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6 Da REPUBLICA AO IMPERIO 0 Império Romano — nome normalmente usado hoje para 0 sistema de governo que substituiu a Republica — nasceu em meio ao sangue: catorze anos de guerra civil to de César em 44 a.C., até que grou vitorioso sobre todos os demais rivais. Alguns anos depois, em 27 a.C.— a mesma data em que adotou 0 novo nome de Augusto -, ele fun- dou um novo sistema politico que evitou uma renova¢ao da violéncia. Alegou estar restaurando e aprimorando a Republica e que nao era um monarca; historiadores modernos consideram o governo do Império Romano uma monarquia disfargada e se referem aos governantes como “imperadores”. Qualquer que seja o nome dado ao sistema de governo de Augusto, é inegavel que ele encerrou décadas de guerra civil concentrando poder nas maos de um soberano — ele proprio ~ € reinventando ovalor tradicional da lealdade. Sob esse sistema, os cida- dios dirigiram a fidelidade a0 governante ¢ 4 sua fami- lia como a incorporagao do Estado romano: Augusto Conservou instituigées tradicionais do governo romano ~ 0 Senado, a escada de cargos; as assembleias, OS tribu- peace governava como imperador, ue sem velidaas ea titulo. Ao contrario, mascarow oe Drimein referindo-se a propria posigao ae i ca BN pemiem enao “rei nem “di *aRepriblic ugusto justificou a transformé a encobrindo-a com tradigao, exP! = 151 SS vi seguiram-se a0 assassinat Otaviano por fim se sa; licando que ROMA ANTIGA as mudangas reconstruiam 0 antigo sistema do modo ane que poder e deveria ter existido. Poderig LINHA DO TEMPO (DATAS A.C. E D.C., CONFORME INDICADo) Otaviano, aos dezenove anos, forga o Senado a Teconhecé1o como cénsul; Otaviano, Lépido ¢ Marco AntOnio formam 0 Segund> Triunvirato para dominar 0 governo romano. 42 a.C.: Os tritinviros derrotam os autoproclamados “Libertado: res” (os conspiradores contra Juilio César) em Filipos, na Grécia, 32 a.C.: Para combater a alianga entre Cleépatra e Anténio, Otaviano obriga os cidadaos da Italia e das provincias ocidentais a jurarem lealdade a ele pessoalmente. 31a.C.: A frota de Otaviano derrota a marinha de Cledpatrae Antonio na batalha marinha de Acio, na costa noroeste da Grécia. 27 a.C.: Otaviano cria o Principado como a “Repiiblica restaurada”, a qual chamamos de Império Romano; 0 Senado 0 homenageia com 0 titulo de Augusto (“favorecido pelos deuses”); Augusto posiciona solda- dos (a guarda pretoriana) em Roma pela primeira vez na histéria romana. 19 a.C.: No leito de morte, Virgilio pede que a Eneida seja destrufda, mas Augusto manda preservar 0 poema épico. ugusto exila o poeta Ovidio pela poesia escandalosa. Senado homenageia Augusto com 0 titulo de “pai do pais’; © Forum de Augusto é aberto no centro de Roma. 9d.C.: Varo é derrotado na Alemanha com a perda de trés legides, ence rando os planos de Augusto de uma expansio ao Norte. 14d.C.: Augusto morre apés 41 anos sendo princeps (“primeiro home’ > a posi¢ao que chamamos de “imperador romano”. Augusto estabeleceu a “nova antiga Republica” de modo a dual; inventar a tradi¢ao é algo demorado. Ele comegou a Co como um jovem sem escripulos na busca de vinganga € P°* oe encerrou-a como um velho que lograra trazer paz a Roma canst criar um exército permanente profissional, estabelecet um aa ao territério provincial de Roma que podia ser defendido “ ; sucesso pela forca militar, embelezar a capital, apoiar pinto" 152 viyitaizauy uth Car Da Reronuica ao IMperto esculloress melhorar a vida da plebe, utilizar todos os meios dispo- niveis par comunicar uma imagem de si mesmo como um gover- cexitoso ¢ generoso, € tentara remodelar a atitude romana em Vt re ao casamento e¢ aos filhos para preservar a classe alta. As mudancas introduzidas por ele na vida romana levaram historia- dores a classificar de “Era Augusta” as décadas iniciais do Império Romano. Apesar de séculos de estudos, ainda é dificil entender por completo os motivos de Augusto para ter feito 0 que fez. A “RESTAURACAO” DA REPUBLICA As guerras civis para decidir quem governaria Roma apos 0 assassinato de César forneceram o contexto histérico para a trans- formagao da Reptiblica em Império. Os concorrentes originais pelo poder nessa guerra foram Marco Antonio e Lépido, ambos generais experientes, e Otaviano (que ainda nao era conhecido como Augusto), sobrinho-neto de César, dezenove anos e militar novato, cuja nova identidade como filho de César rendeu-lhe a lealdade daqueles que haviam adorado César, sobretudo seus sol- dados. Sendo estudante na Grécia em 44 a.C., Otaviano so podia competir com Anténio e Lépido porque contava com o suporte dos militares veteranos de seu pai adotivo, que esperavam receber recompensas das riquezas do general morto. Otaviano enviow-0s Para lutar contra Antonio no Norte da Italia, mas, apos uma vito- ara Roma. O adolescente, com as ear '@ inicial, marchou os homens p: ., apesar de jamais Topas as costas, exigiu ser eleito consul em 43 a. ‘er exercido um cargo publico, Assim como ocorted com Pompeu, rae fez com que os senadores concedessem a Otaviano essa que Sla maior das excegdes d tradigao da escada de cargos. : Logo depois, Otaviano unin forgas com Antonio & Lépido Para tray, a [tilia. Derrota- aM toda i i a , Mod a oposigao, sobretudo os “Lib mbro °C. 0 trio formou o Segundo Triunvi ao emery ade a titica de Sulla ‘@r mais uma guerra civil contra rivals 0 ertadores”. Em nove! rato, o qual forgaram: 0s Na 2 : sn utdd a reconhecer como uma dispes ®COnstituir © Estado. Usaram sem pics! yericiall oficial 153 viyitaizauy cum Car Roma ANTIGA de proscrigio para suprimir inimigos, chegando a trair familiares 4 medida que faziam acordos entre eles s deviam assassinar. Derrotaram o exército dos “Libertadores baahadeFilipos, no Norte da Gréci, em 42 aC, Antnige pe viano conspiraram para relegar Lépido a um Papel secung, 3, apaziguando-o com 0 oficio de governador da Africa do Norte mas privando-o de qualquer poder de decisao na determinacio do futuro de Roma. Otaviano e Anténio basicamente dividiram 0 controle doter- ritrio romano entre si, sendo que Otaviano controlava a Italia e 0 Ocidente, e Anténio, os territérios do Mediterraneo Oriental, inclusive as ricas terras do Egito. Ao longo dos proximos anos, esses dois foram se tornando, pouco a pouco, publicamente hostis um contra 0 outro. Anténio uniu forcas com Cleopatra VII, rainha do Egito, Pela sagacidade e inteligéncia, ela fez de Antonio aliado € amante. Em resposta a essa formidavel alianga, Otaviano reu- niu os romanos alegando que Antonio planejava tornar Cledpatra a soberana estrangeira deles. Transformou os residentes da Ital e das provincias ocidentais em clientes, obrigando-os a fazer um juramento de lealdade a ele em 32 a.C. A vitoria de Otaviano sobre Cle6patra e Antonio em uma batalha naval na costa de Acio no noroeste da Grécia, em 31 a.C., venceu a guerra. Os amantes fugt ram Para o Egito, onde cometeram suicidio em 30 a.C Cleopatt® ‘csbou com a propria vida de maneira memorével, peritine ue uma cobra venenosa, simbolo de autoridade régia, a eae capt ra do reino do Egito, rico em recursos, por Otaviano fen dele 0 lider sem rival de Roma e de longe seu mais rico cidadao. ar Depois de distribuir terras a veteranos do exército par“ | poate filis a ele, Otaviano, em 27 a.C., fez um comin | Car de que estava restaurando a Republica. Procame 0 ‘abia a0 Senado e ao Povo romano decidir como pres" owe Soverno daquele mo Viano possufg F ue Mento em diante. Reconhecendo M ~, lentes, 8 Proprios ‘obre quem m pre ssi? ect + racio sel 4M Poder avassalador nessa situagao $¢ = do implorou a ele que fizesse o que fosse a * Repiblica restaurada, No intuito de *¢ 0 Sena Para proteger viyitaizauy COM Car [, rainha do Egito, e Mar- Jo por Otaviano (futuro a Cleopatra VU que foi derrotad c Figura 16, Esta moeda represent co Ant6nio, general romano, Augusto) na batalha marinha de Alexandre, o Grande, tinham © costume d moedas, mas na Republica nenhum lider César; os imperadores romanos Fetratos no lado frontal das moedas. Fo! tic Group, Inc./www.cngcoins.com- Reis gregos depois de Acio em 31 a proprio retrato 13s Je colocar 0 romano o fizera antes de Juilio ma tradigao, incluindo viyitaizauy cui Car Roma ANTIGA esse status especial, concederam-Ihe Onome honorétig de (“favorecido pelos deuses”), 0 qual aceitou, Otaviano, 5 eet pensou em mudar o nome para Romulo, Para enfatizar cig, o segundo fundador de Roma, mas decidiu que o Nome de rei, nao importa 0 quanto seja estimado, era Perigoso demais termos politicos. O sistema de governo criado por Augusto hoje € chamady de Principado, do seu titulo de princeps. Essa escolha de “py. meiro homem” como titulo foi uma jogada brilhante. Na Repj. blica, essa designacao honoraria fora concedida ao senador como maior status, 0 Ifder para o qual os outros senadores se voltavam para obter orientaco. Ao usar esse titulo, Augusto declarava, de modo implicito, dar sequéncia a uma das tradig6es mais valoriza- das da Republica, Além do mais, para parecer que levava adiante 0 respeito da Republica pelo Senado, insistia que s6 atuava como Princepsa pedido dos senadores. De tempo em tempo, obrigava-os 4 tenovar uma aprovacao formal de seu status concedendo a cle 0s poderes de cOnsul e tribuno sem exercer nenhum dos cargos Desta forma, os senadores submissos concediam ao princeps0 qv equivalia ao poder de um imperador, mas camuflavam a conces- sao alegando que essa era apenas uma restauracao, e que o sistem do Principado era, de fato, uma melhoria na manuten¢ao das dicoes da Repiblica, A ceriménia de governo também permanet? tradicional: Augusto vestia-se e agia como cidadao normal ¢™ «mo um monarca acima de todos os outros pela posigto soe” Seus Novos poderes eram descritos em termos conhecidos & Peitados Pelos cidadaos, transmitindo a nogao de que a den er gant Na verdade, Augusto revisou a See ; dele jamais ieee Tomana: nenhum funcionario P' one WU os poderes de dois cénsules a0 mes i" lacdo nag Acs 80s, a existéncia do Senado e a aprovagi i ‘bli emblei : : publi alidade ‘embleias Mantiveram a aparéncia de uma Rep orci? : Augusto e: ava oe © © Lesoure payee exerceu poder porque controlava Oa PUblicO, Augy «rit ices Isto reconfigurou essas instituls' lico ant mpe- ‘OS anos Na re viyitaizauy vom Car Da REPUBLICA Ao IMPERIO assegurar 0 poder: transformou 0 exército de uma milicia de cida- daos para uma forga permanente e utilizou a receita imperial para garantir 0 saldrio dos soldados. Estabeleceu Periodos regulares de servico para soldados e uma bonificacao consideravel na aposen- tadoria. Para pagar os custos adicionais, Augusto impés uma tri- butacao sobre a heranga. Esse imposto direto sobre os cidadaos, raridade na histéria romana, afetou os ricos, muito dele. As mudangas de Augusto evidenciaram a funcao do gover- nante como patrono do exército. Os soldados, em gratidao, obe- deciam a ele e o protegiam. Ele enviou uma expedicao militar para expandir a dominagao romana para a atual Alemanha, mas as trés legides da missao foram exterminadas em uma emboscada desastrosa em 9 d.C., na Floresta de Teutoburgo. Augusto, em desespero com 0 medo de rebelides e ataques e com os danos de perder tantos homens, parou de se barbear e de cortar o cabelo por meses, vagando pela residéncia em Roma e batendo a cabeca em uma porta enquanto gritava contra o comandante morto da expe- dicao: “Quintilio Varo, devolva minhas legides!” (Sueténio, Vida de Augusto 23). Concluindo que a expansio adicional era perigosa demais, ele agora se concentrou em fazer 0 exército defender o Perimetro existente do Império. Imperadores posteriores jamais desistiram do sonho de obter despojos e gléria com a ampliacao do territério romano, mas nenhum logrou manter controle de Rovas dreas essenciais por muito tempo. A maioria do exército estava estacionado distante de Roma, nas provincias, para oferecer seguranga contra rebelides internas ou invasdes de fora das zonas fronteiricas imperiais. Com 0 correr do tempo, como veremos, ¢ssa transformagao do exército no que equivalia a uma forga de Suarnicao em grande escala teria consequéncias terrivels para a &stabilidade financeira do Império Romano. oo. Comecando em 27 a.C., pela primeira vez na historia romana, ugusto também posicionou soldados na prépria Roma, chama- de pretorianos pela fungio original de estarem ¢ ean © guarda-costas proximos a barraca (praeforiuny que se ressentiram 157 Bea. viyitaizauy vuM Car Roma ANTIGA comandante no campo. Essas tropas formavam a guarda imperial principal, embora 0 imperador também tenha contado com uma pequena forga de mercenarios alemaes Para Protecao pessoal, figis apenas a ele. A guarda pretoriana, em conjunto com esses guarda. -costas estrangeiros, oferecia um lembrete visfvel de que a supe- rioridade do governante era, em realidade, garantida pela ameaca de forga, e nao s6 pela autoridade moral derivada do respeito aos valores romanos tradicionais. A comunicacao da imagem do imperador como lider bem- -sucedido e patrono generoso era fundamental para promover a estabilidade do novo sistema. Augusto foi brilhante no uso de meios tao pequenos quanto moedas e tao grandes quanto prédios para atingir esse objetivo. Sendo a tinica fonte de mensagens ofi- ciais produzidas em massa, as moedas podiam funcionar de forma semelhante a propaganda politica em cartazes ou adesivos atuais. As moedas de Augusto proclamavam slogans como “restaurador da liberdade”, para lembrar o povo de sua alegacao de ter restau- rado a Republica, ou “foram construfdas estradas”, para enfatizar © gasto de fundos particulares para pagar a construgao de rodovias. O programa de construcao de Augusto em Roma compro- Vava seu compromisso com a obrigacao tradicional dos ricos de usarem © prdprio dinheiro para o bem piiblico. Ele pagou Por Prédios enormes e repletos de decoragao, utilizando a vasta for- tuna herdada de Julio César e, mais tarde, ampliada por meio dos confiscos das guerras civis e reabastecida com os despojos con open Esses projetos arquitetonicos melhoraram x eer — mais do que isso, comunicavam a r0s0, O novo ¢ immense ae alguém devoto, atencioso c ue 40 antigo Forum Romano) pan Luma praca piiblica Pee idee ilustra sua habilidade brilhare oo eet MO centro ae Pedra e estétuas, 0 Por a comcast MERSABELS Ce te em 2-a.C., centrava-se em yar oe WUgusto, aberto formalment da guerra, e Venus, 4 — templo para Marte, o deus rom a sua ancestral divina, Av, 3 romana do amor, que ele alee cet * Augusto construiu o templo para agi! 158 | viyitaizauy vuM Car Da REPUBLICA AO IMPrRIO gos deuses pela vit6ria contra as forcas dos assassins de César Exibia a espada de Juilio César no templo como um memorial a pai adotivo. Colunatas de dois andares se estendiam pelo templo como asas, abrigando estatuas de célebres herdis romanos, para servir de inspiragao aos cidadaos. O Forum de Augusto também oferecia um espago pratico para servicos religiosos e para as ceri- monias que marcavam a passagem a vida adulta dos meninos da classe alta, Acima de tudo, também demonstrava a devocao do imperador aos deuses que protegiam Roma na guerra e na pro- criagao, respeito as li¢des morais da histéria e altruismo no gasto de dinheiro para fins publicos. Augusto construiu residéncia pes- soal no monte Palatino, onde vivia em simplicidade e modé: tia bem-divulgadas como um “cidadéo comum’”. Imperadores posteriores ndo seguiram seu exemplo, construindo palacios gigantescos na mesma colina, com vista panoramica para 0 Circo Maximo. Nesse local, ocorriam as corridas de bigas, uma das for- mas favoritas de entretenimento ptblico de Roma, perante mul- tides de até 200 mil espectadores. O proprio Augusto produziu um documento que permanece sendo a evidéncia individual mais significativa para a compreensao da imagem que desejava transmitir. Durante 0 longo reinado, ele trabalhou em uma longa declaragao por escrito que descrevia suas realizagoes. Ordenou que tal documento fosse publicado em toda Parte apés sua morte, ¢ versdes foram, portanto, Iscr ‘itas em luga- es publicos ao redor do Império. Conhecido hoje como Res Ges- tae (“coisas feitas; realizagoes”), era uma descrigdo em Bae Pessoa de seus feitos como lider de Roma ¢ dos enormes gastos Pessoais em prol do bem comum. De fe Saleen eae ava que sua carreira espetacular fora a manutenyse n si 4a Republica: quando adolescente, organizou wn exerero PY i : Dolica; Para vingar o (seg +e defender a liberdade da Repul i Bre pean aah pecusou itulo de ditador quando este erceu foi a de princeps ajudar © poves cio do poder maneira consistente, enfat- na guerra civil, recusou ot Oferecido. A tinica posigao que exe I

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