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Segundo Rui Lopes, há um grande mistério por traz do surgimento do vilancico. Sua
origem está situada em “algures na confluência do drama litúrgico medieval com os ecos do
teatro falado e com as mais diversas tradições musicais populares” (LOPES, 2006: 1). Dessa
forma, de acordo com Álvaro Torrente, pode-se compreender tal gênero a partir das seguintes
vertentes:
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* Granduanda de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq) do projeto: “Irmandade, Capelas e Rituais no Rio de Janeiro do século XVIII”, sob orientação de
Beatriz Catão Cruz Santos.
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castelhano e teria surgido com o objetivo de designar algum texto literário que deveria ser
cantado (LAIRD Apud Lopes, 2006). A tradução de villano é vilão e este era caracterizado
por ser, inicialmente, habitante das villas, localizadas no campo, ou seja, era o camponês.
Porém, com o desenvolvimento das cidades, o termo foi ampliado e atingiu as categorias mais
baixas do artesanato e do comércio de forma depreciativa (MACEDO, 2004). Observa-se,
então, que a origem do vilancico está marcada pela linguagem vernacular, não estando
presente no meio aristocrático.
Laird aponta o vilancico como um tipo particular de poesia que se tornou cantado
(LAIRD Apud DANIEL FARRIS, 2009). De acordo com Lopes, na última década do século
XV, na Espanha, começaram aparecer vilancicos com música através dos chamados
cancioneiros, cuja característica era o lado profano das letras. Este fenômeno, por outro lado,
se deu em Portugal apenas no final do século XVI. Em meados deste século, uma mudança
significativa começa aparecer e, segundo López-Calo (LÓPEZ-CALO Apud LOPES, 2006),
estimulada pelo primeiro arcebispo de Granada, o Frei Hernando de Talavera (1428-1507). Os
vilancicos começam a ser introduzidos nos ambientes religiosos e, com isso, “o vilancico se
desvinculou do caráter essencialmente profano que detinha os cancioneiros quinhentistas para
se posicionar, a pouco e pouco, no coração das práticas cerimoniais promovidas regularmente
pelas igrejas e catedrais ibéricas” (LOPES, 2006: 7).
Para Tess Knighton e Álvaro Torrente, as músicas de devoção eram uma prática
musical comum na maioria dos países da Europa e têm uma prática longa e particular na
Espanha, principalmente depois da Contrarreforma. Durante os séculos XVI e XVII, os
vilancicos se tornaram um gênero amplamente cultivado por músicos profissionais da Igreja e
passaram a ser assimilados distintivamente por meio de técnicas de composição de música
litúrgica (RODRÍGUEZ, 2007).
De acordo com Rodríguez (2007), o vilancico foi um dos elementos cerimoniais que
configurava um caráter sacro à figura do rei e havia uma diferença no tom do vilancico
cantado na Catedral em relação ao cantado na Capela Real. Era necessário que o tom do
vilancico nesta fosse mais alto a ponto de dar uma grandiosidade na imagem do monarca.
Para ele, os vilancicos, no século XVII, se tornaram um tipo de gênero musical com status de
música sacra.
Diogo Curto (1993) afirma que um dos primeiros documentos impressos relacionados
com a Restauração Portuguesa é o Villancicos, que se contaraõ na Capella Real d’el Rey D.
Ioam nosso Senhor, o IV de Portugal, Nas matinas da noite de natal, este anno de 16401.
Segundo ele, a partir da Restauração, a Capela Real se tornou um “espaço público de
representação de maior confiabilidade” (CURTO, 1993: 153). A Capela Real era o centro de
irradiação de normas e condutas a serem seguidas. O uso do vilancico foi essencial para
configurar uma imagem sacra ao rei. Conforme Lopes, a publicação dos vilancicos foi de
suma importância para afirmar e legitimar a nova ordem política pela qual Portugal estava
passando, sendo orientada pela Capela Real. Outro dado é o uso do recurso de identificação
do Menino Jesus com um membro da família Real, que, no caso, era o Rei.
Tess Knighton e Álvaro Torrente trabalham com a ideia de que os vilancicos são
músicas de devoção e no livro Devotinal Music In The Iberian World destacam a influência
da Ordem Franciscana junto com a Ordem das Clarissas para com a expansão das músicas
devocionais. Essas ordens, segundo eles, teriam promovido o uso das músicas sacras no meio
vernacular para a adoração de Natal.
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Localizado na Biblioteca Nacional de Lisboa.
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constituem uma ordem religiosa que, pela sua vocação e prática pastoral, se
enquadra na forma de vida mendicante. Este se assenta na vivência da pobreza
evangélica, não apenas a nível individual mas também como expressão comunitária
(FRANCO, 2010:158)
Francisco de Assis era filho de um rico mercador e largou tudo com o propósito de
imitar Jesus Cristo. Antes disso, contudo, Chiara Frugoni afirma que a cortesia e a
liberalidade eram virtudes que Francisco desejava cultivar para si, mesmo que não lhe
pertencesse no berço. Almejava mudar sua posição social por meio de suas atitudes que se
baseavam na aristocracia.
Francisco foi uma figura maravilhosa e inspiradora. De acordo com Vauchez (1995),
os homens de sua época admiraram a personalidade desse homem e viram nele um santo –
contudo, alguns viam-no como um louco e apelidaram-no de “Poverello” (BASCHET, 2006:
208). Segundo ele,
Esse movimento revigorante para Igreja vai além. Não havia hierarquia dentro da
ordem que na sua essência era laica. Isso, para Vauchez, era revolucionário para a época. “A
única diferença que ele admitia entre os dois tipos de irmãos era que os clérigos liam ou
cantavam o ofício em latim, enquanto os leigos se contentavam em recitar o Pater e a Ave
Maria”(VAUCHEZ, 1995: 128). Os irmãos deviam trabalhar para conseguir seu próprio
sustento, não podendo acumular nada. Francisco seguiria apenas os passos de Jesus Cristo,
vivendo na pobreza, a sua Senhora.
com um aristocrata com que fora prometida. Pretendia viver na pobreza e permanecer virgem.
Em 1212, chega a Porciúncula junto com uma amiga e Francisco corta-lhes o cabelo e veste-
as com um burel parecido com o que usava,
Outra situação emblemática que vemos surgir com Francisco e seus seguidores é a
relação com a cultura. De acordo com Chiara Frugoni, Francisco era hostil à cultura – um
letramento2 – e à ciência, no sentido de criar diferenciação entre os homens e se desvirtuar da
palavra de Jesus Cristo, tal como ele agia e pensava antes da conversão. Entretanto, Francisco
se destacava pela sua forma de falar com o povo, “pregava em vernáculo simples e
espontâneo, usava gestos, mímica, cantos e melodias; era como assistir a um espetáculo, uma
comédia religiosa” (FRUGONI, 2011: 47).
Talvez sejam esse domínio e essa habilidade que faz com que Vauchez atribua os
sucessos de Francisco na Itália por conta de sua relação original com a cultura de seu tempo.
Segundo ele, a cristandade ocidental preocupou-se com a cultura profana desde o século XII.
Era uma cultura marcada pelos romances de cavalaria, o folclore dos camponeses por
exemplo. Essa cultura, além da diferença de conteúdo veiculado em relação à cultura
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Já que proibia que os irmãos iletrados que entrassem na sua Ordem aprendessem a ler e a escrever, segundo
Frugoni.
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eclesiástica, era de linguagem vernacular e não em latim. Francisco suavizou a língua sacra e
a fez um instrumento de comunicação. Além disso, enriqueceu a língua vulgar e a colocou
num campo que não lhe era comum: o campo da expressão da fé. Dessa forma, Francisco de
Assis mistura cultura profana com a cultura religiosa. Vauschez nos traz um dado
interessante, Francisco concluía com as seguintes palavras as mensagens para a evangelização
nas cidades e nas aldeias: “Somos os saltimbancos3 de Deus, e a verdadeira recompensa que
desejamos é ver que levais uma vida verdadeira penitente” (VAUCHEZ, 1995: 131). Segundo
ele,
O Pobre de Assis aceitou esse desafio, propondo aos seus ouvintes uma mensagem
acessível a todos e enobrecendo a língua vulgar por um uso religioso (...). Os
divertimentos aos quais se dedicou durante a adolescência, com a juventude
dourada de Assis, o marcaram bem mais. De qualquer forma, conservou seu estilo
cortês, que iria acompanhá-lo durante toda a vida, o amor pela poesia e um certo
conhecimento do francês, que era então a língua por excelência da canção. Assim,
quando deixou o “século”, Francisco estava mais próximo do mundo dos cavaleiros
da Távola redonda e dos trovadores do que dos juristas de Bolonha ou da
escolástica parisiense. Entre os seus primeiros discípulos, alguns se recrutaram,
aliás, entre os saltimbancos que frequentavam as cortes aristocráticas, como o
irmão Pacífico, “príncipe dos poetas” da Marche de Ancona e “mestre-de-canto
obre e cortês”(VAUCHEZ, 1995: 130-131)
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Grifo meu.
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reabilitação dos saltimbancos por meio dos sobrenomes usados por São Francisco e os
franciscanos, como os citados no parágrafo anterior, “Somos os saltimbancos de Deus”, ou
nos citados por Jacques Le Goff, “saltimbanco do Cristo”4 O fosso entre a cultura sacra e a
secular foi atravessado por Francisco de Assis. Dessa forma, Baschet aponta que São
Francisco reconciliou o povo com a religião por meio da palavra e do canto.
As cidades foram sem dúvida o principal lugar de atuação dos franciscanos e das
outras Ordens mendicantes. De acordo com Vauchez, no século XII, já havia uma
aproximação entre os seculares e os regulares, mas essas ordens mendicantes aumentaram
essa relação. Elas foram responsáveis por um tipo de atividade pastoral próprio para os meios
urbanos. Os franciscanos também escolheram as cidades para o seu apostolado. Le Goff
afirma que o espaço de Francisco e seus irmãos é formado por uma rede de cidades e suas
respectivas estradas. Eles estão em constante viagem e é por meio dessas estradas que alguns
chegarão à Ásia e a China. As cidades, então, são lugares de pregação e utilizavam os espaços
comunitários destas. Esses espaços eram geralmente as praças, “recriando um espaço cívico
ao ar livre, sucedendo a desaparecida ágora e o fórum antigo” (LE GOFF, 2013: 189).
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Conferir nota 28, página 126. LE GOFF, Jacques. Para uma outra Idade Média: tempo, trabalho e cultura no
Ocidente. Tradução de Thiago de Abreu e Lima Florêncio e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro:
Vozes, 2013.
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Bibliografia
CURTO, Diogo Ramada. A Capela Real: um espaço de conflitos (séculos XVI a XVIII).
Porto: Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, 1993. p.143-154.
FRANCO, José Eduardo (dir.). Dicionário Histórico das Ordens Institutos Religiosos e
Outras formas de vida consagrada católica em Portugal. Portugal: Gadativa, 2010.
IRVING, David. Historical and literatury vestiges of the villancico in the early modern
Philippines. In: KNIGHTON, T. TORRENTE, A. Devotional Music In The Iberian World,
1450–1800: The Villancico and Related Genre. Inglaterra: Ashgate Publishing Limited, 2007
LE GOFF, Jacques. Para uma outra Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente.
Tradução de Thiago de Abreu e Lima Florêncio e Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de
Janeiro: Vozes, 2013.
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Tradução de Marcos de Castro. 12 ed. Rio de
Janeiro: Record, 2013.
MACEDO, José Rivair. O real e o imaginário nos fabliaux medievais. Revista Tempo, v. 9 n.
17, p. 9-32, 2004. Disponível em
<http://www.historia.ufrj.br/~pem/arquivo/joserivair004.pdf>. Acessado em 01/04/2014
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VAUCHEZ, André. A espiritualidade na Idade Média: séculos VIII a XIII. Tradução de Lucy
Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.