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A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I MAHFUZ, E. da C. Nada provém do nada: A producéo da arquitetura vista como transformacéo de conhecimento. Revista Projeto, Sao Paulo, n° 69, p. 89-95, nov, 1984. Nada provém do nada A producao da arquitetura vista como transformacao de conhecimento por Edson da Cunha Mahfuz “O cometito de evolugio nao se aplica & snyuitetura, porge em nossa profissia sé existe metamorfase.” Alberto Sartoris “Para saber escrever recso saber ler. Jorge Lis Borges discussao sobre os valores essenciais da Neste momento em que cresce de importa arquitetura moderna, tal como a entendemos ¢ praticamos no Brasil, é talvez oportuno discutir um assunto que diz respeito a todo aquele que, como arguiteto, ou em outras capacidades, se dedique a criar, ou qualificar, espagos nos quais atividades humanas 1 exercidas. Esse assunto, tio importante, refete-sc as manciras pelas quais aqueles espagos, ou objetos que os qualificam, ganbam suas formas No Brasil, a maioria dos arquitetos saidos das universidades depois da Segunda Guerra Mundial tiveram uma formagao arquiteténica estruturada nos moldes do sistema estabelecido pela Bauhaus. Hssa escola alema, um dos varios desdobramentos que se seguiram 4 reacio ao ecletismo e revivalismo que caracterizaram a segunda metade do século XIX em toda a Europa, tinha duas entre suas principais caracteristicas influenciaram tremendamente o ensino e a pritica da arquitetura no Brasil até 0 p: recente, e ainda se fazem sentir com muita intensidade. A primeira delas ¢ 0 desencorajamento ao estudo da histéria da arquitetura: a maior evidéncia dis auséncia de cursos de histéria da arquitetura c de andlise de precedentes no curriculo da Bauhaus. No Brasil, isso se refletiu na pequena carga horiria dedicada a essas duas isciplinas nas universidades e na limitada cultura arquitetOnica apresentada pela grande maioria dos arquitetos brasileiros atualmente; quando muito, conhece-se superficialmente os “mestres” do modernismo. ‘A segunda caracteristica herdada da Bauhaus, estreitamente ligada & primeira, é nogao romintica de que © arquiteto pode e deve criar sempre obras originais, sendo condigio sine qua non para isso o afastamento de quaisquer influéncias histéricas, Esse “mito da originalidade” sugere que © arquiteto cria num vacuo histérico e cultural regulado por sua intuigao e “genialidade”, chega sempre a solucdes originais, cuja forma possam on A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I deriva do programa eda estrutura No entanto, todo arquiteto que tenha a capacidade de entender o processo através do qual cle realiza seu proprio trabalho sabe que isso nao & verdade. Arquitetura é muito mais do que uma resposta original a problemas programaticos estruturais, Neste en: io se tentari apresentar uma visio um tanto diferente do processo de criagao de formas arquitetdnicas. O argumento de fundo do texto que segue est resumido no titulo dado a este artigo, ou seja, de que 2 produgio arquiteténica consista, em grande parte, na transformagio ¢ aptag circunstincias sempre variaveis, ‘Todo projeto se fundamenta na premissa inicial de que existe uma atividade humana para a qual um espago, ou, mais genericamente, um artefato, precisa ser criado a fim de possibilitar aquela atividade. Mesmo se nos concentrarmos ¢ uma relagio tio limitada quanto a que se supde existir entre uma atividade e 0 artefato que possibilita 0 seu > do conhecimento existente A luz de desempenho, iremos nos defrontar com um vasto possi igualmente sat ao menos de um ponto de vista puramente quantitative. Isso acontece porque nenhuma funcao pode fazer mais do que sugerir uma forma especifica, aio podendo nunea determina-la. Logo, para escolher uma entre tantas possibil numero de formas fat6rias, rquiteto necessitari ir além do propdsito imediato que exige a criagio de novos espacos, pasando a considerar como de igual importancia as outras dimensdes de arquitetura, tais como a dimensio cultural, 2 social ea individual A atividade de criacio exercida por arquitetos e designers, nio partindo de uma tabula rasa, nem da programéticos, pode ser definida como uma atividade que se t nsideracio exclusiva de aspectos estruturais ia cm grande parte na interpretacao e adaptacio de precedentes. Ii claro que limitar 6 trabalho do arquitcto exclusivamente a0 uso de precedentes seria uma simplificagio grosseira da complexidade propria da arquitetura, mas, como se veri a seguir, o uso de precedentes cumpre um papel importantissimo na area da composicio arquitetonica. Analogia é 0 instrumento principal usado para a intexpretagao ¢ adaptacao de precedentes em arguitetura. “Analogias nio s6 existem dentro da disciplina esséncia do seu significado”, Analogia é, entre outras definigSes, uma correspondéncia entre duas coisas ou situagée amada arquitetura, mas so também a Outra definigfo itil €a que se refere analogia como sendo um processo de raciocinio a partir de casos paralelos. Hi necessirio enfatizar que uma analogia nao implica identidade total, mas sim similitude entre os elementos constituintes de dois objetos ou situagées que sejam compatadas. Essa similitude nao se refere somente a analogias formais, mas também a propriedade, isto é leis ¢ prin comuns aos dois objetos ou situagoes. F. através de um processo analégico que, em arquitetura, se eria 0 novo a partir do «: arquiteténico de analogias tem dois propésitos: 0 primeito é o de empregar 0 conhecimento existente, na forma de edificagies e objetos, como ponto de fpios de form: istente. O uso artida para a criag o de confetir significado preciso a um edificio ou objeto através do estabelecimento de relacdes formais entre o > de novos artefatos; o segundo Casa no Lido, Veneza, Adolf Loos, 1923. EE a+ Z Casa na Tunisia, Jorge Silvetti, 1977. * Aldo Rossi, «My Designs and Analogous Architecture», em Aldo Rossi in America: 1976-79, p. 19. 7 0 uso da analogia a qual me refiro aqui esta voltado & criagéo de arquitetura, mas também desempenha 02 A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I Tigbourne Court, Surrey, Inglaterra, Edwin Lutyens, 1899: a rota principal de movimento comega fora da casa, no patio de manobras, € progride através de porticos e vestibulos para, apos varias trocas de direcao, terminar 1 jardim ou nas salas cujo foco é o jardim. Ville Savoie, Poissy, Franga, Le Corbusier, 1928/29: a rampa que se situa no centro geomeétrico da planta é o elemento que possibilita um movimento ininterrupto do chao até o terraco. Biblioteca da Academia Phillips-Exeter, Nova Hampshire, Louis Kahn, 1967/72 corte, mostrando 0 espaco central que 0 Ponto focal da biblioteca Formas arquiteténicas sao geradas de quatro maneiras: pelos métodos inovativo, normativo, tipolégico, ¢ mimético. O ponto comum entre eles é 0 uso que todos fazem de analogias como instrumento basico de geracio formal. Um aspecto muito importante do uso de analogias em arquitetura é que objetivo ou situaedo com o qual se traca uma analogia pode ser arquitetdnico ou nio-arquitetnico, ¢ a analogia tragada pode ser positiva, isto &, baseada nas similitudes existentes, ou negativas, baseada nas difereneas entre os objetos ou na inversio de uma forma ou método estabelecidos. Método inovativo TL 0 método pelo qual se tenta resolver um problema sem precedentes, ou um problema comum de mancira diferente. As origens desse método se encontram nos primeitos construtores, que, por um proceso de tentativa € erro, experimentavam os materiais disponiveis até encontrarem uma maneita satisfat6ria de garantir protecao contra os elementos, ede dar uma forma espacial a uma determinada cultura ‘Uma das mancitas de ilustrar o que pode ser 0 método inovativo € por referéncia ao conceito de bricolage, de Claude Lévi- Strauss" .O bricoleur é por ele definido através de uma comparacio com o engenheiro. Enquanto este permanece dentro de um problema na busca de solucio, o bricoleur sai dele ¢ o resultado disso € 6 que os artefatos por cle produzidos sto geralmente inesperados e inovativos. ‘Uma caracteristica bisica de método inovativo é que por cle se ctia algo que nao existia anteriormente, pelo menos no campo da arquitetura. Devido 20 mimero enorme de artefatos arquiteténicos cil para um arquiteto ser original, tanto em termos da configuragio total de uma edificagio, como da mancira que suas partes principais sio organizadas. Por essa razao, 0 método inovativo esti ligado principalmente 4 criaco de detalhes, ou seja, dos elementos menores que conferem um carter especifico a uma edificacio ou espaco urbano, tais como pérticos, transicdes, aberturas, colunas etc. O detalhe, visto dessa maneita e no como detalhe construtivo, é praticamente a tinica rea em que um arquiteto ainda pode ser original produzidos no mundo ao longo dos séculos, é muito di A ctimologia de um termo sempre nos possibilita defini melhor 0s objetos ¢ situagdes a que se refere. O verbo inovar significa tornat novo; introduzir novidade em. Buscando-se a raiz, latina do verbo inovar, que é inovare, obtém-se um significado mais, preciso, em que inovar tem o sentido de ficar. Arquitetonicamente, isso tem duas implicagdes: o reconhecimento da existéncia de um corpo de conhecimento sobre o qual essas inovacées/modificagdes sio exercidas; a criacio de clementos que quebram a continuidade do precedente se constituem numa mod importantissimo papel no proceso de percepgio dos artefatos feitos pelo homem. Quando nos defrontamos com um objeto desconhecido, 56 podemos analisa-lo por meio de comparagées com ‘outros objetos conhecidos, em termos das semelhancas e diferengas cexistentes entre eles. * Claude Lévi-Strauss, The Savage Mind, p. 16-30. 03 A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I novidade auténtica. Fissas situagdes, embora raras, acontece quando uma solugio inovadora ¢ original é ctiada em respo! uma nova situa¢ao que pode exigir 0 emprego de um material novo ou a criacao de formas para edificios que se destinem abrigar atividades inteiramente novas. Um bom exemplo disso €0 Edificio Larkin, projetado por Frank Lloyd Wright. No sentido anteriormente referido, inovagio també sindnimo de invencao, que se entende menos como a criagao de algo em um vacuo (eurecal) do que como o poder de conceber novas relages ¢ do fazer algo que diverge, ainda que em grau reduzido, da pritica e doutrina estabelecidas. Embora a possibilidade de obter urna criacio verdadeiramente original fio deva nunca ser descontada, 0 método inovativo ajuda-nosa criar formas que diferem das existentes prineipalmente devido 0 seu uso de analogias. Duas so as maneiras pelas quais isso ocorre: por meio de um cruzamento de contextos, isto é, buscando solugies fora do campo da arquitetura com analogias positivas tracadas entre os dois contextos, 0 arquitetinico € 0 ndo-arquiteténico [4]; por meio de uma inversio do procedimento estabelecido para resolver um determinado problema arquiteténico (analogia negativa) No primeiro caso, cruzamento de contestos, o método inovative oferece trés alternativas, cada uma bascada em um tipo de analogia: 1. analogias visuais: com a aparéncia de formas humanas € naturais; com artefatos nio-arquiteténicos; 2. analogias estruturais: com a organizagio do corpo humano; com 0 funcionamento do mundo natural, como por exemplo, sistermas naturais que se assemelham as colméias; com a organizagio de um programa — na arquitetura funcionalista ortodoxa, a “forma segue a funcio”; 3. analogias filos6ficas com prineipios de outras disciplinas como foi o caso da engenharias, no inicio deste século, ¢ da lingiiistica, mais recentemente. No. segundo caso, 0 método inovative, 20 tracar analogias negativas, subverte maneitas estabelecidas de resolver certos problemas formais, ou toma caminhos improvaveis para alcangar solugdes “inéditas”. Aqui podemos nos referir a Le Corbusier, mais precisamente nos scus projetos domésticos realizados no periodo entre as duas guerras mundiais, em que le invertia 0 padrio de movimento comum 4 arquitetura tradicional, Enquanto na tradigio de easas de campo inglesas francesas 0 prédio atuava geralmente como um portal que dava acesso 4 natureza, e dentro do qual o sentido principal de movimento das pessoas era 0 horizontal, em uma casa como a Ville Savoie 0 movimento das pessoas ocorre na vertical, em diregao 20 terrago jardim, que é o destino final de onde a rnatureza s6 pode ser experimentada visualmente, ao contritio do que aconteceria nas casas de campo pré-modernas, onde a natureza pode ser desfrutada integralmente [4] Isso corresponde 8 descricdo feita por Arthur Koestler do ato de criagdo» como sendo uma «associacdo de dois referenciais previamente nao relacionados de nenhuma maneira». Em Charles Hampden-Tumer, Maps of the Mind, p. 100. ap Edificio Larkin, Buffalo, Nova York, Frank Lloyd Wright, 1904: nessa époce, os servicos mecénicos feram ainda uma raridade, nao havendo prece- dentes para a integragio dos dutos requeridos pelo servico e pela estrutura. Wright solucionou este problema com a criacdo de torres de servico nos cantos do edificio, concentrando circulagao & servigos. Essa solucao tornou-se paradigma ao qual recorre a maioria dos arquitetos quando em problemas semelhantes, apos aquela data Casa de Vanna Venturi, Pennsylva Unidos, Robert Venturi, 1964. A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I Sede do parlamento, Chadigarh, india, Le Corbusier, 1951/62 como ele & 0 tipo, a0 conteitio, & épio que [5] Alvar Aalto, «Painters and Masons», em Jouisimes, 1921, também citado em Demetri Porphy Eclecticism, p. 25. , Sources of Modern [6] Antoine C. Quatremére de Quincy, Dictionnaire Historique d’Architecture, vol. I, p. 629, 1832. {7] Obra citada, p. 630. 07 A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I Igreja e Centro Paroquial, Seinajoki, Finlandia, Alvar Aalto, 1952, 1952: aqui o patio favorece uma «mudanca de atmosfera», funcionando como espaco de transigao entre as esferas secular e religiosa, ou profana e sagrada Immeubles Villas, Le Corbusier, c. 1920: este prédio tomaria uma quadra inteira, cuja periferia seria ‘ocupada por apartamentos duplex, sendo o patio central reservado para o lazer dos moradores. contém a possit de sua propria modificagio estrutural. Para ilu definicao de tipo, pode-se pensar no tipo “casa-patio”, que, grosso modo, seria imaginado como um volume de qualquer forma, com um vazio em seu interior, também de qualquer forma, © importante aqui é essa relacio entre 0 volume ¢ 0 vazio que ele contém, a qual pode tomar qualquer forma quando matetializada. © tipo é o principio estrutural da arquitetura, lidade de varingao formal infinita, e até rar a nio podendo ser confundido com uma forma passivel de descricio detalhada[8] . ‘Todo edificio pode reduzido conceitualmente a um tipo, ou seja, é possivel abstrair-se a composi¢io de uma edificacio até 0 ponto ‘em que se véem apenas as relagdes existentes entre as partes, deixando-se de lado as partes propriamente ditas. Projetar pelo método tipoligico é usar tipos como parte do processo de projetos de novos artefatos arquiteténicos. O uso de um determinado tipo é geralmente justificado pela existéncia de alguma afinidade estrutural ou, em outras palavras, uma analogia, entre um precedente e 0 problema que temos ‘na prancheta “Tipos podem ser empregados de duas maneiras, uma histérica, outra a-histérica. O propésito do uso histérico de tipos seria conferit um significado a uma forma por meio de associagao mental com um objeto /edificio jé existente e conhecido. A esse respeito, Demetti Porphyrios diz: “A forma arquiteténica torna. se significativa somente quando é codificada tipologicamente, porque © tipo, com suas bases nos habitos e convengdes sociais, age como um instrumento classificat6rio que torna legivel o mundo visivel” [9] Nesse primeiro uso, o tipo tanto um ponto de partida para 0 projeto como um instrumento de significagio. Como se apéia na riqueza associativa de tipos que sto socialmente legitimados, esse uso de tipos poderia também ser chamado de iconogeifico. O ‘emprego do tipo casa-patio em varias escalas através da historia nos oferece exemplos claros desse modo de utilizar tipos em composi¢io. Ao ser usado historicamente, 0 tipo é, por assim dizer, absorvido no processo de composi¢io, ¢ 0 significado do objeto resultante ndio € aquele do tipo utilizado, mas resulta da propria operacio de composigio histdrico de tipos implica: a suspe cdo novo uso aque o tipo é sujeito. O uso a fio do tempo, jé que © tipo € dissociado de sua condigao histérica; a transposigio de lugar — 0 tipo se desvineula de sua cultura original; a dissolugio de escala, pois um tipo {8] Para entender que o tipo é um principio e nao uma forma, pode-se pensar na distingao entre «colher» e uma «colhers. O termo colher refere-se a uma forma genérica composta de duas partes: cabo e receptéculo céncavo. Por outro lado, uma colher implica um objeto especifico, que tem um tamanho, uma forma e é feita de alqum material Com base na ideia genérica de colher, pode-se construir colheres bastante diferentes entre si, mas todas carregando 0 mesmo tipo. [9] Porphyrios, obra citada, p. 26. 08 A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I extraido de uma casa pode gerar um pakicio, e vice-versa. Uma conseqiigncia importante do emprego do meétodo tipolégico é a implicacio de que as formas nao so rnamente ligadas fis funcdes as quais foram projetadas. Pelo conttitio, formas arquiteténicas tém o potencial de conter, € de fito contém, uma multiplicidade de fangdes através do tempo. Mas talvez o beneficio mais importante que se pode obter do entendimento do conceito de tipo € que nos possibilita fazer uso de toda a hist6ria da arquitetura como fonte de pesquisa e inspiracio, j4 que ao estudar essa histéria desde um ponto de vista tipoldgico, 0 que o arquiteto extrai dela si0 prineipios, nao formas literais. Projetarcom o auxilio da hist6ria nao leva necessariamente a de pastiches, . Método mim: Bi 0 método pelo qual novos objetos ¢ edificagd gerados com base na imitagio de modelos existentes. O processo se inicia com a escolha do modelo a ser imitado. Esse modelo e uma forma familiar testada exaustivamente € de larga aceitaga de valor, um reconhecimento de que certa obra de arquitetura éa melhor solugio para determinado problema, e que, no podendo ser aperfeicoada, deve ser imitada O termo mimético vem do grego mimesis, que quer dizer imitacao, A teoria da imitagao é um produto da Grécia classica, ou seja, dos séculos ocorridos antes de Cristo. ». Aescolhia desse modelo implica um juizo Edificio comercial Rautatalo, Helsinque, Finlandia, Alvar Aalto, 1953/55: o patio aqui se transforma ‘em espaco interno, lugar de convivéncia dos que trabalham no edificio. Desde esse tempo, quatro conceitos de imitagio foram desenvolvidos. Entre cles, bi dois que nos interessam diretamente: 0 conceito platdnico, segundo o qual imitagio é uma cdpia fiel da aparéncia das coisas (esse € 0 sentido hoje atribuido ao termo, na maioria dos casos); 0 conceito aristotélico, que nao define a imitagao como cépia fiel, mas como livre interpretacao da esséncia da realidade por parte doatista, © método mimético imita modelos escothidos no sentido dado a0 termo por Aristételes, ou seja, interpretando-os € adaptando-os. O fato de que modelos so transpostos no tempo € no espaco significa que hé sempre diferencas entre os contextos envolvides,¢ isso por si s6 ja impossibilita a existéncia de c6pias perfeitas. De fato, © método de projeto que se baseia na imitagio de modelos inclui entre suas invencio, cujo fim € adaptar o modelo as novas circunstincias. Um exemplo muito claro disso € a arquitetura do Renascimento, que, apesar de derivar da : arquitctura romana do periodo clissico, nio pode nunca ser ‘Administra¢o Municipal, Sainatsalo, Finlandia, comesta confundida Alvar Aalto, 1949: 0 patio é caracterizado como um © método mimético, entio, gera nova arquitetura espaco especial, uma ante-sala diferenciada com o auxilio de analogias vi tente, Hissas neteristicas um razo‘ivel grau de uais com a € hierarquicamente do espaco da rua pelo seu analogias podem ser classificadas em trés grupos: fechamento e cota mais elevada revivalismo, ou revivific: analogia estilistica. O revivalismo ou revivificacio estlistica consiste na imitagao de edificios de outro tempo ou lugar, em sua o estilistica; ecletismo estlisticos A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I réncia geral, ou partes principais. © ecletismo estilistico consiste na imitagio nfo de edificios intciros, mas de tes, ou fragmentos, de edificios existentes ou mantidos, de alguma forma, para a posteridade. As varied fragm de se ctiar novos edificios, através de permutagdes caracteristicas bisicas dessa Je de mimetismo sio a justapos ntos de varias procedéncias ¢ a possibilidade compositivas. Na analogia estilistica, a0 contsirio dos dois a edificio inteito ou de varias partes tiradas de edificios primeiros grupos, onde se fala da imitacio de um diversos, o que acontece € a escolha de um niimero reduzido de partes, tomadas cuidadosamente de modelos escolhidos, com o fim de conferir significados precisos a novos artefatos arquitetnicos. A chave desse procedimento nao é a transposicao literal de um motive de um context para outro, mas uma "reinvengo" do motivo, de maneira a formar uma nova linguagem, que, no obstante, nda carrega o original como uma sombra. Embora os quatro métodos de geracio formal mais comumente usados em arquitetura Casa da Planicie, Oklahoma, Herb Greene, 1962: por sua textura ¢ forma, esta casa ¢ vista pela populacdo local como Banca Popolae, Verona, Italia, Carlo Scarpa, 1978: vista do portal de entrada. A importancia do ato de entrar num. edificio, comumente enfatizada na arquitetura renascentista e neocléssica, é aqui celebrada pela maneira como este portal 6 composto. Sua escala relativa e composico por partes indica uma relago ao menos conceitual com os pérticos encontrados na histéria da arquitetura e nos edificios que constituem o entorno onde esti situado este banco. um tatu ou uma ave m posicdo defensiva. Segundo seu arquiteto, a intencao principal que regeu 0 projeto foi a de criar uma casa que tivesse uma forma familiar &s pessoas que viver nas planicies da regido. A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I Casa no estilo neocolonial brasileiro, de Licio Costa f (0s eel Gee] Igreja Unitéria, Oak Park, Illinois, EUA, Frank Lloyd wright 1907 Tm Villa Stein, Garches, Franca. Le Corbusier, 1929: planta do primeiro pavimento. tenham sido aqui discutidos separadamente, para clareza do texto, as evidéncias mostram que, em geral, elas aparecem em combinacio durante proceso. de composi¢io em arquitetura, Nem sempre todos se empregam ao mesmo tempo, mas raras as obras de arquitetura de importancia geradas exclusivamente por um desses_métodos. O mais provavelé que pelo menos dois ou trés estejam presentes ‘no produto final, e que se relacionem hierarquicamente: usado para gerar as partes principais, ¢ os outros para as demas Ao aceitar se a idéia de que a arquitetara e uma sintese formal de virios fatores internos e externos 10 alguma um método Jos entre si em varios niveis, fic projeto, relacion ‘que nenhum sistema compositivo ou de geracio formal é capaz de sintetizar todos os fatores e niveis envolvidos em um projeto. Assim, os quatro métodos de geracio formal apresentados ao longo deste artigo devem ser vistos como aspectos complementares do fazer arquiteténico, nunca como sistemas independentes, ou mutuamente exclusivos. Dois exemplos. serio suficientes para demonstrarisso. Ao projetar a Primecira Igreja Unitaria, em Oak Park, Frank Lloyd Wright usou 0 método inovativo para resolver o problema do uso de um material novo, 0 concreto, que foi, nese caso, deixado aparente pela primeira vez em um edificio nio-industrial; © método mimético. parece na repetic¢io da mesma solugo para a circulacio vertical (torres nos quatro eantos da planta) j empregada por Wright no Lidificio Larkin; 0 uso do método tipoldgico € evidente na escolha de um tipo bastante usado em outros edificios religiosos, ou seja, ‘um volume central de pé direito miltiplo circundado por baledes; por tltimo encontra-se o método normativo na forma de uma malha bidimensional que controla a planta secundirios. igeeja, definindo seus espagos principals e ‘Uma anilise da Villa Stein, projetada por Le Corbusier, mostra que 0 famoso arquiteto empregou 0 método tipoligico, a0 dispor as acomodagées de maneira similar Aquelas dos palacetes renascentistas, ou seja, comas ateas de estar colocadas no primeiro andar, 0 chamado piano nobile, O método normativo esti pres tridimensional que € visivel por toda ela. Le Corbusier também fez uso do método mimético empregando uma série de elementos usados em outros projetos seus, como escadas semicirculates, volumes curvos que definem espagos auxiliares, € paredes onduladas que modulam a circulagio interna. Por fim, localizamos a utilizacio do método inovativo na inversio do esquema tradicional da casa de campo, ji discutido aqui em outea parte -nte na forma cibica da saca ¢ na malha estrutural Para terminar, seria oportuno retornar is duas citagdes que abrem este ensaio. A primeira delas, do i A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I Casa da opera, Sydney, Austrélia, John Utzon, 1957/74: a forma do edificio tenta relaciond-lo com 0 porto onde se localiza, Suas varias «cpulas» assemelham-se intencionalmente as «velas dos iates que adernam ao entrar na baia de Sydney» arquiteto racionalista italiano Alberto Sartoris,ilustra a intencio central deste artigo, que € arquitetura como uma prixis transformagio de conhecimento. A segunda citacio, em que Borges afirma que “para saber escrever € preciso saber ler”, foi dirigida A literatura, mas é também valida todas as_atividades de caracterizar baseada na para essencialmente criativas, e expande a idéia contida na primeira citagio, ao sugerir que 0 uso da historia depende de um ato eritico, seletivo e transformador, realizado pelo arquiteto que a emprega como matétia-prima. Apesat de os grupos vinculados Bauhaus propagarem a doutrina da originalidade, os fatos mostram uma historia bem diferente. Qualquer tradigio. arquitetOnica desenvolve seus proprios ‘temas, seus motivos ¢ formas caracteristicos, mas isso se da sempre em relagio com o existente, Os mais, profundos arquitetos do século X3 hist6ria da arquitetura de tal maneira, que ela se presenta a0s nossos olhos totalmente transformada. JA se disse até que a histéria da arquitetura muda a ‘cada vezem que um arquiteto de talento faz uso dela. souberam usar a Ao contritio do que diziam os mitégrafos da arquitetura moderna, todos os grandes arquitctos deste século recorreram 4 histéria como referencia Le Corbusier, um dos maiores arquitetos da era moderna, ¢ um dos supostos “criadores originais”, Museu Altes, Berlim, Karl F. Schinkel, 1825: planta do nivel principal 3 5 cy ee 5 “ip ie di : 2 A489 + Teoria e Historia da Arquitetura e do Urbanismo I deixou-nos ampla evidéncia disso em prédios como a sede do Parlamento em Chandigarh. Comparando-se sua planta com a do Museu Altes, em Berlim, projetado em 1823, por Karl Friederich Schinkel, uma relacio tipolégica entre as duas pode ser detectada, pois ambos apresentam a mesma seqiiéncia basica, que comeca no portico de entrada ¢ prossegue por um caminho processional até um espaco. central coberto. por um domo. Outra semelhanga é a disposicio de atividades secunditias naperiferia dos dois edificios. Ainda na planta, o vasto ntimero de colunas existentes no interior do Parlamento € reminescente alas hipéstilas egipcios. Vistas dos dois projetos mostram que o ‘mesmo esquema, ou seja, um domo sobre um volume primirio, se faz presente em ambos, embora tratado de maneita diferente. A relagio entre os dois projetos se dé a nivel conceitual, e em nenhuma parte isso é mais evidente do que nos porticos existentes nas fachadas principais dos dois edificios. Enquanto 0 portico do museu é clissico, o de Le Corbusier faz muitas coisas no mesmo tempo: ctia uma ordem quase clissica, pela disposicio e proporcio dos suportes verticais, mas formalmente difere totalmente da solucio empregada por Schinkel [10]; parte superior do pértico, que ocupa o lugar da centablatura clissiea, d de cert \contradas nos templos bra ao portico € resolve o problema do escoamento das figuas pluy aqucla uma regio onde chove muito durante o inverno), funcionando como uma calha gigantesea; a0 criar uma area de sombea & entrada do edificio, 0 portico se apresenta como uma continuagio da tradicao indiana, segundo a qual os excessos do clima local sio controlados por meio de verandal Com esse exemplo, espero ter deixado claro «que, parafraseando Borges, para eserever bem, niio suficiente ler, mas saber ler. Isso se aplica perfeitamente a produgio arquitetdnica, Em arquitetura é preciso saber abstrair, chegar a esséncia do existente ©, principalmente, saber julgar sua relewincia para 0 caso de que nos ocupamos no momento. Uma arquitetura auténtica quando um arguiteto entra na histéria em varios niveis ao mesmo tempo, extraindo dela prinefpios basicos e transformando-os, ou mesmo “rcinventando-os”, por assim dizer, para que cles possam ajudé-to a resolver problemas e necessidades, do momento. C histéria sé é bem usada quando nfo restam tragdes Titerais do seu uso ou, em outras palavras, quando é “bem lida”, (endo 6 surge »mo foi visto no titimo exemplo, a Sede do parlamento, Chandigarh, india, Le Corbusier, 1951/62: planta do nivel principal. [10] Esse era um edificio bem conhecido por Le Corbusier, pois, além de ter vivido em Berlim, ele trabalhou para Peter Behrens juntamente com Mies van der Rohe, dois arquitetos que admiravam muito o trabalho de Schinkel e por este foram influenciados. 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