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Depoimentos: 1 – Teco

Meu nome é Teco. Quer dizer, não é o meu nome, mas é assim que gosto de
ser conhecido e chamado. Tenho trinta e três anos. Minha mãe não se esquece
de me lembrar que esta é a idade do Cristo. Não sei se ela faz isto na
esperança de que eu expie meus pecados ou porque sonha em me ver
crucificado. É verdade. Digamos que não sou o filho que ela sonhou. Quer
saber o porquê? Bom, vou contar a minha história.
Eu vim para este mundo na casa de uma família cristã, não como a maioria das
famílias cristãs deste país, mas uma daquelas fervorosas, que vive
professando sua fé e tentando converter a todos. Pode parecer ruim, mas não
é tanto quanto parece. Meus pais sempre foram muito justos, nunca me
bateram, nem em mim, nem em meu irmão, embora fossem rígidos em sua
maneira de educar. Sempre fizeram questão que estudássemos em uma boa
escola, embora isso exigisse um grande sacrifício financeiro.
A relação com eles era ótima, muito amor, muita atenção e muito cuidado.
Nada disso, porém, evitou que eu caísse em desgraça aos olhos deles. Eu
tinha quatorze anos quando aconteceu. Estava descobrindo minha
sexualidade, hormônios à flor-da-pele. Tudo era novidade, até porque sexo era
tabu na nossa casa, nunca esteve em pauta. Pois bem, nessa época, meu
irmão estava prestando o serviço militar obrigatório e fez muitas novas
amizades, mas uma em especial. Este amigo começou a freqüentar nossa
casa e, sem demora, passou a ser natural que ele dormisse lá depois das
saídas que davam. Não vou entrar em detalhes de como aconteceu ou de
como era. Isto não é um relato de experiências sexuais. O fato é que
começamos a transar. Fui seduzido pelo amigo do meu irmão e me deixei
levar. Fazíamos sempre que encontrávamos uma brecha. Acho que, com o
tempo, ficamos mais seguros e, por conseguinte, mais descuidados, o que nos
levou ao flagrante dado por meus pais.
Foi uma confusão dos diabos. Meu irmão brigou com o amigo, chegando às
vias de fato em pleno quartel. Acabaram presos. O assunto deixou de ser um
problema familiar e, rapidamente, todos os amigos e conhecidos da família, em
sua grande maioria, irmãos da Igreja, ficaram sabendo do motivo da briga, se
não o todo, as piores partes. Meus pais culparam meu irmão pelo que eu fiz e
ele culpou o amigo. Ninguém quis saber se eu havia querido ou não. Eu era
uma criança e aquilo nunca deveria ter acontecido. Eu era uma vítima e meu
irmão e seu amigo eram predadores cheios de pecado. Todos achavam isto,
menos eu. Só que isso não importava. O que interessa é que a família perfeita
quebrou e não havia cola no mundo que juntasse os cacos.
O tempo foi passando e meus pais começaram a cobrar que eu apresentasse
uma namorada. Faziam questão que eu conhecesse as meninas da Igreja. E,
embora tivesse me tornado motivo de piada para os garotos da minha idade,
que me chamavam por diversos nomes, como pão-doce, menininha ou mesmo
viadinho, as meninas de lá eram loucas para salvar minha alma. O problema é
que, mesmo não tendo nada de afeminado, eu não conseguia me interessar
por elas. Era fácil ser amigo delas, mas não rolava uma atração. Dediquei-me
aos estudos e passei a adolescência vigiado e controlado.
Completei dezoito anos e comecei a faculdade de direito. Era um mundo novo,
cheio de novidades. Exigia uma boa dedicação aos estudos, mas fornecia
experiências novas e a convivência com os mais diversos tipos de pessoas. Foi
lá que provei a maconha, o álcool, os beijos masculinos e femininos, o sexo
heterossexual, homossexual e bissexual. Experimentei o sexo a dois, a três e,
até mesmo, maravilhosas orgias. Foi numa dessas que a casa caiu pela
segunda vez. Estávamos na mansão de um dos abastados da turma, fazendo
uma daquelas orgias regadas a álcool e muita maconha, quando a polícia
apareceu e levou todo mundo preso. Não houve conversa ou propina que
desse jeito. Havíamos sido alvo de uma denúncia de um pessoal da faculdade
que era da TFP (Tradição, Família e Propriedade), uma organização católica
tradicionalista e conservadora.
Minha família comeu o pão que o diabo amassou com essa. Escutaram dos
católicos que era assim que os cristãos não-católicos agiam: freqüentando a
Igreja, apregoando a moral e os bons costumes, mas participando de eventos
sexuais dirigidos pelo demônio. Eu não era mais a vítima. Pelo menos não dos
homens. Estava possuído pelo capeta. Precisava de tratamento e de
exorcismo. Não me reconheciam mais. Da noite para o dia, ou pior, de um
minuto para outro, tornei-me um monstro maior que qualquer outro que já
tinham ouvido falar.
A repercussão foi enorme, a vergonha foi tanta, a humilhação foi tamanha que
não tive forças para levantar o queixo por muito e muito tempo. Sentia-me o
pior dos homens. Tinha feito as piores coisas que um ser humano poderia
fazer. Merecia todo e qualquer castigo, uma vez que havia desapontado meus
pais, amigos e familiares. Eu ia à Igreja e rezava todos os dias para que Deus
fizesse que eu fosse homem de verdade. Que me apaixonasse por uma garota
e que todos se orgulhassem de mim.
O fato é que enrusti todos os meus desejos. Conheci uma menina na Igreja e,
mesmo sem amá-la, na ânsia de ser aceito, casei-me com ela. Tivemos dois
lindos filhos, um menino e uma menina. Minha esposa era uma santa. Moça de
família, muito religiosa, que cuidava da casa e da família com todo afinco.
Fazíamos sexo esporádico e tradicional. Terminei minha faculdade e consegui
um emprego num bom escritório. Era um homem de verdade, respeitável e pai
de família. Meus pais estavam orgulhosos. Os amigos da Igreja fingiam não
saber de meu passado pregresso. Afinal, eu estava no caminho da salvação e
ninguém queria sentir-se culpado por conta de piadas maldosas.
Tudo estava maravilhoso, pelo menos para os outros. Para mim, a vida
passava. A única satisfação era saber que as pessoas sentiam orgulho de mim.
Entretanto, sentia-me vazio, vivendo uma vida que não era minha e da qual
não havia fuga. Até o dia que a casa caiu pela terceira vez. E, desta vez, a
culpa não foi minha. Passei mal no trabalho e fui para casa. Ao chegar lá, cena
clássica de novela ou drama cinematográfico: minha mulher, de quatro em
cima da nossa cama, com outro homem montado nela. Mas isso não foi o pior.
Quando me viu, começou a gritar e a me xingar de babaca, de corno e de
viado. Que eu não a satisfazia e que, provavelmente, ao ver aquela cena, o
que eu sentia era vontade de estar no lugar dela. Perdi a cabeça. Parti para
cima dos dois e dei muita porrada neles. Descontrolei-me de tal forma que os
dois foram parar no hospital.
Não deu cadeia, mas este seria o menor dos males. Mais uma vez, todos
souberam de tudo. A culpa era minha, pois não dava amor à minha mulher.
Engraçado como, nessa hora, o sexo virava amor. Eu não era homem o
suficiente. Continuava o mesmo viadinho de sempre. Minha família ficou contra
mim, meu casamento acabou e minha ex-mulher levou meus filhos. Eu fiquei
tão mal que pedi as contas do meu trabalho e resolvi sumir por uns tempos. Saí
do meu estado e fui morar no Rio de Janeiro. Fiquei um tempo pensando na
vida, sem saber o que fazer. Procurei um novo emprego e consegui, por meio
de indicação, trabalhar em um outro grande escritório. Fiz novas amizades,
mas sem me abrir muito. Minha vida social era mínima. Não tinha ânimo para
festas ou coisa parecida. Trabalhava e ia para casa. Um cineminha de vez em
quando.

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