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Representações do século XXO tempo histórico e os acontecimentos políticos1: O espetáculo do mundoTalvez nos

ocorra perguntar porquê Ricardo Reis e porquê 1936. Quanto ao nome, uma pista para uma possível resposta talvez
estivesse na epígrafe do poeta Ricardo Reis que José Saramago elege para o seu romance: «Sábio é o que se
contenta com o espetáculo do mundo.» Quanto à data, além de uma lógica interna, que condiciona o retorno do
personagem Ricardo Reis à morte de Fernando Pessoa, há, sem dúvida, alguma atração pela narrativa dos
acontecimentos históricos que marcaram definitiva-mente a Europa de então. É Reis o espectador da vida que o
romance quer confrontar com o espetáculo de 1936, para testar até que ponto se consegue ser «sábio» diante de uma
Europa conturbada e agonizante, de valores degradados, onde a liberdade começava a ser um sonho cada vez mais
inatingível. [...]O Ano da Morte de Ricardo Reis guarda evidentes relações com o discurso histórico [...]. Utilizando
recursos tipicamente ficcionais, misturando o verosímil ao inverosímil, o romance investiga um tempo passado e usa a
ficção como elemento perturbador do convencional, de modo a surgirem aspetos inusitados do real. O tempo
percorrido por esse novo olhar é o ano de 1936 [...].

1936:dez anos de ditadura em portugal

Na complexidade do quadro europeu de 1936, a situação portuguesa traz a esta-bilidade de dez anos de ditadura. […]
[O] país passa a um governo autoritário, fun-damentalmente centralizado, cuja estrutura piramidal tem como objetivo
precípuo1o controlo e a vigilância do Estado sobre todas as áreas do desenvolvimento humano – económicas, políticas
ou culturais – de modo a obter falaciosamente uma sociedade una, onde os conflitos inexistiriam, capaz, portanto, de
propiciar o bom desempenho de uma economia cujo modelo era o do monopólio capitalista. […]Em 1936 […] Portugal
conhece já os primeiros frutos da ditadura e é essa situação que se reflete no corpo do romance O Ano da Morte de
Ricardo Reis. […] Extrapolando a dimensão meramente psíquica da aventura do eu, a experiência de vida da persona-
gem só se realiza em diálogo com uma opção ideológica consciente pela participação ou pela alienação, ilustrando,
desta forma, mais que um drama individual, um tempo e uma história.

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