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Capítulo 2 – Demanda hídrica no Distrito Federal

O crescimento acelerado da população do Distrito Federal, além de mudanças


importantes no uso e ocupação do solo, também resultou em acelerado aumento
no uso da água. Os dois principais usos da água no DF, em relação à demanda de
quantidade, são, reconhecidamente, o abastecimento público e a irrigação.
Como apresentado no Capítulo 1.1, em menos de 60 anos de existência o DF pos-
sui população de aproximadamente 3 milhões de habitantes (IBGE, 2017). Consi-
derando‑se uma demanda média (consumo) de 150 litros por habitante por dia, são
necessários, por ano, cerca de 165 milhões de m³/ano para abastecer a população do
DF. Transformando esse montante em uma vazão constante durante todo o tempo,
tem‑se o valor corresponde a uma demanda contínua de 5.230 L/s. Sendo as perdas
dos sistemas de abastecimento da ordem de 35%, a demanda total de captação é de
aproximadamente 7.000 L/s (220 milhões de m³/ano). A capacidade máxima de cap-
tação da ­Caesb é de aproximadamente 11.000 L/s. Destaca‑se que, em momentos de
pico de consumo, a vazão captada se aproxima da capacidade de captação instalada.
O setor agrícola é outro usuário importante da água no Distrito Federal, com
destaque para a agricultura irrigada. Juntando dados de diferentes fontes (ANA,
2017; Lima et al., 2015; Lima e Ferraz, 2018), estima‑se que a área total irrigada
no DF seja próxima de 25 mil hectares. Considerando uma aplicação de 6.000 m³/
(ha.ano) nas áreas de irrigação de grãos na região (Lima et al., 2004) e de 3.500
m³/(ha.ciclo) nas áreas de irrigação de hortaliças (Programa Nacional de Irrigação,
1987), já tomando em conta a eficiência dos sistemas, estima‑se que a demanda
de água para irrigação no DF seja de aproximadamente 185 milhões de m³/ano,
que, em vazão contínua ao longo dos 365 dias do ano, representaria 5.850 L/s. No
entanto, em geral, a prática da irrigação se concentra no período mais seco do ano
que, na região, consiste no período de maio a outubro. Portanto, se consideramos
que toda essa água para irrigação é utilizada em apenas 6 meses, essa vazão mé-
dia contínua no período dobraria, passando para 11.700 L/s. A capacidade máxi-
ma de captação de água para irrigação é estimada em 20.000 L/s, o que pode ser
alcançado em momentos de maior demanda de água para irrigação.
É importante ressaltar que esses dados referentes ao setor de irrigação são esti-
mados. No entanto, há um forte trabalho em curso para a hidrometração desses
sistemas com o fim de se melhorar o conhecimento sobre a demanda hídrica para
a agricultura, informação importante para a gestão dos recursos hídricos, princi-
palmente em bacias críticas quanto à relação entre a oferta e a demanda de água.
A ­Adasa ainda está evoluindo no uso de inteligência espacial para a identificação
e a acompanhamento do uso da água nessas áreas.
Portanto, considerando apenas esses dois maiores usos, tem‑se que a demanda
total de água no DF é de aproximadamente 400 milhões de m³/ano, sendo cerca
de 55% destinados ao abastecimento público e 45% à irrigação (estimado).

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Ressalta‑se o fato de a gestão de recursos hídricos ser efetuada por bacia ou uni-
dade hidrográfica, o que torna extremamente relevante a distribuição espaço‑tem-
poral dessas informações, principalmente onde não existem grandes reservatórios
de regularização de vazões.
Na sequência do Capítulo, as demandas de água no DF terão seus dados deta-
lhados.

Demanda hídrica com base nos dados de outorga da A


­ dasa
Antes de iniciar essa análise, é importante salientar que a base de dados de ou-
torga da A
­ dasa é atualizada todos os dias, se tratando, portanto, de informação
dinâmica e em constante evolução. Também é importante ressaltar que os resul-
tados das campanhas de fiscalização indicam, ainda, a existência de usuários da
água em situação irregular, sem cadastro ou outorga, o que obriga um trabalho
contínuo de busca pela regularização de todos. Por outro lado, cabe dizer que o co-
nhecimento sobre os usuários mais significantes em termos de demanda de água,
como a ­Caesb e os usuários de irrigação por pivô‑central, é praticamente de 100%.
Na Figura 1 são apresentados os pontos correspondentes a cada uma das outor-
gas de águas superficiais no DF e suas respectivas finalidades.

Figura 1. Localização e principal finalidade das outorgas para a captação de águas superficiais no DF

De forma geral, observa‑se na Figura 1 que, na região leste do DF, há uma con-
centração grande de captações para fins de irrigação, bem como, na região oeste,
aparecem muitas demandas para fins de abastecimento humano. As captações da
­Caesb estão mais próximas das áreas urbanas. Esses dados, evidentemente, pos-
suem alta correlação com ao uso e ocupação do solo do DF apresentado no Capí-
tulo 1 deste livro.

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Na Figura 2 é apresentado o mapa de vazão outorgada por Unidade Hidrográfica


(UH), que representam as unidades territoriais de gestão dos recursos hídricos no DF.

Figura 2. Vazão outorgada para captações de águas superficiais por Unidade Hidrográfica

Como se observa na Figura 2, as regiões próximas às bacias urbanas, com cap-


tações da C
­ aesb (Figura 1), e as regiões de agricultura irrigada mais desenvolvida
no DF, como as do Rio Preto, Pipiripau e Descoberto, são aquelas com maior vazão
outorgada, com totais variando de 500 a 5.000 L/s por UH (áreas em vermelho).
Na Figura 3 são apresentados os pontos correspondentes a cada uma das outor-
gas de águas subterrâneas no DF e suas respectivas finalidades.

Figura 3. Localização e principal finalidade das outorgas para a captação de águas subterrâneas no DF

Na Figura 3, verifica‑se que na região leste do DF, área de agricultura mais


intensiva, e baixa a densidade de outorgas, em geral, poços para abastecimento
humano. No entanto, regiões como o Lago Oeste, Ponte Alta e o Alto Descober-
to possuem grande densidade de poços para abastecimento humano. Na região

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mais central e urbana do DF, destacam‑se as captações para fins comerciais e irri-
gação, nos casos do Lago Sul e do Lago Norte, em geral, para irrigação de jardins.
Na Figura 4 é apresentado o mapa de vazão outorgada para captação de águas
subterrâneas por Unidade Hidrográfica (UH) no DF.


Figura 4. Vazão outorgada para captações de águas subterrâneas por Unidade Hidrográfica

A primeira observação em relação à Figura 4 é que os somatórios das captações


subterrâneas outorgadas são bem menores do que aqueles indicados para águas
superficiais (Figura 2), mesmo que o número de outorgas subterrâneas seja mui-
to maior do que de outorgas de águas superficiais. Isso demonstra que, em geral,
as captações subterrâneas são de vazões bem inferiores do que aquelas requeridas
para captações superficiais, o que é normal para a região.
Em relação às áreas em vermelho no mapa da Figura 4, destaca‑se que três dos
cinco sistemas de abastecimento da ­Caesb utilizam poços como fonte de água. São
eles os sistemas Sobradinho/Planaltina e de Brazlândia, que utilizam as águas
subterrâneas como complemento às pequenas e médias captações de água super-
ficial, e o sistema São Sebastião, que tem nas águas subterrâneas sua principal
fonte para o abastecimento da população.
Da análise das Figuras 1, 2, 3 e 4, bem como os dados apresentados no Capítulo
1, que trata do uso e ocupação do solo, nota‑se claramente que as áreas de agricul-
tura empresarial, região do rio Preto, parte leste do DF, a demanda é quase que
inteiramente suprida por águas superficiais, o que se explica no fato de a produti-
vidade dos poços na região não serem suficientes para irrigação de maiores áreas
utilizadas para a produção de grãos.
Sendo a C
­ aesb o maior usuário de água do DF, na sequência é apresentado o
detalhamento de suas demandas para o abastecimento da população do DF.

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Capítulo 2 – Demanda hídrica no Distrito Federal

Demanda hídrica para o abastecimento público no DF (­Caesb)


A demanda de água das áreas urbanas deve ser considerada sob dois aspectos: o
do consumo da população atendida pela infraestrutura de abastecimento de água
operada pela ­Caesb e das perdas que ocorrem nessa infraestrutura. Esses dois fato-
res evoluem de forma distinta: o primeiro, decorrente do crescimento populacional
e das políticas de ocupação urbana; e o segundo, relacionado com as ações desenca-
deadas pela ­Caesb para tratar as condições físicas da infraestrutura, das imprecisões
das medições de água (macro e micromedição) e dos consumos não autorizados.
Consumo de água pela população do Distrito Federal
99,7% do volume de água fornecido pela ­Caesb em 2017 foi utilizado pelas cate-
gorias residenciais, comerciais e públicas e apenas 0,3% foi destinado à categoria
industrial. Portanto, praticamente toda a água fornecida pela ­Caesb no Distrito
Federal é utilizada para as necessidades humanas básicas.
Com a finalidade de produzir uma série histórica visando estudar a evolução do
consumo per capita, adotaram-se os dados populacionais do IBGE, considerando
que o atendimento no DF é muito próximo de 100%.
Na Figura 5 é mostrada a evolução do consumo per capita e do consumo men-
sal médio anual de 2000 a 2016.


Figura 5. Consumo per capita e consumo médio no Distrito Federal de 2000 a 2016

Como se observa na Figura 5, na década 2001‑2010 houve crescimento signi-


ficativo do consumo de água no Distrito Federal, passando de 11 milhões de m3/
mês para quase 14 milhões de m3/mês, da ordem de 27%. Isso ocorreu, em gran-
de parte, devido à expansão do atendimento por abastecimento de água, princi-
palmente, pela incorporação de condomínios em áreas não consolidadas como no
Jardim Botânico, em Sobradinho e em Planaltina.

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Nota‑se que o consumo per capita reduziu sistematicamente a partir de 2010,


mantendo o volume total consumido em torno de 14 milhões de m3/mês, possivel-
mente porque o crescimento populacional não vegetativo foi decorrente da ocupa-
ção de assentamentos urbanos de renda mais baixa e menor consumo per capta.
A Tabela 1 apresenta o consumo per capita por localidade nos anos de 2016 e
2017, ano em que houve rodízio no abastecimento em praticamente todos os meses.
Tabela 1. Consumo per capita por Região Administrativa do Distrito Federal em 2016 e 2017 (L/hab.dia)
Região Administrativa 2016 2017
Fercal 57 55
Itapoã 65 57
Estrutural 66 58
Varjão 79 70
Brazlândia 91 84
Sobradinho II 91 84
Recanto das Emas 93 82
Planaltina 104 98
Ceilândia 108 92
Vicente Pires 113 101
Samambaia 115 102
Riacho Fundo 116 101
Riacho Fundo II 116 106
São Sebastião 119 112
Paranoá 121 103
Gama 128 115
Candangolândia 130 113
Santa Maria 132 113
Sobradinho 135 126
Jardim Botânico 147 133
Núcleo Bandeirante 152 138
Sudoeste Octogonal 172 147
Cruzeiro 179 159
Aguas Claras 180 155
Taguatinga 180 158
Guará 205 178
Lago Norte 217 181
Park Way 226 191
Brasília 339 297
Lago Sul 436 366
SIA 1.352 1.161

Nota: O consumo per capita foi calculado utilizando‑se os dados de população projetados pela Assessoria de
Planejamento, Regulação e Modernização Empresarial da ­Caesb.

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Interessante observar, na Tabela 1, que em todas as Regiões Administrativas,


mesmo aquelas em que não houve rodízio de abastecimento, verificou‑se redução
do consumo per capita. Deve‑se ressaltar que o consumo de Regiões Administra-
tivas como Brasília e SIA é impactado pela população flutuante que tem atividade
econômica nessas Regiões, porém residem em outras.
Vale mencionar ainda que as Regiões Administrativas podem apresentar expan-
são populacional além das taxas de crescimento vegetativo estimadas pelo IBGE,
devido à instalação de novos empreendimentos habitacionais, tais como Paranoá
Parque, no Paranoá, e o Total Ville, em Santa Maria.

Impacto do volume perdido na demanda dos reservatórios


A demanda de água nas áreas urbanas sofre o acréscimo das perdas de água no
sistema de abastecimento. Cada localidade apresenta perdas diferentes, de acor-
do com as condições da infraestrutura existente nas mesmas. Para avaliar o im-
pacto das perdas de água nos Sistemas Descoberto e Torto‑Santa Maria, deve‑se
compreender que se tratam de sistemas interligados. Assim, para simplificação
da análise, aplicaram‑se os índices médios de perdas no Distrito Federal ao volu-
me captado em cada reservatório, com a finalidade de estimar a representativida-
de do volume de perdas.
A evolução da demanda média anual de água nos dois reservatórios e as parce-
las de consumo e perdas entre 2000 e 2016 é apresentada nas Figuras 6 e 7.

Figura 6. Evolução da vazão média anual de consumo e de perdas em relação à captação no


Descoberto

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Figura 7. Evolução da vazão média anual de consumo e de perdas em relação à captação no Santa
Maria

Embora seja evidente o impacto das perdas no volume captado dos reservató-
rios, cabe salientar que elas já foram consideradas no projeto e no dimensiona-
mento dessas captações, tendo em vista que todo sistema de abastecimento apre-
senta perdas e trata‑se de um desafio para os operadores reduzi‑las a um nível
mínimo econômico.
Conforme detalhado no Capítulo 18, a C­ aesb está empreendendo uma série de
medidas visando à redução das perdas de água nos sistemas de abastecimento do
Distrito Federal. Para a compreensão de como a redução de perdas pode impactar
a demanda, deve‑se ressaltar que os volumes de perdas não são oriundos somente
de desperdícios ou vazamentos. Uma parcela dessas perdas tem outras origens,
como os consumos não autorizados, os quais, mesmo que regularizados, continu-
ariam parcialmente a fazer parte da demanda total, por se tratarem de uso com
aproveitamento humano.

Referências bibliográficas
ANA ‑ AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasília). Atlas irrigação: uso da água na agricultura irrigada.
Brasília: ANA, 2017, 86 p.

BRASIL – Ministério da Agricultura. Programa Nacional de Irrigacao ‑ PRONI. Tempo de irrigar: manual
do irrigante. São Paulo: Mater. 1987, 160 p.

CAESB – Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito federal. Balanço Hídrico do Reservatório do


Rio Descoberto. Gerência de Recursos Hídricos e Segurança de Barragens, Assessoria de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos. Brasília, ­Caesb, 2015

DE MORAES, H. M. ; MADEIRA, E. F.; LOPES, M. L. O reservatório de Santa Maria e a estiagem nos
últimos anos no Distrito Federal. Brasília, ­Caesb ‑ Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito
Federal, 1986.

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