É nas histórias de amor que a capacidade narrativa de José Saramago mais ganha Asas.
Quem assim fala do amor elogia a vida.
[…]Em O Ano da Morte de Ricardo Reis encontramos o protagonista mergulhado entre Duas águas e sem poder chegar a nenhuma das margens, apesar das recomendações de Retranca do seu mentor Fernando Pessoa, que o visita de vez em quando e o interroga Por essa indefinição manifesta, relativamente a Lídia ou a Marcenda; a primeira, criada De quarto de hotel em que mora, e a segunda, cliente do mesmo estabelecimento: […] E aquela rapariga simpática, fina, a do braço paralítico, você chegou a dizer- me que ela Se chamava, Marcenda, É um gerúndio bonito, tem-na visto, Encontrei-a da última vez que Esteve em Lisboa, o mês passado, Você gosta dela, Não sei, E Lídia, gosta, É diferente, Mas Gosta, ou não gosta, Até agora o corpo não se me negou, E isso que é que prova, Nada, Pelo menos de amores.Este tipo de conversas entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa é recorrente, antes de Mais pela insistente capacidade do segundo para tentar condicionar e fazer o primeiro Duvidar, por alguma razão é o seu heterónimo. […]Lídia é a criada do hotel para onde Ricardo Reis vai morar depois do seu regresso Do Brasil. Representa a mulher fiel, comedida, tímida, simples, inocente e complacente. Mesmo face a uma gripe de Ricardo Reis, todas estas características, que não são mais Do que provas de amor sincero, se multiplicam. […]Ricardo Reis, por seu lado, tem sentimentos contraditórios face a Lídia. […] E Não encontra outra solução com que pagar o amor desmedido e sem contrapartidas De Lídia que a material. […] Pensa que o amor se paga com lisonjas, […] quando na Realidade o amor se paga com amor.Esta postura de Reis, como não podia deixar de ser, causa a Lídia grandes sofrimentos, sobretudo quando aparece na vida do protagonista o seu outro objeto de desejo,Marcenda, e provoca a correspondente zanga por ciúmes. […]Posso ir ter consigo nos meus dias de folga, não tenho mais nada na vida – é uma declaração de princípios e, claro, de amor. O amor que evita a solidão, o amor quafasta o Abismo, esse abismo que horroriza e, simultaneamente, anula toda a possibilidade de Raciocínio.A solidão também faz estremecer Ricardo Reis, neste caso face à ilusão amorosa que Mantém com Marcenda. […] A busca dessa felicidade e amor não chegará a materializar-se, nem sequer em Fátima, símbolo, desta vez, dos seus anseios e necessidades