Você está na página 1de 24
CCOLECAO PSICANALISE EEDUCAGAO Gonder: De Leno de Lajongulsre= USP ‘Coat Eitan Dr Seno Costa Borba - UFAL ‘a Sra Mara Corzea - UPROS Dra: Sandra rancesen Conte de Almeida ~ Un8 Infinit pico. ee aando de Lajangusre = Aun dof =Espelo aiid infincia lohan Lev fase mp etctoe as Aether Aimee nr fen eo piste ee femur sa Sait ee sce ey Oona madera cea Cua rare ice doa po sen Flee unto mtg - Prope pation reo cee et Teh Cnt Sores de Cama Re S fr iege ites nt cnde Oe mene ors naga eto Dados Internacionais de Catalogasso na Publicagio (CIF) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lajonquiére, Leandro de Figuras do infantil "a psicandlse na vida cotidiana ‘com as crianeas / Leandro de Lajonquitre.~ Petropolis, Ry: Vozes, 2010, adie P Bibliografia ISBN 978,85.526.4039.0 1. Bducagio 2 Pedagogia 3. Pscandlise 4. Psicologia Bdwcacional I. Titulo. 10-05749 cpps7015 indices para cataloge satemético 1 Educagao e psicanaise 37015 2 Psicanilise eeducagio 370.15 Leandro de Lajonquitre Figuras do infantil | A psicanalise na vida | cotidiana com as criancas : y EDITORA VOZES Petrépolis condicio por ter passado dos limites. Porém, uma ver livre do dever de analisar, bem pode tomar partido nas discus- ses em tomo da vida junto as criangas esperando ~ como dizia Hanna Arendt - recolocar uma e outra vez o mundo no seu ponto justo e, dessa forma, inocular 0 germe do ato de se tentar o impossivel, Il A educagao e a reproducao d’isso' que nos faz humanos Cartruto 1 As disjuntivas e versbes da pedagogia “Ensinar algo uma crangs" ou “esperar que ela se de senvolva” eis o dilema que ainda insisteem tomar conta do discurso (psico)pedagogico hegemdnico no Brasil de forma particular. Dependendo dos modismos do momento, das circunstincag situacdes e ambientes, bem como das eran «28 €/ou dos adultos envolvidos, um desses dois extremos Pedagégicos € 0 que insiste em primar sobre o outro. No entanto,0 comm dos mortastentaperante uma cranga se ddesembaracar do impérioideal dessedilema na medida do possivel, uma vez que a sua sustentagéo implica um mal estar psiquico em nada despresivel “Todavia no ¢graga a tum simples pontointeredisrio entre 0 voluntarismo ingénuo e o abandono eco que se consegue sair de tamanha neurose pedagogica. A busca dlsesperada por ese pont impossivlé, por sua vez tam bem uma de suas tipicasfiguragoes. E por isso ~aliés - que tuma das modas mas recente, na pretensio incondicional de fugir de to desconfortvelditema, consist em elevar & categoria de ideal psicopedagagico 0 mesmissimo e fant siado ponto intermedi, Semelhante proposta 6, contudo, ais do mesmo de sempre, uma vez que simples proposta de um ideal, por mais intermedisrio que se pretenda, acaba regsrgitando o extremo contri e assim, recolocando no- vamente a fantasia de vir a se encontrar ua nova postura intermediia ‘A maior dos adultos coloca em prética na educacio, mesmo que possanio ter muita cincia disso, ta mistura sui generis ~ porém nao necessariamente intermediéria — entre 0 oito eo oitenta pedagégico. Isso nao é de fato ruim, embora assim o possam Iamentar no poticos vigilantes epistemologicos de plantéo que pretendem “embasar cien- tificamente” as priticas educativas, sejam ou no formais" Na vida cotidiana junto as criangas, nto hé muita mar- ‘gem para extremos pedagogicas radicais, embasados ot ‘do cientificamente. Mesmo que assim pretendéssemos para nada sabermos da castracio na educagio, as eriancas, em Gltima instancia, encarregar-se-iam, a sua maneira, de chutar nossas sempre boas e justficadas pretensdes peda. ‘B6Bicas. Por que? ‘A educagao nfo se processa no sempre sonhado “preto no branco” pedagogico: ela conjuga-se num leque de cinzas, Isso ¢ assim porque simplesmente € quase impossivel ser de outro jeito. A ndo ser quando a louca perseveranca por parte do adulto em realizar um ideal pedagégico nio dei- xa brecha entre duas matrizes de cores e resulta, contudo, ‘numa educacio que nd se preza. Maud Mannoni reservava para essa situaclo-limite de uma educacio que no se pre- za a nomenclatura “Educagdo Impossivel”. Infelizmente, semelhante possibilidade, embora extrema, entranha em principio um destino funesto para uma crianca, conforme a clinica 0 constata néo poucas vezes’, O fato que as criangas acabem, a sua esforcada maneira, ‘onquistando um lugar no mundo a despeito de sonhos pe- dagégicos e pesadelos cientifcstas adultos, no nos exime Hs paticularmente estabelecida no Brasil wma linha de pesquisa ¢ trabalho em Psicologia de Educagio que procura “identiicar” as “epistemologiassubjacentes” As priica escoates dos professors. A seguir, nese liv, tatare do caso paradigmatic da educasto de Victor de V Aveyron - una eranga dita selvagem - encampada pelo smédico frances Jean Itard (17741838), % de analisarmos esse tolo dilema, Muito pelo contrério, dria que nos implica ainda mais nessa direcao, Seja qual for 0 desfecho numa histéria singular, o império da disjuntiva pedagégica no ¢ inécuo, Em outras palavras, ela nunca é sem consequéncias na nossa vida junto as criangas. ‘Tanto a ideia de ser possivel ensinar & vontade © que quer que seja - quando assim © quisermos, seguindo um Programa mais ou menos estabelecido - quanto aquela foposta de se esperar que a crianga aprenda sozinha, so ambas tributérias de uma mesma fantasia naturalist, Isto 6 trata-se de uma espécie de crenca na existéncia de um Principio operativo exterior ao funcionamento discursivo que contemplaria de uma vez por todas a gama dos posst- veis psquicos. Dessa forma, toda intervencio por parte do adulto supée-se destinada a ecoar do lado da crianga, assim ‘como, de outrafeita, a interioridade da crianca estaria apta a revelar,a seu devido e jé programado tempo, as atualiza- ‘bes de suas potencialidades, independentemente das con- Lingtneias do dia a dia da vida, Nada do que vier acontecer 6 de fato da ordem de um acontecimento, mas atualizagbes de possiveis no interior de um conjunto onde, finalmente, reinam a harmonia e 0 equilfbrio mudo do organismo. Em suma, a disjuntiva propria ao discurso pedagogico hhegemonico ~ ensinar ou esperar - nao é nem sequer uma disjuntiva: tratase de um falso dilema. Seja 0 que for, a intervencio adulta nesses moldes ¢ pensada desprovida de qualquer efeito verdadeiramente subjetivante, passivel de participar da criagio de uma novidade psiquica. Em dltima instancia, 0 jogo jf fot loucamente jogado de antemao e, tembora ambos sejam sempre os perdedores, a crianca, por ter chegado ao mundo apés o adulto, tem sempre mais a perder. (© abandono da classica iusto naturalista requer uma outra operacdo que a procura do batido justo médio. Infelizmente, a metade de uma ilusso nao é mais do que uma outra miragem. Ao contrario, ela deve ser atravessada, pperfurada, para assim ser subvertida e abandonada 8 beira dda travessia, tem a ensinar a psicandlise. A ilusio mascara a realidade impossivel do deseja em causa na educagao, a tal ponto que uma crianca bem pode enfrentar sofridas di- ficuldades no seu percurso de um lado ao outro no campo dda palavra e da linguagem com vistas a conquista de uma posicao de deseo. I fato que na educagio de uma crianga 0 adulto tanto, “ensina” quanto “espera”. Se assim no fosse, a educacio eria de dificil acontecimento, Se © adulto no ensinasse, 1ndo mostrasse ~ deliberadamente e inconscientemente “como é que se faz” ndo haveria nada para ser apre(e)ndido ppot parte da crianca, Por outro lado, seo adulto nao doasse para a crianca, bem como a si mesmo, 0 tempo da espera, entdo, a crianga ndo teria tempo nenhum para apre(e)nder 4 fazer como 08 outros. Quando um adulto ensina, mostra, ensi(g)na, isto 6, coloca em signos, no faz. mais do que langar a palavra ao rodeio. A palavra retorna através da crianga e, assim, marca o apre(@)ndido, Mas a possibilidade de seu retorno implica o tempo, reclama uma espera, aquela necesséria 4 conquista de uma posicio subjetiva com rela- ‘920 a0 desejo em pauta no ato. A palavra eseu tetorno mar- cam, em filigrana, o compasso de uma educag0-e, portanto, se 0 adulto nada “ensina” e nada “espera”, ela 36 pode se revelar impossivel Colocarmos a problemitica nesses termos € o primeiro passo para deixar de lado o dilema inicial. Evidentemente, trata-se de um “outro ensino", bem como de uma “outra espera’ diferente daquelas do classico dilema pedagégico. Proponho, endo, pensar a educacio no interior do campo da palavra e da linguagem animada pelo desejo e, dessa forma, colocar em relevo 0 seu estofo de laco social 7m [Nesse sentido, situo-me longe da procura de qualquer ponto intermediario, Subvertemos par mesmo de termos. No entanto, que nio formem um par, isso néo quer dizer que “ensinar” e “esperar” nao existam um sem o outro. Ambos se implicam mutuamente, porém nao de forma complementar, como poderia se pensar. A relacao entre am- bos é de supléncia, portanto, no coracso da educacio, algo sempre restaré. Justamente se assim no fosse, no haveria lugar para um sujito da educa, (O sujeito da educagio ndo ¢ outro que o sujito do desejo em termas psicanalticos, como Freud bem alertou quando, por acasiao do ja comentado Preficio ao livro de August Aichhorn (1925: 3.217), afirmou que educacio e anélise coincidem no “mesmo objetivo", embora sejam totalmen- te diferentes, Em outras palavras, 0 sujeito da educagdo & (© mesmo sujeito do desejo sexual infantile inconsciente: do hé um sem 0 outro, ¢ vice-versa, no interior da «nica existéncia que conta - aguela do campo da palavra e da linguagem ~, pois para nés “humanos” todo o restante & ironicamente “papo-furado”, comum pensar que uma crianga, ha pouco um bebe, por encontrarse em pleno desenvolvimento chegaré a0 momento no qual seré um(@) jovem para, finalmente,tor- znar-se um homem ou uma mulher “adultos". De antemo, rio ha davidas que assim seja "Nessa mesma diregZo tampouco surgem dividas de que «a infncia seja uma idade natural da vida na qual acontece justamente o filio do desenvolvimento das “capacidades cognitivas” eda “afetividade”.Talvezseja.aaquisigio da fla ‘eda palavza o produto por exceléncia do chamado desen- ‘volvimento infantil. Essa aquisigSo~ sintese do “cognitivo” s € do “afetivo” ~ € considerada resultado do desenvolvi- ‘mento da capacidade da linguagem dada no organismo, em sintonia com 0 ensino direto dos adultos ox - como também se costuma dizer ultimamente - do aprendizado “mediado” por eles, AAs coisas bem podem ser dessa forma. No entanto, 0 fato dese pensar com muita certeza que assim sejam instala automaticamente 0 império mesmo dos dilemas pedagogi- cos de plantdo e € ai, sim, que comegam os problemas. Os adultos passam a perseguir de forma decidida a miragem nnaturalista que dé estofo aqueles, escorregam na direcio de uma inevitavel degradagao da ordem ternétia ~ rea, simbdlico e imaginério ~ justamente na qual se desdobra a educagio de uma crianca e, assim, concluem na entificagsor do sujeit, PPor isso mesmo, insisto no exercicio de interrogar a ilu- ‘0 naturalista. No embalo de uma cancio popular latino- americana, diria que tal iso é um monstro grande que pisa firme contra a inocéncia da gente!. Sea ilusdo naturals ta chega a se fazer carne, ela embota a implicagao subjetiva do adulto na educagao de uma crianga e instala a chance de que os trés registros da mesma percam a sua amarra na filigrana da palavra. Por outro lado, se alguém com nome e sobrenome declara ~ como se diz-~ “da boca para fora” que acredita em toda sorte de criaturas peclagégicas naturais, mas no calor da hora age conforme desejo que o anima, entdo, 0 desdobrar da educagao fica resguardado, Seme- Ihante possibilidade é mais comum do que temos tendéncia | pensar e nao deve nos surpreender:é justamente a marca da castragao na qual estamos tomados e da qual, precisa- ‘mente, nada queremos saber quando sucumbimos & moda “Em particular, entoada belamente pela dupla Lain Gieco Merce- des Soa xiita do discurso (psico)pedagégico hegemdnico. Em suma, do que se trata ¢ de no ultrapassarmos certo limite alémn do qual a educagio acaba por converter-se num fato de dificil acontecimento, A psicanslise possibilita pensar as transformagées que tum recém-nascido experimenta na sua travessia de virar gente grande sob uma perspectiva diferente de como ha- bitualmente se pensa. la subverte o algoritmo proprio de toda ideia de desenvolvimento ou de atualizacdo do que ja esté dado ou inserido ~ as capacidades - em pottncia no pequeno organismo que chega 20 mundo ‘A forma costumeira de pensar 0 que se chama desen- volvimento cognitivo e/ou afetivo resume-se em postular que tanto um quanto 0 outro ingrediente existe e opera “ primitivamente”,gragas 8 interagi e/ou a estimulacio ef ou & consragio mediada dos adultos de forma que atinjam patamares mais evoluidos de humanidade. Nesse mesmo sentido, a educacio ~ aquilo que se passa na vida entre um velho e uma crianga - é a outra cara do desenvolvimento pretendido, embora sempre jé prédado, Educa, enti, e- ria simplesmente estimular, interagie e/ou mediar. ‘Aquilo que é objeto de desenvolvimento jé esta contido ro organismo que, por isso mesmo, & considerado dotado de humanidade. £, de fato, 0 sujet do qual se fala na pe- ddagogia acaba sendo, mesmo, © “organismo em desenvol- vvimento”. No entanto, como sabemos, hé pedagogias mais ‘réximas ora da dteta ora da esquerda politica. Is0 no & sempre fi de visualiza, Em particular na América Latina, * Dependendo do modismo pedagégico é um ou outro termo que ‘ocupa a cena ‘uma vez encerradas as ditaduras militares, as modas peda- ‘g6gicas passaram a reivindicar serem todas progressistas, Num extremo, uma pedagogia de direita ¢ aquela que a sua maneira esta tomada na fantasia dos “dons”. Uns nascem com certos dons, outros com poucos ¢,finalmente, ‘outros com nenhum que valha a pena desenvolver. Trata-se do apartheid psicopedagégico, Assim, ela oscila entre est: ‘ular verdadeiramente uns, para ganhar tempo e dinheiro, compensar a desgraca dos segundos e, por iltimo, confinar de diferentes formas os outros sem dom nenhum que a vida chegaram, como mais uma prova de que “eles” sio diferen- tes de "nds mesmos”, ‘No outro extremo, uma pedagogia - supostamente ~ é de esquerda quando esta tomada na fantasia de um sujeito pléstico, fadado a sociabilidade e a claridade da conscieén- ia, portanto, dvido de apreender tudo aquilo que the é en sinado por aqueles que ja sio ou foram iluminados. Trata-se de um voluntarismo que por ser ingtnuo nio acaba por subverter 0 status quo escolat latine-americano, © discurso (psico)pedagogico hegemdnico opera uma sintose desses dois extremes. Assim, temos que o organismo traz.consigo ~ como um dom ~a humanidadeem germecon- {forme circunstancias diversas’ a ser desenvolvida pela edu- ‘aga, seja estimulacio, interagso ou mediagSo, bem como também tudo isso junto ao mesmo tempo. A educacio se processaria conforme uma planificagio pedagégica jf esta- belecida passo a passo em nome de descobertas das citncias as mais variadas que permitem “conhecer como um todo” ‘esse individuo com o qual se trabalha, Por sinal, isso ¢ fun- damental, Pensa-se que nao se pode educar ninguém se no * Circunstincasfavorecedoras como bons genes pis eitores uci ‘cunstncias desfavorecedoras como uma i slimentasio, desmame precoc, pais analfabets, es: 2 ‘se conhece suas necessidades e/ou interesses. A educacao 6 fantasiada nos registros da “doagio" e da “necessidade” e, portanto, nio se pode dar nada que nio vena a satisfazer tama necessidade mais ou menos conhecida, Nao dar nada lem da conta! Nao apenas para ndo se gastar demais, mas fundamentalmente para assim satisfazer 0 educando na ‘medida naturalmente adequada. Tudo deve ser bem ajusta- do e nada deve ficar fora do lugar! Nada de resto. Por que essa conviccio? Creio pessoalmente que a explicacio esteja dada pela formulagio desta pergunta ret6rica, na esteira de uum provérbio espanhok: para que ficar dando pio a quem Deus no dew dentes? ‘As pedagogias consideradas rapidamente como progres: sistas nfo conseguem deixar de lado o paradigma desenvol- ‘vimentista e sua marca, em tiltima instincia, eaciondria. A ceducagio ¢ pensada como a “elevagio” passo a passo do ser cde um patamar simples a outro evoluido, gracas a operaciio de um ja concluido-evoluido no percurso de esclarecimento ‘ou de socializagao da consciéneia, o suposto adult. Essa matriz pedagégica, nao se admirem, @a mesma ma- triz da catequese conquistadora e/ ou colonial. O primitive vive em pecado e nem sequer ¢ ciente disso. O evoluido, pporém, sabe disso, bem como quer fazer 0 bem. Aos pou- cos, iré elevando metodicamente o ser primitive, embora (© “desnivel” de origem ~ razio de ser da mesmissima ca- tequese ~ nunca se extinguira. Por conta disso, deve haver ‘uma vigiléncia continua para evitar a recafda a niveis mais baixos, motivo pelo qual o ex-primitivo nunca fica livre de ser tutelado, ‘A meu ver 0 carster reacionério reside no fato de que suposto “desnivel” na conscincia religiosa ou critica, no agrau de iluminacio, de evolugso, de clareza espiritual, de socializaglo ou do que sej, ¢ pensandojustamente como isso _mesmo: um “desnivel” ou “desvio" na qualidade existencial passivel de ser diminudo, mas nunca apagado. Ele faz as vezes de indelével fossa psico-s6cio-pedagégica, suscetivel de desiocamento por obra e graga do método nas mos dos iluminados de plantio. AA pricandlise nao da lugar a nenhuma pedagogia psica- nalitica, Hla ndo € em si mesma ~ como tampouco as eriangas nem de direita nem de esquerda, No entanto, a elucidagao. psicanalitica das coordenadas operat6rias da educagso pos- sibilita que a pedagogia nao seja reacionéria. A psicandlise indica as possibilidades que se instalam quando abrimos de fato mao de entificar 0 sujeito, Cantruto 2 Asubversao da psicanalise A psicandlise possibilita pensar as vicissitudes proprias dda emergencia de um sujeto do desejo ~ operante em toda ‘educagao e reverso do individuo da pedagogia. Esse processo, chamado de constituigio, por oposicio & ideia do desen- volvimento de uma realidade pré-constituida, nao é uma atualizagio de determinagées prévias & “emergencia” pro- priamente dita, Nao hé pronto um pré-sujeito ou um desejo ‘menos evoluido: o sujeito do desejo opera ou, a0 contrério, foi “foraclusdo”, A constituiglo ou determinaglo do sujeito do desejo € 0 feito de discurso que se tece junto a uma “matéria-prima inconclusa” a ser determinada. Essa matéria-prima em si 6 um “pressuposto abstrato”: nao tem existéncia empirica €e substancial anterior e exterior ao processo de produsao discursive. Ela no é como comumente se pensa - decidi- damente nas psicologias, mas também em algumas teor zagdes psicanalitieas -, 0 organismo em desenvolvimento do bebé, sobre o qual viria a se acrescentar ou sobtepor a Linguagem ou o simbolico. Deixo de lado a ideia cléssica do organismo como maté- sla-prima passivel de desenvolvimento ou de transmutaao evolutiva, sempre implicita em fOrmulas do tipo 0 homem é sum animal racional ow um animal falante. Que possuamos um organismo isso niio significa necessariamente que, como sujeites, sejamos o resultado de um acréscimo evolutivo sobre uma animalidade de base. O problema esta em que a nossa humanidade, a nossa condigdo de falantes ou a dita s subjetividade é, para espanto de muitos, um defeito de ani- ‘malidade, Ou seja, nao exprime um estagio de animalidade [posterior a um outro primitivo. A animalidade nio esta fa- dada ou destinada a fala, da mesma forma que a fala huma- nna nfo esté dada, nao esta escrita nem como possibilidade, ‘nem como destino evolutive, Os animais nao falam, entretanto, isso ndo os impede de se comunicarem com maior ou menor desenvoltura gracas ‘uma linguagem sempre consistente, Vale a pena lembrar aqui os estudos do etologista, prémio Nobel de Fisiologia em 1976, Karl Von Frisch, sobre a maneira das abelhas se comunicarem entre si (cf. BENVENISTE, 1976). A abelha que identificou a floreira com néctar retorna a colmeia © re aliza uma danca composta de rodeios verticais e horizontais para informat a direcdo e o sentido, a respeito da luz solar, nos quiais as outras devem voar. Porém, a engenhosidade da linguagem das abelhas 56 serve para veicular essa infor ‘magi e, mais ainda, 86 por aquela abelha que tenha de fato localizado 0 néctat. As abelhas 6 veiculam informacies {que elas mesmas obtiveram na viagem de reconhecimento, ‘Em suma: elas ndo fofocam. Que assim seja isso nada diz da retidio moral do ser abelhistico, mas apenas que.a linguagem rodada uma e outra vez na danca nao permite dizer melas verdades, ou seja, ela € consistente, cerrada, ‘As méquinas tio onipresentes na nossa vida cotidiana tampouco falam apesar de as aparéncias em contrétio, A. Tinguagem rodada por elas também é consistentee, portan- to, ndo hé lugar para semiverdades, nem para emergéncia de um sujeito da enunciagao, Omédico epsicanalista julio Moreno (2002) tece considera- ‘8es interessantes sobre o que ele chama o humano do humano, Aquilo que nos caracteriza como humanos seria a capacidade de introduzirmos mudangas na forma de vida, Essa variagio estaria motivada pelo fato de sermos capaves - também % (8 Gnicos - de tomar contato com a inconsisténcia “evo- lativa”. Comenta, ainda, que nossos parentes proximos, 0 “Homo Erectus eo Neanderal, nao apresentaram variagdes na forma de vida. Tanto um Erectus que habitou ha 2 milhoes de anos no Quénia quanto um outro que o fez na Sérvia hi 700 mil anos possusiam os mesmos utensilios e habitos de ‘aga. Moreno assinala também que o mesmo se da entre cs animais que conservam sempre um mesmo padrio de conduta, No entanto, 40 mil anos atras sobreveio um acon- tecimento do qual nao se podem predicar as suas condigbes de emergéncia. Os hominideos Homo Sapiens é existentes © vvizinhos dos outros ha 160,000 anos, experimentaram um. “grande salto" ou “explosdo criativa” ndo acompanhado ‘por nenhuma mudanca gendmica. A partir desse momento, ‘0 Homo Sapiens seguiu um camino bifurcado, passando a ser 0 tinico incapaz de repetir uma informago com exati- do, bem como o inico a pacecer em termos aristotélicos de “repugnancia logica” Nosso autor nio diz que o “grande salto” na dita evo- lugao da humanidade, formulado pelo biogedgrafo norte- americano Jared Diamond, seja 0 da emergéncia mesma do campo da palavra e da linguagem ou, se preferirmos, da fangao significante. No entanto, € precisamente este quem, faz do homem o tinico ser incapaz de duplicar sem diferen- ‘cao contedido informacional de uma mensagem. Por sinal, & isso mesmo que as criancas tanto celebram com risos quan- do sentadas numa roda brincam de "telefone sem fio”. No entanto, meu interesse no raciocinio de Moreno nao se limita a tirarmos esse Gnico ensinamento, Interessa-me, mais ainda, assinalar que a moral dessa historia € que no) ha moral na filog2nese’, ou seja, o homem, bem como a fala * Como veremas adiant, ease carter de ginese amoral €reencon- tuado na ontogénese. {ue faz dele um falaser ~conforme 0 neologisme lacaniano -, no sio a culminagdo de nada perfectvel prévio, Este fato desmonta de ver 0 algoritm do desenvolvimento vigente tanto nas andlises filogensticas quanto nas ontogenicas. A tefade ~ formulada por Lacan ~ Real, Simbélico e Imaginario possibilita a seguinte tese: toda cria de homo sapiens nasce incompleta ainda que tomada num impulso complementagio ou acabamento biolégico para sempre Impossivel. O cardter biol6gico incompleto da cria & real, fenquanto a ansia de totaidade faz pulsar o registro imagi- nério. O “complemento” é0 simblico, rodado uma e outa ‘vez ha 40 mil anos ¢, se 0 coloco entre aspas, precisamente porque, sendo inconsistente, ele & de fato um suplemento que recoloca, por sua vez, novamente a incompletude pri- mera real ‘© que se chama comumente desenvolvimento da crianga, resulta de marcas discursivas sobre uma matéria-prima que a indeterminagso da cria sapiens, Sobre as marcas primor- diais se tece a marcagio edipiana que implica a sujeigdo da came a uma genealogia sexuada, antidoto contra o extravio zo turbilhio do devir temporal que corre solto no interior do campo da linguagem e da palavra. Noentanto, a humanidade produrida nunca é exaustiva A instauracio discursiva do sentido produz, também, um. avesso de sombra. A subjetividade ¢ descentrada por esse ‘feito excedente da mesmissima producto - o real ~ caben- do, portanto, pensarmos em termos dle um sujeito cindido. A ciséo do sujeito 6 real e se chama desej. 0 postulado desse avesso de sombra das representacdes ~ © desejo - & necessério para pensar as transformagées ditas subjetivas. Caso contrério, seriamos obrigados a recorret @ tuma instincia autOnoma a instituigéo discursiva capaz de engendlrar as formas subjetivas e, assim, ficarfamos & mercé das garras de qualquer idealismo, A psicandlise permite sustentar que as priprias priticas de produgio de subjeti- vidade engendram também “o outro" do sujeito, ou seja, © desejo, suscetivel de relangar, uma e outra vez, o sistema {tifésico do lago social & produgio de um enodamento que contemple a inconsisténcia de origem. [Em suma, a subjetividade ndo é nem uma substancia em desenvolvimento, nem uma enteléguia em vias de encar- nagio, Ela € um conjunto extensfvel de operacies de uma linguagem singular que comporta os registros real, simbé- lico e imagindtio, precipitado na indeterminagao carnal do sapiens. O n6 vazio dessas operagbes & 0 sujeito do desejo, teduzido assim ao sutil estofo de operador funcional. [Nao hi sueito sem Ealipo e sem castragio ou, em outras palavras, 6a operatividade dos chamados por Freud Com plexos de Edipo e de Castracio que recorta as fronteiras da subjetividade einstaura a dialética da demanclae do desejo ro campo discursive, Trata-se de uma afirmagio que ¢ da cordem de um postulado Ito é, pode ser que as coisas no sejam bem assim, porém,é certo que sem eles a psicanslise desaparece "A opeatvidade dos complexos de Eaipoe de Casta- Gio implica» invengao de uma idea incoscente de pox a produgio de uma inago de pai, no dizer de Freud, Esse pai inventado na e pelo funcionamento do campo da pala- ‘ya e da linguagem nao é mais do que ainstalaco de uma sien, de ua eterordade no sei da radae das ligagdes erotica e incestuosas do sapiens. Esse processo in- ogee incre etna ua Hea smb do candidato a sujito dein de psi, fundacto mesma de um. sujeito no discurso. A ideia de pai amar 0 fancionamento psiquico, o mesmissimo discorter discursivo em torno de ° tum real sempre estrangeiro. Assim, pai é uma ideia que cartega consigo tanto uma cota de failiridade quanto de estranheza A idea inconscente de pai operante no discurso ni deve ser confunaida com os pais de todos os dias, com seus att Datos e caréncias imagindras. A génese produtiva dessa ‘deia no interior do campo da palavra e da linguagem ~ 0 seu balizamento simbolico ~ recala as emogGes incestuosas assim, possibilita 0 desligamento da cri sapiens tanto da ame quanto do pal. A primeira passagem da mae ao pai é fungi da fantasia origindria de castro que possibilita a atribuigao fica ao pai, deslanchada pelo desmoronamento Lemnbro me da vez que minha ha respondeu a sua mie, que tinh perguntado onde estava Sof, assinalandose a si mesma levando a ‘io 0 peito, Uns meses antes, havissstnalado a meninarefltida fo eopelho do banter, onde por meses as faldas foram trocadas. 108, See produz ¢ reflete, Nesse momento, 0 hebé incorpora esse butro de quem ea fala o tempo todo, Esse outro virtual so aparece no horizonte © advém como objeto carregado de bide porque a fala materna assim vivifca ecortando-o no ponto de ugn do discurso. Caso contri, nao ha des- dlotramento algum da experignciaexpeculare, portanto, beb@ correrao isco de fica instalado numa espécie de nao lugar que abre a porta para o autism. essa forma, neste tempo primordial que Freud chamava da préhistria do Complexo de Epo tem lngaraemergtn- cin do sueto gracas & operacdo de uma série de identifica es, manifests precoces de Iago afetvo socal Essa Primeimas identifcagbes, 4 diferenga daquelas do pertodo Sowualedipiano, sio “dirtas, imediatas e anteriores a toda carga de objeto” (923: 2712). A identifcacio imagindria. no bebé projetado pela mae possbilita 0 esbogo do EU e da imagem corporal, No entanto, hi ambém em jogo uma tutta identificagio da ordem do ser. imagem especular vale a libido depositada pea fala materna sso significa que bebe projetado~ assim como as pérolas questo seretadas 2 partt de um corpo estan ~ encobre tm elemento dife- Tencial oriundo do seo da vor materna, Pos, quando o bebe incorpora oralmente a imagem, ingere também esse outo tlemento. Que emerge do seio da vor materna? Freud afirmou, em Psicologia de las masasy ands del Yo (1921: 2588, estar em ogo nests primeiros tempos prepa- rat6rios do Complexo de Edipo uma identfcagdo primor- dial com o pai. Essa nova identifcago se daria, entretanto, na esteira da primeira fase de organizagdo da libido, ou fase ora, na qual Fre loclizava a opera prices da 2 Por isso mesmo eu me permito dizer que o bebe engoe a imagem specular. AUE que ponte otro do espelho do Lacan no &0 seio {igen e perdido na fase orl do qual falava rev? 106, ‘dentfcagso ao seio por incorporasio oral” ou canibal (1905 1.210). Assim sendo, ese pai primordial é incorporado, en gold e feito carne", pois passa a fazer parte do ser mesmo do sujeito. Por ocasiio do texto El Yo y el Ello (1923: 2712), Freud precisou trtar nfo do pai, mas de ambos, pai e mae, porque “no haveria valoragio distinta antes da descoberta da diferenca dos sexos”, Em sua, trata-se de uma identifi- cago indistingso sexual em si mesma ou, se preferirmos, a0 principio mesmo de sua posstvel distingto psiquica Isso que emerge do “umbigo” da voz materna € esse principio mesmo da possibilidade da distingBo psiquica dos sex0s, sto 6 0 Falo enquanto significanteamo -S, operante ro campo da palavra e da linguagem. O Falo esteve em causa quando do (des)encontro entre uma mulher/mée ¢ 0 hhomem. O bebé se da de cara com o Falo na identificagdo imagem, Contudo, ele € disjunt e, portanto, prodwe ou tros feito. Neste caso, a identifcasto a0 Fao simbolico éa nese de uma outra instincia psiquica que Freud chamou Ideal do Eu Essa identfcagiosimbolicn nao 6 exaustva. & par- cial. E como seo sujeito pudesse tio s6 focar uma parte, um rage. Noentanto, esse tragounariza 0 sujeto, ow sea, engata o bebé como wn na fala®, O bebe consegue enganchar neste ® Fread assinala que o ato de o bebe comer oso faz deste um ob Jeto perdido, O objeto revestido de valor Ibidinal&o sio perdido e, portant, dstacedo da mie. A perda o eleva 2 estatuto de objeto bem como destaca significant da falagto mateena fo signficante «que fxa.a pulsioinstalada pela falagdo, * A serretomado no final do livia por ocesio de comentarmos Toten Tr % © umbigo da vor € 0 objeto a Na vor matema - assim como mas centearhas rechesdas da mie Klelniana ~ 0 bebé se da de cara com 0 Fao e 0 "3", o8 quals, juntos, encorpam o trano protopai da horda primitiva, CL LACAN, Seminiria 9 sobre A identifica (init. Iugara ele reservado no interior do campo da palavrae da linguagem. A afirmacio freudana, objeto de controvérsias ~ Wo Esa, sol ch werden -, nesta oportunidade cia como uma luva na sua interpretagio mais rasteira: “o Eu deve advir no lugar sso" (f, FREUD, 1932 3.46; LACAN, 1985; 399-400, (© bebe, agora instalado no hugar daquele bebé do qual fe para quem sun mie tanto falava, passa a falar do lagar esse outro e, portato, referise «si mesmo em terceira pessoa, No entanto, depois de certo tempo, acrianga peque- za passa ae apresentar perante os outros ease refer ast mesma como EU. Isto & 0 EU passa a serum dos abjetos do sujelto da enunciacto. A patr desse gar conquistado se instalaa possibiidade de enunciar BU, 0 queimplic, por sua vez, paradoxalmente, no esvaziamento do pouco set agenciado no instante enncatvo anterior. preciso enan- ciar EU para sto, prem a mesma enunciagio entranha 0 esvaziamento do locus conqustado os, se preferirmos fz uma marea no proprio ser do Um, Pr iso, quem diz BU { compeido a se langar numa frase ¢ depois numa mais, fe mais outta, na expectativa de recuperar tm significado perdido, O ser que agora 6, também sabe que nfo se e5gota ra imagem. Instala-se uma tensfo no “ser da crianca, pois uma parte do hipotétco“si-mesmo” éum *ser-0uteo”, mais precsamente € um ser para. a me. Emerge, assim, uma pri- meira tensfo desejantee discuriva que istala um sujito. cine. % Mint fh tina dos dois anos quando fer nesses das na escola de educagio infantil uma miscara decarnaval Crt da, com o resto ‘coberto entra no escritri onde ex estava lendo e eu pergunte the ‘emespanhol” Ai! Quien seesconde denis de esa masa?” Taman foi minha surpresa quando ela, retirando com delicadeza a masa ra, responde com determinagio: "Yo" 108 [Nesse lugar conguistado, o bebé fica sueito metonimi- camente a0 desejo materno. Ee se fez. falo imaginério da ine, onde se entende por Falo a chave do desejo, ou seja, resposta ao interrogante que o deseo comporta - Che bua? ‘© que quer de mim o Outro? A crianga tendo feito a per- frunta as, responde-se: 0 Outro quer Fu! O Outro me quer atno EU Esse momento reclama tum seguinte, qual sea possibi- lidade de deixar para tris esa posigto de objeto referente 2 satisfagdo materna recentemente conguistada Se iso no fesse possivel, o pequeno correria orisco de fcar grudado 20 desejo materno, como acorte nas psicoses. (© passoa ser dado desdobra o drama edipiano, Sem esse paso, que concuz da mie ao pai, nfo ha desdobramento

Você também pode gostar