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INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2019
ANA PAULA TAGLIANETTI
CAMPINAS
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180
Título em outro idioma: The making of a musical theatre piece : the creative process of 47
-the musical
Palavras-chave em inglês:
Musical theater
Down syndrome
Dramaturgy
Área de concentração: 0~VLFD7HRULD&ULDomRH3UiWLFD
Titulação: Doutora em Música
Banca examinadora:
Claudiney Rodrigues Carrasco [Orientador]
Neyde de Castro Veneziano Monteiro
Ricardo Nogueira de Castro Monteiro
Fibio Cardozo de Mello Cintra
André Checchia Antonietti
Data de defesa: 30-08-2019
Programa de Pós-Graduação: Música
MEMBROS:
Aos heróis Diogo Camargo e Miguel Taglianetti de Camargo, que me deram todo apoio
necessário para que esse projeto fosse realizado. Sem sua coragem, parceria, amor
e paciência nada disso teria sido possível. Vocês são os amores da minha vida.
À minha irmã Silvia Cristina e sua família, por terem tido a paciência de permanecer,
durante os meses de finalização da pesquisa, sem a companhia de nossos pais e sem
a nossa presença, para que esse trabalho pudesse ser finalizado. Seu silêncio a
respeito foi mais do que um ato de amor.
A toda equipe de apoio que se fez presente na vida do meu filho Miguel, para que
minha ausência não parecesse tão forte. Equipe maravilhosa que deu ao Miguel todo
o suporte necessário. A começar por Maria José Marques, a Dudú; Ana Paula Trindade
Lima; Raysa Gomes; Flavia Buscarato; Amanda Marsariolli, Daniela Ostroschi e
Rafaela Batista.
Aos amigos pesquisadores André Checchia Antonietti e Gerson Steves, pela luz no
caminho.
A todos os parceiros e estudantes que estiveram em algum momento sob minha tutela.
Aprendi com vocês mais do que ensinei.
A todos os mestres que tive em minha jornada teatral, com destaque para Iacov Hillel
e o saudoso Silnei Siqueira. Trago vocês em mim no coração e no fazer teatral.
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo descrever o processo de criação de uma obra de
teatro musical, desde a concepção da ideia até sua finalização enquanto produto
dramatúrgico-musical. Como introdução ao trabalho de pesquisa, um breve histórico
do gênero foi descrito, desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais. Em uma
segunda etapa, foram realizadas entrevistas com autores contemporâneos do gênero,
com o intuito de compreender seus processos criativos. Para a realização da obra a
qual se propõe essa pesquisa, intitulada 47 – O Musical, foram pesquisadas
ferramentas da dramaturgia e da música aplicadas ao gênero teatro musical. Para a
confecção da obra, estudou-se as estruturas pré-literárias de premissa, história e
enredo, e a estrutura dramática da Jornada do Herói, conhecida por monomito,
conforme descrita por Joseph Campbell e Christopher Vogler. A criação do arco
dramático das personagens foi pesquisada tendo como base o trabalho de K. M.
Weiland. As estruturas musicais que permeiam o universo do teatro musical foram
observadas e descritas, para a realização do processo de composição. O produto
final, 47 – O Musical, é então apresentado, assim como seus quatorze números
musicais, que contam a história da chegada de um bebê com síndrome de Down e a
revolução que esse acontecimento provoca na vida de dois casais: Cris e Pedro - seus
pais; e Rafael e Lucas - seus melhores amigos.
This research aims to describe the creative process of a musical theatre work, from
the conception of the idea until its final completion as a musical-dramatic product. As
an introduction to the research work, a brief history of the genre is described, from
Classical Antiquity to our days. Second, interwiews with contemporary brazilian
authors of the genre were made, in order to understand their creative processes. For
the making of the work aimed at this research, named 47 – O Musical, dramatic and
musical tools applied to musical theatre were researched. Also the pre-literary
structures of premise, story and plot, and the dramatic structure of the Hero’s Journey,
known as the Monomith, were studied, as described by Joseph Campbell and
Christopher Vogler. The dramatic arc of the charachters was researched based on the
Works of K. M. Weiland. Musical structures that permeate the universe of musical
theatre were observed and described, for the making of the composition process. The
final product, 47 – O Musical, is then presented, as well as its fourteen musical
numbers, which tell the story of the coming of a baby with Down Syndrome and the
revolution it provokes in the lives of two couples: Cris and Pedro - his parents; and
Rafael and Lucas – their best friends.
1. Introdução................................................................................................ 13
EPÍLOGO.......................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS................................................................................................ 0
ANEXOS........................................................................................................... 5
13
1. Introdução
1
Broadway, West End - Parte da cidade de Nova Iorque, nas circunvizinhanças da avenida de mesmo
nome, entre as ruas 45 e 51, onde estão localizados os mais importantes teatros comerciais da cidade.
Em decorrência, o termo passou a ser usado, genericamente, para designar um tipo de produção
milionária que, a par de suas qualidades artísticas, possui sério comprometimento comercial.
(Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 570). O
West End é a contrapartida britânica da Broadway: Parte centro-ocidental de Londres, conhecida por
seus famosos teatros, música e cultura.
14
A trajetória do teatro musical de língua inglesa veio a estabelecer cada vez mais
maturidade estilística, tanto na música como no texto, com o passar do tempo, sendo
que inúmeras experimentações foram vivenciadas através desta linguagem teatral.
Está, hoje, longe de ser uma fórmula pronta, uma receita, seguida pelo time criativo,
em geral formado por compositor, letrista e dramaturgo. Ao contrário, ao invés da
fórmula, desenvolveu-se uma forma.
O teatro musical vem estabelecendo excelente qualidade criativa de composição
musical e dramaturgia que caracterizam-se não por serem alguma espécie de teatro
que ganhou músicas, teatro sonorizado, teatro onde existem eventos musicais, teatro
permeado por algumas canções acopladas à ação cênica, mas sim “música escrita
para ser encenada, para ser cantada durante uma representação teatral, partitura que
pressupõe e em diversos aspectos até determina uma concepção cênica que a
transfigura” (PEIXOTO, 1985 p. 15). É pura e simplesmente “composição musical-
dramatúrgica”, onde a obra é concebida em plena integração de texto e música.
Ressalta-se que nem todos os musicais são criados desta maneira, como é o caso
dos espetáculos que usam músicas pré-existentes, os chamados “juke-box musicals”,
mas esta pesquisa irá focar-se naqueles de composição e dramaturgia originais.
Pretende-se ainda, com este trabalho, investigar modos de criação de espetáculos de
teatro musical brasileiro da contemporaneidade através de entrevistas com artistas
criadores, com o objetivo de compreender as técnicas utilizadas por diversos
compositores e dramaturgos, a fim de que este levantamento proporcione
embasamento para a criação de um espetáculo inédito deste gênero. A proposta é
levar a pesquisa para o método de criação, de elaboração de uma obra, aprofundando
a compreensão do fenômeno musical-dramatúrgico e promovendo, dentro do espaço
criativo de um espetáculo, o entendimento cada vez maior da utilização dos elementos
musicais e dramáticos na criação de uma obra de teatro musical.
A justificativa para este trabalho baseou-se no fato de que ainda há poucas pesquisas
no Brasil que contemplem o estudo do teatro musical, principalmente no que diz
respeito à criação, o que reitera a relevância de pesquisas na área. Acredita-se na
importância de pesquisas no Brasil sobre o gênero teatro musical, principalmente por
se perceber uma grande proliferação de produções deste gênero neste momento, e
já algumas tentativas de criação de novos espetáculos inteiramente brasileiros,
contudo havendo ainda poucas pesquisas e escassas publicações em português a
respeito deste tema. O que se percebe é que, criativamente, o gênero esteve sempre
presente nos palcos brasileiros, desde os remotos tempos do teatro de revista, mas
15
A relação entre música e texto é elemento fundamental para a música cênica, no que
diz respeito à narrativa e à encenação.
Essa relação vem percorrendo um longo caminho por toda a história da música e do
teatro desde a Grécia Antiga, e entende-la ajuda a compreender melhor as origens do
teatro musical na atualidade.
Pesquisar os caminhos trilhados pelo teatro musical se faz necessário para perceber
o processo criativo de autores deste gênero artístico, buscando com isso enxergar de
que modo o teatro musical norte-americano e britânico vem influenciando a criação
de musicais nos dias de hoje, no Brasil.
Por que entender a evolução do teatro musical estadunidense e britânico? Porque não
se pode negar que o teatro musical no Brasil de hoje sofre influência do teatro musical
da Broadway e do West End. Nos tempos atuais, nota-se uma produção – com
práticas próprias – do musical original brasileiro, com texto e composição feitos por
brasileiros. Estas obras, ainda que poucas, recebem influência direta do modo como
são feitos os musicais nos Estados Unidos e na Inglaterra. Isso se dá porque um novo
tipo de artista criador tem aparecido no cenário da dramaturgia musical brasileira, a
partir da reentrada dos títulos importados que se iniciou no fim dos anos 1990, graças
à popularização da Lei Rouanet2.
Claro que também o Brasil possui uma história própria de dramaturgia e encenações
deste gênero. E, até um determinado momento, a linha histórica de influências foi a
mesma: tanto os Estados Unidos como o Brasil desfrutaram influências vindas da
Europa. A partir do fim do século XIX, começo do XX, cada país seguiu seu rumo.
Muita coisa significativa aconteceu nos palcos musicais brasileiros, desde as burletas
de Artur Azevedo e o teatro de revista, os poucos musicais de Chiquinha Gonzaga, as
montagens musicais do Teatro de Arena, a produção de Morte e Vida Severina,
dirigida por Silnei Siqueira, aplaudida por 15 minutos seguidos no Festival de Nancy,
na França. Não se pode esquecer tampouco que há por aqui registros de montagens
de musicais da Broadway, uma vez que nos anos 1960 e 1970 houve uma vinda
significativa de títulos – Desde de My Fair Lady até Chorus Line nos anos 1980.
Contudo, uma mudança importante acontece no fim da década de 1990. O cenário
teatral brasileiro passou a apresentar um momento peculiar, com a importação de
2
Lei Rouanet – Principal ferramenta de fomento à Cultura do Brasil (...) Criada em 1991 pela Lei 8.313,
o mecanismo do incentivo à cultura é um dos pilares do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).
17
alguns grandes musicais da Broadway, e isso provocou tamanho impacto que mudou
o cenário criativo e performático deste gênero, no Brasil. Um outro tipo de ator
precisou surgir para comportar as novas necessidades desse mercado, o que gerou,
inclusive, a criação de cursos de formação específicos para o teatro musical.
As criações de novos musicais brasileiros passaram a ser influenciadas pelo estilo
Broadway de se fazer musicais. Artistas como Daniel Salve, Carlos Bauzys, Ricardo
de Castro Monteiro, Ricardo Severo, Nei Lopes e Fernanda Maia, são alguns dos
criadores brasileiros cujas obras demonstram esse fato. Compreender o musical
norte-americano é, portanto, necessário para entender esse fazer músico-teatral da
contemporaneidade no Brasil, presente principalmente no eixo Rio-São Paulo.
Embora não seja o único jeito de se fazer musicais brasileiros nos dias atuais, uma
vez que pelo Brasil afora são inúmeros os tipos de manifestação cênico-musicais que
aparecem, com forte carga de regionalismo, o que este estudo pretende observar é o
estilo de teatro musical brasileiro influenciado pelo anglo-americano.
O que se verá a seguir é um breve histórico do teatro musical, na busca de
compreender o passado do gênero para, a partir disso, estabelecer suas influências
na formação de um novo estilo de composição músico-dramática brasileira.
3
Ethos- Palavra grega que significa ato, ação, escolha. O éthos atua sempre em combinação com a
dianoia, ou pensamento. Juntos, esses dois elementos constituem a ação da personagem
(Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM Editores, Edição do Kindle. Posição 1662).
18
O teatro grego exercia grande impacto sobre a população de Atenas. Conta-se que
em uma apresentação de Eunêmides (Ésquilo, 458 a.C.), o coro de fúrias teria levado
o público a convulsões de terror. A sobrevivência dessa história mostra que a indução
4
Dioniso - De acordo com a mitologia grega, Dionisos (...) era o deus do vinho e da embriaguez, do
arrebatamento e do delírio místico, o espírito selvagem do contraste, da contradição, da bem-
aventurança e do horror. Fonte da sensualidade e da crueldade, da vida procriadora e da destruição
letal. (Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 1344
– 1349).
5
Ditirambos - Forma pré-dramática pertencente ao teatro grego. Consistia em poesia lírica escrita para
ser cantada por um coro de cinquenta membros em cerimônias em homenagem ao deus Dionisos.
(Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro, L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 1410)
6
Parodos- Parte do drama grego que corresponde à entrada do coro. (Vasconcellos, Luiz Paulo.
Dicionário de Teatro; L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 2786).
19
ao medo certamente era reforçada por elementos cênicos e musicais, ou seja, uma
indicação de que a ação narrativa teatral grega se configurava como musical.
Música e som eram, sem dúvida, elementos importantes da produção teatral para
todos os dramaturgos do teatro grego. Ainda tomando Ésquilo como exemplo, em
suas obras remanescentes há um grande número de canções rítmicas para o coro. O
formato poético da escrita grega para o teatro, a forma de escansão das odes 7 , nos
levam a compreender que as partes que cabiam ao coro foram escritas para serem
cantadas, com acompanhamento musical.
Os grandes autores do teatro grego não se resumiam a simples dramaturgos. Eram
também músicos, compositores, muitas vezes atores em suas próprias obras, como
no caso de Sófocles. Isso aponta que os primórdios do teatro musical vêm de fato da
Grécia antiga.
Contudo, aprender a respeito da música dramática da Antiguidade é uma tarefa
frustrantemente difícil, uma vez que fontes bibliográficas fazem somente referências
casuais. As obras e interesses dos autores em música e dança tampouco trazem
informações precisas sobre seus usos em produções daquela época. Mas a
observação dos padrões rítmicos presentes na escansão das odes, conforme
analisados por Scott (1995), permite concluir que
7
Escansão das odes, escandir – Decompor um verso em seus elementos métricos. Destacar bem na
pronúncia as sílabas de um verso ou uma palavra. (Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 830)
20
Na Renascença, o drama secular foi reavivado, e muitas novas peças foram escritas,
imitando os modelos gregos. Essas peças usavam música, de forma subordinada ou
decorativa. Palavras e música deveriam ser levadas a um equilíbrio balanceado,
através da declamação correta do texto e sua expressão sensibilizada.
No que diz respeito à música cênica da Renascença, Grout (1965, p. 23) afirma:
9 Pastorais - Gênero musical que caracteriza personagens e cenas da vida rural ou expressa sua
atmosfera. (The New Grove Dictionary of Music and Musicians, Seg Ed. Vol 19 p. 217).
10 Intermedios- Forma de entretenimento músico-dramático que aparece entre atos de espetáculos
teatrais nos períodos da Renascença e Barroco. (The New Grove Dictionary of Music and Musicians,
Seg Ed. Vol 12 p. 476).
21
11
Comèdie-ballets- Peças teatrais faladas com inserções musicais. (The New Grove Dictionary of Music
and Musicians, Seg Ed. Vol 6 p. 166)
22
Lully criou um tipo (de ópera) que incorporava elementos de cada forma
musical e dramática que já havia feito sucesso na França. Essas formas eram
a Tragédia Clássica Francesa como exemplificada pelos trabalhos de
Corneille12 e Racine13, a pastorale, a ópera italiana e o ballet francês
(GROUT, 1965, p.123).
2.3 . O Barroco
Os afetos são uma teoria da estética musical que propõe a capacidade da música de
suscitar uma variedade de emoções específicas em um ouvinte, ainda que esta ideia
não esteja limitada à época barroca, sendo encontrada no decorrer da história da
12 Corneille- Pierre Corneille, mais conhecido por Corneille (Rouen, 6 de junho de 1606 — Paris, 1 de
outubro de 1684) foi um dramaturgo de tragédias francês. (Picot, E. Bibliographie de Pierre Corneille,
2019)
13 Racine- Jean Baptiste Racine (La Ferté-Milon, Aisne, 22 de dezembro de 1639 – Paris, 21 de abril
de 1699) foi um dramaturgo e poeta francês considerado como um dos grandes autores de tragédias
do Período Clássico na França de Louis XIV (Oeuvres complètes et annexes - Nouvelle édition enrichie.
(French Edition). Arvensa Editions. Locais do Kindle 9735).
14 Opera Comique - Estilo de ópera entrecortada por diálogos falados. “Comique”, na França, refere-se
deveria “movimentar” as emoções do ouvinte (New Grove Dictionary of Music and Musicians, Seg Ed.
Vol.1 p. 181).
23
música. O poder da música sobre as emoções humanas nunca foi negado durante a
Era Medieval e a Renascença, mas os afetos tornaram-se o propósito e a essência
de toda a música barroca. Nesse cenário, o compositor de ópera procurava suscitar
emoções específicas no ouvinte através do texto e da música.
De acordo com Bartel (1997, p.33)
O público não mais assumia uma postura crítica distanciada. O afeto apresentado
envolvia o ouvinte, causando uma reação direta e espontânea. O público não estava
livre para controlar-se, ao invés disso era controlado pelo afeto percebido, deixando-
se levar ao riso ou ao choro, à tristeza ou à alegria, à raiva ou à felicidade. O fenômeno
da catarse se apresentava. Nesse acordo estético entre compositor e público, o
sentimento desejado poderia ser apresentado e suscitado através de um modo,
tonalidade, fórmula de compasso, cadência, adornos, dentre outros recursos estético-
musicais.
De acordo com Heinichen apud Bartel (1997), vários teóricos do Barroco negavam
que modos específicos causassem efeitos específicos no ouvinte. Defendiam que um
mesmo afeto poderia ser acessado por diferentes modos ou tonalidades, e
continuaram a recomendar que os compositores fizessem escolhas cuidadosas do
modo ou tonalidade ao musicar um texto, chegando a listar características expressivas
dos vários modos, mesmo que questionando a validade disso no mesmo tratado. Isso
permitiu que autores descrevessem modos, e mais tarde tonalidades, como dotados
de certo caráter, sem limitar seu uso a um afeto específico.
Harmonia, ritmo, métrica e tempo também eram examinados e explicados no período
Barroco de acordo com suas propriedades afetivas. Bartel (1997, p. 47), afirma que
17
Michael Praetorius- Nome original Michael Schultheiss, (b 15 fev 1571, Kreuzberg, Silesia; d 15 fev
1621, Wolfenbuttel, Brunswick-Wolfenbuttel), compositor alemão e teórico da música. Disponível em
<https://www.britannica.com/biography/Michael-Praetorius>. Acesso em: 18/05/2019)
24
Outros teóricos barrocos sugeriram que certos afetos pudessem ser despertados por
gêneros específicos de danças, tipos de ritmo e formas literárias.
As árias de óperas, de cantatas e de oratórios eram o que havia de mais importante
na música Barroca para suscitar os afetos de um texto. As árias são momentos que
não dão sequência à ação, são suspensões da linha dramática, em que a personagem
reflete consigo mesmo. Esses solilóquios permanecem por toda a história da ópera,
dando origem, mais tarde, aos solilóquios do teatro musical, ainda que sua origem
esteja na Renascença shakespeariana.
Na transição para o Período Clássico, os compositores e o público sentiam que a
música do Período Barroco era muito opressiva, por ditar as emoções, e um caminho
musical diferenciado começou a ser trilhado, em que se deu preferência à
subjetividade e à expressão emocional do indivíduo.
Uma importante característica adquirida pela ópera nesse período foi a estrutura
definida, trazida por Pietro Metastasio19 (1698-1792). Nas óperas desse libretista, uma
cena típica é composta de duas partes: primeiro, ação dramática através do recitativo;
segundo, expressão de sentimentos pelo ator/cantor, na ária.
É também nesse período que a ópera se estabeleceu como um espetáculo para
grandes públicos. As óperas passaram a tratar de temas mais populares e cotidianos,
e as situações sociais retratadas revelavam aspectos mais profundos da natureza
humana. Isso se dá juntamente com a presença, cada vez mais constante, de tramas
cômicas para as óperas. A ópera ainda ganha as importantes contribuições do
18
Johann Mattheson- (b Hamburgo, 28 setembro 1681; d Hamburgo 17 abril, 1764). Compositor
alemão, crítico, jornalista musical, lexicógrafo e teórico. (New Grove Dictionary of Music and Musicians,
Seg Ed. Vol.16 p. 139)
19 Metastasio- Metastasio [Trapassi], Pietro (Antonio Domenico Bonaventura) (b Roma, 3 janeiro 1698;
d Viena, 12 abril 1782). Poeta italiano, libretista e moralista. (The New Grove Dictionary of Music and
Musicians, Vol. 16 p. 510)
25
Giorgio Strehler, um dos maiores encenadores teatrais do século XX, reputa Mozart
como “um homem de teatro completo, não apenas um músico que faz teatro”
(STREHLER apud PEIXOTO, 1985, p. 30). Sua opinião baseia-se na percepção de
que palavras e música precisam estar integradas desde o início, e a partitura musical
acaba sendo o roteiro teatral.
Mozart não apenas compôs obras inteiramente cantadas (do início ao fim), mas
também uma ópera entrecortada por diálogos falados, A Flauta Mágica (1789-1791).
Esses exemplos são de particular interesse para compreender a influência exercida
pela ópera na linha histórica de desenvolvimento do teatro musical.
Nesse período desenvolve-se uma nítida separação entre a sinfonia e a ópera. A
Escola de Manheim 21 (segunda metade do século XVIII) muda os rumos da música
sinfônica, e a estrutura da ópera não permitia as modulações 22 exploradas nesse
repertório. Contudo, a música toma um rumo diferente com o aparecimento do
compositor Richard Wagner, que consegue o feito de unir as duas formas. Seu drama-
20 Gluck- Gluck, Christoph Willibald, Ritter von (b Erasbach, Upper Palatinate, 2 julho 1714; d Viena, 15
novembro 1787). Compositor Boêmio. (The New Grove Dictionary of Music and Musicians, Vol. 10 p.
24)
21
Escola de Manheim- Estabelece um estilo encontrado em composições instrumentais,
primordialmente sinfonias, por compositores ativos da corte eleitoral de Mannheim por volta de 1740 a
1778. (The New Grove Dictionary of Music and Musicians, Vol. 15 p. 776)
22
Modulação – Na música tonal, uma mudança de tonalidade firmemente estabelecida.
26
musical, considerado por Crocker (1966), nem ópera, nem sinfonia, mas um
casamento dos dois, é de particular interesse para todos os que desejam estudar o
fenômeno da encenação teatral. O compositor provocou uma revolução em todos os
aspectos ligados ao espetáculo teatral, influenciando as formas de concepção cênica
que se seguiram a ele.
Seu conceito revolucionário nomeado Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”) é
explicado pelo próprio Wagner em seu tratado Oper und Drama: “O erro na ópera, até
então, consistia no fato de que, de um veículo de expressão (a música), foi feito um
fim, enquanto do próprio fim (o drama) foi feito um meio” (WAGNER apud GROUT,
1965, p. 405).
Isso não significa, porém, que agora a poesia deveria estar em primeiro lugar
e a música em segundo, mas que ambos deveriam crescer organicamente
das necessidades da expressão dramática, não sendo levados de encontro
um ao outro, mas existindo como dois aspectos de uma mesma coisa. Outras
artes também (dança, arquitetura, pintura) devem ser incluídas nessa união,
fazendo do drama musical um Gesamtkunstwerk, isto é, um composto de
obra de arte total. Isto não é, na visão de Wagner, uma limitação de nenhuma
das artes; ao contrário, apenas nessa união podem as totais possibilidades
de cada uma serem percebidas (GROUT, 1965, p. 405).
baseadas no estilo de óperas do século XIX. (New Grove Dixtionary of Music and Musicians, Vol. 18
p.493)
27
25 Recitativo – Tipo de escrita vocal, normalmente para voz única, com o intento de imitar o discurso
dramático na canção. (New Grove Dictionary of Music and Musicians, Vol.21 p. 1)
26
Savoy Operas- Operas apresentadas no Savoy Theatre, teatro construído em 1881 por Richard
D’Oyly Carte para as óperas de Gilbert & Sullivan. (New Groves Dictionary of Music and Musicians,
Vol.22 p. 345)
27 Extravaganza- Tipo de teatro musicado de aparência brilhante e guarda-roupa luxuoso que floresceu
na Inglaterra em meados do século XIX. Diferia do burlesco pela ausência de um ponto de vista satírico
e pela qualidade de humor sem grosseria (Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM
Editores. Edição do Kindle. Posição 1701)
28
28 Burlesques, burlesco – Obra que satirize ou parodie outra, esta geralmente séria. (Vasconcellos, Luiz
música, balé, cenas de transformação, cenários e figurinos espetaculares. (EVERETT, LAIRD 2009 p.
14)
30 Licensing Act- (1737) Extinto Ato do Parlamento no reino da Grã-Bretanha, e momento crucial da
história do teatro. Seu propósito era controlar e censurar o que era dito a respeito do governo britânico
através do teatro (Disponível em: <https://www.revolvy.com/page/Licensing-Act-1737>. Acesso em
18/05/2019).
29
31 Iluminismo – Ideologia que foi sendo desenvolvida e incorporada pela burguesia da Europa, a partir
das lutas revolucionárias do final do século XVIII. As lutas sociais, o desenvolvimento da burguesia e
de seus negócios, e a crença na racionalidade chegaram ao auge na propagação dos ideais iluministas,
estes levados pela onda da Revolução Francesa (Disponível em: <https://www.significados.com.br>.
Acesso em 4/06/2019).
32 Opera Seria- Termo usado para designar Ópera Italiana dos séculos 18 e 19 de tema heroico ou
trágico. (The New Grove Dictionary of Music and Musicians, Vol. 18 p. 485)
30
e o menor uso possível de palavras. A tradição da Pantomima atingiu seu auge nos
Estados Unidos nos anos 1870, tendo se desenvolvido na Inglaterra com algumas
diferenças.
Há peças de teatro musicado antes de 1728, mas não se pode realmente falar em
produções do tipo teatro musical antes do aparecimento da Ballad opera: “uma história
encenada com alguma relação com nosso cotidiano, enaltecida por canções que
pertencem à história” (MORDDEN, 2010). A Ballad Opera tornou-se um gênero
extremamente popular, em que eram representadas, geralmente, as situações vividas
pela sociedade da época. Esse gênero faz uso de baladas populares e árias de
óperas, com as letras modificadas, parodiadas. A Ballad Opera é de especial interesse
para a compreensão do desenvolvimento do teatro musical, tanto na Inglaterra quanto
nos Estados Unidos.
A primeira Ballad Opera, considerada como a ancestral direta do teatro musical de
língua Inglesa foi The Beggar’s Opera. Escrita em 1728 por John Gay e com música
orquestrada por J. C. Pepusch, essa Ballad Opera conta com sessenta e nove árias e
canções para as quais Gay escreveu novas letras em que expressava os
pensamentos de seus personagens, desenvolvendo a atmosfera e avançando na
ação dramática. Registros mostram a primeira apresentação de The Beggar’s Opera
em Nova Iorque no ano de 1750.
Havia, uma forte intenção de John Gay de satirizar a Opera Seria, já que ela havia
monopolizado o interesse em entretenimento dos ingleses, assim como de satirizar a
política e a sociedade inglesas. As óperas do compositor G. F. Haendel (1685 - 1759)
eram o entretenimento mais popular daquele momento. Haendel era um imigrante
alemão que se estabeleceu na corte inglesa fazendo absoluto sucesso. John Gay se
declarava cansado do sucesso da ópera, um gênero estrangeiro, que acabava tirando
as chances dos artistas locais de desenvolverem uma arte nacional. Assim, como
resposta a este cenário, cria The Beggar’s Opera, que estreou em Londres fazendo
absoluto sucesso: “a sátira à sociedade, a novidade da forma, o realismo, a
interpretação excelente, o modo novo de uso da música, ou tudo isso junto – The
Beggar’s Opera foi um sucesso instantâneo” (MATES, 1987). Figuras políticas e
sociais, assim como eventos da época foram expostos ao ridículo. As convenções do
drama popular, como o sentimentalismo exacerbado, foram satirizadas. Além de se
deliciarem com as novas letras colocadas em melodias já familiares, o público se
entusiasmou de ter as cenas cantadas separadas por diálogos em vez de recitativos.
Nascia uma grande fórmula de sucesso, que imediatamente agradou ao público.
31
A partir de 1860, os palcos dos Estados Unidos foram inundados por operetas de
Offenbach, Strauss e Gilbert & Sullivan. Como essas obras influenciaram muitos
compositores e libretistas estadunidenses de operetas, faz-se necessário entender
Jaques Offenbach como uma importante figura do entretenimento.
33 Walter Benjamin- O Crítico e filósofo Walter Benjamin, judeu alemão (1892–1940) é hoje geralmente
considerado como uma das mais importantes testemunhas da modernidade europeia (Eiland, Howard
-Walter Benjamin. Harvard University Press. Edição do Kindle.)
34 Theodor Adorno- (Adorno, Theodor Wiesengrund; b 11 setembro, 1903,Frankfurt am Maim, Ger – d
6 agosto 1969, Visp, Suíça),Filósofo Alemão que escreveu sobre sociologia, psicologia e musicologia
(Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/Theodor-Wiesengrund-Adorno>. Acesso em:
20/05/19).
35 Siegfried Kracauer – (b 8 fevereiro, 1889–d 26 novembro, 1966) foi um escritor alemão, jornalista,
sociólogo, crítico cultural e teórico do cinema. Algumas vezes associado à Escola de Frankfurt, ainda
que não tenha sido membro dela.
32
36 Arcádia- Província da Antiga Grécia. Com o tempo, se converteu no nome de um país imaginário,
criado e descrito por diversos poetas e artistas, sobretudo do Renascimento e do Romantismo. Neste
lugar imaginário reina a felicidade, a simplicidade e a paz em um ambiente idílico habitado por uma
população de pastores que vivem em comunhão com a natureza (...) Neste sentido possui quase as
mesmas conotações que o conceito de Utopia (Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Arc%C3%A1dia_(poesia)>. Acesso em: 20/05/19).
37
Boulevard- Termo usado na França em expressões como “teatro de boulevard”, “peças de boulevard”
ou simplesmente “boulevard”, designando um tipo de teatro de entretenimento predominantemente
comercial. O repertório desses teatros é geralmente formado por farsas e melodramas, e o objetivo
principal é a diversão. (Vasconcellos, L.P. Dicionário de Teatro. L&PM Editores, p. 31)
38 Melodramas- Gênero dramático que floresceu nos séculos XVIII e XIX, embora ainda hoje exerça
grande influência tanto no teatro como no cinema e na televisão. O termo deriva das experiências
renascentistas de recriação da tragédia através da fusão da música e do drama. (Vasconcellos, L.P.
Dicionário de Teatro. L&PM Editores, p. 124)
33
39
Minstrel Shows – Como único gênero estadunidense nativo de teatro, o minstrel show é o mais
importante antecedente dos Musicais do século XX. (Bauch, Marc A. (2011-12-19T23:58:59
“Gentlemen, Be Seated!” The Rise and Fall of the Minstrel Show. GRIN Verlag. Edição do Kindle posição
33)
34
40 Puritanos-[ Do ingl. Puritan] Adj. Diz-se do membro de uma seita de presbiterianos mais rigorosa que
as demais, e que pretendia interpretar melhor do que ninguém o sentido literal das Escrituras.
(Webster’s New International Dictionary of the English Language, p. 2016)
41 Quakers- Alguém de seita religiosa fundada por George Fox, de Leicestershire, Inglaterra, por volta
de 1650, membros os quais chamam-se entre si de Amigos. (Webster’s New International Dictionary of
the English Language, p. 2031)
36
42
Blackface- Nos Minstrel Shows, atores tinham seus rostos pintados com rolhas queimadas para se
caracterizarem como negros.
37
Uma nova tendência surge a partir da década de 1920, quando algumas produções
dispensam a grandiosidade dos cenários e figurinos e concentram-se num formato de
espetáculo com elencos menores e sem atores famosos. Esses espetáculos
buscavam sofisticação, diálogos inteligentes, belas canções, personagens e tramas
puramente norte-americanas. Foi a dupla de autores Rodgers e Hart introduziu o
psicologismo nos personagens (o que era algo recente naquela época), episódios
históricos e literários, afastando, cada vez mais, a comédia musical norte-americana
da tradição do vaudeville e trazendo-a cada vez mais para perto da teatral. Não
38
tiveram receio de abandonar a tradição, levando a comédia musical para uma fase
madura.
Em 1927, os autores Oscar Hammerstein II e Jerome Kern realizam a revolução final,
com o espetáculo Show Boat, levando ao teatro musical como é feito hoje. A trama
teatral passa a ser prioridade e todo o restante – figurinos, cenários, iluminação –
passa a servir ao texto. Uma completa integração entre canção e texto, uma história
consistente e personagens imbuídos de profundidade dramática.
Show Boat pegou o melhor dos musicais que vieram antes dele – o ritmo, as
garotas, as risadas, a forma das canções, o segundo casal cômico, um lugar
americano e personagens americanos, o diálogo com gírias, um par de
canções intercaladas, imitações de celebridades, e a essa mistura adicionou
assuntos de complexidade social; personagens reais, trágicas, com falhas;
relações complexas; um score dramático integrado; um som profundamente
americano, forte, e um escopo épico que nenhum outro musical jamais havia
conquistado. Show Boat misturou o melhor do drama americano com o
melhor da comédia musical e criou um novo espécime: o drama musical
americano, o tipo de show que eventualmente passaria a simplesmente ser
chamado de musical (MILLER, 2007, p.24).
Pode-se considerar que, pela primeira vez, a música estava sendo usada como
recurso dramático, como subtexto, no contexto do musical estadunidense. Pela
primeira vez a música entrava no lugar de palavras. Aquilo que os dramaturgos
colocavam nos textos teatrais como rubricas43 agora aparecia em forma de música,
nos underscores44. Esse fenômeno leva o teatro musical a evoluir através de
composições músico-dramatúrgicas, tornando-se, finalmente, um gênero individual.
43 Rubricas- Qualquer palavra escrita de um texto teatral que não faça parte do diálogo. (Vasconcellos,
L. P., Dicionário de teatro. L&PM Editores, p. 171)
44 Underscores – Vide item 3.2.2.6.1., pág. 119.
39
Os anos 1930 ainda trouxeram uma outra contribuição: o teatro musical ganha um
estilo próprio de canto. Ethel Merman foi a atriz responsável por essa mudança.
Rejeitando o uso da voz no registro de cabeça47, como na ópera, e introduzindo o
estilo vocal do belting 48 no teatro musical, Ethel Merman mudou para sempre o estilo
vocal da Broadway, imortalizando vários musicais, como Anything Goes, de autoria de
seu íntimo amigo Cole Porter. Merman também trouxe, além de novas técnicas, um
novo estilo – muito em função do canto popular do rádio – um certo ‘canto-falado’.
A influência que Show Boat poderia ter exercido no drama musical da Broadway pelos
temas que abordava foi interrompida pelos anos da depressão americana 49. A última
coisa que o público desejava era drama em seus momentos de lazer. Somente após
dezessete anos houve uma nova evolução do teatro musical, com a obra intitulada
Oklahoma! (1943). A grande revolução desse musical acontece no âmbito da dança:
Agnes de Mille, a legendária coreógrafa desse musical, passou a integrar a dança de
forma narrativa, na história, tornando-a parte do drama, integrada, assim como a
música e o texto. Pela primeira vez na história um coreógrafo exigiu que a música
45 Crash da Bolsa de Valores dos EUA – Crise econômica resultante da quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iorque em 1929.
46
Prêmio Pulitzer – www.pulitzer.org
47 Registro de cabeça- Nomenclatura dada a voz feminina na região aguda da tessitura vocal.
48 Belting- Podemos definir Belting tecnicamente como uma voz de laringe um pouco mais alta, de
espaço faríngeo mais restrito resultando acusticamente em um som muito brilhante. (Araújo, M. Belting
Contemporâneo: aspectos técnico-vocais para teatro musical e música pop. Gráfica Rettec, p.
45)
49 Depressão americana- A Grande Depressão foi a crise mais devastadora da história americana. Ela
teve início em 24 de outubro de 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, mas suas
raízes começaram a surgir muito antes, enquanto os EUA ainda viviam a euforia de ter superado o
Reino Unido como maior potência mundial (Disponível em: <http://opiniaoenoticia.com.br>. Acesso em:
07/06/2019).
40
fosse composta para sua coreografia, passando a existir aquilo que hoje se denomina
Broadway Dance. Miller (2007, p.50) diz:
Broadway dance seria uma forma única em si mesma, uma que existe para
comunicar a história, personagens, e ainda mais radicalmente, psicologia. (...)
Sem palavras, a coreografia de Agnes de Mille nos deu insights claros e
profundos dos sentimentos, esperanças e medos mais secretos de Laurey
[protagonista de Oklahoma!]
50 Pigmalião de Shaw- A comédia Pigmaleão é uma das peças mais famosas de [George Bernard]
Shaw. Vem sendo encenada com estrondoso sucesso desde 1912 e em 1964 foi adaptada para o
cinema sob o título de My fair lady, sob direção de George Cukor, com Audrey Hepburn. (Disponível
em: <https://www.lpm.com.br>. Acesso em: 08/06/2019)
41
A década de 1950 traz novidades para o drama musical, em que aparece uma
variedade de assuntos abordados e jeitos diferentes de se fazer música. Os temas,
cada vez mais retratavam o mundo real, o drama humano nos seus limites.
Musicalmente, ainda se tem a presença do jazz, que já havia sido explorado nos
51
Proscênio- A parte do palco localizada entre a boca de cena e a plateia. (Vasconcellos, L. P. Dicionário
de Teatro. L&PM Editores, p.161)
52 Monólogo teatral- Tipo de peça de teatro estruturada em torno de um único personagem.
scores53 dos mais variados compositores, mas agora o rock surge nos palcos dos
musicais, em Expresso Bongo, que estreou no West End em 1958. Antes disso, em
1957, West Side Story estreou na Broadway explorando um tênue limite entre a ópera
e o musical, com um elaborado score do compositor Leonard Bernstein. Além de
abordar o delicado tema do preconceito contra a população latina, West Side Story é
um drama musical que fala de amor sem final feliz, em uma recontextualização de
Romeu e Julieta de Shakespeare para a realidade das gangues de Nova Iorque. O
Primeiro Ato termina com dois corpos mortos em cena, e o espetáculo ainda apresenta
o herói morto na cena final. Mas, além do aprofundamento do material dramático e da
complexidade musical incorporada pelo teatro musical dos anos 1950, alguns
importantes experimentos têm seu início no final desta década. Ainda em West Side
Story, o coreógrafo e diretor Jerome Robbins inaugura a era dos chamados dance
musicals, em que a importância do coreógrafo cresce ainda mais. Ocorre uma
reinterpretação da forma e surge a figura do diretor-coreógrafo. Essa figura se torna o
centro da produção, do roteiro e do score. A ele se seguiram diretores-coreógrafos
importantes, como Bob Fosse, Gower Champion e Michael Bennett.
O mundo estava passando por mudanças sociais muito profundas. A revolução sexual,
o conflito entre o velho e o novo, a moda, as drogas, o embargo de Cuba, A guerra do
Vietnã, a crescente importância do Movimento Negro, a Guerra Fria. Não havia como
o rock deixar de aparecer nos palcos dos musicais. E assim, aparece o fenômeno
Hair.
Apesar de alguns autores considerarem que este período tenha sido de declínio para
a arte dos musicais, para Miller (2007), “Os anos 1960 foram um tempo de expansão,
53
Score – Forma de música manuscrita ou impressa em que as staves, conectadas por barras de
compasso, são escritas uma sobre as outras, para representar a coordenação musical visualmente;
página, volume, fascículo ou outro artefato contendo cópia completa de trabalho musical.
43
O circuito teatral off Broadway começa a se tornar uma espécie de incubadora para
musicais considerados incomuns, que buscam experimentar novas linguagens.
Dessas práticas começam a surgir grandes títulos e os musicais-conceito, que vão
longe do realismo e do universo romântico, encontraram espaço nesse circuito. Sem
a aparição do conceito off-Broadway, estes títulos experimentais não teriam tido
chance. O teatro comercial ordenado, seguro, compartimentado não tinha nenhuma
relação significativa com o mundo real caótico dos anos 1960.
O musical americano vai derramar seu estado polido do presente e vai se
transformar em algo aventureiro e desordenado. Vai em breve trocar seu jeito
arrumadinho e penteado por algo menos polido, de perfil mais peculiar. Irá
adiante ou irá encolher, a partir da finesse que o regulamenta agora (...) Mais
do libreto estará no score. Muito mais. Vai haver menos competição dos
elementos colaboradores. (...) E isto pode não acontecer entre a rua 41 e a
54. (...) Nada mais excitante acontecerá no mundo teatral do que este novo
musical. (BOCK apud MILLER, 2007, p. 86)
The Fantastiks foi o primeiro grande fenômeno off-Broadway, marcando o início do fim
da revolução da obra de Rodgers e Hammerstein, antecipando os musicais-conceito
que viriam e rejeitando o modelo antigo, de O Rei e Eu ou A Noviça Rebelde. A
Broadway ainda relutava em manter alguma ligação com o status quo, produzindo
brilhantes obras, como Hello, Dolly!, mas que não traziam nada de novo ou condizente
com a revolução social e política pela qual o mundo vinha passando.
Em 1966 a dupla Kander e Ebb estreia Cabaret, que ganha versão cinematográfica
em 1972. Outro sucesso arrebatador da dupla foi Chicago, em 1975, que também
ganhou versão em filme, em 2002. A atriz-cantora Liza Minelli tornou-se um nome
frequentemente associado à dupla.
Em 1967 Hair estreia off Broadway, para depois estrear na Broadway em 1968. Hair
não apenas era revolucionário por assumir em cena o uso de drogas, o nu frontal e
54
Off Broadway - Na cidade de Nova York, diversos grupos e teatros situados em torno do Greenwich
Village, empenhados na produção de espetáculos que se oponham em custos e estilo aos realizados
na Broadway. As casas de espetáculo são geralmente pequenas, o repertório inclui peças estrangeiras,
novos autores e remontagens, além de uma linguagem cênica muito mais próxima do experimental ou,
pelo menos, não comprometida com o tradicional ou o comercial (Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário
de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle posição 2628).
44
todo um questionamento social, mas também ancorou o rock nos palcos da Broadway.
E não apenas isso: a obra não tinha exatamente algo que se pudesse chamar de
libreto, no senso usual da palavra. Diz Jones (1998, p. 76):
Diretor e autores (que também eram os protagonistas) jogaram fora o enredo
libreto linear e introduziram algo novo no lugar. Era mais um revue que um
musical com texto regular. Mas, na verdade, era algo mais: era a
apresentação de um estilo de vida, uma alternativa ao costumeiro score da
Broadway, e uma alternativa aos normais valores morais da Broadway (que
ainda estavam conectados ao otimismo dos velhos dias de Rodgers &
Hammerstein).
Hair preparou o terreno para outros musicais-conceito não lineares, inovação que
dominou o musical norte-americano nos anos 1970.
Pode-se considerar Company, de Stephen Sondheim e George Furth, como o grande
acontecimento de 1970. Nada como aquilo havia sido produzido na Broadway antes.
Um musical-conceito totalmente não-linear, em que a personagem central apresenta
para o público suas observações sobre os casamentos de seus amigos, para que ele
próprio possa tomar uma decisão a respeito de envolver-se romanticamente ou não.
As canções são comentários, cantadas por personagens que não estão envolvidos na
cena, direcionadas diretamente ao público. Levado a uma viagem junto com a
personagem central, o público participa de seus pensamentos, vendo todos os
personagens sob o ponto de vista do protagonista. Conforme amadurece em seus
sentimentos, os personagens vão sendo caracterizados de forma mais completa e
profunda. Como as canções são comentários, “o deslocamento da maioria das
canções nas cenas reforça o sentimento de fragmentação e separação trazido pelo
show” (JONES, 2003).
Nos anos 1970 vários títulos importantes ocuparam os teatros da Broadway. Musicais-
conceito e experimentações não-lineares continuaram a acontecer. Revues como
Godspell e A Chorus Line, que não necessariamente contam histórias com tradição
aristotélica (começo, meio e fim), tornaram-se populares. Os temas abordados
deixaram de ser romances com finais felizes para explorarem a decadência do sonho
americano, para retratarem a falta de esperança que havia tomado conta do espírito
nacional, escancarando no palco o sexo, as drogas e o questionamento das
instituições do casamento e das religiões. O clima de cinismo e sátira nas letras havia
chegado para ficar. Os black musicals 55ganharam maior força nos anos 1970. Os
55
Black musicals – Nos Estados Unidos, musicais escritos e apresentados nos últimos 200 anos por
afro-americanos com o intuito de representar a experiência afro-americana. (Disponível em:
<www.enotes.com>. Acesso em: 03/07/2019).
45
Um dos títulos mais significativos que exploraram essa forma de teatro musical foi Les
Misèrables, um musical francês adaptado para a Broadway pelo produtor teatral
britânico Cameron Mackintosh, estreando na Broadway em 1982. O compositor
Andrew Lloyd Webber já havia explorado esta forma nos anos 1970, com Jesus Christ
Superstar e Joseph and His Amazing Technicolor Dreamcoat. O libretista de Les
Misèrables, Alain Boublil havia sido convidado para assistir Jesus Christ Superstar,
em 1973, e contam que teria saído do teatro convencido de que queria fazer um
musical daquele jeito. Demorou dez anos. Les Miz apelido carinhoso do musical,
estreou na França, passando por Londres e finalmente desembarcando nos Estados
Unidos. Boublil uniu-se ao compositor Claude-Michel Schönberg para outro grande
56 Margareth Tatcher - (1925-2013) foi primeira-ministra britânica e a primeira mulher a ocupar este
posto. O governo de Thatcher durou onze anos, de 1979 a 1990, e se caracterizou pela implantação
do neoliberalismo no Reino Unido. (Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/margaret-
thatcher>. Acesso em: 08/06/2019).
46
sucesso: Miss Saigon, de 1989. Martin Guerre foi outro título da dupla, que não fez o
mesmo sucesso dos outros dois musicais, vindo a estrear bem mais tarde, em 1998,
apenas em Londres.
Lloyd Webber também explorou esse terreno. Além das duas obras supracitadas,
ainda compôs, neste estilo, Cats, Evita e Sunset Boulevard.
Alguns autores consideram os anos 1980 os menos interessantes da história da
Broadway. Apesar de esta década ter contribuído com obras que se tornaram
famosas, como Cats, Dreamgirls, Sunday in the Park With George, Phantom of the
Opera, a maioria das obras encenadas no período não tinham grande significado. Diz
Miller (2007, p. 156):
Os anos 80 trouxeram consigo alguns dos musicais mais medíocres a chegar
na Broadway em anos. (...). Alguns escritos por grandes talentos, outros
possuíam material forte mas saíram dos trilhos por serem mal produzidos
(como Chess, de Tim Rice), mas a maioria deles era simplesmente fraco.
De qualquer forma, os anos 1980 inauguram a era dos chamados megamusicais, que
são peças inteiramente cantadas com cenários, coreografia e efeitos especiais pelo
menos tão importantes quanto a música, feitos para criar fortes reações emocionais
da plateia. O uso de tecnologia representa uma importante característica desse tipo
de espetáculo. Há também, a retomada dos grandes coros, massas vocais com
grande número de participantes no palco, reforçadas por cantores de fosso 57.
Outro fato significativo é que nos anos 1980 o aspecto mercadológico ligado à
produção destaca-se, passando para o primeiro plano, sobrepujando o talento do ator.
Não que haja menos talentos nos palcos, pelo contrário, os atores de musicais foram
se tornando cada vez mais especializados, porém os aspectos da produção tornaram-
se mais importantes. Miller (2007, p. 158) exemplifica:
O problema de Cats e shows deste tipo foi a nova mentalidade que trouxeram
consigo à Broadway. Na era do megamusical, produtores queriam que cada
público, durante toda a temporada daquele musical, assistisse exatamente à
mesma performance, mesmo que um show durasse vinte anos, rejeitando a
espontaneidade inerente e a imprevisibilidade do teatro feito ao vivo, em troca
da consistência e performances congeladas dos filmes. Nestes shows,
quando um ator entrava para substituir outro, ele ou ela eram obrigados a
interpretar exatamente como a pessoa antes dele ou dela, sem variações,
sem exceções. Atores nestes shows tornaram-se imitadores, peças numa
máquina que já estava funcionando, ao invés de artistas criadores. Esta
mudança ajudou a afundar a energia criativa da Broadway por um longo
tempo.
57
Cantores de fosso - São os cantores que ficam fora de cena, ou no fosso da orquestra ou em cabine
especial, para cantar as linhas mais complexas do coro ou complementar a massa sonora vocal do
espetáculo.
47
linearidade do roteiro, até mesmo com a história sendo contada de trás para a frente,
como em The Last Five Years, de J. R. Brown, tem sido bastante experimentada.
Arranjos mais arrojados vêm saindo do som das orquestras.
Uma grande crise se abateu sobre o teatro musical americano logo após o 11 de
setembro. O início do novo século trouxe tempos bastante obscuros para a Broadway.
Muitos shows se tornaram comercialmente inviáveis e fecharam suas portas. Outros
precisaram dispensar toda sua orquestra e passaram a usar playback para não
encerrarem a temporada. Aos poucos, e com a ajuda de verbas públicas, a Broadway
conseguiu manter-se funcionando.
No momento atual, com a Broadway financeiramente recuperada, os megamusicais
continuam a ter sucesso, com grande uso de tecnologia, mas sem trazer nada de
inovador. Há quem diga que este momento seria de abertura para que algo de novo
acontecesse e mudasse mais uma vez a história da Broadway.
49
3. O Processo Criativo de
e 47 – O Musical
A partir do histórico traçado e de conclusões obtidas nas conversas com outros
autores, o processo criativo começou a se concretizar. Ficou clara a necessidade de
estabelecimento de etapas para que a ideia inicial pudesse ganhar forma; portanto,
foi necessário encontrar apoio em técnicas estabelecidas de construção dramatúrgica.
Seguem descritas as pesquisas e técnicas utilizadas para contemplar o processo
criativo de
e 47 – O Musical
al. Serão discutidos o tipo de musical, as técnicas auxiliares
de escrita e composição, as estruturas de texto e música que serviram como
ferramentas para a criação.
A partir dessas indagações foi possível estabelecer parâmetros para o trabalho criativo
na concepção de
e 47 – O Musical
al: como seriam respondidas as perguntas acima?
50
3.1
1 . Um Musical-Conceito
O mercado de teatro musical da atualidade classifica as obras que vêm sendo trazidas
a público em algumas categorias básicas:: book musicals
ls;
s; sung-through musicals
ls; as
novas operetas; os musicais-conceito, ou
u concept musicals
ls; musicais de dança, os
dance musicals;
s; e as chamadas
as revues.
Essas classificações ajudam a criar uma tipologia para as obras mas podem ser
confusas e nem sempre servem a um bom propósito. São meramente uma bússola
para guiar autores e estudiosos do teatro musical. Se observadas rigidamente, são
confinadoras e muitos musicais as extrapolam (FRANKEL, 1977).
Os
s book musicals
ls são obras adaptadas de uma fonte preexistente, como um livro,
filme ou peça teatral não musical. Neles, alternam-se partes cantadas e diálogo falado.
Como exemplo pode-se citarr Ragtime
me (MCNALLY e AHRENS, 1996) e Oklahoma!
(RODGERS e HAMMERSTEIN, 1943
43).
Os musicais conhecidos como sung-through musicals
ls são aqueles inteiramente
cantados – ou quase –, em que os diálogos seguem os padrões da opera seria
ia.
Esse tipo de musical apareceu mais recentemente na história da Broadway, com o
advento dos megamusicais de grandes produções e de investimentos multimilionários.
Eles podem ou não ser adaptações de obras preexistentes.
s. Les Misèrables
es (BOUBLIL
e SCHOENBERG,1980) é um exemplo típico desse tipo de musical.
É difícil traçar uma linha divisória entre um
m sung-through musical
al e uma Broadway
ópera. Sobre isso, diz Frankel (1997, p. 3):
51
“Broadwayy opera”
p (para
(p cunhar um termo)) foi o passo
p seguinte
g a partir
p do
Drama Musical. Opera,
p , nem tradicional nem contemporânea,
p , é teatro musical,,
falando estritamente,, porque
p q [[opera]
p ] tende a ser estática ao invés de mover-
se,, muito menos dançar,ç ,epporque
q emprega
p g música de fontes eruditas como
elemento dominante. “Broadway y Opera”
p também coloca a música em um
patamar mais importante
p p do q
que em q
qualquer
q outro tipo
p de teatro musical,, mas
a música vem de fontes populares
p p e se mantém em equilíbrio
q com todos os
outros elementos do musical. Tanto Opera
p quanto
q Broadwayy Opera
p tendem ao
espetacular,
p , mas em conteúdo e tratamento, “Broadway opera” é vernácula, e
não literária
ia.
Nessa categoria, são encontradas obras que vão desde as óperas-rockk Jesus Cristo
Superstar
ar (ANDREW LLOYD WEBBER E TIM RICE, 1971) e Tommy
my (TOWNSEND E
MCANUFF, 1969) até obras como
o The Most Happy Fella
la (FRANK LOESSER, 1956) e
Sweeney Todd
dd (STEPHEN SONDHEIM, 1979).
Já as novas operetas são os novos espetáculos escritos à maneira da antiga opereta,
porém com um tratamento tipicamente norte-americano. Em geral, possuem cunho
lírico, com abordagem romântica e fantasiosa, porém refletindo o mundo real.
Carousel
el (RODGERS E HAMMERSTEIN, 1945) e The King and I (RODGERS e
HAMMERSTEIN, 1951) são duas obras que podem ser apresentadas aqui como
exemplos.
Os
s dance musicals
ls são obras diferenciadas que, apesar de serem consideradas
musicais, são espetáculos em que a dança tem maior importância. A história não é
contada por meio de canções, mas sim da dança. Em musicais comuns, se um número
de dança for eliminado, provavelmente a linha do enredo não se perderá, pois o que
move a história adiante é a canção. Neste caso, a dança fará o enredo se mover. Um
exemplo desta categoria é Contact
ct (JOHN WEIDMAN E SUSAN STROMAN, 1999).
Ass revues
es são musicais que não necessariamente contam uma história de forma
linear. Seus números musicais não fazem o enredo seguir adiante. Em uma
a revue
ue, os
números musicais são mais ilustrativos do tema abordado pelo espetáculo ou do
personagem que canta.. Revues
es famosos são
o Godspell
elll e Hair
air, por exemplo. Seus
números musicais dão a conhecer algo a respeito dos personagens que os cantam,
ou apresentam fatos que pontuam e dão vida a determinados momentos do
o show
w.
52
Mas não há uma história linear e as canções não constroem um fio condutor para o
enredo, pois este é ausente.
Já os musicais-conceito trouxeram à Broadway a possibilidade de que histórias
fossem criadas a partir de uma ideia original, ao invés de serem alguma adaptação de
obra preconcebida.. Company
ny, do de Stephen Sondheim, por exemplo, foi criado a
partir da ideia de escrever a respeito do casamento, para explorar um conceito do qual
ele, o autor, não sabia nada, por nunca ter sido casado até aquela ocasião.
Esse projeto descreve o processo criativo de um musical cuja narrativa se
desenvolveu a partir de inquietações e questionamentos em torno do nascimento de
uma criança com síndrome de Down
n58. De como esse acontecimento pode tocar a
vida das pessoas envolvidas com esse bebê. E mais: De que forma isso modifica suas
jornadas pessoais? Como se remoldam as relações entre aqueles que estarão
envolvidos com esse bebê após seu nascimento? O que esse evento pode causar em
termos psicológicos e emocionais nas pessoas envolvidas por tal realidade? Não
havia nada além de uma ideia – narrar esse acontecimento a partir de dois casais de
amigos. Quatro atores, quatro vozes cantando. E que o espetáculo dialogasse
bastante com a tecnologia, como se a internet fosse um quinto personagem.
O segundo passo foi buscar técnicas dramatúrgicas que apoiassem o
desenvolvimento de um enredo a partir de uma ideia. Não havia uma história, apenas
um questionamento. A estrutura facilitaria o desenvolvimento de uma linha dramática
com começo, meio e fim.
Estava claro para a equipe criativa que este espetáculo deveria abordar o fato de que
existe hoje um tratamento possível para pessoas com síndrome de Down. Este fato
ainda é desconhecido da maioria das pessoas, e essa informação será apresentada
pelo heróii 59da narrativa, através de seu diálogo pessoal com a internet.
Assim, o que existe é uma inquietação, uma informação e um herói – que se
estabelece como tal, pois tem a informação que os outros não têm. A partir desse
3.2.1. Dramaturgia
“Todo” é aquilo que tem princípio, meio e fim. “Princípio” é o que não contém
em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa, e que, pelo
contrário, tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido.
“Fim”, ao invés, é o que naturalmente sucede a outra coisa, por necessidade
ou porque assim acontece na maioria dos casos, e que, depois de si, nada tem.
Meio é o que está depois de alguma coisa e tem outra coisa depois de si.
(LOCAIS DO KINDLE 140-144)
Sabe-se o quanto qualquer forma pode ser rejeitada por aqueles que vivem processos
criativos, porém a forma deve existir para ser transcendida no próprio processo. Sobre
a forma de um roteiro, diz Vogler (2007):
65 Ato - A maior subdivisão de uma peça de teatro. Trata-se de uma convenção destinada a organizar a
narrativa por partes. (Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle.
Posição 379)
66 Enredo - Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), a mais importante das seis partes da tragédia – as
outras são a personagem, a dicção, a dianoia, a melopeia e o espetáculo. Trata-se da sequência dos
acontecimentos ou da “organização dos fatos”, segundo a Poética (cap. VI). (Vasconcellos, Luiz Paulo.
Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 1158)
56
que você seja Stephen Sondheim 67, por exemplo – talvez você possa se dar
ao luxo de arriscar brincando com a forma geral (LOCAIS DO KINDLE 541-
543);
É necessário, portanto, entender as regras desse jogo, para que possam ser,
inclusive, transcendidas ao longo do processo criativo. Para tanto, foi importante
analisar obras de três autores – Steve Cuden (How to Create Stories for Musicals That
Get Standing Ovations), Christopher Vogler (A Jornada do Escritor), e Julian Woolford
(How Musicals Work: And How To Write Your Own). Essas leituras esclareceram que
a estrutura oferecida pelo monomito seria um caminho criativo bastante promissor.
Ainda foram estudadas obras de K. M. Weiland (Creating Character Arcs: The
Masterful Author’s Guide to Uniting Story Structure, Plot, and Character Development),
e do próprio Joseph Campbell (The Power of Myth e The Hero With a Thousand Faces)
para embasamento do uso do monomito no teatro musical.
Além disso, para que a história seja contada, existe uma estrutura por detrás da
história em si, por onde viajam as personagens em suas jornadas: pode-se chamá-la
de “estrutura do enredo”. Dois itens básicos devem estar em jogo para que a história
seja contada: uma estrutura que torne possível o entendimento da história e a jornada
do protagonista em si, que navega pela história. Não são coisas possíveis de serem
separadas: uma depende da outra. Não há história sem personagem, nem
personagem sem uma história para chamar de sua. Weiland (2016) diz:
Isso cabe ao teatro musical, em que a estrutura do enredo costuma ser levada
extremamente à sério, uma vez que o tempo do espetáculo é muito compacto, em
relação ao tempo da literatura, por exemplo. Uma canção precisa compactar uma ideia
que num livro um autor poderia explorar por muitas páginas. E a estrutura costuma
cooperar muito para o sucesso dessa tarefa complexa: contar uma história que tenha,
no máximo, duas horas e meia de duração.
Em um primeiro momento, as pré-estruturas literárias conhecidas por premissa,
história e enredo foram acessadas, para obtenção de maior clareza para as etapas de
criação.
x Premissa
A premissa é a semente, aquilo que motiva a construção de uma história. Algo que
surge da intuição do autor. Um ponto de partida. Qualquer motivação que inspire um
autor a construir algo a partir dela. Conforme dito na seção anterior, no caso de um
musical-conceito a premissa é aquela inquietação primordial que dá início a todo o
processo criativo.
Uma premissa original não define necessariamente a qualidade de uma história, pois
esse é o momento mais neutro do processo criativo. O importante é como a premissa
é explorada durante o processo.
x História
O próximo passo para além da premissa é a história. Até esse ponto, as ideias-
semente foram intuídas. Agora precisam ser executadas, levando-se em consideração
que uma importante função da história é de trazer consenso, no processo criativo de
um musical, para que os colaboradores trabalhem na mesma direção, já que a criação
se dá em frentes múltiplas.
entender onde está o conflito entre pessoas, não entre ideias. Quem faz o que a
quem?
Na história já aparece o esboço da jornada heroica dos personagens, em suas doze
etapas, e os arcos de personagens estão definidos.
Após essa etapa, que buscou construir as fundações para a escrita dramatúrgica, deu-
se a pesquisa sobre a Jornada do Herói. Sua aplicação para a escrita dramático-
narrativa, foi descrita por Vogler (2007), a partir dos aprendizados obtidos com Joseph
Campbell68. Tanto Campbell quanto Vogler referem-se a essa jornada arquetípica
usando o termo “Jornada do Herói”, e Campbell, inclusive, empresta de James Joyce
69 o termo “monomito” para descrever esta saga única. Diz Vogler (2007):
68 Campbell, Joseph – (1904 – 1987) foi um mitólogo norte-americano, escritor e palestrante, conhecido
por seu trabalho em mitologia comparada e religião comparada. Seu trabalho cobre vários aspectos da
experiência humana. (Disponível em: <https://www.jcf.org/>. Acesso em: 08/06/2019)
69 Joyce, James – (1882 – 1941) é um dos mais influentes e celebrados escritores irlandeses. Seu
Seja o herói ridículo ou sublime, grego ou bárbaro, gentio ou judeu, sua jornada
varia muito pouco em plano essencial. Contos populares apresentam a ação
heroica como física; religiões importantes mostram o feito como moral; porém,
encontrar-se-á impressionantemente pouca variação na morfologia da
aventura, nas vitórias obtidas. Se um ou outro elemento básico do padrão
arquetípico é omitido de algum conto de fadas, lenda, ritual, ou mito, deve estar
de alguma maneira implícito – e a omissão em si pode falar muito pela história
e patologia do exemplo, como pode-se ver.
A Jornada do Herói é uma estrutura que deve ser preenchida com detalhes e
surpresas da história individual. A estrutura não deve chamar atenção,
tampouco ser seguida com tanta precisão. A ordem dos estágios dada aqui é
apenas uma das muitas possíveis variações. Os estágios podem ser
excluídos, acrescentados e drasticamente embaralhados sem perder em
nada sua força (LOCAIS DO KINDLE 777-779).
Essas 12 etapas estão contidas em “três atos”. Aqui, a palavra “atos” não é
apresentada em sentido teatral, de atos separados por cortina, intervalo, interrupção.
É apenas uma convenção literária. Mas essa convenção existe para estrutura de
enredos gerais, seja para literatura, cinema, ou qualquer forma narrativa, e descreve
os acontecimentos do início, meio e fim da história, como já descritos por Aristóteles.
Em Vogler (2007), encontra-se que nessa forma de estruturação os três atos podem
ser resumidos como:
1) Primeiro Ato: A Partida, ou Separação
Neste ato acontece a decisão do herói de agir. O herói é apresentado em seu Mundo
Comum, aquele do qual ele será forçado a afastar-se. Algo será imposto ao herói,
algo que o tirará deste Mundo Comum e o levará a um Mundo Especial, diferente do
61
Neste ato acontece a ação em si. O herói terá contato com provas, aliados e inimigos.
Será impedido de cumprir sua missão e terá que lutar para conseguir o que precisa.
x Mundo Comum
x Chamado à Aventura
x Recusa ao Chamado
Como ainda não existe um total comprometimento por parte do protagonista com sua
jornada, ele ainda pensa em desistir. Aparece, neste estágio, uma influência externa,
uma mudança de circunstâncias ou aparecimento de um Mentor. Isso fará o
protagonista deixar o medo para trás e seguir adiante. Para aqueles que não recusam
o chamado, o primeiro encontro da Jornada do Herói é com uma figura protetora, em
geral de idade mais avançada que o protagonista, podendo ser a figura de um sábio,
que poderá trazer amuletos para auxílio na jornada que o herói está prestes a
empreender.
O que essa figura representa é a força benigna e protetora do destino. A
fantasia é a reafirmação – a promessa de que a paz do Paraíso, conhecida a
princípio no ventre da mãe, não está perdida; ela sustenta o presente e está
no futuro assim como no passado (CAMPBELL, 1944, p.66).
70
Freud, Siegmund – Psichopathology of Every Day Life. (Standard Edn, VI; orig.1901)
63
Uma vez cruzado o Primeiro Limiar, o herói encontra novos desafios e provas, faz
aliados e inimigos e começa a aprender as regras do Mundo Especial. Neste estágio
o protagonista passa por um desenvolvimento de caráter e reage à pressão das
situações encontradas.
O protagonista fez a escolha de deixar para trás o Mundo Comum e agora encontra-
se num terreno completamente novo, onde terá que aprender novas regras e lidar com
71 Jonas e a Baleia- O Livro de Jonas do Antigo Testamento é, em efeito, uma parábola do profeta
relutante, um bom exemplo da Recusa ao Chamado do arquétipo do herói. Contém outro arquétipo
também, no motivo de estar na barriga da baleia – metáfora das profundezas da escuridão e ignorância
– a noite escura da alma. Deus (Yahweh) pede a Jonas que vá a Nineveh, a capital Assíria, para pregar
a palavra de Deus. Mas Jonas, com medo da missão, viajou para a Espaha. Quando uma terrível
tempestade se abateu sobre o mar, os marinheiros relutantemente jogam Jonas, a causa da
tempestade, no mar, e ele é engolido por uma baleia. (...) Jonas reza por um milagre e é cuspido pela
baleia. (Leeming, D. – The Oxford Companion to World Mythology. Oxford University Press, 2005, p.
219).
64
novas situações e pessoas. Campbell (1944), lembra que “uma vez tendo atravessado
o Primeiro Limiar, o herói se encontra numa paisagem onírica de formas ambíguas e
fluidas, onde ele precisa passar por uma série de provações”.
x Provação
x O Caminho de Volta
Isso nos traz à crise final deste round, para o qual toda a miraculosa excursão
não passou de um prelúdio – aquela, exatamente, da paradoxal,
supremamente difícil travessia do retorno do herói, do mundo místico para o
mundo comum. Tendo sido resgatado por algo externo, empurrado por algo
interno ou gentilmente carregado por divindades, ele ainda tem que reentrar
com sua recompensa na atmosfera esquecida onde homens que são
pedaços se imaginam como completos. Ele ainda tem que enfrentar a
sociedade com seu elixir despedaçador de egos e libertador de vidas,
enfrentando com isso brigas razoáveis, ressentimentos duros e boas pessoas
incapazes de compreender.
x Ressurreição
O espetáculo aqui analisado é o musical da Broadway dirigido por Robert Jess Roth,
libreto de Linda Woolverton e música de Alan Menken para as letras de Howard
Ashman, de 1994.
A Bela e a Fera são ambos heróis da mesma história. Representam os aspectos do
inconsciente, animus e anima72. Através desse conto, a Jornada do Herói se distribui
entre os dois personagens. Aspectos de cada etapa da Jornada serão vividos ora por
Bela, ora por Fera, ou por ambos ao mesmo tempo.
x Chamado à Aventura
72
Animus e anima - [“Animus” é o elemento masculino no inconsciente feminino, enquanto que] “anima”
é o elemento feminino no inconsciente masculino (Jung, Carl Gustav (2012-01-31T23:58:59). (Man and
His Symbols. Random House Publishing Group. Edição do Kindle. Posição 369)
68
O pai de Bela, após ser perseguido pelos lobos na floresta, busca refúgio indo parar
no castelo da Fera, onde acaba aprisionado. Seu cachecol cai na floresta e é
encontrado por LeFou.
Bela vê LeFou usando o cachecol de seu pai e pergunta onde achou aquilo.
Representando a figura do Arauto, LeFou diz tê-lo achado na floresta. Bela percebe
que algo aconteceu com seu pai e sai em busca dele. Na floresta encontra um castelo
misterioso, no qual entra, procurando pelo pai, deixando para trás o Mundo Comum e
adentrando o Mundo Especial.
x Recusa ao Chamado
Ao encontrar o pai nas masmorras, Bela é confrontada pela Fera, que declara que só
o libertará se ela permanecer em seu lugar. Bela aceita e seu pai é levado do castelo.
A Fera não a prende nas masmorras, mas em vez disso lhe oferece um quarto no
castelo e lhe diz que é livre para ir a qualquer lugar desse novo lar, menos à Ala Oeste.
A Recusa ao Chamado para a Aventura começa quando aceita a proposta da Fera, e
declara, em sua canção-solilóquio intitulada “Home”, que “eu sei que voltar é um sonho
e nada mais. Eis aqui o lugar onde tudo é pra sempre... sempre só... é assim que o
futuro me espera, ou vai chegar o fim” (Versão de Cláudio Botelho, como a anterior).
Ela sabe que agora o castelo terá que ser sua casa, onde “tudo é solidão”, e diz que
melhor seria “voltar pro lugar de onde eu vim”, na recusa ao Chamado à Aventura.
Nesse momento aparece para Bela uma personagem mais velha, que representa a
figura do Mentor do mundo mágico: a Senhora Potts, a governanta do castelo
transformada pelo feitiço em bule de chá. Potts a aconselha em relação à sua nova
vida na canção “Home-Reprise”. Bela aceita seu conselho de tentar fazer do castelo
seu novo lar. Bela é então recebida por outros habitantes do castelo, que lhe oferecem
um jantar especial para que se sinta acolhida, no número “Be Our Guest”.
Ao fugir do castelo, Bela é surpreendida por lobos que tentam devorá-la ("Wolf
Chase"). A Fera salva a vida de Bela, mas acaba saindo ferida da batalha. Bela, que
poderia deixá-la ali, ferida, e fugir para a aldeia, decide levá-la de volta ao castelo,
pois está muito machucada. Bela e a Fera começam, então, a se tornar amigos. Os
objetos do castelo atuam aqui como aliados para que o romance entre os dois se torne
possível. A Fera presenteia Bela com a biblioteca do castelo e Bela ensina a Fera a
ler, demonstrando sua amizade no dueto “Something There”.
Em seguida, no número “Maison des Lunes”, Gaston desponta como o inimigo,
conspirando para prender o pai de Bela em um manicômio para forçar Bela a se casar
com ele.
x Provação
O estágio da Provação começa quando Fera permite que Bela vá embora e retorne
70
ao Mundo Comum para salvar seu pai das mãos de Gaston. Em “If I Can’t Love Her-
reprise”, Fera diz a Senhora Potts, Lumière e Din Don que deixou Bela ir embora por
amor. Para Bela, a provação é deixar o Mundo Especial e seu carinho pela Fera, para
reencontrar seu amado pai. Sua provação será encarar as consequências de seu
retorno. Para Fera, a Provação é perder o amor de Bela e a chance de que o feitiço
seja quebrado.
x Recompensa
x O Caminho de Volta
Levando consigo o espelho mágico, Bela retorna à aldeia. Nesse momento, seu pai
está pedindo ajuda aos aldeões, pois a filha está presa no castelo da Fera. A entrada
de Bela na taberna surpreende a todos. Gaston convence as pessoas de que o pai de
Bela está louco. Bela diz que seu pai tem razão, que a Fera existe e que é uma criatura
boa. Mostra a todos a Fera através do espelho mágico. Gaston se aproveita da
situação convencendo os aldeões de que a Fera é perigosa e precisa ser exterminada.
Convoca a todos para irem com ele numa empreitada para destruir a Fera. Bela,
então, deverá voltar ao castelo, para impedir que isso aconteça. Os aldeões, liderados
por Gaston, saem para destruir o castelo e matar a Fera, no número “Mob Song”.
x Ressurreição
Gaston e a Fera lutam até que Gaston caia do precipício para a morte e a Fera fique
fatalmente ferida. Bela vê a Fera agonizante, caída no chão, e vai até ela. Fera está
agonizando e Bela lhe dá o beijo de amor que quebra o encanto. A Fera revive,
voltando a ser o príncipe, no número “Home reprise II”/A Transformação”.
O amor vence: é esse o elixir. Bela e o Príncipe agora estabelecem sua vida juntos
num castelo totalmente reestabelecido em sua ordem. A Jornada nessa história não
traz a Heroína de volta ao Mundo Comum, mas a estabelece no Mundo Especial. Já
o herói, a Fera, volta ao seu Mundo Comum - o próprio castelo -, completamente
modificado como pessoa, já que o Mundo Especial da Fera foi a jornada decorrente
do feitiço que se abateu sobre ela.
x Chamado à Aventura
x Recusa ao Chamado
Representando o Mentor, a Madre Superiora insiste que ela vá. Ela e Maria cantam
juntas a canção “My Favorite Things”. A Madre Superiora a aconselha, dizendo a Maria
que ir para a casa dos Von Trapp por alguns meses fará com que ela saiba se receber
os votos é realmente o que ela quer. Maria aceita.
Nesse estágio, Maria adentra o Mundo Especial, a casa dos Von Trapp, com uma
única roupa e seu violão. Conhece os habitantes da casa: a governanta Frau Schmidt
e o mordomo, Franz. Conhece o Capitão Von Trapp, que, militarmente, chama a todos
na casa com um som diferente de seu apito naval. Dessa forma ele chama os filhos
para virem conhecer Maria, sua nova babá. As crianças vêm e se apresentam de
forma militar. Maria logo percebe quantos obstáculos terá que transpor.
Logo na primeira noite de Maria na casa dos Von Trapp, Liesl, a filha mais velha do
Capitão Von Trapp, escapa para o jardim, para um encontro romântico com Rolf
("Sixteen, Seventeen"). Rolf é o símbolo do que está acontecendo na Áustria naquele
momento: um jovem austríaco iludido pelo Terceiro Reich74, acreditando na promessa
do nazismo, a favor da invasão da Áustria pela Alemanha. Nessa cena, pelas falas de
73
Votos- Na religião católica, os votos são os compromissos assumidos pela postulante para que se
torne freira. São eles: votos de castidade, obediência e pobreza.
74
Terceiro Reich – A Alemanha nazista, também chamada de Terceiro Reich, foi o regime que se
instalou após a República de Weimar, com a nomeação de Adolf Hitler como chanceler.
73
Rolf, o Terceiro Reich começa a ser revelado como o grande inimigo dos Von Trapp.
A governanta Frau Schmidt, representando o Guardião do Limiar, tem uma conversa
com Maria sobre as regras da casa, apresentando mais obstáculos: as crianças não
podem se sujar ao brincar, devem marchar para exercitar-se ao invés de brincar, não
pode haver música na casa, pois tudo isso faz com que o Capitão se lembre de sua
falecida esposa. Maria pede ajuda a Deus e diz em oração que sabe que foi mandada
para lá numa missão para resgatar a alegria das crianças.
Durante a tempestade no meio da noite, uma a uma as crianças aparecem no quarto
de Maria, cada uma com uma desculpa. Juntos, para espantar o medo da tempestade,
cantam “The Lonely Goetherd”. As crianças se apresentam como os grandes aliados
de Maria, que, de certa forma, assume a posição de mentora.
x Provação
74
Nesse estágio, Maria terá que vencer sua provação para obter a recompensa, o amor
do Capitão. Ela está de volta na Abadia, em oração. A Madre Superiora vai até ela,
em um outro momento de Encontro com o Mentor. Maria está muito confusa. A Madre
Superiora percebe que Maria e o Capitão se apaixonaram. Maria diz que quer ficar
para sempre na Abadia. A Madre Superiora lhe diz que aquele não é um lugar para se
fugir do mundo. Que ela deverá voltar à Villa Von Trapp e encarar a realidade. Na
canção “Climb Every Mountain”, garante a ela que encontrará toda força que precisa.
Maria retira seu véu de postulante da cabeça, representando sua decisão de deixar o
noviciado, decidida a voltar e buscar o amor de Von Trapp, sua recompensa.
x O Caminho de Volta
Nesse estágio, Maria retorna ao lar dos Von Trapp e reencontra as crianças. Agora ela
sabe que ama o Capitão. As crianças contam a ela que o casamento de seu pai com
Elsa está acertado e foi anunciado ao fim do baile. Maria fica perplexa e percebe que
seu retorno será um desafio.
75
x Ressurreição
Após sua fuga durante o Festival de Música, a família está escondida na Abadia. Os
soldados estão lá, procurando por eles. Quando a busca está quase terminando, Rolf,
o namorado nazista de Liesl, aparece e encontra a família escondida na penumbra.
Ele ilumina o rosto do Capitão com sua lanterna, depois o rosto de Maria. Por fim,
ilumina o rosto de Liesl. Ele hesita. Aqui a família enfrenta o risco de sua prisão e
consequente morte por traição. Rolf chama seu superior, mas antes que ele chegue,
Rolf diz que não há ninguém escondido ali. E se vai com os soldados, promovendo a
“ressurreição” dos Von Trapp, dando-lhes uma nova chance.
A família está livre para a fuga. Mas sabem que as estradas estão todas bloqueadas.
Maria lembra o Capitão de que do outro lado das montanhas está a Suíça. E que eles
podem ajudar as crianças na travessia. Ela conduz sua nova família para um Mundo
Especial desconhecido, atravessando suas tão amadas montanhas, seu Mundo
Comum. A família parte ao som de “Climb Every Mountain” rumo a um novo Mundo
Especial, jamais retornando ao Mundo Comum, portando o Elixir da liberdade.
75
Arco Neutro de Personagem – O termo original em inglês é Flat Arc, cuja tradução literal seria ‘arco
plano’. Tal denominação parece contraditória em língua portuguesa, uma vez que um arco não é plano.
Preferiu-se o uso da terminologia ‘arco neutro’ para designar esse tipo de arco dramático.
77
Aquilo de que o protagonista precisa, ao contrário do que aquilo que ele quer, em geral
não é nada físico, embora possa ser materializado de alguma forma no fim da história.
Em geral, esta necessidade é uma percepção. E que vai transformar sua perspectiva
de vida, de si próprio e do mundo à sua volta. O protagonista chegará a um ponto em
que terá que sacrificar aquilo que quer para obter aquilo que precisa.
Apresenta-se a seguir a estrutura do Arco de Personagem, lembrando que tal arco
existe intrinsicamente ligado ao enredo. As partes que compõem o Arco de
Personagem também são divididas em três atos literários. Segundo K.M.Weiland 76,
suas etapas de desenvolvimento costumam seguir uma ordem e se distribuir pela linha
do tempo do enredo conforme a figura abaixo:
76
K.M. Weiland – (1985 -) Escritora norte-americana especialista em estruturas de roteiro.
78
Descreve-se a seguir cada uma dessas partes que formam os três atos do Arco de
Personagem:
Primeiro Ato
x Gancho
77
Mundo Comum - Vide Item 3.2.1.1. p. 78 – 79.
79
entrelace com o Arco de Personagem, é necessário que seja uma extensão ou reflexo
de algo que tem significado para o personagem num nível mais profundo”, diz Weiland
(2007).
Preferencialmente, neste Momento Característico é dado a conhecer qual é a
inverdade que o personagem conta para si mesmo, mas também o seu potencial para
vencê-la. A plateia precisa entender qual é o ponto fraco que o protagonista precisará
vencer e que, em geral, está conectado com aquilo que ele quer, e não com o que
precisa. Weiland (2007), exemplifica, afirmando que o Momento Característico é a
metade de uma boa abertura de arco de personagem. Ele nos dá a personagem, mas
ainda é necessário o contexto, o que é provido pelo Mundo Comum.
x Evento Mobilizador
Uma vez apresentado o Mundo Comum e seus habitantes, agora a história pode ser
desenvolvida. É o Evento Mobilizador que faz com que o enredo comece a se
movimentar, é seu primeiro acontecimento. É o evento ou decisão que dá início ao
problema da história. Aqui se apresenta o que deverá ser resolvido. O Evento
Mobilizador pode ou não corresponder ao Evento-chave (próximo item), mas na
maioria das vezes aparecem separados. O Evento Mobilizador de qualquer história
de assassinato é o crime. O Evento-chave é quando o policial decide investigar o caso.
Em um musical, esse pode também ser um bom lugar para a I Wish Song.
Em geral o Evento Mobilizador aparece por volta do marco 12% da história. Mas é
possível que apareça no prólogo78, se houver um.
x Evento-chave
78 Prólogo - Em termos gerais, a parte introdutória de qualquer obra literária. No drama grego, a parte
que antecede à entrada do coro. A finalidade do prólogo é informar o público sobre a ação anterior ao
início da peça, além de criar um clima propício ao desenrolar do drama (Vasconcellos, Luiz Paulo.
Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição 3010-3016)
80
Segundo Ato
x Reação
Sendo o Ponto Inicial da Trama a linha divisória entre o Primeiro e o Segundo Ato, o
81
x Primeira Dificuldade
Por volta do marco 37% da história, aparece o que se conhece por First Pinch Point,
ou Primeira Dificuldade, ou seja, um obstáculo. Esse é o ponto em que o antagonista
se revela com força. A partir daí o protagonista passa a ter percepção do que
realmente está acontecendo, e percebe que o que quer é diferente do que precisa.
Mas ainda acredita que pode ter as duas coisas. Desse ponto até o Ponto do Meio,
deverá ganhar ferramentas pessoais para o combate final, que acontecerá no Terceiro
Ato.
x Segunda Dificuldade
Por volta do marco 67% da história acontece uma ênfase na habilidade do antagonista
de derrotar o protagonista, que já possui, contudo, as ferramentas para não se deixar
combater.
Encontra-se por volta do marco 75% da história e determina a divisa entre o Segundo
e Terceiro Atos Literários. Nesse momento acontece uma reversão da força
antagônica, provocando um evento inesperado, levando a uma mudança brusca dos
ganhos obtidos pelo protagonista. Poderá haver um encontro inesperado entre
protagonista e antagonista. Alguma revelação acidental acontece, colocando em risco
os objetivos do protagonista.
Terceiro Ato
x Reação Objetiva
x Clímax
Por volta do marco 82% tem-se o início do confronto final. O protagonista está
firmemente seguro de que não há como ter as duas coisas - o que quer e o que precisa
– e passa a lutar pelo que precisa, ainda que isso represente a perda do seu desejo
inicial. Aproximadamente do marco 90% - conhecido como Meio do Clímax – em
diante, acontece a resolução final do conflito e a história pode, finalmente, chegar ao
fim.
x Fim
Primeiro Ato
x Evento Mobilizador
x Gancho
x Evento-chave
O pai de Bela se perde na floresta e Bela imagina que isso pode ter acontecido pois
vê seu cachecol no pescoço de LeFou, compincha de Gaston. Bela é movida a sair
em busca de seu pai na floresta.
79
Teatro Abril – Atual Teatro Renault, localizado na cidade de São Paulo, é a casa de muitos Musicais
“importados” pela produtora T4F.
84
A Fera diz a Bela que só libertará seu pai se ela tomar o seu lugar como prisioneira.
Segundo Ato
x Reação
Bela toma a decisão de ficar no castelo para que o pai seja libertado. Essa situação é
imposta a ela: a Fera oferece essa troca, para que o pai de Bela seja libertado. E Bela
escolhe ficar no lugar do pai.
x Primeira Dificuldade
Bela se sente grata por ter sido salva e escolhe cuidar das feridas da Fera. Aparecem
os primeiros indícios de carinho mútuo entre eles. A partir daí se tornam amigos. Fera
lhe dá a biblioteca do castelo de presente e a convida para um jantar romântico.
85
Após o jantar romântico, Bela se monstra saudosa de seu pai. A Fera lhe oferece o
espelho mágico para que veja o pai, e a cena mostrada pelo espelho é Maurice sendo
considerado louco pelos aldeões. Bela tem o impulso de tomar uma atitude e a Fera
a liberta para que vá proteger o pai. Aqui Bela demonstra que ainda não conseguiu se
desligar do Mundo Comum. Ainda acha que a aldeia é seu verdadeiro mundo. Nesse
ponto fica bem claro que a jovem sente que pode ter as duas coisas, sua aldeia e o
amor da Fera.
x Segunda Dificuldade
Ao retornar, Gaston deixa bem claro que só vai proteger o pai de Bela, impedindo-o
de ser mandado para o manicômio, se Bela se casar com ele. Bela reage fortemente
recusando e Gaston ameaça bater nela.
Liderados por Gaston, os aldeões invadem o castelo. Aqui Bela percebe que não se
identifica mais com seu Mundo Comum. Percebe que o que precisa é do verdadeiro
amor. Retorna ao castelo com o pai para tentar avisar Fera dos planos de Gaston, que
encontra Fera antes de Bela, e os dois lutam. Gaston cai da torre do castelo e morre
e a Fera é ferida mortalmente.
Terceiro Ato
x Reação
Fera está morrendo e Bela corre para pegá-la em seus braços. Bela lhe dá o beijo de
amor.
x Clímax
x Fim
Bela está agora estabelecida no Mundo Especial, não retornando ao Mundo Comum.
Primeiro Ato
x Gancho
x Evento Mobilizador
O fato de Maria perder a hora nas montanhas voltando tarde demais para a Abadia
faz com que a Madre Superiora questione se Maria realmente serve para a vida de
freira.
x Evento-chave
A Madre Superiora pede a Maria que passe alguns meses fora da Abadia para sentir
em seu coração se realmente há um chamado para a vida de freira. Maria é
encaminhada para trabalhar como babá na casa da família Von Trapp. Isso representa
o Chamado à Aventura. Maria se recusa, a princípio. Ela não deseja ir. Aqui Maria
mostra seu desejo, sua mentira pessoal: permanecer no convento. A conversa com a
Madre Superiora, que acaba por convencer Maria a ir, representa o Encontro com o
Mentor.
Ao final de seu primeiro dia com as crianças, Maria é surpreendida por Frau Schmidt,
a governanta, que vem dizer a Maria as regras da casa: as crianças não podem se
87
sujar ao brincar, devem marchar para exercitar-se ao invés de brincar, não pode haver
música na casa.
Maria leva a maneira como as crianças são tratadas para o lado pessoal. Não se
conforma com o que viu e esse sentimento culmina na cena da oração, em que Maria
reza a Deus dizendo que sabe que foi mandada para lá numa missão para resgatar a
alegria das crianças.
Segundo Ato
x Primeira Dificuldade
São três os obstáculos apresentados neste ponto da história. Primeiro, o Capitão Von
Trapp percebe que Maria está levando as crianças para brincadeiras e piqueniques e
vê as crianças vestidas com roupas de brincar feitas das antigas cortinas da casa.
Imediatamente ele manda Maria embora. Contudo, ao ouvir as crianças cantando
lindamente, volta atrás.
Elsa, a pretendente a esposa de Von Trapp, sente Maria como um possível obstáculo,
mas vem agradecer a Maria por tudo que ela tem feito pelas crianças. Maria,
inconscientemente, também sente Elsa como um obstáculo, mas lhe assegura que só
vai ficar na casa dos Von Trapp por um breve período, pois deverá retornar para a
abadia e receber seus votos. Isso é um alívio para Elsa.
Em terceiro lugar, a partir desse ponto da história se percebe a aproximação real do
Terceiro Reich, que ameaça o mundo estável dos Von Trapp.
x Ponto do Meio
É a noite da festa na casa dos Von Trapp. Kurt, filho do Capitão, está tentando ensinar
Maria a dançar. O Capitão interrompe e toma o lugar de Kurt, mostrando-lhe como
ensinar uma dama a dançar. Maria fica muito envergonhada. São surpreendidos pela
chegada de Elsa.
Brigitta, filha de Von Trapp, conversa com Maria e diz que sabe que seu pai não vai
casar com Elsa pois está apaixonado por ela, e que ela também está apaixonada pelo
Capitão. Maria nega terminantemente. Nesse momento entra Von Trapp, que diz a
Maria que ela vai jantar na festa. Ela se recusa. Está muito confusa. Maria decide
fugir e voltar para a Abadia.
88
Maria está de volta na Abadia, em oração. A Madre Superiora percebe que Maria e o
Capitão se apaixonaram. A noviça pede para ficar para sempre na Abadia, mas a
Madre Superiora lhe diz que aquele não é um lugar para se fugir do mundo, que deve
voltar à Villa Von Trapp e encarar a realidade, forçando-a a retornar.
Terceiro Ato
x Segunda Dificuldade
x Clímax
Maria e a família estão escondidos nos jardins da Abadia. Os soldados estão lá,
procurando por eles. Quando a busca está quase terminando, Rolf encontra a família
escondida na penumbra. Ele ilumina o rosto do Capitão com sua lanterna, depois o
rosto de Maria. Por fim, ilumina o rosto de Liesl. Aqui a família está frente à sua prisão
e consequente morte por traição. Rolf chama seu superior, mas antes que ele chegue,
Rolf diz que não há ninguém escondido ali. Os Von Trapp sobrevivem.
x Fim
A família está livre para a fuga. Decidem atravessar as montanhas rumo à Suíça,
onde estarão livres do nazismo. A família parte rumo a um novo Mundo Especial.
3.2.2. Música
Aquilo que costuma ser analisado em primeiro lugar pelo time criativo é qual a
linguagem musical que traduz a obra. A isso dá-se o nome de “voz musical da obra”.
De que maneira a sonoridade geral do espetáculo traduzirá a ideia defendida pelo
texto? Qual a linguagem musical desejada? Em que época histórica a obra se passa
e qual a sonoridade que a caracteriza? A equipe criativa pode utilizar uma sonoridade
histórica para retratar o espetáculo, ou inspirar a composição em sonoridades
específicas para lembrar o espectador da época e local em que a narrativa se passa,
por exemplo. Tudo isso influência a voz musical final da obra e será de grande
importância na construção do score.
Dessa forma, uma peça teatral não se torna um musical simplesmente quando se
escolhe lugares para números musicais, recortando o diálogo, abrindo, assim, espaço
para uma canção. Criar um musical envolve construir a espinha dorsal do espetáculo
musicalmente. Os números musicais que serão criados para a obra deverão ser essa
espinha dorsal. A ordem em que aparecem dão o formato do arco do enredo. Portanto,
os autores devem também compreender de que maneira os números musicais
construirão esse caminho da história, conduzindo o início ao meio, e o meio ao fim.
Isso irá certamente mudar, a cada revisão da obra e a cada try-out80. Canções serão
descartadas e outras podem aparecer, durante esse processo. Mas, de início, existem
lugares que são ideais para a música, como por exemplo os Pontos da Trama (Plot
Points), que, em geral, são musicados.
Obviamente que seria difícil para a construção de qualquer espetáculo ter 15 ou 16
pontos importantes de mudança, portanto, qualquer score de musical terá que ter
números opcionais.
3.2.2.3 A canção
80 Try-out – Teste para verificação de quão efetivo algo ou alguém é. (Disponível em:
81 Quarta parede - Termo cunhado por André Antoine (1858-1943) para designar a parede imaginária
situada na altura do arco do proscênio que separa o palco da plateia. A quarta parede constitui uma
convenção do naturalismo no teatro, e sua prática exigiu o desenvolvimento de uma técnica de
interpretação em que o ator simula, através de seu comportamento, a continuidade do cenário através
dos quatro lados do palco. Em consequência, o ator representa ignorando a presença do espectador
diante dele. (Vasconcellos, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. L&PM Editores. Edição do Kindle. Posição
3056).
92
x Número de Abertura
A canção solo, conhecida como solilóquio, vem a ser a mais tradicional forma de
canção de musical, o que é uma herança da ópera e da opereta, em que o uso desse
recurso é clássico (antes disso, dos solilóquios gregos e shakespearianos). Em geral,
sua aparição se dá num destaque da ação dramática. É um momento recortado, em
que a personagem reflete sobre sua circunstância, promovendo a quebra da quarta
parede. A personagem demonstra ao público o que está se passando internamente
consigo, podendo ou não indicar o público como interlocutor direto. É considerado um
bom solilóquio aquele em que a personagem está buscando um modo de resolver seu
conflito.
Em geral os solilóquios podem ser usados para descrever momentos de transição
emocional, psicológica ou física; de percepção por parte da personagem a respeito de
algo; ou de alguma tomada de decisão. A Canção de Transição descreve um momento
de mudança ou conversão do protagonista. A Canção de Percepção, quando o
personagem chega a algum importante insight, ou um novo nível de percepção de sua
situação. A Canção de Decisão se dá quando, após um período de relutância, o
personagem finalmente toma uma decisão sem volta.
x I Am Song
94
“ I Am” significa “Eu Sou”. Nesse tipo de canção, portanto, a personagem revela quem
é. Ela explica uma personagem ou um grupo de personagens. I Am Songs revelam o
mais rapidamente possível a personagem. (COHEN e ROSENHAUS, 2006, p.66). Tais
números apresentam personagens não apenas pela letra, mas também pelas
qualidades da música: o ritmo da canção, o jeito de cantar, a maneira de pronunciar
as palavras. Estes são fatores que trazem informações sobre a personagem.
Trata-se da canção que revela o desejo motivador responsável por fazer o enredo se
desenrolar. Mostra qual a motivação para uma ação que está prestes a acontecer. As
I want songs vêm cedo durante o show, movimentando a história para a frente melhor
do que as canções “I Am”. “Quando personagens dizem o que querem eles também
dizem que tipo de pessoas são” (COHEN e ROSENHAUS, 2006, p. 66).
x Baladas
Esta é a categoria mais familiar de canções para o teatro musical. Baladas são
canções de ritmo moderado ou lento, que traduzem emoções fortes através de música
expressiva e poética” (COHEN e ROSENHAUS, 2006, p. 94). As baladas fizeram a
história do teatro musical norte-americano, porém, nas últimas décadas esse tipo de
canção vem se tornando cada vez mais incomum. “Teatro musical requer a presença
de baladas, mas boas canções românticas vêm se tornando cada vez mais raras”, de
acordo com os mesmos autores supracitados, que ainda dizem que as baladas são
canções compostas para se tornarem os hits de um espetáculo. Aquelas que as
pessoas costumam sair dos teatros assobiando seu tema. As baladas passaram a ser
usadas não apenas para falar de amor romântico, podendo ser usadas para falar
sobre o amor familiar ou amor pela pátria, por exemplo.
Em seu blog <composingmythoughts.wordpress.com> o autor Steven Rosenhaus
ainda comenta que “baladas têm foco em um ponto emocional”, e que são “o tipo mais
predominante de canção em um musical”. “If I Loved You”, do musical “Carousel”
(1945) exemplifica bem esse tipo de canção.
x Canções de Comédia
95
São o que seu nome sugere: “canções que têm movimento, que têm um pulso mais
rápido do que baladas. Variam de tempo médio a rápido”, de acordo com Steven
Rosenhaus do blog <composingmythoughts.wordpress.com>. Essas canções se
definem por um ritmo “up-tempo83”, direcionadas a números de grupo e de grandes
danças. É um elemento estilístico muito comum, que traz aos shows famosos
momentos de grande excitação e glamour. (COHEN e ROSENHAUS, 2006 p. 95) A
canção título do musical Oklahoma! É um bom exemplo.
x Charm Song
É um tipo de canção que serve ao propósito de fazer o público ficar encantado pela
personagem. Nessa canção ele vai derramar todo o seu charme, seduzindo o público
a estar sempre ao seu lado, torcendo por ele. Na maioria das vezes, portanto, uma
canção desse tipo será cantada por um dos protagonistas. Através deste tipo de
canção a personagem faz uma conexão com a plateia.
O interessante desse tipo de canção, já que serve ao propósito de fazer a plateia se
encantar pelo personagem, é que ela não precisa ser alguém de bom caráter. Esse é
o desafio de se compor uma boa Charm Song: até um assassino precisa ter algo
83
Up-tempo –música de tempo rápido, que pode implicar uma característica alegre e positiva.
96
charmoso, encantador. E é este aspecto que será mostrado na Charm Song, para que
a plateia se conecte com a personagem mesmo que ela seja um vilão. Um bom
exemplo é a canção de Billy Flynn, em Chicago (1975), “All We Care About”. Apesar
de seu péssimo caráter, a canção faz com que a plateia se encante por Billy, e ele
passa a ser o vilão engraçado por quem todos torcem.
x 11 0’Clock Number
x List Songs
Este tipo de canção acontece quando a personagem sabe que está cantando. Por
exemplo, a personagem está num karaokê, ou está se apresentando em um cabaré.
Em uma canção regular, a plateia aceita a convenção de que personagens estão
cantando em vez de falar: o canto é, na verdade, a fala da personagem, como se
estivesse “dando” um texto. Mas aqui a personagem sabe que está cantando e seu
interlocutor em cena também. A canção “Edelweiss”, cantada pelo Capitão Von Trapp
em A Noviça Rebelde, pode ser um exemplo.
Essas canções correm o risco de interromper o desenvolvimento dramático se não
revelam nada a respeito da personagem nem movem a ação dramática. Mas a
maneira como são cantadas por uma personagem pode sim revelar muito sobre ela.
Se esse for o caso, é possível integrar esse tipo de canção à história, uma vez que
estará revelando algo a respeito da personagem que a canta.
É o caso do musical Cabaret. Nele, pode até parecer que as personagens estão
simplesmente se apresentando, mas as canções revelam o caráter da personagem e
tecem comentários sobre os acontecimentos. Isso é usado no musical como
ferramenta de uma linguagem estética, o kabarett alemão.
Detalhes a respeito da personagem podem ser revelados na maneira em que a
canção está sendo cantada. Algo pode ser mostrado, por exemplo, através da
linguagem corporal que a personagem usa para cantar.
.
x Canção de Entretenimento
São canções cuja única finalidade é entreter. Esse tipo de canção não é usado para
mover a ação dramática. Existem com a função de trazer alívio cômico quando o show
está tenso demais, ou garantir excitação e aplauso quando está tudo muito sério. O
problema de números de entretenimento é que, muitas vezes, param o desenrolar da
história. Muitos shows costumam apresentar uma canção de entretenimento em um
grande número de grupo. “Be Our Guest”, de A Bela e a Fera (1994) pode ser dado
84
Alguns autores referem-se a esse tipo de canção como ‘canção diegética’. Como exemplo, encontra-
se em Em Cohen e Rosenhaus (2006, p. 67): “A distinção entre canções diegéticas e não-diegéticas
não é como preto no branco. Muitas canções teatrais são ao mesmo tempo diegéticas e narrativas em
variados graus, e musicais muitas vezes tiram vantagem desta sobreposição de funções”. Esta
pesquisa faz referência a esse tipo de canção simplesmente como “Quando a personagem canta”, por
entender que o significado de ‘diegese’ não se aplica ao caso.
98
como exemplo.
3.2.2.5. Leitmotiv
Seu uso extrapolou os palcos das óperas e ganhou amplo uso em outros gêneros
narrativos, tais como o cinema e a televisão. Carrasco (2003, p. 97), explica que
leitmotivs são “temas que expressam estados emocionais e intenções de personagens
85
Vide item 2.4.1.
99
3.2.2.6. O Score
forma que uma sinopse não musical. E isso deve se dar justamente porque as canções
não estão ali inseridas a partir de um recorte do diálogo e nem apenas ilustrando a
cena que a antecedeu: a música deve fazer o enredo mover-se adiante.
O score precisa integrar as partes do enredo. Isso significa que o score não é um
songbook, não é uma coletânea de canções. Cada número musical, canção ou não,
precisa servir ao propósito de integrar as partes, fazendo com que a história avance.
x Underscore
Conhece-se por underscore a música que acontece associada à uma cena com ou
sem o diálogo falado, e que pode dar início a algum número musical cantado na
sequência. Pode também ser um trecho de música que acontece apenas
acompanhando um diálogo ou monólogo, mas que traduz emocionalmente o que se
passa com a personagem, elevando o nível emocional do texto falado. Muitas vezes,
o underscore revela facetas emocionais da personagem. Pode também revelar ao
público algo que a personagem ainda não percebeu a respeito de suas próprias
emoções. Outras vezes o underscore é usado para remeter a cena a outra situação
já encenada no espetáculo, uma lembrança, por exemplo. Muitas vezes o underscore
apresenta pedaços do leitmotiv de alguma personagem. É um recurso que pode ser
utilizado de inúmeras formas, mas que, acima de tudo, cumpre a função de elevar o
nível emocional e dramático da cena em que se apresenta.
Muitas vezes o underscore é usado para revelar o subtexto da personagem que está
falando naquele momento: sua função aí é mostrar o que existe por detrás das falas
da personagem, o que está implícito, porém não é dito. Ou, simplesmente, revelar
como a personagem está se sentindo, ainda que esteja em silêncio.
O underscore é criado a partir do ritmo cênico do elenco que interpreta os papéis na
montagem original. Um novo ator que venha a substituir alguém do elenco original
terá que se adaptar ao underscore que foi criado pelo ritmo cênico de outro.
É possível que, em certas ocasiões, o underscore venha até mesmo a resolver
problemas em determinados pontos dramáticos em que o texto não consegue traduzir
completamente uma ideia. Ou a letra, quando às vezes não está inteiramente clara. A
música completa a necessidade de entendimento emocional do que se passa em
cena.
101
dança, e da dança de volta para o diálogo, assim como para fazer uma transição entre
canção e dança.
x Recitativo
É um tipo de escrita musical para uma única voz, que procura imitar um discurso
dramático de forma cantada. Remonta da época no nascimento da ópera. A intenção
dos compositores que exploraram esse estilo era dar impressão de liberdade
declamatória, como em um encontro do canto com o discurso falado. A partir do século
XVIII, o recitativo passou a ser um veículo importante do diálogo e ação dramática na
ópera, enquanto as árias representavam a parte mais lírica (THE NEW GROVE
DICTIONARY OF OPERA, v. 3; p. 1252).
Apesar de no teatro musical haver uma herança mais forte da Ópera Comique, em
que há diálogo falado entre as canções, muitas vezes o recurso do recitativo é usado
como lead-in para canções. O recitativo funciona no teatro musical como uma
transição entre o texto falado e a canção: o ator fala seu texto, que aos poucos ganha
um acompanhamento musical e aos poucos vai sendo recitado, até que começa a
canção propriamente dita.
x Reprises
x Segues
Essa indicação designa que a próxima seção do score deve seguir imediatamente
após a anterior: uma canção pode terminar, por exemplo, e a música dar sequência
para a cena que vem a seguir, através de underscore. É possível que haja uma pausa
muito breve entre o fim de um número musical e o trecho em segue, com a finalidade
de permitir o aplauso.
103
3.3.1.1. Premissa
x Como o nascimento de uma criança com síndrome de Down toca as vidas das
pessoas próximas a este nascimento? Como afeta suas relações interpessoais? O
que gera nelas, emocionalmente?
x E se alguém próximo a essa criança nascida com Down descobrisse que existe
um tratamento que é capaz de otimizar a saúde geral desta criança? Como tornar o
tratamento possível? De que maneira o tratamento em si afeta a vida de todos os
envolvidos?
Esses questionamentos deram origem às ideias que, aos poucos, ganharam forma e
se tornaram a história apresentada a seguir.
CHAMADO À AVENTURA
105
Dois casais de amigos quarentões vivem no mesmo prédio: Cris e Pedro, vizinhos de
Rafael e Lucas. Cris e Rafael são amigos de infância e vivem nesse prédio desde
crianças, primeiro com seus pais, e agora com seus companheiros. Consideram-se
como irmãos um do outro, já que foram filhos únicos. Cris e Pedro estão tentando ter
um filho há algum tempo. O número musical de abertura apresenta os dois casais em
um início de dia, despertando e se preparando para suas jornadas.
Cris descobre no ultrassom de doze semanas que seu bebê pode ter síndrome de
Down e pede a ajuda de seu melhor amigo, Rafael, para contar para seu marido,
Pedro. Rafael promete fazer tudo o que puder para ajudar (Reprise - “Pro Que Der e
Vier”)
Pedro e Cris decidem que não têm coragem de tirar a criança (Dueto – “Vem Me
106
Ensinar”)
Cris pede ajuda a Rafael, seu melhor amigo. Ela está de luto. Não tem forças para
pesquisar nada a respeito da síndrome de Down. Rafael se propõe a ajudá-la,
coletando informações na internet (Recitativo e solo – “Isso, Não!”). Ele mergulha num
desenfreado processo de pesquisa online, com a finalidade de descobrir o que existe,
o que possa ser feito, de mais recente e moderno no mundo para pessoas com Down.
x Primeira Dificuldade
A dedicação de Rafael ao assunto do bebê incomoda cada vez mais o marido, Lucas,
que cobra do companheiro por estar abandonando sua pesquisa de doutorado para
apenas pesquisar sobre síndrome de Down.
PROVAÇÃO
x Segunda Dificuldade
107
Um novo ultrassom é feito: o exame revela que o bebê de Cris e Pedro têm uma
cardiopatia, fato ainda não revelado pelo casal a seus amigos.
Rafael tenta contar a Cris e Pedro tudo o que descobriu, mas Cris resiste. Parte dela
tem dificuldade em compreender algo tão científico, então ela bloqueia tudo o que
Rafael quer lhe dizer. Rafael continua tentando fazer Cris entender que existe um novo
time de profissionais médicos oferecendo algo totalmente inovador. Quando Cris se
dá conta de tudo que precisaria ser feito, quando se dá conta da complexidade deste
tipo de tratamento, ela se nega a fazer, dizendo que seu filho receberá o que a maioria
das crianças com Down recebe, as terapias externas convencionais. Pedro mostra
curiosidade sobre tudo o que Rafael está explicando, mas Cris se recusa a escutar.
Rafael não pode acreditar que Cris esteja se recusando a compreender que existe
uma forma de otimizar a saúde do bebê e lhe diz que se isso parece demais para ela,
ele se propõe a cuidar do bebê.
Cris fica muito revoltada com a postura de Rafael, e diz que ele pensa que sabe muito
sobre síndrome de Down só porque descobriu sobre essa otimização da saúde. Ela e
Pedro então contam a Rafael que o bebê nascerá com uma cardiopatia, ainda que
leve. E que terá que passar por uma cirurgia ainda nos primeiros meses de vida.
Rafael fica muito chocado e oferece ao casal todo o seu apoio (Trio – “Coração”).
Rafael se sente muito perdido. A chegada do bebê reascendeu nele todo o desejo
contido de ser pai, e ao mesmo tempo ele se sente mal, pois agora tem muita
informação a respeito deste tratamento importante, mas não vislumbra a possibilidade
de ajudar ninguém, uma vez que Cris está se recusando a aceitar o tratamento.
Lucas, por sua vez, está cada vez mais irritado com a postura de Rafael, e diz que ele
tem que deixar Cris e Pedro com suas vidas. Rafael diz a Lucas que essa é a sua
forma de ajudar, já que não pôde ir mais longe adotando uma criança. Lucas fica
chocado por Rafael retomar esse assunto: há muito tempo já não discutiam isso, uma
vez que não ter filhos sempre foi a condição de Lucas para o casamento.
Pedro procura Rafael dizendo que, ao contrário de Cris, ele quer entender o que é
este tratamento que o amigo está estudando. Rafael dá a Pedro vários artigos e
pesquisas impressos por ele, para que Pedro estude por si e compreenda. Pedro
mergulha no estudo, sem contar à Cris, que ainda é contra.
Pedro estudou todo o material dado por Rafael, e quer conversar com Cris a respeito,
108
mas Cris explica que fazer um tratamento significaria que eles não aceitam o bebê e
que tratá-lo representaria preconceito. Pedro a convence do contrário, dizendo que a
inclusão é justamente fazer algo a respeito da diferença. Cris começa a se abrir para
escutar a respeito do tratamento (Dueto – “Te Amar”).
Rafael continua inconformado de ter tanta informação sobre algo que pode
verdadeiramente ajudar uma criança com Down, e não poder fazer nada. Ele procura
Sandra, a assistente social de seu antigo caso de adoção, para perguntar se seria
possível custear o tratamento para alguma criança com Down que esteja num abrigo.
Sandra diz que não, mas que, se ele realmente deseja isso, deveria adotar uma
criança nessas condições. Rafael diz que isso não é possível pois seu marido não
quer filhos.
RECOMPENSA
Cris e Pedro fazem o ultrassom de 24 semanas, que mostra que a saúde do bebê
parece estar bem, apesar da cardiopatia. O casal fica muito feliz de visualizar o bebê,
e Cris é tomada de grande alegria: entende que seu bebê é perfeito, de vê-lo com
cada dedinho, cada parte de seu corpo tão bem formada. Ela escolhe o nome da
criança - Arthur - e decide começar a montar o quartinho.
x Climax
Lucas decide pressionar Rafael para descobrir o que está acontecendo. Ele percebe
que Rafael esteve em contato com a Vara da Infância e o coloca na parede
perguntando o que aquilo significa. Rafael confessa que estava querendo custear um
tratamento para alguma criança de abrigo, mas toda a conversa faz Rafael confessar
seu desejo de adotar. Lucas o lembra que sua condição para o casamento era a
ausência de filhos e que Rafael optou por aceitar. Mas Rafael diz que escondeu de si
mesmo um desejo muito forte, e que agora isso está voltando com toda força. Lucas
pergunta o que ele quer afinal. Rafael responde dizendo que quer as duas coisas: ficar
com Lucas e adotar (Solo – “O Melhor Dos Dois Mundos”). Lucas diz que isso é
impossível, e sai de casa.
23 dias depois, Cris, Pedro e Rafael voltam para casa com o bebê Arthur. Lucas vai
ao apartamento dos amigos para finalmente conhecer o bebê. Ele dá de cara com
Rafael segurando Arthur nos braços, e essa cena é muito forte para ele. Rafael está
exausto de ter passado vinte e três dias praticamente acordado, sentado no sofá do
hospital, esperando Arthur voltar para casa. Todos precisam descansar.
(Número musical Final – “Dorme”) Cris e Pedro estão felizes em casa com o bebê.
Lucas leva Rafael para casa. Rafael acaba adormecendo antes que tenham a
oportunidade de conversar. Lucas decide escrever uma carta, explicando a Rafael que
não quer ser motivo de impedimento para que Rafael possa viver seus sonhos. Ele
vai embora, deixando a carta ao lado do cartão de visitas de Sandra, a assistente
social da Vara de Infância, indicando que Rafael está agora livre para viver seu sonho
110
de ser pai.
3.3.1.3. Enredo
No caso de uma obra de teatro musical, o enredo é o próprio texto dramático com as
letras das canções.
O processo de escrita do texto e letras a partir da ideia-semente, desenvolveu-se
através das etapas do monomito. Uma vez pronta a primeira versão, deu-se início a
um processo de leituras dramáticas com atores profissionais, para revisões, cortes e
alterações. Estas leituras aconteceram com apoio do Grupo Téspis de Teatro, em
Campinas, que sediou noventa por cento das reuniões. Outras leituras ainda foram
realizadas na Escola das Artes de Jaguariúna e no Teatro Dona Zenaide, nessa
mesma cidade.
O processo de leituras dramáticas foi o acontecimento mais significativo de todo o
processo de criação. Dar voz às personagens foi fundamental para compreender os
excessos, para eliminar o desnecessário, para entender melhor o caminho das
personagens.
Cada leitura gerava várias horas de discussão entre autora e o grupo de atores. O
grupo teve espaço para se colocar, fazer comentários, propor experimentações,
opinar. Esse momento coletivo impulsionava o processo criativo a cada semana. Após
a leitura e discussão com o grupo de atores, a autora reescrevia o texto a partir dos
levantamentos feitos, levando o que foi reescrito para nova leitura dramática na
semana seguinte.
Além da participação fundamental do grupo de atores, houve a presença de
convidados que apenas faziam a escuta do texto para depois tecer comentários.
Os atores que participaram do processo de leituras dramáticas foram: João Paulo
Nascimento, André Checchia, Angela Azevedo, Dani Calicchio, Marina Franco, Gisele
Vecchin, Victor Paranhos, Richardson Clara, Guilherme Bassan, Victor Manzoli,
Yasmin Rosa, Andressa Estrela, Nelson Pelissari, Vinicius Planca, Priscila Murias. O
compositor Danilo Demori chegou a ler algumas vezes alguns papéis, assim como a
própria autora. Os atores se revezavam nos papéis, para uma escuta diferente de
cada personagem.
Os convidados que participaram do processo foram: Juliana Hilal, Renata Spis,
Robson Lóddo, Diogo Camargo, Caroline Estrela.
Uma outra parte importante do processo criativo foram as leituras feitas apenas pela
111
47 – O Musical
Um Pocket-Musical em Um Ato
De Ana Taglianetti e Danilo Demori
Personagens
Rafael – Um escritor
Lucas – Seu companheiro, advogado
Cris – Vizinha e melhor amiga de Rafael
Pedro – Seu marido
Sandra – A assistente social
Médica
Médico 1
Médico 2
Números Musicais:
1- Número de abertura - Livre Pro Amor
2- Canção de Transição - Pra Não Pensar Em Mim
3- Solo – Uma Criança A Brincar
4- Solo – Pro Que Der e Vier
5- Dueto – Vem Me Ensinar
6- Recitativo e solo – Isso Não!
7- Número musical – Não Posso Nem Acreditar
8- Trio – Coração
9- Dueto – Te Amar
10- Solo – O Melhor Dos Dois Mundos
11- Número musical – Saber Abrir o Coração
12- O Melhor Dos Dois Mundos-Reprise
13- Trio – Algo Em Mim
14- Finale – Dorme
de infância, e vivem desde crianças neste prédio. Primeiro com seus pais, nos
mesmos apartamentos vizinhos, e agora com seus companheiros. As cenas se
desdobram mostrando a força dos personagens, que nunca demonstram auto
piedade.
CENA 1 – semana 5
CRIS
Não me aperta tão forte, o primeiro xixi da manhã tem que sair no potinho!
(Dão risada).
PEDRO
Corre lá!
CRIS
Ai, que medo!
PEDRO
Vai!
(Os dois se abraçam de novo. Cris pega o kit teste de gravidez que está em cima do
criado mudo. Cris vai para o banheiro e fecha a porta).
PEDRO
Precisava fechar a porta? (silêncio) Cris?!?
CRIS
(De dentro do banheiro) Me deixaaaaa.....
PEDRO
Fala alguma coisa!
114
CRIS
Espera aí... ainda não tá pronto... (Um pequeno suspense. De repente, abrindo a porta
do banheiro com o exame na mão) Deu positivo!!!!
PEDRO
Deixa eu ver!!! (Ele pega o exame das mãos de Cris) Você tá grávida!
PEDRO
Agora somos três!!!
CRIS E PEDRO
EU ESPEREI POR TANTO TEMPO
E AGORA VAI ACONTECER
A ESPERANÇA QUE DESPERTA
FAZENDO TUDO RENASCER
E NO AMOR DESSA CRIANÇA
A PERFEIÇÃO VOU CONHECER
UM NOVO SONHO SE INICIA
FAZENDO TUDO RENASCER
HOJE COMEÇA A GRANDE AVENTURA
E NASCE O SOL E ABRE A FLOR
HOJE CONHEÇO A MAIOR TERNURA
E UM CORAÇÃO LIVRE PRO AMOR
(Se abraçam. A luz vai devagar caindo em resistência no apartamento de Pedro e Cris,
mas ainda vemos o casal celebrando, e se movimentando para o início de mais um
dia, se vestindo, etc .Luz acende no apartamento de Lucas e Rafael, que está
passando um café na cozinha americana, Lucas termina de se arrumar em frente ao
espelho)
115
LUCAS
É hoje aquela audiência que te falei...
RAFAEL
(Servindo o café numa xícara) Se tem alguém bom de resolver problemas, esse
alguém é você!
LUCAS
Amor, tô com pressa... e você... bom, sei que você precisa escrever.
RAFAEL
Calma, Lucas, olha que horas são, respira. Eu tenho todo tempo do mundo pra
escrever...
LUCAS
Você tem razão... É a audiência mais importante da minha vida... Tô ansioso! (Toma
um gole do café)
LUCAS
A VIDA NOVA VAI CHEGAR
PRA UMA CRIANÇA SEM AMOR
E JÁ NÃO VAI HAVER ABUSO
E JÁ NÃO VAI HAVER MAIS DOR
NÃO VAI TER MARCAS EM SEU CORPO
AGORA NÃO VAI MAIS DOER
ESSA CRIANÇA VAI SER LIVRE
E VAI VER TUDO RENASCER
HOJE COMEÇA A GRANDE AVENTURA
E NASCE O SOL E ABRE A FLOR
HOJE ELA VAI CONHECER A TERNURA
E VAI VIVER LIVRE PRO AMOR
RAFAEL
Me orgulho tanto de você...
LUCAS
E eu de você, na reta final do seu doutorado, um grande poeta, realizando uma
pesquisa tão bonita.
116
RAFAEL
Meu trabalho não é grande coisa... você, sim, que é o super-herói, que salva crianças
do abuso...
LUCAS
A arte, a poesia, também salvam o mundo, Rafa, todos os dias...
RAFAEL
MAS O FUTURO É UMA CRIANÇA
QUE SEJA LIVRE PRA CRESCER
LUCAS
VOCÊ É LIVRE NA SUA ARTE
E ISSO É O QUE TE FAZ VIVER
E EU ME ORGULHO DESSE HOMEM
QUE MUDA O MUNDO A ESCREVER
RAFAEL
A VIDA TEM TANTAS HISTÓRIAS
MAS A MINHA É COM VOCÊ
RAFAEL
UMA CRIANÇA VAI SER LIVRE
MAIS UMA HISTÓRIA PRA ESCREVER
(Lucas beija Rafael e sai de casa, pegando o paletó. Cris e Pedro terminam de se
arrumar para ir ao apartamento de Rafael e Lucas).
CENA 2
# 2 – PRA NÃO PENSAR EM MIM
RAFAEL
A VIDA TEM TANTAS HISTÓRIAS...
TANTA INSPIRAÇÃO, NÃO TEM FIM
DOS OUTROS ESCREVO A MEMÓRIA...
PRA NÃO PENSAR EM MIM...
PEDRO
Tá mergulhado na tua pesquisa, né... a gente tá atrapalhando?
RAFAEL
Gente, vocês são família!
CRIS
Desculpa, Rafa... mas não dava pra esperar... você tinha que ser o primeiro a saber!
118
RAFAEL
(Desconfiando) O quê?
PEDRO
Adivinha!
RAFAEL
Um bebê?
CRIS
Um bebê!
RAFAEL
Que maravilha gente! Parabéns! Finalmente!!!
PEDRO
Acabamos de fazer o teste!
CRIS
E fazemos questão que você seja o padrinho!
RAFAEL
Ai, eu não acredito...
CRIS
Rafa... não podia ser outra pessoa... você é como meu irmão... o que sempre esteve
aqui pra mim... crescemos juntos, tinha que ser você...
PEDRO
Vamos convidar minha irmã ser a madrinha, Rafa... mas a gente queria primeiro saber
se você aceita!
RAFAEL
Mas claro!!!! Vocês sabem o quanto eu sempre quis estar próximo de verdade de uma
criança... não pude ser pai... mas agora... isso é muito, muito especial mesmo pra
119
CRIS
Você vai ser o melhor padrinho do mundo!
RAFAEL
Vou fazer o melhor que puder por esse bebê. Eu prometo: vou fazer valer toda a
espera de vocês!
CRIS
Tudo acontece na hora certa!
RAFAEL
Isso merece uma comemoração! O Lucas tem uma audiência muito importante agora
de manhã, ele vai tirar mais uma criança de uma situação de abuso... vai dar certo, e
aí hoje de noite podemos todos sair pra comemorar! Uma comemoração dupla!
CRIS
Perfeito! Então...então vamos todo mundo trabalhar, né?
RAFAEL
De noite a gente se vê!
CENA 3
RAFAEL
A Cris sempre dizia que a gente ia ser padrinhos dos filhos um do outro! (Ri de si
mesmo) Pelo visto eu não vou cumprir com a minha parte no trato, mas ela... vai
120
RAFAEL
EU TIVE UM SONHO QUE JÁ PASSOU
DE UMA CRIANÇA A BRINCAR
FAZENDO A VIDA BROTAR DE AMOR
JUNTOS A GARGALHAR
VEIO A SURPRESA DE UM OUTRO AMOR
EU ME DEIXEI LEVAR...
E ESQUECI DESSE SONHO BOM
POR ME APAIXONAR...
A vida passa tão rápido... naquela época, passava o dia me imaginando com um filho,
brincando, jogando bola. Cada dia de ansiedade esperando por uma notícia da Vara
da Infância. Cinco anos na fila pra adotar um menino... Cinco anos! E aí o Lucas
chegou como uma avalanche, só ele importava... mas agora, o bebê da Cris...
(Black-out)
121
CENA 4 – semana 12
HOJE É O DIA
EM QUE A GENTE VAI SE CONHECER
É SÓ ALEGRIA
ESSA MINHA VONTADE DE TE VER
PELA TUA VIDA, EU PROMETO
QUE EU VOU FAZER O QUE PUDER
NÓS ESTAMOS JUNTOS
E AGORA É PARA SEMPRE
DE MÃOS DADAS
PRO QUE DER E VIER
VEM, MEU AMADO, VEM
ME LEVAR ALÉM
MUITO ALÉM DE UM SONHO QUE É SÓ NOSSO
DE MAIS NINGUÉM
CRIS
MEU PEQUENO AMOR
É LINDO VER VOCÊ MEXER AS MÃOS
E OS SEUS PÉZINHOS
OUVIR BATENDO O TEU CORAÇÃO
MÉDICA
Só um momento...
CRIS
Mas dá pra ver?
MÉDICA
Dona Cristina, um momento por favor, o sexo agora é o de menos.
CRIS
(Quebrando o silêncio entre elas) Menino ou menina?
CRIS
Ele não pôde vir, o trabalho...
124
MÉDICA
Bem. Eu gostaria muito que ele estivesse presente, é uma pena eu ter que conversar
com a senhora assim, sozinha.
CRIS
O que está havendo?
MÉDICA
Creio que a senhora sabe que, pela sua idade, 40 anos.... Bem, quando você entrou
nessa sala já sabia que era uma paciente de risco, certo? Eu... acredito que existe
uma possibilidade de sua criança ser uma criança... diferente.
CRIS
Diferente do quê, doutora?
MÉDICA
Temos aqui no exame de ultrassom alguns marcadores um pouco alterados, Dona
Cristina.
CRIS
Alterados?
MÉDICA
O exame apresenta algumas alterações que sugerem que o bebê possa ter alguma
condição genética. O ossinho nasal está ausente, e a medida da nuca está acima do
normal.
(Underscore interrompe)
(Silêncio absoluto. Depois de um tempo, são novamente ouvidas as batidas do
coração. Cris leva a mão no peito, como se sentisse um aperto no coração)
CRIS
O que você está querendo dizer?
125
MÉDICA
Não posso afirmar nada, Dona Cristina. Para dar uma resposta concreta preciso fazer
outros exames. Eu infelizmente preciso ser direta com a senhora. Existem indicadores
que apontam a possibilidade do seu bebê ter uma condição genética conhecida como
síndrome de Down. A senhora sabe o que é síndrome de Down, Dona Cristina?
CRIS
(Sem saber o que pensar) Sim... quer dizer... não... eu...
MÉDICA
E na sua idade... bem. A senhora já sabia dos riscos... Eu vou deixar a senhora um
pouco sozinha para pensar no que deseja fazer, Dona Cristina. A senhora quer que
eu chame alguém?
CRIS
Não.
MÉDICA
(Dá um tapinha no ombro de Cris) Fique aqui um pouco. Vou dar um tempinho para
que a senhora possa respirar. Voltamos a conversar para falar dos próximos exames.
E então a senhora decide o que fazer. Eu sinto muito (Sai).
CRIS
(Tentando ainda a atenção da médica, enquanto ele sai da sala) Menino ou meni....
(Ela desiste. Cris está sozinha na sala do exame, aquela grande imagem do bebê
congelada na tela. Silêncio. Cris olha a imagem e toca sua própria barriga. A frase
começa calma e vai ficando mais revoltada). Não é nem menino nem menina, é só
diferente...uma criança diferente... Como assim? (Imitando a médica) “Eu sinto
muito”? Quem sente sou eu (Chora)! Meu Deus o que é que está acontecendo! Por
que o diferente tem que ser comigo?!? Eu não quero nada diferente! (Ela se acalma e
respira. Olha novamente para a imagem do bebê congelada na tela).Quem é você
afinal, bebê?
126
NÃO É POSSÍVEL...
ONDE FOI O QUE EU SONHEI?
O QUE DESEJAMOS
E TUDO AQUILO EM QUE ACREDITEI?
QUERO ENTENDER A TUA ESCOLHA
E NÃO SEI O QUE É QUE VOCÊ QUER
O QUE É QUE ESTÁ ACONTECENDO...
NÃO, COMIGO NÃO
O MEU CORAÇÃO
NÃO VAI AGUENTAR ESSA TRISTEZA
COMIGO NÃO...
(Pega o telefone e liga para Rafael) Alô, Rafa? Preciso te ver agora. Eu não tô nada
bem. Eu não sei como vou dizer isto pro Pedro, Rafa. Eles acham que o bebê tem
síndrome de Down. Vem me buscar? Eu... eu não consigo sair do lugar... isso, aqui
mesmo... vem por favor...
NÃO TE CONHEÇO
E NÃO SEI O QUE É QUE VOCÊ QUER
ME FAZ ENTENDER
PARA EU FAZER O QUE PUDER
QUERO CONSEGUIR ENCONTRAR FORÇAS
PRA TE DAR O QUE EU TE PROMETI
AFINAL, ESTAMOS JUNTOS
E AGORA É PARA SEMPRE...
RAFAEL
Crisoca... Shhhh... eu tô aqui, eu tô aqui... vai ficar tudo bem...
CRIS
A médica disse que tem que fazer outro exame pra confirmar... mas ela realmente
127
RAFAEL
Calma, Cris. O que quer que aconteça estamos todos com você. Vai ficar tudo bem.
CRIS
Como vou dizer isso pro Pedro, Rafa? Esse filho... o grande sonho da vida dele...
todas as expectativas...a gente demorou tanto tempo pra conseguir... de que jeito vou
contar isso pro Pedro?
RAFAEL
Vamos falar com o Pedro juntos...vamos fazer ele entender...
CRIS
Obrigada por ser mais que meu melhor amigo, ser meu irmão... Não sou nada sem
você, Rafa... me ajuda...
RAFAEL
(Black-out)
m
CENA 5 – semana 15
(No apartamento de Cris e Pedro, os quatro amigos estão reunidos. O clima é tenso.
Cris realizou o segundo exame e ficou confirmado que o bebê tem síndrome de Down.
Cris tem o resultado do exame em sua mão. Pedro não recebeu bem a notícia. Está
andando de um lado para o outro. Cris, sentada, já nem chora mais, de tanto que já
chorou. Rafa, preocupado, tenta acalmá-lo. Lucas está meio afastado, observando
128
tudo em silêncio. Já se percebe que ele tem algo em mente. A cena tem uma energia
de nervos à flor da pele, e não de tristeza).
PEDRO
(Esbravejando) Não é possível. Esse bebê é o meu filho, não tem como ter alguma
coisa errada com ele! (Para Cris) Vamos fazer outro exame e vai dar tudo normal,
você vai ver, amor.
CRIS
(Com o resultado do exame de punção, o segundo exame proposto pelo médico, em
mãos) Pedro por favor. Você não está querendo aceitar... Esse exame aqui...ele...ele
é... (Ela acena com o resultado do segundo exame que ela tem em mãos).
PEDRO
(Interrompendo Cris, ele tira o exame das mãos dela) Isso deve estar errado!
RAFAEL
Pedro, por favor... se acalma, amigo (Pega o exame das mãos de Pedro).
RAFAEL
Esse segundo exame não tem erro. Você tem que aceitar o que diz aqui. Este bebê
tem mesmo síndrome de Down.
PEDRO
(Muito nervoso, ofegante, anda pela sala de um lado para o outro em silêncio por um
breve tempo. Está tentando pensar. Ajoelha-se perto de Cris e segura suas
mãos).Cris. Esse não é o nosso sonho. O que a gente planejou foi outra coisa.
CRIS
O que é que a gente pode fazer, Pedro? A vida é assim, não tem ensaio, não. Um
avião cai, se ganha na loteria... não se planejam certas coisas... elas simplesmente
acontecem.
PEDRO
Eu não sei se consigo lidar com isso, Cris.
129
CRIS
Do que você tá falando? Você não estava lá! Fui eu quem escutou o coração desse
bebê batendo! Tem um ser humano aqui, gente!
RAFAEL
Calma, Cris...
LUCAS
(Interrompendo a todos) Amigos. Por favor, eu vou pedir a atenção de vocês por uns
minutinhos. Vocês são como família pra mim. (Abraçando Rafael) São a nossa família.
Rafael e Cris são como irmãos, cresceram juntos neste prédio, se conhecem desde
crianças. Está todo mundo abalado, esta é uma notícia difícil.. Vamos tentar usar o
bom-senso aqui por um momento. (Faz Rafael e Pedro sentarem) A verdade é que é
muito bonito falar em vida, que esta é uma vida, e tudo mais. Mas falar assim é
perigoso, a gente deixa de levar em consideração uma série de coisas. (Para Pedro e
Cris) Vocês dois ainda são jovens. Ter 40 anos é nada, todos nós temos 40, 40 e
poucos aqui, e a vida inteira pela frente. Vocês têm alguma ideia do que significa
cuidar de uma pessoa com necessidades especiais? Vejo casos assim todo dia no
fórum. Sei o que as famílias passam. Um de vocês dois vai ter que desistir da carreira
e ficar por conta. Vocês sabiam disso? Sabiam que pro resto da vida de vocês vão ter
que correr atrás dessa criança?
RAFAEL
(Incrédulo) Lucas, por favor!
LUCAS
Eu sei que pareço duro, mas eu tenho que falar. Famílias se desintegram por causa
dessas coisas. Nenhum de vocês sabe o que é isso tudo. Nenhum de vocês entende
o bullying que essa criança vai sofrer. Se pararem pra pensar no que vai ser a vida
dessa criança, vão concordar comigo. O quanto essa criança pode enfrentar de abuso,
verbal, físico, moral... Algum de vocês aqui entende de abuso infantil?
130
RAFAEL
(Após um breve silêncio) Lucas, eu sei que você...
LUCAS
(Cortando Rafael) Gente, vocês têm a vida pela frente! Antes de tomarem qualquer
decisão, vocês precisam saber o que é esse novo mundo onde vocês estão prestes a
entrar. Vocês têm que ir ver de perto, e não é nada bonito. Qual de vocês dois está
disposto a abdicar de tudo?
RAFAEL
Lucas, você é o exemplo de alguém que superou completamente as adversidades da
sua vida, como você pode colocar as coisas nesses termos?
LUCAS
Eu não tive escolha. Fiz o que tinha que fazer.
RAFAEL
Os momentos difíceis unem as pessoas, veja você e sua mãe, como eram fortes
juntos! E se esse bebezinho for o nosso passaporte pra coisas que nem imaginamos?
Descobertas, enfim! Já pensaram sobre isso? Que de repente vamos todos descobrir
coisas que vão nos tornar mais unidos, mais fortes ainda juntos?
LUCAS
Eu não vejo as coisas assim. E sinceramente, por mais difícil que seja dizer isso,
consideraria interromper essa gravidez enquanto é tempo.
RAFAEL
Lucas!
LUCAS
Gente, vai ser difícil demais pra ele, pro bebê! Vocês querem mesmo que essa criança
sofra? Cris, pensa um pouco. É o melhor que você tem a fazer (No silêncio, dá um
tapinha no ombro de Cris) Vamos, Rafa. Vamos deixar eles um pouco sozinhos pra
pensar no que querem fazer. Depois a gente continua essa conversa. (A cena de Cris
com a médica está se repetindo, e ela percebe). Eu sinto muito...
131
(Cris respira fundo fechando os olhos, controlando a raiva, e falando junto com Lucas
o “eu sinto muito”, como quem recorda a cena com o médico. Ela quase ri, de
desprezo, mas fecha os olhos e se controla).
RAFAEL
(Abraçando Cris) Crisoca... eu tô aqui. Sempre vou estar.
LUCAS
(Incomodado) Vamos, amor.
CENA 6
PEDRO
Acho que o Lucas pode ter razão...
CRIS
Pedro... ele fala na posição de quem teve uma infância difícil...
PEDRO
Pois então, Cris! Temos o exemplo aqui do nosso lado! Você quer uma criança que
passe por isso? Pelo que o Lucas passou? E o Lucas é inteligente pra caramba... mas
uma criança com Down.. como vai ser? .Ai, Cris... eu não sei de mais nada. Não sei o
que pensar, eu tô muito, muito perdido (Caem no silêncio).
CRIS
Meu Deus! (Repentinamente vendo tudo por outro prisma) E se eu abortasse, Pedro?
PEDRO
A gente poderia tentar de novo, fazer inseminação artificial... aí eu topo, Cris..
132
CRIS
Será que vale a pena colocar no mundo alguém que vai sofrer tanto preconceito?
Alguém que as pessoas acham que nem deveria existir?
PEDRO
Que difícil, que difícil...
CRIS
(Pensando) Mas... sabe lá o que é fazer um aborto? Você lembra da Vanessa? Eu fui
com ela. Eu lembro de ter ouvido o barulhinho do...
PEDRO
(Cortando Cris) Não me conta. Não tenho coragem. Essa não é uma boa razão para
alguém não ter a chance de viver.
CRIS
Não é uma boa razão... (Os dois se abraçam).O Lucas diz que sabe dessas coisas,
mas como poderia saber? Ele sabe só do que vê no fórum... Nenhum de nós sabe
nada...Cada um só pensando em si, no que quer... (Tocando a própria barriga, fala
com o bebê) E você? O que é que você quer?
PEDRO
VEM ME MOSTRAR MEU LUGAR
ME DIZ SE É PRA RIR OU SE É PRA CHORAR
O QUE VOCÊ QUER DE MIM
E PORQUE DECIDIU VIR ASSIM?
133
CRIS E PEDRO
VEM FALAR COMIGO, BEBÊ
EU NÃO CONSIGO ENTENDER
VEM REVELAR TEU DESEJO
VOCÊ QUE VIR? QUER VIVER?
É A TUA VONTADE, BEBÊ?
VENHA E ME DIGA PORQUE
SE ESSE É TEU PLANO, ME CONTA SE
VOCÊ QUER VIR? QUER VIVER?
(Underscore segue)
(Cris põe a mão na barriga e sente o bebê. Como se sentisse a resposta dele, sente
ele se mexer. É tomada de uma imensa alegria. Ela entende o que o bebê demonstra.
Coloca a mão de Pedro na sua barriga, eles sentem o bebê mexer. Ela passa a rir, ela
pode senti-lo! Eles sentem que ele quer viver)
CRIS E PEDRO
EU TE SINTO COMIGO BEBÊ!
UMA SEMENTE DE FLOR
EU VOU LUTAR, SEI QUE VOU CONSEGUIR SUPERAR
TRANSCENDER ESSA DOR
EU TE RECEBO MEU FILHO!
E QUERO TE ABRAÇAR
SE É TEU DESEJO EU RESPEITO
E ME ENTREGO PRA SEMPRE
VEM ME ENSINAR
VEM ME MOSTRAR!
(Black-out)
CENA 7 – semana 19
CRIS
RAFAEL
Entra Cris! (A abraça). Como você está hoje, Crisoca?
CRIS
Um dia de cada vez, Rafa...
RAFAEL
E o Pedro?
CRIS
Eu achei que fosse ser mais difícil pra ele do que pra mim... mas acho que me enganei.
Ai, Rafa... acho que eu preciso de ajuda... Minha cabeça não tá boa... eu achei que a
tristeza fosse passar mas não tá passando...
RAFAEL
Irmãzinha... tô aqui...
CRIS
Desculpa eu vir aqui te atrapalhar, Rafa... eu sei que você tá ocupado com o
doutorado...mas eu tô me sentindo sem forças pra fazer as coisas que preciso fazer...
várias vezes eu já tentei sentar na frente do computador, estudar alguma coisa, pra...
enfim... pra entender o que é síndrome de Down. Mas toda vez que eu tento, começo
a chorar.
RAFAEL
Você quer que eu te ajude? Se a gente estudar juntos... eu posso ajudar você.
CRIS
RAFAEL
Vou selecionar informações pra você, tá bom? E te mostro a coisa mais mastigada!
CRIS
Não vai atrapalhar o teu doutorado?
RAFAEL
Você é a pessoa mais importante da minha vida, Cris. O Lucas é o meu amor, mas
você é a minha família. A que me conhece faz mais tempo. Foi a primeira pessoa que
soube que eu sou gay. A que me apoiou com todas as forças. A que esteve lá comigo
quando eu contei pros meus pais. Você que me apoiou quando eu inventei que queria
ser pai solteiro e adotar... todo mundo achando que eu era maluco! Mas você ficou do
meu lado.
CRIS
Você queria tanto uma família, e nunca namorava, nunca encontrava ninguém, e eu
não gostava de te ver sozinho...
RAFAEL
A vida dá umas voltas engraçadas, né? Demorou cinco anos pra sair a licença de
adoção e aí apareceu o Lucas... e tudo mudou tanto que de repente não teve mais
espaço pra esse filho. Sei lá.
CRIS
Sempre achei que foi uma escolha difícil que você fez... desistir de ser pai pra ficar
com o Lucas.
RAFAEL
Não vamos pensar nisso, o que importa agora é que vou ser padrinho, desse
supebebê que está chegando!
CRIS
Ah, Rafa... tô com um pouco de medo do superbebê...Tô com medo do que pode
acontecer com ele nessa vida... por ser diferente.
136
RAFAEL
O problema não é o bebê... é o mundo, que não consegue lidar com o que é diferente...
pensa comigo, se o Lucas tivesse concordado com a adoção, nosso filho teria dois
pais. Não adianta a gente querer dourar a pílula: isso é diferente, sim. A gente é que
tem que ser forte pra ensinar essa criança a ter compaixão do olhar do outro...
compaixão pela ignorância do outro... esse é nosso papel.
CRIS
A diferença é que eu tenho apenas seis meses pra me preparar... você já desistiu de
adotar, não precisa lidar com isso.
RAFAEL
Bem, não é que eu desisti. Eu me apaixonei pelo Lucas. Mas ele não quer, não adianta
tentar conversar, então... Mas isso já nem importa, só o bebê importa agora, ok?
CRIS
(Eles se abraçam) Obrigada Rafa! Vou aceitar a tua ajuda... (Cris sai, Rafael se vê
sozinho e reflete).
RAFAEL
# 6 – ISSO NÃO!
A vida é engraçada. Um sonho vira outro sonho, um sonho engole outro sonho, e a
gente nem percebe, vai levando... o tempo passa... (Tentando ser objetivo)
Bom... eu prometi ajudar a Cris a entender tudo isso. Nossa, eu não sei nem por onde
começar... (Ele começa a abrir várias abas para selecionar algumas coisas para Cris
ler. Ele vai lendo alto o que vai abrindo. Aquilo que Rafael vai selecionando, vai sendo
projetado nas inúmeras telas espalhadas pelo palco. Vai lendo meio por alto, seleciona
e imprime algumas coisas) Quando é que eu imaginei que fosse ler alguma coisa
137
(Underscore segue)
(Conforme Rafael vai buscando informação, vai mergulhando cada vez mais, sendo
quase que dominado pela sua própria curiosidade. A luz dá a entender que vão se
passando dias e noites, e que há dias que ele não sai da frente do computador. O
underscore está associado a um som de tique-taque de relógio. Nas várias telas
distribuídas pelo palco, vão sendo projetadas as coisas que Rafael pesquisa. É um
movimento frenético, de quem está buscando algo desesperadamente. Conforme ele
abre, lê algo para si mesmo, comenta algo consigo mesmo, ininteligivelmente. É um
diálogo dele apenas com ele mesmo. Ele vai meio que sempre encontrando coisas
semelhantes e nada animadoras. E vai ficando irritado. Mas vai imprimindo algumas
coisas que encontra. Coloca as impressões num envelope, a luz continua mostrando
dias e noites se passando. Rafael sai de casa, passa o envelope por debaixo da porta
de Cris. Volta e o movimento frenético de busca continua).
(Fecha as abas, empurra sua cadeira de rodinhas para longe da mesa do computador)
CENA 8
RAFAEL
Eu preciso encontrar alguma coisa!!!!
LUCAS
(Entrando na sala, vindo do quarto) Amor... você está exagerando... (Ele percebe que
Rafael não está escutando) Rafa! Estou falando com você.
RAFAEL
LUCAS
Rafa, você está passando dos limites, sentado na frente deste computador faz dias, e
não está nem indo dormir... e já tem uma semana que não escreve nem uma linha do
seu doutorado!
RAFAEL
A Cris é mais que uma irmã, Lucas... e ela pediu a minha ajuda. O Pedro até que está
forte, mas a Cris... ela não está conseguindo nem fazer isso que eu tô fazendo aqui...
Tô imprimindo umas coisas, dando pra ela ler.
LUCAS
Ela deveria ter tirado a criança, Rafa. Pra poupar esse bebê de tudo que vai ter que
passar. E você, ao invés de ficar mais presente com ela, fica aí afundado no
computador pesquisando sei lá o que.
139
RAFAEL
Lucas. Eu vou ser o padrinho dessa criança. Eu sei tanto quanto eles a respeito desse
assunto, ou seja, nada... mas a Cris... Ela tá em negação, tá de luto. Não me critique
por eu estar aqui tentando ajudar esse bebê... você ajuda crianças todos os dias. Eu
estou ajudando uma, apenas. Poderíamos muito bem ter feito até mais, se a gente
tivesse adotado.
LUCAS
Que é isso, Rafael? Você vai voltar a falar sobre isso? Faz cinco anos que não tem
esse assunto aqui em casa, o que é isso agora?
RAFAEL
Imagina o que a gente poderia ter feito se a gente tivesse adotado uma criança?
Dando uma família pra alguém que precisasse?
LUCAS
Rafa, não é uma coisa simples pra ninguém ser adotado. Nem ser filho de dois
homens. O meu papel eu faço no fórum todo dia. Não vai ser criando um filho que...
RAFAEL
(Interrompendo) Não entendo por que tanta rejeição, já que você é o Robin Hood das
crianças.
LUCAS
Rafa...
RAFAEL
Eu saí da fila de adoção por sua causa... desisti desse sonho pra ficar com você.
LUCAS
Você fez essa escolha, Rafael. Eu nunca te pedi nada, nunca te prometi isso também...
RAFAEL
Então me deixa ajudar do meu jeito! Se é isso que eu posso fazer, me deixa...
140
LUCAS
Eles vão ser melhor orientados se procurarem gente especializada... por que você?
RAFAEL
Não sei porque eu, Lucas! Talvez porque seja a família da Cris? Porque foi pra mim
que ela pediu? Como é que não vou estender a mão?
LUCAS
Eu me preocupo porque te conheço, você é incansável... Não sai mais desse
computador! E você, não é cientista, Rafa! É um artista, você não entende nada
dessas coisas...
RAFAEL
Amor, no começo eu nem sabia por onde começar a olhar. Mas, depois, fiquei
pensando: não é possível que o homem tenha ido até a lua, mas que não saiba o que
fazer a respeito de uma síndrome genética. Eu vou pesquisar aqui até encontrar
alguma coisa, encontrar uma luz.
LUCAS
Tá vendo? Ta aí o que eu falei! O que você acha que vai encontrar? Uma cura
milagrosa? (Ri)
RAFAEL
É sério... olha, quase ninguém nunca ouviu falar que existe medicação pra prevenir o
HIV. Mas existe, não é? Vai que existe alguma coisa sobre síndrome de Down que eu
desconheço, mas que existe?
LUCAS
A Prep não cura o HIV, Rafa, ela previne. Não tem como prevenir o bebê de ter Down,
ele já tem Down. Ele já tem um cromossomo a mais em cada celulazinha dele... Bem,
estou indo pro escritório. Vê se larga isso um pouco e se dedica à sua tese. Não
coloque a vida deles na frente da nossa, Rafael. Não se esquece da gente...
RAFAEL
(Meio que se livrando de Lucas, mas quase rindo amorosamente. Dá um beijo em
141
(Lucas sai)
RAFAEL
(Respira fundo e volta para o computador. Ele primeiro abre sua tese no computador.
A tese aparece projetada em uma das telas no palco: “Dramaturgia Musical – Um
Caminho Poético Para O Teatro Musical Contemporâneo”. Ele encara a tela do
computador. Respira fundo. Desistindo). Não dá, não consigo pensar em nem mais
uma linha disso aqui. Eu preciso ajudar a Cris, mas como?
(Ele fecha a janela da tese e volta a abrir consultas sobre síndrome de Down. As
consultas que ele faz vão aparecendo nas telas).A gente passa a vida ouvindo dizer
isso e aquilo sobre síndrome de Down... a gente não sabe nada a respeito, porra... e
fica fingindo que isso não existe... tô me sentindo um idiota. Onde mais eu posso
procurar? Cansei de ler e ouvir só descrição, descrição... (Tirando sarro do que lê) “A
síndrome de Down é uma anomalia genética causada pela duplicação do cromossomo
21” blá blá bláááá. Só aparece coisa esquisita, ninguém fala NADA a respeito do que
fazer...tipo... será que não tem mesmo o que fazer? (Ele vai pensando alto e digitando,
abrindo abas que vão sendo projetadas nas telas do palco).
RAFAEL
O que é que acontece pra pessoa ficar diferente? Eu preciso entender... tenho que
conseguir encontrar alguma coisa...
CENA 9
(Luz cai em resistência no apartamento de Rafael, mas ainda o vemos. Durante a
cena no apartamento de Cris, ainda vemos Rafael no computador. Abre a luz no
apartamento de Cris. Lucas bate em sua porta, e vai meio que entrando sem que Cris
abra).
LUCAS
Ô de casa! Cris?
CRIS
Entra Lucas. Quer um café? .
142
LUCAS
Não precisa não, obrigado.
CRIS
(Meio sem paciência) Diga, Lucas.
LUCAS
(Notando, em cima da mesa, o envelope que Rafael passou por debaixo da porta, e
folhas impressas meio espalhadas pela mesa. Dá uma olhadela) Vejo que você
também está estudando.
CRIS
Preciso, né? O Rafa que me trouxe esses papéis. Mas ainda tô com medo de ler,
acredita? Quero ver se leio com o Pedro quando ele chegar do trabalho... Tá meio
difícil de encarar essa realidade. Eu tô tentando me acostumar com a ideia, ainda.
LUCAS
Não vai ter como você fugir disso... porque nada vai mudar. Essa é a condição desse
bebê...
CRIS
Ah, Lucas, você é o cara que acha que eu devia ter tirado o bebê, né... isso vindo de
você...
LUCAS
Vamos deixar pra trás aquela conversa, por favor. Eu disse o que achava que tinha
que dizer, mas respeito a sua escolha, tá? E eu fico feliz que o Rafa possa te ajudar
um pouco... mas faz um favor pra mim? Incentiva o Rafa a dar uma olhadinha no
doutorado dele de vez em quando, agora ele só estuda sobre o bebê...
CRIS
Como assim?
143
LUCAS
É que agora ele não faz outra coisa. Tá lá, mergulhado no computador. Faz um tempão
que ele não põe a mão na tese dele. Eu fico preocupado...
CRIS
É isso que você tem pra me falar? Que o meu pedido de ajuda tá atrasando a vida do
Rafa?
LUCAS
Não, não, não me entenda mal, por favor... Na verdade, eu também estou querendo
fazer a minha parte pra te ajudar, foi por isso que eu vim aqui. Tem muitas coisas
possíveis de serem feitas pelo bebê, juridicamente, mesmo. Em relação aos custos
das terapias, por exemplo. Se você me autorizar, eu posso atuar como seu
representante legal.
CRIS
Obrigada, Lucas...
LUCAS
Vocês já escolheram nomes pro bebê?
CRIS
Resolvemos desencanar disso. Uma hora vamos sentir qual é o nome... nem
sabemos o sexo...
LUCAS
(Tentando demonstrar solidariedade, colocando a mão no ombro de Cris) Bom,
tenho que ir. Qualquer coisa fala com a gente, hein? (Sai)
(Cris pega sua bolsa, fecha o computador, e sai de casa na sequência, enquanto a
resistência em seu apartamento vai caindo e vai subindo a luz no apartamento de
Rafael)
144
CENA 10 - semanas 20 a 22
RAFAEL
Esse povo todo só diz a mesma coisa com palavras diferentes, só descrição...
ninguém se arrisca, pessoal, a descobrir uma solução? Os estudos avançam no
sentido de mostrar cada detalhe dos problemas, mas e as soluções gente? Não tem
uma porra de um tratamento pra esse negócio? Que saco... (Ele se afasta um pouco
do computador e dá uma pausa. Pensa.)
Peraí... e se eu digitar em inglês... arriscar algo bem absurdo aqui... Hashtag Down
syndrome treatment... (Chega em uma página do Facebook, de uma clínica, nos EUA.
Ele vai lendo, tudo o que ele visualiza aparece na tela para o público).Peraí... o que é
isso aqui?
(Lendo alto) Complex B, Thyroid... EGCG? O que é isso? Meu Deus, peraí... como é
que é? Não acredito... não acredito... encontrei alguma coisa... encontrei alguma
coisa!!!
(Ele vai digitando em inglês e vai abrindo páginas, abre páginas relacionadas à clínica
que encontrou, encontra a médica proprietária desta clínica no Youtube, seleciona
palestras como favoritas, através deste site vai encontrando blogs. As abas vão
novamente sendo abertas e sendo projetadas nas telas distribuídas pelo palco)
RAFAEL
ESPERA UM POUCO...
O QUE É ISSO AQUI?
AQUI DIZ QUE...
UAU!!!!!
QUEM É ESSA GENTE
ISSO É SÉRIO!!!
ACHEI! ACHEI ALGUMA COISA!!!
Nem dá pra acreditar!!!
(Underscore segue)
145
RAFAEL
EU NÃO POSSO NEM ACREDITAR!
NO QUE EU TÔ VENDO AGORA AQUI
BEM NA FRENTE DOS OLHOS VEM ABRIR
A GRANDE ESPERANÇA!
DIZ AQUI QUE SIM, DÁ PRA TRATAR!
QUE TEM COMO BALANCEAR
ESSA CLÍNICA É ESTRANGEIRA
MAS EU VOU LIGAR!
Tem uma biblioteca enorme de artigos no site dessa clínica... nossa, é muita coisa.
(Nas telas vão se projetando os artigos que Rafael vai abrindo. Lucas entra em casa
animado)
LUCAS
Amor! Vou te levar num novo happy-hour que descobri... combinei de a gente
encontrar o Fabio e o Leandro lá!
146
RAFAEL
(Mergulhado no computador) Amor, eu encontrei umas coisas incríveis, muito
importantes mesmo!
LUCAS
Deixa então pra depois, vamos que eles estão esperando a gente!
RAFAEL
(Sem tirar o olho do computador) Não, não, Lucas, não dá pra ir agora não! (Lê para
si mesmo algumas frases, murmurando)
LUCAS
Mas a gente combinou que...
RAFAEL
(Cortando Lucas) Amor, tá importante isso aqui! Eu explico depois... eu... agora não
consigo... quando eu te contar você nem vai acreditar!
LUCAS
Rafael...
(Rafael não responde, está meio que lendo baixinho em voz alta alguma coisa na
internet. Lucas, meio bravo, sai de casa)
RAFAEL
EU NÃO POSSO NEM ACREDITAR
QUE ISSO POSSA EXISTIR
AGENDEI PRA AMANHÃ UM CHAT ONLINE
SOBRE O TRATAMENTO
EU PRECISO TUDO ENTENDER
PRA AJUDAR NOSSO BEBÊ
ESSAS MÉDICAS SABEM COMO E VÃO ME DIZER!
147
E se não olhar... vai dar problema, é aí que vai dar problema! Tudo isso que acontece
numa célula que tem um cromossomo a mais... precisa tratar os sintomas! O que eles
fazem, pelo que tô vendo, é suplementar... (Vai abrindo várias abas enquanto fala,
encontrando mais e mais coisas) Nossa, olha essa mãe aqui... o menino dela toma...
uau, bastante coisa...
CRIS
ME SINTO TÃO PERDIDA
PERDI PRA SEMPRE O CHÃO
NUNCA PENSEI SENTIR
TAL DOR NO CORAÇÃO
148
PEDRO
É UM APERTO IMENSO
COMO É QUE VOU FAZER
PRA ACREDITAR QUE A VIDA
VAI ACONTECER?
(O underscore segue, a luz em Cris e Pedro vai caindo, eles saem de cena. A luz volta
no apartamento de Rafael. A luz continua dando a entender que dias e noites vão se
passando. As informações continuam pipocando nas telas. Rafael, de vez em quando,
sai do computador, anda pela sala, pensa... toma um pouco de água, volta para o
computador, e isso acontece algumas vezes. Vai imprimindo papéis, retira da
impressora, lê o que imprimiu. Os artigos que ele imprime começam a formar uma
espécie de “bíblia”, que irá aumentando de tamanho durante o espetáculo, e que
nunca mais sairá de perto dele. Onde Rafael vai, leva a “bíblia” junto. A sensação da
passagem de tempo vai continuando. Durante a cena, Lucas sai de casa para
trabalhar de manhã e volta de noite, algumas vezes. No início, ainda fala com Rafael,
mas já mais para o final da cena ele chama por Rafael, que nem escuta. Lucas reage
saindo da sala quase batendo a porta. Durante os momentos em que as informações
vão pipocando na tela, Rafael canta digitando em seu computador)
RAFAEL
EU ESTOU COMEÇANDO A ENTENDER
MAS NEM SEI COMO EXPLICAR
TODO MUNDO PRECISA CONHECER
QUE HÁ UM CAMINHO!
É CIÊNCIA PURA ISSO AQUI
TEM MUITA COISA PRA ESTUDAR
VALE A PENA NÃO DESISTIR
POR QUE DÁ PRA ...
Não, não dá pra dizer, assim, “curar”, não tem como ser cura, o cromossomo extra
sempre vai estar lá... aqui nesse site eles dizem, como mesmo (Buscando a
informação, lendo rápido) Otimizar! Essas médicas aqui jogam a bola numa outra
direção... (Rafael entra novamente no site da clínica. Marca uma consulta online)
149
RAFAEL
E atendem gente do mundo inteiro... preciso conversar com elas sobre o que devemos
fazer pelo nosso bebê!
(O underscore segue)
(Lucas, que entrou em casa sem que Rafael percebesse, ouve Rafael dizendo esta
última frase. Um foco pin-beam em Lucas se acende)
LUCAS
O SONHO QUE TIVEMOS
DE SERMOS SÓ NÓS DOIS
PARECE QUE AGORA
FICOU PRA DEPOIS
Como se o Pedro nem existisse! Que ridículo... A gente combinou que não ia ter
criança na nossa vida...
(Lucas volta a sair de casa. Um triângulo se forma em cena. Cris e Pedro aparecem
em seu apartamento, Lucas no proscênio, Rafa do apartamento dele. Os quatro
cantam ao mesmo tempo)
(Black-out)
CENA 11 – semana 22
(Rafael telefona para Cris. O celular dela toca, na bolsa. A luz está nos apartamentos
de Cris e de Rafa. Cris atende).
RAFAEL
Cris! Você tá em casa? Tá com o Pedro?
CRIS
Oi, Rafa, sim!
RAFAEL
Venham AGORA pra minha casa, eu encontrei!
CRIS
Encontrou o que?
RAFAEL
Encontrei um monte de informação, um monte de artigo...
151
CRIS
Rafa, não tô podendo falar sobre o teu doutorado agora...
RAFAEL
Não, Não... (Ri) Faz dez dias que não ponho a mão no doutorado, eu sumi, desculpa...
Crisoca, agora que eu tô me dando conta que sumi... vem pra cá, eu encontrei um
monte de informação que pode ajudar o bebê!
CRIS
(Preocupada) Eu também tenho uma coisa pra te contar...tô indo. (Desliga o celular,
coloca de volta na bolsa. Pega o envelope do exame e leva consigo) Coragem.
PEDRO
O que o Rafa queria, amor?
CRIS
Pediu pra gente ir agora lá pra casa dele...
PEDRO
(Preocupado) A gente aproveita e conta pra ele...
RAFAEL
Tem jeito, Cris, dá pra melhorar muita coisa! Tem como ajudar o bebê a se desenvolver
muito!
CRIS
Rafa... eu e o Pedro lemos aqueles papéis que você deixou lá em casa semana
passada. Sobre as terapias. Já entendemos que hoje essas coisas ajudam muito, que
ele vai até poder ter um emprego, vai ler e escrever. Já sei.
152
RAFAEL
Cris, não pedi pra você vir aqui pra te falar das coisas que você já sabe... O que eu
quero te mostrar é outra coisa... gente, tem o que fazer! Bioquimicamente, lá nas
células do bebê... (Cris olha para Rafael como quem não entendeu. Cris e Pedro se
entreolham). Olha esses sites, aqui, e eu imprimi esses artigos também. (Coloca um
bolo de papéis nas mãos de Cris. Ele está ansioso. Tenta se fazer claro, tenta falar
pausadamente, ele busca um vocabulário mais fácil).
A perda intelectual que essas pessoas têm... as questões de saúde... dá pra amenizar
tudo isso, com uma nova abordagem médica, que segura a oxidação do cérebro com
suplementos!
PEDRO
Como é que é?
CRIS
Rafa, pelo amor de Deus...
RAFAEL
Não Cris, peraí. Me ouve. O que eu tô te mostrando aqui é ciência.
PEDRO
Vamos ouvir o que ele quer dizer, amor.
CRIS
(Folheando as páginas dos artigos que Rafa lhe deu. Um momento de silêncio)
Como é que você sabe que isso é informação confiável? Se é ciência, como você
diz, como é que a gente nunca ouviu falar dessas coisas?
PEDRO
Calma, Cris!
RAFAEL
(Apontando para o artigo aberto no colo de Cris) Esse artigo aí especificamente tirei
desse site aqui, dá uma olhada (Ele abre o site da clínica, já na página da
153
biblioteca).Uma biblioteca online, inteira, de artigos sobre todas essas coisas das
quais ninguém te falou! (As telas vão se enchendo com os artigos que ele vai clicando)
CRIS
Onde você quer chegar com isso?
RAFAEL
Quero mostrar um outro lado da história. Um que ninguém te contou. Até agora vocês
só ouviram suas famílias chorando pelos cantos (Dirigindo-se especificamente para
Cris) e médico olhando pra você com cara de “coitadinha dela...” Agora, essa gente
aqui (Ele segura o bolo de artigos impressos) conseguiu sacar que existem maneiras
de ajeitar um monte de coisas que saem do lugar pelo fato da pessoa ter um
cromossomo a mais! As questões cognitivas, os problemas de saúde... Já tem um
tempo que eles estão testando a ação de certas substâncias. Essa gente aqui desse
site, Cris... eles dedicam a vida deles a tratar de crianças com Down baseados nesse
conhecimento novo!
PEDRO
Sério? Como assim?
CRIS
Pedro! Espera aí! Rafa, você realmente acredita nisso? Francamente. Como é que
pode existir isso e até agora eu já passei na frente de tanto profissional de saúde e
ninguém me falou nada sobre isso? A gente vive num mundo globalizado, Rafa, todo
mundo já saberia.
RAFAEL
Eu não sei porque é que ninguém fala disso, porque afinal, a informação tá aí,
ó...(Aponta para a tela do computador) Tem gente falando sobre isso, sim! Vários blogs
de mães e pais, do mundo todo, falando sobre esse tipo de ação que se pode tomar.
Você devia entrar nesses blogs, tem gente aqui mesmo no Brasil fazendo isso com os
filhos! (Rafa abre algumas telas de blogs e mostra).
CRIS
Rafa, você não é médico. Não é nem cientista. E esses pais aí desses blogs? São
médicos?
154
PEDRO
Espera aí, Cris, não fala assim. Não custa nada a gente dar uma olhada...
RAFAEL
Exatamente! Não custa nada vocês lerem. Depois vocês me dizem o que acharam.
Me dá esse crédito...
CRIS
Rafa, você me fez vir aqui pra me dizer que síndrome de Down tem cura?
RAFAEL
Não foi isso que eu disse. Não disse que tem cura. Disse que tem como tratar.
CRIS
Que seja. Tratamento. É isso?
RAFAEL
Sim! Lê, vai... Por favor... Pedro... dá uma olhada, por favor!
(Cris e Pedro folheiam por alto o calhamaço que Rafael colocou em seu colo)
PEDRO
Parece ser muita coisa...
RAFAEL
Você percebeu? Eu sei que é muita coisa, mas conseguem perceber?
CRIS
Parece ser coisa demais pra fazer.
RAFAEL
Dá a impressão de ser muita coisa... Uma dieta bem diferenciada... e pelo visto são
muitos suplementos por dia...mas logo vira parte da rotina, as famílias que têm blogs
não reclamam não, muito pelo contrário! O metabolismo deles funciona diferente...
então tem que ajustar!
155
CRIS
Dieta diferente... Aqui diz que... (Apontando para uma das páginas impressas por
Rafa) não vai poder comer um monte de coisa! E tudo isso aí que ele vai ter que
tomar...essa mulher aqui desse blog...ela dá um monte de suplementos por dia pro
menino dela, Rafa! Olha essa lista!
RAFAEL
Mas o menino dela tá incrível, Cris! Tem ele no youtube brincando e falando, como
qualquer outra criança!
PEDRO
Como qualquer criança... abre o menino aí no youtube! Quero ver.
CRIS
NÃO! Eu não quero ver nada.
RAFAEL
Cris... eu sei que de repente tudo parece muito pesado, mas não é não! Eu tô digerindo
isso tudo faz dias, já nem parece um bicho de sete cabeças! (Ri).
CRIS
Não, não, Rafa, como que eu vou colocar uma criança numa bolha... não vai comer o
macarrão da vó? Brigadeiro na festa? E na escola? Eles vão ajudar a dar todas essas
coisas por dia pra ele tomar? É irreal! Viraria a nossa vida de ponta cabeça, não dá!
E se depois vier um irmãozinho? Esse bebê tem que comer o que todo mundo come,
o que o irmão mais novo vai comer!
RAFAEL
Como assim?!?!?! Você tá dizendo que daria preferência pro irmão sem Down? A
gente tá aqui falando de uma pessoa com necessidades diferentes das nossas, como
é que você pode pensar uma coisa dessas? Pedro! Pelo amor de Deus, me ajuda
aqui! Olha, pensa como se ele fosse...sei lá.... (Tendo uma grande ideia) Diabético!
Você deixaria de dar insulina pra ele só porque você não precisa tomar? Ou porque o
irmão não toma insulina? Porque que a gente não pode pensar nas necessidades
156
DELE? (Conforme ele vai falando ele vai se inflamando. Segurando a pilha de papéis
na mão, ele diz) É como se bebê estivesse te dizendo: “mãe, eu preciso de coisas que
são bem diferentes daquelas que você precisa. Você pode fazer isso por mim? Até
onde você pode ir por minha causa?”
CRIS
Rafa, você tá passando do limite...
RAFAEL
(Pressionando Cris mais e mais) O quanto está disposta a ir? “Mãe, você pode
escolher me ajudar ou não, mãe, espero que você escolha me ajudar”...
CRIS
Não joga isso na minha cara, Rafa!
PEDRO
Cris, por favor...
RAFAEL
Como você pode saber que tem o que fazer e escolher não fazer?
CRIS
(Com muita raiva) Cala a boca, Rafa! Cala a boca! Você fala daí do alto do seu maldito
doutorado, o grande sabe tudo de universidade que você é! Mas não é você que tem
um bebê na barriga, e não vai ser você que vai ter que fazer tudo diferente, a sua vida
vai continuar sendo exatamente o que é... Você e o Lucas, a família perfeita! Não é a
sua criança que vai tomar um monte de suplementos em um dia! Não, Rafa, esse
bebê vai frequentar uma instituição que possa ajudá-lo e vai comer o que todo mundo
come. Isso é o que eu posso fazer por ele, Rafa.
RAFAEL
Eu e Lucas a família perfeita? O que é que tem de perfeito? Quem me dera ter um
bebê pra quem eu pudesse dar todos os suplementos do mundo... e isso nunca vai
acontecer porque a gente nunca vai adotar... Cris, confia em mim... eu... se você acha
que é coisa demais (passando dos limites) eu posso cuidar do bebê pra você!
157
CRIS
(Sem acreditar) Você tá louco!
PEDRO
Chega! Vocês dois já passaram dos limites. Eu sou o pai, aqui. Não me excluam, essa
conversa não é de vocês dois. Cris, vamos dizer a ele.
(Um momento de silêncio. Todos respiram um pouco, o clima está muito tenso. Num
outro tom, Pedro procura trazer o diálogo para um tom mais controlado).
PEDRO
Você fala?
CRIS
Rafa, neste momento, o fato desse bebê ter síndrome de Down deixou de ter qualquer
importância. Pra gente, agora, o que importa é ele viver.
RAFAEL
Eu só estou te mostrando que a vida dele pode ser muito melhor se a gente...
CRIS
(Interrompendo) Rafa. Esse bebê vai nascer, vai vir pra casa, e pouco tempo depois,
talvez um mês, talvez dois, dependendo do peso dele, vamos ter que leva-lo pra um
hospital e entrega-lo pra um cirurgião que vai ter que abrir o peito dele, tirar o coração
pra fora, fechar um buraco, colocar de volta e costurar. Tá bom pra você isso ou você
quer mais? (Cris joga o envelope do novo exame para Rafael).
RAFAEL
(Abrindo o envelope e olhando o laudo do exame) Gente... o bebê...
158
# 8 - CORAÇÃO - TRIO
PEDRO
O bebê tem uma cardiopatia, Rafa.
RAFAEL
Pedro... eu...não tinha como saber, eu...
CRIS
Tudo bem, Rafa.
RAFAEL
O MEU CORAÇÃO
ESTÁ JUNTO DO TEU
CRIS
QUE O TEU CORAÇÃO
POSSA AQUECER O MEU
RAFAEL
EU TE PROMETO, ELE VAI CONSEGUIR
CRIS E PEDRO
SÓ O QUE EU QUERO É NÃO DESISTIR
MAIS UMA OUTRA SURPRESA
SERÁ QUE POSSO AGUENTAR?
TODAS AS MINHAS CERTEZAS
JÁ ESTÃO FORA DE LUGAR
(O underscore segue)
RAFAEL
É muito grave?
159
PEDRO
Eles dizem que não é das piores coisas... Tem um buraquinho. Podia ser algo muito
mais grave. Ele teve sorte... Mas não tem jeito, tem que fechar. É de um tamanho que
não vai fechar sozinho. Ainda vamos fazer vários ultrassons até ele nascer, mas os
médicos não acreditam que vá mudar. E tem que operar logo pra não gerar
consequências.
RAFAEL
Vai dar tudo certo...
RAFAEL
EU TE PROMETO, ELE VAI CONSEGUIR
PEDRO E CRIS
E POR AMOR EU NÃO VOU DESISTIR
(Black-out)
CENA 12
LUCAS
Eu avisei que não ia ser fácil. Mal começou!
160
RAFAEL
Ah Lucas! Por favor! Vai dar tudo certo, você vai ver... não é algo complicado, graças
a Deus...
LUCAS
Tomara que você tenha razão.
RAFAEL
Mas ainda assim, eu senti que o Pedro tá aberto pra conversar sobre essas coisas
todas... é fascinante demais tudo isso aqui! A Cris não quer falar sobre isso ainda, mas
uma hora eu vou conseguir convencê-la...
LUCAS
Rafa, deixa as pessoas em paz com as suas vidas... a Cris e o Pedro vão fazer o que
acharem que devem, e você tem que ficar na sua.
RAFAEL
A Cris pode não querer dar ouvidos, mas você pelo menos podia me ouvir. Eu tô
provando pra vocês que tem muita informação nova! A ciência tá finalmente sacando
o que fazer a respeito da síndrome! Não é incrível? Essas pesquisas vão acabar
levando à cura disso e outras coisas, como Alzheimer!
LUCAS
Rafa, não viaja. E esse assunto não me interessa nem um pouco. Tenho uma
audiência bem difícil agora. Me deixa concentrar nisso. Até mais tarde
RAFAEL
Porra, que saco, eu estudo, estudo, ninguém me dá a menor bola!
LUCAS
Eu estaria dando bola se você estivesse estudando o que você tem que estudar,
Rafael, o seu doutorado, que você largou sem mais nem menos, tá aí esperando você
tomar juízo!
161
RAFAEL
Eu não gosto de me sentir pressionado, Lucas.
LUCAS
(Parando na porta) O que você está querendo dizer?
RAFAEL
Nada. Pensei alto.
LUCAS
Isso é o que me preocupa. As coisas que você anda pensando. Te conheço. Você
acha que só porque vai ser o padrinho, que o lugar de pai dessa criança é seu? Você
não é o pai dele, Rafa. Não se esquece que temos a nossa vida, que você colocou
completamente de lado nos últimos meses.
RAFAEL
Eu só estou tentando fazer todo mundo entender que tem coisa pra fazer, que não
precisa ser um problema, entende? Me desculpa, eu não imaginava que você tava
pensando assim... eu...
LUCAS
Tá tudo bem. Você só precisa pôr a cabeça no lugar. E precisa voltar para o seu
doutorado hoje. Tá bom? Por favor, amor...
RAFAEL
Mas... o que é que eu vou fazer com tudo isso que eu sei agora, Lucas? Vou fingir
que não sei de nada? (Pega o bolo de artigos que antes tinha dado para Cris e mostra
para Lucas)
LUCAS
(Calmamente, Lucas toma os artigos da mão de Rafael, joga os artigos no lixo ao
lado da mesa de trabalho) Nada disso aqui faz parte do nosso combinado. Da
nossa vida. (Sai).
162
RAFAEL
(Ainda chamando por Lucas) Lucas!
(Lucas não volta. Rafael abaixa perto do lixo e coleta as folhas jogadas por Lucas.
Senta em sua cadeira, tenta arrumar as folhas e limpá-las, com delicadeza, mostrando
como são preciosas. Traz as folhas para si num abraço. Abre o computador e abre
sua tese, mas continua abraçado com as folhas de sua “bíblia”).
CENA 13
(Pedro chega ao apartamento de Rafael)
PEDRO
(Batendo na porta e já entrando devagar) Oi! Rafa?
RAFAEL
(Se levanta do computador para recebê-lo, ainda desajeitado com os papéis. Coloca
os papéis sobre a mesa) Oi, Pedro .
PEDRO
Já no computador?
RAFAEL
Tô tentando fazer as pazes com o doutorado... mas tá difícil, eu travei.... a minha
cabeça não pensa em outra coisa. Desculpa, Pedro, eu não estou querendo tomar o
lugar de vocês. Só quero ajudar.
PEDRO
Então... é mais ou menos sobre isso que eu queria conversar com você. Eu pensei
muito durante toda essa semana. Fiquei quieto no meu canto, nem falei nada sobre
isso com a Cris, mas... eu quero que você me mostre o que encontrou, Rafa...
RAFAEL
Pedro, claro!!! (Abraça Pedro) A recusa da Cris tem sido difícil pra mim, ela é como
minha irmã....
163
PEDRO
RAFAEL
Olha Pedro, eu posso até te contar, mas eu acho que você tinha que ler por conta
própria, as pesquisas, os artigos...
PEDRO
Mas então porque ninguém nos falou nada?
RAFAEL
Não sei. Afinal, tem muita gente falando sobre isso. Nós é que somos muito
ignorantes, isso não fazia parte da nossa realidade... tem gente boa falando no
assunto, até mesmo aqui no Brasil...
PEDRO
Mas afinal...
RAFAEL
Pedro, é esse cromossomo a mais. Causa um grande desbalanceamento do
metabolismo e muita oxidação, acúmulo de metais pesados... absorção pobre de
várias vitaminas e minerais... Só essas coisas são capazes de fazer um estrago bem
grande no cérebro. É por isso que você precisa ler, entrar nesses blogs. Você tem que
ver o que os outros pais estão fazendo.
PEDRO
É muita coisa, Rafa?
RAFAEL
Dá a impressão que sim. Mas tem bastante gente fazendo... isso prova que não é
impossível...
PEDRO
Eu quero ler... pra poder pensar. Assusta um pouco, dá a impressão de que a minha
164
RAFAEL
Não tem como a gente saber... só quando ele estiver aqui com a gente...
PEDRO
É apostar ou não...
RAFAEL
Apostar ou não. Vou imprimir pra você, Pedro. Passa aqui de noite e eu te entrego,
OK? Eu tô aliviado de você ter vindo. Meu coração tava apertado.
PEDRO
Foi a gente? Foi a reação da Cris?
RAFAEL
Alguma coisa tá mexendo lá dentro. Eu não sei o que é. Mas só de pensar em não
poder ajudar o bebê de vocês... enfim... já teve gente que precisou de mim antes e eu
dei preferência pra outras coisas. Pensar nisso acaba comigo.
PEDRO
Rafa, depois que eu ler... a gente pode conversar?
RAFAEL
Claro! (Se abraçam. Pedro sai).
CENA 14
RAFAEL
(Para si mesmo) Tomara que ele leia e convença a Cris... que ele consiga o que eu
não consegui. No dia de hoje tudo o que eu sinto é essa avalanche das coisas que
não fiz nessa vida, caindo na minha cabeça... o que é que eu faço com tudo isso que
eu descobri? Eu tenho que poder fazer alguma coisa... (Rafael busca na internet um
número de telefone da Vara da Infância.. As abas que ele vai abrindo vão sendo
165
LUCAS
(Entrando em casa) Rafa? Você ainda tá em casa? (Percebendo o computador aberto,
vai até ele). Desculpa eu ter saído daquele jeito, voltei pra te pedir desculpa... (Para
si mesmo, olhando a tela do computador) Ele deixou tudo aberto... (Vendo as
consultas feitas or Rafael) Não.... não, não, eu não acredito... o que é que você tá
fazendo, Rafael... (Clicando nas abas abertas) Ah, Rafael... o que deu em você...
RAFAEL
(Voltando para a sala, nas mãos ele traz a pasta que achou no arquivo )Lucas...
LUCAS
O que é que está acontecendo, Rafa? O que é isso aqui que você tá olhando?
RAFAEL
Não é nada, Lucas... (Vai até o computador e começa a fechar as abas que abriu. Ele
põe a pasta em cima da mesa de trabalho) São só umas ONGs, eu estava pensando
em ajudar de alguma forma...
LUCAS
Rafa, e esse site aqui da Vara de Infância? Você tá de novo pensando...
RAFAEL
Eu...só tava buscando por um número de telefone... ah, Lucas, eu tenho que ficar me
justificando? O que tá acontecendo aqui?
LUCAS
Você é que está cheio de novidades na sua cabeça, não eu.
166
RAFAEL
Acho que por muito tempo eu fiquei fugindo, a verdade é essa. Coloquei coisas
importantes debaixo do tapete e agora tudo está vindo à tona. Lucas, será que a gente
não poderia pelo menos voltar a conversar sobre adoção?
LUCAS
A gente decidiu lá atrás que não ia mais falar sobre isso. Você sabe que eu não quero,
não consigo... você, justo você... que sabe de tudo que me aconteceu. Eu não vou
saber ser pai, Rafa. Não está em mim. Essa sempre foi a minha condição.
RAFAEL
Lucas, eu achava que já tinha superado tudo isso, e de repente... percebi que continua
tudo aqui.
LUCAS
Você vai ter que lidar com isso. Não tem espaço pra conversar sobre isso mais. Você
sabe de TODA a minha história.
RAFAEL
Eu não consigo parar de pensar... quando a gente se conheceu eu estava prestes a
adotar... eu havia acabado de conhecer aquele menino, o Daniel, já tinha feito a
primeira visita. Eu tento não pensar nisso, mas de vez em quando me vem uma culpa,
eu fico imaginando se o Daniel nunca foi adotado por ninguém.
LUCAS
Vamos deixar o passado no passado, Rafa!
RAFAEL
Mas então! Vamos deixar o passado no passado! Será que de repente uma criança
não poderia ser um caminho de superação pra você, Lucas? Refazer a tua história
através desse amor incondicional que é um filho?
LUCAS
De que amor incondicional você tá falando? As porradas de tirar sangue que o meu
pai me dava? Rafa, acorda! Ter uma criança em casa não significa que esse pai, essa
167
RAFAEL
Mas no nosso caso...
LUCAS
(Interromendo) Não, Rafael. Não! Esse pode ter sido o SEU sonho, mas ter um filho
não é importante pra mim!
RAFAEL
Lucas!
(Lucas não volta. Rafael vai até a pasta. Abre. Pega de lá de dentro o cartão de
visitas da assistente social de seu caso de adoção).
(Black-out)
CENA 15
(Pedro está em casa, lendo a “bíblia” de Rafael, e abrindo várias abas no seu
computador, a partir da leitura que está fazendo. Ele está mergulhado na informação.
Cris chega em casa. Ela já apresenta uma barriga maior. Ao mesmo tempo, vemos
Rafael folheando a pasta que ele encontrou no arquivo, em seu apartamento. Rafael
está sentado no sofá).
CRIS
Oi amor! Que bom você em casa a essa hora já!
PEDRO
Que bom que você chegou, eu queria muito falar com você. Eu estive pensando
muito... eu... eu preciso te dizer que tem várias semanas que eu tô lendo as coisas
que o Rafa separou. Eu quis ler tudo antes de falar com você.
CRIS
Pedro... a gente já não tinha combinado que não ia mais tocar nesse assunto?
PEDRO
Você precisa ler isso aqui, Cris... tenho certeza de que você vai se surpreender!
168
CRIS
Pedro... você acha mesmo que eu nunca parei pra pensar nisso tudo? A única coisa
que tem na minha mente é esse nenê... o dia inteiro fico pensando... eu tento me
acostumar com a ideia, tento sair desse luto... Mas eu tô com medo.
PEDRO
Cris, você precisa sair desse lugar, amor... até agora você não quis nem comprar nada
pro bebê, não quis nem começar a montar o quartinho dele...
CRIS
De vez em quando eu penso em tudo que o Rafa falou.
PEDRO
Mas como assim pensa se você nem foi olhar? Você ouviu o que o Rafa disse naquele
dia, mas não quis ler nada! Em todos os tempos coisas novas surgem e costumam
ser desacreditadas primeiro. De repente estamos na frente de algo assim... podemos
ser pioneiros ou podemos nos arrepender depois... esse é o meu maior medo, me
arrepender depois.
CRIS
(Cris pensa por um momento, em silêncio)Tá... eu vou ler. Mas se começar a me
machucar, se eu for começar a chorar, vou parar, tá?
PEDRO
Cris... não precisa ter medo... vamos juntos tentar sair desse lugar de tristeza... tem
maneiras de conseguir melhorar pra caramba a saúde do bebê... de ajudar, digamos
assim... a funcionar melhor... vamos ler isso aqui juntos! (Estende a “bíblia” para Cris).
CRIS
Se a gente fizer isso tudo que diz aqui, não vamos estar praticamente declarando que
não aceitamos a condição do nosso filho? Não é preconceito? Submeter pro resto da
vida essa criança - e a gente - à uma escravidão diária de tomar montes de
suplementos, de alimentação restrita... Isso não é declarar que não aceito o meu filho
como ele é?
169
PEDRO
Claro que não, Cris! Tratar é declarar que você aceita a diferença. Inclusão é isso,
aceitar que ele precisa de coisas que você não precisa.
(Silêncio)
CRIS
Acho que você tem razão...
# 9 – TE AMAR - DUETO
PEDRO
A gente precisa sair desse luto do bebê de 46 cromossomos, Cris... E fazer algo a
respeito. 47 cromossomos é o que temos? Vamos ser felizes com 47, então!
(Pedro coloca as mãos na barriga de Cris) Filho...
PEDRO E CRIS
TE AMAR
DA MANEIRA QUE VOCÊ É
TE AMAR
PRA TE DAR AQUILO
QUE VOCÊ PRECISAR...
170
CRIS
TE AMAR
PEDRO
ISSO NÃO É SACRIFÍCIO, É QUERER
CRIS
TE LEVAR...
PEDRO E CRIS
PARA CONQUISTAR O MUNDO
TE LEVAR
PRA VIVER CADA SEGUNDO
SÓ PRA ME ENSINAR
A TE AMAR...
PEDRO
ISSO NÃO É SACRIFÍCIO, É QUERER
TE AMAR...
CRIS
A VIDA TODA SONHEI CONTIGO
E ESPERAVA SER DO JEITO QUE PENSEI
NÃO CONTAVA QUE A TUA CAMINHADA
ERA TUA E NÃO MINHA, HOJE EU SEI
QUERO SER O GRANDE AMOR DA TUA VIDA
ISSO É TUDO QUE IMPORTA, MEU BEBÊ
EU AGORA VISTO A TUA CAMISA
ISSO NÃO É SACRIFÍCIO, É QUERER
PEDRO E CRIS
TE AMAR
DA MANEIRA QUE VOCÊ É
TE AMAR
PRA TE DAR AQUILO
171
CRIS
TE AMAR
PEDRO
ISSO NÃO É SACRIFÍCIO, É QUERER
CRIS
TE LEVAR...
PEDRO E CRIS
PARA COMNQUISTAR O MUNDO
TE LEVAR
PRA VIVER CADA SEGUNDO
SÓ PRA ME ENSINAR
A TE AMAR...
ISSO NÃO É SACRIFÍCIO É QUERER
TE AMAR...
CRIS
Vem ler comigo?
CENA 16 – Semana 24
(Essa cena dupla acontece em paralelo. Enquanto Rafael dialoga com a assistente
social, ao mesmo tempo vemos Lucas no apartamento.
Rafael está na sala de espera, na Vara da Infância. Ele está esperando para falar com
Sandra, a assistente social. Ele folheia sua “bíblia” enquanto espera. Ao mesmo
tempo, Lucas entra no apartamento e vai até a cozinha buscar algo para comer. Pega
172
uma maçã)
SANDRA
(Se levanta de sua mesa e se dirige à sala de espera. Chama por Rafael)
Pois não, posso ajudar?
RAFAEL
(Animado) Sandra!
SANDRA
RAFAEL
(Percebendo que ela não se lembrou dele) Acho que você não se lembra de mim...
faz alguns anos já... meu nome é Rafael Ferreira, eu era solteiro e queria adotar... A
gente se falou muitas vezes, eu esperei vários anos pela aprovação... Eu... eu guardei
o teu cartão todos esses anos... que bom que você ainda trabalha aqui!!!
(Lucas vem até a sala comendo a maçã. Percebe, em cima da mesa de Rafael, a
pasta do antigo caso de adoção. Sem saber o que é aquilo, pega a pasta e abre)
SANDRA
Você deu sorte de eu poder atender você, mas tem que ser rápido, infelizmente...
(Os dois se sentam. Sandra abre seus arquivos no computador) Rafael Ferreira,
você disse?... Rafael Ferreira dos Santos?
LUCAS
(Lendo o primeiro documento que encontra na pasta) Rafael Ferreira dos Santos... o
que é isso? (Continua a folhear a pasta. Desiste da maçã e se senta com a pasta no
colo)
173
SANDRA
Saiu da lista faz cinco anos...
RAFAEL
Sim! Esse sou eu!
SANDRA
Ah... estou lembrando do seu caso, sim... pai solteiro... foi aprovado pra adoção mas
depois acabou desistindo...
LUCAS
Documento de desistência...
SANDRA
Você se casou, não foi isso? Está vindo tudo na minha mente agora! Como posso te
ajudar, Rafael?
RAFAEL
Então Sandra... é o seguinte... minha vida tomou de repente uma direção inesperada...
e eu acabei entrando em contato com umas pesquisas médicas, enfim, não vou tomar
teu tempo com detalhes. Mas eu queria saber se você poderia me dar uma informação
sobre as crianças para adoção que tenham problemas de saúde.
SANDRA
Bebês HIV positivos, crianças com síndrome de Down, paralisia cerebral,
hidrocefalia...
RAFAEL
Então... crianças com síndrome de Down... Tem caso assim que você cuida?
SANDRA
Sim. De várias idades. Tem até um bebezinho que chegou faz pouco tempo. Você por
acaso estaria considerando...
174
RAFAEL
(Interrompendo) Não, na verdade... bem... a pergunta que eu quero te fazer é a
seguinte... As crianças com Down recebem algum tipo de tratamento específico,
assim... pro que elas tem?
SANDRA
Síndrome de Down não tem tratamento, Rafael.
RAFAEL
Então, mas aí é que está! A questão Sandra, é que esses médicos que eu falei estão
promovendo uma otimização de ponta para a saúde geral de pessoas com Down... É
algo bem recente, esse tipo de tratamento. Você acha que assim... por exemplo... se
eu quisesse oferecer isso pra alguma criança que está aguardando adoção... seria
possível? (Estende sua “bíblia” para Sandra) Tudo isso é informação sobre o que eu
estou falando. Tem um certo custo, e eu gostaria de poder oferecer isso pra quem não
tem como pagar...
LUCAS
(Ele continua folheando a pasta) Rafael...
SANDRA
(Folheando a “bíblia”) Mas você acha justo oferecer algo assim pra uma criança e não
pras outras? Do mesmo abrigo?
(Silêncio)
RAFAEL
Eu não havia pensado nisso.
SANDRA
Olha, Rafael, seria um trâmite jurídico sem fim você tentar fazer isso por uma criança
que está num abrigo. Acredito que você nem conseguiria. Porque você está querendo
fazer isso?
175
RAFAEL
Todo mundo acha que síndrome de Down não tem o que fazer... E a criancinha lá,
num abrigo... sem receber um tratamento que existe...Entende? Eu só gostaria de
poder fazer alguma coisa por alguém.
SANDRA
Você precisa adotar uma criança nessa condição, então, Rafael. E cuidar dela da
maneira que você acha que é necessário. Não existe política pública pra isso que você
está me dizendo.
RAFAEL
Desculpa ter incomodado você.
SANDRA
Imagine, você só queria ajudar... mas... será que você não voltaria a considerar uma
adoção? Levar pra sua casa uma criança com Down e fazer na sua casa isso que
você quer? Seria uma grande chance pra você e pra criança... a adoção sai muito
mais fácil em casos assim... lembra do quanto você esperou na fila?
LUCAS
Três anos de espera e desistiu...
RAFAEL
Não, eu não posso fazer isso Sandra... tem o meu marido, eu saí da fila por causa
dele. Eu... não posso.
LUCAS
Eu...não posso.
SANDRA
Sinto muito, Rafael... é uma pena... bem, se algum dia na sua vida você mudar de
ideia, a fila da adoção estará sempre de braços abertos (Ela devolve a “bíblia” para
Rafael).
176
RAFAEL
Obrigado, Sandra. Foi bom falar com você de novo. Me trouxe boas lembranças...
LUCAS
Ele quase foi pai de verdade...
SANDRA
Qualquer coisa estamos aqui.
RAFAEL
(Rafael se levanta para sair, apertam as mãos. No que está indo embora, hesita).
Sandra!
SANDRA
Sim?
(Enquanto Rafael pergunta sobre o menino que ele teria adotado, Lucas encontra na
pasta uma foto de Rafael com o menino).
RAFAEL
Aquele menino... o Daniel...
LUCAS
(Acha a foto de Rafael com o menino) Daniel...
SANDRA
Sim sim, foi adotado sim. E lembre: se você quiser voltar pra fila...
RAFAEL LUCAS
(Lucas recoloca a pasta onde havia encontrado. Joga o resto da maçã no lixo, e se
dirige à porta e sai de casa)
177
SANDRA
Rafael!
(Lucas e Rafael hesitam ao mesmo tempo. Rafael volta e olha para Sandra, Lucas
para a pasta sobre a mesa)
RAFAEL
Sim?
SANDRA
Se isso tudo for real, uma boa maneira de ajudar é lutar por políticas de saúde... pra
que no futuro todos possam ter direito a isso que você está falando.
RAFAEL
Obrigado, Sandra.
(Black out)
CENA 17 – semana 24
CRIS
Como ele está, doutora?
MÉDICA
Interessante... Há marcadores que a gente esperaria que estivessem alterados... mas
não estão.
178
CRIS
Como assim?
MÉDICA
Na síndrome de Down a gente espera algumas coisas como fêmur mais curto... mas
o do seu bebê tem tamanho regular... o ossinho nasal também está maior do que o
esperado. E isso que estou olhando agora... só um momento, eu realmente preciso
me concentrar aqui... só uns minutos...
CRIS
Mas ele tá bonzinho, né?
MÉDICA
Sim, sim, Dona Cristina, por favor, um minuto aqui...
PEDRO
Sim!
MÉDICA
É um menino!
CRIS
Eu sabia!
PEDRO
Menino!!!
MÉDICA
É interessante. Sabemos que o bebê tem síndrome de Down, que o coraçãozinho vai
ter que ser operado. Mas tem outros marcadores... as medidas de cérebro, sistema
nervoso... estão todas dentro de padrões considerados normais.. Os ossos, mesmo a
medida da nuca do bebê, está no limite mas não está acima do valor de uma criança
típica... não há inchaço nos rins...
PEDRO
Mas o que isso quer dizer?
MÉDICA
Quer dizer que ele está ótimo! Não me entendam mal, nada disso significa que o bebê
não tenha a síndrome. Ele tem. Mas vejam como é a natureza. Ninguém é igual a
ninguém... não existe um padrão... o bebê está bem, quero que fiquem tranquilos.
Tamanho ótimo, peso ótimo. Tudo indica que ele estará bem forte para o procedimento
do coração! Parabéns!
PEDRO
Obrigado, doutora!
MÉDICA
Vejo vocês na trigésima quinta semana... pra olharmos melhor o coração, mais perto
do parto. A obstetra já disse a vocês que será uma cesárea, certo? Por causa do
coração.
CRIS
Sim, ela disse.
PEDRO
Obrigado!
(Saem do exame. Cris e Pedro voltam para casa conversando. Atravessam o palco
em direção ao apartamento)
CRIS
Engraçado, Pedro... fizemos o exame, nada mudou... sabemos que o bebê tem
180
Down... mas sei lá... eu estou me sentindo diferente. Acho que me enchi de esperança.
PEDRO
Eu fiquei assim também!
CRIS
Ver o bebê tão bem formado, tão perfeito... nunca pensei que fosse dizer isso... mas
ele é perfeito! Todo bonitinho, cada dedinho... perfeito!
PEDRO
Senti a mesma coisa...
CRIS
Pedro... temos um bebê perfeito! Perfeito do jeito que ele é! Quero ir pra casa, quero
começar a montar o quartinho!
PEDRO
Que bom, Cris!
CRIS
Pedro... o nome dele... pode ser Arthur?
PEDRO
Claro que pode!
(Se abraçam, ainda na rua. Black-out)
CENA 18 – semana 26
(É de manhã. Rafael levanta e encontra Lucas já preparando o café, na cozinha. Lucas
já está praticamente pronto para sair, seu paletó na cadeira e a gravata já no pescoço,
ainda para dar nó)
RAFAEL
Bom dia!
181
LUCAS
RAFAEL
Nossa, Lucas, o que deu em você? Que bom dia é esse?
LUCAS
Me deixa, Rafael.
RAFAEL
Eu heim? Faz duas semanas que você está um congelador. O que é que tá
acontecendo?
LUCAS
Eu é que te pergunto!
RAFAEL
Do que você tá falando?
LUCAS
Esse tempo todo eu tô só te observando.
RAFAEL
Então tem alguma coisa que você tá me escondendo faz DUAS SEMANAS?
LUCAS
Sabe lá quanto tempo faz que VOCÊ está me escondendo algo, Rafael. (Lucas abre
a gaveta de Rafael e tira a pasta da adoção de dentro) Você deixou isso em cima da
mesa de propósito. Você queria que eu visse isso?
RAFAEL
Você andou fuçando as minhas coisas!
182
LUCAS
Você deixou em cima da mesa!
RAFAEL
Então como é que você sabe que depois eu coloquei nessa gaveta?
LUCAS
Tá, fucei suas coisas. Olha o ponto que a gente chegou, Rafa.
RAFAEL
Lucas... Eu só quis falar com a assistente social que me atendeu naquela época.
Queria saber qual é a real sobre crianças com Down que vivem em abrigos. Eu só
queria saber se tinha um jeito de ajudar alguém.
LUCAS
Ajudar?
RAFAEL
Custear um tratamento pra uma criança.
LUCAS
Já não basta você querer interferir na vida e nas escolhas da Cris, agora vai querer
virar super-herói? Todas as crianças com Down do mundo agora são sua
responsabilidade? Que infantil, Rafael!
RAFAEL
Você me deixou sem escolha, Lucas... Não teve nem conversa... você foi entrando na
minha vida sem dar pra gente a menor oportunidade de pensar num futuro que
envolvesse um filho...
LUCAS
Você topou, Rafa...
183
RAFAEL
Eu me apaixonei por você...
LUCAS
Você desistiu muito rápido, não acha? Por causa de um cara que você conhecia há
poucos meses... eu nunca achei que essa adoção pudesse ser assim tão importante...
senão seria o contrário, você desistiria de mim e continuaria com o processo de
adoção!
RAFAEL
Que injustiça, Lucas! Com os meus sentimentos!
LUCAS
Não acho que você queria de verdade.
RAFAEL
Era muito importante sim! E você também era importante, ainda é! Você está
desprezando o quanto eu me apaixonei, tá desprezando o fato de que foi um sacrifício
sim abrir mão do meu sonho!
LUCAS
Não diz que abriu mão de nada pra ficar comigo! Não joga esse peso nas minhas
costas, eu nunca te pedi nada!
RAFAEL
Eu tentei algumas vezes conversar com você a respeito, tentei te mostrar como seria
bom a gente adotar...
LUCAS
Chega, Rafa! Eu nem te reconheço mais!
RAFAEL
Eu não sei que que está acontecendo... esse bebê que vai chegar me faz todo dia
lembrar do quanto eu sempre quis ser pai... e então me apaixonei por você... e eu
mergulhei no teu sonho, que era diferente do meu, Lucas.
184
LUCAS
Por favor, coloca a cabeça no lugar... esquece disso tudo...
RAFAEL
Lucas, eu preciso pensar.
LUCAS
O que você quer? Quer que eu vá embora?
RAFAEL
Não! Eu quero as duas coisas...
LUCAS
Isso é impossível, Rafa. (Pega seu paletó e sai pro trabalho)
RAFAEL
Lucas!
(Underscore entra)
(Indo atrás de Lucas, que não volta) Lucas... (Desiste. Emocionado, esconde o rosto
com as mãos)
(Black-out)
CENA 19 - semanas 27 a 38
(Cris e Pedro estão no quartinho do bebê, estão pendurando uma cortina, felizes. Cris
mostra uma barriga de 27 semanas)
186
PEDRO
Segura a escada pra eu descer!
CRIS
Ficou linda, a cortina!!!
PEDRO
Ficou ótima!
(Se abraçam)
CRIS E PEDRO
VAMOS COMEÇAR!
PRA TE RECEBER
EU QUERO TUDO ARRUMAR!
QUERO QUE VOCÊ
SINTA NOSSO AMOR QUANDO CHEGAR!
VEM QUE É PRA MUDAR A NOSSA VIDA...
NESSE BERÇO E NO MEU COLO, TUA VIDA VAI PULSAR!
VEM ARTHUR!
VEM PRA REVELAR O TEU SEGREDO
VEM PRA SEGURAR NA MINHA MÃO!
É A TUA VIDA QUE VAI ME ENSINAR
SABER ABRIR O CORAÇÃO!
RAFAEL
(Em seu apartamento, ainda pesquisando na internet, Rafael descobre uma clínica
em São Paulo que oferece cuidado semelhante à clínica dos EUA)
EU PRECISO ACHAR
ALGUMA MANEIRA QUE ELA POSSA ACREDITAR
TUDO O QUE EU ESTUDEI
187
Espera aí! Caramba, uma clínica em São Paulo? Esse lugar... Parece que... Uau!
VOU LIGAR!
PRA SABER SE ELES FAZEM O QUE EU ESTUDEI
SE OFERECEM ESSE JEITO DE TRATAR
PODE SER QUE ESSA SEJA A SOLUÇÃO!
CRIS
ELE VAI FICAR
TÃO MARAVILHOSO, UMA GRAÇA NESSA COR!
PEDRO
ONDE COLOCAR ESSE XALE?
CRIS
COM O COBERTOR!
RAFAEL
(Underscore segue)
PEDRO
Em São Paulo?
RAFAEL
Sim!!!
188
PEDRO
Cris! A gente tem que ir conhecer...
RAFAEL
Por favor, irmã... pelo Arthur... eu te garanto que você não vai se arrepender!
CRIS
Ai gente, será? Quem são esses médicos?
PEDRO
Vai que realmente dá certo... vamos tentar!
RAFAEL
Minha intuição tá bem forte...
É SÓ ABRIR O CORAÇÃO!
CRIS
(Hesita por um momento. Ela olha a roupinha que está em suas mãos e pensa) Está
bem!!!!
LUCAS
PEDRO E CRIS
(Estão na nova clínica, em São Paulo, recebendo orientações da equipe
multidisciplinar. Cris e Pedro estão sentados em frente a dois médicos, que olham
cautelosamente vários exames trazidos pelo casal. Cris apresenta barriga de 32
semanas)
VOU CONFIAR
QUE EXISTE UMA CHANCE DE MUDAR
DE OFERECER CUIDADOS
QUE VÃO AJUDAR
O ARTHUR
A VIVER MELHOR A VIDA,
HOJE EU VOU CONFIAR!
MÉDICO 1
Há uma importância muito grande de iniciar estes cuidados ainda na gravidez... as
pesquisas mostram uma grande diferença na criança, perceptível já no ato do
nascimento... a senhora deverá tomar estas duas cápsulas uma vez ao dia, conforme
indicado aqui na receita (Estende a receita médica para o casal, Pedro pega o papel)
MÉDICO 2
Estamos muito felizes de poder ajudar vocês, é raro podermos iniciar um tratamento
com o bebê ainda na barriga, mas isso fará uma diferença enorme para ele... parabéns
a vocês dois...
MÉDICO 1
Vamos acompanhar você de perto, Cristina, até o parto. Vamos monitorar tudo desde
já. Assim que o coraçãozinho for resolvido, vamos iniciar um programa de
suplementação para o Arthur. Parabéns a vocês por procurarem ajudar o Arthur desde
190
já!
(Todos se levantam e se despedem. Pedro e Cris saem do consultório)
PEDRO
Devemos isso ao Rafa...
LUCAS E RAFAEL
SE EU PUDESSE ESQUECER DA DOR
E VIVER DE ILUSÃO
SE EU QUISESSE SÓ TE PROPOR
DISSOLVER A QUESTÃO
E COMEÇAR NOVAMENTE
SEM NENHUM PROBLEMA
SEM NUNCA FERIR
MAS EU SÓ SINTO A DISTÂNCIA
AUMENTAR CADA DIA
TE SINTO PARTIR
(Cris está no quartinho de Arthur. Pedro entra e estende para Cris a cápsula
receitada pelos médicos, e um copo de água)
PEDRO
VEM, AGORA É PELO ARTHUR
É HORA DE TOMAR
A PRIMEIRA DOSE DE ESPERANÇA
VEM TOMAR...
(Cris pega o copo e a cápsula e toma. Eles se olham e colocam as mãos na barriga
sentindo a presença de Arthur)
RAFAEL
LUCAS
(No proscênio)
LUCAS E RAFAEL
ESTOU COM MEDO DO FUTURO
MAS SEI DO QUE EU QUERO PRA MIM
TÔ APOSTANDO NO ESCURO
DIZENDO NÃO EM VEZ DE SIM
EU DEDIQUEI CADA SEGUNDO
PRA ESSE AMOR CONTINUAR
MAS OUTRO SONHO ADORMECIDO
VEM DO PASSADO PRA ASSOMBRAR!
TUDO NO LUGAR!
JÁ TÁ TUDO PRONTO
SÓ PRECISA ELE CHEGAR!
PRA TE RECEBER
BASTA ABRIR A PORTA E ENTRAR!
VEM QUE É PRA MUDAR A NOSSA VIDA!
EU SÓ QUERO TEU ABRAÇO, QUERO VER O TEU OLHAR!
VEM ARTHUR!
LUCAS
Mas...não! (Sai)
CENA 20
RAFAEL
Tá em casa? Nem te vejo mais por aqui...
LUCAS
Rafael, a gente tá realmente precisando conversar... tem semanas que essa casa tá
fria, a gente distante, cada um no seu mundo... não dá pra ficar assim...
RAFAEL
A gente precisa mesmo conversar, eu sei...
LUCAS
Você essas semanas todas só nesse computador... ou lá no quartinho do Arthur.
RAFAEL
Lucas, eu só sei que amo você. Não sei mais o que te dizer. Sei que precisa de
conversa, mas tem conversa? Ou você não vai ceder?
LUCAS
E você, Rafa? Não vai cumprir o combinado? Você sabe da minha decisão.
RAFAEL
Lucas, é o Pedro.
LUCAS
RAFAEL
Alô, Pedro?
(Luz abre no proscênio, foco em Pedro, que fala ao celular com Rafael)
194
PEDRO
Rafa? Eu tô com a Cris na maternidade... a bolsa dela estourou, a médica dela pediu
pra gente vir pra cá.
RAFAEL
Meu Deus! Ok, ok! A gente já vai! Tá tudo bem?
PEDRO
Tá um pouco tenso, depois que ele nascer vão levar o Arthur pra UTI por causa do
coraçãozinho...
RAFAEL
Eu já tô indo pra aí!
Lucas, o bebê está chegando! O Pedro ligou pra gente ir pra maternidade!
LUCAS
Rafa, eu... vai você. Eu não vou.
RAFAEL
Como assim?
LUCAS
Vai lá, Rafa. É importante pra você. Numa boa. Esse momento é de vocês, não é meu.
RAFAEL
CENA 19
LUCAS
ACHO QUE ACABOU
COMO ÁGUA PELOS DEDOS
VOCÊ ME ESCAPOU
REVELANDO OS MEUS MEDOS
VOCÊ FOI VOAR
FOI VIVER DE UM SONHO LIVRE
POR ACREDITAR
NO AMOR DESSA CRIANÇA
QUE HOJE VAI CHEGAR..
ELE VAI CHEGAR...
ESSE CORAÇÃO QUE BATE
VAI FAZER TUDO MUDAR
EU NÃO SEI SE POSSO RESOLVER
ALGO EM MIM SENTE O QUE VAI ACONTECER...
PEDRO
JÁ VAI COMEÇAR
A AVENTURA DA EXISTÊNCIA
QUE VAI ME ENSINAR
A ENCONTRAR A MINHA ESSÊNCIA
196
RAFAEL
(Na diagonal oposta ao seu apartamento, na lateral/centro)
UMA CRIANÇA ESTREIA HOJE
NO PALCO DA VIDA
ELE CHEGA PRA ME ENCONTRAR AQUI
SOU COM ELE ALGUÉM QUE AMA
SEM SABER PORQUE...
MAS ALGO EM MIM SENTE O QUE VAI ACONTECER...
LUCAS
POR OUTRAS ESTRADAS
PEDRO
A PARTIR DE HOJE
RAFAEL
É OUTRA CAMINHADA
LUCAS
AINDA QUE EU NÃO QUEIRA
PEDRO
PR’UMA VIDA INTEIRA
RAFAEL
TUDO POR VOCÊ...
CENA 20 – semana 41
(Cris, Pedro e Rafael entram no apartamento trazendo o bebê consigo. O bebê está
nos braços de Cris. Pedro abre a porta do apartamento, Rafa vem atrás trazendo uma
mala e o carrinho, assim como sua “bíblia”)
CRIS
Ei, nenê... essa é a sua casa!
PEDRO
Bem-vindo, filho!
198
CRIS
Ah que bom, filho, que você está com a gente em casa... que alívio...
(Cris coloca o bebê no carrinho e se senta com um pouco de dificuldade)
RAFAEL
Gente, acho que vou pedir um delivery pra gente, 23 dias comendo no hospital não
dá...
PEDRO
E você não arredou o pé de lá, o tempo todo sentado naquele sofazinho da sala de
espera...
RAFAEL
Não tinha jeito de sair de lá, o Arthur na incubadora por 20 dias...
CRIS
Agora já passou a fase um, graças a Deus. O Arthur tá forte e vai segurar bem a onda
até o dia da cirurgia...
RAFAEL
(Pega Arthur no colo) Meu meninão! O tio Lucas vai chegar já já pra te conhecer...
CRIS
Ele não quis vir na maternidade...
RAFAEL
Ele nunca iria ver um bebê numa UTI, Cris... Mas ele deve estar chegando.
PEDRO
Lucas! Que bom, finalmente você vai conhecer o Arthur!
199
(Underscore começa)
(Lucas entra e vê Rafael segurando o bebê em seus braços. A cena é forte pra ele.
Lucas se aproxima devagar)
RAFAEL
Oi, Lucas, esse é o Arthur.
LUCAS
(Meio desajeitado) Oi, Arthur. Oi Rafa (Se olham profundamente)
CRIS
(Estendendo o álcool gel) Você quer segurar o Arthur?
LUCAS
Não, não, eu não levo muito jeito com essas coisas...
PEDRO
O Rafa está craque já, parece que nasceu pra isso!
CRIS
Rafa, você deve estar muito cansado... está praticamente sem sair do nosso lado
todos esses 23 dias... dormindo poucas horas... vai descansar agora, o Arthur está
ótimo... e vocês dois não se veem direito faz semanas...
RAFAEL
Tá, a gente se fala daqui a pouco de novo então. (Rafael vai indo para a porta levando
Arthur consigo, e se dá conta) Ah, o Arthur! (Coloca o bebê nos braços de Cris) Tchau,
nenê...
200
LUCAS
Vamos pra casa, Rafa? Você tem que descansar.
(Underscore segue)
CENA 21
RAFAEL
Nossa, eu tô muito quebrado.
LUCAS
Agora você vai descansar.
RAFAEL
Senti sua falta esses dias... foi tudo muito intenso lá...
LUCAS
Eu imagino, você só pisou em casa de três em três dias pra tomar um banho...
RAFAEL
Eu tenho que deitar...
LUCAS
Vai! Eu já vou. Vou ajeitar alguma coisa pra você comer...
RAFAEL
Você traz pra mim no quarto? Tô muito exausto.
LUCAS
Claro.
201
(Rafael vai para o quarto e se deita na cama. Lucas vai para a cozinha para preparar
um sanduíche para Rafael)
CRIS
DORME FILHO MEU
DESCANSA
E SONHA ALTO
ESSE TEU SONHO DE CRIANÇA
PEDRO
ESSE MUNDO É TEU
ESSA DANÇA
ELE TE ESPERA
CHEIO DE NOVA ESPERANÇA
CRIS E PEDRO
SÓ QUERO ESTAR AQUI
TE AMAR SEM NENHUM MEDO
SÓ QUERO QUE ESSE AMOR
SEJA UM CAMINHO SEM SEGREDO
CRIS
‘’ DORME FILHO MEU
PEDRO
DORME FILHO MEU
CRIS E PEDRO
SÓ QUERO ESTAR AQUI
TE AMAR SEM NENHUM MEDO
SÓ QUERO QUE ESSE AMOR
SEJA UM CAMINHO SEM SEGREDO
202
CRIS
DORME FILHO MEU
PEDRO
DORME FILHO MEU
CRIS E PEDRO
DORME FILHO MEU...
(Resistência cai no apartamento de Cris e Pedro, que ainda embalam Arthur e devagar
o levam para seu berço. A resistência vai abrindo devagar no apartamento de Lucas
e Rafael)
LUCAS
(Canta a preparar o sanduíche, sem perceber que Rafael já não ouve mais pois já
adormeceu)
(Ele vai para o quarto e chega perto de Rafael, trazendo o sanduíche numa bandeja)
LUCAS
Rafa? Rafa? (Percebe que Rafael adormeceu)
LUCAS
DORME AMOR MEU
203
(Lucas vai até a mesa do escritório. Coloca a bandeja sobre a mesa. Pega uma folha
de papel e escreve)
LUCAS
SÓ QUERIA ESTAR AQUI
TE AMAR SEM NENHUM MEDO
SÓ QUERIA QUE ESSE AMOR
FOSSE UM CAMINHO SEM SEGREDO
CRIS E PEDRO
DORME FILHO MEU
LUCAS
DORME AMOR MEU
CRIS E PEDRO
DORME FILHO MEU
LUCAS
DORME MEU AMOR
FOI POR VOCÊ QUE QUIS CURAR CADA FERIDA
PORÉM EU SINTO QUE ESSA É A HORA DA PARTIDA...
FOI SÓ UM SONHO SEGURAR NA TUA MÃO...
SEGUE A VIDA EM PAZ
EU JÁ NÃO POSSO SER A PEDRA NO CAMINHO
EU SEI QUE EXISTE O TEU DESEJO
ENTÃO PRECISO RESOLVER POR NÓS DOIS...
204
LUCAS
ENTENDA ESSA PARTIDA
COMO A PORTA PRO FUTURO...
TE DEIXO TODO MEU AMOR
E A VIDA LIVRE PRA ESSE SONHO...
(Lucas dobra a carta, coloca na bandeja. Volta para o quarto e coloca a bandeja
sobre a cama, ao lado de Rafael)
LUCAS
DORME AMOR MEU
CRIS E PEDRO
DORME FILHO MEU
DESCANSA
POIS O AMOR AGORA É UMA CRIANÇA
DESCANSA
É NECESSÁRIO DESPERTAR ESSA MUDANÇA
LUCAS
SEGUE A VIDA EM PAZ
EU FAÇO ISSO POR VOCÊ
205
CRIS E PEDRO
VOCÊ É MINHA PAZ
E MINHA FORÇA DE VIVER
LUCAS
(Apagando a luz no quarto de Rafael enquanto Cris e Pedro diminuem a luz no quarto
do bebê e sentam no sofazinho do quarto de Arthur)
CRIS E PEDRO
VOCÊ É A LUZ DOS OLHOS MEUS...
LUCAS
ADEUS.
(Cris e Pedro se sentam no sofazinho abraçados. Lucas pega uma mochila que
estava atrás do sofá, já pronta. Sai do apartamento. Quando ele fecha a porta atrás
de si, black-out)
FIM
206
3.3.2. Narrativa
O processo de criação musical teve início só depois que o texto dramático e letras
haviam ficado prontos. Até esse ponto, a equipe criativa envolvia apenas a autora e
os atores.
Foi feito o convite para o compositor e maestro Danilo Demori, para unir-se à autora
na composição dos números musicais. A grande maioria do song spotting já havia sido
definida pela equipe inicial, antes da chegada de Danilo Demori ao processo, mas
apenas após o início de sua participação as letras originalmente escritas para as
canções receberam alterações, conforme as propostas melódicas foram surgindo.
Antes de dar início ao processo de composição, Danilo Demori participou de duas
leituras dramáticas do texto já finalizado. Contudo, na última leitura que contou com
sua participação, houve a percepção de que havia um lugar do texto em que ainda
86
Underscoring – Vide 3.2.2.6.1.
207
faltava uma canção. A convidada Juliana Hilal abordou o assunto e fez a sugestão,
que pareceu ótima para todos.
No dia seguinte a letra da canção foi concebida e poucos dias depois, com todas as
letras prontas, foi dado início ao processo de composição, que se deu nas seguintes
etapas:
outro. As partes “A” e “B” foram pensadas para traduzir a animação de Rafael com
suas novas descobertas.
As ideias do que cada personagem deveria dizer estavam bem claras, mas novamente
aqui foi a música que surgiu primeiro e a letra foi encaixada de acordo com a melodia
previamente criada.
Esse número possui uma grande quantidade de underscores, mas optou-se por
manter a estrutura dos versos e refrão durante os diálogos e monólogos que
sobrepõem a música, sem variantes, uma vez que são muitas vezes que há o
intercalamento da parte cantada e da falada.
8- Trio – “Coração”
Este número segue a cena em que Cris e Pedro revelam a Rafael que o bebê tem
uma cardiopatia. A composição do trio baseou-se em uma linha de baixo que
lembrasse a batida de um coração, e que se mantivesse constante, onde apenas a
harmonia variasse, mas o baixo não, mantendo o pulso que remetesse às batidas
cardíacas. É um número curto, portanto a ausência de variação na linha do baixo não
apresenta sensação monótona. Uma pré estrutura de letra já existia antes da música
ser pensada, mas após o surgimento da ideia musical, os encaixes da letra precisaram
ser modificados.
Esta foi a primeira canção a ganhar vida. O aspecto preocupado das personagens
nesta cena nos inspirou a iniciar a canção em tom menor, e passar para tom maior na
parte em que desponta alguma esperança na personagem Rafael. Foi levada em
214
consideração a tessitura vocal do ator para quem o papel foi pensado, mas de
qualquer forma, seja quem for que venha a fazer este papel no futuro, definimos o
papel de Rafael, nosso herói, como tenor, durante a composição dessa canção.
Esta canção deu origem a dois outros números musicais, uma reprise que precede o
trio “Algo Em Mim”, e aquilo que nomeamos “Pré-prise”, durante o processo criativo,
em tom de brincadeira, pois é uma citação da canção, mas que a precede, aparecendo
no início do espetáculo. O tema dessa canção, portanto, é usado como leitmotiv da
personagem Rafael.
Este número é o mais longo do espetáculo, tendo a duração de onze minutos. Sua
função dramática é mostrar uma longa passagem de tempo, dez semanas, e o
desenvolvimento das personagens durante esse tempo. O número se inicia com
Pedro e Cris iniciando a montagem do quarto do bebê e termina quando já está tudo
pronto para recebe-lo. Durante essa passagem de tempo, a barriga de Cris cresce, o
casal cada vez mais se regozija com a chegada do filho, Rafael e Lucas vão se
afastando cada vez mais, Rafael descobre que há uma clínica em São Paulo que
realiza o tratamento, o casal Crie e Pedro vão até essa clínica e conversam com os
médicos. Todos esses acontecimentos são trazidos através de canções e diálogos
que trazem a presença de underscores. Novamente, este número precisava ilustrar
diferentes lugares emocionais. Cris e Pedro felizes por estarem finalmente em paz
com a chegada do bebê Arthur. Rafael ainda buscando informações na internet que
pudessem ajudar o bebê, o que o leva a descobria a clínica em São Paulo. Ainda
durante o número ele convence Cris a visitar a clínica. Ao mesmo tempo, Rafael ainda
revela tristeza pelo afastamento que está acontecendo entre ele e Lucas, que por sua
vez também revela tristeza por sentir o mesmo.
São muitas nuances emocionais diferentes, e vários momentos são ilustrados no
palco, onde os personagens vão aparecendo em locais diversos.
Buscou-se resolver todas as diferenças trazendo uma unidade cancional na forma A
– B – A – B – C – C nas duas pontas do número: início e fim. O meio do número foi
construído como um grande medley de pequenos trechos de todos os números
anteriores, adaptados para o ritmo cênico do número.
Apesar de estar claro o que cada personagem precisava dizer a cada momento do
número, as letras precisaram entrar por último. Como eram muitos eventos a serem
215
@
4 @
Eu es - pe - rei por tan - to tem - po
D @/F B @m
@
4 @ @@ ± Ç
± Ç
10
E @ 7sus E @7 A@
@@@ ±
@ Ç
± Ç
14
4
Fa - zen - do - tu - do re - nas - cer E no a - mor des - sa cri - an - ça
D@ B @m
@@ Ç
4@@ ± ± Ç
18
E @ 7sus E @7 D@
@ T
4 @ @@ ±
(
22
(
Fa - zen - do tu - do re - nas - cer Ho - je co -
E@ A@ D@
@ @
@
4 @
26
( (
( (
me - ça a gran - de/a - ven - tu - ra E nas - ce/o
2 Livre Pro Amor
E@ A@ E@
@@ @
ÇÇ
ÇÇ
(
4 @
30
(
(
sol e/a - bre/a flor Ho - je co - nhe - ço a
A@
D @/E
@ @
T
Fm D
@
4 @ (
35
(
(
mai - or ter - nu - ra E/um co - ra - ção
E@ A@
@@ @ @
T KKKK
39
4
li - vre - pro/a - mor
G 7sus/A D Bm
± Ç
±
61
4 Ç
A vi - da no - va vai che - gar Pra/u - ma cri - na - ça sem a - mor
Em A 7sus
± ±
65
4 Ç
Ç
E já não vai há - ver a - bu - so E já não vai ha - ver mais dor
G/A D Bm
± ±
69
4 Ç
Ç
Não vai ter mar - cas no seu cor - po A - go - ra não vai mais do - er
3 Livre Pro Amor
G
Em
± ±
73
4 Ç
Es - sa cri - an - ça vai ser li - vre E vai ver tu - do re - nas - cer!
G
G G
G A D Bm
T
77
4 (
Ho - je co - me - ça a gran - de/a - ven - tu - ra
G
Ç G
G A D G
Ç
82
4 (
E nas - ce/o sol e/a - bre/a flor Ho - je/e - la
A/C
G
A D Bm Em A
(
T
87
4 ( (
vai co - nhe - cer a ter - nu - ra E vai vi - ver
F /A
T
D
±
92
4
li - vre - pro/a - mor Mas o fu - tu - ro/é/u - ma cri -
E/G
Ç
± Ç
±
109 Bm A D
4 (
an - ça Que se - ja li - vre pra cres - cer Vo - cê é li - vre na sua
4 Livre Pro Amor
F m
±
G Em A
Ç ± Ç
113
4 (
ar - te E is - so/é que te faz vi - ver E eu me/or - gu - lho des - se
E/G D/F
Ç
± Ç
±
117 A A
4 (
ho - mem Que mu - da/o mun - do/a es - cre - ver A vi - da tem tan - tas his -
E/G
K
Ç
T
G A 7sus A
( Ç
121
4
tó - rias Mas a mi - nha/é com vo - cê
± ÇÇ
± ÇÇ
126 C/D G Em
4 Ç Ç
Eu es - pe - rei por tan - to tem - po E/a - go - ra vai a - con - te - cer
126
4 ± ÇÇÇ
± ÇÇÇ
130 A m7 D 7sus
A es - pe - ran - ça na/ho - ra cer - ta Fa - zen - do tu - do re - nas - cer
5 Livre Pro Amor
±
4 Ç
±
G Em
Ç
134
U - ma cri - an - ça vai ser li - vre Mais u - ma/his - tó - ria pra/es - cre - ver
134
T
T ÇÇ
Ooo...
Ooo...
± ÇÇ
±
(
Am D7
Ç
138
4
A - go - ra/um so - nho re - co - me - ça E faz a vi - da re - nas - cer
142
4
(
(
Ho - je co - me - ça a gran - de/a - ven - tu - ra
G
Ç
G
ÇÇ ÇÇÇ
C D G G/B C
4
147
E nas - ce/o
(
sol e/a - bre/a flor To - da a
4
(
152
( (
dor do pas - as - do tem cu - ra Pa - ra vi - ver
TT TT T
TT
G G/B C9 C/D
T T »
157
4
li - vre pro/a - mor! Li - vre pro/a - mor!
6 Livre Pro Amor
TT
G
4 T
162
Pra Não Pensar Em Mim
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
@ O
Gm C 7/G
@
4
1
A vi - da tem tan - tas his - tó -
@ ±
Gm C 7/G
4@ (
O
4
- rias tan - ta ins - pi - ra - ção não tem fim Dos
@
Gm C D 7sus
@
7
4 (
ou - tros es - cre - vo/a me - mó - ria pra não pen - sar em mim
@ Ç
4@
10
Uma Criança a Brincar
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
D E m/B
4
Eu ti - ve/um so - nho que já pas - sou De/u - ma cri -
D/A G G/A D E m/B
7
4
Ç
an - ça/a brin - car Fa - zen - do/a vi - da bro - tar de/a - mor Jun - tos a
D/F A/C
Em D E m/B
±
11
4
gar - ga - lhar Ve - io/a sur - pre - sa de/um ou - tro/a - mor Eu me
D/A G G/A D E m/B
15
4
Ç
dei - xei - le - var E me/es - que- ci des - se so - nho bom Por me
A/C E/G
D/A E m7 Bm
19
4
a - paí - xo - nar... Eis que a vi - da me co - bra Me cha - ma de vol -
D/F D 7M/F
A A/G G
O
23
4 (
- ta Me traz um be - bê A chan - ce de ser pa - dri -
2 [Title]
G m/B @
Em E m/D C G/B G/A
Ç
26
4
- nho Um no - vo ca - mi - nho Vai a - con - te - cer
Instr.
30
4
Ç
34
4
±
38
4
Ç
42
D E m/B D/A
46
4
A no - va vi - da que vai che - gar Que já me con - quis - tou
3 [Title]
G G/A D E m/B
49
4
Ç
Vem meu a - mor, vem pra me mu - dar Is - so só
A/C
±
D/A E m7 Bm
52
4
co - me - çou Mas des - sa vez não tem
±
55
4
vol - ta E na - da no mun - do po - de me de - ter
D/F
G Em E m7/D C
±
58
4
Vou te tra - zer pra bem per - to E vou me/en - tre - gar... Me/en - tre -
Ç
G/B G/A D E m/D D
4
61
(
gar, Pra vo - cê!
Pro Que Der e Vier
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
B
CRIS
Ho - je é o di - a Em que a gen - te
E/B B 7M
14
vai se co - nhe - cer É só a - le - gri - a Es - sa mi - nha von -
E/B E 7M
16
ta - de de- te ver Pe-la tu - a vi - da eu pro - me - to Que eu vou fa -
F /E
E 7M
18
zer o que pu - der Nós es - ta - mos jun - tos e a - go - ra/é pa - ra sem - pre
±
20
3 3 3
Ç
De mãos da - das pro que der e vi - er Vem, meu a - ma - do, vem Me le - var a -
B/F E/F
E 7M B
23
3
Ç
T
lém Mui - to/a - lém de/um so - nho que/é só nos - so De mais nin - guém
2 [Title]
E/G E/F
B E/B
26
Ho - je sin - to/a vi - da Da a - ven - tu - ra que vai co - me çar
B 7M E/B
29
Is - so não se/ex - pli - ca Que to - do meu a - mor que - ro te dar Pe - la tu - a
F /E
E 7M
31
vi - da eu pro - me - to Que eu vou fa - zer o que pu - der Nós es - ta - mos
F 7sus
E
±
33
3 3 3
jun - tos e a - go - ra/é pa - ra sem - pre De mãos da - das pro que der e vi - er
C m7 B/D
B
±
35
Ç
Ç
Vem, meu a - ma -do, vem Me le - var a - lém Mui - to/a - lém de/um
E/F
E B
»
38
3
T Ç
so - nho que/é só nos - so De mais nin - guém
3 [Title]
C m
B
50
Meu pe - que - no/a - mor É lin - do ver vo - cê me - xer as mãos
B/D E/G
52
Ç T
E os seus pe - zi - nhos Ou - vir ba - ten - do o teu co - ra - ção
»
E 7M
55
Is - so/é tão pro - fun - do que dá me - do Me - do que/eu não
F /E
»
57
Ç
sei de - on - de vem E eu me per -
E/F
E 7M
60
3
gun - to se/há/um se - gre - do nes -sa/his - tó - ria O dom da vi - da é/um gran - de mis - té - rio
B/F G m
±
E m/G
62
Ç
Ç
Bem, es - tá tu - do bem Não há/o que te - mer É es -se si -
4 [Title]
E/F B/F
E m/G
G±
65
Ç
lên - cio que/a - me - dron - ta Mas tá tu - do bem Pe - la tu - a
F /E
E 7M
67
vi - da eu pro - me - to Que eu vou fa - zer o que pu - der Nós es - ta - mos
E/F
3
E 7M
69
jun - tos e a - go - ra/é pa - ra sem - pre...
3
72
Veio alguem aqui?
G m
E m/G
± G
141
Não é pos - sí - vel A - on - de foi o que so - nhei?
G m9
E m6
143
O que de - se - ja - mos E tu - do/a - qui - lo/em que a - cre - di - tei? Que - ro en - ten -
5 [Title]
C m7(9) F /C
145
der a tu - a/es - co - lha E não sei o que/é que vo - cê quer O que é que/es -
D /G G m
E/B A9
» ±
147
tá a - con - te - cen - do... Não, co - mi - go
G m
E m6 E m6
150
Ç
Ç
K K
não O meu co - ra - ção Não vai a - guen - tar es - as tris - te - za Co - mi - go
G m B/D
E m6
»
153
T Ç
não... Eu não te co - nhe - ço E não sei o que
E/G B 9/D
169
Ç
é que vo - cê quer Me faz en - ten - der Pr´/eu po - der fa -
E/G
E 7M
171
zer o que pu - der Que - ro con - se - guir en - con - trar for - ças Pra te dar o
6 [Title]
F /E
E 7M
173
que te pro - me - ti A - fi - nal es - ta - mos jun - tos e/a - go - ra/é pa - ra sem - pre...
K
K KK
G Am G/B
»
175
RAFAEL
4
Pe - la tu - a
C 7M D/C
4
195
vi - da eu pro - me - to Que eu vou fa - zer o que pu - der Nós es - ta - mos
D/F
C 7M D 7sus C/E E 7 (9)
4 ± T
197 3 3
jun - tos On - tem, ho - je e pra sem - pre De mãos da - das Pro que der e vi - er.
200
4
Vem Me Ensinar
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
@
@ »
CRIS:
Ç Ç
Vem me di - zer me con - tar
@
@ Ç
11
Ç
Quem é vo - cê me faz a - cre - di - tar
No que/eu não sei
@ @
14
Ç Ç
Ç
e pre - ci - so sa - ber Pra po - der en - ten - der
@
@ »
± G
17
PEDRO:
Ç Ç Ç
Vem me mos - trar meu lu - gar Me diz se/é pra rir
@
@
20
Ç
ou se é pra cho - rar O que vo - cê quer de mim E por -
@@
23 CRIS, PEDRO:
Ç Ç
Ç
Ç
que de- ci - diu vir as - sim? Vem, fa - la co - mi - go, be - bê
2 [Title]
@ @
27
Ç
Ç
Eu não con - si - go/en - ten - der Vem re - ve - lar teu de -
@ @ G
30
Ç
Ç
Ç
se - jo Vo - cê quer vir? Quer vi - ver? É a tu - a von -
@
@ »
34
Ç
Ç
ta - de, be - bê? Ve - nha/e me di - ga por - que
@ @
G
37
Ç
Se/es - se/é/o teu pla - no, me con - ta se Vo - cê quer vir, quer vi -
@ @
40
Ç
Ç
ver?
@
@ Ç
45
KÇ
Ç
Ç
Eu já te sin - to co - mi - go U - ma se - men - te de flor
3 [Title]
@ @
49
Eu vou lu - tar sei que vou con - se guir Su - pe - rar, trans - cen - der es - sa
@ @
Ç
Ç
52
Ç
KÇ
dor Eu te re - ce - bo, meu fi - lho E que - ro te a - bra -
@
@ Ç
56
Ç
çar Se/é teu de - se - jo/eu res - pei - to/e me/en - tre - go pra
@ @
Ç
Ç Ç Ç
Ç
59
sem - pre Vem me/en - si - nar!
Isso Não!
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
B@
± G
Dm C/E A m9
K Ç
4@
A Cris po - di - a de - sis - tir do be - bê
B@
L A /C B @7M
G Ç ± G
Dm E Dm
@ ±
7
4
Mes - mo com me - do quis se com - pro - me - ter Meu me - do foi mai - or e/um
B@
L A /C
G 3Ç
C 9/E A m9 Dm E
K Ç ±
4@
10
B@
G
Dm C 9/E A m9
4@ ± K Ç
13
Eu só pre - ci - so con - se - guir a - ju - dar
B @7M B @7M
G Ç ± G
Dm Gm A 7sus Dm
@ ±
19
4
Fa - zer a - go - ra o que an - tes não fiz Eu te - nho que/es - ten - der a
B@
L A/C
Ç
±
G
C/E A m9 Dm E
4 @ K Ç
22
mão pa - ra/a Cris So - bre/es - se/as-sun - to/eu te - nho que pes - qui - sar!
2 [Title]
B @7M C/B @ B@
G
@ ± ±
25
4
Eu que não pu - de fa - zer só por mim mes - mo Eu que/en - co - bri e dei - xei -
C/B @ B@ C/B @
Ç
4@ ±
G
28
B@
L A/C B@
Ç
± G
E Dm
4@ ±
31
B@
L A/C
G Ç
C Am Dm E
4 @ K Ç ±
34
B@ B@
G
± G
Dm C/E Am Dm
@ ± K Ç
37
4
Por e - le ju - ro que vou tu - do fa - zer Que - ro/en - con - trar tu - do que
L
3Ç G
E A7
Ç
INSTR
4@ ±
40
pos - sa/a - ju - dar!
3 [Title]
@ Ç ± G K Ç ± G
52
B@
Ç
VOZ
G
Dm C/E A m9
4@ ± K Ç
56
Faz qua - tro di - as que pro - cu - ro em vão
B@ A/C B@
G Ç ± G
Dm A 7sus Dm
@ ±
59
4
É/a mes - ma coi - sa sem - pre, não/há/o que fa - zer A tris - so- mi - a é/um des -
B@
Ç
± G
C Am Dm A
4 @ K Ç
62
4@
65
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
A@
Danilo Demori
Cm
@ ( G
RAFAEL:
@
4 @
1 2 3 4 5
B@ E @/G A@
Eu não pos - so nem
Gm
@ @ G G G
Ç ± (
4 @ ( (
6 7 8
A @/C B@
Bem na fren - te dos o - lhos vem a - brir A gran - de es - pe - ran - ça!
G G
Cm
@ G 14 G 15Ç
4@@ ( ( ±
13
E @/G A@ D@
Diz a - qui que sim, dá pra tra - tar Que há um mo - do
@@ @
G 7sus
17 @
4 ( ( ( ( ( (
16 18
A@ B@
de ba - lan - ce - ar Es - sa clí - ni - ca é es - tran - gei - ra Mas
@@ @ ( (
G Cm Fm
19
4 ( (
20 21
( ( ( (
E@ G
7/B E @7M/G A@
eu vou li - gar! Sín - dro - me de Down é al - go bem
@ @ ( ( 25 (
G 7/B Cm Fm
4 @ ( ( ( ( ( ( ( ( ( ± ( ( (
22 23 24
±
C m/G G Cm Fm
@
4@@ ( ( ( ( ( (
26 27 28
@@ ( ( 30 ( ( 32
Cm
4 @ ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ±
29 31
A@ G
7 G 7
@@ ( 35 36T T
Fm G m7 C m/G G 7sus
4 @ ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (
33 34 37
G
@@ @
38
4 (
42
A@ B@ E @/G A@
Eu não pos - so nem
@ @ @ G G G
Ç ±
4 ( ( (
43 44 45
@ @ G G G
4 @ (
46 47 48
A@ B@
A - gen - dei pra/a - ma - nhã um chat on - line So - bre/o tra - ta - men -
G 52Ç
G7 Cm
( G (
G 51 G
@ @
»
4 @ ( ±
49 50
E @/G D @/F
- to Eu pre - ci - so tu - do en - ten - der Pra a - ju -
@@ @ 54 @
4 ( ( ( ( ( (
53 55
E @/G A@ B@
dar nos - so be - bê Es - sas mé - di - cas sa - bem co - mo E
@@ @ ( ( ( 57
G 7sus G Fm
(
4 ( ( ( (
56 58
@@ ( ( 60( 62 (
Cm Fm
4 @ ( ( ( ( ( ( ( ( ± ( ( (
59 61
@@ ( 65 ±
7sus C m/G G 7sus Cm Fm
( (
4 @ ( ( ( ( (
63 64
B@ E@
ser fei - to Mas é/es - sen - ci - al! O - lhar es - sa pes - so -
@@ @ ( ( ( ( 68 69
G7 Cm
4 ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ±
66 67
( ( ( ( T T
Fm Cm G sus
@ ( ( (
4@@ ( ( (
70 71 72 73 74
( (
Co - mo/é que tá fun - cio - nan - do Ver se tá le - gal!
Cm
@ G G
G G G
CRIS
4@@
75 76 77 78
Me sin - to tão per - di - da
E @ 7/B @ A @7M
@@ G G G G G G G
@
81
Ho - je me/a - briu o chão Nun - ca pen - sei
G 7sus G7 Cm
@ @ G G G G G G G
@ G G T G
84
E @7
sen - tir Tal dor no co - ra - ção É um a - per -
@ @ G G G G G G G G
@
88
- to/i - men - so Co - mo/é que/eu vou fa - zer
A @7M
4 [Title]
@ G G G G G G G G G G
@ @
91
T
Pra/a - cre - diRAFAEL:
- tar que/a vi - da Vai a - con - te - cer?
@ @ G
@ G G G Ç ±
95
G G
96 97 98
Eu/es - tou co - me - çan - do/a - en - ten - der Mas nem sei
@ @@ G
G G G G G
99 100 101
co - mo ex - pli - car To - do mun - do pre - ci - sa co - nhe - cer
@ G G G G G G
@@
G »
102 103 104 105
Que há um ca - mi - nho! É ci - ên - cia pu - ra is - so/a - qui
@@ @ Ç ± G
G 108
106 107
Tem mui - ta coi - sa pra/es - tu - dar Va - le/a pe - na não de -
@@ G G G G 111
Instrumental segue
@
@ G G G G
109 110
- sis - tir Por que dá pra... ´
@ @ G G G G 113 G G G G 114 G G G G
@
112
@@ G G 117 G
@
G G ± G G G G G
(
115 116
120 G
@ G G G 119 ± G G G
@ @ (
118
5 [Title]
@
G@@ G G G 122 G G G G G G G ±
123
121
@@
G G G G G G G G
@ G G ( ( T
124 125 126 127
@ G G G
@@ T G G G
G
128
4
O so - nho que ti - ve - mos De ser - mos só
@ @ @ G G G G G G
G G G
132
4
nós dois Pa - re - ce que - a - go - ra Fi -
@ @ G
@
G G
G G G G G G
135
4 T
- cou pra de - pois Já não é co - mo an - tes
@ G G G
4@@ G G G G
139
E eu bem sei por - quê Pois e - le i -
@ @@ G G G G G G G G
4
142
T
- ma - gi - na Que es - se é o seu be - bê!
6 [Title]
@ @ G G ±
@ G G G G
146 147 148
Ç
- ra
Eu pre - ci - so/a - go
res - pi - rar
É tu - do
@ @ G
@ G G G G G
149 150 151
no - vo pa - ra mim Sin - to que/a mi - nha vi - da vai mu - dar
@@ @ » G G
152 153 154
Ç
Eu que - ro/en - ten - der Com to - da
co - ra -
@ @ G 156 ± G G
@ G G G Ç
155 157
-
gem bus
vou - car Um jei - to de re - co - me - çar
@@ @ G G G G G G G G
@
158 159 160
@ G G G G 163 G G
@@ G G
161 162
@ @ G G G G 165 G G G ± G G G G
@
164 166
- sa - fio e com - pro - mis - so Vou me en - tre - gar
@ G G G G G 169 ±
@ (
@
167 168
@ @ @ G G G G 171 G G G G 172 G G G G
170
G 175 G
@@G
@ G G ± G G G G G
173 174
(
- pro - mis - so Vou me en - tre - gar pra is - so Pos -
@ @@ G G G K K T T
176 177
( T
- so/a - cre - di - tar! Pos - so a - cre di - tar!
Te Amar 247
Piano/Vocal Ana Taglianetti
Danilo Demori
G F C F G F C F
4 »
±
O
Eu
G F C F
PEDRO ±
O
4 Ç
5
que - ro ca - mi - nhar pe - los teus pas - sos E/é
G F C F G G/F
4 Ç
7
is - so que vo - cê vem me/en-si - nar E/o meu pa - pel é ver co - mo/é que/eu
Ç
±
O
10
4
fa - ço pra te dar O que vo - cê ve - io bus - car Eu
G F C F
4 Ç ±
O
13
que - ro ser o que vo - cê pre - ci - sa Não
G G/B C m7 ( 1 5 )
Ç
4
15
vou ten - tar me/im - por so - bre vo - cê A-
2 Te Amar
C 7M G/B Em
17
4
go - ra/eu vis - to a tu a ca - mi - sa Is - so não é sa - cri - fí -
±
PEDRO e CRIS:
4 ± G Ç
19
±
(
- cio, é que - rer Te a - mar Da ma -
Ç ±
22
4 ( ( ±
nei - ra que vo - cê é Te a - mar Pra te dar a - qui - lo Que vo - cê vai
CRIS PEDRO
4
Ç ±
25
pre - ci - sar Te a - mar Is-so não é sa - cri - fí - cio, é que - rer
Ç
Ç
±
PEDRO e CRIS
± Ç
C RIS
28
4
Te le - var Pa - ra con - quis - tar - o mun - do Te le - var Pra vi -
±
32
4
ver ca - da se - gun - do Só pra me/en - si - nar A te/a - mar Is-so
3 Te Amar
A m/G A m/E C/D G F C F G F
»
4 Ç Ç
35
»
não é sa - cri - fí - cio, é que - rer Te a - mar
C F G F C F
4 » ±
O Ç ±
40 CRIS
A vi - da to - da eu so - nhei con - ti - go E/es - pe -
G F C F G G/B
4 Ç
±
43
ra - va ser do jei - to que pen - sei Não con - ta - va que a tu - a ca - mi -
Ç
±
46
4
nha - da E - ra tu - a e não mi - nha, ho - je/eu sei Que - ro
G F C F
±
Ç
49
4
ser o gran - de/a - mor da tu - a vi - da Is - so/é
G G/B C m7 ( 1 5 )
4 Ç
±
O
51
53
4
go - ra/eu vis - to a tu - a ca - mi - sa Is - so não é sa - cri - fí -
±
PEDRO e CRIS
± G Ç
55
4 ( ±
- cio, é que - rer Te a - mar Da ma -
C D/C G/B C
Ç ±
58
4 ( ( ±
nei - ra que vo - cê é Te a - mar Pra te dar a - qui - lo que vo - cê vai
± K
PEDRO e CRIS
CRIS
4
Ç
61
» ±
pre - ci - sar Te a - mar Is - so não é sa - cri - fí - cio é que - rer
Ç
PEDRO e CRIS
±
CRIS
4
64
»
Te le - var Pa - ra con - quis - tar o mun - do Te le -
Ç
4 Ç ±
67
- var Pra vi - ver ca - da se - gun - do Só pra me/en - si - nar A te/a -
5 Te Amar
±
4
70
±
- mar Is - so não é sa - cri - fí - cio é que - rer
E 7M
4 Ç T
72
Te/a - mar...
Saber Abrir o Coração
Piano/Vocal
Medley Ana Taglianetti
Danilo Demori
G/A
K Ç
CRIS E PEDRO
4
Va - mos co - me - çar!
A 7M
Ç Ç
6
4 K
Pra te re - ce - ber Eu que - ro tu - do ar - ru - mar!
G/A A 7M
K Ç
T
9
4
Que - ro que vo - cê Sin - ta/o nos - so/a - mor quan - do che - gar
Ç
D m7 F 7M/G C 7M
K K K ±
12
4
Vem que/é pra mu - dar a nos - sa vi - - Nes- se
da
D/F
± Ç
D m/F E 7sus E7 A 7M
» T
15
4
ber - ço/e no teu co - lo, tu - a vi - da vai pul - sar! Vem Ar - thur!
K K Ç
D m7 F 7M/G C 7M Bm D/E
19
4
Vem pra re - ve - lar o teu se - gre - do! Vem pra se - gu - rar na mi - nha
T
A 7M Dm F/G C 7M
K K Ç
22
4
mão! É a tu - a vi - da que vai me/en - si - nar
2 Saber Abrir o Coração
±
Bm D/E A
(
Ç
Ç »
25
4
Sa - ber a - brir o co - ra - ção!
G/A
K Ç K
30
4
RAFAEL
Ç
A 7M G/A
Ç
K Ç
32
4
pos - as/a - cre - di - tar Tu - do/o que/es - tu - dei
±
A 7M
T Ç
35
4
A Cris pre - ci - sa a - cei - tar
K K K
Dm F/G C 7M F 7M
±
38 FALADO
Bm E 7sus A 7M
± Ç » Ç
±
40
4
Vou li - gar! Pra sa -
K
D m7 F /G C 7M
K Ç ± K
44
4
ber se e - les fa - zem o que/eu es - tu - dei Se/o - fe -
3 Saber Abrir o Coração
T
Bm D/E A 7M Dm F/G
K K
46
4
re - cem es - se jei - to de tra - tar! Po - de ser que es - sa se - ja/a
FALADO: Alô?
Ç
C 7M Bm D/E A
± (
Ç
Ç »
49
4
so - lu - ção!
G/A G /A
Ç
54 CRIS
4
E - le vai fi - car Tão ma - ra - vi - lho - so, u - ma
A 7M A6 G/A
Ç Ç
Ç
57 PEDRO
4
gra - ça nes - sa cor! On - de co - lo - car
A 7M
T Ç
60
4
CRIS
(UNDERSCORE)
K K K
±
63
± Ç T
»
65
4
4 Saber Abrir o Coração
69
K K Ç
T
4
K K Ç
Bm D/E
± (
73 RAFAEL
4
Sa - ber a - brir o co - ra -
A/C
A D E/D
G G
Ç
Ç »
G
76
4
CRIS PEDRO RAFAEL
- ção! Ho - je co - me - ça a gran - de/a - ven -
F m A/C
Bm E A
G G
G ÇÇ
Ç
81
ÇÇ
TTT
tu - ra E nas - ce/o sol e/a - bre/a flor
E/G F m
G
D E Am
G G
ÇÇ
86
Ç
Ho - je co - nhe - ço a mai - or ter - nu - ra
Bm D/E A
G
TT TT
90
T T T
4
KKK@
Dm
95 LUCAS
4 K
A che - ga - da de u - ma cri - an -
5 Saber Abrir o Coração
G/D D m7 B @/F Dm
G
@
±
98
4
- ça É mais for - te que qual - quer ra - zão Me per - gun - to se/o meu nas - ci - me -
G/D Dm G 7/D G m7
G
@ ±
102
4
- to Foi mo - ti - vo de ce - le - bra - ção Na me - mó - ria guar - dei só as do -
A m7(9) Dm C 7M/D D7 G G/B
± K
G
4@ K
106
PEDRO/CRIS
Ç
- res Fe - chei meu co - ra-ção. Vou con - fi/ar Que e -
G D/FE m
±
C D/C G/B C D/C
110
4 (
xis - ta uma chan - ce de mu - dar De o - fe - re - cer cui - da - dos Que vão a - ju - dar O Ar -
±
Ç
114
4 (
- thur A vi - ver me - lhor a vi - da Ho - je/eu vou con - fi - ar!
119
4
127
4
6 Saber Abrir o Coração
D E m7/B
LUCAS e RAFAEL:
135
4
4
140
4
4
ver de/i - lu - são Se eu qui - ses - se só te pro - por Dis -sol - ver a ques - tão
G F 7/A B m F /A
145
4
E co - me - çar no - va - men - te Sem ne - nhum pro - ble -
G D/F F m Bm
148
4
Ç
- ma Sem nun - ca fe - rir Mas eu só sin - to/a dis - tân -
K
@
K
151
4
- cia/Au - men - tar ca - da di - a Te sin - to par - tir
G Am
O O
4 Ç
Ç
154 PEDRO 4 4
Vem, a - go - ra/é pe -lo/Ar - thur É ho - ra de to -
G/B C 7M C/D G
4 Ç
Ç
Ç
156 4 2
2 2
Dm B@ C/E A m7(9)
G
K RAFAEL
@ ±
K Ç
161
4
E - la/a - cei - tou a - ju - da/e tu - do mu - dou
Dm B@ E
L A 7/C Dm B@
G Ç ±
@ ± G
164
4
Mas a - qui den - tro meu va - zio pi - o - rou e/o sen - ti - men - to de que
L D/F
3
Ç T
C/E A m7(9) Dm B 7M E A 7sus A
G K
4 @ K Ç ±
LUCAS
167
»
al - go que - brou Eu te-nho me - do de pen - sar que/a - ca - bou! Ca - da
A/G G A/C D G
4 ( ± ± ( ±
171
di - a mais dis tan - te de vo - cê Eu que - ri - a po - der
A/C D G A D/F
±
174
4
en - ten - der por - que Mas tem al - go que gri - ta mais al - to A - qui den - tro/em
E m7 G/A D
Ç
4 ± ±
177 LUCAS e RAFAEL
Ç
mim Es - tou com me - do do fu - tu - ro Mas sei do qu/eu que - ro pra
Em G
181
± ±
4 T
G Ç
mim Tô a - pos - tan - do no es - cu - ro Di - zen - do não em vez de
8 Saber Abrir o Coração
A 7sus D
±
G Ç ±
185
4 T
sim Eu de - di - quei ca - da se - gun - do Pra es - se/a - mor con - ti - nu -
Em G
± ±
189
4 T
G Ç
ar Mas ou - tro so - nho/a - dor - me - ci - do Vem do pas - sa - do pra/as - som -
A 7sus G/A
K Ç
193 PEDRO, CRIS e RAFAEL
4 T T
brar! Tu - do no lu - gar!
A 7M
Ç Ç
198
4 K
Já tá tu - do pron - to Só pre - ci - sa/e - le che - gar!
G/A
K Ç
T Ç
201
4
Pra te re - ce - ber Bas - ta/a - brir a por - ta e en - trar!
K
Dm F 7M/G C 7M F
K K ±
205
4 (
Vem que/é pra mu - dar a nos - sa vi - da! Eu só
D/F
± Ç
D m/F E 7sus E
»
207
4
que - ro/o teu a - bra - ço, que - ro ver o teu o - lhar Vem Ar -
9 Saber Abrir o Coração
T
Dm F /G C 7M
»
K K Ç
210
4
LUCAS
T
B m7 D/E A 7M Dm F 7M/G
K K
213
4
Vai ser só pra e - le/a a - ten - ção Eu que - ri - a tan - to con -
Ç
KKK
C 7M Bm D/E A
± ( »
Ç
Ç
216
4
guir mu - dar Sa - ber a - brir meu co - ra - ção
4» @ @ Ç
220
T
CRIS, PEDRO, RAFA
Vem, Ar - thur! Vem pra mu - dar tu - do vem pra me/en -si - nar
Dm F/G C 7M Fm A @/B
@ @
224
4 T
Me fa - zer bo - tar os pés no chão Só u - ma cri - an - ça e vai
E@ Dm F/G C
4 Ç
± G »
227
Ç
Ç
me mos - trar Sa - ber a - brir meu co - ra - ção
Fm C9
4» @ TT
231
Ç Ç
Vem Ar - thur!
O Melhor dos Dois Mundos
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
@
G m7
@
RAFAEL:
4
O que/eu que - ro/é/o me - lhor dos dois mun -
E @7M/G
@
C 7/G G m7
4@ ( ±
4
- dos Is - so/é tu - do/o que que - ro pra nós E/a - cre -
@
Gm C 7/G G m7 C 7/G
@ ±
7
4 (
di - te por ne - nhum se - gun - do Eu ja - mais vou dei - xar pra de - pois O a-
@
C m7 D m7 Gm G m7 G m6
4@
11
E @7M/G
@
Gm C 7/G G m7
4 @ ( ±
15
é o mai - or dos meus so - nhos Na - da po - de to - mar teu lu - gar Mas e -
@ ±
G m7 C 7/G G m7 C 7/G
@
19
4 (
xis - te/um a - mor di - fe - ren - te Que eu já não con -si - go ne - gar Es -se
2 [Title]
@
23
4
fi-lho que/eu tan - to que- ri - a E que/eu pos -so/a - go - ra/a - mar Eu pre -
D/F D/F
± ( ± ±
D/C C G G/B C G G/B
4 ( ±
27
ci - so vi - ver is - so com vo - cê É pos - sí - vel se a gen - te per - mi - tir Eu pre -
D/F
C G G/F Am A m/G
± ±
4 (
31
fi - ro que/es - se/a - mor ve - nha/a nos re - di - mir Bas - ta/a - brir o co - ra - ção e sen -
D/F
± ±
F D 7sus G/B C G C
4 Ç
± ( ± (
35
tir É mais for - te do que eu i - ma - gi - nei E con - fes - so que a -
D/F D/F
G
C
G G/F
±
40
4 (
té ten - tei fu - gir Mas a vi - da me trou - xe de vol - ta mes - mo sem pe - dir
C m/E @
D 7sus D Am G/B
±
44
4
Lu - cas ten - te me com - pre - en - der O que te - nho no meu co - ra -
3 [Title]
F /E @
G
D 7sus D Am G 9/B C
4
±
48
ção É pra di - vi - dir só com vo - cê É mais sim que não
C 6/D F C 9/E C 6/D
±
52
4 (
Bem mais for - te do que vo - cê pen - sa
A 6/B E9
4
Ç
Ç
55
( ±
Am D/A
4
RAFAEL:
Por vo - cê eu a - té fi - ca - ri - a Mas a -
A m7 D/A Am D/A
5
4
go - ra che - gou o Ar - thur Nes - se di - a co - me - ça/a jor - na -
±
Am D /A
8
4(
- da Des -se ser pe - que - ni - no de luz Eu es -
F 7M Dm
4
RAFAEL:
11 Eu tenho que ir, me desculpa
(
pe - ro que vo - cê me/en - ten - da...
Algo Em Mim
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
4
C F m/C
G
5
4
LUCAS
A - cho que/a - ca - bou Co - mo á - gua pe - los de - dos vo - cê
C F m/C G/B Am
± Ç ±
7
4 Ç
me/es - ca - pou Re - ve - lan - do os meus me - dos Vo - cê foi vo- ar Foi vi -
G
4 ±
10
Ç
ver de/um so - nho li - vre Por a - cre - di - tar No a - mor des-sa cri-an - ça que/ho-je
F6 F 7M F6 Dm
± ± G
13
4 Ç Ç
vai che - gar E - le vai che - gar Es - se co - ra - ção que ba - te Vai fa -
4 ± ±
16
zer tu-do mu-dar Eu não sei se pos - so re - sol-verAl-go/em mim sen-te/o que vai a-con - te-cer
2 [Title]
19
4 T
D G m/D
G
22 PEDRO
4
Já vai co - me - çar A/a - ven - tu - ra da/e - xis - tên - cia Que vai
±
25
4 Ç
me/en - si - nar A/en - con -
DZ
26
4
trar a mi - nha/essên
- - cia Vo-cê vem vo -ar Vem vi - ver um so - nho li - vre Que-ro/a-
D Gm G 7M
G
Ç ± ±
29
4 Ç
cre - di - tar No a - mor des-sa cri-an - ça Que/ho- je vai che - gar E - le
G6 Em D/F
± G ±
32
4 Ç
vai che - gar Es -se co - ra - ção que ba - te Vai fa - zer tu - do mu - dar Eu só
3 [Title]
G D/F Em G 6/A D
± T
35
4
que - ro/a - mar sem me de- ter Al - go/em mim sen - te/o que vai a - con - te - cer
D/F G D/F
4 »
Ç ±
38 RAFAEL
G/B G/A D
±
Ç
41
4
che - ga pra me en - con - trar a - qui Sou com
G A/G D A/C Bm
43
4
e - le/al - guém que a - ma sem sa - ber por - que
Mas al - go/em
K
»
45
4 T Ç
mim sen - te/o que vai a - con - te - cer
LUCAS,
PEDRO
G e C m/G
RAFAEL
4 ±
48
(
Já vai co - me - çar Vem ras - gan - do sem pie - da - de Só pra
4 [Title]
G Cm Em
Ç
4 Ç ± ±
50
me mos - trar Que o/a - mor não tem i - da - de E/o que vem mu - dar É a-
A m7 C/D G
Ç ±
53
4
pe - nas um be - bê Que che - ga/a re - ve - lar Tu - do/a -
Cm C 7M F 7sus,
Ç ± @ Ç ±
55
4 (
qui - lo que de - se - ja Ca - da co - ra - ção Ca - da co - ra - ção A ver -
Am G/B C
T
±
58
4
da - de vem tra - zer Nin -guém vai ter co - mo es - con - der
Am
Ç
± (
61
4
LUCAS
0 (
3
Por ou - tras es - tra - das, Ahh,
G
61
4
PEDRO
Ah, 3
A par - tir de ho - je
61
4
RAFAEL
Ah, É ou - tra ca - mi -
5 [Title]
C
L
±
G/B C
G
± ± T
63
4 Ç »
A - in - da que/eu não quei - ra Por vo - cê
63
Ç ± ( ± ± ± T
4 (
Pr/u - ma vi - da/in - tei - ra Por vo - cê
Ç Ç T
63
4 (
nha - da Tu - do por vo - cê!
Am C/D
±
66
4
Al - go/em mim sen - te/o que vai a - con - te
G 7sus,
TT TT
4 Ç Ç T
68
cer!
Dorme
Piano/Vocal
Ana Taglianetti
Danilo Demori
G C m/G
G
CRIS
G G
3
Dor - me fi - lho meu Des - can - sa E so - nha
G C m/G
7
Ç
al - to/es - se teu so - nho de cri - an - ça
G C m/G
PEDRO:
G
9
G
3 3 3
Es - se mun - do/é teu, es - sa dan - ça E - le te/es -
G F/G G
±
O
11
PEDRO e CRIS
Ç
pe - ra chei - o de no - va/es - pe - ran - ça Só
C D/F G
±
O
13
que - ro/es - tar a - qui Te/a - mar sem ne - nhum me - do Só
A m7 C/D C m/D
15
G
que - ro que/es - se/a - mor Se - ja/um ca - mi - nho sem se - gre - do
2 [Title]
G C m/G
17
Ç
Ç
»
17 Dor - me fi - lho meu, Dor - me fi - lho meu
Ç
Dor - me fi - lho meu Dor - me - fi - lho meu
19
Ç
Ç
19
Dor - me fi - lho meu, Dor - me
»
Ç
Ç
Ç
Dor me Fi - lho meu
D
22 LUCAS
4 Ç
Sa - be meu a - mor
Gm D D
Ç
26
4
Vo - cê fez fal - ta ca - da di - a que pas - sou
G m/G Bm G6
Ç
»
28
4
Mas eu pre - ci - so te di - zer que/al - go mu - dou De - pois do
3 [Title]
D/A G 7sus
±
O
31
4
3
Ç
Ç
3
so - no/a gen - te tem que con - ver - sar Foi bom sa - ber que/o/Ar - thur
G
34
4
Te - ve/o teu co - lo/e teu a - mor to - do/es - se tem - po
36
4
3
3
Mas quan - do/a ca - sa/es - va - zi - ou eu pu - de re - fle- tir di - rei -
D
G
4
± G
LUCAS
O
38
Ç
Lucas: Rafa? Rafa? 3
- to so - bre nós Dor - me a - mor meu Pre -
G m/D D
49
4
3
sen - te tão in - crí - vel que eu sem - pre quis Mas eu não
G m/D
T »
±
51
4
3
pos - so te/im - pe - dir de ser fe - liz Só que -
4 [Title]
G A/C D
±
56
4
ri - a/es - tar a - qui Te/a - mar sem ne - nhum me - do Só que -
Em A 7sus
58
4
ri - a que/es - se/a - mor Fos - se/um ca - mi - nho sem se - gre - do
D G m/D D
Ç
60
4
Ç
Dor - me fi - lho meu Dor - me a - mor meu
D Gm
Ç
64
4
Dor - me meu a - mor Foi por vo - cê que quis cu - rar
D Gm
66
4
ca - da fe - ri - da Po - rém eu sin - to que/es -sa/é/a ho -
Bm G6 D/A A
68
4 (
Ç
- ra da par - ti - da Foi só um so - nho se - gu - rar a tu -a mão
5 [Title]
D G m/D
»
Ç
71
4 Ç
Se - gue/a vi - da/em paz Eu já não pos - so ser a pe -
D G m/D
G
74
4
- dra no ca - mi - nho Eu sei que/e - xis - te/o teu de - se -
Bm G6 A 7sus
G
76
4
3
Ç
3
- jo/En - tão pre - ci - so re - sol - ver es - ta ques - tão por nós dois
A G
»
±
O
79
4
En - ten - da/es - sa par - ti - da Co - mo/a
A/G D/F Em
±
O
82
4
por - ta pro fu - tu - ro Te dei - xo/o meu a - mor E/a vi - da
G/G D G m/D
Ç
84
4
Ç
li - vre pr’es - se so - nho Dor - me a - mor meu Dor - me fi - lho meu
6 [Title]
D D Gm
G3 G
G
87
4
Dor - me a - mor meu Des - can - sa A tu - a
D G m/D D
G 3
PEDRO
90
4
3
Ç
vi - da/a - go - ra é u - ma cri - an - ça Dor - me fi - lho meu Des -
Gm D C/D
G
4
93
Ç
can - sa É ne - ces - sá - rio des - per - tar es - sa mu - dan - ça
G A 7/C D
±
96
4
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me com - pre - en - der, por Deus Vo - cê é/a luz dos o - lhos meus
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106
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A - deus.
EPÍLOGO
Chegar até aqui significa mais um começo do que um fim. Não sinto que seja um ponto
final, mas o início de uma jornada de pesquisa e atuação artística em dramaturgia
musical. Cada passo do caminho trilhado para dar vida ao que era apenas uma ideia
leva agora a outros próximos passos.
Mas esse caminho a trilhar não é apenas meu. São tantas as vozes que buscam hoje
se fazer ouvir na nova dramaturgia musical brasileira. São tantas jornadas heroicas
de artistas, compositores e dramaturgos, que colocam cada tijolo em uma estrada que
vem sendo construída por todos, numa grande polifonia criativa.
As entrevistas realizadas no início desse processo criativo descrito pela tese, e que
tanto inspiraram os passos da pesquisa, trazendo luz e inspiração, encontram-se na
íntegra nos anexos desse texto. Mas são tão importantes as falas desses grandes
artistas que tive a honra de entrevistar, que me inspiraram a criar, com suas palavras,
aquilo que melhor sabemos fazer: um momento teatral. Apresento-vos, senhoras e
senhores, “Uma Sala de Conversa” – Entrevista com autores contemporâneos de
teatro musical no Brasil. Tenham todos um bom espetáculo!
(A cortina abre. Em cena, cinco autores de teatro musical: Ricardo de Castro Monteiro,
Daniel Salve, Carlos Bauzys, Ricardo Severo e Ana Taglianetti. Estão sentados em
cadeiras, num semicírculo. Ana entrevista os outros autores).
ANA
Esta é uma roda de conversa entre estas pessoas que considero muito e que, de
alguma forma, me inspiraram em minha jornada. Meus passos como autora, como
dramaturga, ainda estão no início, e com certeza a estrada de cada um de vocês tem
iluminado o meu caminho, embora nem saibam disso. É um prazer ter vocês comigo:
Ricardo de Castro Monteiro, Daniel Salve, Carlos Bauzys. Ricardo Severo, é um
prazer te receber na minha jornada, nossos trabalhos não se cruzaram antes, mas
tenho certeza que a partir de agora se abre aqui esta oportunidade!
28
RICARDO SEVERO
Com certeza, Ana.
BAUZYS
Oi, Ana, é um prazer.
RICARDO MONTEIRO
DANIEL
Um prazer, Ana.
ANA
Gente, eu vou lançar algumas perguntas, vou pedir a vocês para comentarem, e a
gente conversa um pouco sobre o assunto, pode ser? Vamos lá então! A primeira coisa
que eu quero saber é sobre a relação de vocês com o teatro musical. Afinal, todos
vocês têm um histórico ligado ao teatro ou à música anterior à chegada dessa
linguagem do teatro musical nas vidas de vocês, certo? Deixa eu formalizar aqui: vou
pedir a vocês que descrevam brevemente como começou sua experiência com o
teatro musical.
RICARDO MONTEIRO
(Ricardo abre a conversa) Minha primeira experiência como autor de teatro musical
foi em 1994, ao conceber o espetáculo A Solidão dos Anjos, premiado na Mostra
SESC (Serviço Social do Comércio) daquele ano.
DANIEL
RICARDO SEVERO
29
Considero meu primeiro trabalho de teatro musical, onde as canções faziam parte da
dramaturgia contando a história junto com os diálogos, um espetáculo infantil de 1990
produzido pela Cia Teatro di Stravaganza, um dos grupos teatrais mais antigos de
Porto Alegre e ainda em atividade. Na peça Por Um Punhado de Jujubas, trabalhei
com os idealizadores substituindo parte do texto por canções interpretadas ao vivo. O
espetáculo de uma hora tinha doze canções, teve várias remontagens feitas pelo
próprio grupo, teve um CD lançado com a trilha, ganhou vários prêmios nacionais e
internacionais, e ainda está no repertório da Cia. até hoje. Com o Stravaganza ainda
fiz os musicais A Lenda do Rei Arthur, que tinha mais de trinta canções, O Ovo de
Colombo, com doze canções que eram a maior parte da peça, e Decameron, com
canções originais compostas em italiano, todos premiados. Desde então, segui
compondo canções para a cena, entre as diversas trilhas para montagens adultas e
infantis, até os dias de hoje. Foram mais de oitenta espetáculos, e mais de vinte
prêmios com minhas trilhas musicais.
ANA
E você, Bauzys? Eu me lembro de ver você começando, lá na Escola de Arte
Dramática da USP...
BAUZYS
Bom, desde que eu comecei na música, para mim teatro e música andavam muito
juntos. Na época que eu estudava música, participei de grupos de teatro, e tudo.
Mesmo antes de entrar na faculdade. E quando entrei na faculdade, eu fiz UNESP
[Universidade Estadual Paulista], composição e regência.
BAUZYS
É... isso já era algo claro pra mim, eu gostava muito dessa interdisciplinaridade, teatro
– música – dança. Queria trabalhar com isso. E aí, na UNESP eu montei grupos de
música, eu sempre trazia elementos cênicos. Mas foi o maestro Abel Rocha que me
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levou, como assistente dele; ele me conheceu na UNESP e ele me levou como
assistente dele pra fazer meu primeiro musical, que foi o Hair, na EAD [Escola de Arte
Dramática da USP], com direção do Iacov Hillel. O Abel Rocha me levou pra ser o
regente da banda, eu fiz os arranjos da banda e fui o regente. E me apaixonei (risos).
Opa! Não posso deixar de citar, que no início de minha carreira...é... foi importante o
período onde eu dei aula numa tal Casa de Artes OperÁria (risos). E... e lá fiz algumas
montagens, dei... dei aula de canto coral e teoria musical, e foi muito bacana também
essa experiência, cresci muito lá também.
RICARDO SEVERO
Desde o início de minha carreira como compositor de trilhas para teatro em 1986,
compus canções para a cena, em espetáculos adultos e infantis. Mas esses primeiros
espetáculos poderiam ser considerados como “peças com canções”, entre os norte-
americanos, o sub-gênero “play with songs”, que é quando a peça tem um número
reduzido de canções, ou quando os números musicais estão colocados na cena de
forma mais ilustrativa. Ainda assim, uma grande parte dos espetáculos onde fiz a
música original teve uma canção composta por mim. . Fui criador em produtoras de
áudio criando trilhas e jingles, nesses escrevendo as letras e músicas, além de fazer
toda a produção musical
ANA
E a partir disso, como é que houve continuidade pra dentro dessa linguagem, desde
essas primeiras descobertas? (para Daniel Salve) Me lembro do Daniel vindo até a
OperÁria me falar sobre um projeto de dramaturgia...
DANIEL
Sim! Um dia percebi que eu estava disposto a me utilizar de alguns talentos que eu
acreditava ter para contar novas histórias e criar novas obras, na tentativa de
amadurecer o autor/compositor que estava latente e contribuir para a construção de
um novo musical brasileiro, algo que refletisse a nossa identidade cultural dentro da
linguagem do teatro musical sem se limitar aos regionalismos e às releituras do
passado. Essa diretriz sempre me pautou. Passei a me dedicar à composição e a
dramaturgia diariamente, de forma quase monástica, em um processo de
amadurecimento que levou quase cinco anos. Foi uma fase de muito aprendizado,
autoconhecimento e entrega, e sinto que muito do que compus e escrevi nessa época
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me reflete nitidamente. Essa busca também me fez montar um pequeno grupo, uma
companhia flutuante de atores, coisa que sempre gostei de fazer e que se mostrou
parte do meu método de desenvolvimento de novas obras.
ANA
Acho muito importante o trabalho em grupo. Eu tenho percebido mais e mais essa
importância. O processo criativo do meu musical, o 47, foi bastante coletivo, os atores
dando feedback o tempo todo.
BAUZYS
Eu já fiz musicais onde a criação era coletiva, por exemplo. E meu trabalho era
organizar as ideias, muitas vezes criar também, junto, é... mas a maior parte em
organizar a criação coletiva, né... e dar forma àquilo. Esse também é um processo
muito interessante... enfim, tudo é possível (risos) no teatro musical, isso é demais.
RICARDO MONTEIRO
Tenho uma predileção pelo trabalho de grupo, considerando mais gratificante vivenciar
suas muitas limitações do que entregar trabalhos prontos apenas para serem
montados por produtores em busca de projetos.
ANA
Concordo com você, Ricardo. É mais gratificante, mesmo. Agora, voltando para a
experiência de vocês, queria saber mais um pouco sobre suas trajetórias.
BAUZYS
A partir dali [da EAD – Escola de Arte Dramática], não parei mais com o teatro musical.
Logo depois fiz outro musical, lá na EAD, como diretor musical, que foi a Ópera do
Malandro. Depois disso o Miguel Briamonte me chamou pra fazer o meu primeiro
grande Musical Broadway, que eu o fui regente do Sweet Charity, com a Claudia Raia,
e não parei mais, graças a Deus....é... sempre continuei trabalhando como diretor
musical de teatro musical, como maestro. Às vezes, também, compositor, arranjador...
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e é o que eu realmente amo fazer, é aonde eu queria trabalhar. 2006 foi meu primeiro,
Sweet Charity, então tem mais de 12 anos que eu estou nesse mercado, já fiz
bastante, já trabalhei bastante em grandes produções, graças a Deus já tenho um
currículo bem bacana. Tenho a sorte de ter trabalhado com grandes... acho que com
quase todos os grandes diretores de teatro musical, eu trabalhei, aqui em São Paulo,
no Rio, os coreógrafos também... tenho também muita sorte e também muita gratidão
por estar nessa carreira.
DANIEL
Meu primeiro impulso neste percurso resultou em um song cicle chamado A Quase
História de Ninguém, que se desenvolveu em alguns workshops e showcases. Esta
obra se desmembrou em uma tetralogia um tanto complexa, mas acabei optando por
focar e desenvolver apenas uma das histórias (com a mesma companhia de atores):
a ópera pop Eros e Psiquê – A Origem do Amor. É o único musical que escrevi até
hoje que é quase inteiramente cantado. Ela segue inédita e sonho produzi-la algum
dia.
Eu me lembro disso. Foi esse projeto que você levou para mim, foi assim que conheci
você! Mas aí você teve uma obra sua que chegou a público, certo?
DANIEL
ANA
Severo, você também seguiu com experiências como dramaturgo, certo? E ainda
ganhou vários prêmios...
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RICARDO SEVERO
Minha primeira incursão como dramaturgo foi em 1999, com um musical infantil
chamado Caçadores de Aventuras, onde escrevi o libreto - texto e canções. Depois
veio Ópera Monstra, de 2010, também para a Cia teatro di Stravaganza, mais uma
vez com o libreto. Em 2012, dirigi a comédia musical O Incrível Dr. Green, onde
também fiz a trilha incidental, e seis canções interpretadas ao vivo pelo elenco. Em
2014, com a peça Caros Ouvintes, que tinha canções interpretadas ao vivo por
Amanda Acosta, ganhei um Prêmio Shell de Melhor Música. Em 2016, escrevi as
canções do musical Um Dez Cem Mil Inimigos do Povo, para a Cia da Revista, que
teve direção de Kleber Montanheiro. Também com Kleber, fiz em 2018 a direção
musical de Carmen, a Grande Pequena Notável, tendo Amanda Acosta cantando as
canções de Carmen Miranda.
ANA
O Ricardo Monteiro teve também essa experiência de ver o próprio musical encenado,
o Rua 13 de Maio. Fala um pouco pra gente sobre esse processo, Ricardo.
RICARDO MONTEIRO
Esse espetáculo nasceu a partir de um convite de nosso saudoso mestre, José Renato
Pecora. Zé, assim como Paulo Autran e Fauzi Arap, gostava muito de um certo
espetáculo meu - A Viagem de Alice, do Céu ao Apocalipse. Mas como Alice era uma
produção cara - cerca de 36 personagens, sendo 5 centrais, e administrável com algo
em torno de 15 atores -, ele, que iniciava, ao mesmo tempo cauteloso e esperançoso,
seu novo projeto com a inauguração de seu Teatro dos Arcos, me convidou a escrever
um espetáculo sob medida para aquele espaço, com poucos atores, e profundamente
enraizado no imaginário do Bexiga. Foi assim que começou o Rua 13 de Maio. O
bairro, grande estrela da peça, aparece de diversas formas: no passado, a colônia
italiana da 1a metade do século XX, sua cultura, seus casarões. No presente, as
ruínas daquele mundo habitadas agora pela população de rua, o tráfico de drogas, as
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leis invioláveis dos fora-da-lei, os mandarins do poder que controlam tudo sem que
seu nome venha à tona jamais, a lei do cão, e a tênue e fugidia linha que por vezes
separa o delírio da revelação, a alucinação da transcendência.
Depositei esse texto e suas músicas nas mãos ainda firmes do já octogenário Zé
Renato, um dos mais importantes diretores do teatro brasileiro do século XX.
A seu pedido, várias vezes reescrevi, cortei e acrescentei cenas e músicas.
Zé Renato venceu as adversidades e limitações técnicas, financeiras, e artísticas, e
conseguiu pôr de pé o espetáculo, buscando extrair o melhor que cada ator e atriz
tinha para oferecer naquele momento.
Ficamos cerca de dois meses em cartaz, que era o que nossa estrutura de produção
poderia comportar naquele momento.
ANA
E pra chegar nisso, pessoal, como foi que vocês se prepararam? Houve estudo formal,
como é que foi isso pra vocês?
DANIEL
ANA
idos do início dos anos 1990. Hoje, a história é outra. No meu caso, eu busquei tudo
o que pude por aqui, e quando esgotaram as fontes fui pra Nova Iorque estudar. Nessa
época ainda nem tinha esse mercado de musicais que hoje existe no Brasil. Como foi
isso pra vocês, essa transição para essa fase atual dos musicais no Brasil? Antes era
diferente? Como apareceu esse “ser criativo” de vocês, lá no começo? As primeiras
experiências?
BAUZYS
Tudo que eu estudei em música, e tudo que eu participei de grupos de teatro e, até de
dança – eu já fiz aula de dança (risos) – tudo que eu aprendi na UNESP [Universidade
Estadual Paulista] em composição, tudo isso acabou virando técnica, tudo isso se
juntou na cabeça, tudo que eu já li, tudo que já ouvi, tudo que já toquei, tudo isso virou
instrumento de criação. O artista criativo é isso, toda nossa experiência de vida vira
instrumento de criação. Nosso contato com a natureza vira instrumento de criação.
Nossos amores viram instrumento de criação. O artista criativo é isso: a maneira como
tudo que está dentro dele se junta e se mistura e se transforma, e no processo criativo
nasce de forma única, fruto de tudo que ele viveu, estudou, ouviu. Essa pelo menos é
a maneira como eu enxergo. A criação original... você pode sim usar técnicas
específicas, coisas que você aprendeu, você... algumas coisas te ajudam a percorrer
os caminhos de forma mais fácil, só que, no final, a criação é tudo isso misturado, tudo
isso junto. Senão acaba virando só cópia de alguma outra coisa, mas a criação original
mesmo, é dessa forma intuitiva, onde tudo se mistura, rola essa metamorfose dentro
de você mesmo e tudo o que você viveu, aprendeu, ouviu têm importância
fundamental e se transforma em arte quando você está criando. Então a criação
original tem sim a assinatura do criador, é a sua vivência, experiência de vida ali.
ANA
Você está dizendo que sente que no seu caso tudo é mais intuitivo?
BAUZYS
Pode-se dizer que é bem intuitiva nesse caso, apesar de que tudo, todas as
ferramentas estão ali na sua cabeça, na sua forma de fazer, presentes como
instrumentos, mas elas são mais um elemento. As técnicas... as ferramentas são mais
um elemento dentro de todos os outros elementos que fazem parte da criação. É, acho
26
ANA
Quando você diz “ferramentas”, então significa que essa intuição está calcada numa
base encontrada no estudo formal? Você considera ter sido importante o estudo
acadêmico?
BAUZYS
Ainda falando sobre essa questão, o estudo acadêmico é importante sim, o estudo
acadêmico eu digo, a parte teórica é muito importante, mas não menos importante e
talvez mais importante seja a parte prática, ou seja, que você possa estudar e colocar
em prática. Isso fez toda diferença no período que eu fiz faculdade, apesar de que
naquela época, a UNESP [Universidade Estadual Paulista] não oferecia uma parte
prática muito intensa, aliás era bem pouca a parte prática que a UNESP oferecia, por
isso me vi na necessidade de montar grupos, montei grupo vocal, montei quarteto de
violão, banda, onde o que eu aprendia nas aulas eu podia colocar em prática,
experimentar, fazer e nada melhor do que essa experiência prática pra você realmente
tomar conhecimento, fixar conhecimento, ver o que funciona, ver o que não funciona,
experimentar, fazer mesmo. Meu conselho sempre pra quem está estudando é: estude
a teoria mas dê seu jeito de pôr em prática (risos), junte amigos, monte grupos, entre
em grupos, e coloque em prática, é o melhor jeito de aprender, sem dúvida.
ANA
Me parece que todos vocês têm algum background de estudo, ainda que através do
autodidatismo. Mas de alguma maneira foram buscar, ou estão buscando, informação.
RICARDO SEVERO
ANA
Em que ponto estão agora, como criadores?
DANIEL
ANA
RICARDO MONTEIRO
ANA
Qual é esse seu novo musical, Monteiro? Pode falar um pouco sobre o processo?
RICARDO MONTEIRO
Falo agora um pouco do espetáculo que escrevo e dirijo neste momento, em processo
de work-in-progress. Ao fundar o Núcleo de Teatro Musical da UFCA (Universidade
Federal do Cariri), minha ideia inicial era a de aproveitar certos textos que eu já havia
trabalhado anteriormente - inclusive, um deles com a ação se passando no próprio
Cariri, escrito em uma época em que eu jamais imaginaria que viria a morar ali.
Embora o processo estivesse caminhando de maneira promissora, comecei a me
perguntar se eu de fato estava fazendo teatro, ou se estava simplesmente ensaiando
28
ANA
No caso de vocês dois, Bauzys e Severo, o que está saindo do forno é o Aparecida,
certo? Contem pra gente um pouco sobre esse processo criativo.
BAUZYS
O Walcyr Carrasco fez o texto, a estrutura do texto, passou pra gente, é... pra gente
eu digo eu, que estou fazendo as músicas, e o Ricardo Severo, que está fazendo as
letras, eu e o Ricardo escolhemos. Aí sim, o Walcyr [Carrasco] já tinha dado algumas
indicações mas a gente que fechou mesmo a estrutura de onde vai, de onde teriam
as canções, as músicas, e do que elas iriam falar, e aí o Ricardo está fazendo as letras
e eu tô fazendo as músicas em cima das letras... nesse processo, muitas vezes eu
faço, eu mexo, e depois volta pra ele [Ricardo Severo],e então é a vez dele mexer,
enfim. Se bem que em algumas músicas que eu já tinha a sonoridade e a melodia
muito claras na minha cabeça eu fiz primeiro a música e depois passei pra ele pôr a
letra em cima. Em algumas músicas foram feitas assim mas a maioria das músicas
não, ele fez a letra primeiro e eu fiz a música depois. Mas tudo isso pra dizer que
realmente varia. Tudo é válido e tudo é possível no teatro musical, os processos
variam muito.
ANA
Basicamente você está dizendo que o processo de Aparecida foi baseado num time
criativo que trabalhou junto, cada um fazendo a sua parte. Como funciona isso para
todos vocês? Trabalham em equipe, sozinhos, como é pra cada um de vocês?
29
DANIEL
Até hoje, eu sempre assumi os três papéis, o que é – acredite – muito difícil e
trabalhoso e a cada nova obra fica ainda mais difícil. Adoraria colaborar com outros
parceiros, mas não sei o quanto isso seria um desafio para mim. Acho que isso sempre
se deu comigo de forma natural, me habituei a construir a tríade
dramaturgia/música/letra sozinho porque para mim se trata de um logos, uma unidade
tríplice com a qual em dialogo bem. Talvez eu seja um melhor compositor do que
letrista, ou book writer do que compositor, mas para mim o desafio é exatamente este:
me desenvolver por completo.
RICARDO MONTEIRO
Desde sempre assumo os três, embora não me oponha a criar em colaboração. Mas
isso simplesmente não aconteceu até o momento.
RICARDO SEVERO
ANA
BAUZYS
ANA
Tenho muita curiosidade de saber a respeito da linguagem que usam em suas obras
e sobre o processo criativo de vocês.
RICARDO MONTEIRO
BAUZYS
Bem, no que diz respeito a processo criativo, dos [musicais] que eu fiz compondo,
com texto, letras e canções originais, normalmente é assim: libretista muitas vezes faz
o texto e as letras, ele mesmo já escolhe onde serão as músicas, pelo menos as
canções, depois eu vou escolher onde eu vou colocar os underscores, os reprises,
tal, mas as árias, as canções, ele normalmente já escolhe, agora claro que, no
processo de composição muita coisa tem que ser mexida da letra, pra se adequar a
forma da música que eu quero fazer, e tal, então muitas vezes eu mexo na letra,
mando de volta, aí, aí ele corrige o que quer corrigir, ou fala “ah, não, tá ficou legal
assim”, ou às vezes a gente tem um texto, um argumento, então, tem a estrutura de
um texto, aí passa pra outra pessoa que vai fazer as letras, ou posso ser eu mesmo,
apesar de que eu prefiro não fazer as letras, não é meu forte, muitas vezes eu mexo
nas letras pra se adequarem às músicas, mas eu prefiro que alguém especialista em
letra faça. Eu acho que fica melhor. Um bom letrista tem que entender muito de poema,
tem que entender muito de dramaturgia, de poética, de tudo que diz respeito a isso,
especificamente.
ANA
É que você prefere trabalhar em equipe na hora da criação, certo? Cada um na sua
área?
BAUZYS
ANA
Vocês acham que suas jornadas pelo teatro musical acabaram levando vocês a
criarem técnicas próprias? Ou vocês seguem técnicas de dramaturgia propostas por
teóricos da área? Apareceram autores relevantes nas suas pesquisas? Cursos
relevantes?
RICARDO SEVERO
22
Quando iniciei compondo canções para a cena, eu tinha uma técnica própria, que era
de substituir uma parte do texto dramatúrgico por uma canção que continuasse
contando a história naquele ponto. Mais tarde, comecei a estudar cinema e roteiro,
sou formado em Publicidade. Também fiz oficinas diversas de dramaturgia para teatro,
de dramaturgia de TV, de dramaturgia para teatro infanto-juvenil.
Como iniciei minha carreira como músico, compositor e produtor musical também em
1986, tive apenas a experiência de compor canções populares para cantores e
cantores que acompanhei e/ou produzi. Mas sempre pesquisei por conta própria
desde a forma da canção na ópera até os cancionistas populares nacionais e
internacionais
BAUZYS
Se eu sei citar livros, cursos... difícil, porque eu teria que citar todos (risos) os que eu
já li, não vou conseguir citar nenhum específico, que todos fazem parte. O que eu
posso dizer é que sim, a formação acadêmica foi muito importante, justamente porque
te dá uma ampla gama de elementos, muitos instrumentos, muitas referências.
Principalmente na hora de arranjar pros instrumentos, pras vozes, aí sim, a formação
acadêmica te dá o conhecimento necessário que você precisa ter pra aqueles
instrumentos, para aquelas vozes, pra você compor de maneira que seja efetiva, que
funcione da melhor maneira possível. O estudo acadêmico é muito importante eu
acho, muito importante... pra te dar todas as ferramentas necessárias pra você fazer
a melhor obra possível e que funcione...
RICARDO MONTEIRO
ANA
Que legal ouvir você dizer isso, Ricardo, pois venho estudando justamente a estrutura
dramática a partir do olhar do Vogler, proposta por ele a partir da obra do Campbell.
Encontrou respostas em outras obras, Monteiro?
RICARDO MONTEIRO
ANA
RICARDO SEVERO
Sim, tenho pesquisado em todos os livros referentes ao assunto que posso encontrar,
dentre os musicais de matriz Broadway, de matriz Brechtiana e de matriz Brasileira.
Existem diversos livros e manuais sobre como escrever musicais de matriz Broadway.
Afinal, eles têm mais de noventa anos de experiência continuada na criação e
produção desse tipo de musicais. Durante o mestrado na USP, cursei disciplinas de
semiótica musical e semiótica da canção, analisando obras e decupando suas
estruturas, formas e linguagens.
ANA
24
BAUZYS
Com relação a se eu criei minhas próprias técnicas, a gente acaba criando nosso jeito
de fazer, nossa cara, mas isso a cada musical a gente descobre um jeito novo de
fazer, percebe coisas novas, caminhos novos pra percorrer, eu não sei, assim, é difícil
dizer que “você” criou então esse jeito de fazer. Não sei, eu criei pra eu fazer, mas não
sei se outra pessoa também já não percorreu o mesmo caminho, criou da mesma
forma. Mas... eu, a maior parte das vezes eu descubro um caminho pra ser feito.
DANIEL
Como na maioria das vezes parto de algo abstrato, algo que internamente me
provoque, ou que me sugira uma história a ser “descoberta” ou “esculpida”, um
símbolo, uma imagem interessante, um tema ou até mesmo um título, entender que a
estrutura era fundamental para não me perder no caminho foi um grande passo.
Assim, no caso de um book musical, costumo estruturar a espinha dorsal dos atos em
um número específico de cenas e distribuo os números musicais de forma que aquilo
me pareça fluido, e isso vai se expandindo e se retraindo e mudando constantemente.
É um grande quebra-cabeça.
ANA
Sinto que precisei conhecer a estrutura formal também, justamente pela mesma
razão, para não me perder, uma vez que minha obra parte de uma simples indagação,
e não de uma história pré-concebida. Por isso busquei a obra de Vogler.
DANIEL
Peter Stone, autor de Titanic e 1776, dizia que um musical é algo que você mais
reescreve do que escreve, e há uma grande sabedoria nesta sentença. Claro, há que
se ter uma diretriz e saber que história você pretende contar. Tudo começa com uma
ideia que se torna um conceito, que se molda em uma premissa, que se desdobra em
25
uma escaleta e por aí vai. Você não vai começar a escrever um musical a partir dos
diálogos. O importante, pelo menos no meu caso, foi compreender que usar a
estrutura inteligentemente é ancorar a história de forma cada vez mais orgânica,
fugindo das metodologias que propõem estruturas mecânicas.
ANA
BAUZYS
Gente, vamos falar de song spotting. Como vocês consideram a forma ideal de realizar
a escolha dos locais da obra que serão musicados? Vocês podem tentar descrever
seu processo de composição musical-dramatúrgica?
RICARDO MONTEIRO
26
ANA
BAUZYS
Bom, muitas vezes isso já vem pronto, isso já vem sugerido dentro do texto que o
roteirista manda, mas claro que muitas vezes eu vejo a necessidade de sugerir algo
diferente, de acordo com o que eu vejo que sonoramente vá contribuir mais. Algumas
vezes eu mesmo já tive que escolher esses momentos, e aí eu considero sempre
aquela maneira de ver do teatro musical, que é assim: quando as palavras não são
mais suficientes, você usa então melodias. Então você passa a cantar. Quando o
canto não é mais suficiente você começa a dançar (risos). Isso tudo dizendo, como
formas de expressão. Acho que essa é uma boa maneira para escolher os momentos
de inserir canções dentro de um texto. Em que momentos a música realmente se faz
importante pra expressão de algo? Então esse é um bom caminho para pensar. A
coisa se torna mais orgânica. A história... tá percorrendo a história, e aí, em algum
momento onde as palavras já não sejam suficientes pra expressar toda aquela noção
que está sendo sentida, falada, então aquilo se torna, se transforma em uma melodia,
e, em uma canção, ou música, aquilo passa a ser cantado. Quando nem mais aquilo
já é suficiente, passa a ser dançado (risos). Acho que essa é uma boa maneira. Mas
claro que cada texto traz também as suas necessidades diferentes. Mas enfim, tudo
tem que andar de acordo com várias frentes. Onde, dentro de um texto, pode virar um
número interessante, onde você vai poder inserir um tipo de música diferente, com
estilo diferente... às vezes você também leva isso em consideração. (Ele exemplifica,
com entusiasmo) Opa! Peraí! Aqui pintou um personagem que é diferente, que é
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engraçado, por exemplo, pô, aqui não posso perder a oportunidade de ter uma música
pra esse personagem, aí vai ser uma música mais divertida! (Em outro exemplo) Opa!
Aqui temos uma cena onde estão quase todos do elenco, então, poxa, não podemos
perder a oportunidade de ter uma música aqui, onde o coro todo vai cantar! Ou, aqui
temos uma cena de revolta, realmente precisa ter algo bem dramático pra que essa
cena funcione, então cada texto vai ter suas necessidades e aí sim cabe aos três
juntos, roteirista, letrista e compositor, acharem juntos esses momentos, pensando em
aproveitar todas as oportunidades pra contar melhor essa história, inserir momentos
interessantes, inserir números interessantes, aproveitar ao máximo o elenco, os
personagens, os momentos dramáticos que se tem dentro desse texto. Acho que é
isso.
DANIEL
No meu caso, depende do processo, dos objetivos narrativos e da história que estou
tentando contar. Algumas vezes uma canção e seu conteúdo antecipam a própria
história e podem dar uma indicação de um caminho narrativo a seguir, ou seja, a
narrativa parte da própria canção. Em outras situações, um trecho inteiro da narrativa
pode ser substituído por um número musical. Certamente, com uma canção pretende-
se chegar a um lugar emocionalmente inatingível com uma cena falada, mas o fato é
que isso pode variar, dependendo em que fase do desenvolvimento da obra se está.
Você quer mostrar ao público quem é o seu personagem, o que ele está sentido ou
pelo que ele está passando, o que ele quer ou, ainda, desenvolver uma cena/ação
inteira com base em um ritmo, pulsação, ou tema musical. Via de regra, sempre busco
encaixar canções nos momentos em que o personagem reflete sobre um sentimento,
ou algo se revela pela primeira vez no personagem, e isso também pode
primeiramente partir de uma reflexão, ou quando algo se transforma nela.
ANA
RICARDO SEVERO
A meu ver, isso deve ser feito em conjunto pelos criadores -dramaturgos e cancionistas
28
ANA
Alguns de vocês têm estendido sua experiência para o âmbito do ensino. Podem
relatar algo sobre isso?
RICARDO SEVERO
RICARDO MONTEIRO
ANA
Pessoal, quero que vocês saibam que suas contribuições certamente trouxeram uma
luz para a compreensão do meu próprio processo criativo. Suas falas são muito
importantes.
BAUZYS
ANA
Toda minha jornada para a criação de 47 – O Musical começou inspirada pelo trabalho
de vocês e de tantos outros artistas. Arriscar os primeiros passos, buscar entender
qual caminho seguir. Foi encantador mergulhar no nada, munida apenas de uma ideia
– e conseguir erguer uma obra. É uma sensação incrível, a mesma que tive todas as
vezes que assisti, li ou ouvi obras de vocês. Só posso agradecer demais a cada um,
pela inspiração. Sigamos!
(CAI O PANO)
0
REFERÊNCIAS
S
1. ANTONIETTI, A. C. Os Modos de Inserção e as Relações Dramático-Narrativas da
Canção no Cinema e na Televisão Brasileira no exemplo de Daniel Filho. Dissertação
(doutorado em multimeios) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2016.
2. ARISTOTELES Poética. [S.l.]:E-Bookarama Editions, Edição Kindle,[20--?]
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3
ANEXOS
ENTREVISTAS COM AUTORES CONTEMPORÂNEOS DE TEATRO MUSICAL
4- Texto, música e letra são partes feitas separadamente por um time colaborativo
ou você assume os três papéis? Por que?
Até hoje eu sempre assumi os 3 papéis, o que é – acredite - muito difícil e
trabalhoso (e a cada nova obra fica ainda mais difícil). Adoraria colaborar com
outros parceiros mas não sei o quanto isso seria um desafio para mim. Acho
que isso sempre se deu comigo de forma natural, me habituei a construir a
tríade dramaturgia/música/letra sozinho porque para mim se trata de um Logos,
uma unidade tríplice com a qual em dialogo bem. Talvez eu seja um melhor
compositor do que letrista, ou book writer do que compositor, mas para mim o
desafio é exatamente este: me desenvolver por completo.
5- Como você considera a forma ideal de realizar o song spotting: a escolha dos
locais da obra que serão musicados? Descreva seu processo de inserção mu-
sical na obra teatral.
Minha primeira experiência como autor de teatro musical foi em 1994, ao conceber o
espetáculo “A Solidão dos Anjos”, premiado na Mostra SESC daquele ano.
Musicalmente, utilizo uma linguagem essencialmente polifônica, e oriunda de
parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos com muitos elementos em comum com
a MPB, assim como apresentando também influências da música erudita em termos
de escrita. A colocação que utilizo tende a requerer conhecimentos de técnica vocal,
mas timbristicamente costumo preferir que o cantor se aproxime da estilística da MPB.
Tenho uma predileção pelo trabalho de grupo, considerando mais gratificante vivenciar
suas muitas limitações do que entregar trabalhos prontos apenas para serem
montados por produtores em busca de projetos. Atualmente, ocupo a cadeira de
Composição, Regência e Semiótica da Universidade Federal do Cariri (UFCA), rejo a
orquestra sinfônica da universidade e dirijo o Núcleo de Teatro Musical da instituição,
para o qual estou escrevendo e ensaiando um novo musical em processo de work-in-
progress.
4. Texto, música e letra são partes feitas separadamente por um time colaborativo
ou você assume os três papéis? Por que?
Desde sempre, assumo os três, embora não me oponha a criar em colaboração. Mas
isso simplesmente não aconteceu até o momento.
5. Como você considera a forma ideal de realizar o song spotting: a escolha dos
locais da obra que serão musicados? Descreva seu processo de inserção musical na
obra teatral.
Pecora.
Zé, assim como Paulo Autran e Fauzi Arap, gostava muito de um certo espetáculo
meu - A Viagem de Alice, do Céu ao Apocalipse. Mas como Alice era uma produção
cara - cerca de 36 personagens, sendo 5 centrais, e administrável com algo em torno
de 15 atores -, ele, que iniciava, ao mesmo tempo cauteloso e esperançoso, seu novo
projeto com a inauguração de seu Teatro dos Arcos, me convidou a escrever um
espetáculo sob medida para aquele espaço, com poucos atores, e profundamente
enraizado no imaginário do Bexiga.
Foi assim que começou o 13 de maio.
A trama se passa em um casarão abandonado - como tantos daquela região, e
daquela rua que dá nome ao espetáculo.
Rua 13 de maio sem número - s/n -, o endereço sem especificação, salientando a
indigência do lugar, dos sem-teto, das almas errantes que eventualmente o habitam.
É a história de um homem marcado para morrer.
Um traficante que termina se viciando, e adquire uma dívida que ele não será mais
capaz de pagar.
Escondido em um velho casarão, fugindo de um matador contratado para lhe matar,
certa noite, exausto e drogado, ele vê pela primeira vez Francesca.
O nome dela é inspirado na célebre personagem Francesca da Rimini, mulher adúltera
que Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, narra encontrar no inferno.
A peça não deixa claro se Francesca seria um fantasma ou uma alucinação - o fato é
que, para J.R., o protagonista, ela é absolutamente real.
Mas não apenas para ele.
Também para um velho morador de rua - um senhor de origem italiana chamado Enzo,
que nasceu e viveu sua vida inteira naquela região.
Enzo jamais esqueceu a mulher de sua vida - e jamais superou sua morte prematura,
mesmo tendo vivido com ela um relacionamento profundamente turbulento.
E tudo o que ele queria, nesse momento de sua existência, era que ela viesse buscá-
lo.
Mas, aos olhos dele, é J.R. que ela escolhe levar consigo para a eternidade.
E Enzo é capaz de tudo para impedir que isso aconteça.
Até mesmo de proteger J.R. contra todos aqueles que estão ao seu encalço.
A peça é um hino de amor ao Bexiga.
O bairro, grande estrela da peça, aparece de diversas formas: no passado, a colônia
italiana da 1a metade do século XX, sua cultura, seus casarões, e o samba que já
1
florescia em suas ruas desde antes da chegada dos imigrantes, quando o bairro
abrigava ainda um considerável número de ex-escravos. No presente, as ruínas
daquele mundo habitadas agora pela população de rua, o tráfico de drogas, as leis
invioláveis dos fora-da-lei, os madarins do poder que controlam tudo sem que seu
nome venha à tona jamais, a lei do cão, e a tênue e fugidia linha que por vezes separa
o delírio da revelação, a alucinação da transcendência.
Depositei esse texto e suas músicas nas mãos ainda firmes do já octogenário Zé
Renato, um dos mais importantes diretores do teatro brasileiro do século XX.
A seu pedido, várias vezes o reescrevi, cortei e acrescentei cenas e músicas.
Para seu escudeiro, ele convidou o ator, cantor e diretor Fernando Prata, com quem
eu já havia trabalhado por muitos anos.
Eu poderia escrever longamente sobre o elenco que tivemos - cada ator e atriz, e cada
contribuição indelével por eles deixada no resultado final do trabalho.
Como tantas vezes acontece no mundo do teatro, o processo foi permeado por
momentos sublimes, brigas monumentais, paixões fulminantes, romances
clandestinos que todos convincentemente fingiam desconhecer, rupturas dramáticas
- toda a magia, tão generosa e abundante, que a arte oferece aos que se entregam a
ela.
Zé Renato venceu as adversidades e limitações técnicas, financeiras, e artísticas, e
conseguiu pôr de pé o espetáculo, buscando extrair o melhor que cada ator e atriz
tinha para oferecer naquele momento.
Ficamos cerca de dois meses em cartaz, que era o que nossa estrutura de produção
poderia comportar naquele momento.
Mas trago e trarei sempre comigo um pouco do que aprendi com Zé, e procuro
transmitir hoje a meus alunos algo da tradição de que, sem que eu me desse conta,
ele me fez herdeiro.
Falo agora um pouco do espetáculo que escrevo e dirijo neste momento, em processo
de work-in-progress.
Ele começou com a percepção de um equívoco.
Ao fundar o Núcleo de Teatro Musical da UFCA (Universidade Federal do Cariri),
minha ideia inicial era a de aproveitar certos textos que eu já havia trabalhado
anteriormente - inclusive, um deles com a ação se passando no próprio Cariri, escrito
em uma época em que eu jamais imaginaria que viria a morar ali.
Embora o processo estivesse caminhando de maneira promissora, comecei a me
2
x Carlos Bauzys
1- Descreva sua experiência com o teatro musical.
Bom, desde que eu comecei na música, pra mim teatro e música andavam muito
juntos. Na época que eu estudava música, participei de grupos de teatro, e tudo, né?
Mesmo antes de entrar na faculdade. E quando entrei na faculdade, eu fiz UNESP
[Universidade Estadual Paulista], né, composição e regência, é.... isso já era uma
4
coisa clara pra mim, eu gostava muito dessa interdisciplinaridade, né... teatro- música-
dança. Né? Queria trabalhar com coisas assim. E aí, na UNESP eu montei grupos de
música, eu sempre trazia elementos cênicos, fazia coisas... Mas foi o maestro Abel
Rocha que me levou, como assistente dele,ele me conheceu na UNESP, né, e aí ele
me levou como assistente dele pra fazer meu primeiro musical,que foi o Hair, na EAD
[Escola de Arte Dramática da USP], com direção do Iacov Hillel, ele me levou pra ser
o regente da banda, eu fiz os arranjos da banda e fui o regente da... da banda. E me
apaixonei (risos).Aí, a partir dali, não parei mais com teatro musical, aí logo depois já
fiz outro musical, lá na EAD, aí já como diretor musical, que foi a Ópera do Malandro...
aí, depois disso o Miguel Briamonte me chamou pra fazer o meu primeiro grande
musical né, Broadway, que eu o fui regente do Sweet Charity, com a Claudia Raia, e
aí não parei mais, graças a Deus....é... sempre continuei trabalhando como diretor
musical de teatro musical... ãnn... maestro, né? Às vezes, também, compositor,
arranjador... e é o que eu realmente amo fazer, é aonde eu queria trabalhar. É...
então... isso...deixa eu ver, 2006 foi meu primeiro, Sweet Charity,estamos em 2018,
então tem mais de 12 anos aí, que eu tô nesse mercado,já fiz bastante... ânn, já
trabalhei bastante em grandes produções, ãnn, graças a Deus já tenho um currículo
bem bacana. Ana, vou te mandar também meu currículo, né, acho que é bom, né,
você ter...ãnn, enfim, acho que é isso, né? Essa, essa... primeira questão. É...tenho a
sorte de ter trabalhado com grandes... acho que com quase todos os grandes diretores
de teatro musical, eu trabalhei, aqui em São Paulo, no Rio, os coreógrafos
também...ãnn... tenho...tenho também muita... sorte... e também muita gratidão por
ter... por estar nessa carreira.
Ainda sobre a experiência com teatro musical, eu queria acrescentar que... cada
espetáculo é um espetáculo, assim... isso é que é bacana do teatro musical,. É tão
abrangente, abrange todos os estilos de música e concepções artísticas, não tem
barreiras, né, pra isso. Teatro musical é muito abrangente. E cada espetáculo é um
espetáculo, cada espetáculo tem seus desafios, cada espetáculo tem... as... as suas
coisas únicas que é só daquele espetáculo... é...é... então é um trabalho que você tá
sempre em desafio constante... claro que a experiência te ajuda a... talvez... a
percorrer alguns caminhos de forma mais rápida, e mais fácil,e mais assertiva, só que
cada espetáculo traz seus desafios novos, né? E... também cada equipe criativa é
uma equipe criativa, que tem uma forma de trabalho, que chega a diferentes
resultados... é... e aí é uma questão, nem dá pra dizer “É melhor ou pior”, não, são
apenas diferentes. No momento todas são muito boas... e isso é muito legal de
5
vivenciar. Então, e é também, então um...um trabalho onde você não pode achar que
você está numa zona de conforto, porque não está, nunca está... sempre tem... cada
espetáculo tem seus desafios e suas unicidades, que você só vai descobrir ali,né...
então... como experiência isso é muito bacana, muito legal.
Opa! Não posso deixar de citar, que no início de minha carreira...é... foi importante o
período onde eu dei aula numa tal Casa de Artes OperÁria (risos),né? E... e lá fiz
algumas montagens, dei... dei aula de canto coral e teoria musical, e foi muito bacana
também essa experiência, cresci muito lá também.
2-Ao escrever e/ou compor para o teatro musical, você leva em consideração
quaisquer técnicas específicas no que diz respeito à estrutura, à forma? Quais são
essas técnicas? Como teve contato com elas? Ou você criou técnicas próprias para
suas obras?
Segunda pergunta, “ao escrever e/ou compor para o teatro musical, você leva em
consideração quaisquer técnicas específicas no que diz respeito à estrutura, à forma?
Quais são essas técnicas? Como teve contato com elas? Ou você criou técnicas
próprias para suas obras?” Então, ãnn... da mesma maneira, né, como eu disse que
cada espetáculo é um espetáculo, também quando você vai compor um... um musical
cada processo é um processo. Curioso isso, também, porque...é... cada, cada
espetáculo também vai ter...ãnn... primeiro uma equipe criativa, né? Que muitas vezes
trabalha de jeitos diferentes... é... às vezes o texto já está pronto mas ainda não tem
nem as letras nem as músicas, às vezes já texto e as letras estão prontos e você tem
que fazer a música, é... às vezes tudo está sendo feito junto, né, então isso, isso já
muda muita coisa. E muda também a concepção do espetáculo: vai ser um espetáculo
todo musicado, e cantado? Vai ser um espetáculo onde, não, vamos ter canções mas
vamos ter texto também? Ãnn... ou vai ser um espetáculo que...é... mais falado
mesmo, e são... algumas árias, enfim, né? Isso também muda. E aí também entra:
qual o estilo desse musical, qual a sonoridade desse musical? Né? É... aí entra toda
uma parte de pesquisa... ãnn, né, pra se inspirar dentro daquele estilo específico que
você quer compor aquele musical... então tudo é válido, e tudo é bem vindo, né, dentro
do teatro musical. É uma questão de escolha de, de como você vai estruturar o
musical, de como vai ser o processo, de como será possível fazer, né... agora...
Precisa de pesquisa pra você pirar dentro daquele estilo que você quer compor aquele
musical. Agora... dos que eu fiz compondo...assim... onde a gente tinha texto... texto,
letras e canções originais, normalmente é assim. O libretista muitas vezes faz, é... o
texto e as letras, né, ele mesmo já escolhe onde serão as músicas e tal, pelo menos
6
as canções, depois eu vou escolher onde eu vou colocar os underscores ,os reprises,
tal, mas as árias, né, as canções, ele normalmente já escolhe, agora claro que, no
processo de composição muita coisa tem que ser mexida da letra, pra se adequar a
forma da música que eu quero fazer, e tal, então muitas vezes eu mexo na letra,
mando de volta, aí, aí ele corrige o que quer corrigir, ou fala “ah, não, tá ficou legal
assim”...né... ãnn...ou às vezes a gente tem um texto, né, um argumento, então, tem
a estrutura de um texto, aí, aí passa pra outra pessoa que vai fazer as letras, ou pode
ser eu mesmo, apesar de que eu prefiro não fazer as letras, não é meu forte, muitas
vezes eu mexo nas letras pra se adequarem às músicas, mas eu prefiro que alguém
especialista em...em letra faça. Eu acho que fica mais...fica melhor. Fica.. é... né?
Porque é todo um universo, né, fazer letra. Um bom letrista tem que entender muito
de poema, tem que entender muito de... dramaturgia, de poética, de tu... de tudo que
diz respeito a isso, né, especificamente. E o meu forte é a música, então... quando
um... um bom letrista faz, eu prefiro. Ann, como é o caso de um musical que a gente
tá fazendo agora. O Walcyr Carrasco fez o texto, a estrutura do texto, passou pra
gente, é... pra gente eu digo eu, que tô fazendo as músicas, e o Ricardo Severo, que
está fazendo as letras, eu e o Ricardo escolhemos. Aí sim, o Walcyr [Carrasco] já tinha
dado algumas indicações mas a gente que fechou mesmo a estrutura de onde vai, de
onde teriam as canções, as músicas, e do que elas iriam falar, e aí o Ricardo tá
fazendo as letras e eu tô fazendo as músicas em cima das letras... nesse processo,
né, muitas vezes eu faço, aí eu mexo, aí volta pra ele {Ricardo Severo], aí ele mexe,
enfim. Se bem que em algumas músicas que eu já tinha a sonoridade e a melodia
muito claras na minha cabeça eu fiz primeiro a música e depois passei pra ele pôr a
letra em cima. Em algumas músicas foram feitas assim mas a maioria das músicas
não, ele fez a letra primeiro e eu fiz a música depois. Mas tudo isso pra dizer que
realmente varia. Ann... é tudo, tudo válido e tudo possível, no teatro musical, né, os
processos variam muito. Eu já fiz musicais onde a criação era coletiva, por exemplo.
E meu trabalho era organizar a criação coletiva, muitas vezes criar também, junto, é...
mas a maior parte em organizar a criação coletiva, né... e dar forma àquilo. Esse
também é um processo muito interessante...enfim, tudo é possível (risos) no teatro
musical, isso é...demais, né... Ann, aí assim, com relação à se eu criei minhas próprias
técnicas, a gente acaba criando... ann, nosso jeito de fazer, nossa cara, mas isso a
cada musical, né, a cada musical a gente descobre um jeito novo de fazer, a gente
descobre coisas novas, caminhos novos pra percorrer, né... é...aí eu não sei, assim,
é difícil dizer “ai, que você criou então esse jeito de fazer”. Não sei... quer dizer, eu
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criei pra eu fazer, mas não sei se outra pessoa também já não percorreu o mesmo
caminho, criou da mesma forma, entende? Mas... eu, a maior parte das vezes eu
descubro esse caminho e, é... crio, por assim dizer, né, é... um caminho pra ser feito.
Né? Isso sim.
3-Buscou informação a respeito de técnicas de construção para o teatro musical?
Quais (livros, cursos presenciais ou on-line, aulas específicas)? Ou baseou-se de
forma intuitiva para a confecção da obra?
Terceira pergunta: Buscou informação a respeito de técnicas de construção para o
teatro musical? Quais (livros, cursos presenciais ou on-line, aulas específicas)? Ou
baseou-se de forma intuitiva para a confecção da obra? Bom, é...Tudo que eu estudei
em música, e tudo que eu participei de grupos de teatro e, até de dança, eu já fiz aula
de dança (risos) tudo que eu aprendi na UNESP [Universidade Estadual Paulista] em
composição, ann, tudo isso acaba virando a sua técnica, né, tudo isso se junta na sua
cabeça, tudo que eu já li, ãnn... tudo que eu já ouvi, tudo que eu já toquei, tudo isso
vira seu instrumento de criação, né. É... o artista criativo é isso, né, a gente... toda
nossa experiência de vida, NOSSA EXPERIÊNCIA DE VIDA vira nosso instrumento
de criação. Nosso contato com a natureza vira nosso instrumento de criação. Nossos
amores viram nosso instrumento de criação. É...o artista criativo é isso, né, é a
maneira como tudo que tá dentro dele se junta e se mistura e se transforma e aí no
processo criativo sai daquele jeito... né? Daquela, de uma forma única, que é fruto de
tudo que ele viveu, de tudo que ele estudou, de tudo que ele ouviu, né. Então, é... pelo
menos é a maneira como eu enxergo, né... a criação original... você pode sim usar
técnicas específicas, coisas que você aprendeu, você... algumas coisas te ajudam a
percorrer os caminhos de forma mais fácil, só que no final a criação é tudo isso
misturado, tudo isso junto. Né? A criação original... senão acaba virando só cópia de
alguma outra coisa, mas a criação original mesmo, é dessa forma intuitiva, onde tudo
se mistura, onde rola essa metamorfose dentro de você mesmo onde tudo que você
viveu, que você aprendeu, que você ouviu é ...têm importância fundamental e se
transformam em arte quando você tá criando. Né? Ela sai ainda daquele jeito. Então
a criação original tem sim, é... a assinatura do criador, quando é feito, porque é feito
dessa maneira, né, é a sua vivência, a sua experiência de vida ali, e sai daquele jeito.
É... né? (risos) então... é. Pode-se dizer que é bem intuitiva nesse caso, apesar de
que tudo, todas as ferramentas estão ali, tão ali na sua cabeça, tão ali na... na sua
forma de fazer, tão ali presentes como instrumentos, mas elas são mais um elemento,
né? As técnicas... as ferramentas são mais um elemento dentro de todos os outros
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elementos que fazem parte da criação. É, acho que essa é uma boa maneira de
descrever. Ann... agora, se eu sei citar livros, cursos... difícil, porque eu teria que citar
todos (risos) os que eu já li, assim... não, não, não... vou conseguir citar nenhum
específico, que todos fazem parte, né? O que eu posso dizer é que sim, a formação
acadêmica foi muito importante, justamente porque te dá uma ampla gama de
elementos, né... te dá muitos instrumentos, te dá muitasreferências. É... e...
principalmente na hora de, de... arranjar, né, pros instrumentos, pras vozes, aí sim, te
dá o conhecimento necessário que você precisa ter pra aqueles instrumentos, pra
aquelas vozes, pra você compor de maneira que seja...é... efetiva, né, que funcione,
que funcione da melhor maneira possível. Né... então... sim, o estudo acadêmico é
muito importante eu acho, muito importante... pra te dar todas as ferramentas... ann...
necessárias pra você fazer a melhor obra possível e que funcione... né... da melhor
maneira possível
No entanto, ainda falando sobre essa questão, é... o estudo acadêmico é importante
sim, né, o estudo acadêmico eu digo, a parte teórica é muito importante, mas não
menos importante e talvez mais importante seja a parte prática, ou seja, que você
possa estudar e colocar em prática. Tá? Isso fez toda diferença no período que eu fiz
faculdade, de apesar de naquela época na UNESP [Universidade Estadual Paulista]
não oferecer uma parte prática muito intensa, aliás era bem pouca a parte prática que
a UNESP oferecia, por isso me vi na necessidade de montar grupos, montei grupo
vocal, montei quarteto de violão, banda, onde o que eu aprendia nas aulas eu podia
botar em prática, experimentar, fazer, né, e nada melhor do que essa experiência
prática onde eu pudesse botar em prática, fazer... nada melhor do que essa
experiência prática pra você realmente... tomar conhecimento, é... fixar conhecimento,
então, ver o que funciona, ver o que não funciona, é... experimentar, fazer mesmo.
Então... é... meu conselho sempre pra quem tá estudando é: estude a teoria mas dê
seu jeito de botar em prática (risos), junte amigos, monte grupos, entre em grupos, e
bote em prática, né, é o melhor jeito de aprender, né, sem dúvida.
4-Texto, música e letra são partes feitas separadamente por um time colaborativo ou
você assume os três papéis? Por que?
Quarta pergunta, “Texto, música e letra são partes feitas separadamente por um time
colaborativo ou você assume os três papéis? Por que?” Eu acabei respondendo, né,
na... questão dois, mas... resumindo, é... isso depende, né, depende do processo,
depende do, do espetáculo, depende da concepção. Podem ser feitas juntas, podem
ser feitas separadas, no meu caso, normalmente, é... são, são coisas separadas. Eu
9
prefiro que seja. Alguém que faça o texto, que seja realmente... conhecedor de
dramaturgia, que seja um bom roteirista, que tenha estudado e vivenciado isso na
vida... é... a letra por alguém que conheça muito poema, formas de poema, que
conheça muito ...é...que tenha estudado muito letras de músicas, né, toda essa parte,
que conheça muito a nossa língua, obviamente, e a música feita por um compositor
que também tenha se dedicado muito a isso. É claro que no final todas essas coisas
se misturam, e, ãnn... mais pra frente no processo criativo todos tem que conversar
e e... chegar a algum acordo. Mas... eu prefiro trabalhar dessa maneira, acho que
chega-se a um resultado melhor. Claro que o diálogo tem que estar sempre presente,
muitas vezes o compositor sugere coisas ao letrista, o letrista sugere coisas ao
roteirista, e a gente chega assim ao melhor resultado possível. Mas... dessa maneira
acho que é a que funciona melhor. Cada um fazendo a parte em que realmente é
especialista em. É isso.
5-Como você considera a forma ideal de realizar o song spotting: a escolha dos locais
da obra que serão musicados? Descreva seu processo de inserção musical na obra
teatral.
Quinta pergunta, “como você considera a forma ideal de realizar o song spotting: a
escolha dos locais da obra que serão musicados? Descreva seu processo de inserção
musical na obra teatral.” Bom, é...muitas vezes isso já vem pronto, né, isso já vem
sugerido dentro do texto que o roteirista manda, mas claro que muitas vezes eu... eu
vejo a necessidade de sugerir algo diferente, né, de acordo com o que eu vejo que
sonoramente vá contribuir mais. Ann...mas... é... algumas vezes eu mesmo, eu já tive
que escolher , né,esses momentos, e aí eu... eu tomo sempre aquele...é... é uma
maneira de ver do teatro musical, que é assim... quando você... quando as palavras
não são mais suficientes, você usa então melodias. Então você passa a cantar.
Quando o canto não é mais suficiente você começa a dançar (risos). Né, isso tudo
dizendo, como formas de expressão. Acho que essa é uma boa maneira pra escolher
os momentos, né... de inserir canções dentro de um texto, né... Em, em que momentos
a música realmente se faz importante pra expressão de algo, né ,naquele momento,
né? Então esse é um bom caminho pra pensar. A coisa se torna mais orgânica, né? A
história... tá percorrendo a história, e aí, algum momento onde as palavras já não
são suficientes pra expressar toda aquela noção que tá sendo sentida, que tá sendo
falada, então aquilo se torna, se transforma numa melodia, e, né, numa canção, numa
música, aquilo passa a ser cantado. Quando nem mais aquilo já é suficiente, passa a
ser dançado (risos). Né? Acho que essa é uma boa maneira. Mas claro que cada texto
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traz também as suas necessidades diferentes. Mas...é... enfim, tudo tem que andar
de acordo com várias frentes né? É... onde, dentro de um texto, ann... pode virar um
número interessante, pode virar um, um... é...pode inserir, onde você vai poder inserir
um tipo de música diferente, com estilo diferente...às vezes você também leva isso
em consideração. Opa! Peraí! Aqui pintou um personagem que é diferente, que é
engraçado, por exemplo, pô, aqui não posso perder a oportunidade de ter uma música
pra esse personagem, aí vai ser uma música mais divertida, tal tal tal tal tal tal. É...
Opa! Aqui temos uma cena onde estão quase todos do elenco, então, poxa, não
podemos perder a oportunidade de ter uma música aqui, onde o coro todo vai cantar,
né? Ou, Opa, aqui temos uma, uma cena de revolta, realmente precisa ter algo bem
dramático pra que essa cena funcione, né então cada texto vai ter suas necessidades
e aí sim cabe aos três juntos, roteirista, letrista e compositor, acharem juntos esses
momentos, é... pensando em aproveitar todas as oportunidades pra contar melhor
essa história, inserir momentos interessantes, inserir é... números interessantes,
aproveitar ao máximo o elenco que você tem, os personagens que você tem, os
momentos dramáticos que você tem dentro desse texto. Acho que é isso.
x Ricardo Severo
produzido pela Cia Teatro di Stravaganza, um dos grupos teatrais mais antigos de
Porto Alegre e ainda em atividade. Na peça “Por Um Punhado de Jujubas”, trabalhei
com os idealizadores substituindo parte do texto por canções interpretadas ao vivo. O
espetáculo de uma hora tinha doze canções, teve várias remontagens feitas pelo
próprio grupo, teve um CD lançado com a trilha, ganhou vários prêmios nacionais e
internacionais, e ainda está no repertório da Cia. até hoje. Com o Stravaganza ainda
fiz os musicais “A Lenda do Rei Arthur” (que tinha mais de trinta canções), “O Ovo de
Colombo” (com doze canções que eram a maior parte da peça) e “Decameron” (com
canções originais compostas em italiano), todos premiados. Desde então, segui
compondo canções para a cena, entre as diversas trilhas para montagens adultas e
infantis, até os dias de hoje. Foram mais de oitenta espetáculos, e mais de vinte
prêmios com minhas trilhas musicais.
Minha primeira incursão como dramaturgo foi em 1999, com um musical infantil
chamado “Caçadores de Aventuras”, onde escrevi o libreto (texto e canções). Depois
veio “Ópera Monstra”, de 2010, também para a Cia teatro di Stravaganza, mais uma
vez com o libreto (texto e canções). Em 2012, dirigi a comédia musical “O Incrível Dr.
Green”, onde também fiz a trilha incidental, e seis canções interpretadas ao vivo pelo
elenco. Em 2014, com a peça “Caros Ouvintes”, que tinha canções interpretadas ao
vivo por Amanda Acosta, ganhei um Prêmio Shell de Melhor Música. Em 2016, escrevi
as canções do musical “Um Dez Cem Mil Inimigos do Povo”, para a Cia da Revista,
que teve direção de Kleber Montanheiro. Também com Kleber, fiz em 2018 a direção
musical de Carmen, a Grande Pequena Notável”, tendo Amanda Acosta cantando as
canções de Carmen Miranda. E em 2019, escrevi as letras das canções e fiz a
adaptação para libreto em “Aparecida – um musical”, que tem texto de Walcyr
Carrasco e música de Carlos Bauzys.
Em 2018, iniciei uma pesquisa de Mestrado na USP tendo como tema geral a busca
de novos caminhos para uma dramaturgia original no teatro musical brasileiro, e
focando na análise do sentido das letras nos sub-gêneros do teatro musical. Tenho a
intenção de seguir para o doutorado, abrangendo então a análise das estruturas
dramatúrgicas e musicais.
Quando iniciei compondo canções para a cena, eu tinha uma técnica própria, que era
de substituir uma parte do texto dramatúrgico por uma canção que continuasse
contando a história naquele ponto. Mais tarde, comecei a estudar cinema e roteiro
(sou formado em Publicidade). Também fiz oficinas diversas de dramaturgia para
Teatro, de dramaturgia de TV, de dramaturgia para Teatro Infanto-Juvenil.
Como iniciei minha carreira como músico, compositor e produtor musical também em
1986, tive apenas a experiência de compor canções populares para cantores e
cantores que acompanhei e/ou produzi. Mas sempre pesquisei por conta própria
desde a forma da canção na ópera até os cancionistas populares nacionais e
internacionais. Cheguei a ministrar algumas oficinas de composição de canções, tanto
em São Paulo quanto em Porto Alegre. Fui criador em produtoras de áudio criando
trilhas e jingles (nesses escrevendo as letras e músicas, além de fazer toda a
produção musical). Durante doze anos fui professor em duas disciplinas da graduação
no Curso de Publicidade e Propaganda da PUCRS, onde orientava, entre os trabalhos
práticos, a composição de jingles. Durante o mestrado na USP, cursei disciplinas de
semiótica musical e semiótica da canção, analisando obras e decupando suas
estruturas, formas e linguagens.
3. Buscou informação a respeito de técnicas de construção para o teatro musical?
Quais (livros, cursos presenciais ou on-line, aulas específicas)? Ou baseou-se de
forma intuitiva para a confecção da obra?
Sim, tenho pesquisado em todos os livros referentes ao assunto que posso encontrar,
dentre os musicais de matriz Broadway, de matriz Brechtiana e de matriz Brasileira.
Existem diversos livros e manuais sobre como escrever musicais de matriz Broadway.
Afinal, eles tem mais de 90 anos de experiência continuada na criação e produção
desse tipo de musicais. Entre os livros com os quais pesquiso estão:
- BELL, John e CHICUREL, Steven R. Music Theory For Musical Theatre. Plymouth,
Scarecrow Press, 2008.
- COHEN, Allen e ROSENHAUS, Steven L. Writing Musical Theater. New York,
Pallgrave Macmillan, 2006.
- ENGEL, Lehman. Words With Music – Creating the Broadway Musical Libretto. New
York, Appplause Theatre & Cinema Books, 2006.
- FRANKEL, Aaron. Writing The Broadway Musical. USA, Da Capo Press, 2000.
- JONES, Tom. Making Musicals. New York, Limelight Editions, 1998.
- SPENCER, David. The Musical Theatre Writer’s Survival Guide. Portsmouth, Ed.
Heinemann, 2005.
3
…e também no site:
- KENRICK, John. How To Write a Musical. 2000, revisado em 2009. Disponível em
http://www.musicals101.com/write.htm. 8 de Dezembro de 2012.
Esta é uma pequena parte da bibliografia que estou utilizando para o meu trabalho.
Tenho muitos outros não listados aqui.
4. Texto, música e letra são partes feitas separadamente por um time colaborativo ou
você assume os três papéis? Por quê?
Acho que o “porque” neste caso não importa muito. Algo que é recorrente nos
“manuais” dos musicais de matriz Broadway é que a dramaturgia é quase sempre feita
5
em conjunto entre o(s) escritor(es) e o(s) compompositor(es). Isso me leva a crer que
essa é a melhor maneira de criar um musical original, com as três partes sendo criadas
“em grupo”. Pude testar o processo de composição lado a lado com Carlos Bauzys
em “APARECIDA”, e o resultado não poderia ter sido melhor. A história sendo contada
a partir de uma canção criada dessa forma tem mais fluidez e compreensão.
5. Como você considera a forma ideal de realizar o song spotting: a escolha dos locais
da obra que serão musicados? Descreva seu processo de inserção musical na obra
teatral.
A meu ver, isso deve ser feito em conjunto pelos criadores (dramaturgos e
cancionistas) no princípio do trabalho. Eu costumo pensar em uma “escaleta” de toda
a história, desde a primeira cena até o final, descrevendo a situação de cada cena,
personagens, local, e com isso, identificando onde estariam os números de coro,
solos, duetos, trios, etc., pensando ao mesmo tempo em como contar melhor a história
naquela cena, e buscando um equilíbrio da parte musical. Sempre escrevo o texto
(quando sou também o dramaturgo) a partir dessa “escaleta”. E tento inserir a canção
onde possa criar um melhor sentido e manter o ritmo da cena, seja no início da cena,
no meio, ou no final, pensando na sequência. Mas isso é algo que só pode ser definido
durante o processo de criação, e é algo que tem que ser definido em conjunto (quando
não estou sozinho na criação).