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APRENDIZAGENS EM CASA: COMO APOIAR AS FAMÍLIAS?

Cinco formadoras da Educação Infantil do Centro de Formação de São Caetano do


Sul prepararam um material com referências importantes para que as escolas apoiem
as famílias em relação às experiências de aprendizagem que as crianças estão
vivenciando em casa. São informações para compartilhar com a comunidade escolar
por meio de textos, encontros remotos e ligações. Sinta-se à vontade para usar e
adequar o texto generosamente elaborado por Anelise Godeguez, Anete Fontebasso,
Jussara Moinhos, Mércia Ferreira e Renata Sobral.
Nós, educadores, já sabemos o quanto temos nos reinventado e vencido barreiras
para chegar às crianças e às famílias, considerando o distanciamento físico e o
enfrentamento dos desafios do trabalho remoto.
O ambiente familiar é muito diferente do espaço da escola e, para nós, é muito claro
que ele traz diversos desafios para a criança. Para os pais, entretanto, nem sempre
fica evidente que as crianças estão conquistando aprendizagens, pois pode parecer
que em casa não estão se desenvolvendo. Entendemos que a casa é a casa… e a
escola é a escola… Mas a interação e a brincadeira, que são os eixos estruturantes
para as aprendizagens dos bebês e das crianças, segundo a BNCC, fazem parte do
cotidiano nesses dois contextos.

Quais são, então, as aprendizagens que as crianças estão conquistando no ambiente


familiar?
Em quais momentos a família pode contribuir com o desenvolvimento?
Qual o papel da escola neste processo de parceria e esclarecimentos sobre o que é
esperado para cada faixa etária?

Para iniciar a conversa, precisamos entender como as crianças aprendem e como a


família pode contribuir para que as aprendizagens aconteçam. Neste contexto, o papel
da escola é manter vínculos com as famílias, mesmo que seja por meio das
ferramentas tecnológicas, para orientar a respeito desse desenvolvimento das
crianças, trazendo apoio e tirando dúvidas sobre as conquistas esperadas para cada
faixa.
Para tornar esses momentos reais, é necessário estabelecer um canal de
comunicação entre famílias, crianças e escola, de forma a favorecer a interação e
fortalecer as relações entre essa tríade.
Encontros remotos e diálogos constantes com os responsáveis podem se tornar uma
rica maneira de ampliar a construção de vínculos. Cada escola precisa ter um olhar
atento para escolher a melhor forma de estabelecer essa comunicação, de modo a
atender as particularidades das famílias em relação aos temas das conversas, aos
horários e aos recursos tecnológicos para realizar os encontros. Reuniões por meio de
WhatsApp, Meet, Zoom, Telegram, entre outros, e também ligações telefônicas e e-
mails podem ampliar as possibilidades de diálogo.
Para os encontros com as famílias, uma atividade já proposta pela escola pode ser
disparadora das conversas, depois, é só dar continuidade ao bate-papo e tratar dos
assuntos planejados. Por exemplo, com as famílias dos bebês pode-se falar das
“ações de passagem” ou transições: da mamadeira para o copo; de “ser alimentado”
para “comer sozinho”; do desfralde; entre outras conquistas de autonomia.
Em relação aos maiores, compartilhar as rotinas e a casa de cada criança pode
estabelecer um canal de comunicação entre o grupo e o(a) professor(a), estreitando
os vínculos: mostrar partes da casa, o brinquedo preferido, os pertences pessoais,
momentos de arrumação da casa, a hora do lanche e do café da manhã… são
situações vivenciadas e observadas por todos que aproximam as crianças, as famílias
e os educadores.
Nesses contextos, a comunidade escolar se reinventa e constrói uma parceria em prol
do desenvolvimento das crianças.
Então, pensando nas especificidades de cada criança, o que pode ser feito em casa?

BEBÊS
Segundo estudos da abordagem Pikler, o olhar atento e sensível para o bebê é o
primeiro passo para identificar o que ele já é capaz de fazer por si só e, a partir desse
indício, permitir que ele realize pequenas ações como: virar-se de barriga para baixo,
engatinhar, segurar a mamadeira ou o pedaço de fruta, retirar as meias, entre outras.
Nesse sentido, o que cabe ao adulto? Oportunizar condições para que o bebê possa
realizar essas ações, compondo o ambiente e os espaços de maneira que ele tenha a
oportunidade de agir e decidir com o que e como brincar, assim como se movimentar.
Deixar o bebê livre de carrinho, de bebê conforto, de cadeirinhas ou de colo vai
propiciar a conexão com o mundo. O chão é um aliado do desenvolvimento,
possibilitando ampliação de movimentos e descobertas incríveis.
Para que o adulto responsável em casa possa compor situações de exploração e
brincadeiras para os bebês, é importante aproveitar as conversas para fornecer dicas
práticas e explicações: prepare o espaço a ser utilizado, com cuidado e atenção. Se o
bebê ainda não se locomove, deixe ao seu alcance retalhos de tecidos
(aproximadamente 35 x 35cm), materiais naturais, como pequenos objetos de palha
ou madeira, e também fitas de cetim (curtas se o bebê não for acompanhado de
perto), caixas ou potes que podem ser enchidos e esvaziados e explorados livremente.
Ao escolher os materiais, é fundamental levar em conta o tamanho dos objetos que
invariavelmente serão levados à boca.

Para aqueles que já sentam e sustentam a coluna, pode-se apresentar um “cesto de


tesouros”¹ contendo diversos objetos de diferentes texturas e formatos, como: bolas
variadas (podem ser de silicone, borracha, novelos, feitas de corda), utensílios de
madeira, potes, latas e caixas de metal. os potes, fôrmas e objetos de madeira e de
silicone utilizados na cozinha são excelentes! Aí, é só permitir que escolham,
manipulem, se desloquem pelo espaço e interajam no ambiente com liberdade.

CRIANÇAS BEM PEQUENAS – 18 MESES A 3 ANOS E 11 MESES

É encantador observar o desenvolvimento das crianças de 1 a 3 anos. Suas


conquistas são facilmente notáveis, se ampliam de maneira progressiva e acontecem
simultaneamente em relação à comunicação, autonomia, interação e movimento.
A comunicação vai se expandindo, passando da linguagem não verbal – caracterizada
pelo choro, apontar dos objetos, sorriso, expressões faciais, e etc. – para o balbucio.
Aos poucos essa linguagem vai sendo compreendida pelo adulto, que pode ajudar a
criança a colocar em palavras aquilo que ela vive. Em seguida, acontece o surgimento
de palavras que vão sendo, aos poucos, combinadas, dando origem a pequenas
frases utilizadas pelas crianças para expressarem o que desejam e sentem. As
verbalizações, portanto, vão se ampliando e se tornando cada vez mais elaboradas.
Surgem as perguntas, os comentários e a expressão das opiniões sobre hipóteses, o
que vivenciam e observam.
Os movimentos corporais também são conquistas diárias, desde o início da vida. O
espaço, os objetos e as interações que ocorrem no ambiente familiar contribuem para
esse constante desenvolvimento. Por isso, é importante que o adulto possibilite
momentos em que a criança explore os movimentos, teste seus limites e
possibilidades e, assim, ganhe propriedade e consciência sobre o corpo, sentindo-se
cada vez mais segura e firme para se arriscar em novos desafios. Nestes momentos é
preciso respeitar o tempo e as peculiaridades da criança, um tempo diferente do
tempo do adulto.

As oportunidades para desenvolver o corpo e a fala contribuem para a conquista da


autonomia. Quando a criança realiza ações por si mesma, dentro do que é esperado
para cada faixa etária, sua autoestima fica elevada e ela ganha autoconfiança. Em
casa, portanto, a criança pode ser incentivada a realizar ações do cotidiano: encontrar
os pares das meias, identificar seus objetos de apego e guardá-los no local
combinado, guardar os brinquedos, tirar e calçar meias e sapatos, escovar os dentes,
lavar as mãos, tirar a roupa e tentar vestir-se, servir-se nas refeições, fazer escolhas
de brinquedos, peças de roupas, alimentos etc.
Participar das atividades coletivas também contribui para a conquista da autonomia e
do senso de responsabilidade com os cuidados da casa: ajudar na limpeza e na
arrumação dos ambientes (colocar os objetos no lugar apropriado, varrer e passar
pano), ajudar na lavagem de louça (utensílios que não apresentem risco) e de roupa
(mesmo que seja necessário lavar novamente!), cuidar das plantas e dos animais de
estimação.

O desfralde também representa uma grande conquista da autonomia nessa faixa


etária. Neste momento é preciso observar os sinais que a criança nos dá, fazendo
combinados com ela e com todos os envolvidos nesse processo. É importante também
providenciar e organizar os ambientes e materiais necessários, como penico ou
redutor do assento do vaso sanitário, cuecas ou calcinhas e livros de historinhas sobre
o tema. Apoiar a criança ao longo de todo o processo com paciência, determinação e
constância para que esta conquista seja um sucesso! (para mais dicas, acesse a
postagem Desfralde: um rito de passagem).
A partir deste amadurecimento global, a brincadeira vai ganhando novos contornos. As
explorações vão se juntando ao simbolismo, a criança começa a assumir papéis,
compartilhar ideias e objetos e conquistar progressivamente a autonomia para fazer
escolhas e resolver conflitos.

CRIANÇAS PEQUENAS – 4 A 5 ANOS E 11 MESES

Quando falamos em distanciamento do espaço escolar, a angústia dos pais das


crianças de 4 e 5 anos parece ser ainda maior. Por que isso acontece?
Ainda que os vários grupos etários da educação infantil sejam contemplados com
algumas atividades remotas, há uma sensação de que as crianças pequenas possam
ser prejudicadas por este formato de atendimento, especialmente ao realizarem a
transição para o Ensino Fundamental. Algumas famílias receiam que suas crianças
estejam “despreparadas” para a nova etapa da educação básica.
Esta forma de compreender a vida escolar das crianças nos remete à ideia de uma
Educação Infantil preparatória, que teria por objetivo desenvolver nas crianças os pré-
requisitos para a escolarização.
De maneira bastante clara, os documentos oficiais recentemente elaborados no Brasil
(DCNEI, BNCC) deixam evidente a concepção de criança que os estudos mais
recentes têm delineado. Teóricos de referência como Piaget, Bruner e Malaguzzi
indicam em suas obras a potencialidade das crianças, vistas como protagonistas dos
processos construídos ao longo dos anos. Se assim compreendemos as crianças da
Educação Infantil, a ideia de um “vir a ser” ou “preparar-se para” torna-se inconcebível.
Nas palavras de Paulo Fochi, a criança é! Agora!
A pergunta que desponta nesta situação é: como orientar as famílias sobre a
importância do brincar e das experiências infantis, demovendo-as do desejo de
“antecipar” etapas do desenvolvimento, propondo “lições” que desconsideram o seu
contexto?
As famílias não têm a obrigação de conhecer a pedagogia da infância e os caminhos
pelos quais as crianças aprendem na escola… porque esta é uma tarefa da escola!
Porém, é preciso que os responsáveis pelas crianças sejam informados sobre o
trabalho pedagógico realizado pela instituição e engajados na parceria com a escola.
Do contrário, na intenção de “ajudar”, procuram as famosas “folhinhas de atividades”
na internet e as entregam para as crianças, para que “aprendam” letras, palavras,
números, operações.
A escola deve se aproximar das famílias, mostrando a elas as suas ideias, crenças e
estratégias, de maneira prática e objetiva. Não se trata de esperar que os pais
compreendam as sutilezas daquilo que nos torna especialistas na educação… trata-se
de apresentar à comunidade as bases que nos fundamentam, aquilo em que
acreditamos sobre a infância. Desta forma, a família pode ser capaz de compreender
“para que lado a escola vai” e torna-se possível estar ao lado da criança durante o seu
processo de desenvolvimento.

E como tornar real esta ideia?


É fundamental promover momentos de interação direta com os pais, em breves
encontros online (individuais ou em grupo), em que a escola conta às famílias o que
tem feito, o que tem observado nas ações com as crianças, colocando em evidência
as aprendizagens ocorridas. A comunicação deve ser acessível, evitando-se o
“pedagogês” – termos específicos da Pedagogia. Desta maneira, as famílias poderão
perceber o quanto os pequenos aprendem vivenciando as atividades cotidianas
significativas e os momentos de brincadeira.

Situações do cotidiano familiar como ajudar a colocar a mesa, varrer o quintal, auxiliar
o irmão menor, conviver com os idosos, dar água para o bichinho de estimação, mexer
na horta, fazer um bolo, separar o lixo comum dos recicláveis, apagar a luz quando
sair do ambiente, fechar a torneira enquanto escova os dentes, tomar banho rápido
para evitar o desperdício, doar brinquedos que não utiliza mais, são momentos que
contribuem para o desenvolvimento das crianças deste grupo etário. Sem perceber o
valor destas experiências, muitas famílias deixam de incentivá-las, e recaem na crença
de que as crianças “não aprenderam nada” fora da escola, e não estão aptas a
avançar.

Outro aspecto da infância que precisa ser enaltecido é a brincadeira em família, que
aprofunda os vínculos. Por isso, é preciso resgatar as brincadeiras tradicionais como
dominó, jogo da velha, memória, cartas, quebra-cabeça, cinco Marias, construções
com caixas e caixotes, entre outras, que possibilitam inclusive a momentos coletivos
de confecção dos brinquedos, proporcionando experiências marcantes e cheias de
aprendizagens. Nada melhor do que o afeto da família e, em especial, dos avós, tios,
irmãos mais velhos, para que essas interações se tornem significativas e repletas de
sentidos… deixando lembranças para toda vida.
Este período de isolamento social se estendeu mais que o previsto, e temos que
aproveitar as oportunidades educativas sem estresse.
A família e a escola tiveram que reinventar suas relações e atividades, elaborando
uma nova rotina. Adaptações foram feitas em poucos dias e com o mínimo de
treinamento. Espaços foram reorganizados para compor o trabalho em casa, a
educação remota, o serviço doméstico e outras tantas tarefas que muitas vezes
provocaram ansiedade e medo. Pensando nisso e, tentando minimizar os efeitos deste
distanciamento físico, surge uma grande e benéfica oportunidade – o estreitamento
das relações, que possibilita as trocas de experiências e amplia a cultura vivenciada
pelas crianças e suas famílias, estimulando e possibilitando as aprendizagens.
Estamos construindo uma diversidade de caminhos, tempos, lugares e olhares, em
que a experiência do aprender envolve todos os sentidos. Qualificar estas
experiências exige intencionalidade no trabalho pedagógico, apoiado na observação e
na escuta atenta dos interesses, curiosidades e necessidades das crianças, bases
para ajudá-las a construir seu próprio eu.
Neste contexto o „tempo‟ passou a ser nosso aliado para definir com clareza todas as
tarefas que podemos fazer. Aprendemos que para manter a saúde do corpo e da
mente é fundamental estabelecer um „tempo‟ para descansar, além de considerar as
demandas de imprevistos que poderão acontecer durante o trabalho remoto (internet,
energia, ruídos…).
As contribuições trazidas pela tecnologia deverão permanecer mesmo depois deste
período de distanciamento. O maior desafio será a busca de equilíbrio entre o que há
de mais afetivo nas relações presenciais, a utilização das infinitas possibilidades
trazidas pelas ferramentas digitais e a garantia da participação ativa e crítica das
crianças.

¹ Elinor Goldschmied

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