no sujeito em sua dimensão ético-política a partir do acesso à
verdade.

Palavras-chave: Ética. Política. Práticas de si


Área do conhecimento predominante
Ciências Humanas (Filosofia)

1 Introdução

As considerações sobre o cuidado-de-si envolvem em Foucault uma série de técnicas,


práticas e dispositivos que se dão em uma participação ativa e continuada, de duração variável,
entre um e outro. Este outro pode ser tanto um amigo, um mestre, um médico da alma, ou alguém
que em uma relação de proximidade, cumpra uma relação dialogal que tem o efeito de garantir uma
subjetividade formada por atividades criadoras de si. Ou seja, é com o cuidado de si que Foucault
encontra uma forma de dizer o sujeito sob a perspectiva de um princípio ativo de autoconstituição,
sendo o indivíduo capaz de discernir sua verdade e a partir dela resistir ao poder indutor de formas
prontas de ser sujeito. As técnicas (techné) que envolvem o cuidado de si não se referem a um
método pronto, automático e repetitivo.
Dentro desta perspectiva do cuidado de si, do sujeito que produz sua verdade, Foucault
reconhece que "todo o interesse e a força das análises de Lacan estão precisamente nisso: creio que
Lacan foi o único depois de Freud a querer recentralizar a questão da psicanálise precisamente nesta
questão das relações entre sujeito e verdade"(FOUCAULT, 2004, p.40). Sendo assim, para Lacan se
destaca uma ética da verdade do desejo em detrimento da moral, em que o autor considera o
fracasso e o impasse que envolvem toda tentativa de condução moral do sujeito. Isso permite pensar
uma recusa fundamental de Lacan da moral e, em um âmbito mais geral, da política: a política, vista
pela perspectiva da governamentalidade, é incapaz de nos governar impunemente, sempre
padecemos diante do governo dos outros, do ideal do Outro.
Neste sentido, a política se inscreve, segundo Lacan, em uma lógica que movimenta um
gozo capitalista envolto por pretensões de alienação aos ditames do mercado, dos signos do poder e
do ser. Foucault, por sua vez, reconhecia em Lacan as implicações éticas de dizer a verdade como
uma prática de si que estaria além de qualquer bem prefigurado por normas, padrões e leis
institucionais. Com intenção análoga a Lacan, na abordagem filosófica foucaultiana dos discursos
éticos do mundo antigo greco-romano dos séculos I e II de nossa era, tal como se encontra em
certos diálogos de Platão, bem como no cinismo, estoicismo, epicurismo etc, há a intenção de
destacar possibilidades de práticas de enfrentamento de verdades. Ou seja, Foucault buscou em seus
últimos estudos, especificamente de 1980-84, meios de expor possibilidades éticas a partir de uma
atividade filosófica, voltando a formular a antiga pergunta sobre como falar verdadeiramente sobre
nós e os efeitos desta forma de veridicção na perspectiva crítica do pensamento contemporâneo.

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Sendo assim, é com uma nova "espiritualidade política" que Foucault ao voltar-se para
uma 2 ética da verdade procura alcançar um sentido singular de governar a si mesmo e os outros.
Entendemos que a pesquisa de Foucault foi então um divisor do ponto de vista da investigação ética
na medida em que destaca e questiona as verdades de que somos capazes na ciência, na política e na
arte, e, prioritariamente, na ética. Portanto, com o tratamento das práticas de si em Foucault e
Lacan, procuramos no decorrer desta pesquisa demonstrar como cada pensador em questão reedita
um sentido ético e político para a verdade, não no objetivo de chegar a uma essência subjetiva, mas
no que diz respeito aos sentidos que podem ser formulados a partir de uma veridicção e na potência
de cada um se reconstituir de modo singular.

2 Justificativa
No que consiste á investigação da ética da verdade na psicanálise de Jacques Lacan e no
pensamento de Michel Foucault, em uma pesquisa que transitou pelas fronteiras entre psicanálise e
a retomada filosófica do cuidado de si por Foucault, identificamos pontos similares entre estes dois
campos a partir do estudo da consistência e configuração de um olhar voltado para a prática de si
em cada abordagem.Desta forma, a pertinência da pesquisa se deu na medida em que algumas
questões puderam ser tematizadas, a saber:
1) De que forma é possível pensar uma ética da verdade na prática psicanalítica formulada por
Lacan e no pensamento de Foucault?
2)Qual dimensão de política poderia comportar uma ética da verdade no modo de governo de si e
dos outros?
3)Qual o lugar da liberdade na formulação da prática de si aventada pela psicanálise e pelo
pensamento do último Foucault?
A partir destas indagações, a pesquisa desenvolvida a partir do estudo de Foucault e de
Lacan pode ser resumida nos seguintes aspectos:
- Produção de efeitos éticos a partir da noção de verdade;
- Veridicção como perspectiva crítica da compreensão política contemporânea
- Alcance de uma condição ético-política no que diz respeito à questão do governo de si mesmo e
dos outros

3 Referencial teórico
A pesquisa proposta se desdobrou em dois módulos de estudo centrados primordialmente
nas coletâneas de aulas intituladas “Governo dos Vivos”, Governo de Si e dos Outros” ,
“Hermenêutica do Sujeito” e no texto "Verdade e formas Jurídicas". 3 No segundo módulo fizemos

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uma breve incursão no seminário "A ética da Psicanálise" e "A transferência", de Lacan, abordando
os seguintes aspectos:
- ética e cura
- política e o serviço dos bens
-verdade e transferência
- poder e moral
Além disso, utilizamos os seguintes comentadores:
CHAVES, E.Foucault e a psicanálise (1988); ALBUQUERQUE, D.M. Júnior. (org). Cartografias
de Foucault (2011); TEMPLE, Giovana Carmo. Acontecimento, Poder e Resistência (2012);
SAFATLE, V. (org.) A Filosofia após Freud (2008);TESHAINER, M. Psicanálise e Biopolítica -
Contribuição Para a Ética e a Política EmMichelFoucault. (2006);RAJCHMAN, J. Eros e Verdade -
Lacan, Foucault e a Questao da Etica (1993)

4 Objetivos
Os objetivos perseguidos nesta pesquisa foram:

Geral:
- Identificar os aspectos de intersecção entre a psicanálise, no que concerne ao desejo do sujeito, e o
pensamento de Foucault, especificamente, no que diz respeito à reconstituição do cuidado de si em
suas relações com uma ética da verdade. (T)
Específicos:
- Compreender as implicações práticas e epistemológicas do cuidado de si (P)
-Investigar, na perspectiva lacaniana, em que dimensão a política estaria vinculada a um serviço de
bens, alimentado no mundo contemporâneo por um gozo capitalista.(T)
- Abordar uma possível teor político que se coligaria ao caráter ético da psicanálise e da prática do
cuidado de si. (P)

(T) – Para objetivo totalmente cumprido;


(P) – Para objetivo parcialmente cumprido;

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(N) – Para objetivo, não cumprido;
(O) – Para objetivo novo se existir.]

5 Metodologia
Foram dois encontros de pesquisa semanais em que se dividiu: 1. na investigação do
pensamento de Foucault, na compilação de aulas intitulada Hermenêutica do Sujeito,
Governo de Si e dos Outros, Governo dos Vivos, do texto Verdade e formas jurídicas
e literatura secundária de comentadores 2. investigação dos seminários de Lacan
buscando sempre a compreensão da dimensão do real e da verdade na prática
psicanalítica e também incursão pela literatura secundária de comentadores.

6 Resultados e discussão
A pesquisa se constituiu na indicação da problemática geral: subjetividade e verdade. A partir disso,
analisamos os seguintes aspectos do estudo de Foucault: Contextualização do primeiro
aparecimento, no Alcebíades, da exigência do cuidado de si: pretensão política; déficit pedagógico;
idade crítica; ausência de saber político. – A natureza indeterminada do eu e sua implicação
política; Indicação dos caracteres gerais das práticas de si nos séculos I-II; Cuidado de si e cuidado
dos outros: uma inversão de relações. – a concepção epicurista da amizade. – A concepção estoica
do homem como ser comunitário; crítica da curiosidade. – A concentração atlética; A conversão a si
como forma subsequente do cuidado de si. – A metáfora da navegação; A conversão a si sem o
princípio de um conhecimento de si. – dois modelos ocultadores: a reminiscência platônica e a
exegese cristã; A parrhesía como atitude ética e procedimento técnico no discurso do mestre; O
exame de consciência em Sêneca e Epicteto. – A ascese filosófica. – prova de si e objetivação do
mundo: os desafios da filosofia ocidental. Foucault, dessa forma, concentrou-se na verdade, no
Wahrsagen [dizer a verdade]. Entendemos ser este aspecto que ele admirava em Lacan: a ética
dessa verdade difícil ou “trágica” de nossa existência, que ultrapassaria qualquer conhecimento de
nosso bem.
Sendo assim, no que se refere a Lacan, enveredamos por uma pesquisa que levou em
consideração a separação entre o sujeito do conhecimento e o sujeito da psicanálise, sendo que a

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natureza do sujeito do conhecimento na concepção lacaniana é o desconhecimento de sua própria
verdade. Em contrapartida, consideramos que a verdade do sujeito da psicanálise se dá no abalo do
sujeito do conhecimento centrado em sua consciência e no sujeito gerido por uma política dos bens.
Se há um saber sobre o sujeito na psicanálise, esse saber não é para todos, se dá caso a caso, na
singularidade de cada um. Trata-se aqui do próprio retorno do sujeito ao singular, desvencilhando-
se da total alienação aos modos de subjetivação regrados pelo saberes alheios ao próprio sujeito ou
a 5 uma dimensão da política dos bens, a partir dos objetos de consumos transformados em objetos
de satisfação e realização possível ao ser desejante.
Se para Sócrates é possível conhecer a si mesmo, para a psicanálise existe um impossível do
sujeito de ser reduzido a qualquer conhecimento. A partir desta relação do sujeito com a
impossibilidade de formular um conhecimento objetivo de si, na perspectiva da psicanálise
reformulada por Lacan, aparece um espaço ético de constituição de si, portanto, o sujeito irá se
constituir a partir das relações de significação e produção de sentido, lidando, no decorrer do
processo terapêutico da psicanálise, com a angústia diante de verdades que vão ser proferidas na
situação de se defrontar com o eu que agora será destituído de todas as insígnias de poder e não
encontrará mais amparo nas formas prontas de ser sujeito. Foucault parece reconhecer isto ao dizer
que

todo interesse e a força das análises de Lacan estão precisamente


nisto: creio que Lacan foi o único depois de Freud a querer
recentralizar a questão da psicanálise precisamente nesta questão
das relações entre sujeito e verdade. Isto significa que, em termos
inteiramente estranhos à tradição histórica desta espiritualidade,
seja a de Sócrates, seja a de Gregório de Nissa e de todos os
intermediários entre eles, em termos do próprio saber analítico,
ele tentou colocar a questão que, historicamente, é propriamente
espiritual: a questão do preço que o sujeito tem a pagar para dizer
o verdadeiro e a questão do efeito que tem sobre o sujeito o fato
de que ele disse, de que pode dizer e disse, a verdade sobre si
próprio (FOUCAULT, 2004, p. 40).

Deste modo, a proposta desta pesquisa consistiu em aproximar as pesquisas de Foucault e


Lacan naquilo que resvala em uma ética da verdade. O que estes autores tentaram demonstrar em

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suas pesquisas foi que é possível se estabelecer uma relação entre ética e verdade. Para Lacan, o
sujeito paga um preço específico decorrente de sua verdade e esta veridicção é capaz de produzir
efeitos de transformação e reconstrução de si. De certa forma, em Foucault, tratar do cuidado de si a
partir da veridicção, traz o traço de coragem implicado no fato de poder se redizer o que, com
inflexão claramente política, vem circundar uma possibilidade de uma estética da existência,
demarcada historicamente no séc. I e II de nossa era, em que a fala sincera também produziria
efeitos singularizantes e de construção ética indo contra o (a)pagamento de si pela verdade 6
produzida na ordem do governo dos outros

7 Conclusão
A ética do cuidado de si foucaultiana em consonância a ética do desejo lacaniano se encontram no que
demarca efeitos não apenas da formação do sujeito, como também de um alcance político, de
transformação e implicação das relações micropolíticas. No entanto, para avançarmos nesta pesquisa, faz-
se necessário demarcar agora uma outra ancoragem investigativa, a saber, de que forma a noção de real
empregada por ambos pensadores, com suas respectivas diferenças de tratamento, pode se atrelar à
verdade e constituir a base de práticas de si que vão na contramão da gerência de bens e do
direcionamento moral do sujeito.

8 Produção bibliográfica/técnica

PRODUTO DESCRIÇÃO
PUBLICAÇÃO EM 1 ( Segue em anexo a comprovação )
PERIÓDICO NACIONAL
APRESENTAÇÃO DOS Seminário de Pesquisa - Profa.: Regiane Collares
DADOS EM EVENTO Titulo: Verdade e real: a ética no pensamento de
CIENTÍFICO Foucault e Lacan
Local: UFCA, em 06/06/2017
Ver em: http:/filosofia.ufca.edu.br/notícias/4a-edição-
do-seminário-de-pesquisa-em-filosofia/

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II Encontro de Iniciação Científica da UFCA.
Junho de 2016
Titulo: A ética da Verdade e as práticas de si em
Foucault e Lacan.
Ver em:http://ebooks.ufca.edu.br/catalogo/anais-do-
iiencontro-ic-ufca/

CAPÍTULO DE LIVRO
PUBLICAÇÃO EM
PERIÓDICO
INTERNACIONAL
PUBLICAÇÃO EM
PERIÓDICO NACIONAL
APRESENTAÇÃO DOS
DADOS EM EVENTO
CIENTÍFICO
OUTRAS PUBLICAÇÕES

Referências
FOUCAULT, M. A Coragem da Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
______. A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
______. A Palavra e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
______. A verdade e as formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003
______. História da Sexualidade. O uso dos prazeres. Vol2. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1984.
______. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010
______. O Governo dos Vivos. - São Paulo: Martins Fontes,2014.
______. Dits et Écrits. vol. I, II, III, IV. Paris: Gallimard,1994.

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______. Ditos e Escritos, volume I: Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e
Psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
_______. O seminário, livro 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
_______. O seminário, livro 13: O objeto da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
_______. Direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:
____. Escritos. Rio de Janeiro:Jorge Zahar.
Outros Autores:
ALBUQUERQUE, D.M. Júnior(org). Cartografias de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2011.
CHAVES, E. Foucault e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. IANNINI, G.
Estilos e verdade em Jacques Lacan. Belo Horizonte: Autêntica, 2012
SAFATLE, V. (org.) A Filosofia após Freud. São Paulo, Humanitas, 2008
TEMPLE, Giovana Carmo. Acontecimento, Poder e Resistência. Bahia: Editora UFRB , 2012.
TESHAINER, M. Psicanálise e Biopolítica - Contribuição Para a Ética e a Política Em
MichelFoucault. Rio de Janeiro: Zouk, 2006
RAJCHMAN, J. Eros e Verdade - Lacan, Foucault e a Questão da Ética. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1993

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