Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
IDO DESERTO!
PENSAR O MAL
COM ·
HANNAH ARENDT
UNIVERSIDADE DO PORTO
Faculdade de Letras
N.º ~~L~~GA
Data 2o]iLj o ~ 1230
DO DESERTO
Pensar o Mal com Hannah Arendt
Tese de Dissertação de Mestrado em Filosofia Moderna e Contemporânea
sob a orientação da Exma . Senhora Professora Doutora Maria José Cantista
FLUP-2000
3
Agradecimentos
SIGLAS UTILIZADAS
BPF - Between Past and Future, Viking Press, New York, 1961 (Penguin, 1993)
HTS - Men in Dark Times, Harcourt Brace, 1968 (Homens em Tempos Sombrios,
traducão de Ana Luísa Faria, Santa Maria da Feira, Relógio d'Água, 1991)
CM - Thinking and Moral Considerations, A Lecture, Social Research, n°3, 1971
(Considérations Morales, trad. Marc Ducassou e Dider Maes, Paris,
Payot et Rivages, 1996)
7
VE - The Ufe of the Mind, Harcourt Brace & World, 1978 (La Vie de l'Esprit ,
Vol. I - La pensée, trad. Lucienne Lotringer, Paris, PUF, 1981 ; Vol. 11 - Le
Vouloir, Paris, PUF, 1983)
QLP - Was ist Politik?, München, Piper, 1993 (Qu'est-ce que la Politique?
tradução e prefácio de Sylvie Courtine-Dénamy, Paris, Seuil, 1995)
ÍNDICE
PARTE I 11
O Mal e o Problema da Justificação dos Actos Humanos
CAP. I- Introdução 12
1. Apresentação do Trabalho 12
2. O Problema do Mal 16
3. Tradição e Modernidade 24
PARTE 11 52
Mal, Mundo, Liberdade
INTRODUÇÃO
1. Apresentação do trabalho
À Sú e ao Manel
Giuseppe Ungaretti
1 CH, pp.39-40: «A grandeza do homérico Aquiles só pode compreender-se se o vi rmos como 'o
agente de grandes acções e o orador de grandes palavras',(... ) o que originalmente significou não só
que a maior parte da acção política, até onde permanece à margem da violência, é realizada com
palavras, senão algo mais fundamental, ou seja, que encontrar as palavras oportu nas, no momento
oportuno, é acção, deixando de parte a informação ou comunicação que levem. Só a pura violência é
muda, razão pela qual nunca pode ser grande. » Sublinhados meus.
14
2 Tratando-se de uma opção de cariz claramente pessoal, não posso, entretanto, deixar de referir três
biografias a que tive acesso, a primeira das quais considero magistral: For the Lave ofthe Wor!d, de
Elisabeth Young-Bruehl; Hannah Arendt, de Wolfgang Heuer; e Hannah Arendt, de Sylvie Courtine-
Dénamy, referidas, de resto, na bibliografia geral.
3 ARENDT, Hannah- What Remains? The Language Remains: A Conversation with Günter Gaus, in
The Portable Hannah Arendt, pp.S-6: «Gaus: O seu interesse pela teoria política, pela acção e
comportamento pol íticos, está hoje no centro do seu trabalho. A esta luz, o que encontrei na sua
correspondência com o Professor Scholem parece particularmente interessante. Aí, escreveu, se me
permite citá-la, que ' não estava interessada na [s ua] juventude, nem em política nem em história' .
Professora Arendt, como judia, emigrou da Alemanha em 1933 . Tinha então 26 anos. Está o seu
interesse pela política - o fim da sua indiferença em relação à política e à história - ligada a estes
acontecimentos?
Arendt: Sim, concerteza. A indiferença j á não era possível em 1933 . Já não era possível até antes. ( ... )
O que aconteceu então era monstruoso, mas foi ofuscado pelas coisas que aconteceram mais tarde .
Isto foi um choque imediato para mim, e a partir daí senti-me responsável.»
15
2. O Problema do Mal
se eclipsa e, com ele, o pensamento como experiência do mundo. Se queremos reaver o sentido do
homem, é, po is, pelo político que temos que começar.»
5 o quadro de que, ·a partir daqui , apresen tarei um esboço, não tem qua isquer pretensões de carácter
exaustivo. A passos largos. pretende apenas apresentar um cenário histórico que fac i li te a
compreensão do carácter sem precedente do mal totalitário, ta l como Arendt o entendeu .
17
6
PLATÃO - A República, Il, 380 a: «Deus, uma vez que é bom, não é a causa de tudo, como
pensamos comummente; não é causa senão de uma pequena parte do que acontece aos homens e não
o é da parte maior, uma vez que os nossos bens são muito menos numerosos do que os nossos males,
e não devem ser atribuídos senão a ele, enquanto que para os nossos males é preciso procurar uma
causa, mas não Deus.»
7
PLATÃO- Ménon, 77c -78b: «Sócrates: Não te parece, meu caro, que todos desejam o que é bom?
Ménon: De modo algum.
Sócrates: Na tua opinião, alguns desejam o que é mau?
Ménon: Sim.
Sócrates: Queres dizer que eles olham o mal como bom, ou que, conhecendo-o por mau, não deixam
de o desejar?
Ménon: Um e outro caso parecem-me possíveis.
Sócrates: O quê? Ménon, julgas tu que um homem, conhecendo o mal pelo que ele é, possa continuar
a deseja-l o?
Ménon: Realmente.
Sócrates: A que chamas desejar? é desejar que a coisa lhe aco nteça?
Ménon: Que lhe aconteça, sem dúvida.
Sócrates: Mas esse homem, imagina ele que o mal é vantajoso para aquele que o experimenta, ou
sabe que é nocivo para aquele em que se encontra?
Ménon: Há quem imagine que o mal é vantajoso; e há outros que sabem que ele é nocivo.
Sócrates: Mas crês que aqueles que imaginam que o mal é vantaj oso, o conhecem como mal?
Ménon: Não creio.
Sócrates: É evidente, consequentemente, que esses não desejam o mal, q ue não o conhecem como
mal, mas que desejam o que tomam por um bem, e que é realmente um mal; de modo que aque les que
ignoram que uma coisa é má, e que a crêem boa, desejam manifestamente o bem. Não é?
Ménon: Parece que sim.
Sócrates: Mas quê? os outros que desej am o mal , tal como dizes, e que estão persuadidos que o mal
prejudica aquele em que se encontra, sabem sem dúvida que ele lhes será prejudicial?
Ménon: Necessariamente.
Sócrates: Não pensam eles que aqueles a quem prejudicamos, são de lamentar, ni sso que os
prejudicamos?
Ménon: Necessariamente, ai nda.
Sócrates: E que quando se é de lamentar, é-se infel iz?
Ménon: Creio que sim .
Sócrates: Ora, há alguém que queira ser a lamentar e infeliz?
Ménon: Não creio, Sócrates.
Sócrates: Se, portanto, ninguém quer ser tal, também ninguém quer o mal. ( ... ) »
18
8
BÍBLIA
Génes is, III 4-7: «A serpente replicou-lhe:'vocês não têm que morrer. De maneira nenhuma! O que
acontece é que Deus sabe que, no dia em que comerem desse fruto, abrirão os olhos e ficarão a
conhecer o mal e o bem, tal como Deus' . A mulher pensou então que devia ser bom comer do fruto
daquela árvore, que era apetitoso e agradável à vista e útil para alcançar a sabedoria. Apanhou-o,
co meu e deu ao seu marido que comeu também . Nesse momento, abriram-se os olhos de ambos e
deram-se conta de que andavam nus.»
Livro de Job, XIII 23-29: «Que maldades ou pecados tenho eu? Mostra-me os meus crimes e
pecados ! Por que é que desvias de mim o olhar e me tratas como teu inim igo? Precisas de meter medo
a uma fo lha caída ou correr atrás de uma palha seca? Fizeste contra mim um relatório de rebeldias e
continuas a faze r-me pagar por erros da infância. Prendes os meus pés com cadeias e observas todos
os meus passos, anotando em pormenor toda a minha vida. Mas a minha vida desfaz-se como madeira
podre, como roupa que a traça vai roendo.»
Ecles iastes, IX 2-3: «Para todos existe o mesmo fim : para o inocente e o culpado, para o bom e para o
mau, para o que oferece sacrifícios e para aquele que não os oferece, para o j usto e para o injusto,
para o que faz juramento e para o que tem medo de o fazer. Este é o pior dos males deste mundo, que
todos tenham o mesmo fim . O coração dos humanos está cheio de maldade, a ignorância domina-os
comp letamente durante a vida e, depois de tudo, acabam por morrer.»
Romanos, VII 14-24 : «Sabemos que a lei vem de Deus, mas eu sou um homem fraco, vend ido como
escravo ao pecado. Nem me compreendo, pois não faço aquilo que queria fazer e faço o mal que
detesto. [... ]Encontro pois em mim esta regra: quando quero fazer o bem, faço o mal. No meu int imo,
quero segu ir a lei de Deus, mas vejo que no meu corpo há uma outra lei que está contra a minha
intel igência . É isso que me torna prisioneiro da lei do pecado que está no meu corpo. Que infel iz eu
sou! Quem me li bertará deste corpo que me leva à morte?»
9 JONAS, Hans- Le Concept de Dieu apres Auschwitz, pp . 34-35 : «Acontecendo actos
recitamos todos os anos, nós judeus, para comemorar a saída do Egipto - mas perseguindo o seu fim
não cumprido com um mutis mo penetrante.»
°
1
11
Cfr. AGOSTINHO- Confissões, VII, 12
RICOEUR, Paul- O Mal, p.32: «Agostinho sustenta que o mal não pode ser entendido como
substância, pois pensar o ' ser' é pensar ' intel igivelmente', pensar 'uno' , pensar ' bem '. Então, o
pensar fil osófico exclui todo o fantasma do mal substanci al. Por outro lado, nasce um a nova ideia do
nada e do ex nihil o, contida na ideia de um a criação total e· sem excesso. Ao mesmo tempo, um outro
conceito negativo, associado ao precedente, toma o lugar de uma distância ôntica entre o criador e a
criatura que permite falar de deficiência daquele que é criado enquanto tal; em virtude desta
deficiência, torna-se compreensível que criaturas dotadas de livre escol ha possam 'decli nar-se' longe
de Deus e ' inclinar-se' em direcção ao que tem menos ser, em direcção ao nada.»
12 Cfr. AGOSTINHO- De Civitate Dei, X I, 22
20
15
ESPINOZA, Baruch- Ética, Apêndice ao Livro ! , p. 67: «Muitos, com efeito, têm o hábito de
argu mentar assim. Se todas as coisas seguiram da necessidade da natureza de um Deus totalmente
perfeito, donde vêm então tantas imperfeições existentes na Natureza? Quer dizer, donde vem que as
coisas se corrompam até ao fétido, que sejam disformes até à náusea, donde vêm a confusão, o mal, o
pecado, etc. É fácil responder. Porque a perfeição das coisas deve estimar-se somente pela sua
natureza e poder, e elas não são, então, nem mais nem menos perfeitas porque agradam aos sentidos
do homem ou os ofendem, porque convêm à natureza humana ou lhe repugnam.»
16 HEGEL, G.W.F.- La Raison dans l'Histoire, cap.l, p.68: «Ü mal no universo, incluindo o mal
moral, deve ser compreendido e o espírito pensante deve reconciliar-se com o negativo. [ ... ] Esta
concili ação não pode ser alcançada senão pelo conhecimento do afir,mativo no qual o negativo se
reduz a qualquer coisa de subordinado e de ultrapassado e esfuma-se. E a tomada de consciênci a, por
um lado, da verdadeira finalidade do mundo e, por outro lado, da realização desta finalidade no
mundo: perante esta ultima finalidade e a sua realização no mundo, o mal não pode subsistir e perde
toda a sua validade. [... ] A razão não pode eternizar-se ao pé das feridas infligidas aos indivíduos,
porque as finalidades particul ares se perdem na finalidade universal.»
17 RICOEUR, Paul-. Op. cit., p.39 : «A negatividade é, a todos os níveis, o que constrange cada figura
do Espírito a jogar-se no seu contrário e a gerar uma nova figura que ao mesmo tempo suprime e
conserva a precedente, segundo o sentido duplo do Aujhebung hegeliano. A dialéctica faz assim
22
coincidir, em todas as coisas, o trágico e o lógico: é necessário que alguma coisa morra para que
alguma coisa maior nasça.»
18
VE I,p.l8
23
19
VILLA, Dana -Politics, Philosophy, Terror, p. 34: « Arendt reconhece que [o declínio da fé]
desempenhou pelo menos um papel negativo em tornar o totalitarismo possível, contudo, contesta a ideia de que
o pecado do 'orgulho' (no sentido Agostiniano tradicional) esteja por trás da experiência totalitária. O que é
crucial não é simplesmente a hubris e a aspiração à omnipotência manifesta na ideia de mudar a natureza
humana, mas o papel desempenhado pela submissão, tanto no caso dos líderes como no dos seguidores.»
20
OT III, p. 20 1
BERNSTEIN, Richard J.- Hannah Arendt and the Jewish Question, p. 143: «Se Arendt está a ser
justa com Kant é discutível. Mas é claro que Arendt crê que Kant não alcançou o que ela pretende
s ignificar com 'mal radical'. A análise de Kant é baseada no pressuposto de que há m otivos
compreensíveis que podem explicar o mal radical. Mas é isso, precisamente, que A rendt está a por em
causa. É por isso que diz que 'não temos nada em que nos apoiar em ordem a compreender um
fenóm eno que, contudo, nos confronta com a s ua esmagadora reali dade. ' »
24
3. Tradição e Modernidade
21
CC, pp. 28-29
22
VILLA, Dana- Op. cit., p. I 94 : « O desejo de Platão e Aristóteles de pensar a acção como uma
espécie de fazer- de 'reformular' a acção política de modo a que ela aparecesse tão pouco afectada
pelo facto da pluralidade humana como a actividade de fabricação- não se esgota nas suas escol has
dos fenómenos políticos que consideravam valer a pena estudar. Pelo contrário, levou-os a criar uma
óptica sobre a vida política na qual a liberdade, sentido e objectivo da acção, eram reinterpretadas de
modo a que os efeitos 'desestabilizadores' da pluralidade humana (e da cidadania democrática ou
republicana) pudessem ser contidos, senão mesmo e liminados.»
25
espontaneidade, de identificar li berdade e controlo, juízo e episteme, legitimi dade e obediência a uma
' lei superior', tudo são características da tradição Ocidental do pensamento político (tal como Arendt
o entende) e o toti1litarismo.»
24
CH, p. 247
25
Op. cit., p. 243
26
Op. cit., p. 242
26
27
VE I, p. 37
28
CH, p. 250
27
29
Op. cit., p. 242
°CC, p. 30
3
28
31
CH, p.ll6
32
CC, p. 38.
33
Op. cit., p. 30
34
Op. cit., p. 31
29
35
CH, pp. 247-248
36
BOWEN-MOORE, Patricia, Hannah Arendi 's Philosophy of Natality, p. 128 : «Ü homo faber de
Arendt é o fabricante do mund o. O homo faber de Marx, contudo, é o home m histórico enquanto
distinto do homem socializado (is to é, animal laborans, estritamente fa lando). No que respeita à
actividade política do homo faber, Marx vê o homem hi stórico como o fabricante da hi stória sempre
que é instru mental em efectuar uma mudança na estrutura social através de me ios violentos
(revolução). A relação entre a violência e as acções do homo faber reside na Assumpção de que agir
na natureza sempre requer uma ruptura com o que é natural. Segui ndo esta linha de pensamento, se a
história é vista como um processo natural, então a violência é uma interrupção necessária no curso
natural das co isas. Marx estava convencido de que a violência era a parteira da história e que a acção
política- no modo de homo faber- é pri mordialmente violência: daí a eq uação de Marx da história
com a política. Arendt expl ica que a convicção de que a acção política é essencialmente violência e
que a hi stória é feita pelo homem 'não se deveu à feroc idade gratuita de um temperamento
revo lucionário, mas tem o seu lugar na filosofia da história de Marx, que sustenta que a hi stória( ... )
pode ser feita pelo homem com inteira consciência do que está a fazer. (...) Ele viu a feitura da
história em termos de fabricação; o hom em histórico era, para ele, primordialmente, homo jaber.'»
37
CC, p. 39
30
claro onde essas ideias, bem como outras presenças, se tinham outrora
tornado visíveis aos olhos dos homens. , 38
Entretanto, nenhum destes dados está, por si só ou no seu conjunto,
habili tado a explicar a catástrofe totalitária do nosso tempo. Ela constitui-
se como uma ruptura por relação às categorias de pensamento e critérios
morais tradicionais, pelo que se assume como o radicalmente sem
precedente.
38
Op. c it., p. 57
31
CAP. 11
39
KAT EB, George- Politics, Con~cience, Evil, p. 77: « Para Arendt, nem a aspi ração ao poder total
nem a possessão de poder total ou quase total é suficiente para indicar a presença do totali tarismo. O
t irano intoxicado pelo exercíc io do poder e o líder decid ido pe la completa fa lta de escrúpulos- dois
t ipos que podem parecer mais facilmente diferenciáveis teoricamente do que nos exemplos hi stóri cos
que os apresentam para análise e juízo - não são intei ramente descontínuos com a natureza humana
comum. (... ) O ponto é que, para Arendt, a li derança totalitári a não é para ser exp licada assim . o
totalitarismo é um fenómeno dis tinto porque as raízes dos seus actos não são exp licáveis por nenhum
dos modos comuns que usamos para dar sentid o ao que pode perturbar-nos.»
32
são nenhuma ajuda para nos conciliar com a sua linha de acção, para a
julgar ou predizer. ,, 40
Nesse sentido, o título de As Origens do Totalitarismo não deve
iludir-nos 41 : não se trata de qualquer tipo de explicação causal que
pudesse conduzir-nos à interpretação do mal totalitário como rejeição dos
li mites morais tradicionais ou como patologia pessoal, emanação do génio
demoníaco do líder: " Os componentes do totalitarismo constituem as suas
origens, na condição de que por 'origens' não se entenda 'causas'. A
causalidade, quer dizer, o factor de determinação de um processo
composto por elementos no seio do qual, sempre, um acontecimento causa
outro e pode ser explicado por ele, constitui verdadeiramente, no domínio
das ciências históricas e políticas, uma categoria totalmente deslocada e
fonte de distorção .,, 42 Com efeito, é característica do fenómeno totalitário
- e do universo concentracionário em particular- derrubar a categoria de
meios- fins, tão querida à explicação das ciências sociais e da psicologia, a
que Arendt não poupa as mais severas criticas: ''Evidentemente, as
categorias utilizadas pelas ciências sociais, mesmo que se tenham tornado
muito estereotipadas, têm mais hipóteses de chegar a algumas intuições do
que as noções dos psicólogos, nem que seja porque as primeiras são tiradas
de um mundo real e não de um universo fantasmático. Mas na verdade,
isso não faz, infelizmente, muita diferença . Desde que a im agem do pai
40
OT III, p. 203
41
KATEB, George- Op. cit., pp. 55-57:« Arendt está a dizer que o totalitarismo- pelo menos nas suas
primeiras aparições nas formas de nazismo e estalin ismo- aconteceu contra todas as probabilidades;
que foi uma espécie de milagre, um milagre negro. Ela é clara em relação a que, por ter acontecido
uma vez, um fenómeno pode mais facilmente acontecer de novo. Dificil, é a primeira vez: tão difícil
que o fenómeno- neste caso o totalitarismo- tem de permanecer inexplicável.( ...) O Total itarismo( ...)
é inexplicável num duplo sentido. [Por um lado] não é redutível ao 'produto' de causas antecedentes,
[e, por outro], resiste à atribuição retrospectiva de qualquer tipo de racionalidade. ( ...)Em suma, o
totalitarismo não é concebível, não é conceptualmente possível, não é reconhecível superficialmente,
não experiencialmente fami liar, não é capaz de receber adesão e cooperaç~o, s em várias gerações de
anti-semitismo, outras formas de racismo e imperialismo (não apenas em Africa). Ao mesmo tempo,
0 total itarismo não é a sua derivativa causal ou produto lógico. ( ... ) O totalitarismo é da
responsabilidade da Europa: esta é, certamente, uma das idéias principais que Arendt nos deixa,
apesar de nunca pôr a questão assim tão cruamente.»
42
NT, p. 73
33
43
Op. cit., p.74
44
AJ, p. 203
34
45
OT UI, p. 204
46
VILLA, Dana R.- Arendt and Heidegger, The Fate ofthe Politica!, p. 255: «Como Arendt salienta
em ' Ideologia e Terror', nenhum regime anterior acalentou a ideia de identificar a fo nte trans-humana
da auto ridade directamente com a ordem política: todos tinham visto a necessidade de estruturas de
autoridade mediadoras, artificiais - por exemplo, a lei positiva - como a necessária 'tradução' do
imutável ius natura/e, sem as quais esta lei seria irrelevante para a esfera dos assuntos hum anos. A
disti nção resultante entre j ustiça e legalidade é superada por um regime totalitário que varre o
cascal ho das autoridades tradicionais e pretende 'estabelecer o reino directo da justi ça sobre a terra'.»
47
VILLA, Dana R.- Politics, Philosophy, Terror, p.17: «( ... ) O que o totalitarismo assume é a
possibil idade de dominar seres humanos inteiramente (' dominação total'), de tal modo que já não
possam interferir com a ' lei do movimento'- da Natureza ou História- que o movimento totali tário
procura acelerar. .Tais leis do movimento (... ) providenciam o 'supersentido' dos movimentos
tota litários, uma meta-narrativa com a qual tentam por a realidade de acordo . O objectivo do
totalitarismo não é senão refazer a humanidade e o mundo de tal modo que ' os factos' reflictam a
verdade do supersentido ideológ ico.»
35
48
NT, p. 205
49
Cf. Nota 38
50 VILLA, Dana - Op. cit. , p . 35 : «Porque o alvo do totalitarismo não é, como o exemplo naz i parece
53
Hannah Arendt - Karl Jaspers Correspondance 1926 - 1969
54
VILLA, Dana- Op. c it., p. 33: «A concepção arendtiana do mal rad ical apoia-se num específico (e,
para a lguns talvez, idiossincrático) conj unto de pressupostos normativos. Como a sua resposta a
Voeglin demonstra, seria errado atribuir-lhe uma concepção robusta de natureza humana, que
pressupusesse um hiato entre a essência imutável e a existência contingente. Ainda assim, Arendt
press upõe uma vari ante existencialista do ponto Rousseaun iano/Kantiano sobre a li berdade e a
es pontaneidade.»
55
OT III, p. 200
56
Op. cit., p. 13
37
57
NT, p. 108
58
Op. cit., p. 113
59
OT II, p. 18
38
2. Medo e Terror
60
NT, p. 105
61
OT III, p. 224
39
62
Op. cit., p.2 l4
63
KATEB, George- Op. cit. , p.76: « O totalitari smo é genocíd io, um genocídio metódico ' num
quadro de ordem legal'. O totali tarismo é a matança metód ica de certas popu lações em grande escala
(envolvendo m ilhões) levada a cabo de liberadamente e como questão po lítica pelos que estão no
poder, cuj o object ivo primord ia l é matar essas populações, e mata-las apesar de não serem hostis nem
mes mo d iss identes, ou obstácu los para um qualquer objecti vo de utilidade, ou estarem na posse de
bens de qualquer tipo de que os seus assass inos precisem, quei ram ou cobicem. Para o observador
racional o total itari smo é tão gratuito quanto metódico: combina a mais extrema eficácia de método
com o que parece ser a total ausênc ia o u vazio de m otivo.»
64
BERGEN Bernard J. - The Banality of Evil, p. 155: « Arendt vê que se quisermos agarrar a
natureza única do tot al itaris mo, temos de inverter o nosso entendimento tradi cional do terror: as
imagens tradicionais do terror são imagens de pessoas demasiadamente paralisadas para se mover;
mas para o totalitarismo, o terror é a arma da lei que chama os homens à acção. Mas a chamada à
acção não é uma chamada a agir, que pode apenas ser dirigi da a indivíduos. Onde os indivíduos são
apenas a corporização da le i do movimento, estão apenas a transportar [motion-carrying] o terror que
é a s ua lei.»
40
65
NT, p. 103
66
Op. cit. , p. I 00
67
Op. cit., p. 103
68
OT III, p. 215
41
69
VILLA, Dana R. - Arendt and Heidegger, 1he Fate of the Politica/, p. 25 8: «A decisão de
exterminar os judeus - de eliminar, de uma vez por todas, essas testemunhas das origens plurais do
Ocidente Greco-Judeo-Latino ele mesmo - segue, como Lacoue-Labarthe enfatiza, uma lógica que é,
estritamente falando, espiritual ou metafisica. É a decisão de identificar a heterogeneidade com um
povo - ver os judeus como o elemento heterogéneo por excelênci a - e 'eliminar' a ameaça colocada
por esta heterogeneidade exterminando a sua corporização exteriorizada. A diferença que precede e
assombra a identidade, e que desestabil iza todas as tentativas de institucional izar a identidade, produz
uma vontade violenta naquele ' povo'- os alemães- que são os mais ameaçados pela artificia lidade da
sua própria identidade nacional. De que outro modo se compreenderia a paradoxal declaração de
Hitler, 'o judeu eq1 cada um de nós' , uma declaração que, de uma só vez, reconhece a 'primordial'
contaminação' da identidade e ordena a aniquilação de uma alteridade [otherness) exteriorizada,
substanc ializada?»
70
OT III, pp.21 1-2 12
42
71
NT, p. II I
72
AMIEL , Anne- Hannah Arendt, Política e Acontecimento, p.3 1: « O princípio totalitário e o
movimento que impl ica forma m um conceito novo da realidade e do poder, com, podem os ins istir,
um antiestadismo (o Estado im põe a rigidez de uma estrutura, de um quadro gera l, de um territóri o),
um antinacionalis mo (os Arianos não são, por exempl o, os alemães, e o movimento supera a nação e
os interesses naciona is), e um anti- utilitarismo.»
73
NT, p. I I3
43
74
OT III, p. 148
44
3. Totalitarismo e Anti-Semitismo
75
AJ, p. 206
45
76
0T II, pp. l7-18
77
EJ,p. l0
46
78
OT II , pp.9-10
79
Op. cit., pp.16-1 7
47
°
8
KATEB, George- Op. cit., p. 59: «A grandeza de Arendt reside, precisamente, na sua honestidade.
Põe de lado tudo o que a deixaria a si e aos seus companheiros étnicos confortáveis, se esse conforto
é comprado pela auto- ilusão ou meio-conhecimento. No seu juízo, o anti-semi tismo moderno
depende do carácter do judeu moderno. Nunca diz estupidamente que os judeus mereceram o que
tiveram no século XIX e XX. Antes, tenta mostrar que dados certos padrões de vida judaica, a
resposta do anti-sem itismo não estava fora da esfera da normal maldade humana ou da pouco
imaginativa resistência ao estrangeiro ou dessemelhante.»
81
OT II, p.24
82
Op. cit, p.26
83
Loc. cit.
48
84
Op. cit., pp.27-28
85
Op. cit., p. 28
49
86
EJ, p. 28
87
OT II, p.32
88
Op. cit., pp. 32-33
50
89
NT, p. 42 .
90 VILLA, Dana R.- Politics, Philosophy, Terror, p. ll: « A medida que o século XX se encaminha
para 0 fi m, é d ificil evitar ser tomado pe la náusea moral. ( ...) Qualquer concepção de dign idade
humana que parte do pressuposto do progresso mora l da espécie foi estil haçada por estes
acontecimentos. Montaigne, o observador céptico da humana e pers istente id iotice mora l, e não Kant,
mostro u-s e certo. Nenhuma escondida mão da providência ou natureza nos conduz.»
91
OT III, pp. 180- 18 1
92
Cf. nota 34
93
CC, p. 19 8 (o s ublinhado é meu) .
51
94 BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 137: «Em 1945, Arendt declarou: 'o problema do mal vai ser
a mais fu ndamental questão da vida intelectual na Europa do pós-guerra'(EU, I 34). Enganou-se. A
maioria dos intelectuais evitou qualquer confronto directo com o problema do mal. Mas e le tornou-se
fundamental para Arendt. Voltou a ele repetidamente, e ainda estava a lutar com ele na altura da sua
morte.»
95
NT, p.67
PARTE 11
Mal, Mundo, Liberdade
53
CAP. I
As Figuras do Mal
96
CH, p. 100
55
97
natureza nos fala, , uma natureza que e indiferente à sorte da
individualidade.
De facto, Arendt não se cansa de salientar que, enquanto integrante
da Zoe, o homem não aparece senão enquanto membro da espécie, pelo
98
que não é ainda individuo • Como se de um estádio primitivo e intra-
humano do existir se tratasse, confrontamo -nos com o sem limite da
indiferenciação- o 'individuo' orgânico constituinte da Zoe, está
submetido àquilo a que Arendt chama uma 'circularidade natural' , ou seja,
o homem é verdadeiramente da natureza, pertence-lhe totalmente. 99
O labor é a mais natural e menos mundana das actividade do
homem- " de todas as actividades humanas, só o labor, não a acção nem o
trabalho, é interminável, e progride de maneira automática e em
consonância com a própria vida e à margem das decisões ou propósitos
100
humanamente intencionados ., E porque o processo da vida se localiza no
corpo, o labor é actividade ligada à vida por excelência. Ora, é à
necessidade que o homem deve ser capaz de opor o seu poder de começar,
isto é, a su a contingência, porquanto a vida humana - se se quer humana -
deve confrontar o natural, elevar-se acima dele e vencer 101 : « a ' natureza'
97
ARENDT, Hannah- Labor, Trabalho, Acção- Uma Conferência, in De la Historia de la Acción,p.95
98
TAMINIAUX, Jacques- La Filie de Thrace et le Penseur Professionnel, p. 42: «Porque ela não é,
no fi nal de contas, mais do que aquilo a que Marx chamava o ' metabolismo com a natureza', esta
actividade de trabalho no senti do de labor não pode senão parti lhar as características do ciclo vital no
qual se inscreve: repetitividade, mu lt iplicação, interdependência dos corpos, anonimato fundamental
do agente. Entendida à luz da vida, a questão 'Tu quem és, tu que penas?' ( ... ) não saberia pôr-se,
porque uma s ingularidade ins ubstituível não poderia surgi r num processo cíc lico regido pela
repetição do mes mo.»
99
MOLOMB 'EBEBE, Munsya- Le Paradoxe, p.30
°
10
101
CH, p. 117
ESLIN, Jean-Claude- L 'Obligée du Monde, p. 59 : «Em Arendt, o homem é, antes de mai s, poder
de s e arrancar à naturalidade, de deixar a trad ição. Partici par, tomar parte no mundo não é nunca
natural, não é enraizar-se, mas arrancar-se. Mas este arrancamento é também uma pertença, não é
uma subjectivização, não visa um isolamento, mas prossegue no seio de um mundo co mum.»
KOHN, Jerome- Evil and Plurality, in Hannah Arendt, Twenty Years Later, p. 147: «Hannah Arendt
estava interessada no que as pessoas fazem e nos modos como o que fazem afecta o mundo, para o
melhor e para o pior. O centro, aqui , não é a terra natural mas o mundo humano, um artificio
erguendo-se entre os homens e mulheres, continuamente afectado pelo que eles fazem para flo rescer e
perdurar, e também pelos modos como pensam em ordem a reconciliarem-se com a sua existência. Os
seres mortais não pediram nem chegam preparados para viver neste mundo. É, antes, como se
emergissem de lugar nenhum, aparecendo primeiro como estranhos, depois comunicando e
56
tratare i ad iante. Interessa apenas sublinh ar, neste momento, que tanto o pária como o animallaborans
representam aqueles a quem o mund o é tirado e a quem só resta a natureza, como preocupação, num
caso, como consolação, no outro).
104 MOLOMB 'EBEBE, Munsya- Op. ci t., pp.29: «Sem começo nem fim, poder-se-ia dizer, por
analogia ao tempo hum ano, que este campo pré-individual corresponde à eternidade, devendo esta ser
compreendida não como um a transcendênc ia metafisica, mas como uma etern idade puramente
materi al que a fin itude das nossas categorias humanas de conhecimento não pode integrar. Do mesmo
modo que não se pode falar aqu i, propriamente, de espaço, mas de puro continuum material, também
não há tempo enquanto temporalidade, mas puro continuum 'atemporal' .»
57
105
CH, p. J IO
106
Op. cit., p. 30
107
BPF, p. 42
58
mortalidade é, portan to, seguir uma linha rectilínea num universo onde
tudo o que se move o faz numa ordem cíclica. ,, 108
O trabalho dos nossos corpos, por outro lado, assume-se, em rigor,
como um «misturar-se com,, uma vez que o reverso do labor é o consumo .
Por esta razão, " quando Marx definiu o labor como 'o metabolismo do
homem com a natureza' ( .. . ) indicava com clareza que 'falava
fisiologicamente' e que labor e consumo não são mais do que duas etapas
do sempre repetido ciclo da vida biológica. , 109
Na medida em que participa do ciclo vital, o labor produz para
consumir, produz apenas vida e só incidentalmente objectos, pelo que não
deixa atrás de si nenhum produto durável- neste sentido, «as coisas menos
duradouras são as necessárias para o processo da vida. O seu consumo
apenas sobrevive ao acto da sua produção . ( ... ) Após curta permanência no
mundo, retornam ao processo natural que as produziu ( ... ) em consonância
com o sempre repetido ciclo da natureza. , 110
É, pois, o puro funcionalismo dos bens de consumo que remete para
o Eclesiastes : «Não há nada de novo sob o sol ( ... )Não ficaram lembranças
de outrora,, 111 • Este aspecto devorador e destrutivo do labor, contudo, só
se evidencia de um ponto de vista outro que não o do labor mesmo, a
saber, do ponto de vista do mundo, do ponto de vista da história .
Ora, << o mundo, o lar levantado pelo homem na Terra e feito com o
material que a natureza terrena entrega às mãos humanas, é formado não
por coisas que se consomem, mas por coisas que se usam . Se a natureza e
a Terra constituem no geral a condição da vida humana, então o mundo e
as coisas dele constituem a condição sob a qual esta vida especificamente
humana pode estar no lar sobre a Terra. ,, 112 Esta passagem remete-nos,
108
CH, p. 3 1
109
Op. cit, p. 11 2
110
Op. cit., pp. I 09-11 O
111
BIBLIA, Eclesiastes 1-9; 11 in Op. cit., p. 227
112
Op. cit., p. 141
59
113
BPF, p. 48
60
do seu agente.,, 114 Quer dizer, para a Grécia dos poetas, é do compromisso
com a concreta realidade da esfera dos assuntos humanos, e com a vida
política em particular, é da assunção da contingência, da insegurança
efémera, da demasiado humana fragilidade de tudo o que à vida dos
homens sobre a terra diz respeito, é, enfim, do canto da finitude - e não
do poder do pensamento que encontrou na alienação do mundo a sua
grandeza - que pode surgir ainda um destino imortal.
Com Platão, contudo, e numa viragem já preparada por Parménides
e Sócrates, o desejo de imortalidade individual é abandonado: equiparando
o desejo de fama imortal ao natural desejo de ter filhos, o desejo de
imortalidade individual é substituído, na filosofia política de Platão, pelo
da imortalidade da espécie. E é neste sentido, enfim, que o original
sentido da grandeza dos mortais, distinta da dos deuses e da natureza, se
perdeu: o movimento histórico, entendido como a interrupção violenta
com que as actividade humanas ferem aquilo que, na ausência de mortais,
seria eterno, entendido, por outras palavras, como figura do
extraordinário, passara a construir-se à imagem da vida biológica.
O velho paradoxo, enfim, «foi resolvido pelos filósofos negando ao
homem não a capacidade de se 'imortalizar', mas a capacidade de se
medir a si mesmo e aos seus feitos contra a grandeza perpétua do cosmos,
de conciliar a imortalidade da natureza e dos deuses com uma imortal
grandeza dele próprio. A solução aconteceu claramente a expensas do
'fazedor de grandes feitos e orador de grandes palavras.' ,, 115 E foi também
o 'fazedor de grandes feitos e orador de grandes palavras'- e até a
imortalidade mental experimentada pelo filósofo - que o Cristianismo
sacrificou 116 • Com efeito, ,,a 'boa nova' cristã sobre a imortalidade da vida
1 14
Op. cit., p. 46
115
BPF, p. 47
116
BO WEN-MOORE, Patricia- Op. cit., p.Jl2: « a mundaneidade outra [otherworldliness] do
primeiro Cris tianis mo é uma fo rma de não-mundaneidade [worldlessness] que inverteu a antiga
crença num a imortalidade terrena ganha s omente através da grandeza de fe itos e palavras ou ating ida
através de um t ipo de imortalidade mental experimentada pelo filósofo. A não-mundaneidade inerente
61
a esta mundaneidade outra dos primeiros cristãos é tematicamente estruturada, primeiro, pela
consciênci a histórica que via o mundo como temporal e, como todas as coisas temporais, perecendo
com o tempo, e em segundo lugar, pela atitude abraçando o carácter profundamente sagrado da vi da
que enfatizava a importância da imortalidade individual. Ambas as atitudes devem a sua centralidade
e duração ao modo como o credo entendeu o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Cristo.»
117
CH, pp. 338-339
118
Op. cit., pp. 340-341
62
119
VE I, pp.l 77- l 78
120
Op. cit. , p. 179
63
121
CH, p.33
122
[ Aqui até as montanhas parecem apenas repousar sob a luz das estrelas; são lenta e secretamente
devoradas pelo tempo; nada é para sempre, a imortal idade deixou o mundo para encontrar um lar
incerto na escuridãodo coração humano que tem ainda a capacidade de recordar e dizer: para sempre]
- segui ndo a tradução da própria autora em BPF, p. 44
123
Op. cit., p. 44
124
Cf. Ricoeur, Paul- Lectures I, pp.43 -65
64
125
MOLOMB'EBEBE, Munsya- Op. cit., p. 46: « O mundo objectivo não se li mi ta, para Arendt, ao
artificio humano material. Ele compreende igualmente o artificio humano imaterial: as leis, os
costumes, os tabus, ... em suma, todas as disposições inventadas pelo homem para estabi lizar e regular
as relações entre os indivíduos.»
126
ESLIN, Jean-Claude- Op. cit., p. 18 : «0 mundo é, evidentemente, uma noção anti -idealista, um
'anti-objecto' , uma noção que evita a 'objectividade'. A palavra diz da resistência de um espaço que é
mais que um a sociedade ou que um universo.»
127
CH,p.ll0
65
128
Op. ci t., p. 158
129
Op. cit., p. 191
130
T AMINIA UX, Jacques- Op. cit., p.44 : « O mundo não é de nenhum modo a natureza como meio
de vida, e ainda menos o universo. Um mundo s ustem-se num conjunto de artefactos conquistados à
natureza, mas resistindo à torrente do seu ciclo. É neste ponto que se marca o desacordo mais nítido
entre Arendt e Marx. ( ... ) Com Marx, Arendt sustenta que os humanos se tornam tais inventando os
artefactos. Contra ele, ela sustenta que esta invenção não tinha como finalidade assisti r o ciclo da
vida. Tem por fim muito mais o resistir a este ciclo para opor ao seu eterno retorno a consistência, a
estabil idade, a permanência de um habitat no seio do qual o 'quem' pudesse aparecer.( ... ) É preciso
um mundo para que uma vida possa aparecer como vida de alguém.»
66
assim como com os assuntos dos que habitam juntos no mundo feito pelo
homem. ( ... ) O mundo, com tudo o que está no meio, une e separa os
homens ao mesmo tempo. A esfera pública, tal como o mundo comum,
junta-nos e, não obstante, impede que caiamos uns sobre os outros, por
assim dizer.,, 131
Ser privado de mundo equivale, consequentemente, a ser privado do
espaço da aparência, onde cada um é visto e ouvido por t odos, equivale,
nas palavras de Heráclito, a ser algo que «passa como um sonho, que não
tem qualquer real idade.,, 132
131
CH, p.62
132
KATEB, George- Op. cit., p. 173: «Ser alienado do mundo pode não querer dizer opressão, ou
violência física ou mental. Os párias podem estar confortáveis, embora normalmente o não estejam. O
que importa finalmente, contudo, é ter um mundo: o lugar das mais altas oportunidades existenciais
bem como dos maiores perigos. Dá aos indivíduos identidade e hipótese de reconciliação, mas pode
também pedir que se abdique de confortos e da própria vida.»
67
conquista. Com efeito, ,,nada poderia ter sido mais estranho ao propósito
dos exploradores e circumnavegantes da primeira Época Moderna do que
este processo final ; eles iam ampliar a Terra, não reduzi- la, e quando se
submeteram ao apelo do distante, não tinham a intenção de abolir a
distância. Só a sabedoria da percepção tardia vê o óbvio, que nada pode
permanecer imenso se se pode medi-lo, que toda a panorâmica junta
partes distantes,e portanto estabelece a contiguidade onde dantes
imperava a distância., 133 E assim, os mapas e as cartas de navegação
antecipavam as invenções posteriores, que reduziriam a Terra a um
pequeno espaço ao alcance da mão.
A Reforma, por seu turno, porquanto marcou o início do processo de
expropriação de propriedades, é também figura da alienação: privando
milhões de indivíduos do seu << lugar no mundo", preparou o terreno às
expropriações futuras e à acumul ação de riqueza típicas da economia
capitalista. Com efeito, é na Reforma que radica a depois irremediável
indiferenciação entre as esferas privada e política, que se deveu ao
aparecimento do social - é na sequência das expropriações, e da
concom i tante substituição da famflia e da propriedade pela solidariedade
social, que o modelo orgânico se instala, esboçando condições segundo as
quais a liberdade política não pode exi stir - <<a nova classe laboral ( . . . ) não
só permaneceu sob a urgência da necessidade, como ao mesmo tempo
ficou alheada de todos os cuidados e preocupações que não eram resultado
134
imediato do próprio processo da vida.,
Com a expropriação, em suma, as urgências inerentes ao processo
vital, e a essencial homogeneização que decorre da redução da actividade
humana à luta pela sobrevivência, esboçam as condições necessárias à
emergência da sociedade de massas. << A ascensão do social - escreve
Arendt em A Condição Humana - determinou o declínio simultâneo das
133
CH, p.279
13 4
Op. cit., p.283
68
135
Op. cit, pp. 285-286
136 Op. cit., p.284: «Este processo, que é o 'processo de vida da sociedade', como lhe chamava Marx,
e cuja capacidade de produzir riqueza só se pode comparar com a fertilidade dos processos naturais
nos quais a criação de um homem e de uma mulher bastará para produzir por multiplicação qualquer
numero dado de seres humanos, continua sujeito ao princípio da alienação do mundo, princípio do
qual surgiu; ( ... ) Por outras palavras, o processo de acumulação de riqueza, tal como o conhecemos,
estimulado pelo processo da vida e estimul ando, por sua vez, a vida humana, só é possível se se
sacrificam o mundo e a própria mundaneidade do homem.»
Cf. Cap. I, 3
137
Op. cit., pp. 280-28 I
69
138
BOWEN-MOORE, Patricia- Op. c it., p.ll8: «A introspecção cartesiana mantém o mais alto idea l
da ciência, a ponto de ambos exaltarem o modelo do raciocínio matemático: conhecimento produzido
pela mente independentemente da estimulação externa e também independente de um mundo definido
pelas suas aparências apreendidas primei ramente pelos sentidos. O senso comum era agora visto
como uma faculdade interna sem qualquer relação ao mundo e o raciocínio de senso comum foi
sujeito à estrutura do conheci mento matemático.»
139
CH, p.2 89
70
140
Op. cit., pp. 304-305
141
VE l, p . 33
142
Op. cit., p. 37
71
143
Op. ci t., p. 38
144
Op. cit., p. 40
145
Op. cit., pp. 40-41
72
146
Op. c it. , p. 42
147
PORTMANN, Adolf- Das Tier als soziales Wesen, p. 127, in Op. cit., p.43
14 8
Loc. cit.
73
149
Op. cit., p. 44
150
Op. c it. , p. 34
15 1
RV , p. 122
74
152
CH, pp.61-62
153
VE I, p. 34
154
Op. cit., p. 33
155
CH, p. 37
156 ROVIELLO, Anne-Marie - Senso Comum e Modernidade em Hannah Arendt, p. 26: «A
s ingularização, e a di vers idade que ela implica, constituem a mediação necessária para que a ideia de
uma identidade do humano passe do invisível para o visível, ou seja, para a realidade do mundo.»
75
157
R V, p. 123
158
VILLA, Dana- Op. cit., pp. 200-20 1 :«É tentador rejei tar a tónica que Arendt põe na esfera pública
como um espaço de criação de sentido (e a sua crítica da era moderna como responsável pela 'perda'
ou ' destruição' deste espaço) como romântica sem emenda. Antes de o faze rmos, contudo, devemos
lembrar-nos da experiência sobre a qual Arendt construiu o seu pensamento político. Esta experiência
não era a de pares ' actuando juntos, concertadamente', como na polis grega; era, antes, a experiência
do terror sob o totalitarismo. A tónica, virtualmente de uma vida inteira, na esfera pública e na vi da
da acção cresceu do seu encontro com esta negação radical da realidade públ ica e da li berdade
humana. O seu interesse na liberdade ' positiva' da acção política (enquanto oposta à liberdade
'negativa' dos direitos civ is) nasceu de um co ntexto no qual as forças po líticas total itárias ti veram
pouca dificuldade em ultrapassar as fronteiras protectoras da lei positiva e em alistar massas 'sem
raízes' e 'sem lar' na sua causa.»
159
HTS, p. 19
160
RV, p. 93; e na página 90, escreve a inda: «se o pensamento se fecha em si mesmo e encontra o seu
obj ecto sol itário na alma- isto é, se se converte em introspecção- produz claramente (enquanto
permanece rac io na l) uma sem elhança de poder ilimitado pelo s imples acto de iso lamento do mundo;
deixando de estar interessado no mundo, monta um bastião frente ao único objecto ' interessante' : o
eu interior. No isolamento atingido pela introspecção, o pensamento torna-se sem limi tes, uma vez
76
que já não é mo lestado por nada exteri or. ( ... ) A autonomia do homem torna-se hegemonia sobre
todas as poss ibilidades; a realidade só choca e ressalta.»
161
HTS, p. 32
162
LAZARE, Bernard- Le Fumier de Job , p. 8, in ROVIELLO, Anne-Marie- Op. cit., p. 50
77
163
RV, p.I06
78
164
OT II, p.!Sl
165
Loc. cit.
166
Op. c it., p.l5 2
167 BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. !03: «Ü que levou, então, Arendt ao Sionismo? Foi a sua
firme convicção de que o projecto de assimilação social dos judeus europeus era um completo
desastre. A aspiração à emancipação j uda ica t inha sido confundida com a tentativa desesperada de
assimilar, baseada na hi pocrisia e na auto-ilusão. A judiaria europeia estava a descobrir que a
ass imilação não era protecção contra o anti-semitismo - ou o extermínio.»
79
168
RV, pp. 92-93
169 COURT INE-DÉNAMY, Sylvie - Hannah Arendt, p.55: «De Lazare, Arendt guardará os conceitos
de arrivista e de pária e o desdobramento deste ultimo em pária consciente e pári a inconsciente.
Como ele, pensa que a emancipação transformou os judeus em párias. Como ele, denuncia os judeus
de excepção e o 'acosmismo' do pária, privilegiando a 'tradição oculta' ilustrada por Heine, Rahel,
Aleichem, Lazare, Kafka ou mesmo Chaplin, 'a tradição de uma minoria de judeus que não quiseram
tornar-se arrivistas, que preferi ram o estatuto de pária consciente'. Como ele, retira ensinamentos da
questão Dreyfus e empenhar-se-á num processo, o de Eichmann em Jerusalém. Talvez também
conserve, at ravés de Jaspers, o tema do cosmopolitismo e a ideia de uma federação entre Estados.
Finalmente, o tema da necessidade da rebelião, o apelo aos judeus para a acção.»
17o AJ, p. 66 .
171 BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 25: «Arendt nunca subscreveu aqui lo a que chamava a
'ideologia Sionista' (ou qualquer outra ideologia). Não foi certamente movida por qualquer apelo
religioso ao retorno a Sião. Nem partilhava a atracção e entusiasmo emocionais de tantos sionistas
seculares. O Sionismo era o único movimento sério que dava valor à necessidade de uma solução
política para a questão j udaica. Contudo, Arendt era ambivalente em relação ao Sionismo, porque
80
tinha sérias reservas relativamente à política sioni sta. As suas dúvidas e reservas viriam a tornar-se
progress ivamente manifestas.»
172
RV, p. 120
173 AJ, p. 65
81
174
Op. cit., p.SO
175
BERNSTEIN, Ri chard J.- Op. cit., p. 182: «Ela tinha uma reacção quase viscera l contra toda e
qualquer forma de ideologia, incluindo a ideo logia Sionista. Era absolutamente críti ca do que
detectava como uma dominação sinistra da ideo logia sionista revisionista. Castigou os seus
companheiros sionistas por falharem em encarar honestamente a necessidade de negociações e
cooperação judaico-árabe directa. Avisou contra o crescimento do nacionalismo e chauvinismo
judeus. Opôs-se à ideia de um estado-nação judeu porque baseado num perigoso e ultrapassado
82
conceito de soberania nacional. Acusou os seus companheiros sioni stas de terem abandonado e traído
a promessa revolucionária do movimento Sionista.»
176
AJ, p. 97 (o sublinhado é meu)
BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 105: «Como Bernard Lazare, Arendt ela própria (muito antes
de Eichmann in Jerusalem) estava a tornar-se pária entre o seu próprio povo. Estava perturbada, não
só pela viragem Sionista para o revisionis mo, mas também alarmada pelas pressões crescentes no
sentido de uma conformi dade ideológica, uma conformidade que não to lerava quaisquer opiniões
discordantes e em conflito. Na sua busca do sentido da política, realçou o papel da opin ião (doxa)-
especificamente a pluralidade e confli to de opiniões, que são debatidas em espaços públicos entre
pares. Isto era, para ela, o coração da política autênt ica e da liberdade púb lica .»
83
177
JP, p. I 80
84
178 AJ, p. 61
179
Op. cit. , p. 62
180
PHA, p.33
85
181
Op. cit., p. 4 1
BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., pp.84-85 : «Üs reparos de Arendt têm relevância para recentes
controvérs ias a respeito do liberalismo e do comunitarismo. Uma das razões pelas quais est es
emaranhados debates podem parecer tão abstractos e académ icos é que os assuntos são
frequenteme nte discutidos sem relação a experiências políticas concretas, o tipo de experiências que
são tão manifestas nas reflexões de Arendt. Ninguém pode acusá-la de ser uma comunitária- ou, pelo
menos, o tipo de comunitário que atenua a irredutibilidade, conflito e pluralidade de perspectivas e
opiniões no interior da vida política comum. Mas a eterna suspeita de Arendt relativamente ao
liberalismo é, em parte, motivada pela sua própria experiência do que significa concretamente ser
tratado como um ser humano abstracto que presumivel mente tem (ou deveria ter) direitos, na sua
' nudez abstracta de não ser senão humano.'»
182
PHA, p.32
86
183 AJ, p. 7
184
PHA, p. 34
lss AI, p. 77
87
186
PHA, p. 35
187 AJ, p. 79
88
qualquer tipo de relação com o que quer que façam, tenham feito ou
possam vir a fazer.» 188
Em suma, todas as actividades humanas são condicionadas pelo
facto de os homens viverem juntos; o artifício humano distingue a
existência humana da circunstância meramente natural; a existência de
uma esfera pública, simultânea presença de inumeráveis perspectivas que
conferem ao mundo a sua realidade, configura-se como transcendência,
como potencial imortalidade terrena e, assim, «Se a tragédia das tribos
selvagens é a de que habitam uma natureza intocada que não podem
dominar, e da qual, contudo, depende a abundância ou frugalidade da sua
vida; se é a de que vivem e morrem sem deixar rasto, sem terem
contribuído com coisa al guma para um mundo comum, então estas pessoas
sem direitos são realmente atiradas para um peculiar estado de natureza.
Não são bárbaros, certamente; algumas delas, até, pertencem aos estratos
mais educados dos seus respectivos países; ainda assim, num mundo que
quase liquidou a selvajaria, aparecem como os primeiros sinais de uma
189
possível regressão da civilização. »
188
PHA, p. 37
189
Op. cit., p. 42
BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 78: «A experiência de Arendt enquanto judia sem pátria
proveu-a de uma análise aguçada dos ameaçadores paradoxos e instabilidade que acontecem quando
massas de refug iados e pessoas sem pátria são ' cri adas' por erupções políticas. Ela considerava a
súbita emergência de novas massas sem pátria um dos prob lemas mais intratáve is do sécul o XX- um
problema que sobreviveu aos regimes totalitários. O perigo deste novo fenó meno de massas de
ausência de Es tado [statelessness] era um dos temas que tinha em mente quando, na conc lusão de As
Origens do Totalitarismo, escreveu que ' as soluções totalitárias podem m uito bem sobreviver à queda
89
Arendt afirma mais do que uma vez não ter qualquer pretensão a
que Eichmann em Jerusalém se constitua como algo mais do que uma
dos regimes totalitários sob a forma de fortes tentações que aparecerão de cada vez que pareça
impossível aliviar a miséria política, social ou económica de um modo digno do homem'.»
190
VE I, p. 20
191
BERGEN, Bernard- Op. cit., p. 49: « Arendt não queria dizer nem que o mal era banal, nem que a
Solução Final era apenas mais um dos males banais que afligem a humanidade; ela queria dizer,
antes, que Eichmann, como qualquer ser humano, possuía a capacidade comum de se ver a si mesmo
pensando no significado do que ele é. Mas ele é também incomum em que, não pensando sobre o que
é, tinha passado do tipo de mundo no qual os humanos geralmente vivem, para outro tipo de mundo
que era organizado à volta de um eixo de assassínio.»
Vinte anos mais tarde, de resto, em Thinking and Moral Considerations, p. 7, Arendt escrevia que por
banal idade do mal não queria referir-se a « teoria ou doutrina, mas a algo bastante factual, o
fenómeno de actos maus, cometidos numa escala gigantesca, que não podiam ser referidos a qualquer
fraqueza, patologia ou convicção ideológica no sujeito, cuj a única distinção pessoal era uma talvez
extraordinária superficialidade.»
VILLA, Dana R.- The Banality of Philosophy, in Hannah Arendt, Twenty Years Later, p. 180: «A
resposta de Arendt a esta questão, por meio de uma meditação sobre a natureza 'sem resultados'
('resultless'] do pensamento em geral e sobre a qualidade 'dissolvente' do pensamento de Sócrates
em particular, é um qualificado sim. Ao pôr fora de ordem a nossa dedução quotid iana de acções e
juízos de princípios prontos-a-usar, o pensamento interrompe todo o fazer e inicia um diálogo interno
entre mim e eu-própri o. Foi este o diálogo a que Sócrates tentou incitar e que Arendt remete para a
plura lidade interna da própria consciência.» Este aspecto será desenvolvido adiante.
90
192
VE I, p. 29
19 3
Op. cit., p. 80
194
KOHN, Jerome - Op. cit., p. 162: «As consequenc1as filosóficas do que Kant fez são
fundamentais para [Arendt]. Ao colocar severos limites ao alcance do conhecimento humano, Kant
tinha, para Arendt, libertado o pensamento daquilo a que ela chama por vezes a 'tirania' da verdade.
91
Para ela, a importância de tal pensamento li berado não pode ser forçada, especialmente em tempos de
transição, quando os padrões morais tradicionais perderam a sua validade e o mundo humano já não é
estável, ainda que, como vimos, ele não traga ' resultados '.»
195
CANTISTA, Maria José- A Significação do bios po/itikós ou o regresso ao pensamento em
Hannah Arendt: «Na op inião da Autora, a significação auroral do agir e da genuinidade do sentido da
experiência marcam a autêntica pensabilidade, a significação primordial que desde cedo distingue do
sentido inerente ao quadro teorético da verdade lógico-veritativa, sempre secundário e relativo àquela .
Ass im sendo, o pensar é a própria teorização do agir, está em intrínseca re lação com ele. O pensar é a
actualidade mesma do agir humano, essência ek-sistente ou ek-staticidade, cujo horizonte é a
historicidade (daí o carácter narrativo do pensamento que se conta em stories e não na History) e cuja
morada é a linguÍsticidade. O pensamento regressa assim ao seu ethos, enraíza-se no seu lugar
natural- no seu ser no mundo: é palavra e é acção.»
196
VE I, p. 30
197
ARENDT, Hannah- Philosophie et Politique, in Cahiers du Grif, p.91
92
198
VE I, p. 2!9
199
Op. cit., p. 95
200
Op. cit., p. 202
93
201
OT III, p. 217
202
Não é por acaso, portanto, que nas alturas em que Eichmann se viu obrigado a confrontar-se com a
realidade dos campos, as suas 'convicções' vacilassem. Nas palavras do próprio: «Não podia; não
podia; era demais. Os gritos ... estava demasiadamente aborrecido ( ...) E fui-me embora ( ... ) Tinha
sido demais. Estava acabado.( ... ) Tinha que desaparecer.» ln EJ, p.88
203
ESLIN, Jean-Claude- Op. cit., p. 49: «Este desligamento do mundo, esta perda de pon tos de
ligação, que ameaça o sentido do interesse pessoal e o instinto de conservação, que conduz a que nos
contentemos com os resultados mais abstractos, conduz também a fugir da 'facticidade do mundo
real' a favor da coerência, bem ma ior, do mundo fictício. A fuga das massas perante a realidade é
uma condenação do mundo no qual elas são obrigadas a viver. Em suma: uma gnose. As massas
'sedentas de coerência' renunciam elas próprias à pluralidade por uma v isão conformista e
simplificada das coisas. ( .. .) Um círculo perverso cria-se entre os chefes totalitári os que, no seu
desprezo pelos factos, estão prontos a defender qualq uer tese, e a credulidade das massas, prontas a
acreditar em qu alquer mentira, desd e que seja melhor do que o mundo real.»
94
Este curso da argumentação não podia ser interrompido nem por uma ideia
nova ( ... ), nem por uma experiência nova.,, 204
Ora, na ideologia reúnem-se e reforçam-se mutuamente dois
aspectos essenciais ao desbravamento do caminho da banalidade do mal, a
saber, o abandono à necessidade e a fuga à realidade, a troca da liberdade
inerente à faculdade de pensar pela «Camisola lógica, com a qual o homem
pode constranger-se a si mesmo quase tão violentamente como é
constrangido por uma força exterior. ,, 205 A ideologia é, pois, o meio pelo
qual os seres humanos são privados da fonte da sua liberdade e
espontaneidade: interiorizando a necessidade lógica da 'ideia', tornam-se
dóceis e previsíveis.
É neste sentido que, " as oportunidades de Eichmann para se sentir
como Pôncio Pilatos eram muitas e, à medida que os meses e os anos
passaram, ele deixou de ter necessidade de sentir o que quer que fosse . As
coisas eram assim, ( ... )fizesse o que fizesse, fê-lo como cidadão obedi ente
à lei. Fez o seu dever (... ). Não só obedeceu a ordens, também obedeceu à
lei. Eichmann tinha uma suspeita confusa de que esta poderia ser uma
distinção importante, mas nem a defesa nem os juízes lhe pegaram. ,,206
Não lhe pegaram, também , os críticos de Arendt, e toda a controvérsia que
rodeou a reportagem sobre a banalidade do mal acabou por eclipsar o
verdadeiro problema que o caso Eichmann colocava: o que pode acontecer
à consciência numa situação de colapso moral, tal como a que o regime
nazi proporcionou, concretamente através da burocracia, cujo papel
solicita breves reflexões adicionais .
Com efeito, Arendt chama a atenção para o facto de o processo que
culminou na perpetração do Holocausto ter assumido, uma dentre muitas,
a figura de uma socialização burocrática, isto é, o tipo de socialização que
permite que um indivíduo entenda como o seu mais alto dever moral
204
OT III, p. 2 18
205
Op. c it. , p. 218
206
EJ, p. 135
95
207
Op. cit. , p. 289
208
MA Y, Larry- Socialization and Jnstitutional Evil, in Hannah Arendt, Twenty Years Later, p. 89:
«Na minh a interpretação de Arendt, a socialização institucional nas burocracias transforma os
indivíduos em dentes de uma engre nagem; isto é, os ind ivíduos acabam por pensar em si próprios
como anónimos. Como tal, escapam às confrontações face-a-face consigo mesmos e com as
consequências das s uas acções, que são necessárias ao desenvolvimento do sentido da
responsabi Iidade.»
209
EJ, p. l 06 : «Ü problema era de como ultrapassar, não tanto a sua consciência, mas a pi edade
animal pela qual todos os homens normais são afectados na presença do sofrim ento fís ico. O truque
usado por Himmler- que aparentemente era, el e próprio, bastante afligido por estas reacções
instintivas- era muito simples e, provavelmente, muito eficaz; consistia em virar estes instintos do
avesso, diri gindo-os ao eu. Ass im, em vez de di zer: qu e coisas horríveis fiz às pessoas !, os assassinos
96
poderiam dizer: que coisas horríveis tive de fazer para cumprir os meus deveres, quão duramente
pesou a tarefa sobre os meus ombros!»
210
VE I, p. 216
BOWEN-MOORE, Patrícia- Op. cit., pp. 72-73: «Se a ausência de pensamento e o mal partilham
uma 'interdependência', então o pensamento e a moralidade estabelecem uma espécie de mutuali dade
exibida como a dimensão ética da vida do espír ito. Deste último comentári o não deve de modo algum
inferi r-se que o pensamento resulta sempre num local moral, porque o pensamento, por defi ni ção, é
uma busca de sentido e não de resultados. Devemos, antes, compreender esta última declaração
enquanto signi ficando que a actividade de pensar é tal que a sua experiência realça as sensi bilidades
hum anas sobre o bem e o mal, porque, enquanto o pensamento pode não produzir 'resultados', o seu
sub-produto é co nsciência. Inversamente, onde o pensamento atrofiou e o seu sub-produto
desapareceu, o resultado é a ausência de pensamento e isto, de acordo com Arendt, prepara o caminho
para o mal.»
2 11
VE I, p. 205
97
212
Op. cit., p. 190
213
Op. cit., p. 19 1
214
Op. cit., p. 193
98
215
Op. cit., p. 200
99
21 6
Op. cit., p. 207
217
Loc. cit.
218
Op. cit., p. 208
2 19
KOHN, Jerome- Op. cit., p. 169: «Para Arendt, isto é a descrição das personalidades morais num
senti do filosófico, daqueles que, confrontados com o errado, d izem simplesmente 'não posso' . Para
estas pessoas, que vivem consigo própri as, as proposições mora is são de si mesmas evidentes,
'evidentes para si mesmas' . Mas este ' não posso' é inteiramente negati vo, e, no que ao agir
erradamente no mundo diz respeito, aqueles que o dizem sobretudo retraem-se de agir. Um dos
aspectos mais marcantes que Arent marca nestas Iições é que as proposições morais reflectem o eu ao
eu, e por isso são tudo menos 'selfless'. ( .. .) Há uma experiência de pluralidade interi or em tal
moralidade, mas não é o mund o de outros seres humanos que está 'entre', ou que é de interesse
primordi al para alguém ser al guém. Para os fil ósofos e para a filosofi a em geral, de aco rdo com
100
Arendt, esta é uma experiência 'marg inal ' ou de 'fronteira', mas em Sócrates atingiu uma validade
exemplar. Sócrates sofreu efectivamente em vez de cometer o mal: tendo apostado a sua vida na sua
crença na bondade do diálogo interior de pensamento, escolheu morrer pela sua convicção.»
220
VE I, p. 2 10
221
Op. cit. , p. 2!3
222
VILLA, Dana R.- The Banality of Philosophy, in Hannah Arendt, Twenty Years Later, p. 184: «
Numa conferência sobre o seu trabal ho em Toronto, em 1972, Arendt repudi ou violentamente a ideia
de que a sua análise da ' banalidade do mal ' demonstrava que 'Eichmann está em cada um de nós'. O
seu objectivo não era sugerir que, dadas as circunstâncias certas, somos todos Eichmanns potenciais
(nada, do seu ponto de vista, podia estar mais longe da verdade). Antes, o sentido segundo o qual a
sua descrição da personalidade de Eichmann t inha mais relevância, tem a ver com a atrofia geral nos
nossos poderes de juízo. À medida que a distância da ' participação no juízo e na autoridade'
(Aristóteles) aumenta na sociedade de massas, há um declínio claro da nossa capacidade de 'pensar
sem regras', isto é, de julgar assuntos morais e políticos. Com este declíni o, vem uma crescente
confiança nos vários· ' pilares' (princípios e j uízos de valor prontos-a-usar) que nos permitem navegar
na vida quotidiana sem termos de parar e pensar. ( ...) O que Arendt teme não é o 'Eichmann em cada
um de nós', nem sequer a 'perda de valores', mas a crescente qualidade automática dos nossos
juízos.»
lO!
223
VE I, p. 217
224
BERGEN, Bernard- Op. c it. , p. 40: « Arendt ouviu esta dec laração de E ichmann não como uma
declaração sem originalidade, que os nazis faziam desde Nurem berga, mas como levantando a
questão de quem e le pensava que era naquele tribunal de Jerusalém- uma questão que abri u o
caminho para a compreensão de quem ele era quando cometera os seus actos mortíferos mais de uma
década antes.»
225 VILLA, Dana R. - Politics, Philosophy, Terror, p. 46: « De facto, o tema primordial de Arendt
[em Eichmann in Jerusalem] é a inadequação da consciência tal como foi concebida tradicionalmente
(e popularmente), pelo menos quando se trata de compreender o ' novo t ipo de criminoso'
representado por E ichmann. Este tema faz de Eichm ann in Jerusalém um trabalho de fi losofia moral,
pelo menos imp licitamente. Não é de modo algum uma preocupação meramente teóri ca, uma vez que
lida directamente com o tema de como preservar a responsabilidade por acções naque las
ci rcunstancias em que a luta da consciência com ' motivos de base' já não pode ser honestamente (o u
ri gorosamente) invocada. E, como a natureza do mal político no século vinte demonstra, essas
circunstancias tornaram- se cada vez menos excepciona is.»
226 EJ, p . 26
102
227
matéria?,, - isso deveu-se, ainda, a um outro factor : não havia ninguém,
absolutamente ninguém, que fosse realmente contra a Solução Final, e por
isso «não precisava de fechar os ouvidos à voz da consciência porque a sua
consciência falava com uma 'voz respeitável', com a voz respeitável da
228
sociedade à sua volta. ,, O povo alemão, portanto, tinha aprendido a
proteger-se da realidade exactamente com os mesmos meios que
impregnavam a mentalidade de Eichmann. Por isso ele não era um
monstro, mas um «idealista,,, e por isso insistia que os seus actos não
eram, na altura, criminosos229 •
Mais - e este é, porventura, o ponto mais sensível de toda a
reportagem - ,,onde quer que · vivessem judeus, havia líderes judeus
reconhecidos, e esta liderança, quase sem excepção, cooperou , de uma
maneira ou de outra, por uma razão ou por outra, com os nazis. A verdade
é que se o povo judeu tivesse estado realmente desorganizado e sem
liderança, t eria sido o caos e a miséria, mas o número total das vítimas
dificilmente teria est ado entre os quatro milhões e meio e os seis milhões
de pessoas.,, 230 Além disto, escreve, na mesma obra, que quando oficiais
da Gestapo e das SS estavam destacados noutros países - na Dinamarca, na
Bulgária - as coisas já não se passavam com a crueldade que todos
conhecemos; surpreendentemente, tornavam-se inseguros de si mesmos e
já não eram de confiar, porque " tinham conhecido a resistência baseada
227
Op. cit., p. 114
228
Op. cit., p. 123
229
BOWEN-MOORE, Patrícia- Op. cit., p.74: «A ausência de pensamento de Eichmann testemunha
o facto de que ele nem tinha um companheiro no pensamento, nem tentou fazer do pensamento ou do
pensar um amigo. Se a mente é de facto a própria 'sensação de estar vivo', Eichmann é um dos seus
mais patéticos representantes. Nele, a actividade de pensar tinha atrofiado, permitindo ass im uma
reali dade ficcionada completada com uma nova linguagem de clichés, truísmos, vulgaridades e
slogans vazios, para se afi rmar a si mesmo como um novo código de julgamento. No momento em
que Eichmann permitiu a possibilidade de os seus instintos maus ditarem o exercício das suas acções,
( ... ) tornou todos os juízos pessoais sobre a realidade dada inteiramente vazios de significado e
despidos de todo o conteúdo moral. Eichmann, por isso, não só não era adequado para a exper iência
do político tal corria Arendt o descreve, como o não era para as aspirações da vida teorética.
Ei chmann traiu a sua natalidade enquanto dimensão política e ética da existência humana. Para o
dizer do modo mais desagradável possível, Eichmann era um pigmeu mental e moral.»
230
EJ, p. 125
103
23 1
Op. cit., p. 175
232 Ri chard Bernstein faz referência a, pelo menos, dois deles: Isaiah Trunk, na sua ob ra Judenrat
(New York: Stein and Day, 1972) e Walter Z. Laqueur, um dos mais severos críticos de Arendt, que
na s ua obra Hannah Arendt in Jerusalem: The Controversy Revisited, escreve: « Mas se em m uitos
casos circunstâncias atenuantes podem ser encontradas, se alguns líderes, de facto, se comportaram de
manei ra heróica, o fenómeno Judenrat, como um todo, adquiriu uma conotação negat iva, e bem. A
partir do momento em que os Conse lhos Judaicos fo ram usados pelos nazi s para aj udar na 'solução
fina l', a s ua acção tornou-se indefensável.» in BERNSTEIN, Richard J.- Op. c it. , p. 163
233
EJ, pp. 125- 126 (o sublinhado é meu)
104
234
BERNSTEIN, Richard J. - Op . cit., p. 159: «Acredito, também, que a razão pela qual a
reportagem de Arendt é perturbadora é porque nos obriga a confrontar questões dolorosas acerca do
signifi cado do mal no mundo contemporâneo, o colapso moral da sociedade respeitável, a facil idade
com que o assassínio em massa se torna um comportamento 'normal' e 'aceitável', a frag il idade da
d ita voz da consciênci a, as fo rmas subtis de cumplicidade e cooperação que acompanham os actos
mortíferos. Estes, infelizmente, não são aspectos exclusivos do horror nazi. Permanecem connosco, e
exigem que lutemos contra eles uma e outra vez.»
235
VE I, p. 19
236 COURTINE-DÉNAMY, Sylvie - Op. cit., p. 62: «Demonstramo-lo suficientemente: Hannah
Arendt não fo i uma judia assimilada e, apesar de referências frequentes à tradição grega ou à tradição
cristã, já não é permitido por em causa a sua relação com o judaísmo, com a Shoa e com a criação do
Estado de Israel; ela conheceu o exílio, pertence à tradição oculta dos Heine, Lazare, Chaplin, Kafka
'q ue, como ela, não fo ram nem homens de gueto, nem assimilados, mas antes palhaços, párias na
praça púb li ca'(J-C. Eslin). Tendo-lhe sido recusado o acesso ao domínio público enquanto j ud ia,
atacada enquanto judia, ela defendeu-se enquanto judia e procurou uma lei, um domí nio público com
valor para a humanidade inteira, sem excluir ninguém. Os seus primeiros livros foram, precisamente,
dedicados à vida de uma judia, Rahel, e ao anti-semitismo e é por isso que as acusações de 'má
judia', contra ela pronunciadas após a publicação de Eichmann à Jerusalem, em 1963, merecem que
nelas nos detenhamos: não só porque nos parecem erradas e tendenciosas, mas igualmente porque
estiveram na origem da perda, provisóri a ou definitiva, de amigos caros a Hannah Arendt, como Hans
Jonas ou Kurt B lum enfeld, sem fa lar de Gershom Scholem, ela que não vivia senão para a amizade, o
falar-conj unto.»
E, já em Rahel Yarnhagen, podia ler-se: «um pedaço de realidade está escondido nas respostas
inteligente das outras pessoas. Ela [Rahel] precisava da experiência dos outros para suplementar a sua
própria. Para esse propósito, as qual ifi cações particulares dos indivíduos eram indiferentes. Quantas
mais pessoas houvesse que a compreendessem, mai s real ela se tornaria.» (Rahel Varnhagen, p.98)
105
237
OT III, p. 224
2Js EJ, p. 49
239
Op. cit., p . 86
106
240
Op. cit., p. 136
241
Op. cit., p. 137
242
VILLA, Dana- Op . cit., p. 52 : « O 'novo tipo de criminoso' representado por Eichmann não é nem
um fanático do partido nem um robot doutrinado. Antes, é o indivíduo que participa so licitamente
nestas activi dades de um regime criminoso, enquanto vendo-se a si mesmo como isento de qualquer
res ponsabilidade pelas suas acções, quer pela estrutura organizacional, quer pela lei. Através desta
auto-ilusão (e do 'distanciamento da realidade' que e la pro move), um indivíduo pode evitar com
sucesso confro ntar-se alguma vez com a moralidade das s uas acções. Como o caso E ichmann
amplamente demonstra, onde 'a lei é a lei'- onde, por outras palavras, a ausência de pensamento
reina- as faculdades do juízo e de imaginação moral atrofi am e, depois, desaparecem.»
107
243
OT fii, p.205
244
EJ, p. 252
108
248
Op. cit., p.l8
249
Op. cit., pp. 21-22
11 0
250
Op. cit., p. 28
251
Op. cit., p. 39
252
Op. cit. , p. 42
II I
253
Op. cit., p. SI
ROVIELLO, Anne-Mari e- Op. c it. , pp. I 38-139: «A fé na veracidade dos testemunhos, que parte do
pressuposto de que esses testemunhos têm sentido, deve ser considerada uma razão suficiente para as
verdades de facto qu e não podem ser submet idas à veri ficação dos sent idos ou à demonstração
racional. Arendt recupera a ideia escoti sta de uma fides acquisita ideia que, aliás, também
encontramos no jovem Kant, e que prefigura a ideia transcendental do Gemeinsinn que o fi lósofo
define como o pressuposto de um 'contrato originário' no qual cada indivíd~o se te ria comprometido
a respeitar a máx ima da com unicabili dade e, portanto, da veracidade. (...) E essa fé adqu irida que é
arruinada pelo sistema t otali tário, o qual torna real aquilo que não tem sentido para o homem. A
própria fiabilidade do real, condição para os testemunhos sobre o real, é destruída. E só
aparentemente existe uma contradi ção entre essa dúvida radical e a 'fé' ingénua na rea lização de
todas as profec ias dos chefes totalitários. Esta fé no poder de uma qualquer ficção se tornar real, é o
reverso da perda da fé num a realidade capaz de res isti r ao poder da pu ra ficção.»
254
VP, p.53
112
255
Op. cit., p.ll
256
Op. cit., p.1 2
257
EJ, pp.23 1-32
113
258
CHAUMONT, Jean-Michel- A singularidade do universo concentracionário segundo Hannah
Arendt, in Hannah Arendt et la Modernité, p. 89 «Pode-se dizer que para ela, não é tanto o
extermínio, e ainda menos o genocídio dos judeus, que representa um acontecimento sem
precedentes, senão a própria instituição concentracionária, tanto na Alemanha nazi como na Rússia
comunista. A partir daí o problema da 'si ngularidade do extermínio dos Judeus pelo regime nazi' não
constituía verdadeiramente um problema: nem esta singularidade, nem mesmo a dos 'crimes e
genocídio nazis' mas antes a dos 'crimes totalitários' parecia-lhe à época cientificamente pertinente e
~oli ticam ente importante de estabelecer.»
59
OT III, p.l73
260
Op. cit., p. 179
114
261
VILLA, Dana R.- Op. cit., p. 31: «A li ção a retirar dos campos não é a de que o homem animal
moral nunca existiu realmente( ... ) mas a de que não existe uma natureza indelével em que possamos
apoiar-nos como garantia de que experiências semelhantes não acontecerão no futuro.»
262
OT III, p. 195
263
Op. cit., p. 185
264 BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 150: «Porque 'grandeza satânica' é, ela própria, uma
categoria humana - demasiado humana. O mal radical do total itarismo não pode ser nem mitificado,
nem esteticizado. (... ] Jaspers cri tica Arendt por chegar quase a enveredar pelo 'caminho da poesia'
ao descrever os crimes nazis. 'Da maneira como o exprime, quase toma o camin ho da poesia. E um
Shakespear nunca seria capaz de dar forma adequada a este material - o seu sentido estético instintivo
fa ls ificá-lo-ia -e é por isso que não o podia tentar.'(C, 62) A referência de Jaspers a Shakespear é
esclarecedora, porque foi Shakespear que criou alguns dos maiores e irresistíveis personagens
exemplificadores de 'grandeza satânica'. [ ... ] Porque as construções retóricas [de Arendt] s ugerem
que a alternativa à banalidade do mal é o mal que é teológica e esteticamente caracterizado como
'grandeza satân ica', podemos ser enganosamente levados a pensar que ela identifica mal radical com
grandeza satânica. Assim, numa das suas primeiras tentativas de explicar e clarifi car o que quer dizer
quando fala de banalidade do mal, escreveu: ' Eichmann não era lago nem Macbeth. [... ] Era pura
11 5
ausência de pensamento - algo de modo algum semelhante à estupidez - que o predispôs a tornar-se
num dos maiores criminosos daquele período(EJ, 287)'»
265
CHAUMONT, Jean-Michel- Op. ci t., p. 93: «Este princípio de des-ligação sistemática entre os
actos e os acontecimentos será uma das constantes mais intoleráve is da ex istência no seio dos campos
( .. .) Erigida em lei suprema de existência, este arbitrário pressupunha a destru ição dos verdadeiros
d ire itos dos homens, por um lado, e permitia, por outro, assegurar a renovação do 'stock de pessoas
susceptíveis de serem enviadas para os campos' .»
266
OT III, p.l86
267
ROV IELLO, Anne-Marie - Op. cit., p.l66: « A ameaça fu ndamental que pesa sobre esses
indivíduos cuja existênc ia, actos e palavras, não dependem de nenhuma jurisdição, reside no facto de
a sua exclusão do niundo jurídico-politico 'ser como um convite ao homicíd io'. Efect ivamente, esse
hom icídio é sem consequências para o assassino, visto que ele mata alguém cuja existência não é
reconhecida por nenhuma lei . Do ponto de vista jurídico, o homicídio pura e simplesmente não
aco nteceu.>>
116
268
NT, p. 106
269
VILLA, Dana R.- Op. cit., p.23: « Há e tem de haver um abismo entre o sistema dos campos de
concentração e o sistema penal; de outro modo, uma irredutível remanescência do sujeito jurídico é
preservada e a poss ibilidade de poder incontido vedada.»
270
É de salientar- a nota e o sublinhado são meus- a insistência de Arendt, não tanto na especificidade
das vítimas, mas na s ua comum inocência. Com efeito, mais do que reflectir sobre os grupos
particulares escolhidos para a experiência da dominação total, interessa-lhe acentuar q ue o uni verso
concentracionário determ ina a possibilidade de um mundo que se abre ao disen franchisement do
homem, continuado e total. Esta insistência, recorrente em O Sistema Totalitário, encontramo-la
também em Eichmann em Jerusalém, quando recusa a denúncia dos 'crimes contra os Judeus',
sustentada pela acusação.
CHAUMONT, Jean-Michel - Op. cit., p. 106-1 07: « Quando Arendt diz temer os efeitos de uma
focali zação sobre o facto dajudeidade das vítimas, é verosím il que ela esteja a reagi r nomeadamente
contra esses banalizadores que, no próprio interior da comunidade j udaica, inscrevem sem mais as
câmaras de gás como um novo episódio numa história sempre repetida de perseguições. Ora, Arendt
tinha neste ponto argumentos fortes a opor. Primeiro, dizia ela, os judeus não foram as únicas víti mas
das câmaras de gás( .. .). Seguidamente, Arendt acred itava firmemente que se a Alemanha naz i tivesse
sido vitoriosa, outras categorias de vítimas teriam sido exterminadas. ( .. .) Fina lmente, ela insistia com
justiça em di stinguir o extermínio dos judeus pelos nazis de outros crimes sofridos pelos judeus
anteriormente faze ndo valer o carácter sem precedente das suas práticas extermi nadoras.»
27 1
OT III, p. l90
117
272
PHA, pp.36-37
273
VILLA, Dana R.- Op. c it., p.24: «A 'pessoa moral ' não é nem o sujeito lega l de direitos, nem o
concreto, único ind ivíduo humano. Talvez a aproximação mais correcta do que Arendt quer dizer seja
dada pela ideia de actuação conscienciosa ou moral. Ser um agente consciencioso requer um
ambiente no qual a acção moral não é nem suicida nem sem sentido. Mas o mundo dos campos
destrói os pressupostos de um tal ambiente.»
274
OT III, p. 191
275
Op. cit., p.1 80
276 VILLA, Dana R.- Op. cit., p. 19: « A morte no mundo conduz à recordação da aparência
distintiva, em palavras e actos, do fa lec ido. Viver e morrer nos campos, contudo, é ser privado da
aparência no mundo, é ser absolutamente apagado da esfera das aparências e (portanto) da memória.
Aqui , a morte já não é nossa.»
277
OT III, p. 191
118
278
Op. cit., p.l92
279
ROVIELLO, Anne-Marie- Op. cit., p. 126: «A pluralidade é deste modo pervertida, transforma-se
numa atomização; o indivíduo deixa de receber dos o utros a revelação de 'quem' ele é. A ruptura do
contacto com o mundo, a ruptura da com unicação com os outros, provoca a ruptura do contacto
consigo próprio ( ...) tendo como pano de fundo a sua inserção no mundo comum, que lhe garante a
integridade pessoal.»
280
OT III, p.l 92
281
YILLA, Dana R.- Op. cit., p. 27: « Seguindo a destruição dos direitos e da consciência, a
experiê ncia totalitária na dominação total foca as suas energias disciplinares no materia l reca lcitrante
do próprio indivíduo. ( .. .) Desde o uso de carros de transporte de gado até à raspagem das cabeças,
falta de roupa suficiente, descanso ou comida, e labor fis ico extenuante, os campos eram máquinas
g igantescas para a manipu lação do corpo hu mano , apelando às ' infinitas possibilidades de
sofrimento' como meio para demolir as últimas reservas de personalidade e espontaneidade.»
282
OT III, p. 194
283
YILLA, Dana R.- Op. cit., p. 20: «Porque só quando os seres humanos interiorizaram a sua própria
superfluidade, quando se submeteram em silêncio ao poder, é que a aspiração totalitária se torna
119
realizável. Assim, os campos de concentração e o doutrinamento ideológico são 'experi ênc ias' em
dominação que apontam a uma forma qualitativamente nova. São experi ências não no medo em si,
mas em pôr à prova os limites da plasticidade humana.»
284
OT III, p. 193
285
CH, p. 60
286
OT III, p.l95
287
VILLA, Dana R.- Op. cit.; p.1 3: « Privados desta capacidade, atirados para um mundo onde
experienciavam a sua própri a superfluidade como uma realidade diária, horária mesmo, as vítimas do
terror totalitário apresentavam-se a Arendt como a mais palpável evidência imaginável de que os
seres humanos podiam ser transformados em 'animais pervertidos' através das novas artes da
dom inação total. »
288
ROVIELLO, Anne-Marie- Op. cit., p. 165: « Criar um homem novo equiva le portanto a criar o
não-humano, destru indo aqui lo que em cada indivíduo excede a 'espécie humana'. No sistema
totalitário esse mais torna-se demasiado. É o próprio indivíduo que está a mais.»
120
289
OT III, p. 197
290
ROVIELLO, Anne-Marie- Op. c it., p. 167: « Aqui lo que é consumado com a destruição da
personalidade psíquica, mas que já se inicia com a destruição da personal idade juríd ica, é a destruição
do que Arendt des igna noutro texto por 'q uem ': a fonte interior própria a cada ind ivíduo, que se
m anifesta por meio de actos e palavras, mas também por comportamentos e, talvez, antes de m ais
nada, por uma fis ionomia, pela express ivi dade de um rosto.»
BER.i"'STEIN, Richard J. - Op. c it., p. 97: «A dominação total envolve matar a pessoa juríd ica, a
pessoa moral e obliterar a co nsciência. Mas há um sentido segundo o qual a própri a expressão
'dominação total' é enganadora. Porque sugere que a dom inação total é dom inação sobre seres
humanos. Mas o tot alitari smo não para no 'domínio despótico sobre os homens' . A ' lógica' do
tota litaris mo luta pela produção de um sistema no qual os homens são supéifluos.»
29 1
VILLA, Dana- O p. cit., p. 187: « Por outras palavras, o 'aperfe içoamento ' da espécie humana
impli ca a destruição da humanidade, como concei to, tanto quanto como a real idade fenomenol ógica
de indivíduos ún icos.»
292
OT III, p. l 73
293 Os campos são, convém insistir, a institui ção centra l dos regimes totali tári os e condi ção da sua
p erm anência. Tal como escreve em Op. cit., p. 196: « A inutilidade dos campos, a co nfi ssão cínica da
sua ant i-uti li dade, não são senão uma aparência . Na real idade, e les são mais úteis à salvaguarda do
poder do regime do que qualquer uma das suas outras instituições.»
121
294
Op. c it., p. 182
295
AJ, pp. 204-205
BE RNSTEIN, Richard J.- Op. cit., p. 92 : «Para indicar quão anti- utilitária e irracional a maquinaria
de extermínio parece ser, podemos cons iderar o exemplo dos judeus húngaros. Na Pri mavera e Verão
de 1944, era bastante c laro que os nazis estavam a perder a guerra. Não só est avam a perder a guerra
como necessitavam desesperadamente de todas as fo ntes di spon íveis para se defenderem a si próprios
em duas frentes. Contudo, nenhum esforço foi poupado para transportar j udeus húngaros para os
campos de extermínio. No Outono de I 944, 400.000 j udeus tinham sido enviados para a morte.»
122
296
AJ, p. l 52
BERNSTEIN, Richard J. - Op. cit., p. 99: «Foi descendo ao Inferno, para o abismo que se ti nha
aberto, foi 'insisti ndo nos horrores' dos campos de concentração, que Arendt pôde ver tão
lucidamente o que é fu ndamental e vital para a acção,para a política e para viver uma vida humana. A
isto era o que o seu mentor, Karl Jaspers, teria chamado uma desses 'experiências-limite' que nos
permitem quebrar com os clichês, os preconceitos do senso-comum e por aí descobrir o que de outro
m odo não discerniríamos- o que é constituti vo da nossa humanidade.»
123
297
KATEB, George- Op. cit., p. 150: « Podemos insistir no carácter único do totalitarismo enquanto
genocídio metód ico e legal e ainda assim compreender que nas experiências que lhe prepararam o
caminho, e nas experiências que as suas vítimas sofreram, podemos encontrar semelhanças com
outros horrores da vida moderna. Arendt não insiste no facto de que as experiências que prepararam o
caminho são terríveis apenas porque prepararam o caminho. Nem sugere que as experiências da
desumanização podem acontecer apenas nos campos de morte ou numa vida diária aterrorizada pela
ditadura totalitária. Apesar do totalitarismo ser uma resposta sistemática a uma dada situação
histórica, elementos dessa situação estão por todo o lado, à nossa vo lta, e são passiveis de continuar e
até piorar. De modo similar, elementos da resposta totalitária podem emanci par-se do sistema e
aparecer e reaparecer em várias combinações. Arendt sustenta que o totalitarismo não poderia ter
surgido a não ser que um grande numero de pessoas civilizadas sentissem profundamente que eram
s upérfluas, ou abandonadas e perdidas, ou perdidas e sem significado. Mas certamente estes
senti mentos nunca estão fora de causa ou da consciência no mundo moderno.»
298
EJ, p. 273
124
CAP. 11
DO DESERTO
Em jeito de conclusão
302
Op. c it. , p. 130
303
Op. cit., p. 137
304
Op. cit., p. 139
305
Op. cit., p. 170
126
306
Op. cit., p. 140
307
BOWEN-MOORE, Patrícia- Op. cit., p. 127: «Em poucas palavras, Arendt argumenta, Marx não
só falhou em distinguir consistentemente entre labor e trabalho, como também indicou que a
'verdadeira esfera da liberdade' consistia no tempo de lazer no qual a criatividade de cada um pode
aparecer apenas após as exi gências da vida terem s ido superadas. Na perspectiva do homem
socializado a verdadeira liberdade é actividade produtiva entendida como actividade criativa.»
308
CH, p. 140
309
Op. cit., p. 132
°
31
CHAUMONT, Jean-Michel -Op. cit., p. 1O1« A sociedade de consumo de massa tende,
exactamente como os campos de concentração mas com uma notável economia de violência, a
transformar os indivíduos em espécimes indiferenciadas da espécie animal homem.»
127
3 11
BPF, pp. 89-90
312
EJ, p. 273
313 VILLA, Dana R: -Op. cit., p. 189: «Tudo o que Arendt tem a dizer sobre a acção e a esfera
pública é enquadrado nos termos de uma análise da des-mundanização [de-worldling] do mundo
públi co na era moderna. O facto de onde começa é a perda desta realidade específica, aquilo a que
chama 'o ec li pse do mu11do comum público'. Isto não quer dizer qu e Arendt negue q ue nós,
128
modernos tard ios, tenhamos uma esfera pública; antes, o seu ponto é que esta esfera 'perdeu o seu
poder' de nos reunir, de 'relacionar e separar' como um mundo deveria. Na nossa esfera pública, ser e
aparência difici lmente coincidem: a p luralidade de perspectivas necessária para um tal espaço de
revelação fragmentou-se e enfraqueceu na uniforme da sociedade de massas.»
314
OT III, p. 225
315
Op. cit., p. 226
129
31 6
Loc. cit.
3 17
Op. cit., p. 229
130
318
HEIDEGGER, Martin- Qu 'appel/e-t-on penser? , p.36
319
CH, pp. 25 8-260
320
BOWEN-MOORE, Patrícia- Op. ci t., p. 147: «0 perdão, para Arendt, funciona politicamente
quando é dirig ido tanto ao actor quanto à acção. ( ... )A noção arendtiana de perdão aplica-se àqueles
que agem inadvertidamente, quer dizer, àqueles que realizam acções que prejudicam relações
po liticamente estabelecidas, mas sem intenção criminosa ou mal propos itado.>>
131
32 1
OT III, p.232
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Platão, Teeteto
322
Não apenas um a, certamente; porventura - no âmbito dos objectivos do presente trabalho - apenas
a mais relevante.
133
323 Não darei conta, portanto, senão dos conceitos que ma is imediatamente importam à temática de
que este trabalho pretendeu oferecer uma leitura.
324
HEIDEGGER, Martin- Être et Temps, pp. 61-62
325
Op. cit., § 14, pp. 99-IOO
134
326
TAMINIAUX, Op. cit., p.30: «Aí, onde Heidegger separa a praxis autênti ca de toda a
comunicação e cuja manifestação reserva à ciência íntima e si lenciosa do Gewissen, Arendt insiste,
inversamente, no elo essenc ial entre práxis e Iexis .»
135
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
DA AUTORA
Para uma bibliografia exaustiva, remeto para For the Love of the World, de Elisabeth
Young- Bruehl
1. LIVROS
ARENDT, Hannah - Qu'est-ce que la Politique (Was ist Politik ?1993), trad .
Sylvie Courtine-Dénamy, Paris, Seuil, 1995
2. ARTIGOS
ARENDT, Hannah - Die jüdische Armee- der Beginn einer jüdische Politik?
(1941 ), trad. francesa de S.C.-Dénamy, l'Armée juive, le début d'une
politique juive? in Auschwitz et Jérusalem, Agora, Deuxtemps Tierce,
1991
ARENDT, Hannah - Für Ehre und Ruhm des jüdischen Volkes (1944) , trad.
francesa de S.C.-Dénamy, Pour l'honneur et la gloire du peuple juif, in
Auschwitz et Jérusalem, Agora , Deuxtemps Tierce, 1991
3. CORRESPONDÊNCIA
SOBRE A AUTORA
BERGEN, Bernard J . - Hannah Arendt and the Final Solution, Rowman &
Littlefield Publishers, lnc., 1998
KOHN , Jerome ·_ Evil and PluraUty, in Hannah Arendt, Twenty Years Later,
ed. Larry May e Jerome Kohn , London, MIT Press, 1997
142
p. 1 7 percorre- -a percorre-a
p. 56 physis
physis
sobre
p. 71 Sobre
p. 81 lorde Lorde