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range } Braeras soctais Sete epordende por Horta “Pemancas * Soeeterina Rodngues 2 Fenvae eS, rds sumvecsdy! * Erato do. Moraes Fhe pace Big 8. ce Holmda 1. VanNacen Mio" Oasle 40. MARE (Gocetote) Baie tara 11 MAUBS Maken . de Olvera ‘9. ween Biel cob 14, DELLA. youre ' Bitean 3 Feete 12 ages 6 alse ore. Matet | Ele Seer Pa singer Hl FESS Sorta « ' 2a, CALs FURTADO 9. A TEORIA FUNCIONAL * Embriologia e obstetricia ‘Como um método, o funcionalismo téo antigo quanto as primeiras demonstragées de interesse pelas culturas estranhas ¢, por isso mesmo, consideradas selvagens ¢ bérbaras, no importando se tal interesse tenha partido de um historiador grego como Herédoto, de um enciclo- pedista francés como Montesquieu, ou de um roméntico alemio como ‘Herder. Qualquer pequena contribuigdo que eu possa ter prestado con- siste em ter discorrido sobre um conjunto existente de doutrina, método fe interesse eo rotulado de funcionalismo; ¢, mesmo assim, no meu artigo original sobre 0 tema, referieme a nada menos do que vinte © sete predecessores. Dessa maneira, talvez. tenha agido como obstetra © padrinho do mais novo rebento na confusio antropolégica de escolas © continuado a exercer @ maieutike techne (arte da obstetricia) no treina~ mento dos estudantes mais jovens nesse assunto, seguindo a tradici de um grande mestre, que gostava de referir-se & sua arte como sendo a de uma parteira, Houve um outro grande mestre que criou um lema para o funcionalismo: “Por seus frutos o reconheceremos”. FReproduzido de Mauiwowst1, B. The functional theory. In: —. A scientific theory of culture; and others essays. Pref. Huntington Cairns. Nova York, Oxford University Press, 1960. p. 147-76. 170 Do modo como tem aparecido em todas as abordagens antropol6- gicas, o funcionalismo preocupa-se com a clara compreensio da natu- reza dos fendmenos culturais, antes que esses sejam submetidos a manipulacdes especulativas posteriores. Qual € a natureza, a realidade cultural, do casamento humano e da familia, de um sistema politico, de um empreendimento’ econémico ou de um procedimento legal? Como esses fatos podem ser tratados através da indugao de maneira a produzir generalizagdes cientificas vélidas? H4 algum esquema universal, aplicével a todas as culturas humanas, que possa ser til como um guia para o trabalho de campo e como um sistema de coordenadas no estudo comparativo, seja ele de caréter histérico, evolutive ou que simples- mente almeje chegar as leis gerais de correspondéncia? ‘Quando E. B. Tylor, no inicio de sua grande obra, Primitive culture, investigava 0 que era a religido, no sentido mais amplo da palavra, ou, em suas proprias palavras, quando tentou “uma defini¢o minima” desse tema, foi um funcionalista genuino. E também o foi Robertson Smith, quando reconheceu que a dimensio sociolégica era indispensdvel para @ compreenséo da {€ primitive. Do mesmo modo, Sumner, em suas tentativas de analisar ¢ classificar as primeiras normas de compor- tamento, representa um interesse funcional inicial. A discussio de Durkheim sobre o tipo primitivo de divisio do trabalho social e sua andlise da religiéo ¢ da magia estio dentro do escopo do método funcional. Os famosos registros em que Tylor tentou correlacionar 0s diversos aspectos do parentesco antigo ¢ a vida econdmica; a definigéo de economia primitiva e a relagio entre 0 trabalho © a cangao ritmice, de K. Biicher; as obras de Hutton Webster e H. Schurtz sobre grupos de idade, sociedades secretas € associagSes voluntérias masculinas ¢ a relagdo desses grupos com a estrutura politica, religiosa e econdmica da comunidade — cada uma dessas contribuigdes © todas em seu con- junto so funcionais. Poderia acrescentar que 0s tipos mais antigos de investigag#o de campo efetiva, como os trabalhos de Charlevoix, Do- britzhofer, Sahagun ou Dapper sio também funcionais, na medida em que contém uma apreciagdo no apenas de fatos isolados, mas de relagGes'e vinculos essenciais, ‘Alguns principios funcionais devem ser incorporados a qualquer tratamento tedrico do fenémeno cultural tanto quanto a todas as mono- grafias competentes sobre o trabalho de campo. Contudo, ainda que eu seja suspeito de benevoléncia indiscriminada culminando em um fraco ecletismo, apresso-me a acrescentar que existem, na antropologia, tenidéncias nfo-funcionais tanto quanto antifuncionais. Um exemplo é © investigador de campo que s6 se preocupa com 0 exético ou pintu- im resco. Um outro caso é 0 do evolucionista que desenvolve uma teori sobre a origem do casamento © da familia mas néo se preocupa em estabelecer uma distingio nitida entre 0 casamento, propriamente dito, f simples unio sexual e uma ligagdo temporéria. A selegio de um fendmeno tal como o sistema classificatério de termos de parentesco e a sua manipulaggo como um residuo, um registro daquilo que foi j6 nfo é mais, nos mostra como, negligenciando a anélise funcional dos fenémenos lingtifsticos vitais, Morgan desorientou, por geragies, & pesquisa antropol6gica, Do mesmo modo, Gribner, empreendendo uma andlise da cultura, falsa e pueril, a fim de estabelecer os fundamentos daquilo que considerava um difusionismo em escala mundial irrefutével, terminou por criar uma abordagem antifuncional cuja imbecilidade € de primeira ordem. Antes de mais nada, ele assume que é possivel isolar itens singulares de seu contexto cultural. A seguir, define a forma como completamente desvinculada da fungéo. Para ele, na verdade, so importantes apenas as qualidades formais de um objeto, as qu no estio relacionadas com seus usos € propésites. Segue-se dai que, para Gritbner, 96 so. metodologicamente relevantes aquelas caracte- risticas que se mostrarem culturalmente irrelevantes. ‘Além disso, 0 mesmo autor inclui © eonceito de complexo de caracteristicas como uma coleglo de itens nfo-relacionados entre si. De minha parte, considero que a forma esté sempre determinada pela fungo © que, a menos que possamos estabelecer essa determinagio, nfo poderemos usar os elementos formsis em uma argumentago cien- tifica. Considero também initil um conceito de itens néo-relacionados ‘em um tipo de realidade onde nao podemos introduzir elementos intrin- secamente relacionados entre si. 0 Axiomas gerais do funcionalismo Minha sugestio seria a de que toda experiéncia de campo, bem como toda investigagio das manifestacées realmente importantes do comportamento humano organizado, demonstra a validade dos seguintes axiomas: A) A cultura é, essencialmente, um aparato instrumental; através dela © homem & colocado em posigéo de melhor tratar os problemas ‘concretos especificos que enfrenta em seu ambiente, no decunto da satisfagdo de suas necessidades. B) E um sistema de objetos, atividedes 172 ¢ atitudes, no qual cada uma das partes existe como um meio para lum fim, C) B uma totalidade, em que 0 diversos elementos sio inter- Uependentes. D) Tais atividades, atitudes © objetos estdo organizados fem tomo de tarefas importantes ¢ vitais, em instituigbes como a fama, © cli, a comunidade local, a tribo © as equipes organizadas de ativi- ades politicas, legais, educacionais e de cooperagéo econémica. E) Do ponto de vista dinimico, isto é, com relagéo a0 tipo de atividade, @ Cultura pode ser analisada sob diversos aspectos, tais como educaglo, controle social, economia, sistemas de conhecimento, crenga ¢ moral, e, também, modos de expresso criativa e artistica. © processo cultural, observado em qualquer uma de suas mani- festagdes concretas, sempre envolve seres humanos que estdo em relagSes definidas uns com 0$ outros, ou seja, estio organizados, manipulam frtefatos, comunicam-se entre si pela linguagem ou por algum outro tipo de simbolismo. Os artefatos, os grupos organizados ¢ o simbolismo sso trés dimens6es do processo cultural, intimamente relacionadas entre si. Que tipo de relagHo € essa? Considerando-se primeiramente 0 aparato material da cultura pode ‘mos dizer que cada artefato ou é um implemento ou entio um objeto de uso mais direto, isto é, pertencente & classe dos bens de consumo. Em qualquer caso, tanto as circunsténcias quanto a forma do objeto sio determinadas pelo seu uso. Fungo ¢ forma séo relacionadas. Essa relagéo leva-nos imediatamente ao elemento humano, pois 0 artefato deve ser comido, usado, ov, entéo, destruido; ou, 20 contrétio, fle € produzido para ser manipulado como uma ferramenta. A base social 6 sempre um homem ou um grupo manipulando seus implementos fem uma atividade técnica, econdmica; usando conjuntamente uma casa, ‘consumindo a comida que produziram ou apanharam ¢ prepararam. De fato, nenhum item singular da cultura material pode ser entendido por referéncia a um tinico individuo, pois onde nfo hé cooperscéo, tais casos sio dificeis de serem encontrados, hé, pelo menos, uma Cooperago essencial, que consiste na continuidade da tradicéo. O individuo tem que desenvolver sua habilidade pessoal ¢ obter o conheci- mento correspondente de um membro da comunidade jé familiarizado ‘com habilidades, técnica e informagdo; ¢ também tem que receber ou herdar seu equipamento material (© que é forma e 0 que é funclo na realidade sociol6gica? Tome-se uma relagdo de sangue, proximidade ou contrato: teremos duas ou ‘mais pessoas que se comportam umas em relagéo as outras de um modo padronizado e que o fazem, invariavelmente, tendo por referéncia algum 173 aspecto do ambiente culturalmente definido ¢ algum entendimento sobre © modo como os itens so trocados, os objetos manipulados © 0s movimentos corporais coordenados. A forma de uma realidade socio- 6gica néo uma figuragéo ou uma abstragio. E um tipo conereto de comportamento, caracteristico de qualquer relagio social. ‘Do mesmo modo que 0 fisico ou 0 quimico observam o movimento dos corpos, as reagdes das substincias ou as mudancas no campo tletromagnético, registrando © comportamento recorrente tipico da ma- téria, da forca e da energia, o investigador de campo também lida com situagbes e atividades recorrentes ¢ registra seus cinones ou padres. Poderfamos imaginar uma série de filmes sobre 0 comportamento dos pais para com as criangas, mostrando a tecnologia referente ao ritual fe cuidados, carinhos e treinamento dispensados, bem como as fases ‘uotidianas nas quais os sentimentos entre pai, me e filhos sio expressos e padronizados. J6 20 lidarmos com comportamentos definidos muito Tigidamente, como ocorre nas ceriménias religiosas, nas transagdes legais, hno ritual mégico e em uma operacdo tecnolégica, um filme sonoro nos permitiria uma definiglo objetiva da forma da realidade sociol6gica. Podemos enfatizar aqui o primeiro ponto tebrico: em uma apre~ sentagio objetiva da dimensio sociolégica como esta, néo podemos fstabelecer uma linha de demarcagio entre a forma ¢ a fungio. A fungio das relagdes conjugais e da patemidade obviamente 6 o processo culturalmente definido de reprodugdo. Em qualquer cultura, a forma € © modo pelo qual esse processo ocorre € que difere quanto & técnica obstétrica, quanto ao ritual do resguardo, quanto aos tabus ¢ reclusbes impostos 0s pais, quanto a0s rituais de batismo ¢ quanto ao modo de manter o nascituro protegido, abrigado, vestido, limpo ¢ alimentado. © segundo ponto teérico € que & imposstvel isolar o aspecto mate- rial do comportamento social ou desenvolver uma anilise social com- pletamente separada dos aspectos simbélicos, na medida em que as trét Simensées da realidade cultural participam de cada etapa do processo. Um filme silencioso conteria apenas uma parte da documentagio, ou seja, 0 simbolismo implicito no gesto ritual, no implemento sacramental ‘Ou nos sinais significativos e nos movimentos convencionais realizados pelos participantes. Por certo, 0 aspecto mais importante do simbolismo Fo verbal e sabemos que uma grande soma de comentérios paralelos, ‘néo contidos necessariamente no ato em si, constitui uma documentagao ‘adicional indispensivel para o investigador de campo. Qual 6 a relacio entre forma € funglo no simbolismo? Se consi- derdssemos apenas a realidade fonética de uma palavra, ow qualquer outra caracterfstica puramente convencional de um simbolo material 174 como 0 gesto, poderia parecer que o elo entre forma ¢ fungio aqui Puramente artificial, e, uma vez que o simbotismo, em sua verdadeira esséncia, néo é senio'o desenvolvimento de atos convencionais para a coordenagio do comportamento humano de uma forma combinada, relagdo entre forma e fungdo aqui ¢ definitivamente artificial ou conven ional. O simbolo é o estimulo condicionado que se liga a uma resposta no comportamento apenas através do processo de condicionamento. ‘Mas em cada etapa do trabalho de campo esse processo deve constituir uma parte integral da verdadeira pesquisa. O contexto da situagio formativa, por outro lado, sempre revela a relagko entre a funcio de tum ato simbélico, verbal ou manual e certos processos fisicos que Ihe so vinculados pela causalidade biolégica, A forma no simbolismo, portanto, nfo é uma palavra arrancada de seu contexto, um gesto fotografado ou um implemento colocado em ‘um museu, pois cada um desses itens estudado dinamicamente revela-se desempenhando o papel de um catalisador das atividades humanas, como um estimulo que libera respostas em um reflexo encadeado, em tum tipo de emogéo ou em um processo cerebral. Na forma de ut ordem militar, “fogo!” € 0 desempenho em sua totalidade ©, espe ‘mente, 0 comportamento em resposta & ordem, o comportamento social coordenado e provocado pelo estimulo convencional. Como o carter dindmico do estimulo repousa na resposta, a palavra “fogo” escrita fem um pedago de papel e redescoberta no ano 3000 néo significard nada. Nao uma realidade cultural. Deixamos assim estabelecido que a totalidade de um processo cultu- ral envolvendo 0 substrato material da cultura, ou seja, os artefatos; (08 lagos sociais humanos, ou seja, modos padronizados de comporta- mento; € atos simbélicos, ou seja, as influéncias de um organismo sobre © outro através de estimulos reflexos condicionados € uma totalidade {que no podemos retalhar, isolando objetos da cultura material, soci Jogia pura ou linguagem como um sistema contido em si mesmo. 1 A definigho de fungio Esta anélise nos permitiré definir 0 conceito de fungéo de maneira ‘mais precisa. E I6gico que temos que abordé-lo através dos conceitos de uso, ou utilidade, e de relacionamento. Em todas as atividades, 0 uso de um objeto, enquanto parte do comportamento determinado técnica, legal ou ritualmente, conduz os —— 175 seres humanos a satisfagio de alguma necessidade. Frutas e raizes sfo colhidas, 0 peixe € pescado, os animais séo cagados ou apanhados em armadilhas, 0 gado ordenhado ou abatido a fim de garantir a matéria- prima da despensa humana, Posteriormente, so temperados, preparados @ cozidos para seem postos A mesa. Tudo isso culmina em uma refeigio individual ou comunitéria. A necessidade de nutricéo controla ‘uma extrema multiplicidade de processos. So lugares-comuns afirmagies como a de que a humanidade progride na medida de sua barriga, que se pode satisfazer as massas dando-lhes pao ¢ circo e que um dos determinantes da histéria humana e de sua evolugéo é 0 fator mate- rialista do suprimento satisfat6rio de_ali cess0s que constituem ° cultural de uma comunidade € a satisfagdo da necessi- dade biolégica priméria de nutrigdo. ‘Se nos voltarmos para uma outra atividade — a produgéo ¢ manu- ‘tengfio do fogo —, uma vez mais poderemos relacioné-lo aos seus usos primérios na coogdo de alimentos e na manvtengio da temperatura ambiental, e consideré-lo um instrumento em certos processos técnicos. Diversas atitudes religiosas e seculares, legais ¢ técnicas, centradas no fogo, na lareira, na chama sagrada, podem ser todas relacionadas as suas principais fungdes biol6gicas. ‘Tome-se, por exemplo, mores bisa! 2 ‘um objeto fisico, uma construgéo feita de troncos eles de animais, de ou de pedra, e criados. Devemos, a : 1a fungo integral do objeto ao estudarmos as diversas fases de sua construgio tecnolégica ¢ of elementos de sua estrutura, Qual a fungéo dos termos de parentesco, primérios ¢ derivados, individuais e coletivos, descritivos ¢ classificat6rios? Afirmo que, nesse que o orm bolo iativa desses _simbolos giistics iguagem humana de mod ssenci socolgco também indvidal, Os siguticndos nfosndvidons oe o-ndviuas on classificatérios dos termos de parentesco so adqui ste de exes conceutvas. Por cones 8 tvs Isard ara este fentmeno implica que todos esses contextos, nos ats specto simbélico do parentesco 6 sucessivamente elaborad ser estudados por incursdes na linglistica, no comportamento soe e f dos : ; portamento socis ia materia. Quando dieaos comportamento socal, vermo-nor 3s normas Jegas, aos servigos econbmicos © a qualquer ritual que ‘compan 0 esis do desenvolvimento de um indviguo, da inffncia 26 [lusio no grupo de parentesco mais amplo, 0 eld e a trio. Seria (il mostrar que os dversosobjetos materials wualmente rot lados de “dinheiro", “meios de circulagio” ov “riqueza simb6lica” tam- im dever no contexto dos si © consumo. Vv Abordagem preliminar do funcionalismo Os persistentes ensinamentos néo s6 da experigncia em pesquisa de campo como também das investigacdes tebrico-comparativas terminam, inevit F i conduzir oat gO A concepeho de que os leh 's Iagos entre um objeto © os entre a técnica indivic social € # propriedade legal, sas como’a economia da produto, a icoedo gntre a habitagdo humana € os membros do grupo de residéncia que ocupam sfo tdo Sbvios que nunca foram completamente omitidos is atitudes econémicas como inter- liga 2 reconbeer Que esses aspectos so parte da estrutura social ¢,aue devemos sempre e mais e mais establecer coreelagdes, realmente reria teoricamente no totalitarismo cientifico do qual tem sid: acusado frequentemente. Nio hi dividas de que, na ciéncia, devemos isolar tanto quanto estabelecer relagées. Se ndo pudesse mostrar alguns a7 jsolados ou unidades que contém limites naturais paras coordenagdo ea correlacio, 0 funcionalismo nos levaria a um atoll i ‘Admito que la jie a fundamentagio de qualquer anélise cultural profunda. (0 isolado funcional que rotulei de instituigto difere, na medida em que postula uma relagio necesséria, do complexo cultural ou complexo Je tragos, que & definido como “composto de elementos que nifo esti tnecessariamente relacionados entre si”. De fato, o isolado funcional € onereto, isto 6, pode ser observado como um agrupamento social defi- ftido. Tem uma estrutura vilida universalmente para todos 0s tipos de jsolados; e é um verdadeiro isolado na medida em que pudermos ndo apenas enumerar seus fatores abstratos, mas também delinear concreta- Mente 0 seu contorno. O funcionalismo no teria o direito real de tratar da cultura em seus aspectos fundamentals, tais como os educacionais, legais, econdmicos, ou aqueles pertinentes ao conhecimento primitivo ton desenvolvido € 8 religifo, se no fosse capaz de analisar ¢, portanto, Gefinir cada um deles e relacioné-los com as necessidades biologicas do orgenismo humano. (© funcionalismo néo seria to funcional, afinal de contas, se no pudesse definir o conceito de fungdo néo apenas através de expresses Vazias, como “a contribuigo que uma atividade parcial faz para a ativi- dade (otal da qual é uma parte”, mas através de uma referéncia muito ais definida e concreta aquilo que realmente acontece ¢ que pode ser Sbservado, Como veremos, essa definigéo pode ser obtida mostrando aque as instituigSes humanas — tanto quanto as atividades parciais dentro 2s imrias, isto €, biol6gicas, Y Portento, sifuing&o sigai- fica sempre a satistaga do mais simples ato de comer a0 desempenho sacramental em que o tomar a comunh8o el Giona-se com todo um sistema de crengas, determinado pela necessidade cultural de estar em harmonia com o Deus vivo. v Os isolados legitimos da andilise cultural ‘Afirmo que se tomarmos qualquer trago da cultura material ou selecionarmos qualquer costume, isto é qualquer modo padronizado de ‘comportamento, ou qualquer idéia, serd possivel colocé-lo dentro de 178 um ow mais sistemas organizados de atividade humana. Assim, se por caso © leitor estiver frente a um grupo de nativos que esté obtendo fogo por fricgdo, tal ato poderd estar sendo executado para acender uum fogo de uso doméstico, para cozinhar, aquecer ou produzir a pri- meira chama da lareira, De qualquer modo, o fogo assim obtido seria parte integrante da instituigao doméstica; mas poderia também ser uma fogueira de acampamento — de uma cagade, pescaria ou expedigéo comercial organizada. Poderia também ser uma brincadeira de criancas. Enquanto proceso meramente tecnolégico, a obtengdo do fogo tem também sua tradicéo de conhecimento, habilidades e, em muitos casos, de cooperacdo organizada, Se f6ssemos estudé-lo, seja como um desem- Penho manual, seja inserido num processo de continuidade tradicional, terfamos que referi-lo também a um grupo organizado de pessoas, rela- cionado com a transmissao desse tipo de atividade. Um instrumento também tem um propésito, uma técnica ¢ pode sempre ser referido a0 grupo organizado — familia, clé ou tribo — dentro do qual a técnica é cultivada e incorporada em um conjunto de regras técnicas. Uma palavra, ou tipos de palavras, como os termos de parentesco, as expressbes sociolégicas usadas para designar posiglo, autoridade e procedimentos legais, certamente também possuem sua matriz de organizacéo, de equipamento material ¢ de prop6sitos diltimos, sem os quais nenhum grupo se organiza. Féssemos tomar qualquer costume, isto é qualquer forma padronizada de comportamento, fosse ela uma habilidade, uma modalidade fisica — comer, dormir, transporte ou jogo — ou outra qualquer, tal costume expressaria, direta ou simbo- licamente, uma atitude sociol6gica. Em qualquer dos casos, ela pertence um sistema organizado de atividades. Desafio quem quer que seja a ‘mencionar qualquer atividade, sfmbolo ou tipo de organizagdo que néo possa ser colocada em uma ou outra instituigso, embora haja objetos ge perience a vera intagSes, deempenbando una pate epe- cifica em cada uma delas. vw A estrutura de uma instituigio Para ser bem concreto, deixem-me primeiro sugerir que & possivel elaborar uma lista de tipos; assim, por exemplo, ¢ famfla, um grupo de parentesco extenso, um cli ou uma metade constituem um tipo. Estdo todos relacionados com os modos de reprodugdo humana constitu 179 dos ¢ legalizados. © regulamento constitucional ou estatuto corresponde sempre a um desejo, um conjunto de motivos, um propésite comum. Esté incorporado na tradigio ou garantido pela autoridade tradicional ‘No casamento, o regulamento — isto 6, 0 corpo de regras constitucionais — consiste nas leis do casamento ¢ da descendéncia, estas duas estando intimamente relacionadas. Todos os principios pelos quais se define a legitimidade da prole, a constituigio da familia, ou seja, 0 grupo diretamente envolvido ua reproducio estabelecendo as normas especi- ficas da cooperagio — tudo isso constitui 0 estatuto da familia. O estatuto varia de uma comunidade @ outra, mas é parte do conhecimento que deve ser obtido através do trabalho de campo ¢ que define instituigdo doméstica em cada cultura. Independentemente de tal sistema de regras fundamentais ou constitucionais, devemos ainda conhecer melhor 0 pessoal, isto é, os membros do grupo, a fonte da autoridade ea definigéo de fungdes dentro do grupo de residéncia, As regras tapeciticas, tecnolbgicas ¢ legais, econdmicas ¢ relativas as tarefas quotidianas sdo outros fatores constitutivos que devem ser estudados pelo pesquisador de campo. Contudo, a vida familiar centraliza-se no lar; é determinada fisica- mente pelo tipo de habitacio, 0 conjunto de instrumentos domésticos, © mobiliério, bem como pelos objetos sagrados associados com qualquer feulto magico ou religioso praticado pelos residentes como um grupo. Temos até aqui, por conseguinte, elementos como: estatutos, pessoal, normas de cooperacéo ¢ conduta, base material. Reunidos esses dados, temos ainda que obter uma descriglo totalmente concreta da vida dentro da casa, abrangendo sua variagdo sazonal, sua rotina diumma ¢ noturna fe, também, levar em considerago os desvios reais das normas. Bm uma comunidade onde, além da familia no sentido mais estrito, existam também um ou mais tipos de grupos de parentesco extenso, @ anélise de campo e a teoria, orientadas no mesmo sentido, mostrario gue esses grupos tém também seu estatuto na lei costumeira de um grupo de residéncia extenso, Tém suas regras de reciprocidade entre os membros componentes, abrangem um circulo maior de pessoas ¢ um Substrato material de alojamentos espacialmente contiguos, cerca cole tiva, fogo simbélico comum, construgSes principais ¢ secundrias, ¢ também certos objetos de uso comum, contrapondo-se aqueles que pertencem as familias componentes. (© estatuto do cla é dado pela mitologia de um ancestral comum. ¢ pela énfase unilateral na filiagéo a um grupo de parentesco extenso Em todas as partes do mundo encontramos também agrupamentos municipais. Seja estudando uma horda némade ou um grupo local de 180 aborigenes australianos, andamaneses, californianos ou fueguinos, desco- brimos que as pessoas que vivem préximas umas das outras possuem direitos exclusives sobre uma porgao definida do territério, desenvolvem conjumtamente uma série de atividades nas quais é indispensével a cooperacéo direta e tendem a se orgenizar. Por mais rudimentar que seja tal organizagio, cla implica uma declaragao dos direitos do grupo sobre suas terras, Tal fato, freqiientemente, esté associado a reivindica- (Ges mitolégicas religiosas, além das estritamente legais. Por conse- guinte, o estatuto inclui desde a definicdo dos direitos individuais até a cidadania municipal, a reivindicagéo do grupo sobre sua terra e todo tum conjunto de tradigdes hist6ricas, lendéries ¢ mitol6gicas, que trans- forma o grupo em uma unidade brotada de seu solo, Um estatuto desse tipo foi retabricado como farsa, na doutrina do Blut und Boden (Sangue e Solo} do nazismo moderno. (© grupo local tem também seu pessoal, com uma autoridade central mais ou menos desenvolvida, com diferenciagdes ou sreivindicagdes parciais sobre a apropriagdo individual da terra e sobre as divisoes na fungio comunal, isto é, servigos prestados ¢ privilégios reclamados. {As regras minuciosas relativas & posse da terra, as normas costumeiras dos empreendimentos comunais, a definigdo dos movimentos sazonais, especialmente as que dizem respeito as reunides ocasionais da munici- alidade como um todo, constituem as regras que definem 0 aspecto normativo dessa instituigao, O territério, as construgées, os bens de utilidade publica, como os caminhos, as nascentes, os canais navegaveis, constituem © substrato material desse grupo. O principio territorial pode secvir como base para unidades maiores ou provinciais, nas quais se tunem diversas municipalidades. Aqui, também, sugiro que o investigador de campo investigue a existéncia de um estatuto tradicional, ou seja, os antecedentes histéricos ¢ a raison d’éire de tal agrupamento. Deveria descrever seu pessoal, a lei costumeira que governa as atividades con- juntas desse grupo local ou regional, 0 modo como controla seu terri- t6rio € sua riqueza € os instrumentos de sua cooperagdo, sejam estes ferramentas, objetos cerimoniais ou s{mbolos. Obviamente, a tribo € a unidade A qual chegamos quando esten- demos nosso progresso territorial para modos de organizagdo ¢ ativida cooperativas cada vez mais amplos. Contudo, quanto a isso, eu diria que esse conceito tem sido usado com certa confusio © ambigiiidade de principio, o que & prejudicial & terminologia etnogréfica. Proponho que se deva distinguir entre a tribo, no sentido cultural do termo e a tribo enquanto unidade politicamente orgenizada. A tribo, enquanto suporte maior de uma cultura unificads, consiste em um grupo de pessoas que 184 tém a mesma tradigfo, a mesma lei de costumes © as mesmas técnicas, © que apresentam também a mesma organizagéo dos grupos menores, tais como a familia, a municipalidade, a agremiagio ocupacional ou a equipe econdmica. Pessoalmente, considero a comunidade lingtiistica 0 indicador mais caracteristico da unidade tribal, pois uma tradigo comum de habilidades © conhecimentos, de costumes ¢ crengas, s6 pode ser praticada conjuntamente por pessoas que usam @ mesma lingua. As ativi- dades cooperativas, no sentido amplo do termo, também s6 sio possiveis, entre pessoas que podem comunicar-se entre si através da linguagem, ‘Uma tribo-nagéo — como proponho que se chame essa instituigéo — nfo 6, necessariamente, politicamente organizada. A organizacao politica implica sempre uma autoridade central com poder para admi- nistrar seus interesses, isto é, coordenar as atividades dos grupos compo- nentes: quando dizemos poder,” pressupomos 0 uso da fora, tanto fisica quanto espiritual. Sugiro que a tribo, nesse segundo sentido, de agrupamento politico, ou tribo-estado, n&o € idéntica & tribo-nagao. Concordo plenamente com os resultados da anélise do Prof. Lowie em seu livro sobre a origem do Estado, de que os agrupamentos politicos esto ausentes das culturas mais primitivas jé submetidas & observagdo etnogréfica. Contudo, os agrupamentos culturais estéo 16. estatuto da tribo-nagéo pode sempre ser encontrado naquelas tradigdes que se referem as origens de um dado povo e que definem suas aquisigées culturais em termos da atuagdo de ancestrais herdicos. ‘Também so importantes as lendas histricas, as tradigbes geneal6gicas ¢ as explicagées histéricas usadas para estabelecer as diferencas entre essa cultura € a dos vizinhos. Por outro lado, 0 estatuto da tribo-estado, ‘ndo-eserito, mas nunca ausente, ¢ 0 da constituigio da autoridade, do poder, do prestigio e da chefia. A questio do pessoal em um grupo cultural seria abordada através dos problemas da estratificagio ou da auséncia dela, do prestigio, dos grupos etérios que permeiam a cultura e, também, obviamente, através de sua subdivisio regional. Quando a subdivisio regional acusa sensiveis diferencas na cultura ¢ na linguagem, podemos estar enfrentando o dilema de saber se estamos tratando com Uiversas tribos-nagécs ou com uma federagdo, no sentido cultural de subdivisdes culturais auténomas. Nao ha dificuldade para se perceber 6 que é relativo ao pessoal em uma tribo-estado. Obviamente, envolveria questdes sobre a autoridade central, chefia, conselho de ancides, tanto quanto sobre métodos de policiamento e forga militar. Aqui também entrariam as questées relativas & economia tribal, taxagoes, tesouro piiblico e ao financiamento dos empreendimentos tribais. Com relacio ao substrato material, a nacionalidade pode ser definida apenas em 182 termos do cardter diferencial desse substrato, na medida em que ele sepa~ ra uma cultura de todas as outras. Na tribo-estado, comporiam o quadro: © territério politicamente controlado, os instrumentos de defesa © de fgressio, tanto quanto a riqueza piblica acumulada e usada em comum para fins de controle politico, militar ¢ administrativo. Seguindo-se uma linha de investigagdo divorciada do principio ter- ritorial, poderfamos colocar em nossa lista de instituig6es quaisquer agrupamentos de sexo e idade organizados ¢ cristalizados. Obviamente, ‘nfo poderiamos incluir aqui instituigGes como a familia, onde os sexos se complementam e cooperam entre si, mas incluiriamos instituigées como os assim chamados agrupamentos totémicos por sexo, diferentes grupos etérios e os acampamentos de iniciagéo, organizados para homens fe mulheres, respectivamente. Quando temos um sistema de grupos etérios que se refere apenas aos homens da comunidade, podemos dizer que tanto 0 sexo quanto a idade entram como princfpios diferenciais ¢ sé institucionalizados de modo desigual. Duvido que alguém possa encon- tar dificuldades para definir 0 estatuto ou as normas © 0 aparato ‘material incluidos aqui. Associagdes masculinas, como sociedades secre- tas, clubes, casas de solteiros e outras semelhantes, podem ser inclufdas sem dificuldade no conceito de instituigao. Devemos nos lembrar que tais agrupamentos também possuem seus estatutos legais € mitol6gicos, fe que tal fato implica uma definigéo de seu pessoal ¢ de suas normas de comportamento e que cada um deles possui um acervo material, um Jugar de reuniées, alguma riqueza, alguns rituais especificos e aparato instrumental. ‘Um grande grupo de instituigSes poderia ser incluido em uma ampla classe que poderiamos denominar de ocupacional ou profissional. Diver- sos aspects da cultura, isto é, diversos tipos de atividades, como educacdo, economia, administragio da lei, desempenho magico ¢ vene- ragio religiosa podem ou nio estar incorporados em instituigGes espe~ cificas. Nesse ponto, a teoria funcional nfo pode prescindir do principio evolucionista. Pois nfo h4 dividas de que, no curso do desenvolvimento hnumano, as necessidades de organizaglo econémica, de educacio, de servigos legais ov mégicos vém sendo satisfeitas, cada vez mais, por sistemas especializados de atividades. Cada grupo de especialistas torna- -se mais ¢ mais intimamente organizado em uma profissdo. Assim mesmo, a descoberta do tipo mais antigo de grupos ocupacionais é um tema fascinante, néo s6 para o estudante interessado nos amplos esque- mas da evolugio, mas também para o investigador de campo ¢ para 0 estudante que faz trabalhos comparativos. Poucos antropélogos discor- dariam da afirmagio de que na magia ¢ na religio, ou mesmo em 183 certas habilidades técnicas e em certos tipos de empreendimento econd- fico, vemos grupos organizados em acéo, cada um com seu estatuto tradicional, isto é, a definiggo de como © porque esto qualificados para cooperar, cada um dos quais com alguma forma de lideranca Kéenica ou mistica na divisio de fungdes; cada um com suas normas de comportamento e, também, por certo, manipulando 0 aparato espe- citico envolvido. vat O conceito de fungaio Proponho que 0 conceit de fungdo pode ¢ deve ser ajustado & ‘nossa andlise institucional. A fungao da familia € o fornecimento de cidadéos para a comunidade. Através do contrato de casamento, @ familia produz uma prole legltima que deve ser alimentada, inici rudimentos da educagdo e mais tarde equipada com bens materiais, tanto quanto com status tribal apropriado. A combinagio da convi- véncia moralmente aprovada — ndo apenas em termos de sexo mas também em termos de companheirismo ¢ paternidade — com a lei da descendéncia, isto é, 0 estatuto da instituigdo com todas as suas conse- aqiléncias socioculturais, permite-nos a definigao integral dessa institui Definiria a fungGo da familia extensa em termos de uma exploragao mais efetiva dos recursos comunais, do fortalecimento do controle legal sobre uma unidade pequena ¢ bem disciplinada da comunidade ¢, em muitos casos, de uma influéncia politica aumentada, ou seja, maior seguranga ¢ eficiéncia de unidades locais bem disciplinadas. Para mim, fs fungdo do cla revela-se no estabelecimento de uma rede adicional de relagdes, atravessando os grupos de vizinhanga e fornecendo um novo prinefpio quanto & proteglo legal, & reciprocidade econdmica © ao exer- cicio das atividades mfgico-religiosas. Em suma, 0 sistema clinico soma-se Aqueles de lagos pessoais que abrangem toda uma tribo-nagio, permitindo uma troca pessoal de servigos, idéias © bens muito mais Empla do que seria possivel em uma cultura organizada simplesmente sobre a base de familias extensas ¢ grupos de vizinhanga. A fungdo da municipalidade revela-se na organizagio dos servigos pblicos ¢ na exploragio conjunta dos recursos territoriais, na medida em que esta tem jolvida através da cooperacdo, mas dentro dos limites das disponibi Dentro da tribo, as divisdes organizadas segundo o sexo, tanto quanto os grupos etétios, servem aos interesses diferenciais dos grupos 5 grupos etérios definem 0 pape de servigos que podem ser prestados por cada grupo € distribuem as Tecompensas em termos de status ¢ poder. Pouco hé para ser dito sobre fa fungio de cada grupo profissional. Cada um deles € definido em termos de servigos especificos e recompensas adequadas. Novamente aqui, 0 antropélogo que inclui os selvagens atuais em seu interesse pelos povos primitives pode ver que as forgas que operam na combi- ago entre pessoas que prestam os mesmos servicos, partilham dos mesmos interesses e buscam as recompensas tradicionais sao efetivamente ‘as mesmas tanto no caso do espfrito conservado i ‘na tendéncia competitiva da nossa pois, obviamente, se definimos fungéo como a satisfagio de uma neces- sidade, ffcil suspeitar que a fungdo a ser satisfeita foi introduzida a fim de satisfazer a necessidade de satisfazer uma funglo. Assim, por exemplo, 0s cls so obviamente um tipo adicional, poder-se-is dizer supérfluo, de diferenciagéo interna, Seré que poderfamos, nesse caso, falar em uma necessidade legitima de tal diferenciago, especialmente quando a necessidade nem sempre existe? Porque nem todas as comu- nidades tém clas e, assim mesmo, vivem muito bem sem eles. Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que nfo sou muito dog- mftico a esse respeito. Antes proporia que um conceito de funcéo nesse sentido — ou seja, como uma contribuigéo para o estreitamento das malhas do tecido social, para uma distribuigdo de bens € servigos, de idéias ¢ crencas cada vez mais ampla € mais penetrante — pode ser ‘itil como uma reorientagdo da pesquisa no sentido da vitalidade ¢ da uitilidade cultural de certos fendmenos sociais, Proporia também que se introduzisse na evolugéo cultural o conceito de luta pela perma~ smo individual nem de grupos humanos, mas A teoria das necessidades or , , isiol6gicas de temperatura, protegdo contra umidade, vento contra o impacto direto das forgas destrutivas do clima e do tempo, seguranca contra animais ferozes ou seres humanos, alivio ocasional das tensdes, exerci cular e nervoso em movimento ¢ controle do crescimento. O i iéncia da cultura seri ; en |. Se comegarmos com uma consideragdo evolucioni mos mostrar que to logo a anatomia humana é suplementada por uma vara ou uma pedra, uma chama ou uma coberta, 0 uso de artefatos como ferramentas ¢ bens néo apenas faz uma necessidade fisica, mas também estabelece necessidades derivadas. O organismo animal que altera a temperatura pelo uso de ‘um abrigo, permanente ou temporério, pelo uso do fogo, para protec ‘ou aquecimento, de roupas ou cobertas, tornarse dependente desses elementos do ambiente, da habilidade necesséria a sua produgio € uso fe da cooperagdo que pode ser exigida para sua manipulaglo. Com 0 inicio de qualquer atividade cultural, surge um novo tipo de necessidade, intimamente ligada ¢ dependente da necessidade biolé- gtica, mas que também implica novos tipos de determinismo, © animal ‘que passa da alimentac&o obtida diretamente do contacto com o ambiente para a comida colhida, preservada e preparada, morrerd de inanicfo no ‘momento em que 0 processo cultural for interrompido, Lado a lado com a necessidade puramente biol6gica da nutrigio, devemos registrar fas novas necessidades de caréter econdmico. Assim que a gratificagio do impulso sexual se transforma em convivéncia permanente © a edu- ‘cago das criangas conduz a coabitacdo permanente, impem-se novas conidigdes, cada uma delas téo necesséria para a preservagio do grupo quanto qualquer fase do proceso biol6gico. Qualquer comunidade que observemos, seja mais ou menos primi tiva, seja completamente civilizada, possui uma intendéncia? tribal, determinada principalmente pelas necessidades nutrtivas do metabolismo hhumano, mas que, em si mesma, produz novas necessidades, tecnolégicas, econémicas, legais e mesmo mégicas, religiosas ou éticas. Além disso, ‘uma vez que a reprodugéo da espécie humana nfo ocorre pelo simples acasalamento, mas esté relacionada A necessidade de cuidados proton gados, educado e & moldagem primeira da cidadania, ela impde todo ‘um conjunto de determinantes adicionais, ou seja, necessidades que s80 satisfeitas através da regulamentagio do namoro, dos tabus de incesto exogamia, dos arranjos matrimoniais preferenciais; impée também, ‘com relagéo paternidade € a0 parentesco, o sistema de descendéncia com todas as suas implicagdes quanto as relagSes cooperativas, legais € Gticas. As condigées minimas de sobrevivéncia fisica em face das incle- ‘méncias do tempo so satisfeitas através do vestuério ¢ da habitagdo. ‘A necessidade de seguranga leva a arranjos fisicos tanto dentro da ‘casa quanto no aglomerado humano como um todo, levando, também, a organizago dos grupos de vizinhanga. ‘Se enumerarmos rapidamente os imperativos derivados, impostos pela satisfagdo cultural das necessidades biol6gicas, veremos que a cons- tante renovagdo do equipamento material € uma necessidade para a ‘qual o sistema econémico de uma tribo € a resposta. A cooperacéo implica normas sancionadas pela autoridade, pela forca fisica ou pelo contrato social, cuja resposta é dada pelos diversos sistemas de controle, rimitivos ou desenvolvidos. A renovagao do pessoal em qualquer insti- tuigo componente, ou do grupo cultural no seu todo, implica néo apenas reproducdo, mas também sistemas educacionais. A organizagio da forga e da compulsio como base para a autoridade ¢ a defesa rela- ciona-se funcionalmente com a organizacéo politica em cada instituigao ¢, também, posteriormente, com agrupamentos especificos, que jé de rnimos como unidades politicas ou protétipos do Estado politico. ‘svangaado um_pouco mus, penso que devenos admitir que & = sm ese os seus primtrlon através de prinepis icament, a secede, 0 contecimento, fercialmenteincorporado as Raila yas tombe form Jado e centrado sobre certos principios e definigdes referentes a0 pro- cesso tecnolégico material, também tem uma causelidade pragmética ou instrumental primeva, um fator que nfo poderia estar ausente nem mesmo das mais antigas manifestagdes culturais. Em minha opiniéo, T Commissariat, 20 original. (N. da T.) 187 uso da 5 © pasado, que caracterfstica de todo pensamento sistemético, deve ter, desde muito cedo, chamado a atengio dos seres humanos para a incerteza de seus progndsticos puramente intelectuais. ‘A superagdo das falhas no conhecimento humano © 0 reconhecimento das grandes lacunas existentes na avaliagdo do destino ¢ da sorte levaram ‘os homens & afirmagéo da existéncia de forcas sobrenaturais. Provavel- mente, a sobrevivéncia apés a morte & uma das hip6teses miticas mais remotes, selacionada, talvez, a profundos anseios biol6gicos do orga- nismo, mas certamente contribuindo para a estabilidade dos grupos sociais e para a percepgio de que os esforgos humanos tt tao Timitados como pretende a experiéncia puramente racional. As idéias que, de um lado, afirmam que o homem pode controlar alguns elementos do ‘acaso e, de outro, implicam ser a natureza por si mesma uma resposta benevolente ou vingativa as atividades humanas, contém os fgermes de conceitos mais altamente desenvolvidos, tais como o da Providéncia, o de existéncia humans a recreaglo ¢ das ceriménias pablic referéncia as feagées diretamente fisicas do organismo ao ritmo, ao som, & cor, & linha e & forma, bem como as suas combinagSes. Deve também relacionar as artes decorativas as habilidades manuais ¢ & perfeico da tecnologia, ligando-as ao misticismo magico ¢ religioso. x ‘Conclusées Deverd estar claro para todos que encaro tudo isso como um simples ensaio de um esquema. Precisamos ainda de uma resposta mais, completa e concreta & questo de poderem ou nfo os fendmenos cultu- rais ser estudados enquanto integrados em isolados naturais de ativi- dades organizadas. Penso que 0 conceito de instituico, como um con~ tomo definido de sua estrutura, com uma lista completa de seus principais tipos, fornece a melhor resposta & questi "A teoria-das necessidades ¢ suas derivagies permite-nos uma andlise definitivamente mais funcional da relagio entre os determinismos biol6- ico, fisiol6gico e cultural. Nao estou certo de que as minhas breves indicagdes sobre qual € a fungdo de cada tipo de instituicio sejam 198 definitivas, Prefiro pensar que fui capaz de vincular funcionalmente ‘08 varios tipos de respostas culturais, tais como as econémicas, legais, educacionais, cientificas, mégicas ¢ religiosas, ao sistema de necessidades biolégicas, derivadas ¢ integradoras. le tituigdes © de seus aspectos. Se imaginarmos 0 pesquisador de campo munido de tais esquemas de orientagdo, verificaremos que Ihe serio iiteis, tanto para isolar, quanto para relacionar os fendmenos observados. Isso significa, principalmente, ‘equipar o investigador de campo com uma perspectiva clara ¢ instrugSes jago a0 que observar € como regi que se turais tanto quanto & fungo, como quanto a forma, seremos arrastados para esquemas evolucionistas fan- tésticos, como os de Morgan, Bachofen ou Engels, ou para abordagens fragmentadas de itens isolados, como os de Frazer, Briffault ¢ mesmo Westermarck. Além disso, se 0 estudante da distribuigio cultural fizer ‘um levantamento de similaridades ficticias ou irreais, seu trabalho estard perdido. Desse modo, o funcionalismo insiste definitivamente em que possui validade fundamental como anélise preliminar da cultura ¢ que fomece a0 antropélogo os tinicos critérios validos de identficagio cultural.

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