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AUGUSTHO ARINOS DA COSTA

Atos humanos e justiça: representações do passado


para um novo tempo em São Tomás de Aquino

Brasília
2015

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Palavras Chaves: convenção – tratado – pacto – inconstitucionalidade – constituição –
ato – humano – atos humanos – justiça – bem – comum – bem comum - virtude – lei –
ética – vida – vida humana – Tomás de Aquino - Aristóteles – Platão – John Rawls -
Kant - Plauto Faraco de Azevedo - Alexandre Pereira Pinheiro – Olinto Pegoraro –
contrato social – contrato – social – Rousseau - Sebastiano Maffettone – jurisperitos –
jurisconsultos – Ulpiano – metafísica – civil – doutrina – código – liberdade – equidade
– amizade – vontade – hábitos – potencia – doutrina do direito – tutelados – direitos
difusos – política – república – democracia – direito - legislador.

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Índice

Introdução............................................................................................................pagina 07
Primeira parte primeira seção: Os atos Humanos: Sua diferenciação moral boa ou
má.........................................................................................................................pagina 13
Primeiro ponto; A bondade e a malicia dos atos humanos em geral...................pagina 13
Segundo ponto; A bondade e a malícia do ato interior da vontade.....................pagina 19
Terceiro ponto; A bondade e a malícia dos atos exteriores.................................pagina 22
Quarto ponto; As consequências dos atos humanos em razão de sua bondade e
malicia..................................................................................................................pagina 25

Segunda seção: Os atos Humanos: Sua natureza, estrutura e dinamismo...........pagina 27


Primeiro ponto; atos imperados pela vontade......................................................pagina 27
Segundo ponto; o voluntário e o involuntário......................................................pagina 29
Terceiro ponto; a intenção...................................................................................pagina 31
Quarto ponto; a deliberação que precede a eleição.............................................pagina 32
Quinto ponto; A eleição do que é para o fim pela vontade..................................pagina 33
Sexto ponto; o consentimento, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para o
fim........................................................................................................................pagina 34
Sétimo ponto; As circunstâncias dos atos humanos............................................pagina 35
Oitavo ponto; O que move a vontade..................................................................pagina 38
Nono ponto; A vontade e seu objeto....................................................................pagina 40
Décimo ponto; O modo de mover-se da vontade.................................................pagina 41
Décimo Primeiro ponto; O uso, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para
o fim.....................................................................................................................pagina 42
Décimo Segundo ponto; A fruição que é ato da vontade com aquilo que é para o
fim........................................................................................................................pagina 43

Terceira seção: A vida Humana...........................................................................pagina 44


Primeiro ponto; O fim da vida humana................................................................pagina 45
Segundo ponto; vida ativa e vida Contemplativa................................................pagina 50

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Segunda parte primeira seção: Do Direito e Da justiça.......................................pagina 56
Primeiro Ponto; O direito.....................................................................................pagina 56
Segundo ponto; As Partes Potenciais da Justiça..................................................pagina 62
Terceiro ponto; O agradecimento ou gratidão.....................................................pagina 64
Quarto ponto; a virtude da Verdade.....................................................................pagina 65
Quinto ponto; A Amizade ou Afabilidade...........................................................pagina 71
Sexto ponto; A Epiquéia ou Equidade.................................................................pagina 77
Sétimo ponto; Partes por assim dizer Integrantes da Justiça...............................pagina 81
Oitavo ponto; A Justiça........................................................................................pagina 85
Nono ponto; As partes da justiça.........................................................................pagina 92
Décimo Ponto; A Restituição...............................................................................pagina 94

Segunda seção:Da Lei..........................................................................................pagina 96


Primeiro ponto; A Essência da Lei......................................................................pagina 96
Segundo ponto; Os efeitos da Lei......................................................................pagina 100
Terceiro ponto; A Lei Eterna.............................................................................pagina 101
Quarto ponto; A Lei Natural..............................................................................pagina 104
Quinto ponto; A Lei Humana............................................................................pagina 107
Sexto ponto; O poder da Lei Humana................................................................pagina 108
Sétimo ponto; a mudança das Leis.....................................................................pagina 110

Terceira parte Primeira Seção; Dos Hábitos em geral e da Essência da


Virtude...............................................................................................................pagina 113
Primeiro Ponto; Os Hábitos em geral quanto à sua substância..........................pagina 113
Segundo ponto; O Sujeito dos Hábitos..............................................................pagina 120
Terceiro ponto; A causa dos hábitos quanto a sua geração...............................pagina 126
Quarto ponto; O aumento dos hábitos...............................................................pagina 128
Quinto ponto; A destruição e a diminuição dos Hábitos...................................pagina 138
Sexto ponto; A distinção dos Hábitos................................................................pagina 143
Sétimo ponto; A essência da virtude..................................................................pagina 147

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Oitavo ponto; O Sujeito da virtude....................................................................pagina 151
Nono ponto; A causa das Virtudes.....................................................................pagina 153
Decimo ponto; O meio-termo das Virtudes.......................................................pagina 153
Decimo Primeiro ponto; os vícios em si mesmos..............................................pagina 155
Conclusão...........................................................................................................pagina 156
Apêndice A........................................................................................................pagina 157
Apêndice B.........................................................................................................pagina 157
ANEXO A..........................................................................................................pagina 158
ANEXO B..........................................................................................................pagina 165
ANEXO C..........................................................................................................pagina 182
ANEXO D..........................................................................................................pagina 201

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1. -Introdução

Trata-se de um questionamento quanto á contemporaneidade das afirmativas e


conclusões de São Tomás de Aquino e sua capacidade de dar suporte às decisões dos
juristas da atualidade. Tomás de Aquino, foi um frade dominicano e sacerdote italiano,
cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na
tradição conhecida como escolasticismo, que o tornou, conhecido como "Doctor
Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis". Nasceu dia 28 de janeiro de
1225, Roccasecca, Itália e faleceu em 7 de março de 1274, Abadia de Fossanova,
Priverno, Itália, um dos maiores e celebres jurisperitos e jurisconsultos da existência.
Trataremos sobre uma das obras de São Tomás a Suma teológica que é composta de
nove volumes, o recorte documental que faremos será em quatro volumes a Suma
Teológica A Bem-Aventurança - os Atos Humanos - As Paixões da Alma Volume III
Seção I – Parte II – Questões 1-48, a Suma teológica Os hábitos e as virtudes – Os Dons
do Espirito Santo – Os vícios e os pecados – A pedagogia divina pela lei – a lei antiga e
a lei nova – A Graça Voluma IV I seção da II parte – questões de 49-114, a Suma
teológica Justiça – Religão – Virtudes Sociais Volume VI II Seção da II Parte –
Questões 57-122 e a Suma teológica A Força – A Temperança – Os carismas a serviço
da Revelação Volume VII II Seção da II Parte – Questões 123-189, restringindo para
atos humanos, vida humana, justiça, leis e virtudes.

Devemos tratar de início o modo como São Tomás elabora suas questões,
sempre ele vem com três ou quatro argumentos sofísticos (que com base em premissas
certas chega-se a conclusões erradas), depois ele dá o argumento em sentido contrário, e
depois a reposta e logo mais a resolução dos sofismas.

Não se pretende aqui ser um resumo ou compêndio das ideias de São Tomás,
mas sim com base nas suas interlocuções e pensamentos, ser um objeto de
conhecimento para os juízes de nossa época, e também sobre os vários equívocos sobre
atos humanos, vida, justiça, leis, a moral, virtude e bem comum, considerando que são
do século XIII em sua gênese, de como esses conceitos estão hoje, no século XXI na
contemporaneidade. O que proponho aqui é com base no meu fluxo de pensamento, e
das afirmativas de São Tomás ser um elaborado tratado dos dias de hoje sobre esses
equívocos, pois os conceitos que temos nos dias atuais comparados com os conceitos no

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início, há margem para erros, porque o modo com que foram sendo passados pela
tradição destoam da doutrina, lembrando que muitos desses conceitos vieram da Igreja
Católica. Deixo para São Tomás, Platão, Aristóteles e vários santos que cito como
Agostinho e Isidoro assim como jurisperitos do tempo de São Tomás ou do Império
Romano que ele cita na suma, no corpo do texto e trago também outros autores como
Kant, Rousseau, Rawls, Maffettone e outros citados em recuo, vale notar que os dois
são complementares uns dos outros, tanto o corpo de texto quanto os citados em recuo,
os ditos em parênteses, colchete e aspas são dos autores e as chaves são assertivas
minhas tanto no texto quanto em recuo.

Faremos uma interlocução teórica com o livro Justiça distributiva e aplicação


do direito de Plauto Faraco de Azevedo e da revista Universitas/Jus nº 9, que usaremos
o artigo A justiça comutativa e a fundação social do contrato no novo código civil
brasileiro de Alexandre Pereira Pinheiro. Obras como Ética a Nicômaco e a Ética a
Eudemo de Aristóteles, a Republica de Platão, a Metafísica dos Costumes de Kant, Uma
Teoria da Justiça e Justiça como Equidade de John Rawls, A Idéia de justiça de Platão a
Rawls de Sebastiano Maffettone, Do Contrato Social de Rousseau, Ética e Justiça de
Olinto A. Pegoraro e trago para esta obra o jurisperito Ulpiano em latim/português
“Regras de Ulpiano” que também se fará a interlocução teórica.

A metodologia que utilizaremos será a de um livro chamado “Como Elaborar


Projetos de Pesquisa” do autor Antônio Carlos Gil, com as seguintes etapas de leitura.
Fazendo uma leitura do material que depois de desenrolará para leitura exploratória,
seletiva, analítica e interpretativa, terminando esses processos, se fará uma análise do
discurso.(GIL, 2010)

A proposta deste trabalho é lançar a um olhar sobre atos humanos e justiça uma
antiga interpretação, si tem a capacidade de dar suporte às decisões de sentença, para
um novo tempo de justiça e condutas humanas. A partir disso, analisaremos o discurso
do texto de são Tomás de Aquino quanto ao que dispõe sobre a justiça e atos humanos.
Não se pode estudar justiça fora do contexto do estudo dos atos humanos, pois como
São Tomás mesmo diz na suma teológica VI a justiça é uma virtude que reverbera na
vontade tendo como objeto o outro, como objetivo dar a cada um o que lhe é devido e
como causa integrante fazer o bem e evitar o mal.

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Este trabalho terá início na primeira parte dos atos humanos em duas seções, na
primeira seção sua bondade ou malicia dos atos humanos que são quatro pontos e na
segunda seção sua natureza, estrutura, e dinamismo que são doze pontos, e na terceira
seção; A vida Humana com dois pontos. Na segunda parte primeira seção, trataremos do
direito e da justiça com dez pontos, ne segunda seção trataremos da lei em sete pontos.
Na Terceira parte em uma seção, vamos abordar o hábito e a essência da virtude em
onze pontos.

Ressalta-se que a obra de São Tomás de Aquino pode ser capaz de responder ao
questionamento proposto por si, mas usei outros autores como freios e contrapesos a
respeito dessas questões. Com base nesse contexto pergunta-se: As afirmativas e
conclusões de São Tomás de Aquino juntamente com os outros autores se, podem ser
consideradas contemporâneas e assim serem capazes de dar suporte às decisões dos
juízes na atualidade?

Tratar sobre justiça é uma tarefa um tanto quanto árdua, pois engloba não só
conceitos mas também pessoas, buscar intender como se representava a justiça naquele
tempo o que, pensava, transmitia, corroborava e julgava.

Como o objeto de pesquisa é a contemporaneidade, trazer esse tema para o seio


da sociedade é socializar o conhecimento e interpretações sobre o que é justiça, moral e
atos humanos.

O tema proposto tem relevância pois vem a ser um novo prisma de pensamento
sobre o que é atos humanos e justiça. Naquele tempo a justiça era vista pelo menos por
São Tomás como dar a cada um o que é de direito, ele trata também sobre o direito das
gentes que na época dele era somente de razão, pois as nações não haviam se reunido
para fazer os direitos humanos como se fez pela ONU (organização das nações unidas).

Diante dessa contextualização pode-se concluir que dar a cada um o que é


devido, não somente para o bem, mas também para a falta ou pena quando se comete
algum delito contrário a lei definida pela nação, mas no mesmo tratado existe a epiquéia
que é olhar de cima a lei e interpreta-la segundo a deliberação da razão e intenção do
legislador, a saber, o bem comum, atenuando assim a culpa.

A justiça existe também para medir o fazer o bem e evitar o mal, porque em
todos atos humanos tem que se ter a prudência. Não se pretende aqui ser um resumo ou

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como compêndio das ideias de São Tomás, mas sim com base nas suas interlocuções e
pensamentos ser um objeto de conhecimento para os juízes de nossa época, e também
sobre os vários equívocos sobre atos humanos, vida, justiça, leis e bem comum. O que
proponho aqui é com base no meu fluxo de pensamento, e das afirmativas de São
Tomás ser um elaborado tratado dos dias de hoje sobre esses equívocos sobre os
conceitos.

O presente trabalho se apresenta como uma maneira alternativa de se pensar a


justiça segundo São Tomás, se ainda hoje se pode utiliza-lo como fonte, pois pode
parecer uma forma de se pensar a história da justiça. Ao analisar e compreender nosso
rico passado através das palavras de São Tomás pode-se vislumbrar uma nova maneira
de se fazer justiça.

As ideias presentes no imaginário de São Tomás no período em que vivia São


Tomás, como a pena de morte e, isso é antiquado nele, é que ele legitima a pena de
morte dando o seguinte exemplo que o médico no último caso de gangrena arranca a
parte gangrenada da pessoa e o mesmo acontece na sociedade o príncipe tem o dever de
dar pena de morte para crimes de notória repercussão. Mas tirando isso o pensamento de
são Tomás sempre liberta a mente de preconceitos, principalmente quando fala da
discriminação de pessoas. Diante desse descompasso, bem como para esclarecer ou
sedimentar as ideias de São Tomás de Aquino será necessário realizar pesquisa
bibliográfica a fim de viabilizar uma interlocução teórica. Obras como Ética à
Nicômaco e à Eudemo de Aristóteles e outras

A partir desses e outros questionamentos que iremos fazer ao longo do presente


trabalho, é notório enunciar alguns tipos de problematizações, a fim de se delimitar e, se
possível, nortear a nossa pesquisa historiográfica. De forma geral, percebe-se que São
Tomás faz usos de exemplos para enaltecer seus argumentos. Preocupação em se
construir uma justiça que julga os casos singulares que atenda as leis aos casos
universais, pois se a lei fosse variar os singulares seria impossível fixá-la como lei
positivada.

Como foi dito acima não tem como se falar de justiça sem ato humano isso
porque a vontade tem que ser gerida pela justiça e estão tão entrelaçados seja na conduta
do ser humano para com os outros, seja para regulação do homem referente a si mesmo,
que vamos demonstrar os freios e contrapesos nos atos humanos da sua bondade ou

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malicia, seu mérito ou demérito, retidão ou de pecado, de louvável ou culpável. Assim
como trataremos do o que é justiça, bem-comum, vida humana e leis.

O objetivo geral desta obra é: Analisar o discurso de São Tomás de Aquino


sobre atos humanos, moral e justiça, a fim de identificar se em seus argumentos se
mostra contemporâneos e capazes de serem utilizados pelos juristas na atualidade. E os
objetivos específicos são quatro; o primeiro, analisar os argumentos de São Tomás
referente a atos humanos, justiça e sobre a função da virtude. O segundo, procurar
entender o que ele diz sobre atos humanos, justiça, vontade, leis e bem-comum. O
terceiro, identificar as ideias a serem extraídas do texto que sejam sobre atos humanos,
moral, justiça, vontade, leis e bem-comum. O quarto, produzir um texto a partir da
compreensão da análise do discurso, que discorra sobre a contemporaneidade das
afirmativas e conclusões de São Tomás de Aquino e sua utilidade nas decisões jurídicos
atuais, principalmente no que diz respeito a moral e virtude.

A metodologia desta obra é; Realizar-se-á uma leitura integral das obras supra
citadas, na sequência dar-se-á início a um compêndio dos pontos colocados. Fazendo
uma leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa.

Por meio da leitura do material identificou-se as informações e os dados


constantes do material proposto. Foram estabelecidas relações das informações e dos
dados obtidos com o problema proposto. Foi analisada a consistência das informações e
os dados apresentados pelo autor.

A leitura exploratória tem por objetivo verificar em que medida a obra


consultada interessa à pesquisa. Com esse fato, é possível ter uma visão global dos
livros colocados em análise. A leitura seletiva acontece após a leitura exploratória.
Trata-se da seleção do material que de fato interessa-a pesquisa. Essa seleção é possível
si quando temos em mente os objetivos da pesquisa, dessa forma pode-se evitar a leitura
de texto cuja a contribuição seja inadequada. Finalizada a leitura seletiva, parte-se para
a leitura analítica. A finalidade da leitura analítica é organizar as ideias que possam nós
levar à obtenção da resposta ao nosso problema de pesquisa que neste caso é identificar
um velho olhar para um novo tempo.

A leitura interpretativa é a última etapa do processo e a mais complexa, seu


objetivo é relacionar o que o autor afirma com o problema a solucionar. Se na leitura

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analítica buscamos os dados, ou seja, as ideias, na leitura interpretativa vamos além. Na
leitura interpretativa devemos fazer a ligação dessas ideias a problemática.

Para este trabalho será necessário realizar uma análise do discurso com a leitura
do livro proposto e relevante a Suma Teológica de São Tomás de Aquino analisando os
atos humanos e a justiça, e em que implica cada virtude. Buscando compreender o
quadro das afirmações, dos argumentos e das conclusões. Procurando sempre intender o
sentido em que trata cada ponto assim como construir uma análise de discurso a partir
das afirmações corroboradas por São Tomás. Seletiva procurando o que ele diz de
relevante sobre atos humanos e justiça. Analítica ordenando e somando as afirmações e
os argumentos que afirmem e confirmem as conclusões dadas. Construindo assim um
texto com representações do passado para um novo tempo, tempo esse de epiquéia e de
liberdade. Vide também os apêndices e os anexos desta obra.

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A Primeira Parte

Primeira Seção

Os atos Humanos: Sua diferenciação moral boa ou má

Primeiro ponto; A bondade e a malicia dos atos humanos em geral1:

O que o direito permite com o que o direito prescreve, a


fim de que a justiça e a utilidade de modo algum se
encontrem divididas. Entro na matéria sem provar a
importância de meu assunto. Perguntar-se-me-á se sou
príncipe ou legislador, para escrever sobre política. Se eu
fosse príncipe ou legislador, não perderia meu tempo em
dizer o que é preciso fazer; eu o faria ou me calaria.
Nascido cidadão de um Estado Livre e membro do
soberano, por frágil que seja a influência de minha voz nos
negócios públicos, basta-me o direito de votar para impor
o dever de me instruir no tocante a isso.2

Diz Dionísio: “o mal não age senão em virtude do bem. Ora, em virtude do bem
não se faz o mal”. E Aristóteles “uma coisa é boa, na medida em que a potência se
aperfeiçoa pelo ato”. Para São Tomás “toda, ação tem algo do ser, quanto tem da
bondade. Faltando-lhe, porém, algo da plenitude do ser devida à ação humana,
igualmente lhe falta algo da bondade, e assim se fiz má; por exemplo, se lhe falta ou
uma medida determinada pela razão, ou o lugar devido, ou algo equivalente”. E ainda
diz mais “que nada impede que algo esteja segundo certo aspecto em ato, donde poder
agir, e, segundo outro aspecto, esteja privado do ato, e cause uma ação deficiente”. E diz
“que a ação má pode ter por si algum efeito, pelo que tem de bondade e de entidade”.

Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de


alicerce a todos os outros. Esse direito, todavia, não vem
da natureza; está, pois, fundamentado sobre convenções.3

Liberdade comum é uma consequência da natureza


humana.(...) havendo nascido todos livres e iguais, não
alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade.4

Que não se é obrigado a obedecer senão às autoridades


legitimas.5

Discorre Agostinho “Não há mal nas coisas, mas no uso dos que pecam”. Outra
colocação e que São Tomás vai investigar que a ação tem bondade ou malicia pelo seu
objeto “a ação recebe do objeto a espécie, como o movimento do termo. E assim como a
primeira bondade do ato moral é considerado por sua forma, que lhe dá espécie, assim
também a primeira bondade do ato moral é considerada pelo objeto conveniente. (...)
1 Suma Teológica III p237-258.

2ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 9-10.
3ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 10.
4ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 11.
5ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 15.

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usar uma coisa própria, (...) o primeiro mal nas ações morais é o que procede do objeto,
como tomar as coisas alheais.” E a resolução que São Tomás toma de Agostinho é que
“embora as coisas exteriores sejam em si mesmas boas, nem sempre têm a devida
proporção para esta ou para aquela ação” diz “que objeto é matéria acerca da qual, e a
razão de forma enquanto dá a espécie.” E que é movida a potência apetitiva pelo objeto
apetecível que ela é de certo modo passiva e o princípio da potência ativa da ação
humana, é pelo objeto o princípio dos atos humanos.

Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade


natural sobre seu semelhante, (...) restam pois as
convenções como base de toda autoridade legitima entre
os homens.6

A loucura não faz direito.7

Não poderia alienar os filhos: estes nascem homens e


livres; sua liberdade pertence-lhes; ninguém eles próprios,
tem o direito de dela dispor. Antes de atingirem a idade da
razão, pode o pai estipular, em nome deles, condições para
a sua conservação, para o seu bem-estar, mas não os pode
dar irrevogável e incondicionalmente, porque tal dom é
contrário aos fins da natureza e sobrepuja os direitos da
paternidade.8

Para São Tomás “porque o objeto é de algum modo efeito da potência ativa,
seque-se que é termo de sua ação e por isso lhe dá forma e espécie, pois o movimento
recebe do termo a espécie. – Embora a bondade da ação não seja causada pela bondade
do efeito, por isso a ação é dita boa porque pode induzir um efeito bom. Essa proporção
entre ação e efeito é a razão de sua bondade.”

Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à


qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos
seus deveres. Não há nenhum compensação possível para quem
quer que renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a
natureza humana, e é arrebatar toda moralidade a suas ações, bem
como subtrair toda liberdade à sua vontade. Enfim, não passa de vã
e contraditória convenção estipular, de um lado, uma autoridade
absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites. 9

As palavras escravatura e direito são contraditórias, excluem-se


mutuamente. Seja de homem para homem, seja de um homem para
um povo, este discurso será igualmente insensato: “Faço contigo
um contrato, todo em teu prejuízo e todo em meu proveito, que eu
observarei enquanto me aprouver, e que tu observarás enquanto me
aprouver”. 10

É preciso remontar sempre a um primeiro convênio 11

6ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 15.
7ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 16.
8ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 16-17.
9ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 17.
10ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 21.
11ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 21.

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Trataremos si a ação é boa ou má segundo as circunstâncias, segundo Aristóteles
“o virtuoso age como convém, e quando convém, e segundo outras coisas particulares.
Contrariamente, o viciado opera segundo cada vício quando não convém, onde não
convém e assim em outras coisas particulares”, corolário disso, é segundo as
circunstância, que as ações humanas são boas ou más. Segundo São Tomás “se algo
falta para uma compostura decente, procede do mal”, ademais as circunstâncias são
como que acidentes dos atos e especificam como boas quanto os devidos processos ou
más quanto se falta ou carece das devidas circunstâncias. São Tomás diz mais “que
uma vez que o bem se converte com ente, como ente é considerado enquanto substância
e enquanto acidente, também o bem é atribuído à alguma coisa segundo o seu ser
acidental, nas ações materiais e também nas ações morais.”

Essa doação é um ato civil; supõe uma deliberação pública. (...) bom
examinar o ato pelo qual o povo é um povo, porque esse ato, sendo
necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro
fundamento da sociedade. 12

Com efeito, se não houvesse em absoluto convênio anterior, onde


estaria, a menos que a eleição fosse unânime, a obrigação, por parte
do pequeno número, de submeter-se à escolha do grande número, e
como cem indivíduos que desejam um senhor podem ter um direito
de votar por dez que de modo nenhum o desejam? A lei da
pluralidade dos sufrágios é por si mesma um estabelecimento de
convênio e supõe, ao menos uma vez, a unanimidade. 13

Soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo,


sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros
instrumentos de sua conservação, como as empregará ele, sem
prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta
dificuldade, reconduzida ao meu assunto, pode ser enunciada nos
seguintes termos. ‘encontrar uma forma de associação que defenda e
proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e
pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a
si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente’. Tal é o
problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. 14

Colocaremos agora si a ação humana é boa ou má pelo fim. Diz Boécio: “Aquele
cujo fim é bom, será bom, aquele cujo fim é mal, será mau”. Depende do fim as coisas
que por bondade, se tornam ser das coisas que dependam do agente e da forma. Mas
ações humanas depende do fim pela razão de bondade das coisas. Em São Tomás
“Considera a bondade na ação humana de quatro modos. Primeiro, segundo o gênero,
enquanto é ação, porque tanto tem da ação e da entidade, quanto tem da bondade (...).
Segundo, de acordo com a espécie, que se toma em conformidade com o objeto
conveniente. Terceiro, segundo as circunstâncias, tidas como acidentes. Quarto,

12ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 22.
13ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 23.
14ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 24.

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segundo o fim, conforme sua relação com a causa da bondade”. Diz mais “que o bem
visado por alguém, nem sempre é verdadeiro bem, pois as vezes é verdadeiro, mas às
vezes apenas bem aparente.” E que “embora o fim seja uma causa extrínseca, a devida
proporção com o fim e a relação para com ele são inerente à ação.” E para o ato ter
aspecto de bondade é necessário os quatros modos de bondade por que: segundo ele
“qualquer defeito singular causa o mal, e o bem é causado pela causa total”.

Portanto, se afastarmos do pacto social o que não constitui a sua


essência, acharemos que ele se reduz aos seguintes termos: ‘cada um
de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o
supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada
membro como parte indivisível do todo.’ 15

Encontra-se ele no caso de um particular contratante consigo


mesmo; por onde se observa que não há nem pode haver nenhuma
espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem
mesmo o contrato social. 16

Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade
particular contrária ou dessemelhante à vontade geral que possui na
qualidade de cidadão. 17

Discorreremos se a ação humana e boa ou má pela espécie. Diz Aristóteles


“Hábitos semelhantes tornam os atos semelhantes”. E São Tomás dá o exemplo “os
hábitos bons e maus diferem em espécie, como a liberalidade e a prodigalidade”. Diz
São Tomás “todo ato recebe do objeto a sua espécie.” Na medida em que si referem a
um princípio ativo de atos, se diferencia os atos humanos em bem e mal pela razão a
eles colocados como diz São Dionísio “o bem do homem é estar conforme a razão, e
mal o que está além da razão”. Ademais si o objeto é ou não conveniente essa é a
diferença que a razão deve traçar. Os atos se dizem humanos quando proveniente da
razão, o bem enquanto a razão e o mal é além da razão, diversificam a espécie do ato
moral. Logo São Tomás diz “(...) todas as vezes que a circunstância transforma o ato
bom em mau, mas a circunstância não faz o ato mau a não ser que contrarie a razão”
claro que se trata da virtude da prudência, virtude essa que está virtualmente contida na
justiça, da qual trataremos na segunda parte.

A passagem do estado natural ao estado civil produziu no


homem uma mudança considerável, substituindo em sua
conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a
moralidade que anteriormente lhes faltava. 18

15ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 25-26.
16ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 27.
17ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 29.
18ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 30.

Página 16 de 237
Todo homem tem naturalmente direito a tudo que lhe é
necessário. 19

Observação que deve servir de base a todo o sistema


social: é que o pacto fundamental, ao invés de destruir a
igualdade natural, substitui, ao contrário, por uma
igualdade moral e legítima a desigualdade física que a
natureza pode pôr entre os homens, fazendo com que
estes, conquanto possam ser desiguais em força ou em
talento, se tornem iguais por convenção e por direito. 20

Diz São Tomás “os atos dizem-se humanos enquanto são voluntário” no
voluntario se tem o ato interior e o ato exterior e que “o fim é propriamente o objeto do
ato voluntario interior, e aquilo acerca do qual é a ação exterior, é o seu objeto”. Resta
agora, considerar segundo São Tomás “qual a diferença é contida na outra. Para
esclarecê-lo, deve-se considerar, em primeiro lugar que uma diferença é tanto mais
específica, quanto mais particular é a forma assumida. Em segundo lugar, que quanto
mais universal é o agente, mais universal e a forma de produz. Em terceiro lugar, que
quanto mais remoto é um fim, mais corresponde ao agente mais universal.”

Somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do


Estado, segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum. 21

Com efeito, se não é impossível fazer concordar uma vontade


particular com a vontade geral, em torno de algum ponto, é pelo
menos impossível fazer com que esse acordo seja durável e
constante; porque a vontade particular, por sua natureza, tende às
preferências, e a vontade geral à igualdade. 22

Deve-se, do silêncio universal, presumir o consentimento do povo. 23


{por isso fizemos esse tratado.}

E que “a vontade, pois, cujo objeto próprio é o fim, é movente universal de todas
as potências da alma, cujos objetos próprios são os objetos dos atos particulares”. E
ainda diz mais “que o fim é o último na execução, mas é o primeiro na intenção da
razão, segundo a qual se consideram as espécies dos atos morais”. Um bom resumo que
São Tomás fez “todo ato tem a espécie pelo objeto, e o ato humano dito moral tem a
espécie pelo objeto referido ao princípio dos atos humanos, que é a razão.” Existem
também atos tais quais são indiferentes segundo a sua espécie como “levantar uma
palha da terra, ir ao campo e coisas semelhantes”.

A ideia unida ao termo lei por fixada. 24

Porque, sob a lei da razão, nada se faz sem causa, do


mesmo modo que sob a lei natural. 25

19ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 32.
20ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 35.
21ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 36.
22ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 37.
23ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 37.
24ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 39.

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Por que é sempre reta a vontade geral, e por que desejam
todos, constantemente, a felicidade de cada um.(...) isso
prova que a igualdade de direito e a noção de justiça que
aquela produz derivam da preferência que cada qual se
atribui, e, por conseguinte, da natureza do homem; que a
vontade geral, por ser realmente conforme, deve existir no
seu objeto, bem como na sua essência; que deve partir de
todos, para a todos ser aplicada. 26

Aristóteles diz “que pelos atos individuais são causados hábitos conforme eles”.
Para São Tomás “que nenhum ato individual é indiferente.” Pois como trata matizando
“Às vezes um ato é indiferente segundo a espécie, o qual, entretanto, é bom ou mau
considerado no indivíduo. Isso porque o ato moral, como foi dito, não só tem a bondade
pelo objeto, do qual tem a espécie, mas também pelas circunstâncias, que são acidentes.
Por exemplo, algo convém a um homem individual mediante acidentes individuais, o
que não convém ao homem segundo a razão da espécie.”

Não temos nenhum real princípio de equidade a conduzir-nos. 27

À falta de um interesse comum que una e identifique a regra do juiz


com a da parte. 28

Por qualquer dos lados que se remonte ao princípio, chega-se


sempre à mesma conclusão, a saber, que o pacto social estabelece tal
igualdade entre os cidadãos, que os coloca todos sob as mesmas
condições e faz com que todos usufruam dos mesmos direitos.
Destarte, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo
ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece todos os cidadãos,
de maneira que o soberano apenas conheça o corpo da nação e não
distinga nenhum dos corpos que a compõem. 29

Um ato da soberania, não é um convênio entre superior e inferior? 30

O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e


independentemente das convenções humanas. 31

É preciso, pois, que qualquer ato individual tenha alguma circunstância pela qual
é atraído para o bem ou para o mal, ao menos na parte da intenção do fim. Ora, como é
próprio da razão ordenar, o ato que procede da razão deliberativa, se não está ordenado
para o devido fim, por isso mesmo contraria a razão, e tem razão de mal. Se, porém, está
ordenado para o devido fim convém à ordem da razão, e tem, por isso, razão de bem. É
necessário, pois, que se ordene ou não ao devido fim. Portanto, é necessário que todo
ato humano procedente da razão deliberativa, considerando no individuo, seja “bem ou
mal”. E diz que “todo fim visado pela razão deliberativa pertence ao bem de alguma

25ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 43.
26ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 44.
27ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 44.
28ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 45.
29ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 45-46.
30ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 46.
31ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 51.

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virtude, ou ao mal de algum vicio. Assim, aquilo que alguém faz ordenadamente para o
sustento ou para o repouso do corpo, se ordena para o bem da virtude naquele que
ordena seu corpo para o bem da virtude.” Os atos morais são constituídos pelas formas.
Ainda mais “por isso, sempre que uma circunstância se refere a uma especial ordem da
razão ‘pró’ ou ‘contra’, necessariamente a circunstanciada dá a espécie ao ato moral,
bom ou mau”. São Dionísio diz “o bem, com efeito, consiste em número, peso e
medida”. E concluindo esse ponto São Tomás diz “nem toda circunstância que aumenta
ou diminui a bondade ou a malícia modifica a espécie moral do ato” isso acontece
porque a circunstância não acarreta bem ou mal a não ser que contrarie a razão.

A matéria sobre a qual estatuímos passa a ser geral, como


a vontade que estatui. A esse ato é que eu chamo de uma
lei32

Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo


que a lei considera os vassalos em corpo e as ações sendo
abstratas, jamais um homem como individuo, nem uma
ação particular. 33

Numa palavra, toda função que se relacione com um


objeto individual não pertence de nenhum modo ao poder
legislativo34

Segundo ponto; A bondade e a malícia do ato interior da vontade35:

Primeiro aspecto a si tratar e si o ato moral diversifica pelo objeto, São Tomás
mas com a perspectiva de que e boa ou má a vontade dependendo da espécie, e a
“vontade boa ou má são atos diferentes segundo a espécie. E a diferença de espécie nos
atos é pelos objetos”. E que “a ação é o princípio dos atos humanos morais”. No ato
interior da alma “a bondade e malicia da vontade não depende das circunstâncias, mas
só do objeto”. Duas maneiras quando alguém quer um bem, quando não deve e onde
não deve; “primeiro, que essa circunstância se refere ao objeto querido. Desse modo,
não há vontade do bem, porque querer fazer algo quando não se deve fazer não é querer
o bem. Segundo, que se refere ao ato de querer. Desse modo, é impossível que alguém
queira o bem quando não deve, porque sempre o homem deve querer o bem” a não ser
quando contrarie o bem devido, escolhendo um bem e deixando outro de lado.

32ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 53.
33ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 53.
34ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 53 .
35 Suma Teológica III p259-279.

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República todo Estado regido por leis,(...) todo governo
legítimo é republicano. 36

As leis não são propriamente senão as condições as


condições de associação civil. O povo, submetido às leis,
deve ser o autor das mesmas37

O povo, de si mesmo, sempre deseja o bem; mas nem


sempre o vê, de si mesmo. A vontade geral é sempre reta;
mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido.
E necessário fazer-lhe ver o objeto tais como são, e muitas
vezes tais como devem parecer-lhe; é preciso mostrar-lhe
o bom caminho que procura, protegê-la da sedução das
vontades particulares, aproximar de seus olhos os lugares e
os tempos, equilibrar o encanto das vantagens presentes e
sensíveis com o perigo dos males afastados e ocultos. 38

Vamos tratar agora se a bondade da vontade depende da razão; diz Aristóteles


que a bondade do intelecto prático é “verdadeiro em conformidade com o apetite reto”.
Diz Hilário “quando a vontade não está submissa a razão é sem moderação toda
pertinácia nas vontades assumidas”. Isso produz o que segundo São Tomás “o bem
sensível ou imaginado não é proporcionado à vontade, mas ao apetite sensitivo, porque
a vontade pode tender para o bem universal apreendido pela razão, mas o apetite
sensitivo não tende senão para o bem particular apreendido pela potência sensitiva”.
{Por isso que a vontade depende da razão}.

Uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os


preconceitos, constitui empreendimento perigoso e inútil
pretender reforma-los. 39

Em todo corpo político há um máximo de força que ele


não poderia ultrapassar, e do qual com frequência se afasta
à medida que se expande. Quanto mais se estende o laço
social, tanto mais se afrouxa. 40

O objetivo de todo sistema de legislação, achar-se-á que se


reduz a estes dois objetos principais: a liberdade e a
igualdade. 41

O intelecto pratico segundo Aristóteles “enquanto delibera e raciocina sobre as


coisas que são para o fim”. E São Tomás “a vontade, de certo modo move a razão. A
razão, de outro modo, move a vontade, a saber, mediante o objeto”. Outra colocação é
que a vontade tem que estar submissa a lei eterna, porque estás regulando as ações
humanas, segundo Santo Agostinho “O pecado é algo feito, dito ou desejado contra a lei
eterna”, ou seja, a lei eterna mede a bondade do ato humano. E em São Tomás “e
quando falha a razão humana, é necessário recorrer à lei eterna”. Na primeira parte da

36ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 54 .
37ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 54 .
38ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 55 .
39ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 62 .
40ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 65 .
41ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 72 .

Página 20 de 237
suma teológica São Tomás diz “a consciência nada mais é do que a aplicação da ciência
a um ato”. Na Carta aos Romanos “Tudo que não precede da fé é pecado; ou seja, tudo
o que é contra a consciência”. Para Aristóteles “propriamente falando, incontinente é
aquele que não segue a reta razão; acidentalmente, aquele que não segue também a
razão falsa”.

Quanto ao poder, esteja acima de toda violência e não se


exerça jamais senão em virtude da classe e das leis. 42

O que torna a constituição de um Estado verdadeiramente


sólida e durável é o fato de as conveniências serem tal
modo observadas, que as relações naturais, bem como as
leis, tombam sempre, harmoniosamente, sobre os mesmos
pontos, e estas últimas assegurarem, acompanharem e
retificarem as outras43

Em todo estado de causa, o povo é sempre senhor de


mudar suas leis, mesmo as melhores, porque, se lhe
aprouver prejudicar a si mesmo, quem terá o direito de
impedi-lo? 44

Vamos tratar agora quanto à intenção define a bondade ou malicia dos atos da
vontade; Santo Agostinho diz que “intenção será premiada por Deus”. São Tomás vem
com o emprego que de dois modos da intenção que se refere à vontade, uma antecedente
e outra concomitante, “a intenção antecede a vontade como causa, quando queremos
algo por causa da intenção do fim. Nesse caso, a ordenação para o fim considera-se
como razão da bondade do que quis. Por isso, por que a bondade da vontade depende da
bondade do objeto que se quis, é necessário que dependa da intenção do fim”. E
também diz “A intenção é concomitante com a vontade quando se acrescenta a uma
vontade preexistente anterior.(...) neste caso, a bondade da primeira vontade não
depende da intenção seguinte, a não ser que se repita o ato do vontade com a intenção
seguinte”. Outra é a intenção consequente que é “a vontade pode ter sido boa, e pela
intenção seguinte não é desvirtuado o ato da vontade precedente, mas o ato que será
repetido”. E pode a intenção ser boa e má a vontade, e pode acontecer de a intenção que
é ato interior da alma ser impedida por fatores exteriores, por exemplo quando alguém
decide ir a um lugar santo mas si vê impedida por contratempos e coisas semelhantes.
Para São Tomás a vontade humana, para que se tenha bondade tem que ser em
conformidade com a vontade Divina, porque Deus segundo ele “é o sumo bem”. Já para
Aristóteles o sumo bem no livro 1 da Ética diz: “a felicidade, mais do que qualquer

42ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 73 .
43ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 75 .
44ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 76 .

Página 21 de 237
outro bem, é tida como este bem supremo”. {E nós consideramos Deus uma estrutura de
felicidade.}

Toda ação livre tem duas causas, que concorrem para


produzi-la: uma, moral, a saber, a vontade que determina o
ato; outra, física, isto é, o poder que a executa. 45

O poder legislativo pertence ao povo e só a ele pode


pertencer. 46 {Em uma democracia representativa
delegamos esse direito aos políticos, mas estes não
instruídos, pois, qualquer um pode ser político basta ter
um pé de meia para se eleger, chegam estes, até as mais
escabrosas e horripilantes aparências de lei.}

Cada particular; porém, na qualidade de vassalo, é


considerado indivíduo. 47{em uma república e em uma
democracia todos somos cidadãos, todo estamos em pé de
igualdade e adquirimos força de individuo exemplar pois
não mais à vontade do déspota mas sim a do bem comum}

Terceiro ponto; A bondade e a malícia dos atos exteriores48:

Diz Santo Agostinho “é pela vontade que se peca, e que se vive retamente”.
Como já dizemos o fim é o primeiro na intenção, mas o ultimo na execução, e o ato da
vontade está formalmente para o ato exterior como São Tomás diz “a vontade está para
o ato exterior como causa eficiente. Por isso, a bondade do ato da vontade é forma do
ato exterior, enquanto existente na causa eficiente”. E que “a bondade ou malicia que
tem o ato exterior, considerado em si mesmo, por causa de sua matéria e de suas
circunstâncias provenientes da razão”.

Que distinga sempre da força particular, destinada à


própria conservação, da força coletiva destinada à
conservação do Estado, e que, numa palavra, se mostre
sempre prestes a sacrificar o governo ao povo, e não o
povo ao governo. 49

A arte do legislador consiste em saber fixar o ponto em


que a força e a vontade do governo, sempre em proporção
recíproca, se combinem na relação que ofereça mais
vantagens ao estado. 50 {quando indivíduo está sem sua
liberdade ai que se perverte e vai para crimes que de fato
agridem a liberdade de outros}

Diz Aristóteles “as diferenças por si dividem o gênero”. Para Santo Agostinho
“há coisas que nem a bondade do fim nem a da vontade pode tornar boas”. E Aristóteles
diz ainda “é a virtude que faz bom o que possui a bondade, e torna boas as suas obras”.

45ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 78 .
46ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 79 .
47ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 81.
48 Suma Teológica III p279-290.

49ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 85.
50ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 90.

Página 22 de 237
E no livro I da Ética “uma é a bondade do ato interior, que é da potência imperante,
outra é a do ato exterior, que é da potência imperada”. O ato interior e o ato exterior,
ordenam-se entre si, as vezes distintos e as vezes uno, um pelo sujeito tenha muitas
razões de bondade e malicia.

Porque a democracia pode abarcar todo o povo, ou então


restringir-se até a metade. 51 {Para nós pensamos que a
democracia deve ser sempre universal pois, a contingencia
de vontades se gera no tempo conforme a natureza que não
tem lugar ou tempo. Ou pense, em um país democrático
aonde em seus alicerces está a iniquidade aonde em seu
princípio foi constituído que se deve ao homem se casar
com a mulher que o Estado determina e ai liberdade de
escolha veio a ser usurpada, e foi um consentimento do
povo naquele dado momento, mas na sucessão de cidadãos
conforme a geração a um cidadão que não concorda com o
que foi constituído, pois fere o direito natural a ele
inerente, e ao mesmo tempo não é maioria, como esse
cidadão viverá, com certeza irá viver na infelicidade, pois
se instruiu, ou seja, leu o que deve ser lido na
jurisprudência, sabe no entanto que o Estado é iníquo,
tenta pleitear sua liberdade mas os juristas sempre
recorrem ao que foi acordado, mas a vontade destes
cidadãos que constituíram já passaram, e os juízes não
veem esses que o tempo já passou e que uma nova
constituição deva ser aplicada, pois a última existe com
vicio.}

Diz Crisóstomo “A vontade ou é remunerada pelo bom, ou condenada pelo


mal”. Para São Tomás “(...) se torne melhor fazendo o bem, ou pior, fazendo o mal.
Pode isso acontecer de três modos ‘do ato exterior acrescentar a bondade e malicia do
ato interior’. Primeiro, segundo o número. Por exemplo: querendo alguém fazer algo
com finalidade boa ou má e não o faz, mas depois, quer e o faz, o ato da vontade se
duplica, havendo assim duplo bem ou duplo mal. – Segundo, segundo a extensão. Por
exemplo: quando alguém que fazer alguma coisa com finalidade boa ou má, mas por
causa de algum impedimento desiste e um outro continua o movimento da vontade até
que a obra termine; é evidente que está vontade persevere mais no bem ou no mal, e
assim será melhor ou pior. – Terceiro, segundo a intensidade. Há atos exteriores que
enquanto são deleitáveis ou penosos, por sua natureza intensificam ou enfraquecem a
vontade”.

A virtude é o princípio da República, pois todas essas


condições não subsistiriam sem a virtude; mas, à falta
haver feito as distinções necessárias, faltou por vezes a
este belo talento precisão, e inclusive clareza, pois não viu
que, sendo a autoridade soberana em toda parte a mesma,
o mesmo princípio deve nortear qualquer Estado bem
constituído. 52

51ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 91.
52ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 95.

Página 23 de 237
Não basta que o povo reunido tenha uma vez fixado a
constituição do Estado, sancionado um corpo de leis; não
basta que tenha constituído um governo perpétuo, ou
provido de uma vez por todas a eleição das magistrados.
Além das assembleias extraordinárias, que casos
imprevistos podem exigir, é necessário havê-las fixas e
periódicas que não possam ser abolidas nem adiadas, a fim
de que, em dia marcado, seja a povo legitimamente
convocado pela lei, sem que se faça preciso para tanto
nenhuma outra convocação formal. 53

Porque a essência do corpo político está no acordo da


obediência e da liberdade, e estes termos vassalo e
soberano são correlações idênticas suja idéia se reúne sob
um único conceito: cidadão. 54

Discorre também se o acontecimento subsequente acrescenta bondade ou malicia


ao ato exterior. Diz Aristóteles “é a virtude que faz bom a quem a possui”. E São Tomás
“o acontecimento subsequente ou é previsto ou não. Se foi previsto, evidentemente
aumenta ou diminui a bondade ou malicia. (...) se o acontecimento subsequente não foi
previsto, é necessário distinguir. Se é subsequente ao ato, por si e na maioria dos casos,
então o acontecimento subsequente, acrescenta bondade ou malicia no ato. É evidente,
pois, que é melhor o ato em seu gênero do qual podem seguir muitos bens, e pior,
aquele do qual naturalmente seguem males. – se acidentalmente e em poucos casos,
então e o acontecimento subsequente nada acrescenta à bondade ou a malicia do ato”.
Diz Aristóteles “o movimento contínuo é uno”, ou seja, nem um ato pode ter bondade e
malicia ao mesmo tempo, sendo a vontade o princípio do ato moral, que a ação e a
paixão pertence ao gênero moral, enquanto têm razão de voluntario.

Porque a soma de felicidade comum fornece maior porção


à felicidade de cada individuo55 {se fala do bem-estar
social, que o Estado quando irradia uma carta, essa se
reduz a toda sociedade, esquecem esses que a sociedade é
feita de indivíduos que começam por sua geração primeiro
com seus pais e depois de sua maior idade se associa com
amigos aonde pela afeição e intimidade de suas ações se
vincula uma sociedade, então se torna um disparate ter
uma lei fazer com que o indivíduo seja reinserido na
sociedade, uma vez que a sua sociedade são seus amigos e
só depois nas relações de utilidade os concidadãos são
agregados a suas relações}

A soberania não pode ser representada, pela mesma razão


que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na
vontade geral, e a vontade de modo algum se representa;
ou é a mesma ou é outra; não há nisso meio termo. Os
deputados do povo não são, pois, nem podem ser seus
representantes; são quando muito seus comissários e nada

53ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 125-126.
54ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 127.
55ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 130.

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podem concluir definitivamente. São nulas todas as leis
que o povo não tenha ratificado; deixam de ser leis. 56

A vós, povos modernos, não possuís escravos, porém o


sois; e pagais a liberdade deles sacrificando a vossa. 57

Quarto ponto; As consequências dos atos humanos em razão de sua bondade e malicia58:

Primeiro trataremos do ato humano em razão de sua retidão e pecado. Começa


São Tomás “O mal é pior que o pecado, como o bem é melhor que a retidão. Toda
privação de bem constitui a razão de mal” e que “a devida ordenação para o fim é
medida segundo alguma regra” e isso pode ser a “lei eterna” (que são os dez
mandamentos) e “tal regra, para os que agem segundo a natureza, é a própria virtude
natural que inclina para esse fim.” E que “há retidão no ato, porque o meio não sai dos
extremos, isto é, o ato da ordenação do princípio ativo para o fim. Quando um ato se
afasta dessa retidão, incide a razão de pecado”. E segundo ele “a dois fins: o ultimo e o
próximo” o fim ultimo relacionada a bem-aventurança e o fim próximo que é o
aperfeiçoamento do habito, ademais “por isso, como a intenção desde fim se ordena
para o fim último, na própria intenção desde fim pode-se encontrar a razão de retidão ou
pecado”. E “por isso, a razão de pecado, que consiste no afastamento da ordenação para
o fim, está propriamente no ato”.

Os povos modernos, que se acreditam livres, têm


representantes, e por que os povos antigos não os tinham.
Seja como for, no instante que um povo se dá
representantes, deixa de ser livre, cessa de ser povo. 59
{Nos dias de hoje se torna ‘massa’}

E que não convém tocar jamais no governo estabelecido,


exceto quando este se torna incompatível com o bem
público; mais tal circunstância é uma máxima política e
não uma regra de direito. 60

Os decênviros, eleitos de início por um ano, com mandato


em seguida prorrogado por mais um ano, tentaram manter
perpetuamente seu poder, não permitindo que o povo se
reunisse em comícios; e é também por esse meio fácil que
todos os governos do mundo, uma vez revestidos da força
do público, usurpam cedo ou tarde a autoridade soberana.
As assembléias periódicas, de que falei anteriormente, são
apropriadas para prevenir ou espaçar esse infortúnio,
mormente se independem de convocação formal; porque
então o príncipe não pode impedi-las, sem se declarar

56ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 131.
57ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 133.
58 Suma Teológica III p290-298.

59ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 134.
60ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 139.

Página 25 de 237
abertamente infrator das leis e inimigo do Estado. A
abertura dessas assembléias, cujo único objetivo é a
manutenção do tratado social, deve sempre fazer-se por
duas proposições que não possam jamais ser suprimidas e
sejam separadamente sufragadas. A primeira consiste em
saber: Se apraz ao soberano conservar a presente forma de
governo; e a segunda: Se ao povo apraz deixar a
administração aos que dela estão atualmente incumbidos.
61

Segundo discorreremos do ato humano em razão de seu mérito e demérito. Diz


que “quem faz o bem ou mal por seu ato para si, isso também redunda na comunidade”
ou quando “quem faz o bem ou o mal para alguém dessa sociedade, isso recai para toda
a sociedade” e que “razão de mérito e demérito, segundo a retribuição de justiça para o
outro” e “é de se considerar que quem vive em sociedade é parte e membro de toda
sociedade” redundando para esses o que lhe deve em retribuição pelas atividades
realizadas.

Numerosos homens reunidos se consideram com um corpo


único, sua vontade também é única e se relaciona com a
comum conservação e o bem-estar geral. 62

O simples direito de votar em todo ato de soberania,


direito que ninguém pode subtrair ao cidadão, e sobre o
direito de opinar, de propor, de dividir, de discutir, que o
governo, com grande cuidado, sempre procura reservar
apenas a seus membros. 63

Não há senão uma lei que, por sua natureza, exige um


consentimento unânime: é o pacto social; porque a
associação civil é o mais voluntário de todos os atos do
mundo; uma vez que todo homem nasceu livre e senhor de
si mesmo. 64

Terceiro trataremos dos atos humanos em razão de sua culpa ou louvor. São
Tomás diz que “nas coisas morais, ordena-se para o fim comum de toda vida humana” e
“pelo afastamento do fim comum da vida humana, e assim se peca intencionando,” e “-
Na moral em que se considera a ordenação da razão para o fim comum da vida humana,
sempre pecado e mal são considerados pelo afastamento da ordem da razão do fim
comum da vida”. Diz Aristóteles: “São louváveis as obras das virtudes”, porque é “a
virtude que faz bom o que a tem e torna boa a sua obra”. Em São Tomás “um ato se diz
culpável ou louvável porque se imputa ao que o faz”. E diz “assim, um ato é imputado
ao que faz quando está sob seu poder, de modo que o domine. Isso é próprio da vontade,
porque é pela vontade que o homem tem domínio sobre seus atos”.

61ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 140-141.
62ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 142.
63ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 145.
64ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 147.

Página 26 de 237
Quando não se pode estabelecer uma exata proporção
entre as partes constitutivas do Estado, ou quando causas
indestrutíveis nelas alteram continuamente as relações,
institui-se então uma magistratura particular que não se
corporifica com as outras, que repõe cada termo em sua
verdadeira relação, e que estabelece uma ligação ou um
meio-termo, seja entre o príncipe e o povo, seja entre o
príncipe e o soberano, ou ainda entre ambos os lados, em
caso de necessidade65

A inflexibilidade das leis, que as impede de se ajustarem


aos acontecimentos, pode, em determinado casos, torná-las
perniciosas.66

As opiniões de um povo nascem de sua constituição.67

Segunda Seção

Os atos Humanos: Sua natureza, estrutura e dinamismo

Primeiro ponto; atos imperados pela vontade68:

São Tomás fala de alguns atos imperados pela vontade como “isso deves fazer”
é o que faz por verbo no indicativo e “Faz isso” representando o verbo no imperativo.
Diz também que imperar é “ato da razão, pressuposto ato da vontade” que move as
potênciais apetitivas e irascíveis, mas acontece também da razão mover a vontade e
vice-versa, o império precede o uso do qual falaremos mais tarde, segundo Damasceno
“que o impulso para a ação precede o uso” e São Tomás “Mas o impulso para o ação
procede do império, logo o império precede o uso”. Outra coisa que trata é si o ato
imperado são um só ato, ou são diversos, diz Aristóteles “quando uma coisa é por causa
de outra, há uma só coisa” com isso diz são Tomás “nos atos humanos, o ato de uma
potência inferior está materialmente para o ato da superior” com isso se torna uno o
império que segundo Aristóteles “o mesmo é o ato do movente e o movido”.

Viver eticamente é viver conforme a justiça. A justiça ilumina, ao


mesmo tempo, a subjetividade humana (virtude de justiça) e a ordem
jurídico-social (justiça como princípio ordenador da sociedade). (..)
ética como direcionamento da vida, dos comportamentos pessoais e
das ações coletivas. (...) a ética é uma bússola que aponta o rumo de
nossa navegação no mar da história. 69

65ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.


Ridendo Castigat mores. Pagina 170.
66ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 173.
67ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed.
Ridendo Castigat mores. Pagina 178.
68 Suma Teológica III p.217-232.

69
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 11.

Página 27 de 237
A ética administra exatamente as encruzilhadas da vida e os
conflitos da liberdade: por um lado, aponta os caminhos da
construção pessoal e coletiva e, por outro, adverte contra ameaças da
autodestruição. (...) A ética aristotélica propõe a superação do
conflito pela prática das virtudes morais que, aos poucos,
subordinam a paixão à razão. Quando isso acontece, o homem torna-
se senhor de si mesmo. (...) J. Rawls pensa a ética como um esforço
de superação de conflitos sociais produzidos pela disputa dos bens
materiais e culturais. 70
A ética e a busca constante do bem humano. (...) “não faça aos
outros o que não queres que façam a ti” (...) alcança-se o bem pela
prática da justiça. Nesse sentido, ética é a prática da justiça ou,
comportamento ético é, antes de tudo, comportamento segundo a
justiça. (...) Segundo Aristóteles, a justiça é a virtude moral
aglutinadora de todas as outras, conferindo-lhes um novo alcance e
profundidade. Somente a justiça abre a pessoa à comunidade;
ninguém é justo para si. 71
Ademais diz sobre si a vontade impera por si só e vem a dizer que “os atos da
vontade estão sobretudo em nosso poder, porque todos os atos estão sobretudo em nosso
poder enquanto são voluntários” (outro ponto que trataremos mais tarde do involuntário
e voluntário), ou seja, movidos pela razão que é nosso livre-arbítrio aonde nós podemos
investigar, sondar, julgar e dispor.

A posição de São Tomás de Aquino. Ele concentra a moral dos 10


mandamentos da lei de Deus na prática da justiça em relação às
criaturas, em relação ao próximo e em relação a Deus. (...) Para São
Tomás de Aquino, a justiça sintetiza toda ética que prescreve três
atitudes fundamentais: a) posse respeitosa das realidades terrestres;
b) reconhecimento incondicional dos seres humanos sem nenhum
tipo de distinção; c) culto a Deus, Criador do mundo e dos homens.
72

Kant rompe com o esquema da ética das virtudes e consagra a ética


das normas, a ética do cumprimento da lei moral, dos deveres
pessoais e sociais. Na ética kantiana, a vida não é regulada pela
virtude da justiça mas pelo direito. Cabe ao direito compatibilizar do
direito é: “age exteriormente (socialmente) de tal modo que o
exercício de teu livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos
outros” 73

Em nossos dias, J. Rawls organiza o discurso ético em torno da


justiça, como norma ou princípio ordenador da sociedade. Este
princípio objetivo, democraticamente elaborado pela sociedade,
abrange dois aspectos mais gerais do convívio humano: a) o respeito
incondicional às pessoas; b) a distribuição equitativa dos bens
materiais. Sobre esses dois pilares J. Rawls levanta o edifício da
sociedade bem ordenada. Portanto a justiça é a virtude da ordem
jurídica que visa realizar uma sociedade com sistema equitativo de
cooperação entre cidadãos livres e iguais. (...) convívio justiça-
virtude-princípio confere sentido ao sonho humano de todas as
civilizações: viver feliz numa ordem social justa. (...) Meta e tese
que nunca foram realizadas. Isto é, a macroestrutura jurídica nunca
realizou o ideal da justiça. Hoje este problema ampliou-se com
intervenção irresistível das macroestruturas econômicas,
tecnocientíficas e industriais. Estes grupos subordinaram às suas
decisões até a ordem política das nações. Ora, estas macroestruturas
não visam, em primeiro lugar, o bem humano, mas o resultado

70
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 12.
71
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 13.
72
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 14.
73
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 14.

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empresarial; a meta da ética é sacrificada pela norma do lucro. É a
política do lucro, ainda que isto gere desemprego, fome e
favelização dos cidadãos. A ética perde seu centro constitutivo: a
justiça. A ordem jurídica é sacrificada pelas macroestruturas
empresariais que geram a opressão e a exclusão de pessoas e grupos.
74

O que é ato da razão disposto em dois modos, primeiro, quanto ao exercício do


ato e quanto se induz alguém que atenda e raciocine, e pelo objeto de dois modos,
primeiro, que apreenda a verdade de alguma coisa, segundo pelo assentimento e o
dissentimento. Além disso diz usando Aristóteles “que a razão é superior ao irascível e
ao concupiscível não por um domínio despótico, que é próprio do senhor em relação ao
escravo, mas por um domínio político e régio, que é próprio dos homens livres, que não
se submetem totalmente a domínio algum”.

“a virtude que deve ser objeto de nosso exame é evidentemente


uma virtude humana, visto que o bem que nós procuramos é um bem
humano e a felicidade é humana. E por virtude humana nós
entendemos não a excelência do corpo mas sim a da alma e a
felicidade é, para nós, uma atividade da alma”. (...) “o justo meio
das virtudes morais consiste em agir conforme a reta norma da
sabedoria prática”. (...) o justo meio consiste em fazer o que se deve,
quando se deve, nas devidas circunstâncias, em relação às pessoas,
às quais se deve, para o fim devido e como é devido. (...) “o justo
meio é o dever” 75

A repetição constante de ações equilibradas pelas virtudes morais


eleva a paixão a participar da racionalidade. (...) quando a paixão for
elevada à racionalidade, o indivíduo poderá celebrar o triunfo da
virtude e a superação do confronto da paixão contra a razão.
Superado o conflito, reina a harmonia, (...) os atos virtuosos são
praticados com facilidade e prazer. (...) a felicidade do homem que
se autoconquistou: “ se a felicidade é a atividade conforme a virtude
mais elevada: esta é a excelência da parte mais elevada de nós
mesmos (o intelecto)”. 76

Ao atingir o estágio final, a coisa alcança “seu supremo bem e a


plena suficiência”. À luz do princípio da finalidade, levanta-se todo
o edifício da política. 77

Segundo ponto; o voluntário e o involuntário78:

São Tomás discorre agora sobre o voluntário e o involuntário primeira colocação


é si os atos humanos são voluntários que ele caracteriza segundo Damasceno:
“Voluntário é o ato que é uma ação racional”, também segundo ele “é voluntário não
somente aquilo cujo princípio é intrínseco, mas com o acréscimo de ciência”. O

74
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 15-16.
75
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 26.
76
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 27.
77
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 30.
78 Suma Teológica III p.117-141..

Página 29 de 237
voluntário segundo São Tomás se encontra também no não agir e no não querer, porque
o voluntário pode existir sem ato ou por omissão, diz da violência e da vários
argumentos que a vontade não e movida pela violência porque o ato da vontade é duplo:
“um, que lhe é imediato, como emanado dela, querer; outro, que é por ela imperado e
exercido por outra potência, como andar, falar.” Mas ele admite que a vontade enquanto
os membros exteriores pode sofrer violência e que . Trata também sobre o involuntário
que pode ser causado pela violência, que o voluntário e ao natural procedem de
princípio intrínseco.

Vivendo conforme a felicidade e a virtude (...) a comunidade


política existe para a realização do bem e não apenas para viver em
sociedade. (...) portanto, os sentimentos sociais elevados e a prática
das virtudes, colocados em comum, geram a pólis. Entre todos os
animais, “somente o homem exprime os sentimentos do bem e do
mal, do justo e do injusto e das noções morais; a comunhão destes
sentimentos gera a família e a pólis”. 79

A virtude da justiça é a essência da sociedade civil (...) no plano


individual, as virtudes morais equilibram e conduzem a um justo
meio-termo as ações de cada pessoa, assim também, no plano
coletivo, atua uma virtude moral – a justiça – visando o equilíbrio e
a equidade na comunidade política. 80

“Unicamente a justiça entre todas as virtudes é um bem para os


outros; referindo-se ao outro, ela realiza aquilo que é vantajoso para
o outro, seja ele um chefe ou um membro da comunidade” (...) a
justiça é a virtude total, pois prescreve a obediência às leis e o
respeito da igualdade entre os cidadãos. “Essa forma de justiça não
faz parte da virtude, mas a virtude inteira, e seu contrário, a
injustiça, também não é uma parte do vício, mas o vício inteiro”. 81
O violento, porém, procede de princípio extrínseco. Ademais vem com
argumentos de Gregorio de Nissa que analisa o medo e diz que “os atos feitos por medo
são mais voluntários do que involuntários” mas Aristóteles diz “os atos feito por medo
são mistos de voluntário e involuntário”. Outros dois aspectos do voluntário é a
concupiscência e a ignorância segundo São Tomás “pela concupiscência, pois, a
vontade se inclina para querer o que é desejado. Por isso, a concupiscência contribui
mais para que algo seja voluntario do que involuntário”, e na ignorância para ele
existem três tipos de ignorância a voluntaria, a afetada e a circunstancial. A voluntário
que e quando o indivíduo não quer saber, a afetada quanto afeta um ato por ignorância e
a circunstancial que não investiga as peculiaridades.

A justiça (...) longe de ser um código de normas legais cegas e de


aplicação inflexível, adapta-se a todas as situações humanas e às
condições históricas de nossa natureza. 82

79
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 31.
80
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 31-32.
81
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 33.
82
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 34.

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Não absolutiza o reino da justiça legal, ela não é um fim, mas um
meio. “Prolongando as intenções da natureza, tem por finalidade
harmonizar a comunidade política como condição da realização do
homem”. 83

Prega a relatividade da lei positiva, subordinando-a ao juízo


prudêncial do sábio. (...) a lei universal abrange os comportamentos
gerais dos cidadãos. O legislador é um intérprete (provisório e
falível) dos sentimentos virtuosos e justos dos cidadãos. 84

Terceiro ponto; a intenção85:

Diz São Tomás que “intenção, pela própria significação do termo, quer dizer
tender para alguma coisa”. Agostinho: “a intenção da vontade une à vista o corpo que é
visto,” a intenção é procedente da ação do movente, o movimento do movido e a
vontade move todas as potências da alma para o fim. Outra coisa de que trata é se a
intenção é só do fim ultimo e si alguém pode ter simultaneamente intenção de duas
coisas. Diz que o fim ultimo que é a bem-aventurança está em disposição de vários
outros fins e que o homem pode ter várias intenções do fim e das coisas que são para o
fim ou quando uma coisa e melhor que outra. Está no meio termo as coisas que são para
o fim.

A justiça, como qualidade moral do indivíduo e como virtude da


cidadania, é a excelência central e unificadora da existência pessoal
e política. A vida ética consiste, portanto, na prática da justiça na
comunidade humana. 86

O homem de fé, além de uma história justa e feliz, espera continuar


a viver na transcendência. 87

São Tomás de Aquino considera a justiça como a totalidade da


virtude. Ela comanda os atos de todas as virtudes morais e preside a
busca do bem comum na sociedade. 88

83
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 36.
84
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 37.
85 Suma Teológica III p.176-184..

86
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 38.
87
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 40.
88
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 41.

Página 31 de 237
Quarto ponto; a deliberação que precede a eleição89:

São Tomás vem com a perspectiva que a “eleição segue o juízo da razão nas
coisas práticas” e que “é necessária a investigação da razão antes do julgamento do que
vai eleger” e “a investigação chama-se deliberação”. E essa deliberação discorre para as
coisas que são para o fim e os meios ou coisas que são para o fim. O fim tem razão de
princípio nas coisas práticas e é necessário supor princípio em toda investigação, assim
sendo tem como questão não só o fim mais as coisas que são para o fim. Ademais a
deliberação é somente sobre as ações considerando nas coisas universais e necessárias
para se conhecer algo certo é preciso considerar muitas circunstâncias ou condições.
São Tomás “o agente principal e o instrumento são como uma só causa, enquanto um
age pelo outro”.

“A justiça é uma disposição que torna os homens aptos a realizar


ações justas e que os faz agir justamente e querer coisas justas”. a)
uma inclinação da alma que traduz objetivamente objetivamente; b)
no respeito ao direito dos outros. 90

Virtude da justiça: orienta o homem nas operações externas


relacionadas com a sociedade e a posse dos bens materiais. (...) a
justiça é a única virtude moral que tem esta função específica: a
relação interpessoal que estabelece a ponte eticamente necessária
entre o sujeito e seus semelhantes e o mundo dos objetos. É, por
excelência, a virtude da sociabilidade humana ou da cidadania.
Porque preside as outras virtudes e promove a busca do bem
comum, a justiça é chamada virtude geral ou legal. 91

Três são as atitudes fundamentais da moralidade: a posse das coisas


inferiores; o reconhecimento do nosso próximo, como nosso igual e
o respeito aos bens matérias que lhe pertencem; o culto ao ser divino
e infinitamente superior. 92
Quando a dúvida em um determinado ato ou habito costuma-se investigar, a
razão tem esse papel que gera o argumento “é o que dá certeza a uma coisa duvidosa”.
A eleição (que falaremos mais adiante) pressupõe a deliberação, em razão do juízo ou
da sentença. Segundo Aristóteles “quem delibera parece procurar e resolver.” Assim o
princípio na investigação da deliberação é o fim, que é o primeiro na intenção, mas
segundo São Tomás “posterior no existir”. Outra coisa de que trata é si a deliberação
procede ao infinito diz que não e que o termo da investigação é aquilo que
imediatamente está em nosso poder realizar.

Um movimento que retoma ao fim da Idade Média, segundo o qual a


ética consiste num equilíbrio entre lei e liberdade. 93

89 Suma Teológica III p.195-204..

90
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 48.
91
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 48.
92
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 49.
93
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54.

Página 32 de 237
Suprema finalidade humana: a felicidade. 94

Kant (...) erige a autonomia da vontade (liberdade) como base


inabalável da moralidade. A vontade livre e autolegislativa confere a
si mesma a norma do agir moral95

Quinto ponto; A eleição do que é para o fim pela vontade96:

Diz Aristotéles “A eleição é o desejo do que há em nós” e ainda diz mais


“eleição é o intelecto apetitivo, ou o apetite intelectivo”. Para Gregório de Nissa “a
eleição não é apetite em si mesmo nem somente deliberação, mas algo composto de
ambos.” Para São Tomás “a razão precede de algum modo a vontade e ordena o seu ato,
uma vez que a vontade tende para seu objeto, seguindo a ordem da razão”, ou seja, a
razão ordena para o fim do bem proposto, formalmente da razão e materialmente é da
vontade. Pela potência superior a substância do ato torna ordem que lhe é imposta
materialmente.

Kant (...) com uma exaltação da boa vontade, como razão pura
prática responsável de todo agir moral. 97

Composição entre liberdade, por um lado, e a lei que limita, por


outro lado; o papel da razão reduz-se à função de manifestar a lei. É
o nascimento da moral da obrigação98

Ética como norma da moralidade: uma norma imperativa e


categórica que determina todo agir moral do indivíduo consciente e
livre. 99
Que a eleição está no movimento da alma que escolhe e é ato da potência
apetitiva. A conclusão pertence e é procedente da eleição “é então chamada de sentença
ou juízo.”. Outra realidade de que discorre é a eleição das coisas que são para o fim e do
fim propriamente dito. Segundo Aristóteles “a vontade é do fim, a eleição das coisas
que são para o fim”. São Tomás vem com a mesma perspectiva “aquilo que está numa
ação como fim seja ordenado para algo como para o fim”. Diz o filosofo “ninguém
elege senão aquilo que pensa fazer por si mesmo”. A eleição é das coisas que são para o
fim, e a intenção é do fim. Discorre São Tomás sobre a eleição das ações que nós
fazemos o que é possível, “Conseqüêntemente, o que é impossível não é objeto de

94
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54.
95
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 54.
96 Suma Teológica III p.184-195..

97
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55.
98
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55.
99
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 55-56.

Página 33 de 237
eleição”. Entre o intelecto e a ação exterior está a vontade e a vontade está no intelecto
no princípio do movimento, que o “intelecto apreende algo como bem universal”. Outro
aspecto e que o homem elege livremente, não necessariamente.

A vontade é boa por definição. Sua lei é a lei moral e, inversamente,


a lei moral só poder ser a lei de uma vontade boa e livre. 100

A boa vontade inclui o conceito do dever moral, pois, não sendo o


homem espontaneamente moral a norma da moralidade será um
dever, um imperativo. O imperativo só tem sentido quando a
vontade pode ocorre o risco de desvio. 101
O imperativo categórico é, em primeiro lugar uma imposição da
vontade de agir conforme o dever; em segundo lugar o imperativo
determina que a ação moral consiste em agir conforme as máximas
universalizáveis. Ele obriga irrestritamente sem nenhum tipo de
reserva ou condição; é, portanto, universal e necessário. Sua
formulação mais famosa é: “Age unicamente segundo a máxima que
te leve a querer ao mesmo tempo que ela se torne lei universal”. (...)
Em síntese, as máximas são regras do agente que ele se dá como
normas de sua vontade e age segundo a representação das mesmas.
102

Sexto ponto; o consentimento, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para o
fim103:

São Tomás trata como “Consentir implica a aplicação do sentido a algum


objeto”. Aquilo a que se consente é sentir juntamente, o que implica certa união, o
intelecto assente enquanto movido pela vontade. Ademais diz que o consentimento
designa alguma coisa já existente movendo o apetite. Diz também “na ordem operativa,
é necessário primeiro apreender o fim; em seguida, o apetite do fim; depois a
deliberação das coisas que são para o fim; finalmente, o apetite das coisas que são para
o fim. O apetite tende naturalmente para o último fim.”

A liberdade consiste na obediência à lei autoprescrita. (Rousseau) 104

A moralidade pode ser resumida nos seguintes passos: a) a condição


de possibilidade da ação moral é a vontade livre que se
autodetermina conforme as regras que ela mesma se dá; b) a vontade
torna possível os atos conforme as exigências do imperativo
categórico; c) este, por sua vez controla a moralidade das ações
concretas. Neste sentido, pode-se dizer que o imperativo categórico
é o metacritério que julga outros critérios. 105

100
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57.
101
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57.
102
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 57-58.
103 Suma Teológica III p.204-210..

104
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 58.
105
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 58-59.

Página 34 de 237
“Ser feliz é necessariamente o anelo de todo ser racional finito e é,
por conseguinte, um inevitável princípio determinante de sua
faculdade de desejar”. 106
Que a vontade eleger através da deliberação e do consentimento. Disso trata
segundo ele dá razão superior e da razão inferior, a razão superior com a tarefa de
mover o corpo e também cabe a ela sempre a sentença final dos atos humanos, que ai há
o consentimento donde pertence a razão superior, “enquanto nela se inclui a vontade”,
no prazer da ação como o consentimento na ação. A razão inferior cabe a ela pensar no
prazer com conhecimento.

A felicidade depende das condições individuais; cada um de nós tem


desejos e interesses múltiplos, esperanças diversificadas que a
natureza e a sociedade oferecem. É por isso que a felicidade não
pode servir de lei universal, nem de princípio de determinação
moral. {porem a felicidade comum sim}(...) no nosso caso, da razão
pura prática: “assim a vontade, que tem na pura forma legislativa da
máxima sua lei, é uma vontade livre”. Livre de toda a causalidade e
determinação externa (heteronomia), a vontade é a faculdade que dá
a si mesma sua lei. Portanto, o único princípio de todas as leis
morais é a autonomia autolegislativa da vontade. Assim entendida, a
liberdade é transcendente; por isso, ela atua sobre os
comportamentos. 107

O ser moral, a natureza racional e prática; torna-se, assim, senhor de


si. 108

A moral kantiana assenta-se sobre três pilares: a vontade livre, o


imperativo categórico que a determina e as máximas como regras
práticas de conduta subordinadas ao imperativo. 109

Sétimo ponto; As circunstâncias dos atos humanos110:

Trata-se primeiro o que é circunstância para Aristóteles “as circunstâncias de


particularidades, isto é, particulares condições dos atos individuais”. Já Cícero que a
circunstância “Faz a argumentação adquirir autoridade e, a oratória, a firmeza”. Como
definição, gênero, espécie pertencem a substância da coisa, a oratória da firmeza à
argumentação mediante a substância da coisa. Para São Tomás “as condições
particulares das coisas singulares são ditas acidentes que as individualizam (...) as,
circunstâncias são acidentes que individualizam os atos humanos”. E ainda São Tomás
diz mais “por isso, o nome de circunstâncias deriva das coisas que estão em um lugar
para os atos humanos”. Segundo o discurso dá segurança à argumentação: primeiro

106
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 59.
107
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 59.
108
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 60.
109
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 60.
110 Suma Teológica III p.134-141.

Página 35 de 237
como São Tomás discorre “devido à substância do ato; depois devido às circunstâncias
(...) como se feito por dolo, por lucro, ou em um templo ou lugar sagrado. (...) por ato
como a modo de agir, por lugar e condição da pessoa”.

Em Kant, deveríamos dizer que ele prega apenas uma: a obediência


ao dever ou à lei moral. As máximas de conduta pessoal parecem
exercer a função das virtudes na ética clássica. Nesta perspectiva,
podemos dizer que as máximas correspondem aos hábitos de
conduta pessoal. 111

A melhor forma de governo não é aquela que torna a vida agradável


(eudemonia) mas aquela que garante a ordem jurídica. (Kant) 112

Funcionamento da vida política: para Aristóteles, a alma da


comunidade é a virtude da justiça como disposição interior de
cumprir as leis; a política kantiana não exige virtudes subjetivas,
mas só o cumprimento público da lei que delimita o exercício
externo da liberdade. 113
Segundo a se tratar é se o teólogo deve considerar as circunstâncias. E coloca
três motivos: “os atos são proporcionados ao fim segundo alguma medida determinada
pelas devidas circunstâncias. Donde pertence ao teólogo a consideração das
circunstâncias. – Segundo, porque o teólogo considera os atos humanos enquanto neles
se encontra o bem e o mal, o melhor e o pior, e essa diversidade se deve às
circunstanciais. Terceiro, porque o teólogo considera os atos humanos enquanto são
meritórios ou demeritórios, o que cabe aos atos humanos e para isso reque que sejam
atos voluntários”. Para Aristóteles no livro I da Ética “... devido àquilo que é extrínseco,
como se evidencia em direito e esquerda, igual e desigual, ou em casos semelhantes”
decorrente disso São Tomás diz “Por isso, como há bondade nos atos enquanto eles são
úteis ao fim, nada impede serem ditos bons ou maus segundo a relação com algo
adjacente exterior”.

Para Kant, o problema central da vida política está na administração


legal da liberdade, visto que todos os seres humanos são livres no
mesmo nível de profundidade. A liberdade é o supremo direito
humano, fundadora de todos os outros. (...) os direitos humanos
estão acima de todas estas caracterizações e situam-se na ordem dos
princípios; são, portanto, anteriores ao direito positivo. A ordem
legal deve simplesmente reconhecê-los e defendê-los como títulos
jurídicos que acompanham todo o ser humano. 114

Kant (...) na verdade, existe um só direito, que precede toda a


legislação positiva, servindo-lhe de critério de legitimidade: a
liberdade compatibilizada com a liberdade dos outros. 115

A liberdade deixa-se delimitar pelo direito (...) Dois são os tipos de


leis que delimitam o exercício da liberdade: a) as leis jurídicas que

111
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 61.
112
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 61.
113
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 62.
114
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 62.
115
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 63.

Página 36 de 237
se referem às ações externas e à sua legalidade; b) as leis éticas que
exigem que as próprias leis sejam o princípio de determinação das
ações; estas são as leis da moralidade. 116
Terceira colocação é si as circunstâncias estão bem enumeradas, e chega a
conclusão que estão e são as seguintes enumeradas “quando, onde (...), modo de agir
(...), quem, o quê, onde, por quais auxílios, por quê, como (...) Acerca de que fez, o quê
(...), para que se age, o que é, o que se faz (...) e em que se consiste a ação”. Ainda São
Tomás diz mais “ No ato deve-se considerar quem o faz, que auxílios ou que
instrumentos usou, o que fez, quando e como fez” e que “o ato humano é especificado
pelo sobretudo pelo fim (...) à qualidade do ato, por exemplo: andar depressa ou
devagar, bater fortemente ou levemente, etc.” e diz sobre o furto que “pertence a
substância, se foi grande ou pequeno” e sobre o que “pois, derramar água sobre outro e
o molhar não é circunstância, mas o é, se isso o refrigera ou aquece, o cura ou faz mal” .

Kant (...) define o conceito racional do direito nestes termos: “é o


conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode unir-se ao
arbítrio de outro segundo uma lei universal da liberdade”. Logo a
seguir estabelece o princípio do direito que define o critério e a
condição em que o arbítrio é delimitado: “justa é toda ação que
permite, ou cuja máxima permite à liberdade de arbítrio de cada um
coexistir com a liberdade do outro segundo uma lei universal”.
Portanto, são as máximas da moralidade que orientam e definem as
ações que a liberdade de arbítrio pode fazer (ou deve evitar) para
que a liberdade do próximo não seja violada. Finalmente,
sintetizando o conceito e o princípio, Kant formula a lei universal do
direito de modo imperativo: “age exteriormente de tal modo que o
exercício de teu livre-arbítrio possa coexistir com a liberdade dos
outros segundo uma lei universal”. 117

Princípio do direito que, por isso mesmo, deve ser imposto sob
forma de comando: “o imperativo é pois uma regra cuja
representação torna necessária a ação subjetiva contingente
obrigando o sujeito a submeter-se a esta regra”. (...) para que as
liberdades possam coexistir na sociedade política. Sem lei os seres
humanos não convivem. (...) as normas do direito positivo: só é
moralmente legítimo (justo), o direito (a lei) que garante a cada
cidadão uma liberdade da ação compatível com aquela dos outros.
Este critério liga o corpo de leis da sociedade política à lei universal
do direito exatamente como o imperativo categórico liga a vontade
pessoal às máximas. Pode-se dizer que a lei universal do direito é o
imperativo categórico da vida social. 118

Na ética-política aristotélica, a virtude moral da justiça, por


exemplo, é indispensável ao funcionamento da comunidade. Na
ética kantiana, a moralidade subjetiva é regulada por outros registros
(as máximas) e a lei estabelece a compatibilidade (a moralidade) das
liberdades que é o mútuo respeito. Dito em termos aristotélicos, a lei
define “o justo meio” da ação livre de cada cidadão face ao outro. 119

116
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 63.
117
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 64.
118
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 64.
119
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 65.

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Oitavo ponto; O que move a vontade120:

Toma a perspectiva de que a vontade se movem quando é apresentado o bem


apetecível que é o objeto, pelo intelecto prático que move a vontade para o objeto que
tem razão de bem. A vontade se move também pelo apetite sensitivo e move o irascível
e o concupiscível por um poder real e político, “como os homens livres são regidos por
seus governantes”, mas nada impede que o irascível e o concupiscível por vezes movam
a vontade. Outra colocação é que a vontade move a si mesma em razão do fim, que é
objeto da vontade, que o fim está para as coisas apetecíveis como princípio para as
inteligíveis.

O Estado que se baseia no princípio do bem-estar geral (utilitarismo)


infantiliza os cidadãos, tentando decidir por eles a felicidade e o
bem-estar para cada um; do mesmo modo, torna-se déspota o
soberano que tenta implantar o bem-estar por ele idealizado e, vice-
versa, rebelam-se os cidadãos que se sentem frustrados na pretensão
pessoal de escolher e construir o bem e a felicidade segundo as
inclinações subjetivas. Por isso, para Kant, a melhor forma de
governo não é aquela na qual é mais agradável de viver
(eudaimonia), mas aquela que garante os direitos dos cidadãos.
Quando o Estado afrouxa a garantia da liberdade em proveito do
bem-estar (felicidade), ele cai na injustiça. As leis que visam a
felicidade do cidadão são legítimas “mas como meio de garantir o
Estado Jurídico”. 121

O tema central de J. Rawls é a justiça, (...) a justiça não é uma


virtude e nem um direito, mas sim um princípio fundador de uma
sociedade bem ordenada. (...) o movimento da ética-política de J.
Rawls em três tempos: a) reconhecimento do conflito entre os bens
disponíveis escassos e o desejo ilimitado de posse por parte dos
indivíduos; b) intervenção da teoria da justiça instaurando a
sociedade bem ordenada (justa); c) a consolidação da comunidade
política onde prevalece a cooperação, o senso da justiça e as virtudes
a cidadania. 122

J. Rawls, lançou uma obra (...) alternativa ao utilitarismo, chamado


ao confronto desde a primeira página: “cada pessoa tem sua
inviolabilidade fundada na justiça que, mesmo em nome do bem-
estar do conjunto da sociedade, não pode ser violada. Por este
motivo, a justiça proíbe que a perda da liberdade de alguns possa ser
justificada pela obtenção de um maior bem para todos os outros”. 123
Como São Tomás percorre que “evidencia-se, pois, que o intelecto ao conhecer
o princípio, se reduz de potência a ato, quando ao conhecimento das conclusões, e desse
modo move-se a si mesmo” e ainda diz mais “que a vontade por si mesma move, quanto
ao exercício do ato, mediante a razão do fim”. Ele coloca também que a vontade não é
movida por corpos celestes mais pode sim ser movida por alguma substância superior e
imaterial, ou seja, porque a vontade está na razão. Diz também que “outra causa não

120 Suma Teológica III p.148-160..

121
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 66-67.
122
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 68.
123
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 70.

Página 38 de 237
pode ser a causa da vontade senão Deus. Isso se evidencia de dois modos. Primeiro, por
que a vontade é potência da alma racional que só por Deus é causada por criação (...)
segundo, porque a vontade está ordenada ao bem universal”, e “o bem em geral tem a
razão de fim é o objeto da vontade”, e como ele mesmo diz “com efeito, o primeiro
principio formal é o ente e a verdade universal, que é objeto do intelecto. E assim por
este modo de moção, o intelecto move a vontade apresentando-lhe seu objeto”.

“a justiça é primeira virtude das instituições sociais como a verdade


o é para os sistemas de pensamento”. (...) a justiça como equidade
(justice as fairness) aplicada a distribuição dos bens sociais. (...) a)
fundam uma nova ordem política e b) determinam uma justa
repartição dos bens. (...) esta é a função da justiça como equidade,
que deve ser o imperativo categórico da sociedade política. Mesmo a
liberdade, tão fundamental na filosofia política moderna, cai sob o
império da justiça, à qual cabe estabelecer-lhe os limites do
exercício. Os princípios da justiça assim entendida não são o
resultado de uma investigação teórica, mas “são objetos de um
contrato original”. Pelos princípios que resultam deste acordo, “os
homens devem decidir previamente as regras pelas quais vão arbitrar
suas reivindicações mútuas e a carta fundadora da sociedade”.
Enfim, o grupo social deve decidir, uma vez por todas, aquilo que,
em seu convívio, “deve ser considerado justo ou injusto”. 124

Dois são os princípios da justiça da sociedade bem ordenada J.


Rawls os apresenta em duas redações, uma provisória e outra
definitiva. Leiamos os dois textos: Primeira versão, provisória: “1.
Cada pessoa deve ter direito a uma liberdade de base mais larga
possível, compatível com uma liberdade similar para os outros; 2.
As desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de tal
modo que a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam
vantajosas para todos e b) sejam ligadas a posições e funções
acessíveis a todos”. Segunda versão, definitiva. “1. Cada pessoa
deve ter direito ao sistema mais largo de liberdades de bases iguais
para todos, compatível com um sistema similar para todos os outros;
2. As desigualdades sociais e econômicas devem ser tais que a) nos
limites de um justo princípio de poupança, garantam a maior
vantagem possível aos menos favorecidos e b) sejam ligadas a tarefa
e posições acessíveis a todos em função de uma justa igualdade de
oportunidades”. 125

A afirmação central da teoria de J. Rawls é o direito inalienável à


liberdade, inerente a cada pessoa humana. Esta proposição choca-se
de frente com a teoria utilitarista que considera a justiça apenas
como uma função do bem-estar coletivo: a satisfação das
necessidades coletivas tem prioridade absoluta sobre as demandas
de ordem individual.(...) e na Doutrina do Direito afirma que só
existe um direito inato: “a liberdade (...) é o único direito originário
que convém ao homem em razão de sua humanidade”. 126

124
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 71.
125
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 71-72.
126
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 78.

Página 39 de 237
Nono ponto; A vontade e seu objeto127:

Diz Dionísio “o mal está fora da vontade, e o bem todas as coisas o desejam”.
Para São Tomás “A vontade é um apetite racional. Todo apetite é somente do bem.”.
para Aristóteles “O bem é aquilo que todas as coisas desejam (...). O fim é o bem ou que
tenha aparência de bem” e no livro 5 da Ética de Aristóteles “(nelas) a carência do mal
tem a razão de bem”.

Três são os elementos característicos do direito: a) fazer coexistir os


seres humanos livres; b) os princípios dessa coexistência não exigem
que as pessoas sejam morais (virtuosas); o direito só exige a
legalidade e não a moralidade (egoísmo esclarecido); c) como para a
coexistência das liberdades a legalidade é suficiente, segue-se que os
direitos são ligados à faculdade de imposição pelo legislador
competente (e nunca à ordem moral) 128

A justiça é a virtude da cidadania e da ordem jurídica: a sociedade é


uma comunidade de comunidade. 129

Duas vertentes da justiça: virtude e princípio. O princípio da justiça


precisa do apoio da tradição ética consubstanciada nas virtudes e
estas, por seu turno, demandam um ordenamento legal externo,
objetivo; instaura-se, desta forma, uma circunstância entre os
princípios e as disposições naturais. 130
No livro III da Ética de Aristóteles “A vontade é do fim; a eleição, das coisas
que são para o fim”. No livro VII da Ética de Aristóteles “O fim está para as coisas
desejadas, como os princípios para as coisas inteligíveis.” Para São Tomás “que nem
tudo o que diferencia o habitus, diferencia a potência: os habitus são determinações das
potências para os atos especiais”. Ademais “o vontade é levada ao fim de dois modos:
primeiro, absolutamente, por si mesma, e de outro modo, segundo quer as coisas que
são para o fim”. Diz também “O útil e o honesto não são espécies do bem distintas uma
da outra, mas se referem como o que é por si e o que é por outro”.

O senso da justiça é a extensão das laços afetivos naturais e a


maneira de se preocupar com o bem comum. (J. Rawls). 131

A sociedade legal evolui para o conceito de sociedade como


“comunidade de comunidades”, onde os homens praticam as
virtudes de amizade, da solidariedade e de senso de mútua justiça. J.
Rawls afirma que a atividade coletiva justa é também virtuosa e “é a
forma mais importante da felicidade humana”. 132

Dois são os fins principais visados na teoria da justiça: a) dignidade


e senso de justiça nas pessoas; b) uma forte estabilidade social. 133

127 Suma Teológica III p.141-148.

128
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 79.
129
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 83.
130
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 83.
131
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84.
132
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84.
133
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 84.

Página 40 de 237
Décimo ponto; O modo de mover-se da vontade134:

São Tomás nos mostra que “pela vontade não desejamos somente aquilo o que
pertence à potência da vontade (que é o bem em geral), como também aquilo que
pertence a cada uma das potências e ao homem todo (...) como o conhecimento da
verdade que convém ao intelecto, como o ser e o viver, e outras coisas que se referem à
constituição natural, tudo isso está compreendido no objeto da vontade, como bens
particulares”. Decorrente disso “que a vontade se opõe à natureza como uma causa a
outra, pois algumas coisas se fazem segundo a natureza, outras, segundo a vontade que
é senhora dos seus atos”. Disso e colocado que a vontade é potência racional por estar
na razão. Além disso “de dois modos é movida a vontade: quanto ao exercício do ato e
quanto às especificações do mesmo, que são pelo objeto.”

As regras de moral recebem dos laços afetivos nova força e


autoridade: “as normas éticas já não aparecem como imposições,
mas são ligadas entre si numa concepção coerente; e o senso de
justiça aparece aos indivíduos como uma extensão de seus laços
afetivos naturais e como uma maneira de se preocupar com o bem
comum”. 135

Sociedade da natureza humana determina que “os seres humanos


condividam seus fins essenciais e valorizem as instituições e
atividade comuns como bens em si mesmos. Temos necessidade uns
dos outros, como parceiros que se engajam juntos nos modos de
vida válidos por si mesmos. Enfim, que os outros sejam bem-
sucedidos e felizes é necessário ao nosso próprio bem: seu bem e o
nosso são complementares”. Portanto, “a espécie humana forma
uma comunidade onde cada membro se beneficia das qualidades e
da personalidade de todos ou outros”. (...) estes sentimentos estão
ligados ao amor da humanidade e ao desejo de defender o bem
comum e consubstanciam-se nos princípios da justiça. 136

Portanto, a existência humana, aberta a seu devir, está voltada para a


total realização de si. A esta suprema realização, Aristóteles
denomina Bem ou Causa Final. 137
Depois disso “se é proposto à vontade um objeto que seja universalmente bom e
segundo todas as considerações, a vontade necessariamente tenderia para ele.” e que
“como a falta de qualquer bem tem razão de não-bem, por isso só aquele bem
permanece perfeito, ao qual nada falta, é o bem que a vontade não deixa de querer.”
Outro ponto de que trata é que está na vontade pode escolher entre seguir as paixões da
alma como a concupiscência ou de reprimi-la “a vontade não somente é movida pelo

134 Suma Teológica III p.161-169..

135
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 85.
136
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 86.
137
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 92.

Página 41 de 237
bem universal apreendido pela razão, mas também pelo bem apreendido pelos
sentidos.(...) muitas coisas queremos e fazemos sem paixão, só por escolha”.

A formulação dos princípios da justiça com dupla direção:


retrospectiva e prospectiva. Finalmente, (...), a sociedade
juridicamente bem ordenada torna-se uma comunidade marcada pela
prática das virtudes. 138

Os direitos garantidos pela justiça não são sujeitos à negociação


política e nem aos cálculos em nome dos interesses sociais; a
verdade e a justiça, virtudes primeiras do comportamento humano,
não podem sofrer nenhuma forma de compromisso. (J. Rawls) 139

A ética refere-se sempre à estrutura radical do ser-humano, ao


núcleo subjetivo único e intransferível: a consciência e a liberdade.
140

Além disso em eclesiástico “Deus desde o início criou o homem, e deixou-o em


mãos de seu conselho”. Diz Damasceno: “Não cabe à providencia divina corromper a
natureza, mas conserva-la”. Por isso Deus “move todas as coisas segundo as condições
das mesmas, de modo que das causas necessária por moção divina seque-se os efeitos
necessariamente (...) como a vontade é principio ativo não determinado para uma só
coisa. Mas indiferentemente se refere a muitas, Deus a move (...) livremente, como
compete à sua natureza”.

Décimo Primeiro ponto; O uso, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para
o fim141:

Diz Damasceno: “O homem põe o impulso numa ação, está chama-se ímpeto;
em seguida serve-se dela, e isso chama-se uso”. Já Agostinho “usar é referir uma coisa
que usamos a algo que deve ser obtido”, e ainda “tudo que foi feito, o foi para uso do
homem, porque a razão que lhe foi dada usa de todas as coisas julgando” e diz “usar é
assumir algo pela potência da vontade”. Segundo São Tomás “que usar, primeiro e
principalmente, pertence à vontade, sendo ela o primeiro movente; à razão, como
dirigente; às outras potências da alma, como executoras. Estas estão para vontade, pela
qual são aplicadas à ação, como instrumentos para o agente principal”. Além disso para
São Tomás “usar é aplicar um princípio da ação à ação”.

138
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 94.
139
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 99.
140
PEGORARO. Olinto A. Ética e Justiça. ED Vozes. 1995. Pagina 101.
141 Suma Teológica III p.211-217.

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Ademais para São Tomás “o uso implica a aplicação de uma coisa a outra.
Aquilo que se aplica a outra coisa se tem na razão do que é para o fim. Logo, usar é
sempre daquilo que é para o fim. Por isso, as coisas convenientes para o fim se dizem
uteis, e, às vezes, a utilidade é chamada de uso”. Outro ponto a se tratar e se o uso
precede a eleição, e ele dá em sentido contrário Damasceno que diz “a vontade, após a
eleição, impele para a ação, e depois usa”. Diz que “A vontade tem dupla relação para
com o que é. Uma, enquanto o que é. Uma, enquanto o que é querido está de algum
modo no que quer (...) todo fim imperfeito busca a perfeição (...) o que é querido não só
é para o fim, mas, aquilo que é para o fim.”

Décimo Segundo ponto; A fruição que é ato da vontade142:

Diz Agostinho que “Fruir é ligar-se amorosamente a alguma coisa por si


mesma”. Para São Tomás “a fruição pertence ao amor ou prazer que se recebe da última
coisa esperada, que é o fim”. Além disso “é a vontade, como potência que move para o
fim e frui do fim atingido”. São Tomás diz que “duplo é o conhecimento do fim:
perfeito e imperfeito. Perfeito, quando não só se conhece o que é o fim e do bem, como
também a razão universal do fim e do bem; esse conhecimento é próprio somente da
natureza racional” e quando se tem um conhecimento de modo particular do fim e do
bem si torna imperfeito, pois o homem deve apreender o objeto de maneira integra.

Duas coisas pertencem à razão de fruto segundo São Tomás “que é o último, e
que aquieta o apetite por alguma doçura ou prazer. (...) é propriamente dito fruto e
também o que se frui, (...) tem em si um certo prazer, ao qual se referem algumas coisas
prévias, pode ser dito fruto de certo modo.” E Agostinho afirma “Temos a fruição das
coisas conhecidas nas quais a vontade deleitada repousa”. Outro ponto que São Tomás
aborda que existe duas maneiras de fruir uma imperfeitamente e outra perfeitamente “A
imperfeita é a fruição do fim não possuído realmente, mas só na intenção” e outra
“Perfeitamente, quando se tem não só na intenção, como também na realidade”. Para
Agostinho “Fruir é usar a coisa com alegria não só na esperança, mas na realidade” e
ademais em Agostinho fruir é “ligar amorosamente a alguma coisa por causa dela
mesma”.

142 Suma Teológica III p169-176.

Página 43 de 237
Terceira seção

A vida Humana

Primeiro ponto; O fim da vida humana143:

Não pode “haver para um só homem muitos últimos fins, não ordenados entre
si” e “três razões podem indicadas para isso. Primeira: como cada um deseja a sua
perfeição, alguém deseja como último fim aquilo que deseja como sendo o bem perfeito
e completivo de si mesmo. Por isso Agostinho diz: ‘Chamamos agora fim do bem, não o
que se consome até não mais existir, mas o que se aperfeiçoa até ser plenamente’. É
pois, necessário que o fim último preencha de tal modo todos os desejos do homem, que
não deixe nada a desejar fora dele. (...) Segunda. Como no processo da razão, é
princípio aquilo que é naturalmente conhecido, assim também no processo do apetite
racional, que é a vontade, é necessário ser princípio aquilo que é desejado naturalmente.
(...) o princípio, no processo do apetite racional é o último fim. (...) Terceiro. As ações
voluntarias recebem a espécie do fim, como acima foi dito. É necessário, pois, que do
fim último, que é comum, recebam também a razão do gênero, pois as coisas
apetecíveis da vontade, enquanto tais, estão no mesmo gênero, é necessário que o fim
último seja um só. Isso sobretudo, porque em cada gênero há um só primeiro princípio,
pois o fim último tem razão de primeiro princípio.” E “assim sendo, o fim ultimo do
homem se refere de modo absoluto a todo gênero humano, assim também se refere o
último fim de um homem para o de outro homem. Portanto, é necessário que como há
naturalmente para todos os homens um só fim último, também a vontade de cada
homem se afirme em um só fim último.”

Com efeito, a felicidade é ao mesmo tempo a mais bela e a melhor


de todas as coisas, além de a mais prazerosa. 144

É evidente que a felicidade entre os seres humanos se deve a todas


essas coisas, a algumas delas ou a uma delas, (...). Estar feliz e viver
venturosamente e bem devem consistir principalmente de três coisas
tidas como sumamente desejáveis: há quem afirme a sabedoria é o
maior dos bens; outros afirmam ser esta a virtude, e outros, o prazer.
Há quem considere discutível o grau de importância em que cada
uma dessas coisas concorre para a felicidade, tendo-o como variável,
alguns sustentando ser a sabedoria um bem superior à virtude,
outros, o oposto; sustentam outros ser o prazer um bem superior a
ambas; alguns são da opinião de que a vida feliz procede da soma de

143 Suma Teológica III p31-112.

144
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 45 .

Página 44 de 237
todos eles; outros, que procede de dois deles; e outros, que consiste
exclusivamente de um entre eles. 145

Que “o homem age em vista daquilo que é causa da ação, até porque a expressão
em vista de designa relação de causa” e que “tudo que está em algum gênero deriva do
princípio desse gênero” e “ das ações realizadas pelo homem, são propriamente
humanas as que pertence ao homem enquanto homem”. Diz também que “o homem tem
domínio de suas ações pela razão e pela vontade. Donde será chamada de livre-arbítrio a
faculdade da vontade e da razão. Assim sendo, são propriamente ditas humanas as ações
que procedem da vontade deliberada”, e “o objeto da vontade é o fim e o bem. Logo, é
necessário que todas as ações humanas tenham em vista o fim.” e “que o fim, embora
seja o último na execução é o primeiro na intenção de quem age”, ademais “que se uma
ação humana é o último fim, ele deve ser também voluntária; de outro modo não seria
humana...” e “uma ação pode ser voluntaria de duas maneiras: primeiro porque é
imperada pela vontade (...); segundo, porque procede da vontade, como o próprio
querer. É impossível que o ato que procede da vontade seja o último fim, por que o
objeto da vontade é o fim (...) assim também é impossível que o apetecível primeiro,
que é o fim, seja o próprio querer (...) logo, o que quer que o homem faça, com verdade
se diz que ele age em vista do fim, mesmo de tratando da ação que é o último fim” diz
São Tomás “tais ações não são propriamente humanas, por que não procedem da
deliberação da razão, que é o princípio próprio dos atos humanos”.

A meta da política, ou seja, qual o mais elevado entre todos os bens


cuja obtenção pode ser realizada pela ação. Verbalmente, é-nos
possível quase afirmar que a maioria esmagadora da espécie humana
está de acordo no que tange a isso, pois tanto a multidão quanto as
pessoas refinadas a ele se referem como felicidade. 146

Chamamos de absolutamente completa uma coisa sempre eleita


como uma finalidade e nunca como um meio. Ora, a felicidade,
acima de tudo o mais, perece ser absolutamente completa (...) da
autossuficiência da felicidade, pois sente-se que o bem final [e
completo] tenha que ser uma coisa suficiente em si. A expressão
autossuficiente, entretanto, nós a empregamos com referência não a
alguém só, vivendo uma vida isolada, mas também aos pais, aos
filhos e à esposa desse alguém, bem como aos amigos e concidadãos
em geral que se relacionam com esse alguém, posto que o ser
humano é, por natureza, um ser social147
E que “a vontade se move para o fim que ausente quando o deseja, e que é
presente quando ele se deleita descansando. É claro que o mesmo desejo do fim não é a
consecução do fim, mas é um movimento em direção ao fim. O prazer chega à vontade,
pelo fato de o fim estar presente.” E “no princípio queremos o fim inteligível.

145
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 46-47.
146
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 40.
147
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 48.

Página 45 de 237
Conseguimo-lo mediante o ato do intelecto que o faz presente. Em seguida a vontade
gozosa descansa no fim já possuído”. Diz Agostinho “a bem-aventurança é o gozo da
verdade”. São Tomás “a essência da bem-aventurança consiste em ato da inteligência”.

Todos associam a felicidade de três tipos de vida: à vida política, à


filosófica e à do gozo sensual. 148

A essência da felicidade. Concorda-se ser esta o mais grandioso e


melhor entre os bens humanos. 149

Ademais “é necessário que todo agente aja em vista do fim(...) portanto, para
que produza um efeito determinado, é necessário que esteja determinado a algo certo
que tenha a razão de fim. Esta determinação, como na natureza racional faz-se pelo
apetite racional, que se chama vontade; nas outras faz-se pela inclinação natural que se
chama apetite natural. (...) os que são dotados de razão movem-se para o fim, porque
têm domínio de seus atos pelo livre-arbítrio, que é faculdade da vontade e da razão.” E
também escreve “o homem, quando conhece por si mesmo age em vista do fim, conhece
o fim. (...) ordenar-se ao fim é próprio daquele que por si mesmo age em vista do fim
(...) o objeto da vontade é o fim e o bem universal. Donde não pode existir vontade nas
coisas que carecem de razão e intelecto, porque eles não podem apreender o universal.
Nelas há, porém, o apetite natural ou sensitivo, determinado a um bem particular. É
claro que as causas particulares são movidas pela causa universal, assim como o
governo de uma cidade, que busca o bem comum. Por sua ordem movimenta todos os
ofícios particulares da cidade.” Diz agostinho “de acordo com o fim culpável ou
louvável, as nossas obras são culpáveis ou louváveis.” E São Tomás “cada coisa recebe
a espécie do ato, e não da potência.” E “a vontade está na razão”, e “não só o intelecto,
mas também a natureza age em vista do fim”. Na suma “como o movimento de certo
modo distingue em ação e paixão, uma e outra recebem a espécie do ato: a ação do ato
que é princípio de agir; a paixão, do ato que é termo do movimento” seguindo a mesma
linha de raciocínio “por isso, é claro que o princípio dos atos humanos, enquanto são
humanos, é o fim que é igualmente o termo dos mesmo (...) como Ambrósio diz: ‘os
costumes são propriamente chamados humanos’, os atos morais propriamente recebem
a espécie do fim. Pois se identificam os atos morais e atos humanos.” E para São Tomás
“o homem é naturalmente o princípio de seus atos pelo intelecto e pela vontade”.

148
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 53.
149
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 56 .

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Entendemos por uma coisa autossuficiente aquela que simplesmente
por si só torna a vida desejável e de nada carente: e julgamos ser
essa coisa a felicidade. 150

A felicidade, portanto, uma vez tendo sido considerada alguma coisa


final [completa] e autossuficiente, é a finalidade visada por todas as
ações151
E “que o fim não é algo totalmente extrínseco ao ato, porque se refere ao ato
como seu princípio ou como seu termo. É isso é da razão do ato, isto é, que seja de algo,
quanto à ação, e que seja para algo, quanto a paixão”, diz que “haverá, diversos atos
morais especificamente distintos, porque um será ato de virtude, outro o ato de vício. O
movimento não recebe a espécie daquilo que é termo por si. Os fins morais são
acidentais ás coisas naturais; por sua vez, a razão de fim natural é acidental à
moralidade. Portanto, nada impede que atos que são idênticos segundo a espécie natural,
sejam diversos segundo a espécie moral e vice-versa.” Segundo São Tomás “Ora, nos
fins há duas ordens: ordem da intenção e ordem da execução. Em cada uma delas deve
haver algo primeiro. Aquilo que é primeiro na ordem da intenção , é como o princípio
que move o apetite. (...) Aquilo que é princípio na ordem da execução, é donde inicia a
operação.” E “o bem tem razão de fim, e o primeiro bem é o último fim” que consiste na
ação.

Fica claro que a felicidade deve ser encarada como o melhor daquilo
que está ao alcance da ação de ser humano. 152

A função da virtude seria a boa vida. Isso, portanto, é o bem


perfeito, que, (...) era a felicidade.(...) (ser a felicidade o mais
excelente, e os fins e as coisas mais excelentes estarem na alma,
sendo elas ou um estado ou uma atividade), que se considerando a
atividade melhor do que a disposição, e a melhor atividade melhor
do que o melhor estado, e se consideramos que a virtude é o melhor
estado, a atividade da virtude é o mais excelente da alma.
Entretanto, também constatamos ser a felicidade o mais excelente.
Portanto, a felicidade é a atividade de uma boa alma. E (...), a
felicidade é algo perfeito, (...) a felicidade é uma atividade da vida
perfeita em consonância com a virtude perfeita. 153

Na suma “Nas coisas, porém, conexas acidentalmente, nada impede que a razão
proceda ao infinito. Isto acontece à quantidade ou ao número preexistente tomados
enquanto tais, quando se acrescenta uma quantidade ou a unidade. Por isso, nada
impede que nesses casos a razão proceda ai infinito”. Diz agostinho: “que alguns
afirmaram o fim último do homem quatro coisas: no prazer, no descanso, nos bens da
natureza e na virtude.” Escreve Agostinho: ‘é o fim do nosso bem aquilo que por sua

150
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 49.
151
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 49.
152
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 57.
153
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 69 .

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causa são amadas as outras coisas, mas este é o fim amado por si mesmo.’” E para São
Tomás “assim como não é necessário que alguém anda numa estrada pense para onde
vai a cada passo”. Escreve Agostinho: “todos os homens são iguais em desejarem o
último fim, que é a bem-aventurança” e em São Tomás “é necessário que seja
perfeitíssimo aquele bem que é desejado como último fim por quem tenha afeto bem
disposto.” E que “entre os homens acontecem maneiras diversas de viver, por serem
diversas as coisas nas quais se busca a razão do sumo bem”.

Ora, as coisas boas foram divididas em três classes, a saber, bens


externos de um lado, e bens da alma e do corpo de outro lado; dessas
três classes de bens, consideramos ordinariamente como bons no
sentido mais pleno e no mais elevado grau aqueles da alma. Mas são
nossas ações e o exercício ativo das funções da alma que propomos
[como sendo a felicidade]. 154

Virtualmente identificou a felicidade com uma forma de “viver


bem” ou “dar-se bem” 155
Na suma “o fim pode ser considerado de duas maneiras, a saber, do qual e pelo qual:
isto é, a própria coisa na qual se encontra a razão de bem, e o uso ou a aquisição dessa
coisa.” Por exemplo “o fim do avaro é ou o dinheiro como coisa, ou a posse do dinheiro
como uso.” Segundo Boécio: “a bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos
os bens”. E para São Tomás “a bem-aventurança significa a aquisição do último fim.” E
no livro 1 da Ética “A bem-aventurança ou felicidade é o prêmio da virtude”. Em São
Tomás “O bem conveniente, se é perfeito, é a própria bem-aventurança do homem”. E
que “o fim se entende de dois modos: a coisa que desejamos conseguir, e o uso, a
obtenção ou a posse daquela coisa.” Ademais o “bem da alma não somente a potência ,
ou o habitus, ou o ato, mas também o objeto, que a ela é extrínseco”.
Ora, todas as promulgações da lei objetivam ou o interesse comum
de todos, ou o dos mais excelentes, ou dos que detêm o poder, seja
devido à sua virtude ou algo do gênero, de sorte que, em um de seus
sentidos, justo significa aquilo que produz e preserva a felicidade e
as partes componentes desta da comunidade política. 156

Sabedoria produz felicidade. Ela é uma parte da virtude como um


todo e, portanto, mediante sua posse e se convertendo em ato, torna
[o ser humano] feliz. (...) a virtude [moral] assegura a retidão da
meta a que visamos ao passo que a prudência garante a retidão
daquilo que conduz a essa meta157

E que “a bem-aventurança é o sumo bem do homem, porque é aquisição ou gozo


do sumo bem”. Diz Aristóteles no livro 1 da ética: “A felicidade é a ação que procede
da virtude perfeita”. E escreve São Tomás “pertence ao último fim do homem, não

154
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 52.
155
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 52.
156
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 139.
157
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 199.

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como sendo essencialmente a bem-aventurança, mas porque a ela se refere
antecedentemente e consequentemente. Antecedentemente, quando já não existem todas
as coisas que perturbavam e impediam o último fim. Consequentemente, quando o
homem, já tendo conseguido o último fim, permanece tranquilo e seu desejo aquietado”.
Diz Agostinho “a contemplação nos é prometida com o fim de todas as ações e com
eterna perfeição das alegrias”.

As coisas naturalmente prazerosas são prazerosas aos amantes do


que é nobre e, assim, são sempre ações conforme a virtude, de modo
que são prazerosas essencialmente bem como prazeres aos amantes
do que é nobre. Consequentemente, nesse caso a vida [dos amantes
do nobre] dispensa o prazer como uma espécie de apêndice
ornamental, uma vez que contém seu prazer em si mesma (...) ações
conformam à virtude devem ser essencialmente prazerosas (...) que
a felicidade é de imediato a melhor, a mais nobre e a mais
prazerosas das coisas, qualidades que não estão separadas. 158

É evidente que a felicidade também requer bens externos adicionais


(...) a felicidade exige o acréscimo da prosperidade externa, sendo
esta a razão de alguns indivíduos identificá-la com a [boa] fortuna (a
despeito de alguns a identificarem com a virtude). 159
E também escreve: “a bem-aventurança é a alegria que provem da verdade”.
Para São Tomás “a bem-aventurança nada mais é do que a posse do sumo bem, não
pode haver bem-aventurança sem concomitância do prazer”. E “é, pois, necessário que a
bem-aventurança do homem seja ação”. Diz o evangelho de Mateus 5,8: “Bem-
aventurado os puros de coração, porque verão a Deus”. Na Suma “a retidão de vontade
é requerida para a bem-aventurança antecedente ou concomitantemente”. Claro que a
bem-aventurança que estamos falando aqui e a da vida terrena que para São Tomás se
diz “imperfeita”, mas que para nós si tem felicidade, já se tem a posse porque como São
Tomás diz “a bem-aventurança é uma ação perfeita”, e em Aristóteles “a ação da
felicidade”.

A maioria das pessoas sustentam que o prazer faz parte da


felicidade, razão pela qual a palavra que significa bem-aventurado é
derivada de regozijar-se. 160

Visto que cada um dos estados tem sua atividade livre, a atividade
de todos eles, ou de algum deles – a que é felicidade – quando livre
talvez tenha mesmo que ser a mais desejável das coisas existentes. E
essa atividade livre é prazer. Assim, o [bem] mais excelente será
algum prazer. (...) Daí todos julgarem ser a vida feliz e prazerosa,
entrelaçando prazer e felicidade, e o fazem razoavelmente, uma vez
que nenhuma atividade sobre obstrução é perfeita, quando a
felicidade o é. Eis porque o indivíduo feliz requer também as bens
do corpo. 161

158
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 53.
159
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 54.
160
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 235-236.
161
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 240.

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Na suma “para a bem-aventurança imperfeita, como a que pode haver nessa
terra, os bens exteriores são exigidos, não como se fossem a essência da existência da
bem-aventurança mas como servindo instrumentalmente à bem-aventurança, que
consiste na ação da virtude”, no livro 1 da Ética na Suma: “o homem nesta vida precisa
das coisas necessárias para o corpo, tanto para a ação das potências contemplativas,
como para a ação das potências ativas, para as quais muitas outras coisas são exigidas
pelas quais exercem as obras da potência ativa.” E que na Suma “porque nesta vida a
felicidade da vida contemplativa mais se aproxima da semelhança daquela perfeita bem-
aventurança, que a da vida ativa”. São Tomás “as riquezas naturais são aquelas pelas
quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a
bebida, as vestes, os veículos, a habitação, etc. (...) São se buscam as riquezas artificiais
(dinheiro) senão por causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por
elas é comprado o que é necessário para o uso da vida”.

A felicidade não seja a nós enviada do ceú, mas sim conquistada


pela virtude e por alguma espécie de estudo ou prática162

A felicidade é um certo tipo de atividade da alma, enquanto as boas


coisas restantes são ou meramente condições indispensáveis da
felicidade ou pertencem à natureza de meios auxiliares e
instrumentalmente úteis. 163

Segundo ponto; vida ativa e vida Contemplativa164:

Em primeiro lugar a divisão da vida ativa e vida contemplativa. Para Aristóteles


“Para os viventes, ser é viver”, para São Tomás “a alma é o princípio da ação e da
contemplação pelas suas potências”. Para Dionísio “a palavra vida implica movimento”.
Para São Tomás “a contemplação consiste antes em repouso”. Para Gregório que
declara “Duas são as formas de vida, nas quais Deus Todo-poderoso nos instrui por sua
santa palavra, a saber, a vida ativa e vida contemplativa”.

A felicidade é algo autossuficiente165

A felicidade, (...) requer tanto virtude completa quanto


vida completa166
Na Suma “como alguns homens se orientam principalmente para a contemplação
da verdade, e outros para as ações exteriores.” E que “pode dizer que a vida de cada

162
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55.
163
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55.
164 Suma Teológica VII p577-629.

165
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 262.
166
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 56.

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homem parece ser aquilo em que se compraz de modo supremo” e “o próprio
contemplar é um certo movimento do intelecto” e para Dionísio determina “três
movimentos de uma alma contemplativa: reto, circular e oblíquo (espiralado)”. São
Tomás “que todo meio-termo é feito pela combinação dos extremos é, por isso, já está
virtualmente contido neles (...) todas as atividades humanas ordenadas a atender às
necessidades da vida presente segundo a reta razão, pertence a vida ativa, cujo papel é
de prover a essas necessidades por meio das ações adequadas. Ao passo que, quando são
postas a serviço de qualquer concupiscência, se enquadram na vida voluptuosa, que não
faz parte da vida ativa.” E que “a vida voluptuosa por fim no deleite corporal, que nós é
comum com os animais. Por isso o Filosofo a qualifica de ‘vida animal’”.

De excelência máxima ao sustentar que o fato de o prazer,


embora sendo um bem, não ser louvado, é indicativo de
que ele é superior às coisas que louvamos, tal como são
Deus e o Bem, porque eles são os padrões aos quais tudo o
mais é referido (...) a felicidade é uma coisa avaliada e
perfeita, o que parece ser corroborado pelo fato de ser ela
um primeiro princípio ou ponto de partida, uma vez que
todas as outras coisas feitas por todos são feitas em função
dela; e concordamos que aquilo que é o primeiro princípio
e causa das coisas boas é algo valioso e divino. 167

A virtude que temos que considerar é claramente a virtude


humana, visto que o bem e a felicidade que nos dispomos
a buscar foram o bem humano e a felicidade humana. Mas
a felicidade humana significa, a nosso ver, excelência de
alma, não excelência do corpo; em coerência com isso
definimos, a propósito, a felicidade como uma atividade
da alma. 168
Trataremos agora da vida contemplativa. Para Gregório que a vida
contemplativa consiste em “abster-se da ação exterior” e que “a vida contemplativa
consiste em guardar com toda a alma a caridade para com Deus e o próximo e a
entregar-se completamente ao desejo do Criador” e “caridade por Deus”. Para São
Tomás “porque esse amor nos faz arder no desejo de contemplar Sua beleza. E, como
cada um se deleita quando alcança o objeto amado, o termo da vida contemplativa é o
deleite, que brota da vontade. E é o que faz com que o próprio amor se torne mais
intenso” o prazer e concomitante a vida contemplativa.

Que todas as coisas lícitas são justas num sentido da


palavra, pois aquilo que é legal é decidido pela legislação
e às várias decisões desta denominamos regras de justiça.
Ora, todas as várias promulgações da lei colimam ou
interesse comum de todos, ou o interesse dos mais
excelentes, ou o interesse dos que detêm o poder, ou algo
do gênero, de sorte que, em um de seus sentidos, o termo
“justo” e aplicado a qualquer coisa que produz e preserva a

167
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 61.
168
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 62.

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felicidade, ou as partes componentes da finalidade da
comunidade política (...) A justiça, (...) é virtude perfeita,
ainda que com uma qualificação, a saber, que é exibida aos
outros [e não no absoluto]. 169

A sabedoria produz felicidade (...) a sabedoria é uma parte


da virtude como um todo e, portanto, através de sua posse,
ou melhor, através de seu exercício, torna o ser humano
feliz. Também a prudência, tal como acontece com a
virtude moral, determina o desempenho completo da
função própria do homem. A virtude [moral] assegura a
retidão do fim a que visamos, enquanto a prudência
garante a retidão dos meios a serem utilizados para atingir
esse fim. 170

E tem-se a autoridade de São Tomás “as virtudes morais não pertencem à vida
contemplativa”, que ele responde “Há dois modos de pertencer à vida contemplativa;
como elemento essencial ou como disposição prévia. Essencialmente, as virtudes
morais não pertencem á vida contemplativa, cujo o fim é a contemplação da verdade.
Ora, ensina filósofo, ‘o saber, que se refere à consideração da verdade, te muito pouco
importância quando se trata de exercer as virtudes morais’. E, por isso, ele mesmo
acrescenta, as virtudes morais pertencem à felicidade ativa, não a contemplativa. Mas
como disposição previa, as virtudes morais pertencem a vida contemplativa. (...) Ora, as
virtudes morais refreiam as paixões e acalmam o tumulto das ocupações exteriores. (...)
e sobretudo a temperança, que reprime as concupiscências que mais obscurecem a luz
da razão”.

O prazer é necessário adjunto da felicidade, razão pela qual a


palavra que indica a bem-aventurança é derivada do verbo que
significa desfrutar, regozijar-se. 171

Toda faculdade tem sua atividade livre (desimpedida), a atividade de


todas as faculdades, ou de uma delas (aquela que constitui a
felicidade), quando desimpedida, deverá ser provavelmente a mais
desejável das coisas existentes; mas uma atividade livre é um prazer.
Assim, o bem mais excelente será um tipo particular de prazer, (...)
eis a razão porque todos pensam ser a vida feliz uma vida prazerosa
e encaram o prazer como um ingrediente necessário da felicidade – e
isso com justa razão, uma vez que nenhuma atividade obstada é
perfeita, enquanto a felicidade é essencialmente perfeita. 172

Ricardo de São Victor distingue os atos da vida contemplativa em


“contemplação, meditação e cogitação” e que “a contemplação é a intuição penetrante e
livre que o espirito tem das coisas que considera; a meditação é o olhar do espírito todo
ocupado em busca da verdade; e a cogitação é a reflexão do espirito, ainda susceptível
de divagação”. Em agostinho “especulação” pode-se referir a “meditação”, outro ponto
169
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 147 .
170
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 196 .
171
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 225 .
172
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 229 .

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é a “admiração”. Para São Tomás “é necessária a ‘oração’ quando se trata do que o
homem recebe de Deus (...). para aquilo que recebe dos homens, é necessária a
‘audição’, se trata de um ensinamento oral, e a ‘leitura’, se é por escrito que lhe vem
esse ensinamento. – o segundo modo é aplicando seu próprio esforço. E, neste caso, é
necessária a ‘meditação’”.

A felicidade é uma forma de atividade e uma atividade é


claramente algo que vem a ser e não algo que possuímos o
tempo todo, como um item de propriedade. Mas se a
felicidade consiste na vida e atividade – e a atividade de
um homem bom, como afirmamos no início, é boa
prazerosa em si mesma, e se o sentido de que uma coisa
nos pertence é também prazeroso. (...) de modo que os
indivíduos bons encontram prazer na ação de outros
indivíduos bons que são seus amigos, (...) o homem
sumamente feliz necessitará de bons amigos na medida em
que deseja contemplar ações que sejam boas e que lhe
sejam próprias. 173

Gostar ou desgostar das coisas das quais é certo gostar ou


desgostar é considerado um elemento de máxima
importância na formação de um caráter virtuoso. O prazer
e a dor se estendem ao longo da existência inteira e
exercem muito peso e influência na virtude e na felicidade,
visto que os seres humanos elegem o prazeroso e se
esquivam do doloroso (...) a maioria dos seres humanos
(...) têm um pendor para o prazer (...) esses seres humanos
têm que ser impulsionados na direção oposta a fim de
atingirem a devida mediania. 174

Trataremos agora da vida ativa. Primeiro ponto em São Tomás é que “a vida
ativa parece consistir unicamente na vida de relações com os outros”. Isidoro escreve:
“É preciso primeiro extirpar a totalidade dos vícios pelo exercício das boas obras, na
vida ativa, para depois passarmos à contemplação de Deus, na vida contemplativa, com
a alma já bem purificada”. Para São Tomás “não se extirparão todos os vícios a não ser
pelos atos das virtudes morais. Logo a vida ativa implica os atos dessas virtudes”.

Aquele prazer ou aqueles prazeres pelo(s) qual(ais) a


atividade (ou as atividades) do homem perfeito e bem-
aventurado é (são) aperfeiçoada(s) que deverá(ao) ser
declarado(s) humano(s) no sentido estrito e mais pleno.
(...) felicidade, porquanto consideramos ser isso o fim da
vida humana. (...) classificar a felicidade como alguma
forma de atividade, (...) felicidade deve ser classificada
entre as atividades desejáveis em si mesmas. 175

Na Suma “A vida ativa (...) e a atividade exterior, que é o fim da vida ativa. Ora,
é manifesto que as virtudes morais não buscam principalmente a contemplação da

173
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 283 .
174
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 291 .
175
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 304 .

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verdade, mas se ordenam à ação. (...) por conseguinte, é evidente que as virtudes morais
pertencem essencialmente à vida ativa.” E logo adiante “que a mais importante das
virtudes morais é a justiça, que nos ordena ao próximo”. E ademais “- não obstante,
pode-se dizer que a vida ativa é disposição para a contemplativa.”

Se presume que entretenimentos constituem um


componente da felicidade. (...) considera-se que a vida
que se conforma à virtude é uma vida feliz; mas a vida
virtuosa envolve sérios propósitos e não consiste em
entretenimento. (...) mas em atividades que se conformam
com a virtude. (...) a felicidade consiste na atividade de
acordo com a virtude, é razoável que seja atividade de
acordo com a virtude maior, e esta será a virtude da
melhor parte de nós. (...) é a atividade dessa parte de nós
em harmonia com a virtude que lhe é própria que
consistirá a perfeita felicidade (...) (uma vez que o
intelecto é o que há mais superior em nós e os objetos com
os quais o intelecto se ocupa são as coisas mais elevadas
cognoscíveis) e também é a mais continua, pois somos
capazes de pensar com mais continuidade do que somos
capazes de executar qualquer ação. Outrossim, supomos
que a felicidade deva encerrar um elemento de prazer; ora,
a atividade que se harmoniza com a sabedoria é,
reconhecidamente, a mais prazerosa das atividades que se
harmonizam com a virtude. (...) as atividades morais são
puramente humanas – quero dizer, a justiça, a coragem e
as outras virtudes são manifestadas por nós através do
nosso relacionamento com nossos semelhantes, quando
observamos o que é devido a cada um nos contrato e
prestação de serviços e em nossas várias ações, bem como
em nossas paixões (...) a felicidade pertinente ao intelecto
é independente, (...) na virtude, se o propósito ou a
realização, uma vez que se afirma depender dela de
ambos. Ora, a perfeição da virtude claramente consistirá
em ambos, mas a realização de ações virtuosas requer
muito equipamento externo, e quanto mais for assim, mais
grandiosas e mais nobres serão as ações. (...) a vida de
atividade virtuosa será essencialmente uma vida feliz. (...)
o homem sábio é o mais feliz (...) a lei, por outro lado, é
uma regra que emana de uma certa sabedoria e inteligência
e que possui força de coação. Os homens são detestados
quando se opõem às inclinações dos indivíduos, ainda que
o façam corretamente. (...) Regras públicas, em todos os
casos, têm evidentemente que ser estabelecidas pela lei e
somente boas leis produzirão boas regulamentações. (...)
{lembrando que Aristóteles era filosofo e o fim dele é
especular, e já se foram todas as especulações sobre Deus
e suas causas e ao mesmo tempo relativizando esses
conceitos. Para nós o fim são os entretenimentos e as
ações retamente deliberadas (como o ensino), também por
se tratar de épocas diferentes, pois naquela época a razão
era de abrangência advinda razão particular dos sábios, e
na nossa época temos a reta razão universal aonde temos
uma vontade moral autolegislativa, uma vez que atingimos
a realidade empírica da natureza das coisas animadas, que
suprime o fim da especulação, e dos conflitos ontológicos
de forma e matéria, razão e desejo, alma e corpo. Vejo

Página 54 de 237
esse fim nos dias de hoje a respeito da matéria que pode
ser tanto “cordas” como “átomos”.} 176

Outro ponto é se a prudência faz parte da vida ativa. Para São Tomás “o que se
ordena a outra coisa como a seu fim, sobretudo em matéria de moral, passa a pertencer à
espécie daquilo, passa a pertencer à espécie daquilo que se ordena. (...) ora é manifesto
que o conhecimento da prudência se ordena às operações das virtudes morais como a
seu fim (...) ela é ‘a reta razão do que se deve fazer’. Eis por quê, os fins da virtude
morais são os ‘princípios da prudência’ (...) Túlio na suma escreve: ‘quem puder, com
penetração e rapidez, descobrir a verdade e explicar-lhe a razão, será tido justamente
como prudentíssimo e sapientíssimo’. Por tanto deve-se dizer que as operações morais
se especificam pelo fim. (...) a prudência é considerada como um meio termo entre as
virtudes intelectuais e as morais, enquanto ela tem o mesmo sujeito que as virtudes
intelectuais exatamente a mesma matéria que as virtudes morais.”

Terceiro ponto trataremos do ensino que é próprio da vida ativa. Gregório


escreveu “a vida ativa consiste em dar pão a quem tem fome e, pela palavra da
sabedoria, ensinar o ignorante.” E São Tomás “o ato de ensinar tem duplo objeto, já que
se realiza por meio da palavra, sinal audível do conceito interior. O ensino tem por
primeiro objeto a matéria ou o objeto do conceito interior. E, segundo este objeto, o
ensino pertence ora à vida ativa, ora á contemplativa. À ativa, quando o homem concebe
interiormente, alguma verdade, para por meio dela, dirigir sua ação exterior. E pertence
à contemplativa, quando o homem pensa interiormente uma verdade inteligível, em cuja
consideração e em cujo amor se deleita”

176
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 305-319.

Página 55 de 237
Segunda Parte

Primeira Seção

Do Direito e Da justiça

Primeiro Ponto; O direito177:

Em primeiro lugar se o direito é o objeto da justiça. Na suma o jurisconsulto


Celso diz “o direito é a arte do bem e da equidade”, e “a lei”, como diz Isidoro “é uma
espécie do direito”. Diz Agostinho “A justiça é um amor votado somente ao serviço de
Deus, e, por isso, orienta bem tudo quanto está sujeito ao homem” e “O sagrado”, diz
Isidoro, “é a lei divina, o direito, a lei humana”. Isidoro esclarece “o direito (jus) é assim
chamado porque é justo” e para São Tomás “justo é o objeto da justiça”. E na suma
Aristóteles “Todos concordam em dar nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar
coisas justas”.

“prescrevem as leis sobre toda sorte de assuntos, e elas


têm em vista a utilidade comum, seja de todos os cidadãos,
seja dos melhores, seja somente dos chefes designados em
razão de seu valor ou de outro critério análogo; por
consequência, de certo modo, denominamos justas todas
as ações que tendam a produzir ou conservar a felicidade e
seus componentes para o comunidade política.” (...) as leis
são feitas no interesse comum de todos os cidadãos ou, ao
menos, no da aristocracia. Entretanto, como cada forma de
governo comporta possibilidade de um “desvio”, daí
sobrevindo a tirania, a oligarquia ou a demagogia, sucede
que a lei passe a preocupar-se somente com o interesse dos
dirigentes, sem atentar ao modo bom ou mau (legítimo ou
ilegítimo) pelo qual hajam sido investidos no poder. Ao
“desvio” da constituição seque-se o extrativo do autêntico
escopo da lei. 178

O atropelo em que, muitas vezes, são feitas as leis,


exprime a enganadora convicção de que sua profusa
criação irá resolver os problemas sociais. Isto, na verdade,
não ocorre. Apenas introduz-se um elemento de
perturbação suplementar na sociedade – a
superabundância de leis, sem ressonância popular e, por
isto mesmo, de escassa força moral. 179
“A justiça é idêntica à virtude, mas a essência de uma e de
outra não é a mesma: enquanto concerne nossas relações
com outrem é justiça, e enquanto hábito puro e simples, é
virtude”. 180
A justiça legal como coextensiva a toda a virtude – à
condição que não haja um desvio da constituição e que as
leis sejam corretamente estabelecidas. 181

177 Suma Teológica VI p45-54.

178
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 13 .
179
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 14 .
180
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 15 .
181
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 18 .

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Para São Tomás “Entre as demais virtudes, é próprio à justiça ordenar o homem
no que diz respeito a outrem. Implica, com efeito, uma certa igualdade, como seu
próprio nome indica, pois se diz comumente: o que se iguala se ajusta. Ora a igualdade
supõe relação a outrem. As demais virtudes, ao contrário, aperfeiçoam o homem
somente no que toca a si próprio.”

“Enquanto é possível ser um homem honesto em qualquer


lugar, a qualidade de bom cidadão se refere à constituição
sob o qual vive o homem” 182

O Estado, em nossa experiência, é um guardião de direitos


e deveres. 183

Toda vez que o Estado moderno tem tendido a este fim de


abarcar e regular toda vida, exorbitando de suas funções, o
resultados tem sido o estabelecimento do totalitarismo de
variados matizes, que, sobre, ser incompatível com a
dignidade e liberdade humanas, não se compadece com a
pluralidade cultural e ideológica indispensável ao
autêntico progresso que permite ao homem acrescer sua
humanidade no inter-relacionamento com seu semelhante.
184

O fim primeiro e fundamental da justiça não se acha na


ideia de liberdade, mas na de ordem, de tal sorte que
aquela apenas se justifica na medida em que serve à
realização desta. Consequência desta posição é a primazia
da lei e a necessidade de conferir-lhe fundamento ético.
“Consideram o Estado e a ordem por ele estabelecida
como o ambiente da vida moral, como a encarnação de
todas as virtudes”, daí decorrendo a preocupação e esforço
na busca da melhor forma de “Estado”, embora, nele, o
indivíduo praticamente se dissolva. 185
E “assim, pois nas atividades das outras virtudes, a retidão visada pela intenção
virtuosa como seu objeto próprio só tem em conta o agente. A retidão, porém, na ação
da justiça, mesmo sem considerar a referência ao agente, se constitui pela relação com
outro. Com efeito, temos por justo em nosso agir aquilo que corresponde ao outro,
segundo uma certa igualdade, por exemplo, a remuneração devida a um serviço
prestado.”

Escreve Del Vecchio: “para Aristóteles, como para Platão,


o maior bem é a felicidade, fruto da virtude”. 186

Porque o homem, quando perfeito, é o mais excelente dos


animais; quando afastado da lei e da justiça é o pior de
todos. (...) mas virtude é da essência da sociedade civil
porque a administração da justiça é a própria ordem da
comunidade política, pois é uma discriminação do que é
justo. 187

182
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 20-21.
183
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 22 .
184
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 22-23.
185
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 23 .
186
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 23 .
187
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 24-25.

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Os democratas fazendo-o consistir na liberdade, os
oligarcas na riqueza ou na nobreza advinda do nascimento,
e os aristocratas na virtude. Tem-se, pois, que a justiça
distributiva há de ter em conta o valor das pessoas – seu
mérito188

O que há de mais importante (o fim de ordem moral que


determinou a fundação da cidade). Os homens se associam
“tendo em vista a vida feliz (isto é, virtuosa)”. 189

E “em consequência, o nome de justo, que caracteriza a retidão que convém à


justiça, dá-se àquilo que a ação da justiça realiza, sem levar em conta a maneira de
proceder de quem age. Nas outras virtudes, ao contrário, a retidão é determinada tão
somente pela maneira de proceder de quem age. Eis por quê, de modo especial e acima
das outras virtudes, objeto da justiça é determinada em si mesmo e é chamada justo. Tal
é precisamente o direito. Torna-se, assim, manifesto que o direito é o objeto da justiça”.

Com efeito, “a Estado é a comunidade do bem-viver, tanto


as famílias quanto para os agrupamentos de famílias, tendo
escopo uma vida perfeita e autárquica” e “a comunidade
política existe para que se possa realizar o bem e não
somente a vida social. Tal a razão por que aqueles que
contribuem de modo mais significativo a uma sociedade,
fundada sobre tais bases, têm, nela, uma parte maior do
que aqueles que, lhes sendo iguais ou mesmo superiores
em liberdade ou em nascimento, são desiguais em virtude
cívica, o mesmo sucedendo com aqueles que, lhes sendo
superiores em riqueza, são inferiores em virtude.” 190

O Estado a comunidade do bem-viver e tendo por


finalidade a realização do bem. 191

René Maheu de que “a justiça só tem sentido quando sua


reivindicação abrange a totalidade da condição humana”.
192

Há duas espécies de igualdade: a igualdade puramente


numérica e a igualdade segundo o mérito (ou
proporcional) 193
E que “também a palavra direito foi empregada primeiramente para significar a
própria coisa justa; em seguida, estendeu-se à arte de discernir o que é justo;
ulteriormente, passou a indicar o lugar onde se aplica o direito ao dizer, por exemplo,
alguém comparece ao júri”. E que “quando escrita, dá-se-lhe o nome de lei. Pois, a lei,
segundo Isidoro, é uma constituição escrita. Por isso, a lei não é propriamente o direito,
mas regra do direito”. E “finalmente, chama-se direito o que foi decidido por quem

188
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 27-28.
189
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29 .
190
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29 .
191
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 29 .
192
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 34 .
193
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 37 .

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exerce a justiça, embora seja iníquo o que foi decidido.” E que “a lei diz respeito ao
bem comum da cidade e do reino”.

É impossível definir o direito, mesmo tão só o direito positivo, a não


ser como uma ordem estabelecida com finalidade de servir à justiça.
Todavia, não é só no caso extremo da impossibilidade do poder o
juiz dirimir os litígios que lhe são apresentados segundo elementares
critérios de justiça que se apresenta o problema da lei injusta194
Interpretando e aplicando a lei (...) que naturalmente deparam com a
possível inadequação entre normas legais e os fatos a que são
prepostas. 195

O interprete da lei, seja ele o juiz ou qualquer outro, encontra


solução capaz de ensejar a harmonia social. 196

Tendo que “decidir com justiça casos particulares com base em


normas gerais”, defronta-se o juiz com três ordens de problemas: 1º)
– o problema da relação da norma jurídica com a decisão concreta
particular (que significa aplicar uma norma jurídica?). 2°) – o
problema das lacunas do direito (como se comporta a norma
concreta em faze da viva multiplicidade da vida social?). 3°) – o
problema do direito judicial valorativo (até que ponto pode o juiz
decidir contra a lei?). é o último aspecto que interessa à colocação
da problemática da lei injusta em uma perspectiva pragmática,
ligada à solução das questões jurídicas concretas. Põe-se esta
situação sempre que “em um caso particular, o direito positivo e a
justiça entram em irredutível contradição”. Tal é o que sucede
quando existe “uma norma de direito positivo precisamente para o
caso dado, mas essa norma é em si mesma injusta ...”. 197
Discorreremos si é conveniente a divisão do direito em natural e positivo. Para
Aristóteles afirma: “‘no direito político, um é natural, outro legal’, isto é posta por lei”.
Para São Tomás “o direito ou o justo vem a ser uma obra ajustada a outrem, segundo
certo modo de igualdade”. E que “1. em virtude da natureza mesma da coisa. Isso se
chama direito natural. 2. Por convenção ou comum acordo. (...) o que se pode dar de
dois modos: primeiro, por uma convenção particular, quando pessoas privadas firmam
entre se um pacto; segundo, por uma convenção pública, quando o povo consente que
algo seja tido como adequado ou proporcionado a outrem, ou assim o ordena o príncipe,
que governa o povo e o representa. Isso se chama direito positivo”, {mas agora falando
propriamente uma constituição deve ser regida pelos primeiros princípios da lei natural
e do direito das gentes ao qual falaremos mais adiante, ou seja, regimentar os ofícios, as
instituições, os tributos, a administração, os crimes e o comercio, e garantir os bens} “a
vida, a integridade física, a liberdade e os bens exteriores.” 198

“o juiz tem que decidir com justiça inclusive contra o direito


positivo. Isto deriva da essência da sua posição” (...) Daí a
necessidade de colocarem-se limites ao direito judicial, redutíveis a

194
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 119 .
195
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 119 .
196
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 120 .
197
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 121 .
198 Suma Teológica VI p597.

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três máximas: “Na medida do possível deve o juiz aspirar a uma
síntese de justiça e direito positivo. Do que se seque que, antes de
negar-se a obedecer a uma norma positiva, tem que examinar
cuidadosamente se essa norma não é defensável sob qualquer ponto
de vista de justiça, mesmo que o legislador não o tenha tido em
conta. O juiz não tem obrigação de desobedecer a lei senão quando
ela se encontra em clara contradição com princípios de justiça
cognoscíveis, vale dizer, muito especialmente quando a lei descansa
em considerações de arbitrariedade. Tem o juiz que considerar tanto
a multiplicidade de perspectivas da justiça, seus diversos aspectos
possíveis, quanto a circunstância de que nossa intelecção da ideia do
direito é limitada, deixando, por isso mesmo, um amplo campo à
livre decisão do legislador. Por último, deve o juiz limitar-se ao caso
presente. A decisão justa do caso particular, segundo os princípios
do direito, constitui sua verdadeira obrigação e, simultaneamente, o
fundamento inarredável de sua resistência ao direito positivo em
caso em injustiça material deste.” 199

Também é preciso enfatizar que não pode o juiz decidir qualquer


questões segundo critérios de justiça pessoais, distanciados do
direito positivo, dos princípios gerais de justiça, das exigências do
caso concreto e do sentimento comum prevalente entre seus
concidadãos. 200

Há que considerar-se as circunstâncias do caso concreto e os


“correspondentes setores populacionais”, que “podem sem dúvida
ser sempre aqueles setores da população cujo juízo é aceito com
válido por cada ordem estatual e jurídica”. Consultará o juiz seu
sentimento ético, com cuidado de não se afastar demasiado desses
setores, a ponto de achar-se isolado em sua concepção. “se o juiz se
sabe inteiramente fora daquele setor populacional que, por força do
Direito, representa o padrão ou o critério” (...) Há, pois, concepções
sociais dominantes apreensíveis pelo juiz. Não pode ele, ao decidir,
ignorar os padrões ou critérios que delas advêm, em favor de suas
concepções pessoais. Sua atividade há de inserir-se no contexto
social, cujas ideias, valores e sentimentos não lhe é dado ignorar.
Mas, se há de aferir as concepções sociais dominantes, seria
fantasioso pretender que abandone de todo ser critério e formação
pessoais. Isto equivaleria a pretender-se que, ao julgar, se despoje de
sua individualidade para tão só chancelar o sentimento social
prevalente. Esta postura é psicologicamente insustentável, visto que,
no desempenho de sua função, não deixa o juiz de ser homem e nem
pode abandonar sua formação pessoal. Mas é ela, ademais,
doutrinariamente temerária, pois, na medida em que se pretende e se
insiste que os dados pessoais do julgamento devem ser inteiramente
postos de lado, entra-se, a pretexto da objetividade do julgamento,
na canoa positivista, como sucedeu na Alemanha nacional-socialista
em que as concepções sociais dominantes eram justamente aquelas
que não guardavam qualquer consonância com a justiça. 201

A necessidade de preparo do juiz para fazer face ao imprevisto,


advindo tanto do legislativo ilegítimo quanto do social ensandecido.
(...) eis que a atividade legislativa, desviada dos objetos maiores da
harmonia social, é, frequentemente, reflexo, de situações sociais
insustentáveis. 202
E “que a vontade humana, por uma convenção comum, pode tornar justa uma
coisa entre aquelas em que nada se oponham à justiça natural. Tal é o lugar do direito
positivo”. Aristóteles “o justo legal é aquilo que, antes, não importava ser de um outro
modo. Porém, importa, sim, depois de estabelecido”. Para São Tomás “mas, se algo, de
199
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 122 .
200
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 123-124.
201
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 124-126.
202
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 126 .

Página 60 de 237
si mesmo, se opõe ao direito natural não se pode tornar justo por disposição da vontade
humana. (...) no livro de Isaías 10,1: ‘Ai daqueles que estabelecem leis iníquas’”.

Trata-se das exigências da justiça perceptíveis na sociedade e


compatíveis com a dignidade humana. 203

A retificação do justo rigorosamente legal é, em nosso tempo, um


poder inseparável da função judicante, face à mutação dos fatos e
suas nuanças, ao surgimento de novas necessidades, à consciência
progressivamente maior dos valores imanentes à vida humana. (...) é
sensato deixar-se ao juiz espaço aberto para julgar com equidade,
reconhecimento e atendendo às novas realidades que não cessam de
emergir, abrindo, ao mesmo passo, o caminho para a conveniente
elaboração legal. (...) a equidade tem precisamente por missão
intervir nas “espécies duras” (hard cases) quando, em razão de sua
generalidade, o direito estrito cai duramente (it bears too hard) sobre
espécies particulares. 204

A lei é síntese de racionalidade e subjetividade, de natureza e


artificialidade, não se justificando por si próprio, encontrando seu
fundamento na ciência política, que fornece os princípios capazes de
determinar a melhor legislação. 205
E que diz o jurisconsulto na suma: “o direito das gentes e utilizado por todas as
nações humanas” e que para o jurisconsulto Gaio na Suma: “Aquilo que razão natural
estabelece entre todos os homens, todas as nações o observam, e chama o direito das
gentes”, {na época de São Tomás o direito das gentes era somente de razão, ou seja, não
tinha uma instituição internacional que ditava os, direito da gente, que nem se hoje tem
a carta dos direitos humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU).} E para São
Tomás “a razão natural dita o que pertence ao direito das gentes, levando em conta sua
afinidade com a equidade”.

A variabilidade das leis, de um para outro povo, não o impede de


considerá-las naturais. “por isto corrige o critério no início
invocado: se é verdade que a natureza divina é imutável, e que a
natureza física é, em toda parte, a mesma (...) o mesmo não sucede
com a natureza humana, que se caracteriza por sua plasticidade e, ao
mesmo dentro de certos limites, por sua indeterminação. A
variabilidade não é, portanto, um critério de não naturalidade da
mesma forma que a uniformidade não é um critério de conformidade
à natureza: mesmo que todos os homens fossem educados de
maneira a torna-se ambidestros, isto não seria natural. O verdadeiro
direito natural é, portanto, aquele que se adapta a uma natureza
humana eminentemente variável: a universalidade abstrata que
pretenderia.” 206

Tal o essencial do texto da Ética a Nicômaco relativo à justiça


natural, cuja análise, desde logo, revela, seguramente, os seguintes
pontos: 1°) inexistências de oposição entre o justo legal e o justo
natural, embora sendo ambos distintos e situados no interior do justo
político; 2°) inexistência de oposição entre lei e natureza; 3°)
variabilidade de tudo o direito; 4°) maior estabilidade ou

203
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 128 .
204
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 133 .
205
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 136 .
206
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 13 9.

Página 61 de 237
permanência das normas integrantes do justo natural relativamente
àquelas pertinentes ao justo legal. 207

Termina-se por esquecer que uma ordem jurídica vale quanto valem
as relações sociais à sua por elas tutelados. Da cisão entre leis e as
relações sociais à sua origem resulta a consideração da lei em si e a
onipotência do legislador. Para que o esquema, assim concebido, se
articule, sugere-se, sutilmente, que o juiz seja o aplicador dócil das
leis feitas por obra e graça dos detentores do poder, cuja forma de
investidura e consonância com o bem comum não são jamais
questionadas, mas tidas aprioristicamente como metajurídicas. 208

Segundo ponto; As Partes Potênciais da Justiça209:

A primeira coisa que deve-se considerar é o significado de potencial, que


significa potência para o ato, ou seja, o que tem o disposição para a ação, que move a
virtude. Para São Thomaz “relativamente às virtudes anexas a uma principal, deve-se
considerar: 1°) que essas virtudes devem ter algo comum com a principal; 2°) que lhes
falta algo da virtude principal na sua perfeita natureza. Como a justiça é uma virtude
que se refere ao outro,(...) todas as virtudes referentes ao outro poderão ser anexadas à
justiça por esse mesmo motivo. É da essência da justiça dar ao outro o que lhe é devido,
de modo equitativo”.

Onde não existe propriedade, não existe injustiça; e não


existe propriedade onde não existir um poder coercitivo instituído,
ou seja, onde não existir Estado, pois [nesse caso] todos os
homens têm direito a todas as coisas: portanto, onde não existe
Estado, nada é injusto. De modo que a natureza da justiça consiste
em respeitar os pactos válidos, mas a validade dos pactos só tem
princípio com a constituição de um poder civil suficiente para
obrigar os homens a mantê-los; e é então que a propriedade
também tem um princípio. 210

E se não é contra a razão não é contra a justiça ou, do


contrário, a justiça não deve ser aprovada como um bem.(...) o
obteve o nome de virtude, e alguns que não admitiam a violação
da promessa em todas as outras circunstâncias admitiam-na,
todavia, quando era [realizada].211

a justiça, ou seja, a manutenção dos pactos, é um preceito da


[mesma] razão que nos proíbe fazer qualquer coisa que lese nossa
vida e, por conseguinte, é uma lei natural. [Por outro lado,] há
alguns que vão muito além e que sustentam que a lei natural é
constituída por aqueles preceitos que conduzem não à preservação
da vida terrena do homem, mas à obtenção, após a morte, de uma
felicidade eterna, à qual consideram que pode conduzir à violação
dos pactos e que, por conseguinte, é coisa justa e razoável (tais são
aqueles que consideram um obra meritória matar, depor ou
revoltar-se contra o poder soberano, constituído acima deles com

207
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 140 .
208
AZEVEDO. Plauto Faraco. Justiça Distributiva e Aplicação do Direito . Pagina 142 .
209 Suma Teológica VI p270-276.

210 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 112

211 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 113

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seu consenso).(...) a traição da promessa não pode ser chamada de
um preceito de razão ou de natureza. 212

Das quais enumera São Thomaz, a religião, a piedade (que é o sustento aos
pais), o respeito, a dulia, a obediência, a gratidão, a verdade, a amizade, a liberalidade e
a epiquéia. Das quais vamos tratar para o problema de pesquisa e o objetivo desta
dissertação que é a contemporaneidade as virtudes da gratidão, da verdade, da amizade
e da epiquéia.

Os nomes de justo e injusto, quando atribuídos aos


homens, significam uma coisa e, quando atribuídos às ações,
significam outra. Quando atribuídos aos homens, significam a
conformidade ou a não-conformidade com os costumes com a
razão. Em contrapartida, quando atribuídos às ações, significam a
conformidade ou a não-conformidade com a razão não dos
costumes ou hábitos de vida, mas de ações individuais. Portanto,
um homem justo é aquele que investe todo o empenho que pode
em fazer com que suas ações possam ser todas justas; enquanto
um homem injusto é aquele que deixa de fazer isso. Em nossa
língua, esses homens são mais freqüentemente designados com os
nomes de honesto e desonesto do que com os de justo e injusto,
embora o significado seja o mesmo. Sendo assim, um homem
honesto não perde esse título por uma ou mais ações injustas,
causadas por uma paixão repentina ou por um erro relativo a
coisas ou pessoas; nem um desonesto perde o seu caráter pelas
ações que pratica, ou que se abstém de praticar, sob o estímulo do
medo, uma vez que sua vontade não é formada pela justiça, mas
pela evidente vantagem daquilo que deve fazer. O que dá às ações
humanas o sabor da justiça é uma certa nobreza ou excelência de
coragem (raramente encontrada), o que faz com que o homem não
se digne a considerar, para satisfazer a própria vida, a fraude e o
rompimento das promessas. Essa justiça dos costumes é aquela à
qual se refere quando a justiça é chamada de virtude, e a injustiça,
de vício. Por outro lado, o nome que cabe aos homens pela justiça
das ações não é o de justos, mas de inocentes e, pela injustiça das
mesmas (que também recebe o nome de erro), é apenas o de
culpados. Em outras palavras, a injustiça dos costumes é a
predisposição ou o dom para fazer mal [aos outros]; é injustiça
antes de gerar a ação e não pressupõe nenhum indivíduo
específico como objeto do mal. Em contrapartida, a injustiça da
ação (ou seja, o mal) pressupõe um indivíduo específico como
objeto do mal e, precisamente, aquele com o qual havia sido feito
o pacto; com o resultado de que muitas vezes o mal é recebido por
um homem enquanto o dano recai sobre outro, como quando o
senhor ordena a seu servo que dê dinheiro a um estranho. 213

a uma ação humana: em primeiro lugar, se foi [realmente]


realizada ou não; em segundo, se (supondo-se que tenha sido
realizada) é ou não contra a lei. A primeira é chamada de questão
de fato, a segunda, de questão de direito. De modo que, se as
partes em causa não concordarem em ater-se à sentença de um
terceiro, estarão distantes como nunca da paz. Esse terceiro, a cuja
sentença se submetem, chama-se ÁRBITRO. Por isso, faz parte da
lei natural que aqueles que tenham uma controvérsia submetam o
seu direito ao julgamento de um árbitro. (...) Numa controvérsia
[que trate de uma questão] de fato, não devendo o juiz dar mais
crédito a um do que a outro [dos litigantes], deve (na falta de
outros argumentos) dar crédito a uma terceira pessoa, ou a uma
terceira e uma quarta, ou a mais; do contrário, a questão fica sem
decisão e é deixada à força, em contraste com a lei natural. Essas

212 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 115

213 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 116-117

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são as leis naturais que ditam a paz como meio para a conservação
dos homens [reunidos] em multidões e que concernem apenas à
teoria da sociedade civil. 214

Também pode ser compreendida por um homem da mais


modesta capacidade, ou seja: não fazer a outrem aquilo que não
gostarias que fizessem a ti mesmo. 215

Terceiro ponto; O agradecimento ou gratidão216:

Diz Aristóteles na suma “as ações de graças se rendem para serem uma
retribuição”. E para São Tomás “algum benfeitor do qual recebemos algum beneficio
particular”, e disso decorre “o agradecimento ou gratidão que corresponde à
generosidade dos benfeitores” e que “depende do agradecimento ou gratidão, é uma
retribuição que se faz por uma obrigação de honra, ou seja, uma obrigação que se
cumpre espontaneamente”.

A ciência dessas leis é a verdadeira e única filosofia moral.


De fato, a filosofia moral não é outra coisa senão a ciência daquilo
que é bem e mal nas relações e na sociedade dos homens. Bem e
mal são nomes que significam nossos apetites e nossas aversões,
que variam conforme a variação dos temperamentos, dos costumes
e das concepções dos homens. 217

paz é um bem e que, por isso, os modos ou os meios para


obtê-la - que (como mostrei anteriormente) são a justiça, a
gratidão, a moderação, a eqüidade, a misericórdia e todas as outras
leis naturais - também são um bem, ou seja, são virtudes morais, e
os seus contrários, vícios, mal. Ora, a ciência da virtude e do vício
é a filosofia moral e, por isso, a verdadeira doutrina das leis
naturais é a verdadeira filosofia moral.(...) Esses ditames da razão
recebem o nome de leis naturais. Todavia, impropriamente, pois
elas são meras conclusões ou teoremas concernentes ao que
conduz à conservação e à defesa dos homens, enquanto a lei é
justamente a palavra daquele que detém por direito o império
sobre os outros. 218

o motivo originário da justiça, menos ainda o pode a


benevolência privada, ou seja, uma. consideração pelos interesses
da parte em causa. 219

Em São Tomás “na concessão de um beneficio devem-se considerar duas coisas:


o sentimento e o dom” por consequinte “a recompensa do benefício deve, na medida do
possível, procurar sempre superar o valor de que se recebeu”.

De fato, a noção de erro ou de injustiça implica um ato


imoral ou vicioso, cometido contra outra pessoa, e, uma vez que
toda imoralidade deriva de um defeito insano das paixões e esse
defeito deve ser julgado em ampla medida, com base no curso

214 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 124

215 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 125

216 Suma Teológica VI p572-584.

217 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 126

218 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 127

219 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 154

Página 64 de 237
ordinário da natureza na constituição da mente, para saber se
somos culpados de imoralidade em relação aos outros. 220

noções de propriedade e obrigação, de justiça e


injustiça.(...) a justiça encontra a sua origem nas convenções
humanas e que estas últimas devem ser entendidas como um
remédio para certos inconvenientes que derivam do concurso de
certas qualidades da mente humana e da situação dos objetos
externos. As qualidades da mente são o egoísmo e uma
generosidade limitada; e a situação dos objetos externos é dada
pela sua facilidade de mudar o possuidor e pela sua escassez em
relação às necessidades e aos desejos dos homens. 221

quando os amigos têm um sentimento cordial de afeto


recíproco, colocam tudo em comum; e que sobretudo as pessoas
casadas perdem reciprocamente a sua propriedade e não conhecem
o meu e o teu. 222

Quarto ponto; a virtude da Verdade223:

Diz Aristóteles da Suma “pertence a verdade ‘dizer a respeito de si mesmo a


realidade como ela é, nem mais nem menos’”, e para Cicero na Suma “com efeito ‘a
verdade exprime o que é, o que foi ou o que será, sem mudar nada’”.

E com o interesse público que nos levou a formular as leis


da justiça.(...) as impressões que suscitam esse senso de justiça
não são naturais para a mente do homem, mas surgem do artifício
e das convenções humanas.(...) considerai que, embora as regras
da justiça sejam estabelecidas simplesmente por interesse, sua
conexão com o interesse é, de certo modo, singular e diferente
daquela que podemos constatar em outras ocasiões. Muitas vezes,
um ato isolado de justiça é contrário ao interesse público e, se
permanecesse isolado, sem ser seguido por outros atos, poderia,
por si só, mostrar-se muito danoso para a sociedade. 224

sem justiça, a sociedade deverá dissolver-se de imediato, e cada


indivíduo deverá cair naquela condição selvagem e solitária que é
infinitamente pior do que a pior situação que se pode imaginar na
sociedade.(...) a justiça institui-se graças a uma espécie de
convenção ou acordo; ou seja, mediante uma consciência do
interesse que se supõe seja comum a todos e quando cada ato for
praticado com a expectativa de que os outros se comportarão
analogamente. 225

o interesse egoísta representa o motivo originário que faz surgir a


justiça; enquanto uma simpatia com o interesse público constitui a
fonte da aprovação moral que acompanha essa virtude. 226

Assim como o elogio e a crítica aumentam a nossa estima pela


justiça, a educação e a instrução privada contribuem para o mesmo

220 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 161

221 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 167

222 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 168

223 Suma Teológica VI p602-610.

224
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 170.
225
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 171.
226
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 173.

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efeito.(...) entre os homens a opinião de que um mérito ou um
demérito acompanha a justiça ou a injustiça. 227

Para São Tomás a palavra verdade tem dois sentidos “no primeiro, enquanto faz
com que se diga de uma coisa que ela é verdadeira, mas. Neste sentido, a verdade não é
uma virtude, mas simplesmente objeto ou fim da virtude. Assim pois, a verdade tomada
nesse sentido, não é um hábito, que é um gênero de virtude, mas uma certa relação de
igualdade entre o intelecto, ou o sinal, e a coisa inteligida e significada, ou ainda, entre
determinada coisa e sua regra, ou modelo.”

e do reconhecimento da propriedade derivaram as primeiras


normas de justiça; com efeito, para atribuir a cada um a sua
parte.228

‘Portanto, que não se diga que o soberano não está sujeito às leis
do seu Estado, pois a afirmação oposta é uma verdade do direito
das gentes que a adulação por vezes contestou, mas que os bons
príncipes sempre defenderam como uma divindade tutelar dos
seus Estados. Quão legítimo é dizer, com o sábio Platão, que a
perfeita felicidade de um reino consiste na obediência das tropas
auxiliares ao príncipe, do príncipe à lei, e na justiça da lei, sempre
voltada ao bem público!’ 229

o conceito de justiça sempre constituiu um dos maiores obstáculos


à aceitação da doutrina, segundo a qual a utilidade ou a felicidade
é o critério do lícito e do ilícito.(...) O sentimento da justiça
poderia ser um instinto peculiar e exigir, todavia, como nossos
outros instintos, um controle superior da razão. 230

o sentimento da justiça é uma daquelas que subjaz a tal revelação,


ou seja, se a justiça ou a injustiça de uma ação são intrinsecamente
peculiares e distintas de todas as outras qualidades da própria ação
ou somente uma combinação de algumas dessas qualidades,
apresentadas sob um aspecto peculiar. Para os fins dessa pesquisa,
é de importância prática verificar se o próprio sentido de justiça e
de injustiça é, no seu gênero, semelhante às nossas sensações do
gosto e da cor ou, antes, se não deriva de uma combinação de
outras sensações.

E ainda mais importante examinar essa relação, uma vez


que os indivíduos estão dispostos a admitir, de modo geral, que os
preceitos da justiça coincidem, objetiva e parcialmente, com a
Conveniência Geral; mas, na medida em que o sentimento
subjetivo de justiça é diferente daquele que se costuma atribuir à
simples conveniência e, com exceção das manifestações extremas
desta última, mostra-se bem mais coercitivo nas suas exigências,
os indivíduos dificilmente consideram a justiça apenas como uma
expressão particular da utilidade geral e pensam que sua força
vinculadora superior requer um fundamento totalmente diferente.

Para esclarecer a questão, é necessário verificar o caráter


distintivo da justiça ou da injustiça e especificar qual a qualidade,
se houver alguma, comumente atribuída a todas as formas de
conduta consideradas injustas (uma vez que a justiça, como
muitos outros' sentimentos morais, é mais bem definida pela sua
antítese), distinguindo-as daquelas que são objeto de reprovação,
mesmo que isso não seja dito expressamente.

227
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 174.
228
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 187.
229
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 198.
230
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 239.

Página 66 de 237
Se em todas as coisas que os homens geralmente
consideram justas ou injustas estiver sempre presente um atributo
comum ou um conjunto de atributos, podemos avaliar se esse
atributo particular ou se a combinação de atributos tem condições
de suscitar um sentimento de determinado caráter e intensidade,
em virtude das leis gerais da nossa constituição emotiva ou se, ao
contrário, o sentimento é inexplicável e deve ser considerado
como uma predisposição particular da natureza. Na primeira
hipótese, ao resolvermos tal questão, teremos resolvido também o
problema principal; na segunda, teremos de procurar outro método
de pesquisa. Para individuar os atributos comuns de uma
variedade de objetos, é necessário começar a observá-los
concretamente. Sendo assim, voltemos nossa atenção para os
vários tipos de ação e de ordenamentos humanos, que são
classificados, por consenso amplo ou universal, como justos ou
injustos. As coisas que notoriamente suscitam sentimentos
associados a esses termos são de natureza variada: farei uma breve
análise delas sem entrar em nenhuma situação particular.

Em primeiro lugar, na maioria das vezes se considera


injusto privar um indivíduo da sua liberdade pessoal, da sua
propriedade ou de qualquer outra coisa que lhe pertença por lei.
Esse é um exemplo da aplicação dos termos justo e injusto num
sentido perfeitamente definido: ou seja, é justo que se respeite o
legítimo direito de cada um, e injusto violá-lo. Esse juízo admite
muitas exceções, determinadas por um conceito diferente da
justiça e da injustiça. A pessoa, por exemplo, que sofre a privação,
pôde ter confiscados (por assim dizer) os direitos, dos quais, desse
modo, é privada. Em breve retomarei esse argumento.

Em segundo lugar, os direitos legítimos de que um


indivíduo é privado podem ser direitos que não deveriam
pertencer-lhe: a lei que os confere a ele poderia, portanto, ser
condenável. Quando é assim ou quando (o que resulta no mesmo
para nosso objetivo) se supõe que seja assim, as opiniões diferirão
conforme a infração seja ou não considerada lícita. Alguns
sustentam que o cidadão não deveria desobedecer a nenhuma lei,
ainda que esta seja iníqua: a oposição a ela, se manifestada,
deveria visar à sua possível modificação por parte da autoridade
competente. Essa opinião (que condena muitos dos mais ilustres
benfeitores do gênero humano e muitas vezes iria proteger
instituições nocivas contra as únicas armas que, no presente estado
de coisas, têm alguma possibilidade de sucesso) é defendida por
aqueles que, para o interesse comum do gênero humano, julgam
necessário - com base em considerações de conveniência -
conservar inviolado o sentimento da submissão às leis. Outros,
ainda, sustentam, ao contrário, que qualquer lei considerada
nociva pode ser impunemente violada, ainda que não seja
considerada injusta, mas apenas inconveniente.

Alguns, por fim, desejariam limitar a liceidade da


desobediência ao caso das leis injustas: mas outros ainda
consideram que todas as leis inconvenientes são injustas, uma vez
que toda lei impõe à liberdade natural dos indivíduos algumas
restrições que, se não são legitimadas por um fim vantajoso,
constituem uma injustiça. Entre essas várias opiniões, parece
universalmente aceito que possam existir leis injustas e que, por
conseguinte, a lei não é o critério definitivo da justiça, mas pode
dar a uma pessoa um benefício e provocar à outra um dano que a
justiça condena. Porém, quando uma lei é considerada injusta,
procede-se do mesmo modo como quando se considera injusta a
sua violação: a violação de um direito alheio, que, nesse caso, não
pode ser um direito legal, é qualificada de modo diferente e
definida como direito moral. Portanto, podemos afirmar que um
segundo caso de injustiça consiste em subtrair a um indivíduo
aquilo sobre o qual ele tem um direito moral.

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Em terceiro lugar, considera-se universalmente justo que
cada um tenha o que merece (seja um bem ou um mal) e injusto
que obtenha um bem ou sofra um mal sem merecer. Talvez essa
seja a mais clara e eloqüente forma em que a idéia de justiça é, em
geral, concebida. E, uma vez que ela implica a idéia de mérito,
surge a pergunta: em que consiste o mérito? De um ponto de vista
geral, uma pessoa merece um bem se age corretamente, e um mal
se age desonestamente Merece um bem, num significado mais
específico, por parte daqueles aos quais ela faz ou fez um bem;
merece um mal por parte daqueles aos quais faz ou fez um mal. O
preceito de receber um bem por um mal nunca foi considerado um
cumprimento da justiça, mas um caso em que as exigências da
justiça não são respeitadas, em obediência a outras considerações.

Em quarto lugar, é manifestamente injusto faltar com a


confiança do próximo, violar uma promessa, seja ela explícita,
seja implícita, frustrar as expectativas derivadas da nossa conduta,
caso a tenhamos suscitado consciente e voluntariamente. Como as
outras obrigações da justiça de que já falamos, esta não é
considerada absoluta, mas pode ser subordinada a uma obrigação
mais forte de justiça da outra parte; ou a um modo de agir por
parte da pessoa interessada, tal que nos leve a nos considerarmos
isentos das nossas obrigações em relação a ela e a constituir uma
perda dos benefícios que ela havia sido induzida a esperar.

Em quinto lugar, nutrir sentimentos partidários,


favorecendo uma pessoa mais do que outra em situações às quais
não se destinam favores ou preferências, contrasta, por consenso
universal, com o sentimento da justiça. De todo modo, a
imparcialidade não parece ser considerada um dever: é, antes, uma
qualidade com uma função instrumental. Admite-se que favores e
preferências não sejam sempre censuráveis: os casos em que
devem ser condenados constituem mais a exceção do que a regra.
Talvez um indivíduo fosse objeto de crítica mais do que de louvor
se, sem faltar com outros deveres, desse maior ajuda a estranhos
do que à própria família ou aos amigos. Ninguém considera
injusto preocupar-se com uma pessoa em vez de outra, caso se
trate de um amigo, de um parente ou de um colega. Quando se
trata de direitos, a imparcialidade é naturalmente obrigatória:
nesse caso, vemo-nos diante da mais ampla obrigação de dar a
cada um o seu. 231

Já no segundo sentido para São Tomás “a verdade é aquilo pela qual alguém diz
uma coisa verdadeira, e nesta acepção, alguém se diz veraz. E esta verdade, ou
veracidade é necessariamente uma virtude, porquanto dizer a verdade a respeito de uma
coisa é um ato bom, e ‘é a virtude que torna bom aquele que a possui, e faz com que sua
obra seja boa’”.

Tribunal, por exemplo, deve ser imparcial porque é obrigado a


adjudicar, sem nenhuma outra consideração, um objeto disputado
à parte que tem direito a ele. Há outros casos em que a
imparcialidade de quem, nas funções de juiz, de preceptor ou de
progenitor, dá prêmios e inflige castigos decorre unicamente do
mérito. E há outros ainda, como aqueles relativos à seleção dos
candidatos a um emprego estatal, em que se impõem
exclusivamente considerações de interesse público. Em suma, a
imparcialidade pode ser considerada uma das obrigações da
justiça: ela é influenciada exclusivamente por aquelas
considerações que deveriam regular cada caso particular em
questão e resiste às solicitações que estimulam a agir de modo
diferente do que aquelas considerações gostariam. A idéia de

231
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 240-243.

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imparcialidade une-se aquela de igualdade, que muitas vezes entra
como elemento tanto na concepção da justiça quanto na sua
realização prática, e, segundo a opinião de muitos, constitui a sua
essência. Neste, mais do que em outros casos, a noção de justiça
varia segundo os indivíduos e sempre se adapta nas suas variações
ao seu conceito de utilidade. Todos consideram que a igualdade
constitui o fundamento da justiça, exceto nos casos em que a
conveniência requer a desigualdade. O princípio de justiça, que
contempla uma tutela igual dos direitos de todos, é defendido por
aqueles que suportam as mais ultrajantes desigualdades nos
próprios direitos. Até mesmo em nações escravistas é
teoricamente admitido que os direitos do escravo, tal como são,
deveriam ser tão sagrados quanto aqueles do senhor, e que um
tribunal é injusto se não tiver condições de fazê-los respeitar com
igual severidade; todavia, ao mesmo tempo, as instituições que
concedem ao escravo bem poucos direitos a serem reconhecidos
não são consideradas injustas, uma vez que não são consideradas
inconvenientes. Aqueles que pensam que a utilidade requer
distinções de categoria não consideram injusta a distribuição
desigual da riqueza e dos privilégios sociais; mas aqueles que
consideram inconveniente tal desigualdade acham, por sua vez,
que ela é injusta. Quem quer que pense que um governo é
necessário não vê nenhuma injustiça na grande disparidade de
poderes concedidos ao magistrado e não aos outros. Até mesmo
entre aqueles que defendem doutrinas igualitárias existem outras
tantas interpretações da justiça quantas são as diferenças de
opinião sobre a conveniência. 232

Em muitas línguas, se não em todas, a etimologia da palavra que


corresponde a "justo" refere-se a uma origem vinculada à lei
positiva ou àquela que em muitos casos era a forma primitiva da
lei - os costumes impostos. Justum é uma forma de iussum, aquilo
que foi comandado, Jus tem a mesma origem. Aí/aiou deriva de
õí^r), cujo principal significado, pelo menos na Grécia histórica,
era o de justiça baseada na lei. Originariamente, na verdade,
significava apenas o modo ou a maneira de fazer as coisas, mas
logo passou a significar a maneira prescrita; aquela que as
autoridades reconhecidas - patriarcais, jurídicas ou políticas -
podiam impor. Recht, do qual derivou right (justo, legítimo) e
righteous (justo, virtuoso) é sinônimo de lei. Na realidade, o
significado originário de recht não se referia à lei, mas à retidão
física, assim como wrong (errado) e os seus equivalentes latinos
significavam retorcido e tortuoso; a partir disso, argumenta-se que
"direito" (right) não significava, em origem, "lei" (law), mas, ao
contrário, "lei" significava "direito". No entanto, seja qual for a
situação, o fato de que recht e droit fossem circunscritos, em seu
significado, à lei positiva, embora muito daquilo que não é exigido
pela lei seja igualmente necessário para a retidão moral, é tão
significativo em relação ao caráter originário das idéias morais
quanto o seria se a derivação do termo tivesse sido o exato oposto.
As cortes de justiça e a administração da justiça são as cortes e a
administração da lei.(...) por parte dos indivíduos, de promulgar
leis iníquas e de sancionar no código coisas que, feitas por
indivíduos sem a sanção legal, seriam consideradas injustas.
Portanto, o sentimento da injustiça não se baseava em todas as
violações da lei, mas na transgressão daquelas normas que
deveriam existir, mas que não existiam; e das próprias leis, se
consideradas contrárias à razão de ser da lei. Desse modo, a idéia
de lei e do seu caráter imperativo ainda predominava no conceito
de justiça, até quando as leis vigentes deixavam de ser aceitas
como uma norma sua. O gênero humano considera a idéia da
justiça e as suas obrigações aplicáveis a muitas questões que não
são, nem deveriam ser, reguladas pela lei. Ninguém quer que a lei
interfira na vida privada: todos, porém, admitem que, nas

232
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 243-245.

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atividades cotidianas, um indivíduo possa ser e se mostre justo ou
injusto. 233

A idéia de uma obrigação legal é, portanto, a idéia geradora do


conceito de justiça, embora deva ser sujeita a muitas
transformações antes que o próprio conceito, como ocorre em
condições sociais evoluídas, aperfeiçoe-se. 234

Afirmamos que seria justo proceder assim ou


simplesmente que seria desejável ou louvável, conforme se queira
obrigar, ou apenas persuadir, ou exortar essa pessoa a agir de tal
modo.(...) uma exigência por parte de um ou mais indivíduos,
semelhante àquela que a lei reconhece quando confere um direito
de propriedade ou outro direito legal. 235

E para São Tomás “ para fazer disso um ato de virtude; para tanto é necessário
que se cumpram todas as circunstâncias devidas, pois, do contrario, o ato, em vez de
virtuoso, será um ato vicioso”. E que “a verdade ocupa o meio-termo entre o excesso e a
falta de dois modos: com relação ao objeto, e com relação ao ato”. E para São Tomás “é
própria essência da virtude tornar bom o ato humano”, e em Agostinho na suma “o bem
consiste na ordem”.

Se a injustiça consiste em privar uma pessoa de um bem, ou em


faltar com um pacto, ou em tratá-la pior do que ela mereça, ou
pior do que outros que não tenham maiores exigências, isso
implica duas coisas: uma injustiça cometida e um indivíduo
específico que a sofreu. Pode-se também cometer uma injustiça
tratando uma pessoa melhor do que outras. Mas a injustiça, nesse
caso, é sofrida pelos seus concorrentes, que também são pessoas
específicas. Parece-me que essa característica (um direito de uma
pessoa correlativo à obrigação moral) constitui a diferença
específica entre a injustiça e a generosidade ou beneficência. A
justiça implica algo que não apenas é lícito fazer e ilícito não
fazer, mas também comporta algo que cada pessoa pode exigir de
nós como direito moral.(...) tem direito a todo bem que possamos
fazer-lhe, ao defender essa tese inclui imediatamente a
generosidade e a beneficência na categoria da justiça. 236

os dois elementos essenciais do sentimento de justiça são o desejo


de punir uma pessoa que cometeu algum mal e a consciência ou a
convicção de que existem um ou mais indivíduos que o sofreram.
237

O sentimento de justiça, que se exterioriza no desejo de punir, é,


em minha opinião, o sentimento natural de reação ou de vingança
que o intelecto e a simpatia mobilizam contra essas ofensas ou
aqueles males que nos ferem por meio da sociedade ou junto a ela.
Esse sentimento não é moral em si mesmo: o que é moral é a sua
exclusiva subordinação e conformidade ao sentido social. O
sentimento natural faria com que nos sentíssemos
indiscriminadamente ofendidos por qualquer coisa desagradável
que tivéssemos de sofrer; mas se é moralizado pelo sentimento
social, age apenas em direções conformes ao bem geral: as
pessoas justas se ressentem de uma injustiça cometida contra a
sociedade, mesmo que não lhes diga respeito, e não se ressentem
de uma injustiça cometida contra elas próprias, ainda que

233
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 245-246.
234
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 247.
235
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 248.
236
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 249.
237
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 250.

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dolorosa, a menos que esta não seja de natureza tal que a
sociedade tenha um interesse comum com elas em reprimi-la. 238

Quinto ponto; A Amizade ou Afabilidade239:

Que trago tal qual na suma “quanto ao artigo primeiro, assim se procede: parece
que a amizade não é virtude especial. 1. Com efeito, Aristóteles afirma que ‘a amizade
perfeita é aquela que se fundamente na virtude’. Ora, toda virtude é causa de amizade,
porque, segundo Dionísio, ‘o bom é amável para todo mundo’. Logo, a amizade não é
uma virtude especial, mas consequência de toda virtude. 2. Além disso, Aristóteles diz,
a respeito de um amigo, ‘que não é nem por amor nem por falta de amor que ele recebe
todas as coisas como convém’. Ora, quando alguém exibe sinais de amizade àqueles que
não ama, pratica algo do gênero da simulação, que repugna à virtude. Logo, esta
amizade não é uma virtude. 3. Ademais, Aristóteles diz que a ‘virtude se situa em um
meio-termo determinado pelo sábio’. Ora, o livro do Eclesíatico afirma: ‘O coração dos
sábios está na tristeza, o coração dos insensatos na alegria’. Convém por tanto, ao
homem virtuoso se precaver sobremaneira contra o prazer, como diz Aristóteles. E ele
acrescenta que este tipo de amizade ‘deseja por si mesma compartilhar as alegrias e
evitar provocar as tristezas’. Logo, esta amizade não é uma virtude especial. Em sentido
contrário, os preceitos da lei têm por objeto os atos das virtudes. Mas o livro do
Eclesíatico diz: ‘Fazer-se afável na assembleia dos pobres’. Por conseguinte, a
afabilidade, que se chama amizade, é uma virtude especial. Respondo. Uma vez que, foi
dito acima, a virtude se ordena para o bem, toda vez que ocorre uma razão especial de
bem, aí também haverá uma razão especial de virtude. Mas, o bem consiste na ordem,
como demonstrado. Ora, é preciso que as relações entre homens se ordenem
harmoniosamente num convívio comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é
necessário cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente. Por
isso, é necessária uma virtude especial que mantenha a harmonia desta ordem. E esta
virtude se chama amizade ou afabilidade. Quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que
Aristóteles fala de duas amizades. A primeira consiste principalmente na afeição de um

238
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 251.
239 Suma Teológica VI p642-646.

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homem para com outro, e pode ser a consequência de qualquer virtude. O que se refere
a esta amizade, (...). – mas ele fala de um segundo tipo de amizade que consiste
unicamente em palavras ou atos exteriores. E esta não realiza de maneira perfeita a
razão de amizade, mas tem com ela uma certa semelhança, na medida em que alguém se
comporta decentemente com aqueles com quem convive. Quanto ao 2°, deve-se dizer
que por natureza todo homem é amigo, com amor geral, segundo a palavra do
Eclesíastico: ‘todo ser vivo ama seu semelhante’. E as pessoas manifestam este amor
por sinais de amizade que se dirigem em palavras ou atos até mesmo aos estranhos e
desconhecidos. E não existe simulação nisto. Porque não se dá a estas pessoas sinais de
amizade perfeita, uma vez que não se pode ter com estranhos a mesma intimidade que
se tem com aqueles a quem se está unido por uma amizade especial. Quanto ao 3°,
deve-se dizer que quando se diz que o coração dos sábios está na tristeza, não se quer
dizer que os sábios levam a seu próximo a tristeza, pois o próprio Paulo afirma:
‘Quando um irmão teu se mostra triste por causa da comida, tu já não estás te
conduzindo segundo as normas da caridade’. Ao contrário, estes sábios procuram levar
um consolo aos que estão tristes, de acordo com a Eclesiástico: ‘não dês as costas a
quem chora e procura te afligir com os aflitos’. – mas, quando se diz que o coração dos
insensatos está na alegria, não quer dizer que eles alegrem os outros, mas que se
aproveitam da alegria alheia. Pertence aos sábios trazer prazer para aqueles de cujo
convívio participam. Não o prazer lascivo que a virtude recusa, mas o prazer honesto,
de acordo com o Salmo: ‘Como é bom e agradável para os irmãos habitarem juntos!’
Algumas vezes, porém, para conseguir um bem ou afastar um mal, o homem virtuoso
não terá medo de entristecer seus companheiros, como diz Aristóteles. E Paulo diz: ‘Se
com esta carta eu fiz vocês ficarem tristes, mão me arrependo’. E logo a seguir: ‘Eu, me
rejubilo, não por terdes ficado tristes, mas por esta tristeza vos ter levado à penitência’.
E por isso, não devemos mostrar um semblante alegre àqueles que se deixam levar pelo
pecado, como se quiséssemos confortá-los, para não pensem que temos cumplicidade
com o pecado deles e que, de certa forma, estamos encorajando sua audácia no pecar.
Assim, lemos no livro do Eclasiástico: ‘Tens filhas? Trata de preservar a pureza dos
corpos delas, e não lhes mostre um semblante risonho’”.

Julga-se que o homem bom é amigo, e que a amizade é um certo


estado moral (...) os amigos autênticos não cometem injustiça. (...)
Que se acrescente que classificamos o amigo entre os bens mais
elevados e a falta de amizade e a solidão como sumamente terríveis,

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uma vez que toda a vida e a associação voluntária que
estabelecemos é com amigos. 240

Tanto o bom, quanto o prazeroso são objeto da amizade. 241

Somos amigos de um indivíduo devido ao seu caráter e a sua


virtude, de outro por se mostrar benéfico e útil, e, ainda, de um
terceiro por ser ele agradável e nos proporcionar prazer. Uma pessoa
torna-se amiga quando recebe afeição e a retribui à pessoa que a
concedeu, e quando isso é, de algum modo, reconhecido por ambas.
242

É necessário que as coisas nobres sejam prazerosas. (...) o


descontrole tem como causa a divergência entre o bom e o prazeroso
nas emoções. (...) na medida em que a amizade primária conforme-
se à virtude, amigos segundo essa forma de amizade serão
simplesmente bons também em si mesmos, não devendo isso ao fato
de serem úteis, mas a uma causa distinta. 243

E a boa pessoa é perfeita. E se a atividade de amar é a prévia


escolha mútua associada ao prazer no mútuo relacionamento,
patenteia-se que a amizade primária constitui geralmente na prévia
escolha mútua de coisas simplesmente boas e prazerosas, pelo fato
de serem boas e prazerosas (...) sua função, com efeito, é uma
atividade, e não exterior, mas já encerrada naquele que ama. 244

Não existe amizade estável sem confiança, e confiança sem tempo.


245

Amizade é igualdade e que os verdadeiros amigos são uma única


alma. 246

A benevolência é o começo da amizade247.

Todas as formas de governo são espécies de justiça; com efeito, são


comunidades e toda comunidade tem a justiça como fundamento.
(...) e todas essas espécies têm limites comuns, suas diferenças
estando estreitamente correlacionados. 248

A [amizade] cívica leva em consideração o acordo e o coisa, a moral


a prévia escolha249

“ Quanto ao segundo, assim se procede: parece que esta amizade não é parte da
justiça. 1. Com efeito, pertence à justiça dar ao outro o que lhe é devido. Ora, isto não
pertence a esta virtude, que apenas nos fazer viver agradavelmente com os demais.
Logo, está virtude não é parte da justiça. 2. Além disso, segundo Aristóteles, esta
virtude diz respeito apenas ‘ao prazer ou à tristeza no convívio com os outros’. Ora,
moderar os prazeres excessivos pertence à temperança, (...). Logo, esta virtude é mais
parte da temperança do que da justiça. 3. Ademais, é contrário à justiça tratar como

240
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 247-248.
241
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 252.
242
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 253.
243
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 257.
244
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 258.
245
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 260.
246
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 272.
247
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 275.
248
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 277.
249
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 285.

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iguais os que são desiguais. Ora, Aristóteles diz que ‘esta virtude trata da mesma
maneira conhecidos e desconhecidos, familiares e estranhos’. Logo, esta virtude não
somente não faz parte da justiça como ainda a contraria. Em sentido contrário,
Macróbio afirma a amizade como uma parte da justiça. Respondo. Esta virtude faz parte
da justiça, na medida em que se liga a ela como a uma virtude principal. Ela tem em
comum com a justiça o fato de ser relativa ao outro. Mas não preenche a razão de
justiça, pois não realiza plenamente aquela razão de justiça, pois não realiza plenamente
aquela razão de dívida que obriga um homem, em relação ao outro, seja quando se trata
de uma dívida legal, que a lei obriga a honrar, seja em se tratando de uma dívida criada
por algum benefício recebido. A amizade leva em conta apenas uma dívida de honra
que é muito mais própria do virtuoso do que do outro, levando-o a fazer para o outro o
que convém. Quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que o homem é, por natureza, um
animal social e deve com honestidade manifestar a verdade aos outros homens, sem o
que a sociedade humana não poderia durar. Ora, assim como o homem não poderia
viver em uma sociedade sem prazer. Aristóteles diz: ‘ninguém consegue passar um dia
inteiro com uma pessoa triste e sem atrativos’. Por isso o homem é obrigado, por uma
espécie de dívida natural de honestidade, a tornar agradáveis as relações com os outros,
a menos que, por um motivo particular, seja necessário contristar outros para o próprio
bem deles. Quanto ao 2°, deve-se dizer que pertence à temperança refrear os prazeres
sensíveis. Mas esta virtude se aplica aos prazeres da convivência social, quem têm uma
justificativa racional, na medida em que cada um tem obrigação de se comportar com a
devida decência frente aos outros. E não há nenhum motivos para refrear esses prazeres
como nocivos. Quanto ao 3°, deve-se dizer que não se deve interpretar a palavra de
Aristóteles como se alguém devesse oferecer o mesmo tratamento aos conhecidos e
desconhecidos. E ele próprio acrescenta: ‘não convém tratar da mesma maneira
familiares e estranhos, quando se trata de participar das alegrias ou das tristezas’. A
semelhança consiste, pois, e quem se deve tratar a todos como convém”.

Amigos constituem um auxílio ao jovem a fim de protegê-lo do


erro250

A amizade parece ser o vínculo que une o Estado; e os legisladores


parecem mais zelar por ela do que pela justiça, uma vez que
promover a concórdia (...) a forma mais elevada de justiça parece
conter um elemento de amizade. E a amizade não é apenas
indispensável como um meio, sendo também nobre em si mesma.
Louvamos os que amam seus amigos e é aquilatado como algo

250
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 235 .

Página 74 de 237
nobre ter muitos amigos e alguns pensam que um amigo verdadeiro
é necessariamente um homem bom. 251

É amável [suscetível ou capaz de ser amado] e que isto é ou o que é


bom, ou o que é prazeroso e agradável, ou o que é útil. Uma vez que
o útil pode ser entendido como aquilo que produz algum bem ou
prazer, a classe de coisas amáveis como fins é reduzida ao bom e ao
prazeroso ou agradável. 252

Afeição só é chamada de amizade quando for mútua. 253

A forma perfeita da amizade é aquela entre os indivíduos bons e


mutuamente semelhantes em matéria de virtude, isso porque esses
amigos desejam igualmente o bem alheio na qualidade de bem e são
bons em si mesmos. (...) todo afeto é baseado no bem ou no prazer.
(...) o absolutamente bom e agradável são os princípios objetivos do
afeto; portanto, é entre indivíduos bons que o afeto e a amizade
existem sob sua forma mais completa e melhor. 254

A amizade baseada no prazer apresenta certa semelhança com


amizade baseada na virtude, pois homens bons são prazenteiros
entre si; e o mesmo pode ser dito com relação à amizade baseada na
utilidade, visto que homens bons são úteis uns para os outros.
Nesses casos, inclusive, a amizade é mais duradoura quando cada
amigo extrai o mesmo benefício. 255

Enquanto indivíduos bons serão amigos por causa deles mesmo


entre si, uma vez que são semelhantes no ser bons. Estes últimos,
portanto, são amigos num sentido absoluto, ao passo que os
primeiros o são fortuitamente e mediante sua similaridade com os
últimos. Acontece com a amizade como acontece com as virtudes.
Os seres humanos são chamados de bons em dois sentidos, ou por
deterem uma disposição virtuosa, ou por praticarem a virtude. 256

[De fato] o bom humor e a sociabilidade parecem ser os principais


componentes ou causas da amizade. (...) para a amizade perfeita, é
necessário conhecer-se alguém cabalmente e tornar-se íntimo dessa
pessoa. 257

A amizade baseada na virtude ser à prova da calúnia e ser


duradoura, enquanto as outras são rapidamente alteráveis, não
parecem ser amizades efetivas devido à dessemelhança com ela. 258

Perderiam certos bens, uma vez que amigos são bens. 259

Os homens prezam o afeto por ele mesmo, do que inferimos ser ele
mais valioso do que a honra, e que a amizade é desejável em si
mesma. 260

Conferindo afeto proporcionalmente ao mérito que amigos que não


são iguais podem se aproximar o máximo da amizade autêntica, uma
vez que isso os tornará iguais. A amizade autêntica, uma vez que
isso os tornará iguais. A amizade consiste em igualdade e
similaridade, especialmente a similaridade daqueles que são
semelhantes na virtude, pois sendo verdadeiro consigo mesmos eles

251
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 236 .
252
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 237.
253
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 238.
254
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 240 .
255
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 241 .
256
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 243 .
257
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 244-245.
258
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 246 .
259
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 248 .
260
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 249 .

Página 75 de 237
se mantêm também verdadeiros consigo mesmos eles se mantêm
também verdadeiros entre si e nem um nem outro solicita ou confere
préstimos que sejam moralmente degradantes. 261

“os bens dos amigos são propriedade comum” está correto, já que o
senso de comunidade é a essência da amizade. (...) A associação
política, acredita-se, foi originalmente formada e é preservada
visando à vantagem de seus membros. O propósito dos legisladores
é a bem da comunidade, e a justiça é, às vezes, definida como aquilo
que concorre para a vantagem comum. 262

A justiça nas relações recíprocas de quaisquer seres humanos que


sejam capazes de compartilhar da lei e de relações contratuais,
sendo, assim, também a amizade possível com todos na medida de
sua humanidade. 263

Em todas as amizades entre pessoas dessemelhantes é a proporção


(...) que instauram igualdade e preserva a amizade, tal como nas
relações entre concidadãos. 264

A amizade baseada no caráter é desinteressada. (...) o princípio


segundo o qual “cada homem receba sua remuneração
[pre]estabelecida” 265

Uma amizade baseada na virtude não enseja disputas e o retorno


realizado deve ser proporcional à escolha do beneficiador, uma vez
que a escolha é o que distingue um amigo e a virtude. (...) retribuir-
lhes na medida de nossa capacidade. 266

Um amigo é definido como alguém que deseja e promove através da


ação o bem real ou aparente de um outro alguém que deseja o existir
e a preservação do amigo por causa do amigo. 267

A existência é boa para o homem virtuoso e todos desejam o seu


próprio bem. (...) (pois o seu amigo é um outro eu) 268

Naturalmente virtuoso ao ver-se que escolhe a nobreza moral de


preferência a todas as outras coisas. (...) os bem-aventurados são
autossuficientes e, portanto, prescindem de amigos; pois já possuem
as coisas que asseguram o bem-estar da existência, além do que,
sendo completos em si mesmos, de mais nada precisam –
[contrastando isso com a ideia de que] a função de um amigo, que é
um segundo eu, é suprir coisas que somos incapazes de obter por
nós mesmos, e daí o adágio “quando a fortuna nos sorri, qual a
necessidade de amigos?” (...) a característica de um amigo é mais
conferir do que receber benefícios, e se a beneficência é uma função
do homem bom a da virtude, (...) o homem bom necessitará amigos
na qualidade de objetivos de sua beneficência. 269

O ser humano é um ser social e destinado pela natureza a viver com


os outros. (...) disso tudo concluímos que o homem feliz necessita de
amigos. 270

Se então para o homem sumamente feliz (bem-aventurado) a


existência é desejável em si mesma, sendo boa a prazerosa

261
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 249-250.
262
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 251 .
263
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 256 .
264
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 265 .
265
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 266.
266
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 267 .
267
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 272 .
268
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 273 .
269
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 282 .
270
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 283 .

Página 76 de 237
essencialmente, e se a existência de seu amigo é quase igualmente
desejável a ele, conclui-se que um amigo é uma das coisas a serem
desejadas. E o que é desejável para ele está ele compelido a ter, caso
contrário sua condição será incompleta nesse particular. Portanto,
para a feliz, o indivíduo necessita de amigos virtuosos. 271

Uma considerável ajuda para atenuar a tristeza, pois um amigo, se


tiver tato, é capaz de nos confortar mediante sua presença e suas
palavras, na medida em que conhece nosso caráter e o que nos
proporciona prazer e dor272

A mútua companhia é a coisa mais desejável que existe. Isso porque


[em primeiro lugar] a amizade é essencialmente uma parceria; [em
segundo] um indivíduo se mantém na mesma relação com um amigo
que mantém consigo mesmo; a consciência de sua própria existência
é um bem, de sorte que também o é a consciência da existência de
seu amigo. 273

Sexto ponto; A Epiquéia ou Equidade274:

Que trago tal qual na suma “quanto ao primeiro artigo, assim se procede: parece
que a epiquéia não é uma virtude. 1. Com efeito, nenhuma virtude destrói outra. Ora, a
epiquéia elimina outra virtude; por que ela suprime o que é justo segundo a lei e parece
se opor à severidade. Logo, a epiquéia não é uma virtude. 2. Além disso, Agostinho diz:
‘Embora os homens julguem as leis temporais quando as instituem, depois que elas
estão instituídas e confirmadas não é mais permitido ao juiz julgá-las. Mas
simplesmente julgar de acordo com elas’. Ora, a epiquéia parece julgar a lei, quando
estima que não se deve observá-la em determinados casos. Logo, a epiquéia é mais um
vício que uma virtude. 3. Ademais, parece próprio da epiquéia atender à intenção do
legislador, como diz Aristóteles. Ora, interpretar a intenção do legislador é um
privilégio reservado ao Príncipe. Daí a palavra do imperador no Código: ‘Só a nós
compete e é lícito examinar a interpretação interposta entre a equidade e o direito’. Por,
conseguinte, o ato da epiquéia é ílicito. Logo, a epiquéia não é uma virtude. Em sentido
contrário, Aristóteles a considera como uma virtude. Respondo. (...) das leis, foi dito,
que os atos humanos que as leis devem regular, são particulares e contigentes, e podem
variar ao infinito. Por isso, foi sempre impossível instituir uma regra legal que fosse
absolutamente sem falha e abrangesse todos os casos. Os legisladores, examinando
atentamente o que sucede com mais frequência, procuraram legislar levando isto em

271
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 285 .
272
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 288 .
273
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 289 .
274 Suma Teológica VI p688-692.

Página 77 de 237
conta. Mas, em alguns casos, observar rigidamente a lei vai contra a igualdade da
justiça, e contra o bem comum que a lei visa. Um exemplo: a lei determina que os
depósitos sejam restituídos, porque na maioria dos casos isto é o justo. Mas, num
determinado caso, isto pode ser nocivo. Exemplo: se um louco furioso, que deu uma
espada em depósito, a reclamar num acesso de loucura, ou se alguém exigir o depósito
para lutar contra a pátria. Em tais casos é mau seguir a lei estabelecida; e o bom então é,
deixando de lado a letra da lei, obedecer às exigências da justiça e do bem comum. É a
isto que se ordena a epiquéia, que nós chamamos de equidade. E assim se torna claro
que a epiquéia é uma virtude. quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que a epiquéia não
se afasta simplesmente do que é justo em si mesmo, mas do justo que é determinado
pela lei. – nem se opõe à severidade, porque segue fielmente a verdade da lei quando
não é oportuno, é um ato vicioso. Por isso o Código diz: ‘Não há dúvida que peca contra
a lei aquele que, se apegando à letra da lei, contradiz a vontade do legislador’. Quanto
ao 2°. Deve-se dizer que alguém julga a lei quando diz que ela não foi bem feita. Mas,
quem diz que, num caso determinado, a letra da lei não deve ser observada, não está
julgando a lei em si mesma, mas simplesmente um caso específico que se apresenta.
Quanto ao 3°, deve-se dizer que a interpretação tem lugar nos casos duvidosos, quando
não é permitido, sem decisão da autoridade, se afasta dos termos da lei. Mas em casos
evidentes, não se trata de interpretação, mas de execução.”

Cabe-nos tratar, (...) da equidade e de equitativo e da relação da


equidade com a justiça e do equitativo com o justo. Com efeito,
quando examinamos, revela-se que não são nem simplesmente
idênticos, nem genericamente diferentes. E, por vezes, louvamos o
homem equitativo a ponto de chegarmos a empregar essa palavra
como um termo de aprovação no que toca a outras virtudes, e a
empregamos na sua relevância com bom, querendo dizer com mais
equitativo que algo é melhor. Em outras oportunidades, todavia,
quando submetemos a palavra efetivamente ao crivo da razão, a nós
parece estranho ser equitativo louvável no caso de ser ele distinto do
justo. Com efeito, se são distintos, [um deles]: o justo ou o
equitativo, não são bons, são idênticos. Eis aí pontos, em caráter
aproximativo, que ensejam a dificuldade no que tange ao equitativo,
mas que são, de certa forma, corretos e não geram contradição entre
si: com efeito, o equitativo, embora superior a uma certa espécie de
justo é, ele mesmo, justo: não é superior ao justo ao ser
genericamente distinto dele. Justo e equitativo são, portanto, o
mesmo, sendo ambos bons, ainda que o equitativo seja o melhor. O
que gera a dificuldade é o equitativo, embora justo, não constituir
justiça legal, porém correção desta. A razão para isso reside no
caráter geral de toda lei. O problema são alguns casos que não se
enquadram nessa generalidade corretamente. Em casos, portanto,
nos quais não é possível discursar em caráter geral, embora fosse
necessário fazê-lo, a lei toma em consideração os casos mais típicos,
ainda que não desconheça o erro tal coisa pode acarretar. E nem por
isso se torna uma lei incorreta, pois o erro não está nem na lei nem

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no legislador, mas na natureza da coisa. Com efeito, a matéria das
questões práticas está de imediato nessa natureza. Quando, portanto,
a lei se expressar em termos gerais e surge um caso que não se
enquadra na regra, será, então, correto – onde a expressão do
legislador, por ser absoluta, é lacunar e errônea – corrigir a
deficiência (preencher a lacuna), pronunciando como o próprio
legislador teria pronunciado se estivesse presente oportunamente e
teria legislado se tivesse conhecimento do caso em particular. Por
conseguinte, o equitativo é justo e superior a certa espécie de justiça,
porém não superior àquela absoluta, mas apenas ao erro gerado pela
sua expressão absoluta. Tal é a natureza própria do equitativo, ou
seja, ele constitui uma correção da lei onde esta é lacunar por força
de sua generalidade. A propósito, aí reside a razão de nem todas as
coisas serem determinadas pela lei, a saber, em alguns casos [e
situações] é impossível estabelecer uma lei necessária e decretos;
com efeito, aquilo que é indefinido (...) é um decreto produzido para
se ajustar aos fatos circunstanciais. Está claro, portanto, o que é o
equitativo, que é justo e superior a certa espécie de justiça. A partir
disso se evidência, igualmente, quem é o indivíduo equitativo,
nomeadamente alguém por prévia escolha a hábito pratica o que é
equitativo, e que não é flexível quanto aos seus direitos, exibindo o
pendor de receber uma porção menor mesmo que tenha a lei a seu
favor. E o estado que se identifica com isso é a equidade, a qual é
uma espécie de justiça e não um estado distinto. 275

“Quanto ao segundo, assim se procede: parece que a epiquéia não faz parte da
justiça. 1. Com efeito, há duas sortes de justiça: a justiça particular e a justiça legal. Ora,
a epiquéia não faz parte da justiça particular, porque abrange todas as virtudes, como a
justiça legal. Mas também não faz parte da justiça legal, porque ela age fora das
disposições da lei. Logo, a epiquéia não é parte da justiça. 2. Além disso, uma virtude
mais principal não faz parte de uma virtude menos principal. Assim, às virtudes
cardeais, que são as principais, são atribuídas as virtudes secundárias como parte delas.
Ora, a epiquéia parece ficar acima da justiça, como seu nome sugere, pois vem de epi,
que significa acima, e dikaion, que significa justo. Logo, a epiquéia não faz parte da
justiça. 3. Ademais, parece que a epiquéia se identifica com a moderação. Quando Paulo
diz ‘que vossa modéstia seja conhecida de todos os homens’, o termo grego que ele
emprega corresponde à epiquéia. Ora, segundo Cicero, a modéstia faz parte da
temperança. Logo, a epiquéia não faz parte da justiça. Em sentido contrário, Aristóteles
diz que ‘a epiquéia é algo justo’. Respondo. Uma virtude correspondem três partes:
parte subjetiva, integrante e potencial. A parte subjetiva é aquela à qual se atribui
essencialmente o todo e é menos que o todo. E isto pode acontecer de duas maneiras: às
vezes se atribui o todo às partes segundo uma única razão, como quando atribuímos o
gênero ‘animal’ ao cavalo e ao boi; mas outras vezes a atribuição se faz a uma das suas
partes por prioridade: é assim que o ente se atribui primeiro a substância e depois ao

275
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 169-171.

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acidente. Logo, a epiquéia faz parte da justiça tomada num sentido geral, como uma
espécie de ‘realização da justiça’, segundo a expressão de Aristóteles. Fica pois claro
que a epiquéia é parte subjetiva da justiça. E ela pode ser chamada de justiça por
prioridade, antes mesmo da justiça legal, pois a justiça legal se dirige de acordo com a
epiquéia. Desta forma ela se comporta como uma espécie de regra superior dos atos
humanos. Quanto ao 1°, portanto deve-se dizer que a epiquéia corresponde
propriamente à justiça legal; de um certa maneira, está incluída nela, e de certo modo
ultrapassa. Se chamarmos de justiça legal aquela que obedece à lei seja quanto à letra
desta, seja quanto a intenção do legislador, que é bem mais importante, então a epiquéia
é a parte mais importante da justiça legal. Mas se chamarmos justiça legal unicamente
aquela que obedece a lei segundo a letra, então a epiquéia não faz parte da justiça legal,
mas da justiça tomada no seu sentido geral, e se distingue da justiça. Quanto ao 2°,
deve-se dizer que Aristóteles diz que ‘a epiquéia é melhor do que uma certa justiça, ou
seja, a justiça legal que observa a letra da lei. Mas porque ela própria é uma certa
justiça, não é melhor que toda justiça’. Quanto ao 3°, deve-se dizer que à epiquéia
compete ser moderadora no que concerne à observância da letra da lei. Mas a
moderação que faz parte da temperança modera a vida exterior do homem, no que se
refere ao andar, ao vestir, e noutros comportamentos deste gênero. Mas é possível que,
entre os gregos, o termo epiquéia, tenha servido para todos os tipos de moderação.,

Temos, a seguir, que nos referir à equidade e ao equitativo e a


relação destes com a justiça e com o que é justo, respectivamente,
pois quando examinadas afigura-se que justiça e equidade não são
nem absolutamente idênticas nem genericamente diferentes. Por
vezes, é verdade que louvamos a equidade e o homem equitativo
como um termo de aprovação de outras coisas além do que é justo e
a empregamos como equivalente de bom, querendo dizer com mais
equitativo meramente que uma coisa é melhor. Em outras
oportunidade, todavia, quando submetemos a palavra efetivamente
ao crivo da razão, nos parece estranho que o equitativo devesse ser
louvável uma vez ser ele algo distinto do justo. Se são diferente,
[um deles:] o justo ou equitativo não é bom; se ambos são bons, são
a mesma coisa (idênticos). Eis aí as considerações, em caráter
aproximativo, que fazem nascer a dificuldade no que tange ao
equitativo, mas que, ainda assim, são todas, de uma certa forma,
correta e não realmente incoerente; pois a equidade, embora superior
a uma espécie de justiça, é, ela mesma, justa: não é superior à justiça
ao ser genericamente distinta dela. Justiça e equidade são, portanto,
a mesma coisa, sendo ambas boas, ainda que a equidade seja a
melhor. A origem da dificuldade é que a equidade, embora justa,
não é justiça legal, porém retificação desta. A razão para isso é que a
lei é que a lei é sempre geral; entretanto, há casos que não são
abrangidos pelo texto geral da lei [ou por esta ou aquela regra legal
geral]. Em matérias, portanto, nas quais embora seja necessário
discursar em termos gerais, não é possível fazê-lo corretamente, a lei
toma em consideração a maioria dos casos, embora não esteja

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insciente do erro que tal coisa acarreta. E isso não faz dela uma lei
errada, pois o erro não se encontra na lei e nem no legislador, mas
na natureza do caso, uma vez que o estofo das questões práticas é
essencialmente irregular. Quando, portanto, a lei estabelece uma
regra geral e, posteriormente, surge um caso que apresenta uma
execução à regra, será, então, correto (onde a exepressão) retificar o
defeito (preencher a lacuna) decidindo como o próprio legislador
teria ele mesmo decidido se estivesse presente na ocasião em
particular e teria promulgação se tivesse sido conhecedor do caso
em questão. Consequentemente, embora o equitativo seja justo e
seja superior a uma espécie de justiça, não é superior a justiça
absoluta. Esta é a natureza essencial do equitativo, ou seja, é uma
retificação da lei onde a lei é lacunar em função de sua generalidade.
Com efeito, essa é a razão porque não são todas as coisas
determinadas pela lei; pela fato de haver alguns casos [e situações]
em relação aos quais é impossível estabelecer uma lei, é necessária a
existência de um decreto especial; pois aquilo que é ele próprio
indefinido só pode ser medido por um padrão indefinido, como a
régua plúmbea usada pelos construtores de Lesbos; tal como essa
régua não é rígida, podendo ser flexibilizada ao formato da pedra,
um decreto especial é feito para se ajustar às circunstâncias do caso.
Está claro agora o que é equitativo, que este é justo e que é superiora
um tipo de justiça. E [também] daqui se pode concluir claramente
quem é o homem equitativo: ele é alguém que por escolha e hábito
faz o que é equitativo, e que não é inflexível quanto aos seus
direitos, se contendo em receber uma porção menor mesmo que
tenha a lei do seu lado. E a disposição correspondente é a equidade,
a qual é um tipo especial de justiça e, de modo algum, uma
qualidade diferente276

Sétimo ponto; Partes por assim dizer Integrantes da Justiça277:

Diz São Tomás a “parte geral e especial são por assim dizer partes integrantes,
porque ambas são requeridas para perfeição do ato de justiça”, e “se falamos do bem e
mal em geral, fazer o bem pertence a toda virtude.” E que “a justiça, considerada como
virtude principal, se refere ao bem como dívida para com o próximo. Nessa caso,
pertence à justiça especial fazer o bem devido ao próximo e evitar o mal oposto, isto é,
aquilo que prejudica o próximo.” E que afirma Agostinho na suma “que à da justiça da
lei pertence em evitar o mal e fazer o bem.”

Recapitulando, a idéia de justiça pressupõe duas coisas: uma regra


de conduta e um sentimento que a sancione. (...) O sentimento
extrai a sua moralidade desses últimos elementos; do primeiro, a
sua força peculiar e a capacidade de auto-afirmação.(...) Até agora,
analisei a idéia do justo, ínsita na pessoa ofendida, e violada pelo
dano infligido, não como elemento distinto na composição da
idéia e do sentimento, mas como uma das formas de que os outros
dois elementos se revestem.(...) e, então há direito: se quisermos
demonstrar que alguma coisa não lhe pertence por direito,

276
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 172-173.
277 Suma Teológica VI p262-270.

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pensamos que isso se dê tão logo se admite que a sociedade deva
abandoná-la à sua sorte ou apenas aos seus esforços, sem tomar
nenhuma medida para protegê-la.(...) Ter um direito significa,
então, ter algo, cuja posse deve ser defendida pela sociedade. Se
me perguntassem por que a sociedade deveria defender esse
interesse, eu não poderia alegar nenhum outro motivo a não ser
aquele da utilidade geral.(...) justificação moral, daquele tipo de
utilidade extraordinariamente importante e incisiva que está em
jogo. O interesse envolvido é aquele da segurança, que, para todo
indivíduo, é de vital importância.(...) e uma idéia correta do
conceito de justiça, se a justiça fosse totalmente independente da
utilidade e constituísse uma norma em si, que podemos reconhecer
com uma simples introspecção, não seria fácil entender por que
esse oráculo interior é tão ambíguo e por que muitas coisas
parecem ora lícitas, ora ilícitas, segundo a perspectiva de que são
vistas. 278

Tais asserções estão tão distantes de ser verdadeiras que existem


tantas diferenças de opinião e profundas divergências sobre o que
é justo quantas sobre o que é útil para a sociedade. 279

A justiça manifesta-se sob dois aspectos que, por serem


antitéticos, não podem ser harmonizados: um considera o que é
justo que o indivíduo receba; o outro, por sua vez, considera o que
é justo que a comunidade lhe dê. Cada um desses pontos de vista é
plenamente legítimo. Qualquer escolha no âmbito da justiça é
necessariamente arbitrária: somente a utilidade social pode
constituir um critério de preferência. 280

O bem pelo bem também é um dos preceitos da justiça e, embora


sua evidente utilidade social seja a expressão de um sentimento
humano natural, não tem, à primeira vista, aquela conexão
implícita com o mal ou com a ofensa que, existente nos casos mais
elementares do lícito e do ilícito, constitui a fonte da intensidade
característica do sentimento. 281

“Ao passo que à justiça geral compete fazer o bem enquanto é devido à
sociedade ou a Deus, e evitar o mal contrario” e a “mesma justiça que compete
estabelecer algo e mantê-lo assim estabelecido. Ora, a igualdade da justiça se estabelece
fazendo o bem, a saber, dando a outrem o que lhe é devido; e mantém-se essa igualdade
evitando o mal, isto é, não causando nenhum dano ao próximo” {ou a restituir o
próximo como abordaremos com respeito a Platão em a Republica}.

o justo princípio do mal pelo mal se perverta, mais tarde, em


aplicações de penas ilegítimas. A maior parte dessas máximas
comuns entrou para o uso da prática dos tribunais, que as
reelaboraram oportunamente para torná-las idôneas a cumprir sua
dupla função de infligir a punição devida e de garantir a todo
indivíduo o seu direito. (...)A primeira virtude judicial, a
imparcialidade, é uma obrigação da justiça. (...)aquelas máximas
de igualdade e de imparcialidade que, na opinião popular, bem
como naquela das pessoas mais cultas, estão compreendidas entre
os preceitos da justiça. 282

Pelo que já foi dito, é evidente que o termo justiça aplica-se a tais
exigências morais, que, consideradas em seu conjunto, ocupam

278
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 252-254.
279
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 255.
280
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 258.
281
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 261.
282
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 262.

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um lugar de primeiro plano na escala da utilidade social; embora
possam ocorrer casos particulares em que outro dever social se
mostra tão importante a ponto de subverter algumas normas gerais
de justiça, elas têm uma obrigatoriedade mais imperativa do que
qualquer outra. Portanto, para salvar uma vida, não apenas é
permitido, mas também é um dever roubar ou tomar à força
alimentos ou medicamentos, ou ainda seqüestrar e obrigar o único
médico competente a realizar uma operação. Em tais situações,
uma vez que não chamamos de justiça o que não é virtude,
dizemos em geral que não é a justiça que deve dar passagem a
algum outro princípio moral, mas, em razão desse outro princípio,
o que é justo em casos ordinários não é justo no caso particular.
Graças a esse útil ajuste de linguagem, o caráter de
imprescritibilidade atribuído à justiça é mantido, e, assim, ficamos
isentos da necessidade de sustentar que possa existir uma injustiça
louvável. 283

A justiça continua sendo o nome apropriado para alguns tipos de


utilidades sociais, que são amplamente mais importantes e, por
isso, mais absolutos e imperativos do que qualquer outra categoria
(embora não mais do que outros possam ser em casos
particulares); e que, portanto, deveriam ser, como na realidade o
são, preservados por um sentimento diferente não apenas no grau,
mas também no gênero; distintos do mais tênue sentimento
associado à simples idéia de promover o prazer ou a conveniência
dos homens, graças à natureza mais bem definida dos seus
imperativos e, ao mesmo tempo, do caráter mais severo das suas
sanções. 284

noção de eqüidade para toda concepção da justiça: "O princípio


geral latente nessas diversas aplicações do conceito de justiça é
que os indivíduos, em suas relações recíprocas, têm direito a certa
posição relativa de igualdade ou desigualdade. 285

Nesse âmbito, um dos pontos centrais consiste na visão da


sociedade justa como aquela em que "todos os sócios encontram
nas condições de existência da sociedade a mesma ou a
equivalente possibilidade exterior de orientar sua atividade para a
busca de qualquer um dos fins, cuja condição é a convivência e a
cooperação social"

O texto de Hayek, extraído da obra Lei, legislação e


liberdade ("A miragem da justiça social"),286

Para São Tomás “fazer o bem é ato completivo da justiça e como sua parte
principal. Apartar-se do mal é um ato menos perfeito e parte secundaria da mesma. É
como um parte material, sem a qual não pode existir a parte formal e completiva”.

Talvez o primeiro ponto que chama a atenção quando refletimos


sobre a nossa noção de justiça é a sua conexão com o direito. Não
há dúvida de que a conduta justa é, em grande parte, determinada
pelo direito e que, algumas vezes, ambos os termos parecem ser
usados alternativamente um ao outro. Assim, falamos de forma
indiferente de "tribunais" ou "cortes de justiça", e, quando
determinado cidadão pede justiça ou a satisfação de seus justos
direitos, comumente pretende pedir que o direito seja aplicado de
modo tal a produzir certos efeitos. Todavia, a reflexão também

283
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 265.
284
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 266.
285
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 294.
286
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 295.

Página 83 de 237
mostra que por "justiça" não entendemos meramente a
conformidade ao direito. De fato, em primeiro lugar, nem sempre
chamamos de injustos aqueles que violam o direito, mas apenas
aqueles que violam algumas leis: por exemplo, não chamamos de
injustos dois indivíduos em duelo, tampouco quem faz uso de
jogos de azar. Em segundo lugar, muitas vezes cremos que o
direito, tal como se dá, não realiza completamente a justiça, o que
faz com que nossa idéia de justiça forneça um critério, com base
no qual julgamos as leis vigentes e estabelecemos se elas são
justas ou não. Em terceiro lugar, há uma parte da conduta justa
que chega a ultrapassar o âmbito do direito como ele deve ser,
uma vez que, por exemplo, consideramos que um pai pode ser
justo ou injusto com seus filhos, mesmo em questões em que o
direito o deixa (e deve deixá-lo) livre para proceder como quiser.
Portanto, temos de distinguir a justiça daquela que foi chamada de
virtude ou de dever da ordem ou da observância da lei. Ao
examinar os pontos de divergência que acabamos de mencionar,
talvez possamos alcançar a verdadeira definição da justiça. 287

descrever como leis que definem e asseguram os interesses


atribuíveis aos indivíduos. Mas essa descrição não é completa,
pois, para o consenso geral, a justiça ocupa-se com a atribuição de
punições proporcionais a quem quer que viole a norma, e não se
diz que um homem tem interesse para que sua punição seja
adequada. Digamos, portanto, que as leis em que a justiça é ou
deve ser realizada são aquelas que distribuem ou atribuem aos
indivíduos os objetos desejados - liberdade e privilégios - ou ônus
e restrições, ou ainda verdadeiras dores enquanto tais. De todo
modo, estas últimas são atribuídas apenas por lei a pessoas que
violaram outras leis, e uma vez que todas as leis são impostas por
meio de sanções, fica claro por que a administração da lei
geralmente é vista como a administração da "justiça", entendida
segundo esta definição: não é porque o objetivo primário de todas
as leis é aquele de aproximar-se da justiça distributiva, mas é
porque o respeito à lei geralmente comporta uma devida atribuição
de dores, de perdas e de restrições às pessoas que a violam. Ou
então, de modo mais preciso, deveríamos dizer que essa
distribuição de caráter jurídico deve realizar a justiça, mesmo
porque vimos que pode não alcançar tal objetivo. 288

Talvez a característica mais óbvia e mais comumente reconhecida


das leis justas seja o fato de serem iguais para todos: e, pelo
menos em alguns setores da legislação, parece que a noção
comum de justiça é completamente expressa por aquela de
igualdade. Em geral, considera-se, por exemplo, que um sistema
de taxação seria perfeitamente justo se impusesse a todos ônus
exatamente iguais3. Ainda que essa noção de "ônus igual" seja, de
certo modo, difícil de definir com a precisão que a aplicação
prática requer, podemos dizer que, nesse caso, considera-se que a
justiça possa resolver-se num tipo de igualdade289

1) a idéia daquilo que é comum enquanto oposto àquilo que é


excepcional, e 2) a idéia daquilo que é originário ou primitivo
enquanto oposto ao que é o resultado de sucessivas convenções e
instituições. 290

para tornar justa uma sociedade, devem-se conceder certos direitos


naturais a todos os membros da comunidade, e o direito positivo
deve, no mínimo, incorporar e proteger esses direitos,
independentemente das outras regras que ele possa conter. Mas é
difícil individuar, no senso comum, o consenso sobre o rol exato

287
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 298.
288
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 299.
289
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 300.
290
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 308.

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desses direitos naturais, e menos claros ainda são aqueles
princípios dos quais é possível deduzi-los de modo sistemático. 291

Trata-se acerca da transgressão que “significa ir além do termo prefixado. Ora,


na vida moral são os preceitos negativos que fixam ao homens limites que não se deve
ultrapassar.” E a omissão que Tiago 4,17 na suma; “quem sabe fazer o bem e não o faz,
comete pecado.”

a liberdade, ou seja, a não-interferência, é, na verdade, tudo aquilo


que, em origem e independentemente de contratos, os seres
humanos se devem uns aos outros em sentido restrito, e que, de
todo modo, a proteção dessa liberdade (incluindo a imposição do
"livre contrato") é o único fim próprio do direito, isto é, daquelas
normas do comportamento recíproco, que são sustentadas por
sanções impostas pela autoridade do Estado. Segundo essa
posição, todos os direitos naturais podem ser resumidos no direito
à liberdade, de modo que a afirmação completa e universal desse
direito torna-se a realização completa da justiça: a igualdade à
qual se considera que tende a justiça deve ser entendida como
igualdade de liberdade. 292

a recompensa do mérito o que constitui o principal elemento da


justiça ideal, na medida em que tal recompensa comporta algo a
mais do que a mera "igualdade" e "imparcialidade". Examinemos
então, mais de perto, em que consiste o "mérito", e comecemos
com o "mérito positivo", ou o que se merece pelas coisas boas,
porque ele tem uma importância mais fundamental e duradoura. 293

O elemento principal da justiça, como geralmente é concebida, é


um tipo de igualdade: a imparcialidade (...) podemos chamar de
justiça conservadora, realiza-se 1) na observância da lei, dos
contratos e dos pactos avençados, bem como na imposição das
sanções pela violação dessas leis e desses pactos, do modo como
se estabeleceu e se previu juridicamente; e 2) na satisfação das
expectativas naturais e normais. 294

A conexão entre a justiça e a injustiça do ressarcimento por danos


e o princípio "Trata os casos iguais de modo igual e os casos
diferentes de modo diferente"295

Oitavo ponto; A Justiça296:

Por primeiro trata se “é conveniente a definição dada pelos jurisperitos: a justiça


é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito.” {tal qual Ulpiano}.

291
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 310.
292
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 311.
293
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 322.
294
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 335
295
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 361.
296 Suma Teológica VI p54-76.

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“Mas essa virtude de justiça resume-se em proferir a verdade e em
restituir o que se tomou de alguém” 297.

Sócrates— Mas a justiça não é virtude especificamente humana?

Polemarco — Sim. 298

Sócrates — Por conseguinte, se alguém declara que a justiça


significa restituir a cada um o que lhe é devido, e se por isso
entende que o homem justo deve prejudicar os inimigos e ajudar
os amigos, não é sábio quem expõe tais idéias. Pois a verdade é
bem outra: que não é lícito fazer o mal a ninguém e em nenhuma
ocasião.299

Trasfmaco — E cada governo faz as leis para seu próprio


proveito: a democracia, leis democráticas; a tirania, leis tirânicas,
e as outras a mesma coisa; estabelecidas estas leis, declaram justo,
para os governados, o seu próprio interesse, e castigam quem o
transgride como violador da lei, culpando-o de injustiça. Aqui
tens, homem excelente, o que afirmo: em todas as cidades o justo
é a mesma coisa, isto é, o que é vantajoso para o governo
constituído; ora, este é o mais forte, de onde se segue, para um
homem de bom raciocínio, que em todos os lugares o justo é a
mesma coisa: o interesse do mais forte.300

Para Aristóteles na suma que a justiça é “o hábitus que leva a praticar coisas
justas, a realizar e a querer o que é justo ”. E em A Idéia de Justiça de Platão a Rawls “a
partir da definição de justiça comumente dada nas escolas, pois dizem que a justiça é a
vontade constante de dar a cada um o que é seu”301. Em Aristóteles na suma “a justiça é
o hábitus que leva alguém a agir segundo a escolha que faz do que é justo”.

Esta injustiça é a tirania que, por fraude ou violência, se


apodera do bem alheio: sagrado, profano, particular, público, e
não por partes, mas na totalidade. Para cada um destes delitos, o
homem que se deixa apanhar é punido e coberto das piores
ignomínias — com efeito, essas pessoas que agem por partes são
consideradas sacrílegas, traficantes de escravos, arrombadores de
moradias, espoliadores, ladrões, conforme a injustiça cometida. 302

E quando concordamos que a justiça é virtude e


sabedoria e a injustiça vício e ignorância.303

a natureza da justiça, lancei-me numa discussão para


analisar se ela é vício e ignorância ou sabedoria e virtude; tendo
surgido em seguida outra hipótese, a de saber que a injustiça é
mais vantajosa do que a justiça, não pude evitar de ir de uma para
outra, de modo que o resultado da nossa conversa é que não sei
nada; porquanto, não sabendo o que é a justiça, ainda menos

297 A Republica de Platão pagina 7 Livro 1.

298 A Republica de Platão pagina 16 Livro 1.

299 A Republica de Platão pagina 17 Livro 1.

300 A Republica de Platão pagina 25 Livro 1.

301 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 112

302 A Republica de Platão pagina 33 Livro 1.

303 A Republica de Platão pagina 44 Livro 1.

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saberei se é virtude ou não e se aquele que a possui é feliz ou
infeliz. 304

Discorre São Tomás “o nome justiça implica igualdade; por isso, em seu
conceito mesmo, justiça comporta relação com o outrem”. E que “as ações, porém,
relativas a outrem carecem de uma retificação especial, não só em referência ao seu
autor, mas também àquele que elas atingem. Elas são assim objeto de uma virtude
especial, que é a justiça”.

ninguém é justo por vontade própria, mas por obrigação,


não sendo a justiça um bem individual, visto que aquele que se
julga capaz de cometer a injustiça comete-a. 305

Dado que reconheceste que a justiça pertence à classe


dos maiores bens, aqueles que devem ser procurados pelas suas
conseqüências e muito mais por eles mesmos, como a visão, a
audição, a razão, a saúde e todas as coisas que são verdadeiros
bens devido à sua natureza e não segundo a opinião, louva,
portanto, na justiça o que ela tem em si mesma de vantajoso para
aquele que a possui e condena na injustiça o que ela tem de
prejudicial; quanto às recompensas e à reputação, deixa que outros
as louvem. Eu, do meu lado, aceitaria que outro louvasse a justiça
e condenasse a injustiça desta maneira, elogiando e condenando a
reputação e as recompensas que acarretam, mas não aceitarei que
tu o faças, a não ser que me ordenes, visto que passaste toda a tua
vida a analisar esta única questão. 306

E que na justiça a dupla necessidade; “a necessidade de coação, que é contra a


vontade e elimina o mérito; e a necessidade proveniente de um preceito, ou a
necessidade que decorre do fim.” Anselmo na suma diz “a justiça é a retidão da
vontade, retidão observada por causa dela mesma.” E São Tomás somos “chamados
justos pelo fato de agirmos com retidão”. E que “sendo a vontade um apetite racional,
quando a retidão da razão, à qual chamamos verdade, se imprime na vontade, guarda o
nome de verdade, em virtude da sua afinidade com a razão”. E que “a vontade tente ao
seu objeto, depois que este foi apreendido pela razão. Por isso, dado que a razão
estabelece uma relação com outrem, a vontade pode querer algo em relação a outrem, o
que é da alçada da justiça”.

Sócrates — O primeiro deles, que é também o mais


importante de todos, consiste na alimentação, de que depende a
conservação do nosso ser e da nossa vida.

Sócrates — O segundo consiste na moradia; o terceiro,


no vestuário e em tudo o que lhe diz respeito. 307

304 A Republica de Platão pagina 52 Livro 1.

305 A Republica de Platão pagina 57 Livro 2.

306 A Republica de Platão pagina 67 Livro 2.

307 A Republica de Platão pagina 70 Livro 2.

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Sócrates — Então, cada um deverá desempenhar a sua
função para toda a comunidade 308

Sócrates — De onde se deduz que se produzem todas as


coisas em maior número, melhor e mais facilmente, quando cada
um, segundo as suas aptidões e no tempo adequado, se entrega a
um único trabalho, sendo dispensado de todos os outros 309
Sócrates — E onde encontraremos a justiça e a injustiça? De qual
dos elementos que mencionamos julgas que elas se originam?
Adimanto — Eu não o sei, Sócrates, salvo se for das relações
mútuas dos cidadãos. 310

E que “o bem de cada virtude, quer ordene o homem para consigo mesmo, quer
o ordene a outras pessoas, comporta uma referência ao bem comum, ao qual orienta a
justiça. Dessa maneira, os atos de todas as virtudes podem pertencer à justiça, enquanto
está orienta o homem ao bem comum. Nesse sentido, a justiça é uma virtude geral. E
como compete à lei ordenar o homem ao bem comum.” São Tomás diz “as coisas que
nos concernem individualmente podem ser ordenadas a outrem, sobretudo em razão do
bem comum”. E que “a justiça legal é por essência uma virtude especial, pois tem por
objeto próprio o bem comum.”

Sócrates — Pode a injustiça ser outra coisa que não uma


sublevação dos três elementos da alma, uma confusão, uma
usurpação das suas respectivas tarefas, a revolta de uma parte
contra o todo para conquistar uma autoridade à qual não tem
direito, visto que a sua natureza a destina a obedecer àquela que
foi gerada para governar? E daí, afirmamos nós, é dessa
perturbação e dessa desordem que se origina a injustiça, a
intemperança, a covardia, a ignorância, enfim, todos os vícios. 311

Ademais “tudo o que pode ser retificado pela razão constitui a matéria de uma
virtude moral, que se define pela reta razão(...). A razão pode assim retificar tanto as
paixões interiores da alma, quanto as ações exteriores e mesmo as coisas externas que
servem ao uso do homem. Todavia, mediante as ações das coisas exteriores, pelas quais
os homens podem comunicar entre si, o que visa é a boa ordem as relações mútuas, ao
passo que nas paixões interiores, considera-se a retidão do homem em si mesmo. E uma
vez que a justiça tem por objeto as relações com outrem, ela não abarca toda a matéria
da virtude moral, mas somente as ações e coisas exteriores, sob o ângulo especial de um
objeto, a saber, enquanto por elas um homem é colocado em relação com outro”.

Sócrates — Além disso, nenhuma ação violenta será


intentada entre eles, pois nós lhes diremos que é nobre e justo que

308 A Republica de Platão pagina 71 Livro 2.

309 A Republica de Platão pagina 72 Livro 2.

310 A Republica de Platão pagina 75 Livro 2.

311 A Republica de Platão pagina 191 Livro 4.

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iguais se defendam mutuamente e os convenceremos a velar pela
sua segurança pessoal. 312

Sócrates — De acordo com Homero, também é justo honrar


jovens que se destacam por favores desta natureza. 313

Coloca São Tomás “todas as virtudes morais estão em relação com o prazer e a
tristeza, enquanto fins que dela decorrem”. E Aristóteles na suma “alegria e tristeza são
o fim principal, em vista de qual declaramos uma coisa boa ou má”. E continua “a lei
manda praticar as ações que convêm ao homem forte, moderado e manso”.

Sócrates — São estes os prêmios, as recompensas e os presentes


que o justo recebe dos deuses e dos homens durante a vida, para
além dos bens que lhe proporciona a própria justiça. 314

Os que, em vez disso, tenham praticado o bem à sua volta, tinham


sido justos e piedosos, recebiam, na mesma proporção, a
recompensa merecida315

E diz “o meio-termo depende apenas da razão em referência a nós. Ao contrario,


a matéria da justiça é ação exterior, que por ela mesma ou pela realidade que utiliza.
Tem proporção devida com outra pessoa. Por isso, o meio-termo da justiça consiste em
certa igualdade de proporção da realidade exterior com a pessoa exterior. Ora, a
igualdade é realmente o meio-termo entre o mais e o menos(...). logo, a justiça comporta
um meio-termo real”.

Ambrósio declara na suma “a justiça dá a cada um que é seu, não reivindica o


que é alheio, negligencia sua própria utilidade, para salvaguardar a equidade comum.” E
São Tomás “a matéria da justiça é a ação exterior, enquanto ela mesma, ou o objeto que
por ela utilizamos, estão proporcionados a uma outra pessoa, com quem a justiça nos
coloca em relação. Ora, a cada pessoa diz-se pertencer como seu, aquilo que lhe é
devido por uma igualdade proporcional.” {ou seja, é conveniente a definição no começo
proposta}.

Nas causas cíveis, tal conflito entre a justiça e o bem comum é


resolvido em favor do segundo, quando a lei não estabelece
nenhum remédio para um dano moral, pois garantir o
ressarcimento nesses casos poderia implicar sérias dificuldades de
prova, ou uma sobrecarga de trabalho para os tribunais, ou um
desencorajamento indevido das iniciativas particulares.(...) o
direito, em nome do bem-estar geral da sociedade, pode impor o
ressarcimento por parte de quem prejudicou outra pessoa, ainda
que moralmente, como questão de justiça, poderia ser considerado
como não devido. (...)Quando se cumpre essa defesa, há nela um
apelo implícito ao bem-estar geral da sociedade, que, embora seja

312 A Republica de Platão pagina 222 Livro 5.

313 A Republica de Platão pagina 229 Livro 5.

314 A Republica de Platão pagina 456 Livro 10.

315 A Republica de Platão pagina 458 Livro 10.

Página 89 de 237
moralmente aceitável e às vezes seja até chamado de "justiça
social", difere das formas primárias de justiça, que concernem
simplesmente à restauração, na medida do possível, do status quo
entre dois indivíduos. Deve-se notar um importante ponto de
articulação entre as idéias de justiça e as idéias de bem ou bem-
estar social. 316

O conceito de "justiça social"


Enquanto [...] tive de defender o conceito de justiça, entendido
como fundamento e limitação indispensável de qualquer lei, quero
[...] criticar o abuso desse termo, que ameaça destruir o conceito
de lei como baluarte da liberdade individual. Talvez não seja de
admirar que os homens tenham aplicado aos efeitos conjuntos das
ações de muitas pessoas, mesmo quando esses nunca eram
previstos ou desejados, o conceito de justiça que eles tinham em
relação ao comportamento dos indivíduos para com seus
semelhantes. A justiça "social" (ou, às vezes, justiça "econômica")
foi vista como atributo que deviam possuir as "ações" da
sociedade, ou o "tratamento" dado por ela aos indivíduos ou
grupos. 317

a exigência de "justiça social" já transformou, de maneira


considerável, a ordem social e continua a fazê-lo numa direção
que nem mesmo aqueles que a apresentaram poderiam imaginar.
318

A justiça requer que, no "tratamento" de uma ou mais pessoas, por


exemplo, por ações intencionais que possam prejudicar o bem-
estar alheio, sejam observadas certas regras de conduta, iguais
para todos319

Ao final trata sobre se a justiça tem preeminência sobre todas as virtudes morais,
e isso por duas razões “a primeira, do lado do sujeito: a justiça, com efeito, tem sua sede
na parte mais nobre da alma, a saber no apetite racional, a vontade. A segunda razão
vem da parte do objeto. Pois, as outras virtudes morais, além da justiça, são exaltadas
somente pelo bem que realizam no homem virtuoso, ao passo que a justiça é enaltecida
pela bem que o homem virtuoso realiza em suas relações com outrem.” Ou seja, a
justiça tem preeminência sobre as outras virtudes.

316
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 363.
317
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 367.
318
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 371.
319
MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 380.

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Nono ponto; As partes da justiça320:

Diz São Tomás “a justiça particular se ordena a uma pessoa privada, que está
para a comunidade como a parte para o todo. Ora, uma parte comporta dupla relação.

320 Suma Teológica VI p95-105.

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Uma, de parte a parte, à qual corresponde a relação de uma pessoa privada a outra. Tal
relação é dirigida pela justiça comutativa, que visa o intercâmbio mútuo entre duas
pessoas. A outra relação é do todo às partes; a ela se assemelha a relação entre o que é
comum a cada uma das pessoas. Essa segunda relação se refere a justiça distributiva,
que reparte o que é comum de maneira proporcional.”

A justiça das ações é dividida pelos escritores em comutativa e


distributiva; conforme dizem, a primeira consiste numa proporção
aritmética, e a segunda, numa proporção geométrica. Por isso,
colocam a comutativa na igualdade do valor das coisas a serem
trocadas por contrato, e a distributiva, na distribuição de um
benefício igual a homens de igual mérito, como se fosse uma
injustiça vender a um preço mais caro do que aquele pago para
comprar ou dar a um homem mais do que ele merece. A medida
do valor das coisas trocadas por contrato é determinada pelo
desejo dos contratantes de possuí-las e, portanto, o justo valor é
aquele pelo qual eles se contentam em dar. Por outro lado, a
recompensa do mérito (à parte aquele que subsiste em virtude de
um pacto, o que faz com que o cumprimento de uma parte mereça
o cumprimento da outra, e recai sob a justiça comutativa, e não
sob a distributiva) representa não algo devido por justiça, mas
dispensado pela graça. Portanto, essa distinção, no sentido em que
costuma ser exposta, não é correta. Na verdade, a justiça
comutativa é a justiça dos contratantes; vale dizer, o cumprimento
do pacto na compra e venda, no aluguel e no empréstimo para
quem dá e recebe, na troca, na permuta e em todos os outros atos
contratuais. A justiça distributiva é a justiça do árbitro; vale dizer,
o ato de definir o que é justo. Se, no cumprimento desse ato (que
lhe foi confiado por aqueles que o escolheram), o árbitro
confirmar o encargo, deverá distribuir a cada um o que lhe é
devido. De fato, essa é uma distribuição justa e pode ser chamada
(embora impropriamente) de justiça distributiva, mas, de modo
mais correto, de eqüidade; essa também é uma lei natural.321

Diz Aristóteles “Na justiça distributiva, o meio-termo se considera conforme


uma ‘proporção geométrica’; na justiça comutativa, a ‘proporção é aritmética’”. E São
Tomás “justiça distributiva, se dá a alguém tanto mais dos bens comuns, quanto for sua
preeminência na comunidade. Em uma comunidade aristocrática, essa preeminência se
considera tento em conta a virtude; na oligarquia, se olha a riqueza; na democrática, se
mira a liberdade”. E que “encaramos como matéria das duas justiças, os próprios atos
principais pelos quais nos servimos das pessoas, das coisas e das obras, então, em uma e
outra se encontra matéria diversa. Pois, a justiça distributiva regula a distribuição, e a
comutativa, os intercâmbios entre duas pessoas”.

321 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 118

Página 93 de 237
Décimo Ponto; A Restituição322:

Diz São Tomás “restituir não é mais do que restabelecer alguém na posse ou no
domínio do que é seu. E assim, na restituição visa-se uma igualdade da justiça,
compensando uma coisa com outra, o que pertence à justiça comutativa”. E que
“portanto, a restituição é um ato da justiça comutativa, quer o bem do outro tenha sido
obtido, por sua vontade livre, como no caso do mútuo ou do deposito, que contra a sua
vontade, como na rapina e no furto.”

Commercium é a capacidade de comprar ou vender. 323

A in iure cessio é modo de alienação comum às coisas


mancipi e nec mancipi, e se realiza em três pessoas: quem
cede in iure, quem reivindica e quem faz a atribuição324

Quem cede in iure é o dono; quem reivindica é o


cessionário; quem faz a atribuição é o pretor325

Podem ceder-se in iure também as coisas incorpóreas,


como o usufruto, a herança e a tutela legítima da liberta 326

Diz São Tomás “a restituição exige, pois, a entrega da coisa mesma que foi
injustamente tirada” e que “como observar a justiça é de necessidade para a salvação,
por conseguinte é de necessidade para a salvação restituir o que foi injustamente tirado”.
E “há duas coisas a considerar, quando alguém se apodera injustamente do bem alheio.
A primeira é a desigualdade nas próprias coisas possuídas(...). Outra e a falta contra a
justiça(...). a reparação no primeiro caso se encontra na restituição, que restabelece a
igualdade; para isso, basta que se restitua apenas o quanto se reteve do alheio”.

Não sendo atrox, i.e., grave, a injúria é avaliada a arbítrio


do juiz. A grave costuma ser avaliada pelo pretor; ele se
baseia em fatos; por exemplo, se alguém foi chicoteado ou
ferido327

Discorre São Tomás “duas coisas se hão de considerar naquele que recebeu o
bem de outrem: o que recebeu e a maneira de receber. Em razão do bem recebido, tem-
se a obrigação de restitui-lo, enquanto se estiver em posse dele. Com efeito, quem
possui mais do que é seu, deve-lhe ser tirado e dado a quem está privado dele”

322 Suma Teológica VI p106-120.

323
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 72 .
324
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 73 .
325
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 73.
326
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 74 .
327
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 123 .

Página 94 de 237
Há dois tipos de ações: a ação in rem, chamada
reivindicação, e a in personam, denominada condictio. 328

A ação é in rem, quando reclamamos coisa nossa possuída


por outrem; é sempre contra o possuidor da coisa329

A ação é in personam, quando acionamos quem se


obrigou, para conosco, a fazer ou a dar algo; é sempre
contra este. 330

Algumas ações derivam de contrato, outras de fato, outras


são in factum. 331

Trata também São Tomás “a recepção, porém, de uma coisa alheia pode revestir
uma tríplice modalidade: 1º por vezes, ela é injusta porque contraria a vontade do
proprietário, como no caso da furto e do roubo. Então, quem a praticou está obrigado à
restituição, quer em razão do bem de outrem em si mesmo, quer, em razão da ação
injuriosa, ainda que não continue a deter o bem alheio. Se alguém feriu outrem está
obrigado a dar uma reparação ao injuriado, mas que nada permaneça com ele. Assim
também quem furta ou rouba está obrigado a compensar o dano causado, embora nada
tenha guardado para si; e, além disso, deve ser punido pela injustiça cometida. 2º
alguém recebe o bem alheio para sua própria utilidade, sem injustiça, pois conta com o
consentimento do proprietário, como na caso de empréstimos. E então estará obrigado à
restituição, não apenas em razão do bem recebido, mas pelo fato de tê-lo recebido,
mesmo que já tenha perdido. Deve recompensar a quem lhe fez favor, o que não se dará,
se este sair prejudicado. 3º recebe-se o bem alheio, sem injustiça, mas também sem
utilidade própria, como no caso dos depósitos. Do fato de ter recebido esse bem, o
depositário não contrai qualquer obrigação, pois está prestando serviço ao guardá-lo. A
obrigação decorre do próprio bem a ele confiado.(...) o principal objetivo da restituição
é reparar o dano causado a quem foi lesado em seus bens”.

A ação deriva de um fato, quando a


responsabilidade resulta de um ato praticado,
como no caso de se perpetrar um furto, de se
fazer uma injúria, de se ocasionar um dano. 332

Chama-se in factum a ação de que é exemplo a


que se dá ao patrono contra o liberto, que o
chamou a juízo, infringindo o edito do pretor. 333

Todas as ações ou são civis ou honorárias. 334

328
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 123 .
329
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124.
330
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124 .
331
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124 .
332
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 124 .
333
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 125 .
334
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 125.

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Segunda Seção

Da Lei

Primeiro ponto; A Essência da Lei335:

Diz São Tomás “a lei é certa regra e medida dos atos, segundo a qual alguém é
levado a agir, ou apartar-se da ação.(...) cabe, com efeito, à razão ordenar ao fim.” E
Isidoro na suma “que a lei é ‘escrita não para vantagem particular, mas para a comum
utilidade das cidadãos’”.

A lei é rogada, quando proposta; ab-rogada, quando abole


a lei anterior; derrogada, quando suprime uma parte da lei
anterior; sub-rogada, quando acrescenta algo à primeira
lei; ob-rogada, quando altera algo da primeira lei. 336

E “donde é necessário que a isso a lei pertença principal e maximamente. - O


primeiro princípio no operar do qual trata a razão prática, é fim ultimo. Mas o último
fim da vida humana é a felicidade ou bem-aventurança(...). Portanto, é necessário que a
lei vise maximamente à ordem que é para bem-aventurança. - Por outro lado, como toda
parte se ordena ao todo como o imperfeito ao perfeito e cada homem é parte da
comunidade perfeita, e necessário que a lei propriamente vise à ordem para a felicidade
comum.” Aristóteles na suma “dizemos justas as disposições legais que fazem e
conservam a felicidade e as partes dessa, na comunicação politica.”

O direito igual de cada um à felicidade implica, tanto


para o moralista quanto para o legislador, uma igual reivindicação
de todos os instrumentos para a felicidade, mas apenas até onde as
inevitáveis condições da vida humana, o interesse geral e aquele
individual não impõem limitações, que, de todo modo, deveriam
ser rigorosamente interpretadas337

na justiça, ou seja, na observância das condições pelas


quais só é possível que a prática da virtude e a busca da felicidade
se identifiquem na mesma conduta. 338

A felicidade tem dois aspectos: um deles é o sucesso na execução


de um plano racional (o programa de atividades e objetivos) que
uma pessoa se esforça para atingir; o outro é o seu estado mental,
sua sólida confiança, apoiada em bons motivos, de que seu
sucesso irá perdurar. 339

335 Suma Teológica IV p521-528.

336
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 24 .
337 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 263-264

338 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 338

339 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 610

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E que em São Tomás “portanto, é necessária que, dado que a lei se nomeia
maximamente segundo a ordenação ao bem comum, qualquer outro preceito sobre uma
obra particular não tenha razão da lei a não ser segundo a ordenação ao bem comum”,
{ou seja, a utilidade comum e felicidade comum, sendo esses as duas coisas juntas para
ser bem comum.}

I. O princípio de utilidade reconhece essa sujeição e a assume


como fundamento desse sistema, cujo objetivo é erigir o edifício
da felicidade com os instrumentos da razão e da lei. Os sistemas
que tentam colocá-la em dúvida usam sons em vez de
significados, capricho em vez de razão, obscuridade em vez de
luz. Mas basta de metáfora e de eloqüência: não é com esses
meios que se pode fazer progredir a ciência moral.

II. O princípio de utilidade constitui o fundamento do presente


trabalho: será oportuno, portanto, iniciar oferecendo um relato
explícito e determinado do que se entende por ele. Por princípio
de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova
toda e qualquer ação segundo a tendência que ela mostra ter de
aumentar ou diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em
questão; ou, com outras palavras, de promover ou impedir essa
felicidade. Digo toda e qualquer ação e, portanto, não apenas toda
ação de um indivíduo em particular, mas toda medida de governo.

III. Por utilidade entende-se, em qualquer objeto, aquela


propriedade para a qual ele tende a produzir benefício, vantagem,
prazer, bem ou felicidade (tudo isso, no presente caso, eqüivale à
mesma coisa) ou a prevenir (o que novamente resume-se à mesma
coisa) a ocorrência de uma injustiça, de uma dor, de um mal ou de
uma infelicidade para a parte cujo interesse é considerado: se a
parte é a comunidade em geral, então, a felicidade da comunidade;
se é um único indivíduo, então, a felicidade desse indivíduo.

IV. O interesse da comunidade é uma das expressões mais gerais


que podem surgir na fraseologia da moral: não é de admirar que,
muitas vezes, seu significado se perca. Quando tem um
significado, é esse. A comunidade é um corpo fictício, composto
pelas pessoas individuais, que são consideradas, por assim dizer,
seus membros. O que é, então, o interesse da comunidade? A
soma dos interesses dos diversos membros que a compõem.

V. É inútil falar dos interesses da comunidade sem compreender


qual é o interesse do indivíduo3. Diz-se que uma coisa promove o
interesse ou está no interesse de um indivíduo quando tende a
aumentar a soma total de seus prazeres; ou, o que é a mesma
coisa, a diminuir a soma total de suas dores.

VI. Sendo assim, pode-se dizer que uma ação é conforme ao


princípio de utilidade ou, para ser breve, à utilidade (em relação à
comunidade no seu conjunto) quando sua tendência a aumentar a
felicidade da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a
diminuí-la.

VII. Uma medida de governo (que não passa de um determinado


tipo de ação praticada por uma ou mais pessoas particulares) pode
ser considerada conforme ao princípio de utilidade ou ditada por
ele quando, analogamente, a tendência que ela tem a aumentar a
felicidade da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a
diminuí-la.

VIII. Quando um homem supõe que uma ação ou, em particular,


uma medida de governo é conforme ao princípio de utilidade,

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pode ser conveniente, para os objetivos do discurso, imaginar um
tipo de lei ou ditame, chamado de lei ou ditame da utilidade: e
falar da ação em questão como conforme a tal lei ou ditame.

IX. Pode-se dizer que um homem é um defensor do princípio de


utilidade quando a aprovação ou a desaprovação que ele atribui a
qualquer ação ou a qualquer medida é determinada pela tendência,
e proporcional a ela, que ele considera que ela tem a aumentar ou
diminuir a felicidade da comunidade: ou, em outras palavras, à sua
conformidade ou não com as leis ou com os ditames da utilidade.

X. De uma ação conforme ao princípio de utilidade pode-se


sempre dizer ou que é uma ação que deveria ser praticada, ou, pelo
menos, que não é uma ação que não deveria ser praticada. Pode-se
dizer também que é justo praticá-la ou, pelo menos, que não é
injusto praticá-la; que é uma ação justa ou, pelo menos, que não é
uma ação injusta. Interpretadas desse modo, as palavras deveria,
justo e injusto, além de outras de tal natureza, têm um significado;
do contrário, não têm nenhum.

XI. Chegou-se a contestar formalmente a retidão desse princípio?


Aparentemente sim, por parte daqueles que não sabiam o que
queriam dizer. Será que esse princípio é suscetível de uma prova
direta? Aparentemente não, pois o que é usado para provar todo o
resto não pode, por sua vez, ser provado: uma corrente de provas
deve ter seu início em algum lugar. Dar tal prova é tão impossível
quanto desnecessário.

XII. Não que exista, ou que não tenha existido algum dia, uma
criatura humana viva que, por mais estúpida ou perversa que
fosse, não tivesse confiado nesse princípio em muitas e talvez até
na maior parte das ocasiões de sua vida. Por causa da constituição
natural do organismo humano, na maior parte das ocasiões das
suas vidas, os homens em geral adotam esse princípio sem refletir
a respeito dele: se não for para regular as próprias ações, é pelo
menos para analisá-las, bem como aquelas alheias. Talvez não
tenha havido muitos contemporaneamente, mesmo entre os mais
inteligentes, que se dispusessem a adotá-lo de modo exclusivo e
sem reservas. Existem também alguns que não perderam a ocasião
para polemizar contra ele, ou porque nem sempre entenderam
como aplicá-lo, ou por causa deste ou daquele preconceito que
temiam examinar até o fim, ou do qual não conseguiam separar-
se. Pois esta é a matéria de que é feito o homem: em linha de
princípio e em linha prática, num caminho correto ou em outro
errado, a mais rara de todas as qualidades humanas é a coerência.

XIII. Quando um homem tenta combater o princípio de utilidade o


faz sem perceber, com razões extraídas desse mesmo princípio4.
Seus argumentos, se provam algo, não provam que o princípio é
errôneo, mas que, com base nas aplicações que ele supõe que se
façam dele, é mal aplicado. É possível para um homem mover a
terra? Sim, mas antes ele deve encontrar outra terra na qual se
apoiar.

XIV. É impossível confutar a sua adequação mediante


argumentações, mas, segundo as causas que foram mencionadas
ou com base numa visão confusa ou parcial desse princípio, pode
acontecer de um homem não estar disposto a apreciá-lo. Nesse
caso, se ele pensa que vale a pena esclarecer suas opiniões sobre
tal argumento, deve dar os seguintes passos e, ao longo do
caminho, talvez possa conseguir reconciliar-se com ele. 1. Deve
estabelecer intimamente se deseja rejeitar completamente esse
princípio; em caso afirmativo, deve considerar em que podem
resultar todas as suas reflexões (sobretudo em matéria de política).
2. Caso o faça, deve estabelecer intimamente se julgaria ou agiria
sem nenhum princípio ou se há algum outro com base no qual
julgaria e agiria. 3. Se houver algum, deve examinar e verificar se
o princípio que pensa ter encontrado é realmente um princípio
inteligível e distinto; ou se não é um princípio meramente verbal,

Página 98 de 237
um tipo de frase, que, no fundo, não exprime nem mais, nem
menos do que a mera asserção dos próprios sentimentos
desprovidos de fundamento: ou seja, aquele que, em outra pessoa,
ele poderia tender a chamar de capricho. 4. Se estiver inclinado a
acreditar que a própria aprovação ou desaprovação, incorporada à
idéia de um ato, sem levar em conta suas conseqüências, é para ele
um fundamento suficiente, com base no qual deve julgar e agir,
deve perguntar-se se o seu sentimento constitui um critério do
justo e do injusto em relação a todos os outros homens ou se o
sentimento destes tem o mesmo privilégio de constituir um critério
por si mesmo. 5. No primeiro caso, deve perguntar-se se o seu
princípio não é despótico e hostil ao restante da raça humana. 6.
No segundo caso, deve perguntar-se se não é anárquico e,
prosseguindo dessa maneira, se não haverá outros tantos critérios
diferentes do justo e do injusto quantos são os homens; e se para o
mesmo homem uma mesma coisa, que hoje é justa, não pode (sem
a menor mudança na sua natureza) ser injusta amanhã; e se a
mesma coisa não será justa e injusta no mesmo lugar e na mesma
época; e se em ambos os casos não será o fim de toda
argumentação; e se quando dois homens disserem "gosto disso" e
"não gosto", poderão (com base em tal princípio) ter algo mais a
dizer. 7. Se ele tivesse de dizer a si mesmo: não, uma vez que esse
sentimento que ele propõe como critério deve fundar-se na
reflexão, precisa dizer em que detalhes se deve basear tal reflexão;
se em detalhes relativos à utilidade do ato, então que diga se isso
não significa desertar o próprio princípio e pedir auxílio àquele
mesmo princípio, em oposição ao qual ele tinha alçado o próprio.
Ou, se não se basear nesses detalhes, em que outros irá basear-se?
8. Se tendesse a combinar as coisas e adotar em parte o próprio
princípio e, em parte, o princípio de utilidade, deve dizer até que
ponto o adotará. 9. Quando tiver estabelecido onde deve parar,
então que seja indagado como justifica a si mesmo o fato de
adotá-lo até aquele ponto e por que não o adota mais além. 10.
Admitindo-se que qualquer outro princípio além daquele de
utilidade seja um princípio justo, um princípio que é justo para um
homem segui-lo; admitindo-se (o que não é verdade) que a palavra
justo possa ter um significado sem referência à utilidade, deverá
dizer se existe algo como um motivo que um homem pode ter para
seguir seus ditames: se houver, que diga qual é esse motivo e
como se pode distingui-lo daqueles que tomam cogentes os
ditames da utilidade; se não houver, então que diga, finalmente,
para que pode servir esse outro princípio. 340

Diz São Tomás “as ações são certamente da ordem do particular, mas aqueles
particulares podem referir-se ao bem comum, não certamente pela comunidade do
gênero ou da espécie, mas pela comunidade da causa final, enquanto o bem comum se
diz fim comum.” E que “a ordem ao bem comum, que pertence à lei, é aplicável aos fins
particulares”.

Diz Isidoro e está nas decretais na suma “a lei é a constituição do povo, segundo
a qual os que são maiores por nascimento, juntamente com as plebes, sancionaram algo”
e “assim constituir a lei ou pertence a toda multidão, ou a pessoa pública que tem o
cuidado de toda multidão” e que “e assim, como o bem de um só homem não é o fim

340 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justic ̧a de Platão a Rawls pagina 231-238

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último, mas ordena-se ao bem comum, assim também o bem de uma só casa ordena-se
ao bem de uma cidade, que é a comunidade perfeita.” Dizem as Decretais na suma “as
leis se instituem quando são promulgadas”.

Segundo ponto; Os efeitos da Lei341:

Diz Aristóteles na suma “a vontade de qualquer legislador é fazer bons os


cidadãos” e para São Tomás “é manifesto que isso seja próprio da lei, induzir os súditos
à própria virtude dos mesmos. Como a virtude é ‘aquela que torna bom quem a possui’,
segue-se que o efeito próprio da lei é tornar bons aqueles aos quais é dada,
absolutamente ou relativamente. Se a intenção do legislador tende ao verdadeiro bem,
que é o bem comum”. E “porque a lei é dada para dirigir os atos humanos, enquanto os
atos humanos são realizados para a virtude”. Diz Aristóteles na suma “os legisladores
tornam bons aqueles em que geram o costume”. E que para São Tomás “que bondade
de qualquer parte é considerada em proporção a seu todo”. Discorre São Tomás “deve-
se dizer que a lei tirânica, uma vez que não e segundo a razão, não é simplesmente lei,
mas antes certa perversidade da lei”.

“Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade


de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a
liberdade de escolha de cada um poder coexistir com a liberdade
de todos de acordo com uma lei universal.” 342

Trata São Tomás “os preceitos da lei dizem respeito aos atos humanos, os quais
a lei dirige(...). São, contudo três as diferenças das atos humanos.(...) alguns atos são
bons pelo gênero, que são os atos das virtudes e a respeito desses, é posto o ato da lei de
preceituar ou ordenar; ‘ordena’, pois, ‘a lei todos os atos das virtudes’(...) alguns,
porém, são atos maus pelo gênero (quando se interfere em outra vontade), como os atos
viciosos, e a respeito deles cabe à lei o proibir. Alguns, contudo, pelo gênero, são atos
indiferentes e a respeito deles, cabe a lei o permitir. E podem ser ditos indiferentes todos
aqueles atos que são ou pouco bons ou pouco maus. - aquilo pelo qual a lei induz a que
se lhe obedeça, é o temor da pena, e quanto a isso, é posto o punir como efeito da lei”.

341 Suma Teológica IV p541-546.

342 KANT. Immanuel. A Metafísica dos Costumes.pagina 76-77

Página 100 de 237


Terceiro ponto; A Lei Eterna343:

Diz Agostinho na suma “a lei eterna é a suma razão, à qual se deve sempre
sujeitar”. E diz São Tomás “portanto, assim como a razão da divina sabedoria, enquanto
por ela foram todas as coisas criadas, tem razão de arte ou exemplar ou ideia, assim
também a razão da divina sabedoria ao mover todas as coisas para o devido fim, obtém
a razão de lei. E segundo isso, a lei eterna nada é senão a razão da divina sabedoria,
segundo é diretiva de todos os atos e movimentos”. E diz Agostinho na suma “a lei
eterna é aquela pela qual os homens não podem julgar” e que “a lei eterna é aquela pela
qual é justo que todas as coisas sejam ordenadíssimas”.

A norma jurídico, como resultado da realidade social, é


instrumenta institucionalizado de maior importância para o
controle social. O fenômeno jurídico não pode, assim ser
desgarrado do uma perspectiva histórica. “O que hoje
vigora, abrolhou de germes existentes do passado; o
Direito não se inventa” (...) de um dos principais (se não o
principal) elementos constitutivos do contrato: a
autonomia da vontade. 344

O direito é exigência de justiça. Assim, justiça é o norte do


aplicador do direito. Também para Del Vecchio a justiça é
a pedra angular de todo edifício jurídico. (...) Em primeiro
lugar, a justiça é uma virtude social, quer dizer, um
indivíduo isolado não poderá ser justo ou injusto. Tanto
assim que, para Renard, justiça é a lei primordial das
relações pessoa a pessoa. Dessa forma, não se concebe
haja ou não justiça sem a presença do elemento “outrem”.
O segundo elemento que integra o conceito de justiça é o
caráter de obrigatoriedade ou exigibilidade – debitum –
que lhe é particular. Em verdade, existem dois tipos de
debitum: um dever moral (como o dever de gratidão) que
não pode ser imposto a lei e outro que pode ser exigido e
legalmente imposto, o debitum legale. Na justiça, o que é
devido pode ser exigido. Na justiça, o débito é “rigoroso,
estrito, legal”. “em lugar de estabelecer o dever e deixa à
consciência do devedor seu comprimento efetivo, a justiça
quer ser respeitada”. Por fim, a terceira nota que integra o
conceito de justiça é o elemento igualdade, talvez o mais
belo de todos. “a essência da justiça é a igualdade”,
observa São Tomás de Aquino. Não se faz referência,
aqui, à igualdade simplesmente material (dou-te 100 e me
darás 100), mas sim a uma igualdade moral, ou melhor,
igualdade de direitos. É esse, em linhas gerais, o conceito
geral de justiça que a melhor doutrina abraça. (...) Essa
injustiça ocorre, como sabemos por experiência, devido à
abissal desigualdade de situações nas quais se encontram
as partes que acordam um contrato (grande poder
econômico de um lado, exempli gratia). Acresce, ainda,

343 Suma Teológica IV p546-559.

PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista


344
Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 265.

Página 101 de 237


que ampla liberdade de contratar, calcada no princípio da
autonomia da vontade, deu também ensejo a distorções da
função contratual. 345

Preleciona Caio Mário da Silva Pereira, o contrato é “um


acordo de vontades, na conformidade da lei, e com
finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
limitar ou modificar direitos” 346

Palavras de Vicente Ráo, “a vontade manifesta, ou


declarada, possui, no universo jurídico poderosa força
criadora: é a vontade que, através de fatos disciplinados
pela norma, determina a atividade jurídica das pessoas ...”
347

Diz São Tomás “a lei implica certa razão diretiva das atos para o fim”. E que
“portanto como a lei eterna é a razão de governo no governante supremo, é necessário
que todas as razões de governo que estão nos governantes inferiores derivem da lei
eterna.(...) donde todas as leis, enquanto participam da razão reta, nessa medida derivam
da lei eterna”. Diz Agostinho “na lei temporal nada é justo e legítimo que os homens
não tenham derivado para si da lei eterna”.

Visto, engendram-se obrigações tão-somente por causa da


vontade, do querer humano. Ressalve-se que não é
qualquer vontade que possui aptidão para gerar
obrigações, mas tão-somente a vontade livre, sem vício
que maculem de forma insanável. Cristaliza-se, com isso,
o princípio da autonomia da vontade, que é faculdade de
que dispõem as pessoas de concluir livremente contratos.
“A ideia de autonomia de vontade, estreitamente ligada à
ideia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo
e sem influência externas imperativas” manifesta-se, na
esteira de Cláudia Lima Marques, sob quatro perspectivas
diferente, saber: i) liberdade de contratar ou de se abster de
contratar, ii) liberdade de escolher seu parceiro contratual;
iii) liberdade de fixar o conteúdo e os limites das
obrigações que quer assumir; e iv) liberdade de poder
exprimir sua vontade na forma que desejar, contando
sempre com a proteção do direito. 348

A vontade, para a teoria clássica do contrato, representava


tudo: dela dependiam o início e a fim do contrato. Sem a
vontade, manifestada livremente, o contrato não tenha
razão de ser. Expressiva as palavras de Cláudia Lima
Marques a esse respeito: “É a época do liberalismo na
economia e do chamado voluntarismo no direito. A função
das leis referentes a contratos era, portanto, somente a de
proteger a vontade criadora e de assegurar a realização dos
efeitos queridos pelo contraentes. A tutela jurídica limita-
se a possibilitar a estruturação pelos indivíduos destas

345
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 267-268.
346
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 269.
347
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 269.
348
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 269.

Página 102 de 237


relações jurídicas próprias, assegurando uma teórica
autonomia, igualdade e liberdade no momento de contratar
e considerando por completo a situação econômica e social
dos contraentes”. 349

A autonomia da vontade, apesar de ter importância crucial


nas relações contratuais dos indivíduos, desenvolvia-se
apenas no plano teórico, constituindo-se uma espécie de
ideal. De fato, uma teoria que surge dos ideias liberalistas,
visando facilitar e ou desburocratizar as contratações e
aquisições, está fatalmente ligada à realidade do mercado,
e é seguramente feita em benefício deste. Fácil é, portanto,
perceber que a situação leva, em última análise, a um
desvirtuamento da figura contratual. 350

E para São Tomás “enquanto, pois, se afasta da razão eterna, diz-se assim lei
iníqua, e assim não tem razão de lei, e, sim, mais de certa violência”. E se “isso mesma
é uma coibição eficacíssima; com efeito, quaisquer coisas que são coibidas, dizem-se
ser coibidas na medida em que não podem fazer diferentemente do que é disposto a
respeito delas”.

Era forçosa uma dilatação da atual estatal; era imperioso um estado


que não fosso apenas “o garantidor da liberdade e da autonomia
contratual das indivíduos”, mas, “ultrapassando os limites da justiça
comutativa, promovesse a justiça social”. 351

“Espaço reservado e protegido pelo direito para a livre e soberana


manifestação das partes, a ser um instrumento jurídico mais social,
sendo controlado e submetido a uma série de imposições cogentes,
mas equitativas” em outras palavras, o contrato passa a desempenhar
uma função social, alçada ao status de princípio. 352

O individualismo que imperava no Estado Liberal provocou imensas


injustiças; era necessária uma “correção do individualismo clássico
liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização do
objetivos de justiça social”. (...) O limite da função social e o
princípio da boa-fé (...) magistrado Ramón Mateo Júnior, que
discorre acerca do referido princípio, para quem a função social dos
contratos consiste: no dever do juiz de tornar real o mandamento de
respeito à recíproca confiança, que incumbe às partes contratantes,
não permitindo que o acordo de vontades atinja finalidade oposta ou
divergente ao respeito da dignidade humana, desde o momento da
contratação até a consumação do vínculo. Some-se a isso o
reconhecimento dos deveres conexos cuja teleologia consiste na
observância da função social. Ao regrar o comportamento das partes
amparado pelo princípio da boa-fé objetiva, o magistrado deverá ter
em mente a função social que o contrato exerce na atual sociedade
globalizada, sendo certo que nessa perspectiva a leitura e a releitura
da legislação social não bastam. É necessária uma reflexão
vinculada ao predomínio do valor humano (dignidade humana), com

349
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 270.
350
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 270.
351
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 270-271.
352
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 271.

Página 103 de 237


todos os seus atributos, como resultante básica de qualquer anexo
dever ser imposto como regra de comportamento aos contratantes.
Essa reflexão exige, com igual intensidade, um estudo mais
aprofundado das questões sociais, filosóficas e econômicas. 353

Trata que “nos bons, contudo, cada uma das maneiras acha-se perfeita, pois além
do conhecimento da fé e da sabedoria; e acima da inclinação natural para o bem,
acrescenta-se neles internamente a moção da graça e da virtude”. Diz o apostolo na
suma “Onde o Espírito do Senhor, aí a liberdade”.

Uma concepção social do contrato, para a qual “não só o momento


da manifestação da vontade importa, mas onde também e
principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em
conta”. (...) Transforma-se o contrato, adequando-se ao novo tipo de
mercado e organização econômica. Não se nega, de maneira alguma,
sua função preponderante no seio da sociedade, nem tampouco se
subtrai a figura da autonomia da vontade. Apenas posterga-se,
parcialmente, sua importância (da autonomia da vontade), uma vez
que não mais é compatível com momento atual. {deixando claro que
o momento atual aqui remetido desse artigo é de 2002, e mais,
pensamos que o autor fala do contratante e não do contratado}354

Quarto ponto; A Lei Natural355:


Diz São Tomás “assim como o ente é o primeiro que cai na apreensão de modo
absoluto, assim o bem é o primeiro que cai na apreensão da razão prática, que se ordena
a obra: todo agente, com efeito, age por causa de um fim, que tem razão de bem. E
assim o primeiro princípio na razão prática é o que se funda sobre a razão de bem que é
‘Bem é aquilo que todas as coisas desejam’. Este é , pois, o primeiro princípio da lei,
que o bem deve ser feito e procurado, e o mal, evitado. E sobre isso se fundam todos os
outros preceitos da lei da natureza, como, por exemplo, todas aquelas coisas que devem
ser feitas ou evitadas pertencem aos preceitos da natureza, que a razão prática
naturalmente apreende ser bens humanos.”

Assim como a justiça depende de um pacto anterior, a


GRATIDÃO depende de uma graça anterior, ou seja, de uma livre
doação anterior. Constitui a quarta lei natural e pode ser concebida
da seguinte forma: um homem que recebe um benefício de outro
por pura graça deve esforçar-se para que o doador não tenha
nenhum motivo razoável para arrepender-se da própria
benevolência. Com efeito, uma vez que a doação é voluntária e o
objeto de todos os atos voluntários é para cada um o seu próprio
bem, ninguém dá se não estiver esperando um bem para si próprio.

353
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 272.
354
PINHEIRO. Alexandre Pereira. revista Universitas/Jus nº 9: artigo; A justiça comutativa e a função social do contrato no
novo código civil brasileiro. Pagina 272-273.
355 Suma Teológica IV p559-572

Página 104 de 237


E, se os homens vêem que ficarão sempre frustrados na espera
desse bem, nunca terão iniciativa, nem benevolência ou confiança,
tampouco, por conseguinte, ajuda recíproca nem mútua
reconciliação. Deverão, portanto, continuar na condição de guerra,
o que é contrário à primeira e fundamental lei natural que ordena
aos homens buscar a paz. A infração dessa lei é chamada de
ingratidão e tem com a graça a mesma relação que a injustiça tem
com a obrigação derivada do pacto. Uma quinta lei natural é a
COMPLACÊNCIA, vale dizer que cada um deve esforçar-se para
adaptar-se aos outros. Para compreendê-la, podemos considerar
que, no comportamento dos homens em relação à sociedade, há
uma diversidade natural, originada a partir da diversidade das suas
afeições, não diferente daquela que pode ser observada nas pedras
amontoadas para construir um edifício. De fato, do mesmo modo
como uma pedra é descartada por ser inutilizável e incômoda, por
tirar das outras mais espaço do que ela própria preenche devido à
aspereza e à irregularidade da sua forma e por não poder ser
facilmente aplainada devido à sua dureza - o que faz com que ela
acabe impedindo a construção -, deve-se igualmente deixar fora ou
expulsar da sociedade, uma vez que constitui um obstáculo para
ela, um homem que, devido à aspereza da sua natureza, quer a
todo custo manter a posse de coisas que são, para ele, supérfluas,
mas necessárias para os outros, e que, pela irrefreabilidade. das
suas paixões, não pode ser corrigido. Por outro lado, a partir do
momento em que se supõe que cada um, não apenas por direito33,
mas também por necessidade natural, faz todo esforço possível
para obter o que é necessário à sua conservação, quem se opõe a
isso por coisas supérfluas é culpado pela guerra resultante e,
portanto, faz algo contrário à lei natural fundamental, que ordena
que se busque a paz. Os que observam essa lei podem ser
chamados de SOCIÂVEIS (os latinos os chamavam de cômodos),
e os que lhe são contrários, de irrefreáveis, insociáveis, arredios,
intratáveis. Uma sexta lei natural é a seguinte: como prévia
garantiau para o futuro, um homem deve perdoar as ofensas
passadas daqueles que, arrependidos, lhe pedirem perdão. Com
efeito, o PERDÃO não é outra coisa a não ser conceder a paz e,
embora concedê-la àqueles que perseveram na sua hostilidade não
seja paz, mas temor, não concedê-la àqueles que dão garantia para
o tempo futuro é, todavia, sinal de aversão à paz e, portanto,
contrário à lei natural. Uma sétima lei natural é: nas vinganças (ou
seja, ao se retribuir a maldade com outra maldade), os homens
devem olhar não para a grandeza do mal passado, mas para a
grandeza do bem que dele deve nascer. Razão pela qual nos é
proibido infligir punições com outra intenção que não seja a
correção de quem causou algum dano ou a advertência dos outros.
Essa lei é, de fato, uma conseqüência daquela que imediatamente a
precede e que ordena o perdão no caso em que seja garantida a
segurança35 para o futuro. Além disso, a vingança que não levar
em conta o exemplo e a vantagem futuros é um triunfo ou uma
glorificação do mal de outrem sem nenhum objetivo (uma vez que
o objetivo é sempre alguma coisa vindoura). Ora, a glorificação
sem nenhum objetivo é vangloria36 e é contrária à razão, e o ato
de infligir um mal. sem razão tende a introduzir a guerra, o que é
contra a lei natural e geralmente designado com o nome de
crueldade. Uma vez que todos os sinais de ódio ou de desprezo
conduzem a divergências, tanto que a maior parte dos homens
prefere arriscar a vida a não se vingar, podemos colocar no oitavo
lugar como lei natural o seguinte preceito: ninguém deve, com
atos, palavras, comportamento ou gestos, manifestar ódio ou
desprezo por outra pessoa. A infração dessa lei é geralmente
chamada de ultraje.(...) Sendo assim, apresento esta como a nona
lei natural: cada um deve reconhecer o outro como seu igual por
natureza. A infração desse preceito é a soberba. Dessa lei decorre
a seguinte: ao entrar no estado de paz, ninguém deve exigir que se
reserve a si próprio nenhum direito que não seja favorável3* e que
seja reservado a cada um dos outros. (...)Aqueles que chamamos
de moderados*1 são os que observam essa lei, e arrogantes [são]

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aqueles que a violam. Os gregos chamam a violação dessa lei, ou
seja, pretender mais do que a própria parte. (...)Também é um
preceito da lei natural que aquele ao qual se confia a função de
juiz entre um homem e outro faça uma repartição igual entre
ambos4*. Sem isso, as controvérsias entre os homens só podem
ser resolvidas com a guerra. Portanto, quem é parcial ao julgar faz
aquilo que pode para dissuadir os homens de recorrer a juizes e
árbitros e, por conseguinte (violando a lei natural fundamental), é
causa de guerra. A observância dessa lei, a partir da igual
distribuição a cada um daquilo que, segundo a razão, lhe pertence,
recebe o nome de EQÜIDADE e (como eu disse anteriormente) de
justiça distributiva; e a violação da mesma recebe o nome de
aceitação de pessoas. A partir dessa lei segue outra, a de que as
coisas que não podem ser divididas devem ser usufruídas em
comum, se possível, e, se a quantidade da coisa o permitir, sem
restrição; do contrário, proporcionalmente ao número daqueles
que têm direito a ela. Com efeito, em caso contrário, a distribuição
seria desigual e contrária à equidade. Todavia, há algumas coisas
que não podem ser nem divididas, nem usufruídas em comum.
Nesse caso, a lei natural, que prescreve a eqüidade, requer que
todo o direito, ou (prevendo um uso alternado) a primeira posse,
seja determinado mediante um recurso a sorte.(...) A igualdade na
distribuição faz parte da lei natural e [nesses casos] não são
imagináveis outros modos de igual distribuição. A sorte pode ser
de dois tipos, convencional e natural. Convencional é aquela com
a qual concordam duas partes em liça. Natural é a primogenitura
(significa dado em sorte) ou a prioridade na aquisição de
posse4".(...) Outra lei natural é que aos mediadores de paz sejam
concedidos salvo-condutos. De fato, a lei que ordena a paz como
objetivo também ordena a intercessão como meio; e o meio para a
intercessão são os salvo-condutos. 356

E que “porque o bem tem razão de fim, e o mal, razão do contrário, daí é que
todas aquelas coisas para as quais o homem tem inclinação natural, a razão apreende
como bens, e por conseqüência como obras a ser procuradas, e as contrárias desses
como males a serem evitados. Segundo, pois, a ordem das inclinações naturais, dá-se a
ordem dos preceitos da lei da natureza. Pois é inerente ao homem, por primeiro, a
inclinação para o bem segundo a natureza.”

Ademais em São Tomás “ todas as inclinações de quaisquer partes da natureza


humana, por exemplo do concupiscível e do irascível, na medida em que são reguladas
pela razão, pertencem a lei natural.(...) são muitos os preceitos da lei da natureza em si
mesmos, os quais, porém, comungam numa mesma raiz.”

Por conseguinte Damasceno diz que “as virtudes são naturais”. E São Tomás
“logo também os atos virtuosos se subordinam à lei da natureza.” E que “podemos falar
de dois modos dos atos virtuosos: de um modo, enquanto são virtuosos; de outro modo,
enquanto são tais atos, considerados nas próprias espécies. Se, pois, falamos dos atos

356 MAFFETTONE, Sebastiano; VECA, Salvatore (orgs). A Idéia de Justiça de Platão a Rawls pagina 119-123

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das virtudes enquanto são virtuosos, assim todos os atos virtuosos pertencem à lei da
natureza.(...)”

E que “muitas coisas, com efeito, se fazem segundo a virtude para as quais a
natureza não inclina por primeiro, mas pela inquisição da razão a elas chegaram os
homens, como úteis para viver bem.” E “deve-se dizer, portanto, que a temperança é
relativa a concupiscência naturais do alimento, da bebida e do sexo, que certamente se
ordenam ao bem comum da natureza, como também as outras matérias legais se
ordenam ao bem comum moral.” E que “por causa das diversas condições do homens,
acontece que alguns atos são em alguns virtuosos, enquanto a eles proporcionados e
convenientes, os quais, porém, são viciosos em outros, enquanto não proporcionados a
eles.”

Diz Isidoro na suma “o direito natural é comum a todas as nações”. E para São
Tomás “evidencia-se assim, que, quanto aos princípios comuns da razão quer
especulativa quer prática, a verdade ou retidão é a mesma em todos, e igualmente
conhecida.”

Duas coisas que São Tomás trata ao final e se a lei da natureza pode ser mudada
e se pode ser abolida do coração do homem. Diz as Decretais na suma “o direito natural
desde a origem da criatura racional. Nem varia no tempo, mas permanece imutável.” E
diz Agostinho na suma “a tua lei foi escrita nos corações dos homens e nenhuma
iniquidade pode certamente destruí-la.” Diz São Tomás “ora, a lei escrita nos corações
das homens é a lei natural.”

Quinto ponto; A Lei Humana357:

Diz Isidoro na suma “as leis foram feitas para que pelo medo delas fosse
coibidas a audácia humana, e a inocência preservada entre os ímprobos, e nos mesmos
ímprobos, dado o temor do suplício, fosse refreado o poder de prejudicar”. Diz
Aristóteles na suma “assim como o homem, se é perfeito na virtude, é o melhor dos
animais, assim, se é separado da lei e da justiça é o pior de todos”.

357 Suma Teológica IV p572-582

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Diz São Tomás “quanto tem de justiça tanto tem força de lei. Nas coisas
humanas diz-se algo é justo pelo fato de que é reto segundo a regra da razão.(...)
portanto, toda lei humanamente imposta tem tanto razão de lei quando deriva da lei da
natureza. Se, contudo, em algo discorda da lei natural, já não será lei, mas corrupção de
lei.”

Diz também “em relação a essas determinações se tem o juízo dos experientes e
prudentes, como a certos princípios, a saber, enquanto veem de imediato o que
particularmente há de se determinar de modo mais congruente”. E disso diz Aristóteles
“é preciso atender às enunciações e opiniões indemonstráveis dos experientes e dos
anciãos ou dos prudentes, não menos que às demonstrações.”

Isidoro diz na suma “Será lei honesta, justa, possível segundo a natureza,
segundo o costume da pátria, conveniente ao tempo e ao lugar, necessária, útil; será
também clara, de sorte a não conter por obscuridade algo capcioso; escrita não por um
interesse privado, mas para a utilidade comuns dos cidadãos.” Entende-se costume na
definição de São Tomás “o costume se dá pela multiplicidade de atos”.

Os costumes são o tácito consentimento de povo


inveterado pela longa repetição. 358

Sexto ponto; O poder da Lei Humana359:

Diz o Jurisconsulto na suma que “é necessário que os direitos se constituam


naquelas coisas que mais frequentemente acontecem: daquelas, porém, que podem dar-
se talvez em um só caso, não constituem direitos”. Para São Tomás “tudo aquilo que é
em razão de um fim, é necessário que seja proporcionado ao fim. O fim da lei é o bem
comum. Portanto, é necessário que as leis humanas sejam proporcionadas ao bem
comum.

As liberdades básicas iguais são,(...) especificadas pela seguinte


lista: liberdade de pensamento e de consciência; liberdades
políticas (por exemplo, o direito de votar e de participar da
politica) e liberdade de associação, bem como os direitos e
liberdades específicos pela liberdade e integridade (física e
psicológica) da pessoa; e (...) os direitos e liberdades abarcados
pela estado de direito. 360

358
Ulpiano. Regras de Ulpiano. Ed Edipro. 2002. Pagina 24 .
359 Suma Teológica IV p582-595.

360 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 62

Página 108 de 237


E que “O bem comum consta de muitas coisas. E assim é necessário que a lei se
refira a muitas coisas, já segundo as pessoas, já segundo os negócios, já segundo os
tempos. Constitui-se, com efeito, a comunidade da cidade de muitas pessoas, e o bem
dela é procurado por meio de múltiplas ações; nem se institui só para conduza por
módico tempo, mas que persevere por todo o tempo, através da sucessão dos cidadãos.”

Os princípios de justiça são adotados e aplicados numa següência


de quatro estágios. No primeiro estágio, as partes adotam os
princípios de justiça por trás de um véu de ignorância. As
limitações quanto ao conhecimento disponível para as partes vão
sendo progressivamente relaxadas nas três estágios seguintes: o
estágio da convenção constituinte, o estágio legislativo em que as
leis são promulgadas de acordo com o que a constituição admite e
conforme o exigem e o permitem os princípios de justiça, e o
estágio final em que as normas são aplicadas por governantes e
geralmente seguidas pelos cidadãos, e a constituição e leis são
interpretadas por membros do judiciário. 361

No livro I do Livre-Arbítrio na suma diz “Parece-me que esta lei que é escrita
para reger o povo, permite retamente estas coisas e à divina providência punir”. E para
São Tomás “a medida deve ser homogênea ao que é medido, (...) coisas diversas são
medidas por medidas diversas”.

No utilitarismo, as ideias de igualdade e de reciprocidade


só são consideradas indiretamente, como aquilo que normalmente
é necessário para maximizar o total de bem-estar social. 362
Uma sociedade é bem-ordenada por uma concepção de
justiça significa três coisas: (1) que é uma sociedade em que todos
os cidadãos aceitam, e reconhecem perante os outros que aceitam,
os mesmos princípios de justiça; (2) que se reconhecem
publicamente ou com boas razões se acredita que sua estrutura
básica, suas principais instituições políticas e sociais e a maneira
como se articulam num sistema de cooperação, satisfaz esses
princípios; (3) que os cidadãos têm normalmente um senso de
justiça efetivo363

Trata que “a lei humana é imposta à multidão dos homens e nessa a maior parte
é de homens não perfeitos na virtude. E assim pela lei humana não são proibidos todos
os vícios, dos quais se abstêm os virtuosos, mas tão-só os mais graves, dos quais é
possível à maior parte dos homens se abster; e principalmente aqueles que são em
prejuízo dos outros, sem cuja proibição a sociedade humana não pode conservar-se;
assim são proibidos pela lei humana os homicídios, os furtos, e coisas semelhantes,” ou
seja, coisas que interferem na vontade de outro. Para São Tomás “e assim não impõe

361 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 67

362 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 135.

363 RAWLS. John; KELLY. Erin (orgs). Justiça como Equidade pagina 283

Página 109 de 237


imediatamente à multidão dos imperfeitos aquelas coisas que são já dos virtuosos,
como, por exemplo, que se abstenham de todos os males. De outro modo, os
imperfeitos, não podendo suportar tais preceitos, se lançariam a males piores.”

Diz São Tomás “a lei humana, porém, não preceitua sobre todos os atos de todas
as virtudes, mas apenas sobre aqueles que são ordenáveis ao bem comum, ou
imediatamente, como quando algumas coisas se fazem diretamente em razão do bem
comum; ou mediatamente, como quando são ordenadas pelo legislador algumas coisas
pertencentes à boa disciplina, por meio da qual os cidadãos são formados para que
conservem o bem comum da justiça e da paz.”

E diz São Tomás “as leis podem, contudo, ser injustas(...) impõe lei onerosas aos
súditos, não pertinentes à utilidade comum(...) ou também em razão do autor, como
quando alguém legisla além do poder que lhe foi atribuído.” E Hilário diz na suma “a
compreensão das palavras deve ser tomada dos causas do seu dizer: pois não deve a
realidade submeter-se ao discurso, mas o discurso a realidade.”

Sétimo ponto; a mudança das Leis364:

Diz Agostinho na suma “a lei temporal, embora justa, pode, entretanto, ser
justamente mudada pelos tempos.” Para São Tomás “também ocorre nas obras a
realizar. Com efeito, os primeiros entenderam achar algo de útil à comunidade dos
homens, não podendo considerar por si mesmos todas as coisas, instituíram algumas
imperfeitas que falhavam em muitos casos e essas os posteriores mudaram, instituindo
algumas que em poucos casos pudessem falhar quanto à utilidade comum” e que “da
parte dos homens, entretanto, cujo atos são regulados pela lei, a lei pode justamente ser
mudada em razão da mudança de condições dos homens, aos quais, segundo suas
diversas condições, convêm coisas diversas.”

A vontade geral é sempre reta e tende sempre para a


utilidade pública; mas não significa que as deliberações do povo
tenham sempre a mesma retitude. Quer-se sempre o próprio bem,
porem nem sempre se o vê: nunca se corrompe o povo, mas se o
engana com frequência.(...)Há muitas vezes grande diferença entre

364 Suma Teológica IV p595-603.

Página 110 de 237


a vontade de todos e a vontade geral: esta olha somente o interessa
comum, a outra o interesse privado. 365

O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das


coisas e independentemente das convenções humanas.(...)Está fora
de dúvida a existência de uma justiça universal, só da razão
emanada; tal justiça, porém, para ser admitida entre nós, deve ser
recíproca. 366

O que para São Tomás “a retidão da lei, porém, se diz em ordem À utilidade
comum” e que “certamente acontece ou porque alguma máxima e evidentíssima
utilidade provém do novo estatuto, ou porque há máxima necessidade em razão de que
lei costumeira ou contém manifesta iniquidade, ou sua observância é muito nociva”.
Donde dizer o Jurisperito na suma que “nos coisas novas a ser constituídas, deve ser
evidente a utilidade para que se afaste daquele direito que pareceu justo por muito
tempo”. Diz Aristóteles “as leis têm máxima força pelo costume”. Para São Tomás “que
as lei devem ser mudadas, não por qualquer melhora, mas pela grande utilidade ou
necessidade”.

A justiça é a primeira virtude das instituições sociais,


como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante
e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é
verdadeira; da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes
e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas
se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada
na justiça que nem o bem-estar da sociedade como um todo pode
ignorar.(...) Portanto numa sociedade justa as liberdades da
cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos
assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política
ou ao calculo de interesses sociais.(...) uma injustiça é tolerável
somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda
maior. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a
verdade e a justiça são indisponíveis. 367

Uma sociedade é bem-ordenada não apenas quando está


planejada para promover o bem de seus membros mas quando é
também efetivamente regulada por uma concepção pública de
justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam
e sabem eu os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e
(2) as instituições socais básicas geralmente satisfazem, e
geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios. 368

A felicidade é independente, ou seja, é escolhida


unicamente por causa de si mesma.(...) a felicidade é também
auto-suficiente.(...) quando as circunstâncias são particularmente
favoráveis, e a execução especialmente bem-sucedida, nossa
felicidade é completa.(...) pode-se dizer que essa pessoa se
aproxima da bem-aventurança na medida em que as condições são

365 ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do Contrato Social pagina 40-41

366 ROUSSEAU. Jean-Jacques.Do Contrato Social pagina 51

367 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontea. São Paulo. 2000. Pagina 3-4

368 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 5

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extremamente favoráveis e a sua vida é completa. (...) a felicidade
não é um objetivo entre os vários a que aspiramos, mas a
realização do plano como um todo. 369

Em São Tomás está escrito “a lei humana deriva da lei da natureza a da lei
divina”. E que “a lei pertence às pessoas públicas, às quais pertence reger a
comunidade”. Diz Agostinho na suma “O costume do povo de Deus e os institutos dos
maiores devem ser tidos por lei”. Para São Tomás “Toda lei procede da razão e da
vontade do legislador: a lei divina e natural, da vontade racional de Deus. A lei humana,
da vontade do homem regulada pela razão. (...) é manifesto que pela palavra humana
pode a lei ser mudada, como também ser exposta, enquanto manifesta o movimento
interior e o conceito da razão humana. Portanto, também pelos atos, maximamente
multiplicados, que constituem o costume, pode a lei ser mudada e ser exposta, como
também ser causado algo que adquira força de lei, a saber, enquanto por atos exteriores
multiplicados o movimento interior da vontade e o conceito da razão são declarados de
modo mais eficaz, uma vez que, algo se faz muitas vezes, parece provir do deliberado
juízo da razão. E de acordo com isso, o costume tem força de lei, e abole a lei, e é
intérprete das leis”. E que “nenhum costume pode adquirir força contra a lei divina e a
lei natural”. Com isso diz Isidoro na suma “Ceda o uso a autoridade; prevaleça a lei e a
razão sobre o uso depravado”.

369 RAWLS.Jonh. Uma Teoria da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2000. Pagina 611-612

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Terceira Parte

Primeira Seção

Dos Hábitos em geral e da Essência da Virtude

Primeiro Ponto; Os Hábitos em geral quanto à sua substância370:

Primeira colocação é si o hábito é uma qualidade, diz-se nos predicamentos na


suma que “todo hábito é uma disposição.”, e que no livro V da metafisica a disposição é
“a ordem em algo que tem partes” e diz Aristóteles na suma que o hábito é “uma
qualidade dificilmente removível”, e para Agostinho que “o nome hábito deriva do
verbo habere [haver, ter]”. e para São Tomás “deriva dele nos dois sentidos: primeiro,
em que do homem, ou de qualquer outra coisa, se diz que tem algo; o segundo, como
algo ‘se tem’ em si mesmo ou em relação com outro. Quanto ao primeiro sentido, deve-
se considerar que ter [habere], enquanto se diz a respeito de qualquer coisa que se tenha,
é comum a diversos gêneros.(...) na verdade, não é uma ação ou paixão, mas à maneira
da ação e paixão, por exemplo, quando uma coisa orna ou cobre e a outra é ornada ou
coberta.” Diz Aristóteles na suma “O hábito se diz como se fosse uma certa ação do que
tem e do que é tido.”

Que constituem condições imprescindíveis da saúde e da vida, não


são particulares, mas comuns praticamente a todas as pessoas, como
os estados e as ações371

Bem como fim humano e ao melhor ao alcance da ação, quantos


sentidos comporta a expressão o melhor de todos, uma vez ser este o
melhor. 372

Todos os bens são ou exteriores ou internos em relação à alma e,


dentre eles, aqueles no interior da alma373

A sabedoria, a virtude e o prazer encontram-se na alma, todos


pensam ser ou algum entre eles um fim ou todos os três o serem. No
interior da alma [reconhecemos] estados ou faculdades, atividades e
movimentos. 374

E que para São Tomás “se, porém, ter é tomado no sentido de uma coisa que, de
alguma forma, se tem em si mesma ou relativamente a outra, como esse modo de ter

370 Suma Teológica IV p37-47.

371
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 47 .
372
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 63 .
373
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67 .
374
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67 .

Página 113 de 237


supõe alguma qualidade, então o hábito é uma qualidade”. E que “disposição sempre
implica a ordem de algo que tem partes; mas isso ocorre de três modos, (...) segundo o
lugar, segundo a potência ou segundo a espécie. E Simplício diz: ‘Nisso estão
compreendidas todas as disposições: as disposições corporais, no que diz segundo o
lugar. E isto pertence ao predicamento lugar, que é a ordem das partes no lugar. Ao
dizer segundo a potência, inclui as disposições que estão, de modo ainda imperfeito, em
preparação e idoneidade’ como a ciência e virtude em sua fase inicial. Ao dizer segundo
a espécie, inclui as disposições perfeitas, que se chamam hábitos, como a ciência e a
virtude consumadas”.

Bem como que a virtude é a melhor disposição, estado ou faculdade


de cada tipo de coisa suscetível de algum uso ou função. 375

E a função de cada coisa é seu fim; evidencia-se com isso que a


função é melhor do que estado, pois o fim enquanto fim é o mais
excelente(...) que a função é melhor do que o estado e do que
disposição.(...) que a função de uma coisa é a mesma de sua virtude
(excelência). 376

Com efeito, não sendo um todo, nada incompleto é feliz 377

A razão como princípio que comanda a ação, sendo a razão


princípio que comanda não a razão, mas desejo e paixões. 378

Diz Aristóteles na suma “chama-se hábito a disposição pela qual a coisa disposta
se dispõe bem ou mal ou em si mesma ou em relação a outra coisa, de modo que a
saúde é um hábito”. E diz São Tomás “é nesse sentido que falamos agora de hábito e
por isso deve-se concluir que ele é uma qualidade.”

Definamos o caráter como uma qualidade da alma em harmonia com


a razão que comanda, qualidade esta capaz de submeter-se à razão.
379

Da parte racional, as intelectuais, cuja função é a verdade, quer


acerca da natureza da coisa, quer acerca de sua gênese380

A necessária conclusão é a de que a virtude moral é uma mediana


individual e tem a ver com certas medianas nos prazeres e dores. 381

E como em outras coisas o princípio é causa do que é (existe) ou


vem a ser (existir) em função dele mesmo382

A segunda colocação é si o hábito é uma espécie determinada de qualidade, que


trago tal qual o artigo 2, diz São Tomás “1. Porque, como foi dito, o hábito, enquanto

375
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 67 .
376
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 68 .
377
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 70.
378
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 71 .
379
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 73 .
380
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 80 .
381
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 81.
382
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 84 .

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qualidade, é ‘uma disposição pela qual a coisa disposta se dispõe bem ou mal’. Ora, isso
ocorre com qualquer qualidade: pois segundo o figura acontece que algo seja bem ou
mal disposto e igualmente segundo o calor e o frio etc. Logo, o hábito não é uma
espécie determinada de qualidade. 2. Além disso, como diz o Filosofo, estar quente ou
estar frio são disposições ou hábitos, como a doença e a saúde. Ora, calar e frio estão na
terceira espécie de qualidade. Logo, o hábito ou a disposição não distinguem das outras
espécies de qualidade. 3. Ademais, dificilmente removível não é uma diferença
pertencente ao gênero de qualidade, mas se refere antes ao movimento ou à paixão. Ora.
Nenhum gênero se determina em espécie pela diferença que pertence a outro gênero, ao
contrário, é preciso que as diferenças se apliquem por si mesmas ai gênero, como diz o
Filósofo. Logo, como hábito se diz ‘qualidade dificilmente removível’ parece que não é
uma espécie determinada de qualidade. Em sentido contrario, diz o Filosofo que ‘uma
espécie de qualidade é o hábito ou disposição’. Respondo. O Filósofo, afirma como
primeira, entre as quatro espécies da qualidade, a disposição e o hábito. As diferenças
dessas espécies, Simplício caracteriza assim: ‘entre as qualidades algumas são naturais,
ou seja, existem por natureza no sujeito e sempre: algumas são adventícias, ou seja são
produzidas a partir de fora e podem perder-se. Essas que são adventícias, são o habito e
a disposição, que diferem em se poderem perder facilmente ou dificilmente. Entre as
qualidades naturais, algumas são segundo algo que está em potência: e é assim a
segunda espécie de qualidade. Mas, outras são segundo algo que está em ato: e isso ou
no profundo ou na superfície. Se é no profundo, temos a terceira espécie de qualidade;
mas se está na superfície temos a quarta espécie da qualidade, como a figura e a forma,
que é a figura do que é animado’. – Essa distinção das espécies da qualidade não parece
adequada. Há muitas figuras e qualidades passíveis não naturais, mas adventícias; e
muitas disposições não adventícias, mas naturais, como a saúde e a beleza, etc. E
ademais, isso não convém à ordem das espécies: pois sempre o que é mais natural é o
primeiro. Por esse motivo, deve-se estabelecer outra disposição entre as disposições e
hábitos e as outras qualidades. Propriamente falando, a qualidade implica um certo
modo da substância. Mas o modo, segundo Agostinho, é ‘prefixado pela medida’, e
assim implica uma certa determinação segundo alguma medida. Por isso, como o que
determina a potência da matéria em seu ser substancial se chama qualidade, que é
diferença da substância; assim, o que determina a potência do sujeito em seu ser
acidental se chama qualidade acidental que também é uma certa diferença, como diz o
Filósofo. O modo ou a determinação do sujeito em seu ser acidental, pode entender-se

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ou em ordem a natureza do sujeito, ou segundo a ação ou paixão consequentes aos
princípios da natureza, que são matéria e forma, ou então, segundo a qualidade. Se se
entende o modo ou a determinação de sujeito segundo a quantidade, têm-se a quarta
espécie de qualidade. E porque a quantidade, segundo a sua razão, é sem movimento e
sem razão de bem ou de mal, por isso não pertence à quarta espécie de qualidade que
algo transcorra bem ou mal, rápida ou lentamente. – O modo ou a determinação do
sujeito segundo a ação e a paixão corresponde à segunda e a terceira espécies de
qualidade. Por isso, em ambas se leva em conta a facilidade ou a dificuldade com que se
faz algo, se passa logo ou se dura muito. Nelas não se leva em conta a razão de bem e de
mal, porque o movimento e as paixões não tem razão de fim. E o bem e o mal se dizem
em relação com o fim. – Mas o modo e a determinação do sujeito em ordem à natureza
da coisa, corresponde à primeira espécie de qualidade, que é o hábito e a disposição,
pois diz o Filósofo, ao falar dos hábitos da alma e do corpo, que são ‘certas disposições
do perfeito para o ótimo; digo perfeito, porque está disposto segundo a natureza’. E
porque ‘a própria forma e natureza da coisa é o fim e aquilo por cuja causa algo se faz’
como diz o livro III da Física, por isso, na primeira espécie de qualidade, o bem e o mal
entram em consideração e também a facilidade ou dificuldade com que algo pode ser
movido, na medida em que uma natureza é fim da geração e do movimento. Por isso o
Filósofo define o hábito como uma ‘disposição segundo a qual alguém se dispõe bem
ou mal’, e no livro II da Ética, diz que, ‘é segundo os hábitos que nos comportamos em
relação com as paixões, bem ou mal’. Quando, pois, é um modo em harmonia com a
natureza da coisa, então tem razão de bem, e quando em desarmonia, tem razão de mal.
E porque a natureza é o primeiro se considera na coisa, por isso o hábito é afirmado
como a primeira espécie de qualidade. Quanto ao 1°, portanto, deve-se dizer que a
disposição implica certa ordem, como foi dito; por isso não se diz que alguém se dispõe
pela qualidade a não ser em ordem a alguma coisa. E se for acrescentado bem ou mal,
que pertence à razão de hábito, é preciso levar em conta a ordem a natureza, que é o
fim. Daí, segundo a figura ou segundo o calor e o frio, não se diz que alguém está
disposto bem ou mal, a não ser em ordem à natureza das coisas, segundo a qual está em
harmonia ou não está. Assim, as próprias figuras e qualidades passíveis, enquanto
consideradas em harmonia ou não com a natureza da coisa, pertence aos hábitos e
disposições; pois a figura, na medida em que convém a natureza da coisa, e a cor,
compõe a beleza; o calor e o frio, segundo convêm a natureza da coisa, pertence à
saúde. Deste modo a quentura e a frieza são afirmadas pelo Filósofo na primeira espécie

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de qualidade. Quanto ao 2º, deve-se dizer que daí fica clara a resposta para a segunda
objeção. Há quem resolva de outro modo, como diz Simplício. Quanto ao 3º, deve-se
dizer que essa diferença, dificilmente removível não distingue o hábito das outras
espécies da qualidade, e sim da disposição. Disposição tem dois sentidos: no primeiro, é
o gênero do hábito, por isso o livro V da Metafísica afirma a disposição na definição do
hábito. No segundo, é algo contraposto ao hábito. É a disposição propriamente dita, que
se contrapõe ao hábito de duas maneiras: uma, como o perfeito e o imperfeito na mesma
espécie: assim a disposição, conservando o nome comum, está inerente ao sujeito
imperfeitamente, e por isso, facilmente se perde: enquanto o hábito está inerente
perfeitamente, de modo que não se perde com facilidade. Assim, como a criança em
adulto. – De outro modo podem distinguir-se como espécies diversas de um gênero
subalterno, de sorte de chamaremos disposições às qualidades das primeiras espécies
que, por natureza, podem se perder facilmente, porque têm causas mutáveis, como a
doença e a saúde, enquanto reservamos o nome de hábitos às qualidades que, por
natureza, não podem ser facilmente mutáveis, por teres causas inamovíveis, como a
ciência e as virtudes e, nesse sentido, a disposição não pode vir a ser um hábito. E isso
perece estar mas de acordo com o pensamento de Aristóteles. É por esse motivo que
ele, para provar essa distinção, invoca o linguajar comum, segundo o qual as qualidades
que por algum acidente se tornam dificilmente móveis, se chamam hábitos. O contrário
sucede com as qualidades que são por natureza dificilmente móveis: pois se alguém
domina imperfeitamente uma ciência, a ponto de poder perde-la com facilidade, diz-se
antes estar disposto à ciência do que ter a ciência. Donde se vê que o nome hábito
implica uma certa durabilidade; mas a disposição, não. Nada impede que facilmente ou
dificilmente removível sejam diferenças especificas pelo fato de que essas noções se
aplicam à paixão e ao movimento, e não ao gênero da qualidade, no entanto designam
diferenças próprias e por si das qualidades. Assim também no gênero da substância com
frequência se tomam diferenças acidentais em lugar das substanciais, na medida em que
por elas se designam os princípios essenciais”.

Que virtude e vício dizem respeito àquilo em que a própria pessoa,


quanto às suas ações, causa e constitui princípio. Cabe-nos, portanto,
apurar qual tipo de ações a própria pessoa é causa e princípio. Todos
concordamos que, no que tange a atos que são voluntários e
realizados com base na prévia escolha individual. 383

O voluntário e a involuntário. Parece que o primeiro seria uma de


três coisas: conformidade com desejo, com a prévia escolha ou com

383
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 85 .

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o pensamento, a saber, o voluntário seria o que se conforma com um
deles, ao passo que o involuntário o que contraria um deles. O
desejo, por sua vez, subdividir-se triplamente em vontade, ardor e
apetite. 384

Com efeito, a parte que delibera da alma é a que contempla um certo


tipo de causa, o e objeto de uma ação é um tipo entre as causas; de
fato, chamamos de causa aquilo devido ao que alguma coisa
acontece; aquilo em função do que alguma coisa existe ou vem a ser
é o que chamamos especialmente de sua causa. 385

A questão do que conduz ao fim dependerá, sobretudo, de uma


outra, nomeadamente aquela do objeto. 386

Terceira colocação é si o hábito implica ordenação ao ato. Diz Agostinho na


suma “é pelo hábito que algo é realizado quando é preciso”. E diz o Comentador de
Agostino na suma “é pelo hábito que alguém age quando quer”. Diz São Tomás
“Ordenar-se ao ato pode convir ao hábito tanto pela razão de hábito, quanto pela razão
do sujeito no qual está o hábito. Quanto à razão de hábito, convém a todo hábito, de
certo modo, ser ordenado ao ato: é da razão de hábito implicar uma certa relação em
ordem à natureza da coisa segundo o que convém ou não convém. Mas a natureza da
coisa, que é o fim da geração, ordena-se ulteriormente a outro fim, que é ou a ação, ou
algo feito, ao qual se chega pela ação. Por isso o hábito não implica só ordenação à
natureza da coisa, mas também por consequência, à ação, enquanto é fim da natureza,
ou conduz para o fim”. Diz Aristóteles “na definição do hábito, que é uma ‘disposição
segundo a qual se dispõe o disposto bem ou mal, ou em relação a si’, isto é, segundo sua
natureza, ‘ou em relação ao outro’, ou seja, em ordem ao fim”. Diz São Tomás “que o
hábito é um certo ato, enquanto é uma qualidade, e enquanto tal pode ser princípio de
ação. Mas está em potência em relação com a operação”.

O bem concerne naturalmente à vontade, mas o mal também,


embora este em oposição à natureza. 387

O fim, contudo, é aquilo em função do que se age, pois toda prévia


escolha é de alguma coisa em função de algum objeto388

É com base na prévia escolha de uma pessoa que julgamos ser


caráter, ou seja, não pela sua ação, mas por algum objeto em função
do qual ela age. 389

Como é difícil representar a natureza da prévia escolha de uma


pessoa, vemo-nos forçados a avaliar ser caráter com base em suas
ações; 390

384
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 86 .
385
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 99.
386
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 100-101.
387
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 101.
388
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 103.
389
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 104.

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Última colocação se é necessário ter hábitos. Diz Aristóteles “os hábitos são
certas perfeições”. E São Tomás “Mas, a perfeição é sumamente necessária às coisas, já
que tem a razão de fim. Portanto, é necessário que haja hábitos.” E que “não é o mesmo
hábito que está para o bem e para o mal,(...). Mas é a mesma potência que está para o
bem e para o mal. Por isso são necessários os hábitos para que as potências sejam
determinadas para o bem”. E que “para que uma coisa deva se dispor para outra, três
requisitos se exigem. O primeiro é este: o que se dispõe seja outra coisa que aquilo para
o que se dispõe, e assim esteja em relação com ele como potência para o ato.(...) o
segundo requisito é: o que está em potência para outro, possa ser determinado de muitos
modos e para diversas coisas. Por isso, se algo está em potência para outra coisa, mas de
modo que só esteja em potência para esta coisa, aí não há lugar para disposição e o
hábito: porque tal sujeito tem por sua natureza a devida relação com tal ato. Donde se
segue, que se o corpo celeste for composto de matéria e forma, como aquela matéria não
está em potência para outra forma,(...) não cabe aí disposição ou hábito para a forma, ou
também para a ação, porque a natureza do corpo celeste só está em potência para um
determinado movimento. O terceiro requisito é: quando muitos concorrem afim de
dispor o sujeito a um deles, para os quais está em potência; eles podem se comensurar
de diversos modos, para que assim o sujeito se disponha bem ou mal para a forma ao a
ação. Por isso, as qualidades simples dos elementos, que segundo um modo
determinado convêm às natureza dos elementos, nós não chamamos disposições ou
hábitos, e sim, qualidades simples. Chamamos, porém, disposições ou hábitos a saúde, a
formosura, etc, que implicam uma certa comensuração de muitos, que de diversas
maneiras podem ser comensurados”. Diz Aristóteles na suma “que ‘o hábito é uma certa
disposição’ e que a disposição é ‘uma ordem do que tem partes, ou segundo o lugar, ou
segundo a potência, ou segundo a espécie’”.

A razão instrui-nos a escolher o que é nobre (...) somente aquele que


assim age por nobreza é destemido e corajoso. 391

Toda virtude envolve prévia escolha,(...) a coragem, pela fato de


ser uma virtude fará alguém enfrentar o que é amedrontador em
função de algum objeto, de forma que não o faz nem por ignorância
(pois ela, de preferência, o faz julgar corretamente), nem por prazer,
mas porque o ato é nobre, porquanto se não for nobre, mas insano,
esse alguém não enfrentará o perigo que o amedronta, porque nesse
caso essa ação seria vil. 392

390
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 104.
391
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 110.
392
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 115.

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De fato, é louvável discernir corretamente entre grandes bens e
pequenos bens. 393

Não há virtude na ausência de grandeza; disso resulta que cada uma


das virtudes parece tornar as pessoas grandiosas de alma
relativamente às coisas às quais a virtude em pauta diz respeito. 394

Segundo ponto; O Sujeito dos Hábitos395:

Primeira colocação é si existe hábito no corpo. Diz Aristóteles “a saúde do corpo


ou a doença incurável se chamam hábitos”. Diz São Tomás “o hábito é uma disposição
de um sujeito existente em potência ou para a forma ou para uma ação. Portanto,
enquanto implica disposição para uma ação, nenhum hábito existe principalmente no
corpo como em seu sujeito. Toda ação corporal, com efeito, provém ou de uma
qualidade natural do corpo ou da alma que o move. Portanto, no que se refere às ações
provenientes da natureza, o corpo não fica disposto por nenhum hábito, pois às
potências naturais são determinadas a uma só ação. Ora,(...) se requer uma disposição
habitual quando o sujeito está em potência para muitas coisas. As ações, porém, que
procedem da alma por meio do corpo, vêm principalmente da alma, mas
secundariamente, do corpo. Na verdade, os hábitos são proporcionados às ações”. Diz
Aristóteles na suma “atos semelhantes causam hábitos semelhantes”.

Todos entendem por justiça aquele estado que torna os indivíduos


predispostos a realizar atos justos e que os faz agir justamente e
desejar aqueles atos; e, analogamente, por injustiça o que torna os
indivíduos predispostos a agir injustamente e desejar os atos
injustos. 396

Na justiça está toda virtude somada397

O dito de Bias segundo o qual “a autoridade mostrará o homem”,


pois é no exercício da autoridade que alguém é levado
necessariamente à relação com os outros e se torna membro da
comunidade. Pela mesma razão significa a relação com alguém,
pensa-se que a justiça, exclusivamente entre as virtudes, é o bem
alheio porque concretiza o que constitui a vantagem do outro, seja
este o detentor da autoridade, seja ele um parceiro na comunidade.
398

Com efeito, as ações que nascem da virtude total são,


fundamentalmente, idênticas às ações que se harmonizam com a lei;

393
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 123.
394
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 125.
395 Suma Teológica IV p47-61.

396
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 137.
397
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 140.
398
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 140-141.

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de fato, a lei ordena a prática das várias virtudes particulares e
proíbe a prática de vários vícios particulares. 399

E que “Se, ao contrário, considerarmos a disposição do sujeito em relação à sua


forma, nesse caso pode existir uma disposição habitual no corpo , que está para alma
como sujeito para a forma. É assim que se chamam disposições habituais a saúde, a
beleza etc, embora não realizem perfeitamente a razão de hábito, dado que suas causas
são, por natureza, facilmente mutáveis. No entanto, Alexandre, como refere Simplício,
sustentava que um hábito ou disposição da primeira espécie de modo algum existia no
corpo e afirmava que a primeira espécie de qualidade pertence exclusivamente à alma. E
o que Aristóteles alega, a respeito da saúde e da doença, é a título de exemplo e não que
essas disposições pertençam à primeira espécie de qualidade, de sorte que o sentido
seria este: assim como a doença e a saúde podem mudar fácil ou dificilmente, assim
também as qualidades da primeira espécie, que são chamadas hábitos e disposições. –
evidentemente, porém, isso vai contra a intensão de Aristóteles, seja porque ele usa o
mesmo modo de falar, dando exemplos como a saúde, a doença, a virtude e a ciência,
seja porque no livro VII da Física, afirma explicitamente, a beleza e a saúde entre os
hábitos” que adiciono outros como o esporte e os exercícios militares. “(...) já as
qualidades da alma são consideradas absolutamente hábitos”. E que “o equilíbrio das
qualidades passíveis em si mesmas, visto em sua harmonia com a natureza, tem razão de
disposição”.

O indivíduo injusto é não equitativo, além de ser o [ato] injusto não


equitativo, está claro que existe para esse último uma mediania, ou
seja, o equitativo (o igual), pois em qualquer tipo de ação na qual
um mais e um menos estão envolvidos, o igual também é
admissível. Se, então, o injusto é o não equitativo (desigual), o justo
é o equitativo (igual) – uma posição aceita por todos sem
necessidade de argumentação; e uma vez que o igual é uma
mediania, o justo será uma mediania também. A igualdade é, no
mínimo, dupla. É forçoso, em conformidade com isso, não só que o
justo seja uma mediania e igual, além de relativo a algo para
determinados indivíduos, como também que na qualidade de
mediania esteja entre o mais e o menos; que, na qualidade de igual,
implique duas porções e que, na qualidade de justo, envolva
determinados indivíduos. O justo, portanto, necessariamente, é, no
mínimo, quádruplo. Com efeito, envolve dois indivíduos para os
quais existe justiça e duas coisas que são justas. E a mesma
igualdade estará presente entre uns e outras; de fato, a proporção
entre as coisas será igual à proporção entre indivíduos, pois não
sendo as pessoas iguais, não terão coisas em porções iguais, não
receberão em pé de igualdade, o que, porém, não impede o
surgimento de conflitos e queixas, seja quando iguais têm ou
recebem coisas em porções desiguais, seja quando desiguais têm ou

399
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 143.

Página 121 de 237


recebem coisas em porções iguais. Isso também ressalva como
evidente à luz do princípio de atribuição a partir do mérito. 400

O justo é, portanto, o proporcional e o injusto aquilo que transgride


a proporção. Pode-se, assim, incorrer no excesso ou na deficiência
(no “demasiado muito” ou no “demasiado pouco”), o que é
realmente o que ocorre na prática. Com efeito, quando a injustiça é
cometida, aquele que a comete está de posse do bem em excesso,
enquanto a vítima da injustiça está em posse desse bem de modo
deficiente no insuficiente. 401

A lei apenas contempla a natureza característica do dano, tratando as


partes como iguais (...) nesta conjuntura o juiz se empenha em torná-
los iguais mediante a punição por ele imposta, retirando o ganho (...)
conclui-se que a justiça corretiva será mediania entre perda e ganho.
402

Dirigir-se a um juiz é dirigir-se a justiça. De fato, o juiz é como se


fosse a justiça dotada de alma. Outro motivo para buscarmos o juiz é
para que ele estabeleça a mediania, pelo que, efetivamente, em
alguns lugares, chama-se os juízes de mediadores (...) o juiz restaura
a igualdade (...) (aquele que separa em duas metades). 403

Uma Segunda abordagem é se o hábito existe na alma mas segundo a essência


do que segundo a potência. Diz São Tomás “o hábito implica uma disposição ordenada
a natureza ou para a ação. Portanto, se se tomar o hábito enquanto ordenado para a
natureza, não pode existir na alma, se falamos da natureza humana, porque a alma é em
si mesma a forma que completa essa natureza. Por isso, desse ponto de vista, um hábito
ou uma disposição pode existir antes no corpo, ordenado para a alma, do que na alma,
ordenada para o corpo. No entanto, se falamos de alguma natureza superior, da qual o
homem possa participar, segundo a palavra na Carta de Pedro: ‘para que estejamos em
comunhão com a natureza divina’, então nada impede que na alma, segundo sua
essência, exista algum hábito que é a graça, como se dirá depois”.

Com efeito, a administração da justiça implica a distinção entre o


justo e o injusto404

Com efeito, não existe injustiça no sentido absoluto quanto ao que


nos pertence, e uma propriedade (...) é como se fosse uma parte de
nós mesmos e ninguém deliberadamente opta por prejudicar a si
mesmo; a razão é não existir injustiça que se dirige contra a própria
pessoa, e, portanto, nada injusto ou justo no sentido político. 405

A justiça política é em parte natural, em parte convencional: natural


a que vigora do mesmo modo em todos os lugares e não depende da
aceitação ou não aceitação: convencional aquela que originalmente é

400
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 144-145.
401
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 147.
402
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 147-148.
403
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 148-149.
404
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 156.
405
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 157.

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possível ser estabelecida deste ou daquele modo indiferente, mas
que uma vez estabelecida, deixa de ser indiferente. 406

Quaisquer leis promulgadas para aplicação a casos particulares,


como (...) as ordenações sob forma de decretos. (...) observa-se que
as coisas tidas como justas variam. (...) no tocante a nós, embora
haja essa justiça natural, tudo está sujeito a mudança. De qualquer
modo, há nesse domínio o natural bem como o que não é
determinado pela natureza, e percebemos com clareza mais regras
da justiça, ainda que não absolutas, são naturais e quais não são, mas
legais e convencionais, ambas sendo igualmente mutáveis. (...) As
coisas consideradas justa com base na convenção e na conveniência
são como medidas. 407

E que “por outro lado, se se toma o hábito em ordem à ação, nesse caso é
sobretudo, na alma que se encontra, porque esta não é determinada a uma única ação,
mas se refere a muitas e isso é o que requer um hábito(...). E como a alma é princípio de
ação pelas suas potências, seque-se daí que os hábitos existem na alma segundo suas
potências”. Ademais explica “que o hábito é anterior à potência, enquanto implica
disposição para uma natureza. Já a potência sempre implica ordenação para a ação, que
é posterior, porque a natureza é o princípio da ação. Ora, o hábito, cujo sujeito é a
potência, não implica ordenação para a natureza, mas para a ação e por isso é posterior a
potência. – Por outro lado, pode-se dizer que o hábito é anterior a potência, como o
completo ao incompleto e o ato à potência, pois o ato, por natureza, é anterior, embora a
potência lhe seja anterior na ordem da geração e do tempo”.

Como referência o propósito e as circunstâncias da ação como um


todo. 408

Revela alguém culpado de injustiça do tipo que torna o seu agente


um indivíduo injusto quando contraria a proporção ou contraria a
igualdade. 409

Com efeito, o princípio produtivo, inclusive, posto que todo aquele


produz algo tem algum fim em vista: o produzido não é um fim
absoluto, mas apenas relativo e diz respeito a algo mais enquanto o
agido (realizado) é um fim em si mesmo, uma vez que o agir bem (a
boa ação) é o fim e isso é o visado pela desejo a conclusão é que a
prévia escolha é qualificável ou como o pensamento vinculado ao
desejo ou o desejo vinculado ao intelecto, e esse princípio ativo é o
ser humano. 410

Portanto, ambas as partes intelectuais têm como função alcançar a


verdade, o que nos leva a concluir que as virtudes de cada um são
aquelas estados que melhor as sustentarão para alcançar a verdade.
411

406
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 158.
407
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 159.
408
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 161.
409
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 163.
410
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 180.
411
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 181.

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Terceira colocação é si pode haver algum hábito nas potências da parte sensitiva.
Diz Aristóteles na suma “as partes irracionais têm algumas virtudes” e São Tomás “a
saber, a temperança e a fortaleza”. E que “de duas maneiras podem ser consideradas as
potências sensitivas, conforme atuam pelo instinto natural ou pelo império da razão. Na
primeira hipótese, ordenam-se para uma única coisa, tal qual a natureza. E daí, como
não há hábito algum nas potências naturais, assim também não existe nas partes
sensitivas, pelo fato de estas atuarem por instinto natural. – Na outra hipótese, operando
sob o império da razão, podem se ordenar a fins diversos, podendo então haver nelas
alguns hábitos pelos quais se dispõem bem ou mal a alguma coisa”. Diz Aristóteles na
suma “o costume ajuda bastante a boa memória”.

A indução é dos princípios e do universal, ao passo que a dedução


parte dos universais. 412

Com efeito, uma pessoa conhece quando de algum modo confia em


algo e quando os princípios em que se apoia essa confiança lhes são
conhecidos com certeza. 413

Tem-se como característica do indivíduo prudente ser ele capaz de


deliberar bem sobre o que é bom e proveitoso para si mesmo, não
num aspecto parcial e particular, (...) mas o que contribui, na sua
vida, para o bem-estar geral. 414

A prudência é, portanto, necessariamente, uma capacidade racional


genuína que diz respeito à ação relativamente aos bens humanos. 415

Quarta colocação é si no intelecto existem hábitos. Aristóteles diz na suma “a


ciência, a sabedoria e o intelecto, que é o hábito dos princípios, precisamente na parte
intelectiva da alma”. Diz São Tomás “o hábito intelectivo reside sobretudo no próprio
intelecto e não na representação imaginaria, que é comum a alma e ao corpo. E por isso,
devemos afirmar que o intelecto possível é sujeito de hábitos. Com efeito, ser sujeito de
hábitos é próprio do que está em potência para muitas coisas e isso cabe,
particularmente, ao intelecto possível. Logo, é ele o sujeito dos hábitos intelectuais.”

Mas a prudência não se restringe ao universal, devendo também


levar em conta os particulares, uma vez que tem a ver com ação, a
qual diz respeito as coisas particulares. 416

Boa deliberação, a qual se entende ser acerto deliberativo


relativamente ao que é útil, atingindo-se a conclusão certa mediante
meios corretos no tempo certo. Outro aspecto é podermos dizer que
alguém deliberou bem quer em geral quer quanto a um fim
particular. A boa deliberação em geral é a que conduz aos resultados
corretos e satisfatórios no tocante a algum fim particular. Se, assim,

412
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 181.
413
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 182.
414
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 183-184.
415
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 185.
416
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 189.

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bem deliberar é característico dos indivíduos prudentes, a boa
deliberação deve ser acerto relativamente ao que é expediente como
algo que atinge o fim, genuína concepção do que é a prudência. 417

Relação às quais é possível questionar e deliberar; podemos concluir


que seus objetos são os mesmos da prudência, o que não quer dizer
que discernimento e prudência sejam idênticos, pois enquanto esta
última emite comandos (já que seu fim é instruir sobre o que se deve
fazer ou não fazer), e discernimento se limita a julgar. 418

o julgamento ponderado como consideração é o que julga


corretamente o que é equitativo, esse corretamente significando
julgar o que é verdadeiro. 419

Quinta colocação é si existe algum hábito no vontade. Diz São Tomás: “A


justiça é um hábito. Ora, ela está na vontade, pois a justiça ‘e o hábito de querer e de
fazer o que é justo’”. E que “toda potência que pode ser de diversas formas ordenadas à
ação necessita de um hábito, pelo qual se disponha bem para o seu ato. Ora, a vontade,
enquanto potência racional, pode se ordenar de diferentes modos à ação. e, por isso,
deve-se afirmar nela algum hábito que a disponha bem para o seu ato. – ademais, a
própria razão de hábito revela que ele é ordenado sobretudo à vontade, pois,(...), o
hábito é ‘aquilo de que alguém se vale quando quer’”. E que “pela própria natureza da
potência a vontade se inclina ao bem da razão. Mas, como esse bem se diversifica
sobremaneira, é necessário, para que a vontade se incline a um determinado bem da
razão, que ela o faça mediante um hábito, para que daí resulte mais prontamente a
ação”.

Nas demonstrações o entendimento apreende as definições


imutáveis e primárias, ao passo que nas inferências da ação ele
apreende resultado final e contingente e a outra proposição. Com
efeito, são este os princípios a partir dos quais se conclui pelo fim,
pois os universais partem dos particulares420

O entendimento é começo e fim; com efeito, as demonstrações são a


partir dele e a respeito dele421

Ser a prudência inseparável do caráter e dos costumes. Além disso, o


prudente não é apenas aquele que sabe, mas também aquele que age.
422

[o hábito]é uma prática longa e assídua, e que está passa a ser,


afinal, natureza humana. 423

417
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 194.
418
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 195.
419
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 196.
420
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 197.
421
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 197.
422
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 234.
423
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 235.

Página 125 de 237


Terceiro ponto; A causa dos hábitos quanto a sua geração424:

Primeiro ponto tratado é si a algum hábito que provenha da natureza. Diz


Aristóteles na suma “Entre os hábitos afirma-se o intelecto dos princípios, que provem
da natureza e por isso também os primeiros princípios se consideram naturalmente
conhecidos”. Diz São Tomás “de dois modos uma coisa pode ser natural a outra: ou
pela natureza especifica,(...), ou pela natureza individual,(...) estar bem ou mal
fisicamente. – ademais, em ambos os casos, uma coisa pode ser denominada natural de
dois modos, seja porque vem totalmente da natureza, seja porque vem em parte dela e
em parte de um princípio exterior. Assim quando alguém sara por si mesmo, toda sua
saúde proveio da natureza, mas quando sara com a ajuda de um remédio, a saúde se
deve tanto a natureza como ao princípio externo”. E que “todavia, o hábito que é
disposição para a ação, cujo sujeito é uma potência da alma,(...), pode, certamente, ser
natural quer pela natureza específica quer pela natureza individual. Pela natureza
específica, enquanto depende da própria alma que, sendo a forma do corpo, é um
princípio especifico. Pela natureza individual, enquanto depende do corpo, que é um
princípio material.(...) existem nos homens alguns hábitos naturais, procedentementes
em parte da natureza e em parte de um princípio exterior e isso de um modo nas
potências apreensivas e de outro nas potências apetitivas. Na verdade, nas potências
apreensivas pode haver um hábito natural incoativamente, seja em quanto a natureza
especifica seja quanto a natureza individual. Quando àquela, por parte da própria alma,
como é o hábito natural o intelecto dos princípios”, tais quais como o bem, o belo, o
verdadeiro, a felicidade, a utilidade e as relações.

O prazer é, portanto, necessariamente um bem. 425

Prazeres que não acarretam dor não admitem excesso. Estes são
naturalmente provenientes de coisas prazerosas, e não
acidentalmente. Por coisas acidentalmente prazerosas entendo os
elementos restauradores (...) as coisas naturalmente prazerosas são
aquelas que promovem a ação de uma determinada natureza. 426

Embora seja preferível compartilhar os prazeres mais divinos; a


razão disso é ser sempre mais prazeroso contemplar a si mesmo
fruindo do bem superior, o que é ora uma paixão , ora uma ação, ora
outra coisa. 427

424 Suma Teológica IV p61-70.

425
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 239-240.
426
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 243-244.
427
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 294.

Página 126 de 237


A sabedoria, atuando em consonância com a virtude, que produz o
bem-estar428

E que “nas potências apetitivas, porém, não há nenhum hábito natural


incoativamente, por parte da própria alma quanto à substância mesma do hábito. O que
existe nelas são certos princípios de hábitos, do mesmo modo como se diz que os
princípios do direito são os germes das virtudes”.

Contraria a razão, pois contraria o conhecimento e o universal. 429

O princípio da razão não é a razão, porém algo superior. 430

A virtude que é o produto da associação de todas as virtudes, já que


estamos designando como nobreza. 431

Entenda-se por coisas nobres as virtudes e as ações resultantes da


virtude. 432

Diz Aristóteles na suma “que os hábitos das virtudes e dos vícios são causados
pelos atos”. Diz São Tomás “por vezes, o agente contém em si apenas o princípio ativo
de seu ato,(...). nessa agente nenhum hábito pode ser causado por sua própria atividade”.
E que “outro agente, porém, inclui em si um princípio ativo e passivo do próprio ato,
como transparece nas ações humanas. Com efeito, os atos da potência apetitiva dela
procedem enquanto movida pela potência apreensiva que lhe apresenta seu objeto e
ulteriormente, a potência intelectiva, quando reflete sobre as conclusões, tem por
princípio ativo proposições por si mesmas evidentes. Dessa forma, por meio de tais
atos, alguns hábitos podem ser causados nos seus agentes, não certo, quanto ao primeiro
princípio ativo. Mas quanto ao princípio ativo que move sendo movido. Pois tudo o que
é influenciado e movido por outro, recebe a disposição do ato do agente e, assim, os
atos multiplicados geram na potência passiva e movida uma qualidade que se chama
hábito. Desse modo é que os hábitos das virtudes morais são causados nas potências
apetitivas, enquanto movidas pela razão, da mesma forma como os hábitos das ciências
são causados pelo intelecto, enquanto este é movido pelas proposições primeiras”. E
que “o ato precede o hábito, enquanto provém de um princípio ativo, provém de um
princípio mais nobre do que o hábito produzido. Assim, a razão é um princípio mais
nobre do que o hábito da virtude moral gerado na potência apetitiva por atos rotineiros,
e o intelecto dos princípios é mais nobre que a ciência das conclusões”.

428
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 304.
429
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 309.
430
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 310.
431
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 311.
432
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 312.

Página 127 de 237


A nobreza, portanto, é virtude completa. 433

As coisas pura e simplesmente prazerosas são também nobres,


enquanto as pura e simplesmente boas são também prazerosas. O
prazer somente acontece na ação; em razão disso, o indivíduo
verdadeiramente feliz também viverá com máximo prazer. 434

Diz Aristóteles na suma “que uma única andorinha não faz primavera, tampouco
um só dia ou um pouco tempo não fazem alguém ditoso ou feliz. Ora, a felicidade é
‘uma ação segundo o hábito da virtude perfeita’”. Diz São Tomás “Logo, o hábito da
virtude e, pela mesma razão, qualquer outro hábito não pode ser causado por um só
ato”.

Toda arte, toda investigação e igualmente todo empreendimento e


projeto previamente deliberado colimam algum bem, pelo que se
tem dito, com razão, ser o bem a finalidade de todas as coisas. 435

O bem humano tem que ser a finalidade da ciência política436

Os assuntos estudados pela ciência política são o nobre e o justo437

Julgar um assunto particular, é preciso que o indivíduo tenha sido


instruído nesse assunto; para ser um bom juiz, em geral, é necessário
que tenha recebido uma educação completa. 438

Quarto ponto; O aumento dos hábitos439:

Diz São Tomás “o aumento, como tudo o que se refere à quantidade, é algo que
transpomos das realidades corporais para as espirituais e intelectuais, devido à
conaturalidade de nosso intelecto com as realidades corpóreas, que atingem a nossa
imaginação. Ora, na esfera das quantidades corpóreas, diz-se que alguma coisa é grande,
quando chega ao nível de perfeição quantitativa que ela deve ter. Por isso, uma
quantidade é considerada grande no homem e não no elefante. E daí vem o dizermos,
quanto à forma, que uma coisa é grande quando é perfeita. E como o bem implica a
razão de perfeição assim se entende a palavra de Agostinho: ‘quanto àquilo que não é
materialmente grande, ser maior é o mesmo que ser melhor’. A perfeição de uma forma,
porém, pode ser vista de duas maneiras: quanto à forma em si mesma e quanto ao modo

433
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 313.
434
Aristóteles. Ética a Eudemo. Ed EDIPRO. 2015 . Pagina 304.
435
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 37.
436
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 38.
437
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 39.
438
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 39-40.
439 Suma Teológica IV p70-78.

Página 128 de 237


como o sujeito participa dessa forma. Atendendo à perfeição da forma em si mesma,
podemos dizê-la pequena ou grande, como, por exemplo, saúde ou ciência grande ou
pequena. Considerando, porém, a perfeição da forma do sujeito, falamos de mais ou de
menos, como, por exemplo, mais ou menos são ou mais ou menos branco. Esta
distinção não procede de que forma tenha o existir fora da matéria ou do sujeito, mas de
que uma é sua consideração segundo a razão de sua espécie, e outra segundo sua
participação no sujeito”.

Há um outro bem, que é bom em si mesmo, e se coloca em relação a


todos aqueles bens como causa de serem bons. 440

Porque só é um bem na medida em que é útil, ou seja, um meio para


algo mais, de sorte que se poderia conceber as finalidades
anteriormente indicadas mais capazes de ser [o bem que
investigamos], visto que são apreciadas por si mesmas. 441

O bem é predicado (...) de substância, de qualidade e de relação (...)


qualidade: as excelências; naquela da quantidade: moderada;
naquela da relação: útil; naquela do tempo: uma oportunidade
favorável; naquela do lugar: um adequado habitat, e assim por
diante. 442

Bem quando colocam a unidade, em sua coluna de bens (...) o termo


bens apresentaria dois significados, a saber, coisas boas em si
mesmas e coisas boas como um meio para essas primeiras.
Separamos, então, as coisas boas em si mesmas das coisas úteis
como meios, e consideremos se as primeiras são chamadas de boas
porque se enquadram numa única ideia. 443
E que “assim, no que diz respeito à intensidade ou remissão das hábitos e das
formas, quatro opiniões houve entre os filósofos, como refere Simplício. Plotino e os
demais platônicos sustentavam que as qualidades e os hábitos, em si mesmos, são
susceptíveis de mais e de menos, porque materiais e por terem, devido ao caráter
indefinido da matéria, certa indeterminação. – Outros, ao contrário, sustentavam que as
qualidades e os hábitos, em si mesmos, não são susceptíveis de mais nem de menos,
mas que atribuímos às qualidades o mais e o menos, conforme os diversos graus de
participação. Por exemplo, não dizemos que a justiça é mais ou menos, mas que uma
coisa é mais ou menos justa. Essa opinião, aliás, Aristóteles alude de seus
predicamentos. – No meio termos dessas duas opiniões anteriores, temos a terceira, a
dos estóicos. Sustentavam que certos hábitos, como as artes, são, em si, susceptíveis de
mais e de menos; outros, porém, não, como as virtudes. – A quarta opinião é a dos de

440
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 41.
441
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 43.
442
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 44.
443
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 45.

Página 129 de 237


diziam que as qualidades e as formas imateriais não são susceptíveis de mais e de
menos, mas as materiais, sim.”

visto que ainda que também busquemos essas coisas a


título de meios para alcançar algo mais, seriam
classificadas entre as coisas boas em si mesmas (...) é
possível que coisas sejam chamadas de boas em virtude de
serem derivadas de um bem; ou porque contribuem todas
para um bem.(...) a Ideia do Bem, pois até mesmo se a
qualidade de boa (excelência) predicada de várias coisas
em comum realmente for uma unidade ou algo que
existem separadamente e absoluto, claramente não será
praticável ou atingível pelo ser humano. Mas o bem que
ora buscamos é um bem alcançável pelo ser humano 444

A finalidade de todas as coisas executadas graças à ação


humana, este será o bem praticável – ou se houver várias
finalidades tais, a soma destas será o bem. (...) como um
meio para algo mais -, fica claro que nem todas elas são
finalidade completas, ao passo que o bem mais excelente
(o bem supremo) para ser algo completo.
Consequentemente, se houver alguma coisa que, por si só,
seja finalidade completa, essa coisa – ou se houver
várias445

Pode ser denominado a vida ativa da parte racional do ser


humano. (...) no exercício ativo da faculdade racional,
porquanto parece ser este sentido próprio do termo. Se,
então, a função do ser humano é o exercício ativo da
faculdade da alma em conformidade com o princípio
racional (...) o bem humano é o exercício ativo das
faculdades da alma humana em conformidade com a
melhor e mais perfeita delas. 446

Na sua condição de estudioso da verdade, procura sua


essência ou atributos essenciais. (...) é o caso dos
primeiros princípios e o fato é a coisa primeira – é um
primeiro princípio. 447
E “para esclarecer o que há de verdadeiro nessa questão, deve-se considerar que
aquilo pelo qual algo se constitui em espécie deve ser fixo e estável, como uma coisa
indivisível, pois tudo o que ele abrange, por ele se especifica, e tudo o que dele se
afasta, seja mais seja menos, pertence a outra espécie, mais ou menos perfeita. Por isso
diz o Filósofo que as espécies das coisas são como os números: aumentando ou
diminuindo um número, muda-se-lhe a espécie. Portanto, se uma forma ou uma
realidade qualquer, por si mesma ou por algo próprio, pertence a determinada espécie,
há de, necessariamente, considerada em si mesma, ter uma determinada razão, em
relação com a qual não pode ser nem excedente nem deficiente. Essa é o caso do calor,
da brancura e de outras qualidades do mesmo tipo, que não se definem pela relação com
outra coisa. E o caso, sobretudo, da substância, que é ente por si mesmo. – As coisas ao

444
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 46.
445
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 47-48.
446
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 50.
447
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 51.

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contrário, que se especificam por um termo ao qual estão ordenadas podem, em si
mesmas, diversificar-se mais ou menos e, assim mesmo, continuar as mesmas
especificamente, dada a unidade do termo para qual se ordenam e do qual recebem a
especificação. Assim, o movimento é, em si mesmo, mais intenso ou mais remisso,
permanecendo, contudo, na mesma espécie, por causa da unidade do termo
especificador. O mesmo pode-se dizer também da saúde, pois o corpo chega a razão de
saúde, na medida em que tem as disposições convenientes à natureza do animal,
disposições que podem ser diferente e, portanto, podem variar mais ou menos,
permanecendo sempre, porém, a razão de saúde. Por essa razão, o Filósofo diz que ‘a
saúde em si mesma, admite mais e menos, pois a medida não é a mesma em todos, nem
sempre a mesma em um só e mesmo indivíduo, e uma vez diminuída continua saúde até
certo ponto’. Ora, essas diferentes disposições medidas da saúde referem-se entre si com
mais e menos se se aplicasse saúde apenas à medida mais perfeita, então não se diria
que a saúde é maior ou menor. – Desse modo, fica claro de que maneira uma qualidade
ou forma pode ou não, em si mesma, aumentar ou diminuir”.

O bem mais excelente era a finalidade da ciência política, mas que o


cuidado maior dessa ciência é formar um certo caráter nos cidadãos,
ou seja, torná-los virtuosos e capazes de realizar ações nobres. 448

A virtude moral ou ética é o produto do hábito 449

A natureza nos confere a capacidade de recebê-las, e essa


capacidade é aprimorada e amadurecida pelo hábito 450

Legisladores tornam os cidadãos bons treinando-os em hábitos de


ação correta, o que é a meta de toda legislação, que, se falhar no seu
atingimento, será um fracasso , [tarefa] no que se distingue a boa
constituição da má. 451
E “se, porém, considerarmos a qualidade ou a forma, pela participação do
sujeito, desse modo também se encontrarão que algumas qualidades e formas admitem o
mais e o menos e outras, não. E Simplício atribui a causa dessa diferença à substancia
que, sendo um ente por si, não pode admitir o mais e o menos. E por isso toda forma
participa substancialmente no sujeito carece de intensidade e remissão. Assim, no
gênero da substância, não se fala de mais e de menos. E como a quantidade está
próxima da substância e a figura, também segue a quantidade, segue-se que também a
respeito destas não se fala de mais nem de menos. Por esse motivo, o Filósofo diz que,
quando uma coisa toma forma e figura, não se diz que se alterou, mas que está se

448
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 55.
449
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 67.
450
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 67.
451
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 68.

Página 131 de 237


fazendo. – As outras qualidades, mais afastadas da substância e ligadas a paixões e
ações, admitem mais e menos conforme a participação do sujeito”.

Nossas disposições morais são formadas como produto das


atividades correspondentes. Consequentemente, nos compete
controlar o caráter de nossas atividades, já que a qualidade destas
determina a qualidade de nossas disposições. 452

Considerando que o presente estudo, diferentemente dos outros


ramos da filosofia, tem objetivo prático – já que não estamos
pesquisando a natureza da virtude a fim de conhecer essa natureza,
mas a fim de podermos nos tornar bons, sem o que nossa
investigação seria inútil – é necessário, consequentemente, que
encaminhemos nossa investigação para o âmbito da conduta e
indaguemos como agir corretamente, uma vez que nossas ações,
como asseveramos, determinam a qualidade de nossas disposições.
453

A formula “agir de acordo com a justa razão” é um princípio comum


e pode ser tomada com a base nossa discussão. 454

As qualidades morais são de tal modo constituídas que são


destruídas pelo excesso e pela deficiência (...) e preservadas pela
observância da mediania. 455

E “pode-se, contudo, explicar melhor a razão dessa diferença, porque, como já


foi dito, aquilo que especifica uma coisa deve permanecer fixo e indivisível. Assim, de
dois modos pode acontecer que a forma não seja participada segundo o mais ou o
menos. Primeiramente, porque o sujeito participante se constitui em espécie pela forma
participada e assim nenhuma forma substancial é mais ou menos participada. Por isso, o
Filosofo diz que ‘como o número não é susceptível de mais nem de menos, também não
é a substância especificada’, ou seja, quanto participação da forma especifica; ‘mas se
ela estiver unida à matéria’, isto é, em razão das disposições materiais, é susceptível de
mais e de menos. – de outra maneira pode acontecer, pelo fato de que a indivisibilidade
é da razão da forma. Por isso, o que dela participar, há de participar dela segundo a
razão de indivisibilidade. Daí vem que nos números não se fala de mais e de menos,
pois cada uma dessas espécies é constituída por uma unidade indivisível. E o mesmo
vale para as espécies da quantidade continua, quando tomadas numericamente, como
uma grandeza de dois côvados e de três côvados; e para as relações, como o duplo e o
triplo e ainda para as figuras, como o triangulo e o quadrado. E essa é, precisamente, a
razão dada por Aristóteles, quando diz, ao explicar por que a figura não admite nem
mais nem menos: ‘aquilo que admite a razão de triângulo e do circulo é, igualmente,
triângulo e círculo’, pois a indivisibilidade é da mesma razão delas e,

452
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 68-69.
453
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 69.
454
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 69.
455
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 70.

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consequentemente, tudo o que participa da razão delas deve participar
indivisivelmente”.

A virtude moral é a qualidade segundo a qual se age da melhor


forma em relação aos prazeres e dores e que o vício é o oposto (...)
mas a virtude, como a arte, se ocupa constantemente com o que é
mais difícil, uma vez que quanto mais difícil é a tarefa, melhor é o
êxito (...) as ações a partir das quais foi produzida são, também,
aquelas nas quais é ela convertida em ato. 456

Atos, entretanto, que são realizados em conformidade com as


virtudes (...) mas somente se o agente também estiver numa certa
disposição de espírito ao realizá-los: em primeiro lugar tem que
eleger deliberadamente o ato e eleger o ato pelo próprio ato; e em
terceiro lugar, o ato tem que brotar de uma disposição de caráter
estável e permanente. 457

Um estado de alma é ou uma paixão, uma capacidade ou uma


disposição, de modo que a virtude tem que ser uma dessas três
coisas. Por paixão quero dizer desejo (...) geralmente aqueles
estados de consciência (ou sentimentos) que são acompanhados por
prazer ou dor. As capacidades são as faculdades em função das
quais se pode afirmar de nós que somos susceptíveis às paixões (...)
as disposições são os estados de caráter formados devido aos quais
nos encontramos bem ou mal dispostos em relação às paixões 458

No que toca às virtudes e vícios não dizem em relação a nós que


somos “movidos”, mas que estamos “dispostos” de um certo modo
(...) se, então, as virtudes não são paixões, nem capacidade, tudo que
resta é que devam ser disposições, como o que estabelecemos o que
é a virtude em termos de seu gênero. Que toda virtude exerce um
efeito duplo sobre a coisa à qual pertence: não torna apenas a
própria coisa boa, como também faz com que ela desempenhe sua
função bem. (...) a virtude (excelência) num ser humano será o
disposição que o torna um bom ser humano e também o que fará
desempenhar sua função bem. 459

E “fica, então, claro que, sendo os hábitos e as disposições chamados enquanto


ordenados a alguma coisa, (...) de dois modos se pode considerar a intensidade ou
remissão deles: primeiro, em si mesmos, como quando se diz que a saúde é maior ou
menor; ou quando se diz que uma ciência é maior ou menor, conforme estende a mais
ou menos coisas. – Em segundo lugar, quando à participação do sujeito, quando uma
mesma ciência ou saúde é recebida mais por um do que outro individuo, segundo as
diferentes aptidões procedente ou da natureza ou do costume, pois o hábito e a
disposição não especificam o sujeito, como também não incluem a indivisibilidade em
sua razão”.

A virtude, portanto, é um estado mediano no sentido de que é ela


apta a visar à mediania. Outrossim, o erro é multiforme (pois o mal é

456
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 72.
457
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 73.
458
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 74.
459
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 75.

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uma forma do ilimitado, como conjeturaram os pitagóricos, e o bem
uma forma do limitado), ao passo que o êxito somente é possível de
uma única maneira (...) e com isso contemplamos uma razão
adicional do porque o excesso e a deficiência são uma marca do
vício e a observância da mediania uma marca da virtude, ou seja:
simples é a bondade, múltipla a maldade. 460

A virtude é, então, uma disposição estabelecida que leva à escolha


de ações e paixões e que consiste essencialmente na observância da
mediania relativa a nós, sendo isso determinado pela razão, isto é,
como o homem prudente o determina. 461

No âmbito do discurso racional prático, embora princípios


universais tenham uma aplicação mais lata (ou uma aceitação
maior), aqueles que cobrem uma parte particular detêm um grau
maior de verdade, uma vez que a conduta se relaciona com fatos
particulares, estando nossas teorias obrigadas a se harmonizarem
com eles. 462

No que respeita à amenidade no entretenimento social, o caráter


mediano é espirituoso e a disposição mediana, espirituosidade. 463

E que portanto, “ficou claro, com efeito, que, nas formas que aumentam e
diminuem, o aumento e a diminuição provêm não da forma considerada em si mesma,
mas das diferentes participações do sujeito. Por isso, o aumento dos hábitos e das
formas não ocorre por adição de uma forma a outra, mas porque o sujeito participa mais
ou menos perfeitamente de uma única e mesma forma. E assim como pela ação de um
agente atualmente quente um corpo fica atualmente aquecido, como se começasse a
participar da forma, sem que esta comece a existir em si mesma (...). assim também,
pela ação intensa do próprio agente, o corpo se torna mais quente, como que
participando mais perfeitamente da forma e não como se algo se acrescentasse a ele”.

Parece indispensável ao estudante da ética discernir a diferença


entre o voluntário e o involuntário, o que também será útil ao
legislador no sua distribuição de recompensas e punições. 464

E a finalidade ou motivo de um ato varia segundo a ocasião. 465

Talvez então seja bom especificar a natureza e o número dessas


circunstâncias. São elas: o agente (1), o ato (2), a coisa (3) que é
afetada pelo ou constitui a esfera do ato e, por vezes, também o
instrumento (4), digamos uma ferramenta com a qual o ato é
realizado, o efeito (5), por exemplo salvar a vida de um homem, e a
maneira (6), por exemplo, suave ou violentamente 466

E as mais importantes circunstâncias parecem ser a natureza do


próprio ato e o efeito que ele produzirá467

460
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 77.
461
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 77.
462
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 78-79.
463
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 81.
464
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 87.
465
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 88.
466
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 90.
467
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 91.

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E “portanto, se se entendesse, pela adição, um tal aumento nas formas, isso
somente poderia acontecer por parte da forma ou por parte do sujeito. No primeiro caso,
já foi dito que tal adição ou subtração mudaria a espécie, como varia a espécie da cor,
quando o pálido se torna branco. – Se, porém, a adição for entendida por parte do
sujeito, isso não se poderia dar senão porque uma parte do sujeito recebeu a forma que
não tinha antes, como se disséssemos que o frio aumenta num homem que antes o sentia
numa parte do corpo e quando já o sente em várias; ou então porque se ajunta algum
outro sujeito participante da mesma forma, como se se acrescentasse o quente ao que já
era quente e o branco ao branco. Mas, segundo esses dois modos não se diz que o corpo
se tornou mais quente ou mais branco e sim maior”.

E a escolha é louvada por estar relacionada ao objeto certo e não por


estar corretamente relacionada a ele, enquanto a opinião por estar
verdadeiramente relacionada ao seu objeto. E nós elegemos
(escolhemos) somente coisas que sabemos absolutamente serem
boas. 468

Pertence ao gênero da ação voluntária (...) precedida por


deliberação, posto, que escolha envolve o raciocínio e certo processo
mental. 469

“objeto de deliberação”(...) Deliberamos sobre coisas que estão sob


nosso controle e que são atingíveis pela ação (...) Deliberamos sobre
coisas nas quais a nossa ação opera (...) a deliberação, portanto, é
empregada em matérias que, embora sujeitas a regras que
geralmente são para o bem, são incertas quanto aos seus resultados
ou consequências são indeterminados e nas quais, quando matéria é
importante, solicitamos [a ajuda de] outros no nosso deliberar,
desconfiando de nossa própria capacidade de decisão. Além disso,
não deliberamos acerca de fins, mas acerca de meios. 470

[no exercício de uma arte] a questão num momento é saber quais


ferramentas usar e, num outro, como usá-las; similarmente, em
outras esferas, temos que considera, por vezes, que meios empregar
e, outras vezes, como exatamente determinados meios devem ser
empregados. (...) o ser humano é o princípio-fundamento de suas
ações e que cabe à deliberação descobrir as ações a serem realizadas
dentro da esfera do próprio poder do agente, e todas nossas ações
visam fins (finalidades) que são distintos delas mesmas (...) a
deliberação tem que deter no fato particular, ou embarcará num
processo ad infinitum. 471

E “todavia, dado que certos acidentes aumentam em si mesmos (...), pode haver
em alguns deles aumento por adição. O movimento, por exemplo, aumente porque algo
se lhe acrescenta, quer pelo tempo de sua duração quer pelo percurso que ele faz e, no
entanto, permanece na mesma espécie, por causa da unidade do termo. Mas um
movimento aumenta também em intensidade, em relação à participação do sujeito, ou
468
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 93-94.
469
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 94.
470
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 94-95.
471
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 96.

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seja, o mesmo movimento pode realizar-se mais ou menos fácil ou prontamente. – A
ciência, igualmente, pode aumentar em si mesma, por adição. Por exemplo, quando
alguém aprende muitas conclusões de geometria, o hábito especifico dessa ciência
aumenta nele. A ciência, porém, aumenta em intensidade em alguém, pela participação
do sujeito, como, por exemplo, quando um homem procede com mais facilidade e com
mais clareza que outro na consideração das mesmas conclusões”.

O objeto da deliberação e o objeto da escolha são mesmo (...) a


vontade (aspiração) (...) aqueles que afirma que o que é aspirado é o
realmente bom [ou seja, que o bem é o objeto da vontade] têm que
admitir, como consequência, que aquilo a que o individuo (...) que
absoluta a verdadeiramente o bem é o objeto da vontade (...) aquilo
que é verdadeiramente um objeto de aspiração o é para o homem
bom. 472

O que distingue fundamentalmente o homem bom é o fato de


contemplar a verdade em cada tipo, sendo ele próprio , por assim
dizer, o referencial a medida do nobre e do aprazível. 473

Sendo o fim, então, ao que aspiramos, os meios que servem ao


nosso fim sendo matérias de deliberação e escolha, segue-se que as
ações que concernem a esses meios são realizadas por escolha e
voluntárias. 474

O ser humano é o autor de suas próprias ações e se somos incapazes


de remontar nossas ações a quaisquer outros princípios-fundamentos
que não sejam aqueles dentro de nós mesmos, então as ações cujos
princípios –fundamentos residem em nós, elas próprias, dependem
de nós e são voluntárias. 475

E “por outro lado, nos hábitos corporais não parece acontecer muito o aumento
por adição, porque não se diz que um animal é realmente são ou bonito se ele não o for
em todas as partes. Se medida mais perfeita, isso se deve à modificação de suas
qualidades elementares e estas não crescem senão em intensidade, por causa do sujeito
participante”.

Ele o fará da maneira correta e os suportará em conformidade com a


razão, por amor ao que é nobre, pois é esta a finalidade visada pela
virtude. 476

Homem corajoso: sua coragem é nobre e, portanto, seu fim é a


nobreza, pois uma coisa é definida por seu fim. 477

Não é verdade, portanto, no que tange à toda virtude, que seu


exercício seja essencialmente prazeroso, salvo na medida em que
atinge seu fim (...) a moderação (temperança) é a mediania em
relação aos prazeres478

472
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 97.
473
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 98.
474
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 98.
475
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 99.
476
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 104 .
477
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 105 .
478
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 111 .

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A moderação, portanto, concerne aos prazeres do corpo (...) é
realmente o fruir do objeto que é prazeroso e isso é realizado
unicamente através do sentido do tato, igualmente no comer e beber
e naquilo que é classificado com prazeres do sexo479

A “semelhança e dessemelhança não se consideram unicamente quanto a uma


quantidade idêntica ou diversa, senão também quanto ao modo de participação
semelhante ou diferente. Com efeito, o preto não só é dessemelhante do branco, mas
também o menos branco o é do branco, porque o movimento se faz do menos branco
para o mais branco, como o de um contrário para o outro contrário”.

O homem moderado mantém um procedimento mediano nessas


matérias. Não extrai prazer algum nas coisas da quais o desregrado
extrai mais prazer; pelo contrário, ele decididamente não as aprecia;
tampouco geralmente encontra prazer nas coisas erradas, nem prazer
excessivo em nada dessa espécie; nem sente dor ou desejo na sua
falta, ou apenas num grau moderado, não mais do que certo, nem no
momento errado, etc. Mas aqueles prazeres conduzentes à saúde e à
boa forma corpórea ele tentará obter no grau comedido e certo, bem
como outros prazeres na medida em que não prejudiquem a saúde e
a boa forma física, não sejam ignóbeis, ou ainda estejam além de
seus meios, aquele que ultrapassa esses limites dá mais atenção a
esses prazeres do que estes merecem – o que não ocorre com
homem moderado, pois ele só lhes dá atenção que lhe é ditada pela
razão. (...) e o prazer é algo que escolhemos. 480

Consequentemente, no homem moderado, o elemento apetitivo tem


que estar em harmonia com a razão, pois o objetivo da moderação
bem como do princípio racional é aquilo que é nobre, e o homem
moderado deseja a coisa certa de maneira certa no momento certo,
que é o ordenamento pela razão. 481

O motivo do homem munificente nessa despesa será a nobreza da


ação482

E a virtude (excelência) num empreendimento envolve grandeza (...)


ao passo que um ato exibe virtude somente quando é executado de
maneira certa. 483

E “no entanto, como o exercício dos hábitos depende da vontade humana (...),
assim como quem tem um hábito pode prescindir dele ou até agir contrariamente a ele,
assim também pode acontecer que use hábitos com atos desproporcionado à
intensidade deste. Portanto, , se a intensidade do ato for proporcional à do hábito ou
mesmo a superar, qualquer ato ou aumenta o hábito ou lhe preparará seu aumento,
falando assim do aumento dos hábitos tal qual falamos do crescimento dos animais. Não
é, com efeito, qualquer alimento ingerido que faz o animal crescer, como também não é
qualquer gota que fura a rocha, mas o crescimento se realiza pela repetição dos

479
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 112-113.
480
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 115 .
481
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 116 .
482
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 124 .
483
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 125 .

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alimentos. Da mesma forma, multiplicando-se os atos, aumenta o hábito. – Se, porém, a
intensidade do ato for proporcionalmente inferior à do hábito, esse ato não prepara o
hábito para o aumento e sim para diminuir”.

“Mérito” é um termo de relação que denota uma reinvindicação a


bens externos a si mesmo484

Uma vez ser a honra a recompensa da virtude e o tributo que


prestamos ao bem. Grandeza de alma parece, portanto, ser, por
assim dizer, um coroamento das virtudes; ela amplia a grandeza
delas e é impossível que exista sem elas. Consequentemente, é
difícil ser verdadeiramente grandioso de alma, uma vez que a
grandeza de alma é impossível na ausência de nobreza moral. (...) a
honra, que é o maior dos bens externos485

E aquele que é superior em alguma coisa boa é sempre objeto de


maior honra486

É característico do detentor de grandeza de alma jamais pedir ajuda


a outrem, ou fazê-lo apenas relutantemente, mas prestar ajuda de
boa vontade487

Quinto ponto; A destruição e a diminuição dos Hábitos488:

Diz Aristóteles na suma “As virtudes são mais duradouras que os


conhecimentos”. E também “o esquecimento e o engano são a morte da ciência”. São
Tomás “uma forma se destrói por si, pelo seu contrário, e acidentalmente pela
destruição de seu sujeito. Portanto, se houver algum hábito cujo sujeito seja destrutível e
cuja causa tenha um contrário, ele poderá se destruir pelas duas maneiras, como o
mostram os hábitos corporais, a saúde e a doença, por exemplo. – Já os hábitos cujo
sujeito é indestrutível não podem ser destruídos acidentalmente. Entretanto, certos
hábitos há que, embora existam principalmente num sujeito destrutível. Por exemplo, o
hábito da ciência, que reside principalmente no intelecto possível e, secundariamente,
nas potências apreensivas sensitiva (...). por isso mesmo, por parte do intelecto possível
o hábito da ciência não pode se destruir por acidente, mas só por parte das potências
sensitivas inferiores”.

De qualquer forma, aconteça o que acontecer, a disposição


mediana é louvável 489

484
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 128 .
485
Aristóteles. Ética a Niômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 129.
486
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 130 .
487
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 131 .
488 Suma Teológica IV p79-85.

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Também ela é inominadas como restantes, posto que
entenderemos melhor a natureza do caráter moral se
examinarmos suas qualidades uma a uma; e também
ratificaremos nossa crença de que as virtudes são modos
de observar a mediania. (...) a falsidade é em si mesma vil
e repreensível e a verdade, nobre e louvável. 490

Essa sinceridade pode ser avaliada como uma virtude


moral, pois o amante da verdade, que é veraz mesmo
quando nada depende dela, será veraz a fortiori quando
algum interesse estiver em jogo, visto que tendo o tempo
todo evitado a falsidade por sua própria causa, por certo
evitará quando é moralmente ignóbil; e esta é uma
disposição que louvamos491

Mas vida também inclui descanso e um forma de descanso


é o entretenimento proporcionado pela conversação. 492

E “importa, pois, examinar, se esses hábitos podem, por si, destruídos, porque se
houver algum hábito que tenha um contrário ou em si mesmo ou em virtude de sua
causa, ele poderá por si se destruir. Não o poderá, porém, se não tiver contrário. Ora,
que uma espécie inteligível, existente no intelecto possível, não tenha nenhum contrário,
é coisa evidente, como também o é que nada possa ser contrário ao intelecto agente,
causa dessa espécie. Logo, se algum hábito existir no intelecto possível, causado
imediatamente pelo intelecto agente, tal hábito é indestrutível tanto por si, quanto por
acidente. Esses são os hábitos das primeiros princípios, os especulativos e os práticos,
que não podem ser destruídos nem pelo esquecimento nem pelo engano. Por isso, o
Filósofo, falando da prudência, afirma que ela ‘não se perde pela esquecimento’. –
Existe, todavia, no intelecto possível, um hábito causado pela razão, que é o das
conclusões, chamado ciência. Ora, a causa desse hábito pode ter algo contrário
duplamente: tanto nas proposições, das quais procede a razão, pois ao enunciado ‘o bem
é o bem’ se opõe ‘o bem não é o bem’, segundo o Filósofo; quanto no próprio processo
da razão, como quando um sofisma se opõe ao silogismo dialético ou demonstrativo.
Fica, então, patente que por uma razão falsa pode ser destruído o hábito de uma opinião
verdadeira ou até mesmo da ciência”.

O rude (ou obtuso) é inteiramente inútil na conversação de lazer:


não contribui em nada e se ofende com tudo; contudo, o descanso e
o entretenimento parecem ser um elemento necessário à vida493

Observamos que todos entendem por justiça aquela disposição


moral que torna os indivíduos aptos a realizar atos justos e que os
faz agir justamente e desejar o que é justo, e analogamente, por

489
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 136 .
490
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 138 .
491
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 139.
492
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 140 .
493
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 142 .

Página 139 de 237


injustiça aquela disposição que leva os indivíduos a agir
injustamente e desejar o que é injusto. 494

Ora, o termo “injusto” é tido como indicativo tanto do indivíduo que


torna mais do que aquilo que lhe é devido, o indivíduo não
equitativo. Consequentemente, fica claro que o homem que obedece
a lei e o homem equitativo serão ambos justos. O “justo”, portanto,
significa aquilo que é legal e aquilo que é igual ou equitativo, e o
“injusto” significa aquilo que é igual ou equitativo, e o “injusto”
significa aquilo que é ilegal e aquilo que é desigual ou não
equitativo. 495

Que todas as coisas lícitas são justas num sentido da palavra, pois
aquilo que é legal é decidido pela legislação e às várias decisões
desta denominamos regras de justiça. Ora, todas as várias
promulgações da lei colimam ou interesse comum de todos, ou o
interesse dos mais excelentes, ou o interesse dos que detêm o poder,
ou algo do gênero, de sorte que, em um de seus sentidos, o termo
“justo” e aplicado a qualquer coisa que produz e preserva a
felicidade, ou as partes componentes da finalidade da comunidade
política (...) A justiça, (...) é virtude perfeita, ainda que com uma
qualificação, a saber, que é exibida aos outros [e não no absoluto].
496

E “quanto às virtudes, algumas são intelectuais, existentes na razão mesma (...),


para as quais vale a mesma razão a respeito da ciência ou da opinião. – Por outro lado,
outras há, as virtudes morais, residentes na parte apetitiva da alma, na quais vale a
mesma razão a respeito dos vícios opostos. Os hábitos da parte apetitiva são causados
pelo fato de que a razão existe para mover a apetitiva. Por isso, o hábito da virtude ou
do vicio pode ser destruído pelo juízo da razão, quando este move em sentido contrário,
de alguma maneira, quer por ignorância, quer por paixão, ou ainda por escolha”.

Na justiça se encontra toda virtude somada. (...) é por causa disso


que aprovamos o dito de Bias segundo o qual “a autoridade mostrará
o homem”, pois no exercício da autoridade aquele que a detém é
levado necessariamente à relação com os outros e se torna membro
da comunidade. A mesma razão, isto é, o fato de implicar a relação
com alguém mais, dá conta do parecer de que a justiça
exclusivamente entre as virtudes é “o bem alheio” porque concretiza
o que constitui a vantagem do outro (...) sua essência (...) aquilo que
é manifesto na relação com os outros é justiça – no ser simplesmente
uma disposição de um certo tipo é virtude. 497

Dois significados do “justo”, especificamente o legal e o igual ou


equitativo (...) nem tudo que é ilegal é não equitativo, ao passo que
tudo que é não equitativo é ilegal. 498

O injusto é o iníquo (desigual), o justo é o igual (...) a igualdade


envolve no mínimo dois termos (...) (1) que o justo seja uma
mediania ( e relativo a algo e justo para determinados indivíduos),
como também (2) que, na qualidade de uma mediania, implique
certos extremos entre os quais ele se coloca, a saber, o mais e o

494
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 145 .
495
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 146 .
496
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 147 .
497
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 148 .
498
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 150 .

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menos, (3) que, na qualidade de igual implique tuas porções que são
iguais e (4) que, na qualidade de justo, ele envolva determinados
indivíduos para os quais é justo. É portanto, necessário se inferir que
a justiça envolve, ao menos quatro termos, ou seja especificamente:
dois indivíduos para os quais há justiça e duas porções que são
justas (...) a proporção é uma igualdade de relações e que envolve,
ao menos, quatro termos. 499

A justiça corretiva, a qual está presente nas transações, privadas,


tanto voluntárias quanto involuntárias. Trata-se de uma justiça de
caráter diferente da anterior, pois a justiça na distribuição dos bens
comuns sempre se conforma à razão (proporção) que descrevemos
(visto que, quando uma distribuição é feita dos recursos comuns) 500

Diz São Tomás “por natureza, os contrários se dão no mesmo sujeito. Ora, o
aumento e a diminuição são contrários. Logo, se o hábito pode aumentar, parece que
também pode diminuir”. E que “fica claro que os hábitos de duas maneiras diminuem
como também aumentam. E assim como aumentam pela mesma causa que os gera,
assim também diminuem pela mesma causa que os destrói, pois a destruição de um
hábito é o caminho para sua destruição e, inversamente, a geração do hábito é uma base
para seu crescimento”.

A lei apenas considera a natureza do dano, tratando as partes como


iguais, limitando-se a indagar se alguém praticou injustiça enquanto
o outro a sofreu, e se alguém praticou o dano e se o outro foi
atingido. 501

A própria existência do Estado depende da reciprocidade fundada na


proporção502

A justiça é um modo de observar a mediania503

Justiça política quer dizer justiça entre pessoas livres e (real ou


proporcional) iguais, que vivem uma vida comum com a finalidade
de satisfazer de suas necessidades (...) justiça só pode existir entre
aqueles cujas relações mútuas são reguladas pela lei (...)
administração da lei implica a distinção entre o justo e o injusto. (...)
não admitimos que ser humano governe, mas a lei, porque um
homem governa em seu próprio interesse e se converte num tirano;
mas a função de um governante é ser o guardião da justiça e, se
assim o é (ou seja, da justiça), então da igualdade 504

Diz Aristóteles na suma “o que destrói a ciência não é somente o engano, mas
também o esquecimento”. E que “muitas amizades se dissolvem pela falta de
comunicação”. Para São Tomás “e pela mesma razão outros hábitos das virtudes
diminuem ou desaparecem, pela cessação de ato”.

499
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 151-152.
500
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 154 .
501
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 154 .
502
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 157 .
503
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 160 .
504
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 161-162.

Página 141 de 237


505
A justiça política é em parte natural, em parte convencional

Reivindicação de justiça ocorrem entre indivíduos quer


compartilham de coisas que são, em termos gerais, boas e que
podem obter porções demasiado grandes ou demasiado pequenas
dessas coisas boas. 506

Duas faculdades racionais podem ser designada como faculdade


científica e faculdade calculadora respectivamente; uma vez que
cálculo é o mesmo que deliberação e esta jamais é exercida sobre
coisas invariáveis, [entendemos que] a faculdade calculadora
constitui uma parte independente da metade racional da alma. (...) há
três elementos na alma que controlam a ação e o atingimento da
verdade, ou sejam: a sensação, o intelecto e o desejo. 507

O buscar e o evitar na esfera do desejo correspondem à afirmação e


à negação na esfera do intelecto. Consequentemente, na medida em
que a virtude moral é uma disposição que diz respeito à escolha, e
escolha é desejo deliberado, conclui-se que, se a escolha deve ser
boa, tanto a razão precisa ser verdadeira quanto o desejo correto, e
que o desejo tem que buscar as mesmas coisas afirmadas pela razão.
(...) o fundamento da ação (ou seja, a causa eficiente, não a causa
final) é a escolha, e a causa de escolha é o desejo e a razão dirigidos
a algum fim. (...) fazer bem (bem-estar) é o fim e é este que o desejo
visa. 508

Diz São Tomás “há dois modos de algo ser movente: por si, em razão de sua
própria forma, como faz o fogo ao aquecer; ou por acidente, como o que remove um
obstáculo. E desse último modo é que o cessar das atos causa a destruição ou
diminuição dos hábitos, na medida em que se removem os atos que lhes impediam as
causes destruidoras ou diminuidoras. (...) que os hábitos, por si, desaparecem ou
diminuem pela adição de um agente contrário. Por isso, o que é contrário a qualquer
hábito cresce ao longo do tempo e é preciso suprimi-lo por atos próprios do hábito.
Quando por muito tempo deixam de ser exercidos, esses hábitos diminuem e até mesmo
desaparecem de todo, como se vê claramente na ciência e na virtude”.

Há cinco qualidades através das quais a alma alcança a


verdade por afirmação ou negação. São elas
nomeadamente: a arte, o conhecimento científico, a
prudência (sabedoria prática), a sabedoria filosófica e o
entendimento. 509

À prudência (sabedoria prática) (...) característica do


homem prudente ser ele capaz de bem deliberar sobre o
que é bom e proveitoso para si mesmo, (...) o que é
vantajoso ou útil como recurso para o bem-estar em geral.
510

Fazer bem, é em si mesmos o fim. (...) a prudência é uma


qualidade racional de consecução da verdade, que

505
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 163 .
506
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 171 .
507
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 178 .
508
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 179 .
509
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 180 .
510
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 182 .

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concerne à ação relativamente a coisas que são boas e más
aos seres humanos. (...) os primeiros princípios da ação
são o fim para o qual nosso ato são meios. 511

O conhecimento científico é um modo de concepção que


lida com universais e coisas necessárias, e verdades
demonstradas bem como a totalidade do conhecimento
científico (uma vez que este implica raciocínio) se
originam de primeiros princípios. 512

Sexto ponto; A distinção dos Hábitos513:

Diz São Tomás “o intelecto é uma só potência e, no entanto, nele estão hábitos
de diversas ciências(...). Os hábitos, (...) são disposições de algo em potência para
alguma coisa ou para natureza, ou para uma ação, ou para o fim da natureza. Quanto aos
hábitos que são disposições para a natureza, é evidente que podem existir muitos em um
único sujeito, porque as partes deste podem ser tomadas de várias maneiras,
denominando-se hábitos segundo a disposição dessas partes. Assim, se consideramos os
humores como partes do corpo humano, enquanto disposto segundo a natureza humana,
temos o hábito ou a disposição da saúde. Se, porém, se tomam as partes semelhantes,
como os nervos, os ossos e as carnes, dispostos em ordem à natureza temos a fortaleza
ou a fraqueza. Se se tomam os membros. Como mãos, os pés e outros, a disposição
deles de acordo com a natureza, e a beleza. E assim há muitos hábitos ou disposições
num mesmo sujeito”.

O sábio, portanto, deve não só saber as conclusões que se seguem


aos seus primeiros princípios, como também deter uma verdadeira
compreensão desses próprios princípios. 514

Da prudência, no que se refere ao Estado, aquele tipo que


desempenha um papel controlador e diretivo é chamado de ciência
legislativa; aquele outro tipo que se ocupa de ocorrência particulares
se chama ciência política, que realmente, a rigor, é pertinente aos
dois tipos. Este último tange à ação e à deliberação (uma vez que
uma promulgação parlamentar é uma coisa a ser feita, estando a
última etapa do processo deliberativo), razão pela qual são apenas
aquelas pessoas que lidam com fatos particulares as consideradas
como “participante da política”, porque são somente elas que
executam ações. (...) ciência política, esta (...) sendo subdividida em
processo deliberativo e processo judiciário. 515

511
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 183 .
512
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 184 .
513 Suma Teológica IV p86-93.

514
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 186 .
515
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 188 .

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A prudência implica o conhecimento de fatos particulares, o que
somente a experiência pode propiciar. 516

A natureza da boa deliberação (...) é uma forma de deliberação e, de


fato, a deliberação envolve investigação e cálculo. 517

E que “se nos referimos, porém, a hábitos que são disposições para a ação e
pertencentes propriamente às potências, também nesse caso podem muitos deles ser
uma só potência. E a razão é que o sujeito do hábito é uma potência passiva,(...) porque
uma potência apenas ativa não é sujeito de hábito algum (...). Ora, uma potência passiva
está para um ato determinado de uma mesma espécie, como a matéria está para a forma,
pois assim como a matéria é determinada a uma só forma por um único agente, assim
também a potência passiva é determinada pela razão do objeto ativo a um ato
específico. Portanto, assim como muitos objetos podem mover uma única potência
passiva, assim também uma única potência passiva pode ser sujeito de diferentes atos
ou de diferentes perfeições específicas. Ora, os hábitos são qualidades ou formas
inerentes à potência e por eles é que ela se inclina a determinados atos de uma espécie.
Por isso, muitos hábitos podem pertencer a uma única potência, como também muitos
atos especificamente distintos”.

Boa deliberação é acerto ou exatidão no pensar (...) (de sorte que


temos, primeiramente, que investigar o que é deliberação e qual é o
objeto desta) 518

É esse tipo de acerto na deliberação que é boa deliberação, a saber,


ser acertado (exato, correto) no sentido de atingir alguma coisa boa
(...) relativamente ao que é útil, atingindo-se a conclusão certa
mediante fundamentos corretos no tempo certo. Por outro lado,
pode-se dizer de um homem que deliberou em que em geral, quer
em referência a um fim em particular. A boa deliberação em geral é,
portanto, a que conduz aos resultados correto com referência ao fim
em geral, ao passo que a exatidão (acerto) deliberativa com vista a
algum fim particular é boa deliberação de algum tipo especial. 519

Prudência, pois esta emite comandos (já seu fim é uma afirmação do
que se deve fazer ou não fazer). (...) discernimento (...) quando
utilizamos a faculdade da opinião para julgar (...) (isto é, que
julgamos corretamente, pois o julgamento correto é o mesmo que o
bem discernimento) (...) a qualidade designada com ponderação
(consideração), em virtude da qual se diz dos homens que eles têm
consideração, ou manifestam consideração pelos outros
(indulgência), é a faculdade de julgar corretamente o que é
equitativo. isso é indicado quando dizemos que o homem equitativo
tem especial consideração (estima e indulgência) pelos outros e que
é equitativo manifestar consideração (indulgência) pelos outros em
certos casos; contudo, consideração pelos outros é a consideração
que julga corretamente o que é equitativo, este julgando
corretamente significado julgar o que é verdadeiramente equitativo.

516
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 189 .
517
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 190 .
518
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 191 .
519
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 192 .

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(...) o discernimento e a ponderação se ocupam de matérias de
conduta, que são finais. (...) visto que os resultados finais – bem
como as definições primárias – são captados pelo entendimento e
não alcançados pelo raciocínio: nas demonstrações o apreende as
definições primárias e imutáveis, ao passo que nas inferências
práticas ele apreende o fato final e contingente, e a premissa menor,
uma vez serem estes os princípios os primeiros princípios dos quais
é inferido o fim, na medida em que regras gerais são baseadas em
casos particulares; consequentemente, é necessário que tenhamos
percepção dos particulares, e esta percepção imediata é
entendimento. 520

É incapaz de adquirir a qualidade da prudência sem possuir virtude


[moral], o que afirmamos anteriormente e é evidentemente
verdadeiro – isso porque inferência dedutivas sobre matérias de
conduta sempre apresentam uma premissa maior sob a forma de
“visto que o fim, ou seja, o bem mais excelente é desta ou daquela
natureza” (...) o bem mais excelente é desta ou aquela natureza (...)
bem mais excelentes (o bem supremo) somente se afigura bom para
o homem bom (...) dos primeiros princípios de conduta; do que se
conclui claramente que não seremos capazes de ser prudentes sem
sermos bons. 521

Diz São Tomás “por três critérios os hábitos se distinguem especificamente:


pelos princípios ativos dessas disposições, pela natureza e pelos objetos especificamente
diferentes”. Diz Aristóteles “o fim está para as ações como o princípio para as
demonstrações”. Diz São Tomás “por isso, a diversidade dos fins leva à diversidade das
virtudes, como também à diversidade dos princípios ativos. – Além disso, os fins são
eles próprios objetos dos atos interiores que sobretudo pertencem às virtudes”.

Que todas as virtudes são formas de prudência522

Se trata de uma disposição determinada pela justa razão, e esta é o


princípio determinados pela prudência. (...) a virtude não é
meramente uma disposição que se conforma à justa razão, mas uma
disposição que coopera com a justa razão, e a prudência é a justa
razão em assuntos referentes à conduta. (...) que as virtudes
cooperam com (ou envolvem) a justa razão. 523

O indivíduo autocontrolado é aquele que se conforma aos resultados


de seus cálculo524

As coisas que produzem prazer são duas classes: as necessárias e as


desejáveis em si, mas que comportam excesso, as fontes necessárias
dos prazeres são aquelas vinculadas ao corpo, ou seja, tais funções
da nutrição e do sexo. (...) as demais fontes de prazer não são
necessárias, porém desejáveis em si mesmas, a saber à guisa de
exemplos: a vitória, as honrarias, a riqueza e as outras coisas boas e
prazerosas da mesma espécie. 525

520
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 193-194.
521
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 197 .
522
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 198 .
523
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 199 .
524
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 202 .
525
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 210 .

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Diz Aristóteles “o bem é conversível com o ente, e sendo comum a tudo, não se
pode tomá-lo como diferença de alguma especie”. Diz São Tomás “o hábito bom é
contrário ao mau hábito, como a virtude é contrária ao vício. (...) logo, os hábitos
diferem especificamente pelo bem e pelo mal. (...) os hábitos distinguem-se
especificamente não só pelos objetos e princípios ativos, mas também em ordem à da
natureza e isso pode acontecer de duas maneiras. A primeira, conforme a harmonia ou
desarmonia com a natureza. E assim se distinguem especificamente o bom hábito e o
mau, pois chama-se bom hábito que dispõe a atos convenientes à natureza do agente e
mau o que dispõe a atos não convenientes a essa natureza, como os atos de virtude
convêm à natureza humana quando conformes à razão, ao passo que os atos viciosos,
sendo contra a razão, estão em desarmonia com essa natureza. (...). A outra maneira de
se distinguirem os hábitos quanto à natureza é que uns dispõem a atos convenientes à
natureza inferior; outros, a atos convenientes à natureza superior. Assim, a virtude
humana que dispõe a atos convenientes à natureza humana distingue-se da virtude
divina ou heroica, que dispõe a atos convenientes a uma natureza superior.(...) os
hábitos se distinguem pelo bem e pelo mal, ou seja, enquanto é um bom e outro é mau e
não porque um tenha por objeto o bem e outro o mal. (...) o bem que é comum a todo
ente não é diferença específica de nenhum hábito”.

Dos desejos e prazeres, alguns se relacionam com coisas de caráter


nobre e bom (pois algumas coisas prazerosas são naturalmente
desejáveis, outras contrárias à natureza, enquanto outras, ainda, são
neutras) 526

Princípio originador (sendo esse princípio a inteligência) é sempre


menos destrutiva527

O primeiro princípio ou ponto de partida em matérias de


comportamento é o fim proposto, (...) são os primeiros princípios
transmitidos pela razão, mas sim virtude, seja natural, seja adquirida
graças à educação na opinião correta no tocante ao primeiro
princípio. 528

Princípio ou escolha, essencialmente é o princípio verdadeiro e a


escolha certa que mantém firme e o outro não. 529

Diz São Tomás “ó hábito, por ser uma qualidade, é uma forma simples. Ora,
uma realidade simples não é constituída de muitas partes. Logo, um único hábito não é
constituído de muitos hábitos. (...) o hábito dirigido à ação, do qual aqui principalmente
tratamos, é uma perfeição da potência. Ora, toda perfeição é proporcional ao sujeito

526
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 211 .
527
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 217 .
528
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 221 .
529
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 222 .

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apto a recebê-la. Por isso, assim como uma potência, que é única, se entende a muitas
coisas, na medida em que estas se encontram em algo uno, ou seja, na razão comum de
objeto, assim também o hábito se entende a muitas coisas, enquanto estas estão
ordenadas a algo uno, como, por exemplo, a uma mesma razão particular de objeto ou a
uma mesma natureza ou ainda a um mesmo princípio, (...). Se, pois, considerarmos o
hábito nas realidades às quais ele se entende, nele encontramos, certamente, alguma
multiplicidade. Como, porém, essa multiplicidade se ordena a algo uno, a que o hábito
visa principalmente, segue-se daí que o hábito é uma qualidade simples, não formada de
vários hábitos, embora se estenda a muitas coisas. Um único hábito, na verdade, não se
entende a muitas coisas a não ser em vista de algo uno, donde tema sua unidade”. E que
“na formação de um hábito a sucessão não acontece porque uma parte é gerada depois
da outra, mas porque o sujeito não consegue imediatamente uma disposição firme e
dificilmente mutável e também porque ele começa a existir primeiro de maneira
imperfeita no sujeito, aperfeiçoando-se depois, aos poucos, como se dá com as demais
qualidades”.

Um Estado do que aplica suas leis, mas cuja leis são más.
530

[o hábito] é uma prática longa [e assídua], e a prática


afinal si torna natureza humana. 531

O bem é ou uma atividade ou um estado. 532

Prazeres não são realmente processos, nem são todos eles


incidentais em relação a um processo: são atividades e
fins533

Sétimo ponto; A essência da virtude534:

Diz Agostinho na suma “a virtude é o bom uso do livre arbítrio”, e que “a


virtude é a ordem do amor” e, em outro lugar: “essa ordenação que se chama virtude é
que nos leva a desfrutar do que deve ser desfrutado e a usar o que deve ser usado”. Diz
São Tomás “A virtude designa certa perfeição da potência. Mas a perfeição de uma
coisa é considerada, principalmente, em ordem ao seu fim. Ora, o fim da potência é o

530
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 224 .
531
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 225 .
532
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 227 .
533
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 228 .
534 Suma Teológica IV p93-102.

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ato. Portanto, a potência será perfeita na medida em que é determinada por seu ato”. E
que “a virtude é o último termo da potência, toma-se virtude pelo seu objeto, pois a
virtude de uma coisa se define em relação com esse ponto último que a potência pode
alcançar”. Diz Aristóteles na suma “que a virtude é ‘a disposição do que é perfeito para
o que é ótimo’” e que “a virtude de cada coisa é o que lhe torna boa a ação”.

Tem que ser bom, do que se conclui que o prazer é um bem535

Verdade, esta última espécie de prazeres acarreta um processo rumo


a perfeição, de sorte que, acidentalmente, esse prazeres são um bem
536

As coisas naturalmente prazerosas, ao contrário, são aquelas que


estimulam a atividade de uma dada natureza537

Visto ser a escolha o elemento essencial na virtude e no caráter. 538

Diz São Tomás “a virtude humana não implica uma ordenação para o existir,
mas antes para a ação”. Diz Agostinho na suma “ninguém duvidará que a virtude torna a
alma a melhor possível”. E Aristóteles na suma “a virtude torna bom quem a tem e boas
as obras que pratica”. Diz São Tomás “é necessário que a virtude de qualquer coisa seja
definida em relação com o bem. Logo, a virtude humana, que é um hábito de ação, é um
hábito bom e produtor de bem”. E que “o mal da embriaguez e do excesso no beber está
na falta de uma regra racional”.

A verdadeira boa vontade é despertada por algum tipo de virtude ou


qualidade moral. 539

A concórdia prevalece num Estado quando seus cidadãos


concordam quanto aos seus interesses [comuns], adotam as mesmas
medidas e implantam suas resoluções comuns. A concórdia,
portanto, se refere a fins práticos, ou seja, fins práticos de
importância e que permitem a realização por ambos ou todos os
partidos; (...) os desejos dos homens bons são constantes e não
sobem e descem como a maré; e seu desejo é por fins justos e
convenientes, por cujo atingimento se empenham em comum. 540

Um princípio fundamental da natureza: o que ele é em potência é o


que sua obra manifesta em ato. (...) que a atualidade do presente, a
esperança do futuro e a memória do passada sejam todas agradáveis,
a atualidade é a mais prazerosa das três e a mais amada. 541

Em matéria de nobreza moral e se esforçassem nas ações mais


nobre, o bem-estar comum seria completamente concretizado, ao
mesmo tempo em que os indivíduos poderiam desfrutar dos maiores
bens, visto ser a virtude e o maior dos bens. (...) no que concerne ao
homem mau, portanto, o que ele faz não se harmoniza com o que

535
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 229.
536
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 232 .
537
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 233 .
538
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 262 .
539
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 275.
540
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 276 .
541
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 278 .

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deve fazer, ao passo que o homem bem faz o que deve, uma vez que
o entendimento sempre escolhe para si aquilo que é o melhor, e o
homem bom se norteia pela seu entendimento. 542

Diz São Tomás na definição de virtude “uma boa qualidade da mente pela qual
se vive retamente, da qual ninguém faz mau uso e produzida por Deus em nós, sem
nós”. E que “a referida definição engloba perfeitamente toda a razão de virtude, pois a
razão perfeita de qualquer coisa deduz-se de todas suas causas. Ora, a definição
apresentada abarca todas as causas da virtude. Assim, a causa formal da virtude, como
de tudo o mais, deduz-se de seu gênero e diferença, quando se diz que ela é ‘uma
qualidade boa’, pois o gênero da virtude é a ‘qualidade’ e a diferença, o ‘bem’. Melhor
ainda seria a definição se, em lugar, da qualidade, se afirmasse o hábito, que é o gênero
próximo. Por outro lado, a virtude não tem uma matéria ‘pela qual’, assim como não
tem os acidentes, mas tem uma matéria ‘a respeito da qual’, e ‘na qual’, ou seja, um
sujeito. A matéria ‘a respeito da qual’ é o objeto da virtude, mas ela não pode entrar na
definição de virtude, porque esta, por seu objeto, é especificamente determinada e aqui
se indica uma definição de virtude em geral. Por isso, afirma-se o sujeito, em lugar de
sua causa material, quando se diz que a virtude é uma boa qualidade ‘da mente’”.

Ações nobres [provêm] de indivíduos nobres. 543

Os prazeres do conhecimento, por exemplo, não


apresentam uma dor que os antecede; tampouco certo
prazeres dos sentido, a saber, aqueles cujo veículo é o
sentido do olfato, bem como muitos sons e visões
[veiculados pelos sentidos da audição e da visão]; o
mesmo [se diga do prazer produzido por] lembranças e
esperanças. 544

A qualidade específica do prazer, ao contrário, é perfeita a


qualquer momento. Fica claro, portanto, que o prazer não
é idêntico ao movimento e que ele é um todo e algo
perfeito [e completo] (...) pois todo momento de
consciência prazerosa é um todo perfeito. 545

O prazer, portanto, também não é resultado de um


movimento ou processo, pois o prazer é um todo. (...) a
atividade de qualquer um dos sentidos está na sua melhor
forma quando o órgão do sentido está na sua melhor
condição é dirigido ao melhor de seus objetos, e essa
atividade será a mais perfeita e a mais prazerosa, pois cada
sentido possui um prazer que lhe corresponde, como
também o possuem o pensamento e a especulação, e sua
atividade é a mais prazerosa quando é maximamente
perfeita, e maximamente perfeita quando órgão está em
boa condição e quando é dirigido ao mais excelente de
seus objeto percebidos e a faculdade sensorial, se boa, a

542
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 281 .
543
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 290.
544
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 296 .
545
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 298 .

Página 149 de 237


aperfeiçoam – tal como a saúde e o médico não constituem
da mesma forma a causa de ser saudável. (Está claro que
cada um dos sentidos é acompanhado pelo prazer, visto
que aplicamos o termo prazeroso às visões e aos sons, e
também é evidente que prazer é maior quando a faculdade
sensorial se encontra tanto na sua melhor condição quanto
atuante em relação ao melhor objeto; e quando tanto o
objeto quanto aquele que percebe – o órgão que percebe –
são melhores, haverá sempre prazer, uma vez que tanto o
agente quanto o paciente necessário estão presentes.) mas
o prazer aperfeiçoa a atividade não como o faz disposição
inerente [à atividade], estando presente já no agente, mas
como uma perfeição que sobrevém como a exuberância da
saúde nos jovens e vigorosos. 546

E que “quanto ao fim da virtude, como se trata de hábito operativo, ele consiste
na própria ação. cumpre notar, porém, que, dentre os hábitos operativos, alguns visam
sempre o mal, como os hábitos viciosos; outros, ora ao bem, ora ao mal, como as
opiniões que tanto podem ser verdadeiras como falsas. Mas a virtude é um hábito
sempre voltado para o bem. É por isso que, para diferenciá-la dos hábitos que visam
sempre o mal se diz ‘pela qual ninguém faz mau uso’”. Diz Dionísio na suma “o bem da
alma consiste em existir segundo a razão”.

Portanto, enquanto o objeto inteligível ou sensível e a faculdade


discernidora ou especulativa forem como devem ser, haverá prazer
envolvido na atividade; desde que tanto a parte passiva como a ativa
de uma relação permaneçam as mesmas em si próprias e inalteráveis
em sua mútua relação, o mesmo resultado será naturalmente
produzido. 547

A vida é uma forma de atividade e cada homem exerce sua atividade


sobre aqueles objetos e com aquelas faculdades que ele mais
aprecia. (...) e o prazer dessas atividades aperfeiçoa a vida, que é o
que todos os seres humanos buscam. (...) de qualquer modo, eles
parecem estar indissoluvelmente unidos, pois não há prazer sem
atividade e, também, nenhuma atividade perfeita sem o prazer.
Também nisso reside o fundamento para a crença de que os prazeres
são variáveis quanto à qualidade específica548

As atividades do intelecto diferem daquelas dos sentidos e entre si


em gênero; e igualmente, em decorrência disso, diferem os prazeres
que as aperfeiçoam. (...) isso também pode ser constatado pela
afinidade que existe entre vários prazeres e as atividades
aperfeiçoadas por eles, pois uma atividade é aumentada pelo prazer
que lhe é pertinente – isso porque aqueles que estão envolvidos de
forma operativa com o prazer operam sempre com mais
discernimento e maior precisão, do que são exemplos os estudantes
que, sendo aficionados da geometria, (...) uma atividade é, portanto,
aumentada pelo prazer que lhe é próprio e aquilo que aumenta uma
coisa lhe é, necessariamente, afim. Entretanto, coisas que são afins
com coisas de diferentes gêneros têm, elas próprias, que diferir em
gênero. 549

546
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 299 .
547
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 300 .
548
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 300 .
549
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 301 .

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Nossas atividades são estimuladas, prolongadas e aprimoradas pela
prazer que lhes é próprio e obstada pela prazeres de outras
atividades, fica claro que os prazeres diferem largamente uns dos
outros. (...) como as atividades diferem quanto ao seu valor moral –
devendo uma ser adotadas e outras evitadas, ao passo que outras
ainda são neutras – mesmos se aplica no que toca aos seus prazeres,
pois cada atividade possui um prazer que lhe é próprio. Assim, o
prazer de uma boa atividade é moralmente bom, aquele de uma
atividade má é moralmente mau; pois mesmo desejos por coisas
nobres são louváveis e desejos por coisas vis, censuráveis. Mas os
prazeres contidos em nossas atividades estão mais estreitamente
ligados a elas do que os apetites que as estimulam, pois o apetite é
tanto temporalmente independente quanto distinto em sua natureza
da atividade, enquanto o prazer está intimamente ligado à atividade.
(...) com as atividades são diversas, também o são seus prazeres. A
visão supera o tato em pureza e a audição e o olfato superam o
paladar; e, analogamente, os prazeres do intelecto superam em
pureza os prazeres do sentidos, enquanto os prazeres de uma classe e
outra diferem entre si em pureza. 550

Oitavo ponto; O Sujeito da virtude551:

Diz Agostinho na suma “é pela virtude que se vive retamente”. Diz Aristóteles
na suma “a virtude torna bom quem a tem e boas as suas obras”. Diz São Tomás “pode-
se provar por três razões que a virtude pertence à potência da alma. Primeiro, pela
própria razão de virtude, que implica perfeição de uma potência e a perfeição existe
naquilo de que é perfeição. – Em segundo lugar, pelo fato de a virtude ser um hábito
ativo, (...) e toda ação procede da alma, por meio de alguma potência. – E, finalmente,
pelo fato de a virtude ser uma disposição para o ótimo e o ótimo é o fim que, por sua
vez, é ou uma ação de uma coisa ou o resultado obtido pela ação procedente da
potência. Logo, a virtude humana está em potência da alma como em seu sujeito”.

Diz Aristóteles na suma “três coisas se exigem da virtude: saber, querer e agir
com constância”. Diz São Tomás “o intelecto prático é o sujeito da prudência. E como
esta é ‘a reta razão do que deve ser praticado’, pede ela que se levem em conta os
princípios dessa razão referentes ao que deve praticar, que são os fins, para os quais ela
bem se dispõe pela retidão da vontade, assim como para os princípios de ordem
especulativa pela luz natural do intelecto agente. Dessa forma, assim como para o
sujeito da ciência, que é a reta razão das coisas especulativas, é o intelecto especulativo,
ordenado para o intelecto agente, assim sujeito da prudência é o intelecto prático,

550
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Ed EDIPRO. 2009 . Pagina 302 .
551 Suma Teológica IV p102-114.

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ordenado à vontade reta (...) o bem de cada um é o seu fim”. Diz Aristóteles na suma “o
principal ato da virtude moral é a escolha”.

Diz São Tomás “a fortaleza no irascível e a temperança no concupiscível (...) Os


apetites irascível e concupiscível podem ser considerados de dois modos: ou em si
mesmos, enquanto partes do apetite sensitivo e então não podem ser sujeitos de virtude.
– Ou enquanto participam da razão, por lhes ser natural obedecer a ela. E nesse caso,
tanto um como outro podem ser sujeitos da virtude humana, visto que, enquanto
participam da razão, são princípios de atos humanos. E nessas potências é necessário
admitir as virtudes. É evidente que algumas virtudes existem no irascível e no
concupiscível. Com efeito, o ato oriundo de uma potência movida por outra não pode
ser perfeito sem ambas as potências estarem bem dispostas ao ato, assim como o ato de
um artífice não pode chegar a bom termo, se ele não estiver bem disposto, bem como o
instrumento. Portanto, nas coisas em que intervém o irascível e o concupiscível,
enquanto movidas pela razão, é preciso que exista algum hábito que leve a bem agir não
só na razão, mas também neles. E como a boa disposição da potência que move sendo
movida se considera enquanto conforme com a potência que move, a virtude que está no
irascível e no concupiscível não é outra coisa senão a conformidade habitual dessas
potências com a razão”. E que “a razão rege o irascível e o concupiscível com ‘poder
político’, isto é, como se governam pessoas livres, que exercem, em certas coisas, sua
vontade própria. Por essa razão, é também preciso haver no irascível e no concupiscível
algumas virtudes pelas quais fiquem bem preparados para os seus atos”.

Diz Cicero na suma “a virtude é um hábito conforme à razão, a modo de


natureza”. Diz São Tomás “como pelo hábito a potência se aperfeiçoa para agir, esta
precisa do hábito, que é uma virtude, para agir reta e perfeitamente, toda vez que sua
própria razão não for suficiente para isso. Ora, é sempre em vista do objeto que se
considera a razão própria de uma potência. Portanto, (...) sendo o objeto da vontade o
bem da razão proporcionado à vontade, esta não precisa, quanto a isso, que a virtude
venha aperfeiçoá-la. Precisa, porém, dela quando se quer um bem que ultrapassa o
querer, seja relativamente a toda a espécie humana, como, por exemplo, o bem divino
que transcende os limites da natureza humana, seja relativamente ao indivíduo, como,
por exemplo, o bem do próximo. E assim, virtudes como caridade, justiça e outras como
estas, que ordenam o afeto do homem para Deus ou para o próximo têm como sujeito a
vontade”.

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Nono ponto; A causa das Virtudes552:

Diz São Tomás “as virtudes existem em nós por natureza, em estado de aptidão e
incoativamente; não, porém, em estado de perfeição, à exceção das virtudes teologais
que procedem totalmente de fora”. Diz a Glosa na suma “nada é bom sem o sumo bem.
Onde falta o conhecimento da verdade, existe falsa virtude, mesmo com ótimos
costumes”. Diz São Tomás “a razão do bem consiste em modo, espécie e ordem, (...) ou
‘medida, número e peso’ (...) é necessário considerar o bem do homem por alguma
regra. E esta, (...) é dupla: a razão humana e a lei divina. E como a lei divina é regra
superior, sua extensão é maior, de tal sorte que tudo o que é regulado pela razão humana
o é também pela lei divina, mas não inversamente”. E que “um ato pecaminoso isolado
não destrói o hábito da virtude adquirida, pois o que se opõe diretamente a um hábito
não é um ato, mas outro hábito”.

Diz São Tomás “devem os efeitos ser proporcionais às suas causas e princípios.
Ora, todas as virtudes, tanto as intelectuais quanto as morais, adquiridas por nossos atos,
procedem de certos princípios naturais preexistentes em nós”, e que “a potência desses
princípios infundidos naturalmente em nós não ultrapassa os limites da natureza. E, por
isso, para se ordenar ao fim sobrenatural, o homem precisa ser aperfeiçoado pelo
acréscimo de outros princípios”.

Decimo ponto; O meio-termo das Virtudes553:

Diz São Tomás “é próprio da virtude moral aperfeiçoar a parte apetitiva da alma
em relação a uma determinada matéria. Ora, a medida e a regra do movimento apetitivo
em relação aos seus objetos é a própria razão. Por outro lado, o bem de tudo é medido e
regulado está em conformar-se à sua regra, como o bem nas obras artísticas está em
seguir as regras da arte. Consequentemente, nesses casos, o mal está, ao contrário, no
desacordo de uma coisa com a sua regra ou medida. E isso pode acontecer ou porque ela
ultrapassa a medida ou porque fica aquém dela, como se vê claramente em tudo o que é
medido e regulado. E assim, é óbvio que o bem da virtude moral consiste no
ajustamento à medida da razão. – Mas, evidentemente, entra o excesso e o defeito, o
meio é a igualdade ou a conformidade e, por isso, é claro que a virtude moral consiste

552 Suma Teológica IV p179-188.

553 Suma Teológica IV p188-192.

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no meio-termo”. Diz Aristóteles na suma “a virtude moral é um hábito eletivo
consistente no meio-termo”.

E que “a virtude moral recebe sua bondade da regra da razão, mas sua matéria
são as paixões ou as ações. Portanto, se cotejarmos a virtude moral com a razão, nesse
caso, pelo que tem de racional, tem a razão de um extremo, a saber, a conformidade;
mas, o excesso e a deficiência têm a razão de outro extremo, a saber, a não
conformidade à razão. Considerando, porém, a virtude moral segundo a sua matéria,
tem a razão de meio-termo, enquanto reduz a paixão à regra racional. (...) enquanto
impõe regra à sua própria matéria, mas ‘é um extremo, no que ele tem de melhor e
perfeito’, isto é, enquanto conforme à razão”. Diz Aristóteles na suma “a virtude, em
sua substância, está no meio”. Diz São Tomás as “virtudes tendem a um máximo que é
a conformidade à regra da razão, a saber, onde, quando e por que convém”.

Diz Aristóteles na suma “a virtude moral consiste no meio-termo relativo a nós,


fixado pela razão”. Diz São Tomás “pode ter dois sentidos o meio-termo de razão. Num
primeiro sentido, consiste no ato mesmo da razão, como se esse mesma ato de razão se
reduzisse a um meio-termo. E assim, como a virtude moral não aperfeiçoa o ato da
razão, mas o da potência apetitiva, o seu meio-termo não é o da razão. – Noutro sentido,
pode-se dar esse nome ao que é afirmado pela razão em alguma matéria. E assim, o
meio-termo de razão, porque, como foi dito, a virtude moral consiste num meio por
conformidade com a reta razão”.

E que “entretanto, sucede, por vezes, que o meio-termo de razão também é real e
aí é preciso que o meio-termo da virtude moral seja um meio real, como no caso da
justiça. Outras vezes, porém, o meio-termo de razão não é um meio real, mas é relativo
a nós, e assim é o meio-termo em todas as outras virtudes morais. A razão disso é que a
justiça trata de ações relativas a coisas exteriores, nas quais o que é reto deve ser
definido de forma absoluta e por si mesmo (...). e portanto, o meio-termo de razão na
justiça coincide com o meio real, precisamente porque ela dá a cada um o que lhe é
devido, nem mais nem menos. Já as virtudes morais versam sobre as paixões interiores
cuja retidão não pode ser estabelecida do mesmo modo, visto que os homens se
comportam de diferentes maneiras em suas paixões. Torna-se então necessário que a
retidão da razão, no que concerne às paixões, seja estatuída por uma relação conosco,
que somos atingidos por elas”.

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Decimo Primeiro ponto; os vícios em si mesmos554:

Diz São Tomás “a virtude denomina uma perfeição da potência” e diz Túlio na
suma “a virtude é a saúde da alma”, e Agostinho diz na suma que “o vício é a qualidade
que torna o espírito mau”. Diz São Tomás “Ora, a virtude é a qualidade que torna bom
aquele que a possui”. E que “há duas coisas a considerar na virtude, sua essência e seu
fim. Na essência da virtude pode-se considerar o que se apresenta diretamente e o que é
consequência. Diretamente, a virtude implica a disposição de alguma coisa que se
encontra bem conforme à sua natureza”. Diz Aristóteles na suma “a virtude é a
disposição do que é perfeito para o melhor. Perfeito entende-se o que está disposto
segundo o modo de sua natureza”. Diz São Tomás “consequentemente, a virtude é uma
bondade, porque bondade consiste para cada um em encontrar-se bem segundo o modo
de sua natureza. E o fim da virtude são as boas ações”.

E que “três coisas, portanto, se encontra em oposição à virtude. Ao fim que ele
busca opõe-se o pecado. Pois este designa, propriamente falando, a ação desordenada. E
a ação virtuosa é aquela que é ordenada e devida. E enquanto à razão de virtude se
segue ser uma certa bondade, à virtude opõe-se a malícia. Mas, enquanto àquilo que
diretamente é da razão de virtude, à virtude opõe-se o vício, porque o vício de uma coisa
parece ser não estar nas disposições que convêm à sua natureza. Donde a palavra de
Agostinho: ‘chama vício o que vês faltar à perfeição da natureza’”.

Ademais “que pecado, malícia e vício são contrários à virtude, mas não segundo
o mesmo ponto. O pecado opõe-se à virtude enquanto é operativa no bem; a malícia,
enquanto é uma certa bondade; e o vício, enquanto propriamente é uma virtude”. E mais
“que a virtude não implica somente a perfeição da potência que está no princípio do ato.
Ela implica também a boa disposição do sujeito que a possui, porque cada um age na
medida em que está em ato. Portanto, é preciso que algo se encontre bem disposto para
que seja operativo do bem. É nesse sentido que o vício opõe-se à virtude”. E que “o
vício do espírito, conforme diz Cícero (...), é um habito ou afeição do espírito
inconstante em todo a vida e incoerente consigo mesmo”. E que “à virtude se opõe mais
conveniente o vício, do que a indisposição ou doença”.

E também “o pecado refere-se ao vício como o ato ao habitus. Ora, o pecado


define-se, segundo agostinho, como ‘uma palavra ou feito ou desejo contra a lei de

554 Suma Teológica IV p289-294.

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Deus’”. E que “o que constitui a espécie humana é a alma racional. Eis por que, tudo o
que é contra a ordem da razão é, propriamente, contra a natureza do ser humano
considerado como tal. ‘O bem do ser humano, diz Dionísio, consiste em conformar-se à
razão e seu mal está em afasta-se dela’. Por conseguinte, a virtude humana, a que faz
com que o ser humano seja bom e boa também sua obra, está em conformidade com a
natureza humana, na medida em que ela está em harmonia com a razão. E o vício é
contra a natureza humana, na medida em que é contra a ordem racional”.

E que “Ora, a lei eterna está para ordem racional humana como a arte para a obra
de arte. Pela mesma razão, portanto, o vício e o pecado são contra a ordem da razão
humana e contra a lei eterna. O que explica esta frase de Agostinho: ‘Deus dá a todas as
naturezas ser o que elas são. E elas se tornam viciosas na medida que se afastam da arte
que as criou’”.

Conclusão:

As assertivas e os argumento tais quais as conclusões de São Tomás de Aquino


em sua doutrina se mostram até hoje contemporâneos, coisa que a tradição sobre moral
abafa, quando olhados sobre os ditames da doutrina regula, e na tradição há vários erros
basta consultar um dicionário para ver a dicotomia da tradição e doutrina. Lembrando
que os argumentos de São Tomás são apenas lógica imperando, esperamos ter mostrado
isso nesse tratado

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Apêndice A:
A inconstitucionalidade da constituição;
A análise que fazemos será breve, pois uma das intenções neste tratado é mostrar o
sofisma que existe na constituição brasileira, bem vamos lá. No artigo 5° da constituição
federal está escrito: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: ai vem o inciso II II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei; ou seja, aonde está a liberdade falada no caput,
pois a liberdade se configura por um ato livre que pode ou não interferir na vontade de
outrem, quando interfere na vontade de outrem, o ato tem que ser realmente regulado,
mas quando não se interfere, quando é só a vontade livre referindo-se a si mesma o
Estado não tem que legislar, seria ir além do bem comum, ou seja, quanto se tem uma
preposição e essa preposição é o termo lei (uma certa regra aqui tratado na constituição
sem a regulação ou meio-termo), na realidade nega as assertivas e direitos que vem
logo antes e depois nos incisos fazendo-se assim um sofisma pois os direitos são
afirmados mas com a ressalva da lei, sendo que o constituição deveria garantir os
direitos, que se desvirtua a sua finalidade um bom exemplo é do casamento, da
sociedade e o estado nazista tratados por nós, pois a lei tem como finalidade o bem
comum, e aqui na constituição tratada apenas como repreensão, por isso nós
perguntamos novamente aonde está a liberdade do caput? Fazendo que o Estado tenha
uma vontade totalitária e se colocando acima de Deus, que faz lembrar o preâmbulo da
constituição.

Apêndice B:
Este segundo apêndice na realidade é um pedido para o leitor, que caso esteja seja
fluente em uma segunda língua traduza esse tratado conforme a disponibilidade, visto a
importância e utilidade para todos.

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ANEXO A:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada
pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1948

Brasília 1998

Representação da UNESCO no Brasil

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada


pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1948

PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da


família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos


bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em
que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo
do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem
comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da
lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra
tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as


nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé
nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na
igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso
social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação


com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades
fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

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Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta
importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A ASSEMBLÉIA GERAL proclama a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS


DIRETOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas
as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo
sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por
promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a
sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-
Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo 1.

Todas os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.

Artigo 2.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos
nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,

cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita
nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou
território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob
tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4.

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos


serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5.

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Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.

Artigo 6.

Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa
perante a lei.

Artigo 7.

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da
lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8.

Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio
efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos
pela constituição ou pela lei.

Artigo 9.

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10.

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por
parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres
ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11.

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à
sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também
não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era
aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12.

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Ninguém será sujeito à interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar
ou em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo ser humano
tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das
fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país,
inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo 14.

1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em


outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição
legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos
objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15.

1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente
privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16.

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade


ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais
direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não
será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o
núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do
Estado.

Artigo 17.

1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.


Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo 18.

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa

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religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 19.

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2.


Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21.

1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou
por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual
direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da
autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas,
por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a
liberdade de voto.

Artigo 22.

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 23.

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano,
sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser
humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade
humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4.
Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de
seus interesses.

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Artigo 24.

Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas
de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Artigo 25.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e
assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão
da mesma proteção social.

Artigo 26.

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos
graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada
no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades
das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito
na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27.

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da


comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes
de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28.

Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e
liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29.

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1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e
liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos
e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e
do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem,
em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das
Nações Unidas.

Artigo 30.

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o


reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer
atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e
liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO B:

ANEXO AO DECRETO QUE PROMULGA O PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS


CIVIS E POLÍTICOS/MRE

PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

PREÂMBULO

Os Estados Partes do presente Pacto,

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações


Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de
seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo,

Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana,

Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,


o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da
miséria, não pode ser realizado e menos que se criem às condições que permitam a cada um
gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e
culturais,

Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover
o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem,

Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a
coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos
reconhecidos no presente Pacto,

Acordam o seguinte:

PARTE I

ARTIGO 1

1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam


livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico,
social e cultural.

2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente se suas
riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação
econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito Internacional.
Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência.

3. Os Estados Partes do presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade


de administrar territórios não-autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício
do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da
Carta das Nações Unidas.

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PARTE II

ARTIGO 2

1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os


indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos
reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo.
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação
econômica, nascimento ou qualquer condição.

2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os


direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto comprometem-
se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando em consideração seus
respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto.

3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a:

a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto
tenham sido violados, possa de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetra
por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais;

b) Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela
competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade
competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as
possibilidades de recurso judicial;

c) Garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar


procedente tal recurso.

ARTIGO 3

Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres


igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto.

ARTIGO 4

1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas


oficialmente, os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida
pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde
que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas
pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça,
cor, sexo, língua, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6, 7, 8 (parágrafos


1 e 2) 11, 15, 16, e 18.

3. Os Estados Partes do presente Pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem
comunicar imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio do
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, as disposições que tenham suspendido,
bem como os motivos de tal suspensão. Os Estados partes deverão fazer uma nova
comunicação, igualmente por intermédio do Secretário-Geral da Organização das Nações
Unidas, na data em que terminar tal suspensão.

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ARTIGO 5

1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer


a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou
praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos
no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas.

2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais


reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis,
convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os
reconheça ou os reconheça em menor grau.

PARTE III

ARTIGO 6

1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.

2. Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta
apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época
em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente
Pacto, nem com a Convenção sobra a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-
se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e
proferida por tribunal competente.

3. Quando a privação da vida constituir crime de genocídio, entende-se que nenhuma


disposição do presente artigo autorizará qualquer Estado Parte do presente Pacto a eximir-se,
de modo algum, do cumprimento de qualquer das obrigações que tenham assumido em virtude
das disposições da Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio.

4. Qualquer condenado à morte terá o direito de pedir indulto ou comutação da pena. A


anistia, o indulto ou a comutação da pena poderá ser concedido em todos os casos.

5. A pena de morte não deverá ser imposta em casos de crimes cometidos por pessoas
menores de 18 anos, nem aplicada a mulheres em estado de gravidez.

6. Não se poderá invocar disposição alguma do presente artigo para retardar ou impedir a
abolição da pena de morte por um Estado Parte do presente Pacto.

ARTIGO 7

Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou
degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a
experiências médias ou cientificas.

ARTIGO 8

1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em


todos as suas formas, ficam proibidos.

2. Ninguém poderá ser submetido à servidão.

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3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios;

b) A alínea a) do presente parágrafo não poderá ser interpretada no sentido de proibir, nos
países em que certos crimes sejam punidos com prisão e trabalhos forçados, o cumprimento
de uma pena de trabalhos forçados, imposta por um tribunal competente;

c) Para os efeitos do presente parágrafo, não serão considerados "trabalhos forçados ou


obrigatórios":

i) qualquer trabalho ou serviço, não previsto na alínea b) normalmente exigido de um


individuo que tenha sido encarcerado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido
objeto de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;

ii) qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo
de consciência, qualquer serviço nacional que a lei venha a exigir daqueles que se oponham
ao serviço militar por motivo de consciência;

iii) qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que ameacem o


bem-estar da comunidade;

iv) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

ARTIGO 9

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso
ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos
previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada,
sem demora, das acusações formuladas contra ela.

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser


conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer
funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a
regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o
comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se
necessário for, para a execução da sentença.

4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o
direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislação de seu
encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.

5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à repartição.

ARTIGO 10

1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à
dignidade inerente à pessoa humana.

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2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias
excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua
condição de pessoa não-condenada.

b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais
rápido possível.

3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a
reabilitação normal dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos
adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.

ARTIGO 11

Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

ARTIGO 12

1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado terá o direito de nele
livremente circular e escolher sua residência.

2. Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país.

3. os direitos supracitados não poderão em lei e no intuito de restrições, a menos que


estejam previstas em lei e no intuito de proteger a segurança nacional e a ordem, a saúde ou a
moral pública, bem como os direitos e liberdades das demais pessoas, e que sejam
compatíveis com os outros direitos reconhecidos no presente Pacto.

4. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país.

ARTIGO 13

Um estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte do presente Pacto


só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei e, a
menos que razões imperativas de segurança nacional a isso se oponham, terá a possibilidade
de expor as razões que militem contra sua expulsão e de ter seu caso reexaminado pelas
autoridades competentes, ou por uma ou varias pessoas especialmente designadas pelas
referidas autoridades, e de fazer-se representar com esse objetivo.

ARTIGO 14

1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá
o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter
penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A
imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por
motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade
democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em
que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas
quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença
proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de
menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou
à tutela de menores.

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2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto
não for legalmente comprovada sua culpa.

3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as
seguintes garantias:

a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma minuciosa, da
natureza e dos motivos da acusão contra ela formulada;

b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-


se com defensor de sua escolha;

c) De ser julgado sem dilações indevidas;

d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de


defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste
de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado ex-
offício gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;

e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusão e de obter o comparecimento


eo interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de
acusação;

f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a
língua empregada durante o julgamento;

g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação penal em
conta a idade dos menos e a importância de promover sua reintegração social.

5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.

6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou se um


indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a
existência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente desse condenação deverá
ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total
ou parcialmente, a não revelação dos fatos desconhecidos em tempo útil.

7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absorvido ou
condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos
penais de cada país.

ARTIGO 15

1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam delito de acordo
com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos. Tampouco
poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se,
depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente
deverá dela beneficiar-se.

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2. Nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de
qualquer individuo por atos ou omissões que, momento em que forma cometidos, eram
considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela
comunidade das nações.

ARTIGO 16

Toda pessoa terá direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade


jurídica.

ARTIGO 17

1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em
sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas
honra e reputação.

2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

ARTIGO 18

1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse


direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a
liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como
privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.

2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua
liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.

3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações


previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a
moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos


países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos
filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.

ARTIGO 19

1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de
procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de
considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por
qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e


responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que
devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

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ARTIGO 20

1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra.

2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência.

ARTIGO 21

O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito
apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade
democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para
proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

ARTIGO 22

1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de


construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.

2. O exercício desse direito estará sujeito apenas ás restrições previstas em lei e que se
façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da
segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e
liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições
legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.

3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da Convenção
de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do
direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam ou aplicar a lei de maneira
a restringir as garantias previstas na referida Convenção.

ARTIGO 23

1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser


protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento
e constituir família.

3. Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos.

4. Os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar as medidas apropriadas para


assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento,
durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adotar-se
disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.

ARTIGO 24

1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua,
religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção
que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

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2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber
um nome.

3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.

ARTIGO 25

Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação
mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de


representantes livremente escolhidos;

b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio


universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos
eleitores;

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

ARTIGO 26

Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual
proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir
a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

ARTIGO 27

Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas


pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com
outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria
religião e usar sua própria língua.

PARTE IV

ARTIGO 28

1. Constituir-se-á um Comitê de Diretores Humanos (doravante denominado o "Comitê" no


presente Pacto). O Comitê será composto de dezoito membros e desempenhará as funções
descritas adiante.

2. O Comitê será integrado por nacionais dos Estados Partes do presente Pacto, os quais
deverão ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de
direito humanos, levando-se em consideração a utilidade da participação de algumas pessoas
com experiências jurídicas.

3. Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal.

ARTIGO 29

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1. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas
que preencham os requisitos previstos no artigo 28 e indicados, com esse objetivo, pelos
Estados Partes do presente Pacto.

2. Cada Estado Parte no presente Pacto poderá indicar duas pessoas. Essas pessoas
deverão ser nacionais do Estado que as indicou.

3. A mesma pessoa poderá ser indicada mais de uma vez.

ARTIGO 30

1. A primeira eleição realizar-se-á no máximo seis meses após a data de entrada em vigor
do presente Pacto.

2. Ao menos quatro meses antes da data de cada eleição do Comitê, e desde que seja uma
eleição para preencher uma vaga declarada nos termos do artigo 34, o Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas convidará, por escrito, os Estados Partes do presente
Protocolo a indicar, no prazo de três meses, os candidatos a membro do Comitê.

3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem
alfabética de todos os candidatos assim designados, mencionando os Estados Partes que os
tiverem indicado, e a comunicará aos Estados Partes o presente Pacto, no Maximo um mês
antes da data de cada eleição.

4. Os membros do Comitê serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocados pelo
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas na sede da Organização. Nessas
reuniões, em que o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados Partes do presente
Pacto, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o maior número de votos
e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes.

ARTIGO 31

1. O Comitê não poderá ter mais de uma nacional de um mesmo Estado.

2. Nas eleições do Comitê, levar-se-ão em consideração uma distribuição geográfica


eqüitativa e uma representação das diversas formas de civilização, bem como dos principais
sistemas jurídicos.

ARTIGO 32

1. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Poderão, caso
suas candidaturas sejam apresentadas novamente, ser reeleitos. Entretanto, o mandato de
nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois anos; imediatamente
após a primeira eleição, o presidente da reunião a que se refere o parágrafo 4 do artigo 30
indicará, por sorteio, os nomes desses nove membros.

2. Ao expirar o mandato dos membros, as eleições se realizarão de acordo com o disposto


nos artigos precedentes desta parte do presente Pacto.

ARTIGO 33

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1.Se, na opinião unânime dos demais membros, um membro do Comitê deixar de
desempenhar suas funções por motivos distintos de uma ausência temporária, o Presidente
comunicará tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que declarará
vago o lugar que o referido membro ocupava.

2. Em caso de morte ou renúncia de um membro do Comitê, o Presidente comunicará


imediatamente tal fato ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que declarará
vago o lugar desde a data da morte ou daquela em que a renúncia passe a produzir efeitos.

ARTIGO 34

1. Quando uma vaga for declarada nos termos do artigo 33 e o mandato do membro a ser
substituído não expirar no prazo de seis messes a conta da data em que tenha sido declarada
a vaga, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas comunicará tal fato aos
Estados Partes do presente Pacto, que poderá, no prazo de dois meses, indicar candidatos,
em conformidade com o artigo 29, para preencher a vaga.

2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista por ordem
alfabética dos candidatos assim designados e a comunicará aos Estados Partes do presente
Pacto. A eleição destinada a preencher tal vaga será realizada nos termos das disposições
pertinentes desta parte do presente Pacto.

3. Qualquer membro do Comitê eleito para preencher uma vaga em conformidade com o
artigo 33 fará parte do Comitê durante o restante do mandato do membro que deixar vago o
lugar do Comitê, nos termos do referido artigo.

ARTIGO 35

Os membros do Comitê receberão, com a aprovação da Assembléia-Geral da Organização


das Nações, honorários provenientes de recursos da Organização das Nações Unidas, nas
condições fixadas, considerando-se a importância das funções do Comitê, pela Assembléia-
Geral.

ARTIGO 36

O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do Comitê o


pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que lhe são atribuídas
em virtude do presente Pacto.

ARTIGO 37

1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convocará os Membros do


Comitê para a primeira reunião, a realizar-se na sede da Organização.

2. Após a primeira reunião, o Comitê deverá reunir-se em todas as ocasiões previstas em


suas regras de procedimento.

3. As reuniões do Comitê serão realizadas normalmente na sede da Organização das


Nações Unidas ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra.

ARTIGO 38

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Todo Membro do Comitê deverá, antes de iniciar suas funções, assumir, em sessão pública,
o compromisso solene de que desempenhará suas funções imparciais e conscientemente.

ARTIGO 39

1. O Comitê elegerá sua mesa para um período de dois anos. Os membros da mesa
poderão ser reeleitos.

2. O próprio Comitê estabelecerá suas regras de procedimento; estas, contudo, deverão


conter, entre outras, as seguintes disposições:

a) O quorum será de doze membros;

b) As decisões do Comitê serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes.

ARTIGO 40

1. Os Estados partes do presente Pacto comprometem-se a submeter relatórios sobre as


medidas por eles adotadas para tornar efeitos os direitos reconhecidos no presente Pacto e
sobre o processo alcançado no gozo desses direitos:

a) Dentro do prazo de um ano, a contar do início da vigência do presente pacto nos Estados
Partes interessados;

b) A partir de então, sempre que o Comitê vier a solicitar.

2. Todos os relatórios serão submetidos ao Secretário-Geral da Organização das Nações


Unidas, que os encaminhará, para exame, ao Comitê. Os relatórios deverão sublinhar, caso
existam, os fatores e as dificuldades que prejudiquem a implementação do presente Pacto.

3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá, após consulta ao Comitê,


encaminhar às agências especializadas interessadas cópias das partes dos relatórios que
digam respeito a sua esfera de competência.

4. O Comitê estudará os relatórios apresentados pelos Estados Partes do presente Pacto e


transmitirá aos Estados Partes seu próprio relatório, bem como os comentários gerais que
julgar oportunos. O Comitê poderá igualmente transmitir ao Conselho Econômico e Social os
referidos comentários, bem como cópias dos relatórios que houver recebido dos Estados
Partes do presente Pacto.

5. Os Estados Partes no presente Pacto poderão submeter ao Comitê as observações que


desejarem formular relativamente aos comentários feitos nos termos do parágrafo 4 do
presente artigo.

ARTIGO 41

1. Com base no presente Artigo, todo Estado Parte do presente Pacto poderá declarar, a
qualquer momento, que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as
comunicações em que um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo as
obrigações que lhe impõe o presente Pacto. As referidas comunicações só serão recebidas e
examinadas nos termos do presente artigo no caso de serem apresentadas por um Estado
Parte que houver feito uma declaração em que reconheça, com relação a si próprio, a

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competência do Comitê. O Comitê não receberá comunicação alguma relativa a um Estado
Parte que não houver feito uma declaração dessa natureza. As comunicações recebidas em
virtude do presente artigo estarão sujeitas ao procedimento que se segue:

a) Se um Estado Parte do presente Pacto considerar que outro Estado Parte não vem
cumprindo as disposições do presente Pacto poderá, mediante comunicação escrita, levar a
questão ao conhecimento deste Estado Parte. Dentro do prazo de três meses, a contar da data
do recebimento da comunicação, o Estado destinatário fornecerá ao Estado que enviou a
comunicação explicações ou quaisquer outras declarações por escrito que esclareçam a
questão, as quais deverão fazer referência, até onde seja possível e pertinente, aos
procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados, em trâmite ou disponíveis sobre a
questão;

b) Se, dentro do prazo de seis meses, a contar da data do recebimento da comunicação


original pelo Estado destinatário, a questão não estiver dirimida satisfatoriamente para ambos
os Estados partes interessados, tanto um como o outro terão o direito de submetê-la ao
Comitê, mediante notificação endereçada ao Comitê ou ao outro Estado interessado;

c) O Comitê tratará de todas as questões que se lhe submetem em virtude do presente


artigo somente após ter-se assegurado de que todos os recursos jurídicos internos disponíveis
tenham sido utilizados e esgotados, em consonância com os princípios do Direito Internacional
geralmente reconhecidos. Não se aplicará essa regra quanto a aplicação dos mencionados
recursos prolongar-se injustificadamente;

d) O Comitê realizará reuniões confidencias quando estiver examinando as comunicações


previstas no presente artigo;

e) Sem prejuízo das disposições da alínea c) Comitê colocará seus bons Ofícios dos
Estados Partes interessados no intuito de alcançar uma solução amistosa para a questão,
baseada no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos no
presente Pacto;

f) Em todas as questões que se submetam em virtude do presente artigo, o Comitê poderá


solicitar aos Estados Partes interessados, a que se faz referencia na alínea b) , que lhe
forneçam quaisquer informações pertinentes;

g) Os Estados Partes interessados, a que se faz referência na alínea b), terão direito de
fazer-se representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar suas
observações verbalmente e/ou por escrito;

h) O Comitê, dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento da notificação


mencionada na alínea b), apresentará relatório em que:

(i se houver sido alcançada uma solução nos termos da alínea e), o Comitê restringir-se-á,
em relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada.

(ii se não houver sido alcançada solução alguma nos termos da alínea e), o Comitê,
restringir-se-á, em seu relatório, a uma breve exposição dos fatos; serão anexados ao relatório
o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas pelos Estados
Parte interessados.

Para cada questão, o relatório será encaminhado aos Estados Partes interessados.

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2. As disposições do presente artigo entrarão em vigor a partir do momento em que dez
Estados Partes do presente Pacto houverem feito as declarações mencionadas no parágrafo 1
desde artigo. As referidas declarações serão depositados pelos Estados Partes junto ao
Secretário-Geral das Organizações das Nações Unidas, que enviará cópias das mesmas aos
demais Estados Partes. Toda declaração poderá ser retirada, a qualquer momento, mediante
notificação endereçada ao Secretário-Geral. Far-se-á essa retirada sem prejuízo do exame de
quaisquer questões que constituam objeto de uma comunicação já transmitida nos termos
deste artigo; em virtude do presente artigo, não se receberá qualquer nova comunicação de um
Estado Parte uma vez que o Secretário-Geral tenha recebido a notificação sobre a retirada da
declaração, a menos que o Estado Parte interessado haja feito uma nova declaração.

ARTIGO 42

1. a) Se uma questão submetida ao Comitê, nos termos do artigo 41, não estiver dirimida
satisfatoriamente para os Estados Partes interessados, o Comitê poderá, com o consentimento
prévio dos Estados Partes interessados, constituir uma Comissão ad hoc (doravante
denominada "a Comissão"). A Comissão colocará seus bons ofícios à disposição dos Estados
Partes interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa para a questão baseada
no respeito ao presente Pacto.

b) A Comissão será composta de cinco membros designados com o consentimento dos


Estados interessados. Se os Estados Partes interessados não chegarem a um acordo a
respeito da totalidade ou de parte da composição da Comissão dentro do prazo de três meses,
os membro da Comissão em relação aos quais não se chegou a acordo serão eleitos pelo
Comitê, entre os seus próprios membros, em votação secreta e por maioria de dois terços dos
membros do Comitê.

2. Os membros da Comissão exercerão suas funções a título pessoal. Não poderão ser
nacionais dos Estados interessados, nem de Estado que não seja Parte do presente Pacto,
nem de um Estado Parte que não tenha feito a declaração prevista no artigo 41.

3. A própria Comissão alegará seu Presidente e estabelecerá suas regras de procedimento.

4. As reuniões da Comissão serão realizadas normalmente na sede da Organização das


Nações Unidas ou no escritório das Nações Unidas em Genebra. Entretanto, poderão realizar-
se em qualquer outro lugar apropriado que a Comissão determinar, após consulta ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas e aos Estados Partes interessados.

5. O secretariado referido no artigo 36 também prestará serviços às condições designadas


em virtude do presente artigo.

6. As informações obtidas e coligidas pelo Comitê serão colocadas à disposição da


Comissão, a qual poderá solicitar aos Estados Partes interessados que lhe forneçam qualquer
outra informação pertinente.

7. Após haver estudado a questão sob todos os seus aspectos, mas, em qualquer caso, no
prazo de doze meses após dela tomado conhecimento, a Comissão apresentará um relatório
ao Presidente do Comitê, que o encaminhará aos Estados Partes interessados:

a) Se a Comissão não puder terminar o exame da questão, restringir-se-á, em seu relatório,


a uma breve exposição sobre o estágio em que se encontra o exame da questão;

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b) Se houver sido alcançado uma solução amistosa para a questão, baseada no respeito
dos direitos humanos reconhecidos no presente Pacto, a Comissão restringir-se-á, em
relatório, a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada;

c) Se não houver sido alcançada solução nos termos da alínea b) a Comissão incluirá no
relatório suas conclusões sobre os fatos relativos à questão debatida entre os Estados Partes
interessados, assim como sua opinião sobre a possibilidade de solução amistosa para a
questão, o relatório incluirá as observações escritas e as atas das observações orais feitas
pelos Estados Partes interessados;

d) Se o relatório da Comissão for apresentado nos termos da alínea c), os Estados Partes
interessados comunicarão, no prazo de três meses a contar da data do recebimento do
relatório, ao Presidente do Comitê se aceitam ou não os termos do relatório da Comissão.

8. As disposições do presente artigo não prejudicarão as atribuições do Comitê previstas no


artigo 41.

9. Todas as despesas dos membros da Comissão serão repartidas eqüitativamente entre os


Estados Partes interessados, com base em estimativas a serem estabelecidas pelo Secretário-
Geral da Organização das Nações Unidas.

10. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá caso seja necessário,
pagar as despesas dos membros da Comissão antes que sejam reembolsadas pelos Estados
Partes interessados, em conformidade com o parágrafo 9 do presente artigo.

ARTIGO 43

Os membros do Comitê e os membros da Comissão de Conciliação ad hoc que forem


designados nos termos do artigo 42 terão direito às facilidades, privilégios e imunidades que se
concedem aos peritos no desempenho de missões para a Organização das Nações Unidas,
em conformidade com as seções pertinentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das
Nações Unidas.

ARTIGO 44

As disposições relativas à implementação do presente Pacto aplicar-se-ão sem prejuízo dos


procedimentos instituídos em matéria de direito humanos pelos ou em virtude dos mesmos
instrumentos constitutivos e pelas Convenções da Organização das Nações Unidas e das
agências especializadas e não impedirão que os Estados Partes venham a recorrer a outros
procedimentos para a solução de controvérsias em conformidade com os acordos
internacionais gerias ou especiais vigentes entre eles.

ARTIGO 45

O Comitê submeterá a Assembléia-Geral, por intermédio do Conselho Econômico e Social,


um relatório sobre suas atividades.

PARTE V

ARTIGO 46

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Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento das
disposições da Carta das Nações Unidas e das constituições das agências especializadas, as
quais definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da Organização das
Nações Unidas e das agências especializadas relativamente às questões tratadas no presente
Pacto.

ARTIGO 47

Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito


inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus
recursos naturais.

PARTE VI

ARTIGO 48

1. O presente Pacto está aberto à assinatura de todos os Estados membros da Organização


das Nações Unidas ou membros de qualquer de suas agências especializadas, de todo Estado
Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como de qualquer de suas agências
especializadas, de todo Estado Parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, bem como
de qualquer outro Estado convidado pela Assembléia-Geral a tornar-se Parte do presente
Pacto.

2. O presente Pacto está sujeito à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão


depositados junto ao Secretário-Geral da Organização da Organização das Nações Unidas.

3. O presente Pacto está aberto à adesão de qualquer dos Estados mencionados no


parágrafo 1 do presente artigo.

4. Far-se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral


da Organização das Nações Unidas.

5. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas informará todos os Estados que


hajam assinado o presente Pacto ou a ele aderido do deposito de cada instrumento de
ratificação ou adesão.

ARTIGO 49

1. O presente Pacto entrará em vigor três meses após a data do depósito, junto ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, do trigéssimo-quinto instrumento de
ratificação ou adesão.

2. Para os Estados que vierem a ratificar o presente Pacto ou a ele aderir após o deposito
do trigéssimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão, o presente Pacto entrará em vigor
três meses após a data do deposito, pelo Estado em questão, de seu instrumento de ratificação
ou adesão.

ARTIGO 50

Aplicar-se-ão as disposições do presente Pacto, sem qualquer limitação ou exceção, a


todas as unidades constitutivas dos Estados federativos.

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ARTIGO 51

1. Qualquer Estado Parte do presente Pacto poderá propor emendas e depositá-las junto ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. O Secretário-Geral comunicará todas as
propostas de emenda aos Estados Partes do presente Pacto, pedindo-lhes que o notifiquem se
desejam que se convoque uma conferencia dos Estados Partes destinada a examinar as
propostas e submetê-las a votação. Se pelo menos um terço dos Estados Partes se manifestar
a favor da referida convocação, o Secretário-Geral convocará a conferência sob os auspícios
da Organização das Nações Unidas. Qualquer emenda adotada pela maioria dos Estados
Partes presente e votantes na conferência será submetida à aprovação da Assembléia-Geral
das Nações Unidas.

2. Tais emendas entrarão e, vigor quando aprovadas pela Assembléia-Geral das Nações
Unidas e aceitas em conformidade com seus respectivos procedimentos constitucionais, por
uma maioria de dois terços dos Estados Partes no presente Pacto.

3. Ao entrarem em vigor, tais emendas serão obrigatórias para os Estados Partes que as
aceitaram, ao passo que os demais Estados Partes permanecem obrigados pelas disposições
do presente Pacto e pelas emendas anteriores por eles aceitas.

ARTIGO 52

Independentemente das notificações previstas no parágrafo 5 do artigo 48, o Secretário-


Geral da Organização das Nações Unidas comunicará a todos os Estados referidos no
parágrafo 1 do referido artigo:

a) as assinaturas, ratificações e adesões recebidas em conformidade com o artigo 48;

b) a data de entrega em vigor do Pacto, nos termos do artigo 49, e a data, e a data em
entrada em vigor de quaisquer emendas, nos termos do artigo 51.

ARTIGO 53

1. O presente Pacto cujos textos em chinês, espanhol, francês, inglês e russo são
igualmente autênticos, será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas.

2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará cópias autênticas


do presente Pacto a todos os Estados mencionados no artigo 48.

Em fé do quê, os abaixo-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos


Governos, assinaram o presente Pacto, aberto à assinatura em Nova York, aos 19 dias do mês
de dezembro do ano de mil novecentos e sessenta e seis.

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ANEXO C:

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ANEXO D:
Conferência de Direitos Humanos - Viena - 1993

Na II Conferência Internacional de Direitos Humanos quatro aspectos tiveram


relevância no que se refere ao impacto de suas resoluções para as concepções de
desenvolvimento Humano. Em Viena foi definitivamente legitimada a noção de
indivisibilidade dos direitos humanos, cujos preceitos devem se aplicar tanto aos
direitos civis e políticos quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais. A
Declaração de Viena também enfatiza os direitos de solidariedade, o direito à paz, o
direito ao desenvolvimento e os direitos ambientais.

Sob o impacto da atuação do movimento de mulheres os textos de Viena redefiniram as


fronteiras entre o espaço público e a esfera privada, superando a divisão que até então
caracterizava as teorias clássicas do direito. A partir desta reconfiguração, os abusos que
têm lugar na esfera privada - como o estupro e a violência doméstica - passam a ser
interpretados como crimes contra os direitos da pessoa humana.

A grande controvérsia de Viena se desenvolveu ao redor da questão da diversidade que


tornaria os princípios de direitos humanos não aplicáveis ou relativos, segundo os
diferentes padrões culturais e religiosos. Apesar das resistências flagrantes à noção de
universalidade dos direitos humanos, o primeiro artigo da Declaração de Viena afirma
que "a natureza universal de tais direitos não admite dúvidas". A controvérsia
ressurgiria no Cairo, Copenhague e Beijing. Entretanto a definição de 1993
permaneceria como referência inegociável nestes novos contextos de debate e
negociação.

CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM


Viena, 14-25 de Junho de 1993

DECLARAÇÃO DE VIENA E PROGRAMA DE ACÇÃO


Nota do Secretariado

Em anexo encontra-se o texto da Declaração de Viena e do Programa de Acção,


conforme adoptados a 25 de Junho de 1993 pela Conferência Mundial sobre os Direitos
do homem.

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DECLARAÇÃO DE VIENA E PROGRAMA DE ACÇÃO

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem,

Considerando que a promoção e a protecção dos direitos do homem constituem


questões prioritárias para a comunidade internacional e que a Conferência dispõe de
uma oportunidade única de efectuar uma análise global do sistema internacional dos
Direitos do homem e do mecanismo de protecção dos direitos do homem, por forma a
efectivar e, consequentemente, a promover uma maior observância desses direitos, de
forma justa e equitativa;

Reconhecendo e afirmando que todos os direitos do homem derivam da dignidade e do


valor inerente à pessoa humana, e que a pessoa humana é o tema central dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais, devendo, consequentemente, ser o seu principal
beneficiário e participar activamente na concretização de tais direitos e liberdades;

Reafirmando o seu compromisso para com os objectivos e aos princípios consignados


na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do homem;

Reafirmando o compromisso consignado no Artigo 56º da Carta da Nações Unidas de


empreender acções concertadas e individuais, colocando a devida ênfase no
desenvolvimento de uma cooperação internacional efectiva com vista à consecução dos
objectivos etabelecidos no Artigo 55º, incluindo o respeito e a observância universais
dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos;

Realçando as responsabilidades de todos os Estados, em conformidade com a Carta das


Nações Unidas, no desenvolvimento e encorajamento do respeito pelos Direitos do
homem e pelas liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião;

Relembrando o Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, nomeadamente a determinação


em reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da
pessoa humana e na igualdade de direitos dos homem e das mulheres, assim como das
nações, grandes e pequenas;

Relembrando, igualmente, a determinação expressa no Preâmbulo da Carta das Nações


Unidas de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, de estabelecer as
condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito pelas obrigações

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decorrentes de tratados e outras fontes do direito internacional, de promover o progresso
social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade, de
praticar a tolerância e a sã convivência e de empregar os mecanismos internacionais
para promover o progresso económico e social de todos os povos;

Realçando que a Declaração Universal dos Direitos do homem, que constitui um


modelo comum a seguir por todos os povos e por todas as nações, é a fonte de
inspiração e tem sido o pilar, para as Nações Unidas , dos progressos com vista à
fixação de padrões, conforme consta dos instrumentos internacionais em vigor sobre
Direitos do homem, particularmente o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;

Considerando as alterações mais significativas que ocorrem na cena internacional e as


aspirações de todos os povos a uma ordem internacional baseada nos princípios
consignados na Carta das Nações Unidas, incluindo a promoção e o encorajamento do
respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, bem como
do respeito pelo princípio da igualdade de direitos e da auto-determinação dos povos, da
paz, da democracia, da justiça, da igualdade, do primado da lei, do pluralismo, do
desenvolvimento, de melhores padrões de vida e da solidariedade;

Profundamente preocupada com as várias formas de discriminação e violência a que as


mulheres continuam expostas em todo o mundo;

Reconhecendo que as actividades das Nações Unidas no domínio dos direitos do


homem deveriam ser racionalizadas e empreendidas de forma a fortalecerem os
mecanismos das Nações Unidas neste campo e a alargarem os objectivos do respeito
universal pela observância de normas internacionais sobre direitos do homem;

Tendo tido em consideração as Declarações adoptadas nas três reuniões regionais


realizadas em Túnis, San Jose e Bangkok, bem como as contribuições dos Governos, e
tendo presentes as sugestões apresentadas por organizações intergovernamentais e não
governamentais, bem como os estudos elaborados por peritos independentes durante o
processo preparatório que conduziu à Conferência Mundial sobre Direitos do Homem;

Congratulando-se com a designação do ano de 1993 como o Ano Internacional dos


Povos Indígenas do Mundo como forma de reafirmação do empenhamento da
comunidade internacional em garantir a estes povos o gozo de todos os Direitos do
homem e liberdades fundamentais, bem como em respeitar o valor e a diversidade das
suas culturas e identidades;

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Reconhecendo, igualmente, que a comunidade internacional deveria encontrar formas e
meios para remover os actuais obstáculos, para responder aos desafios de uma total
consecução de todos os direitos do homem e para impedir a continuada violação dos
direitos do homem daí resultantes, em todo o mundo;

Invocando o espírito da nossa era e as realidades do nosso tempo que incitam os povos
do mundo e os Estados Membros das Nações Unidas a rededicarem-se à tarefa global de
promoção e protecção dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais, por forma
a garantir o gozo pleno e universal de tais direitos;

Determinada a tomar novas medidas no sentido de um maior empenhamento da


comunidade internacional, visando assim alcançar um progresso substancial no domínio
dos direitos do homem mediante um esforço acrescido e sustentado da cooperação e
solidariedade internacionais;

Adopta, solenemente, a Declaração de Viena e o Programa de Acção.

1. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma o empenhamento solene


de todos os Estados em cumprirem as suas obrigações no tocante à promoção do
respeito universal, da observância e da protecção de todos os direitos do homem e
liberdades fundamentais para todos, em conformidade com a Carta das Nações Unidas,
com outros instrumentos relacionados com os Direitos do homem e com o direito
internacional. A natureza universal destes direitos e liberdades é inquestionável.

Neste enquadramento, a efectivação da cooperação internacional no domínio dos


direitos do homem é essencial para uma cabal prossecução dos objectivos das Nações
Unidas.

Os Direitos do homem e as liberdades fundamentais são um direito adquirido pela


pessoa humana; a sua protecção e promoção constitui a primeira responsabilidade dos
Governos.

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2. Todos os povos têm direito à auto-determinação. Por força desse direito, escolhem
livremente o seu sistema político e prosseguem o seu desenvolvimento económico,
social e cultural.

Tendo em consideração a situação particular de povos que se encontrem sob o domínio


colonial, ou sob outras formas de domínio ou ocupação estrangeira, a Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem reconhece o direito dos povos a empreenderem
qualquer acção legítima, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, para
concretizarem o seu direito inalienável à auto determinação. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem considera a recusa do direito à auto-determinação como uma
violação dos direitos do homem e realça a importância da concretização efectiva deste
direito.

Em conformidade com a Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional


relativos às Relações Amistosas e à Cooperação entre Estados nos termos da Carta das
Nações Unidas, tal não será entendido como autorizando ou encorajando qualquer acção
que conduza ao desmembramento ou coloque em perigo, na totalidade ou em parte, a
integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes que se
rejam pelo princípio da igualdade de direitos e da auto-determinação dos povos e que,
consequentemente, possuam um Governo representativo de toda a população
pertencente ao seu território, sem distinções de qualquer natureza.

3. Deverão ser tomadas medidas internacionais efectivas para garantir e fiscalizar o


cumprimento das normas de direitos do homem relativamente a povos sujeitos a
ocupação estrangeira, bem como de uma protecção jurídica efectiva contra a violação
dos seus direitos humanos, em conformidade com as normas de direitos humanos o
direito internacional, nomeadamente a Convenção de Genebra relativa à Protecção de
Civis em Tempo de Guerra, assinada a 14 de Agosto de 1949, e outras normas do
direito humanitário.

4. A promoção e a protecção de todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais


têm de ser consideradas como um objectivo prioritário das Nações Unidas em
conformidade com os seus propósitos e princípios, em particular o da cooperação
internacional. No quadro destes objectivos e princípios, a promoção e a protecção de
todos os Direitos do homem constituem uma preocupação legítima da comunidade
internacional. Os orgãos e as agências especializadas ligadas aos Direitos do homem
deverão, consequentemente, coordenar as suas actividades baseados na aplicação
coerente e objectiva de instrumentos internacionais de Direitos do homem.

5. Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e


interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os

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Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam
ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os
antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente
dos seus sistemas político, económico e cultural, promover e proteger todos os Direitos
do homem e liberdades fundamentais.

6. Os esforços empreendidos pelo sistema das Nações Unidas, no sentido do respeito


universal e da observância dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais para
todos, contribuem não só para a estabilidade e o bem-estar necessários à manutenção de
relações pacíficas e amistosas entre as nações, como para a melhoria de condições de
paz e segurança e para o desenvolvimento social e económico, em conformidade com a
Carta das Nações Unidas.

7. Os processos de promoção e protecção dos direitos do homem deverão ser


conduzidos em conformidade com os propósitos e os princípios consignados na Carta
das Nações Unidas e com o direito internacional.

8. A democracia, o desenvolvimento e o respeito pelos Direitos do homem e pelas


liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente. A democracia
assenta no desejo livremente expresso de um povo em determinar os seus sistemas
político, económico, social e cultural e a sua total participação em todos os aspectos da
sua vida. Neste contexto, a promoção e a protecção dos Direitos do homem e das
liberdades fundamentais, a nível nacional e internacional, deverão revestir-se de carácter
universal e ser conduzidas sem quaisquer condições implícitas. A comunidade
internacional deverá apoiar o reforço e a promoção da democracia, do desenvolvimento
e do respeito pelos Direitos do homem e pelas liberdades fundamentais em todo o
mundo.

9. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que os países menos


desenvolvidos empenhados no processo de democratização e de reformas económicas,
muitos dos quais se situam em África, deverão ser apoiados pela comunidade
internacional, por forma a serem bem sucedidos no seu processo de transição para a
democracia e para o desenvolvimento económico.

10.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma o direito ao


desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, enquanto direito universal e inelianável e parte integrante dos
Direitos do homem fundamentais.

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Conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa
humana é o sujeito central de desenvolvimento.

Enquanto o desenvolvimento facilita o gozo de todos os Direitos do homem, a falta de


desenvolvimento não pode ser invocada para justificar a limitação de direitos do homem
internacionalmente reconhecidos.

Os Estados deverão cooperar entre si para assegurar o desenvolvimento e eliminar os


entraves que lhe sejam colocados. A comunidade internacional deverá promover uma
cooperação internacional efectiva com vista à efectivação do direito ao desenvolvimento
e à eliminação de entraves ao desenvolvimento.

O progresso duradouro no cumprimento do direito ao desenvolvimento requer políticas


de desenvolvimento efectivas a nível nacional, bem como relações económicas
equitativas e um ambiente económico favorável a nível internacional.

11.O direito ao desenvolvimento deverá ser exercido de modo a satisfazer, de forma


equitativa, as necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e
vindouras. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece que a descarga
ilícita de substâncias e resíduos tóxicos e perigosos representa potencialmente uma
ameaça séria aos Direitos do homem à vida e à saúde.

Consequentemente, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela a todos os


Estados que adoptem e cumpram, de forma vigorosa, as convenções em vigor
relacionadas com a descarga de substâncias e resíduos tóxicos e perigosos, e que
cooperem na prevenção de descargas ilícitas.

Todas as pessoas têm direito a usufruir dos benefícios decorrentes do progresso


científico e suas aplicações. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem refere
que alguns progressos, nomeadamente no campo das ciências biomédicas e da vida e da
tecnologia de informação, podem ter consequências potencialmente adversas na
integridade, na dignidade e nos direitos humanos do indivíduo, e apela à cooperação
internacional para garantir o respeito cabal dos direitos do homem e da dignidade da
pessoa humana nesta área de preocupação universal.

12.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem exorta a comunidade internacional


a envidar todos os esforços necessários para ajudar a aliviar o peso da dívida externa
dos países em vias de desenvolvimento, complementando, assim, os esforços dos

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Governos desses países na plena prossecução dos direitos económicos, sociais e
culturais dos seus povos.

13.Os Estados e as organizações internacionais, em cooperação com organizações não-


governamentais, devem criar condições favoráreis a nível nacional, regional e
internacional para garantir o pleno e efectivo gozo dos direitos do homem. Os Estados
deverão eliminar todas as violaçõs dos direitos do homem e suas causas, bem como os
obstáculos ao gozo desses direitos.

14. A existência de uma extrema pobreza generalizada obsta ao pleno e efectivo gozo de
Direitos do homem, pelo que a sua imediata atenuação e eventual eliminação devem
continuar a ser uma das grandes prioridades da comunidade internacional.

15.O respeito pelos Direitos do homem e pelas liberdades fundamentais sem qualquer
distinção é uma regra fundamental do direito internacional sobre direitos do homem. A
pronta e global eliminação de todas as formas de racismo e discriminação racial,
xenofobia e intolerância conexa constitui uma tarefa prioritária para a comunidade
internacional. Os Governos deverão tomar medidas efectivas para as prevenir e
combater. Grupos, instituições, organizações intergovernamentais e não-governamentais
e os indivíduos são instados a intensificar os seus esforços na cooperação e na
coordenação das suas acções contra tais males.

16.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com os progressos


alcançados no desmantelamento do ‘apartheid’ e apela à comunidade internacional e ao
sistema das Nações Unidas para que apoiem este processo.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem lamenta igualmente os continuados


actos de violência que visam minar o processo de desmantelamento pacífico do
‘apartheid’.

17.Os actos, métodos e práticas de terrorismo sob todas as suas formas e manifestações,
bem como a sua ligação, em alguns países, ao tráfico de estupefacientes, são actividades
que visam a destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da
democracia, ameaçando a integridade territorial e a segurança dos Estados e
destabilizando Governos legitimamente constituídos. A comunidade internacional
deverá tomar as medidas necessárias à cooperação, com o objectivo de impedir e
combater o terrorismo.

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18.Os Direitos do homem das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem
uma parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A
participação plena e igual das mulheres na vida política, civil, económica, social e
cultural, a nível nacional, regional e internacional, e a irradicação de todas as formas de
discriminação com base no sexo constituem objectivos prioritários da comunidade
internacional.

A violência com base no género da pessoa e todas as formas de assédio e exploração


sexual, incluindo as resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional, são
incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas. Tal
pode ser alcançado através de medidas de carácter legal e da acção nacional e da
cooperação internacional em áreas tais como o desenvolvimento sócio-económico, a
educação, a maternidade e os cuidados de saúde, e assistência social.

Os Direitos do homem das mulheres deverão constituir parte integrante das actividades
das Nações Unidas no domínio dos direitos do homem, incluindo a promoção de todos
os instrumentos de Direitos do homem relacionados com as mulheres.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Governos, as instituições e


as organizações intergovernamentais e não governamentais a intensificarem os seus
esforços com vista à protecção e ao fomento dos Direitos do homem das mulheres e das
crianças do sexo feminino.

19.Considerando a importância da promoção e da protecção dos direitos de pessoas


pertencentes a minorias e o contributo de tal fomento e protecção para a estabilidade
política e social dos Estados em que tais pessoas habitam,

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma a obrigação de os Estados


garantirem às pessoas pertencentes a minorias o livre e efectivo exercício de todos os
Direitos do homem e liberdades fundamentais sem discriminação e em total igualdade
perante a lei, em conformidade com a Declaração sobre os Direitos de Pessoas
pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas.

As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de usufruirem da sua própria cultura,


de professarem a sua religião e de se exprimirem na sua língua , tanto em público como
em privado, livremente e sem interferências ou qualquer forma de discriminação.

20.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece a dignidade inerente e


o contributo único dos povos indígenas para o desenvolvimento e o pluralismo da

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sociedade e reafirma vivamente o empenho da comunidade internacional no bem-estar
económico, social e cultural desses povos e no seu direito de gozar dos frutos do
desenvolvimento sustentável. Os Estados deverão garantir a participação plena e livre
dos povos indígenas em todos os quadrantres da sociedade, particularmente em questões
que lhes digam respeito. Considerando a importância da promoção e da protecção dos
direitos dos povos indígenas, bem como a contribuição de tal promoção e protecção
para a estabilidade política e social dos Estados em que tais povos habitam, os Estados
deverão, em conformidade com o direito internacional, tomar medidas positivas e
concertadas para garantirem o respeito por todos os Direitos do homem e liberdades
fundamentais dos povos indígenas, com base na igualdade e na não-discriminação, bem
como reconhecer o valor e a diversidade das suas identidades, culturas e organizações
sociais distintas.

21.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, congratulando-se com a recente


ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança por um grande número de
Estados e constatando o reconhecimento dos Direitos do homem das crianças na
Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Protecção e o Desenvolvimento das
Crianças e Plano de Acção, adoptados pela Cimeira Mundial da Criança, insta à
ratificação universal da Convenção até 1995 e ao seu efectivo cumprimento pelos
Estados partes através da adopção de todas as medidas legislativas, administrativas e
outras necessárias, bem como a máxima dotação de todos os recursos disponíveis. No
tocante a todas as iniciativas relativas às crianças, a não-discriminação e o melhor
interesse para a criança deverão constituir considerações prioritárias, devendo-se
igualmente ter em consideração as opiniões expressas pelas crianças. Os mecanismos e
programas nacionais e internacionais deverão ser reforçados com vista à defesa e à
protecção das crianças, em particular, das crianças do sexo feminino, das crianças
abandonadas, das crianças da rua, das crianças sujeitas a exploração económica e
sexual, incluindo-se nesta a pornografia infantil, a prostituição infantil ou a venda de
orgãos, das crianças vítimas de doenças, incluindo a sindroma da imunodeficiência
adquirida, das crianças refugiadas e desalojadas, das crianças detidas, das crianças
envolvidas em conflitos armados, bem como das crianças vítimas da fome e da seca e de
outras situações de emergência. A cooperação e a solidariedade deverão ser
promovidas, a fim de permitirem concretizar o disposto na Convenção, e os direitos da
criança deverão constituir prioridade dentro da acção alargada do sistema das Nações
Unidas no âmbito dos direitos humanos.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha, igualmente, que, para um


desenvolvimento harmonioso e total da sua personalidade, a criança deverá crescer num
ambiente familiar merecedor de uma protecção mais ampla.

22.Deve ser dada especial atenção para garantir a não discriminação e o gozo, em
termos de igualdade, de de todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais por

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pessoas incapacitadas, incluindo a sua participação activa em todos os aspectos da vida
da sociedade.

23.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que qualquer pessoa,
sem distinção, tem o direito de procurar e obter, noutros países, asilo contra as
perseguições de que seja alvo, bem como de regressar ao seu país. Neste aspecto, realça
a importância da Declaração Universal dos Direitos do homem, da Convenção de 1951
sobre o Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967, e de instrumentos regionais.
Expressa o seu apreço aos Estados que continuam a aceitar e a acolher um elevado
número de refugiados nos seus territórios, e ao Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados pela sua dedicação a tal missão. Expressa, igualmente, o seu apreço
ao Organismo das Nações Unidas de Assistência e Trabalho para os Refugiados
Palestinianos no Próximo Oriente.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece que as violações graves


dos Direitos do homem, incluindo em conflitos armados, se encontram entre os
múltiplos e complexos factores que conduzem à movimentação dos povos.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece que, face às


complexidades da crise global dos refugiados e em conformidade com a Carta das
Nações Unidas, considerando os instrumentos internacionais relevantes e a
solidariedade internacional e num espírito de partilha de responsabilidades, se torna
necessária uma abordagem global pela comunidade internacional, em coordenação e
cooperação com os países interessados e as organizações relevantes, tendo presente o
mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. O que deverá
incluir o desenvolvimento de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das
movimentações dos refugiados e de outras pessoas desalojadas, o fortalecimento de
mecanismos de preparação e resposta em caso de emergência, a disponibilização de
protecção e assistência efectivas, tendo presente as necessidades especiais das mulheres
e das crianças, bem como a obtenção de soluções douradouras, começando pela solução
preferível do repatriamento voluntário dignificante e seguro, incluindo as soluções
adoptadas pelas conferências internacionais sobre refugiados. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem sublinha as responsabilidades dos Estados, particularmente as
relacionadas com os países de origem.

À luz da abordagem global, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem realça a


importância de se dar especial atenção, inclusivé através de organizações
intergovernamentais e humanitárias, e de se procurarem soluções duradouras para as
questões relacionadas com pessoas internamente desalojadas, incluindo o seu regresso
voluntário e seguro e a sua reintegração.

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Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito
humanitário, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem realça, igualmente, a
importância e a necessidade da assistência humanitária às vítimas de todas as catástrofes
naturais e das causadas pelo homem.

24. Deve ser dada uma grande importância à promoção e à protecção dos Direitos do
homem de pessoas pertencentes a grupos que se tenham tornado vulneráveis, incluindo
os dos trabalhadores migrantes, à eliminação de todas as formas de discriminação contra
tais pessoas, e ao reforço e a uma implementação mais eficaz de instrumentos de
Direitos do homem já existentes . Os Estados têm a obrigação de criar e manter medidas
adequadas a nível nacional, particularmente nos domínios da educação, da saúde e da
assistência social, com vista à implementação e à protecção dos direitos das pessoas em
sectores vulneráveis das suas populações, e à garantia de participação das que se
mostrem interessadas em encontrar a solução para os seus próprios problemas.

25. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem afirma que a pobreza extrema e a
exclusão social constituem uma violação da dignidade humana e que são necessárias
medidas urgentes para alcançar um melhor conhecimento sobre a pobreza extrema e as
suas causas, incluindo as relacionadas com o problema do desenvolvimento, por forma
a implementar os Direitos do homem dos mais pobres, a colocar um fim à pobreza
extrema e à exclusão social e a promover o gozo dos frutos do progresso social. É
essencial que os Estados encorajem a participação dos povos mais pobres no processo
de tomada de decisões pela comunidade em que estão integrados, bem como a
promoção de Direitos do homem e os esforços para combater a pobreza extrema.

26. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com os progressos


feitos na codificação de instrumentos de Direitos do homem, o que constitui um
processo dinâmico e envolvente, e insta à ratificação universal de tratados sobre
Direitos do homem. Todos os Estados são encorajados a aderir a estes instrumentos
internacionais; todos os Estados são encorajados a evitar, tanto quanto possível, o
recurso a reservas.

27. Qualquer Estado deverá dispor de um quadro efectivo de soluções para reparar
injustiças ou violações dos direitos humanos. A administração da justiça, incluindo
departamentos policiais e de promoção penal e, nomeadamente, a independência do
poder judicial e statuto das profissões forenses em total conformidade com as normas
aplicáveis contidas em instrumentos internacionais de direitos humanos, são essenciais
para a concretização plena e não discriminatória dos direitos do homem e indispensáveis
aos processos democrático e de desenvolvimento sustentado. Neste contexto, deverão
ser criadas instituições que se dediquem à administração da justiça, devendo a
comunidade internacional providenciar por um maior apoio técnico e financeiro.
Compete às Nações Unidas utilizar, com carácter prioritário, programas especiais de

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serviços de consultadoria com vista à obtenção de uma administração da justiça forte e
independente.

28. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem manifesta a sua consternação


perante as violações massivas dos Direitos do homem, nomeadamente sob a forma de
genocídio, “limpeza étnica” e violação sistemática de mulheres em situações de guerra,
originando êxodos em massa de refugiados e desalojados . Ao condenar veementemente
tais práticas abomináveis, reitera o apelo para que os autores de tais crimes sejam
punidos e tais práticas cessem imediatamente.

29. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem expressa a sua grande


preocupação com as violações continuadas de Direitos do homem que ocorrem em todas
as partes do mundo, em desrespeito das normas previstas em instrumentos
internacionais de direitos do homem e de direito internacional humanitário, assim como
com a falta de compensações suficientes e efectivas destinadas às vítimas.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem está profundamente preocupada com


as violações dos Direitos do homem durante os conflitos armados que afectam a
população civil, especialmente as mulheres, as crianças, os idosos e os deficientes. A
Conferência apela, portanto, aos Estados e a todas as partes em conflitos armados para
que observem estritamente o direito internacional humanitário, conforme estabelecido
nas Convenções de Genebra de 1949 e em outras normas e princípios do direito
internacional, bem como os padrões mínimos de protecção dos Direitos do homem
conforme determinado nas convenções internacionais.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma o direito das vítimas a


receberem assistência das organizações humanitárias, conforme estabelecido nas
Convenções de Genebra de 1949 e outros instrumentos relevantes do direito
internacional humanitário, e apela ao acesso seguro e atempado a tal assistência.

30. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem expressa também a sua


consternação e condenação face ao facto de violações graves e sistemáticas e situações
que constituem sérios obstáculos ao pleno gozo dos direitos do homem continuaram a
ter lugar em diferentes partes do mundo. Tais violações e obstáculos incluem a tortura e
os tratamentos ou castigos cruéis, desumanos e degradantes, as execuções sumárias e
arbitrárias, os desaparecimentos, as detenções arbitrárias, todas as formas de racismo,
discriminação racial e “apartheid”, a ocupação e o domínio estrangeiros, a xenofobia, a
pobreza, a fome e outras negações dos direitos económicos, sociais e culturais, a
intolerância religiosa, o terrorismo, a discriminação contra as mulheres e a ausência do
Estado de Direito.

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31. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela aos Estados para que se
abstenham de tomar qualquer medida unilateral, que não esteja em conformidade com o
direito internacional e com a Carta das Nações Unidas e que crie obstáculos às relações
comerciais entre Estados e obste à plena concretização dos Direitos do homem
consignados na Declaração Universal dos direitos humanos e nos instrumentos
internacionais de Direitos do homem, nomeadamente os direitos de qualquer pessoa a
um padrão de vida adequado à sua saúde e ao seu bem-estar, incluindo a alimentação e
os cuidados médicos, a habitação e os necessários serviços sociais. A Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem afirma que a alimentação não deverá ser utilizada
como um instrumento de pressão política.

32.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma a importância de garantir


a universalidade, a objectividade e a não selecção na ponderação de questões
relacionadas com os Direitos do homem.

33.A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que os Estados estão
moralmente obrigados, conforme estipulado na Declaração Universal dos Direitos do
homem, no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e
noutros instrumentos internacionais sobre Direitos do homem, a garantir que a educação
tenha o objectivo de reforçar o respeito pelos Direitos do homem e as liberdades
fundamentais. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem realça a importância
da inclusão do tema ‘direitos do homem’ nos programas de educação e apela aos
Estados para que assim procedam. A educação deverá promover a compreenção, a
tolerância, a paz e as relações amigáveis entre as nações e todos os grupos raciais ou
religiosos, e encorajar o desenvolvimento de actividades das Nações Unidas na
prossecução desses objectivos. Pelo que, a educação em matéria de direitos do homem e
a disseminação de informação adequada, tanto ao nível teórico como prático,
desempenham um papel importante na promoção e no respeito dos Direitos do homem
relativamente a todos os indivíduos, sem qualquer distinção de raça, sexo, língua ou
religião, o que deverá ser incluído nas políticas educacionais, quer a nível nacional, quer
a nível internacional. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem salienta que as
limitações de recursos e as inadequações institucionais podem impedir a imediata
concretização destes objectivos.

34. Deverão ser envidados esforços acrescidos no sentido de se apoiarem os países que
o solicitem a criar as condições que permitam a cada indivíduo o gozo dos Direitos do
homem e das liberdades fundamentais universalmente reconhecidos. Os Governos, o
sistema das Nações Unidas, bem como outras organizações multilaterais, são instadas a
aumentar consideravelmente os recursos atribuídos a programas que visem a criação e o
reforço de legislação interna, das instituições nacionais e de infra-estruturas conexas que
preservem o Estado de Direito e a democracia, prestem assistência eleitoral, e
estimulem a tomada de consciência dos Direitos do homem através da formação, do
ensino e da educação, da participação popular e da sociedade civil.

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Os programas de serviços de consultadoria e cooperação técnica do âmbito do Centro
para os Direitos do homem deverão ser reforçados e tornados mais eficientes e
transparentes, podendo assim contribuir para um maior respeito pelos Direitos do
homem. Apela-se aos Estados para que aumentem as suas contribuições para tais
programas, quer através da promoção de uma maior dotação do orçamento das Nações
Unidas, quer através de contribuições voluntárias.

35. A implementação total e efectiva de actividades das Nações Unidas destinadas a


promover e proteger os direitos do homem deve reflectir a grande importância
concedida aos direitos humanos pela Carta das Nações Unidas e as exigências das
actividades das Nações Unidas no âmbito dos direitos do homem, conforme mandato
dos Estados Membros. Para esse fim, as actividades das Nações Unidas no domínio dos
Direitos do homem deverão ser dotadas de maiores recursos.

36. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma o importante e


construtivo papel desempenhado pelas instituições nacionais na promoção e protecção
dos direitos do homem, em particular na sua qualidade de orgãos de assessoria das
autoridades competentes, bem como o seu papel na reparação de violações dos direitos
humanos, na disseminação de informação sobre direitos humanos e na educação sobre
Direitos do homem.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem encoraja a criação e o reforço de


instituições nacionais, considerando os “Princípios relativos ao estatuto de istituições
nacionais” e reconhecendo que cada Estado tem o direito de optar pelo enquadramento
que melhor se adeque às suas necessidades específicas a nível nacional.

37. Os acordos regionais desempenham um papel fundamental na promoção e na


protecção dos direitos do homem. Deverão reforçar as normas universais de direitos
humanos, conforme constam de instrumentos internacionais sobre direitos do homem, e
a respectiva protecção. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem aprova os
esforços em curso no sentido de reforçar tais acordos e aumentar a sua eficácia,
sublinhado, simultâneamente, a importância da cooperação com as actividades das
Nações Unidas no domínio dos direitos humanos.

A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reitera a necessidade de se considerar


a possibilidade de serem estabelecidos acordos regionais e subregionais para a
promoção e a protecção dos Direitos do homem, sempre que se verifique a sua
inexistência.

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38. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece o importante papel
desempenhado pelas organizações não governamentais na promoção de todos os
Direitos do homem e actividades humanitárias a nível nacional, regional e internacional.
A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem agradece a contribuição das mesmas
para uma crescente consciencialização pública sobre as questões dos direitos do homem,
para a orientação da educação, da formação e da pesquisa neste domínio e para o
fomento e a protecção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Embora
reconhecendo que a responsabilidade primária pela definição de normas repousa nos
Estados, a conferência agradece, igualmente, a contribuição de organizações não
governamentais para este processo. Neste domínio, a Conferência Mundial sobre
Direitos do Homem realça a importância do diálogo contínuo e da cooperação entre
Governos e organizações não governamentais. As organizações não governamentais e
seus membros sinceramente envolvidos no campo dos direitos humanos deverão gozar
dos direitos e liberdades consignados na Declaração Universal dos Direitos do homem e
da protecção do direito interno. Estes direitos e liberdades não podem ser exercidos com
violação dos objectivos e princípios das Nações Unidas. As organizações não
governamentais deverão desempenhar livremente as suas actividades no campo dos
direitos humanos, sem interferências, nos termos do direito interno e da Declaração
Universal dos Direitos do homem.

39. Sublinhando a importância de uma informação objectiva, responsável e imparcial


sobre direitos humanos e questões humanitárias, a Conferência Mundial sobre Direitos
do Homem encoraja o crescente envolvimento dos meios de comunicação, aos quais
deverão ser garantidas liberdade e protecção no quadro do direito interno.

II

A. Maior coordenação no domínio dos direitos humanos no seio do sistema das Nações
Unidas

1. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda uma maior


coordenação no apoio aos Direitos do homem e às librdades fundamentais no seio do
sistema das Nações Unidas. Para esse fim, a Conferência Mundial sobre Direitos do
Homem insta todos os orgãos, organismos e agências especializadas das Nações Unidas,
cujas actividades se relacionam com os direitos humanos, a cooperar entre si, por forma
a fortalecer, racionalizar e tornar mais eficientes as suas actividades tendo em conta a
necessidade de se evitarem duplicações inúteis. A Conferência Mundial sobre os
Direitos do Homem recomenda, igualmente, ao Secretário-Geral que, por ocasião da sua
reunião anual, os funcionários superiores dos organismos e instituições especializadas
relevantes das Nações Unidas coordenem as suas actividades e avaliem o impacto das
suas estratégias e políticas no gozo de todos os direitos humanos.

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2. Além disso, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela às organizações
regionais e às instituições internacionais e regionais proeminentes dedicadas ao
financiamento e ao desenvolvimento para que avaliem, igualmente, o impacto das suas
políticas e dos seus programas sobre o gozo dos Direitos do homem.

3. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece que as instituições


especializadas e os organismos relevantes do sistema das Nações Unidas, bem como
outras organizações intergovernamentais relevantes, cujas actividades se relacionem
com os direitos humanos, desempenham um papel fundamental na formulação, na
promoção e na implementação de normas sobre direitos do homem, no âmbito dos
respectivos mandatos, e deverão ter em consideração as conclusões da Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem no âmbito das respectivas áreas de competência.

4. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda veementemente que


sejam envidados esforços concertados no sentido de encorajar e facilitar a ratificação e a
adesão ou sequência de tratados e protocolos internacionais de direitos do homem
adoptados no âmbito do sistema das Nações Unidas com vista à sua aceitação universal.
O Secretário-Geral, coordenado com organismos previstos dos tratados, deverá
considerar o alargamento do diálogo a Estados que não tenham aderido a tais tratados
sobre direitos humanos, por forma a identificar os obstáculos e a procurar formas de os
ultrapassar.

5. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem encoraja os Estados a ponderarem


a limitação de quaisquer reservas por eles formuladas relativamente a instrumentos
internacionais de direitos humanos, a formularem quaisquer reservas da forma mais
precisa e concisa possível, a garantirem que nenhuma dessa reservas seja incompatível
com o objecto e a finalidade do tratado em questão e a reverem regularemente quaisquer
reservas, com vista à sua retirada.

6. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, reconhecendo a necessidade de


manter o alto nível de qualidade das normas internacionais em vigor e de evitar a
proliferação de instrumentos de direitos humanos, reafirma as directrizes relativas à
elaboração de novos instrumentos internacionais contidas na resolução 41/120, de 4 de
Dezembro de 1986, da Assembleia Geral e apela aos organismos das Nações Unidas
que tratam dos direitos do homem para que tenham presentes tais directrizes ao
considerarem a elaboração de novas normas internacionais, consultem os organismos
referentes a direitos humanos previstos nos tratados sobre a necessidade de se
elaborarem projectos de novas medidas e solicitem ao Secretariado que efectue revisões
técnicas de novos instrumentos que tenham sido propostos.

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7. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que sejam adstritos
funcionários que exerçam funções na área dos direitos humanos, se e quando necessário,
a departamentos regionais da Organização das Nações Unidas, com o objectivo de
divulgar informações e oferecer formação e outra assistência técnica no domínio dos
direitos humanos, a pedido de Estados Membros interessados. Deverá preparar-se a
formação em direitos humanos de funcionários públicos internacionais que sejam
adstritos a trabalhos relacionados com esta área.

8. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com a convocação


de sessões de emergência da Comissão de Direitos do Homem, considerando-a uma
iniciativa positiva, e com o facto de os orgãos relevantes do sistema das Nações Unidas
considerem outras formas de resposta a violações graves dos direitos humanos.

Recursos

9. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, preocupada com a crescente


disparidade entre as actividades do Centro para os Direitos do Homem e os recursos
humanos, finaneiros e outros de que o mesmo dispõe para as levar a efeito, e tendo
presentes os recursos necessários para outros programas importantes das Nações
Unidas, solicita ao Secretário-Geral e à Assembleia Geral que tomem medidas imediatas
com vista a aumentar substancialmente os recursos do programa de direitos humanos a
partir do actual e dos futuros orçamentos das Nações Unidas, bem como medidas
urgentes no sentido da obtenção de recursos acrescidos extra-orçamentais.

10. Neste âmbito, deverá ser consignada uma quota-parte crescente do orçamento
regular directamente ao Centro para os Direitos do Homem, para cobertura de todas as
despesas incorridas pelo Centro, incluindo as despesas relacionadas com os organismos
de direitos humanos das Nações Unidas. O financiamento voluntário das actividades de
cooperação técnica do Centro deverá reforçar este orçamento; a Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem apela às contribuições generosas a favor dos fundos
fiduciários existentes.

11. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem solicita ao Secretário Geral e à


Assembleia Geral que providenciem pela atribuição de recursos humanos, financeiros e
outros suficientes que permitam ao Centro para os Direitos do Homem executar as suas
actividades de forma efectiva, eficiente e célere.

12. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, constatando a necessidade de


assegurar a disponibilização de recursos humanos e financeiros necessários à
prossecução de actividades no domínio dos direitos humanos, conforme mandato dos

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orgãos intergovernamentais, insta o Secretário-Geral, em conformidade com o artigo
101º da Carta das Nações Unidas, bem como os Estados Membros,a adoptarem uma
abordagem coerente com o propósito de garantir a atribuição ao secretariado de recursos
à altura dos mandatos crescentes que lhe são atribuídos. A Conferência Mundial sobre
Direitos do Homem convida o Secretário-Geral a considerar a necessidade ou a
utilidade de se proceder a quaisquer ajustamentos relativamente aos procedimentos
relacionados com o ciclo do programa orçamental por forma a garantir a prossecução
atempada e efectiva das actividades de direitos humanos conforme mandato dos Estados
Membros.

Centro para os Direitos do homem

13. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha a importância do reforço


do Centro para os Direitos do Homem das Nações Unidas.

14. O Centro para os Direitos do Homem deverá desempenhar um papel importante na


coordenação da atenção dada aos direitos humanos em toda a amplitude do sistema. O
papel centralizador do Centro poderá ser desempenhado de forma mais perfeita se lhe
for permitido cooperar integralmenbte com outros orgãos e organismos das Nações
Unidas. O papel coordenador do Centro para os Direitos do Homem implica igualmente
que as instalações do Centro para os Direitos do Homem, em Nova Iorque, serão
reforçadas.

15. Deverão ser postos à disposição do Centro para os Direitos do Homem meios
adequados para o funcionamento do sistema de relatores temáticos e nacionais, peritos,
grupos de trabalho e orgãos vocacionados para os tratados. O seguimento dado às
recomendações deverá ser uma questão prioritária para consideração pela omissão sobre
Direitos do Homem.

16.O Centro para os Direitos do Homem deverá assumir um papel mais amplo na
promoção dos direitos humanos, devendo tal papel ser moldado através da cooperação
com os Estados Membros e de um programa de serviços de consultadoria e assistência
técnica melhorado. Os fundos voluntários existentes terão de ser expandidos
substancialmente para tal fim e deverão ser geridos de forma mais eficiente e
coordenada. Todas as actividades deverão obedecer a regras de gestão de projecto
estritas e transparentes, devendo-se proceder periodicamente à apreciação de programas
e a avaliações de projectos. Para esse efeito, os resultados de tais exercícios de avaliação
e outras informações relevantes deverão ser regularmente disponibilizadas. O Centro
deverá, em particular, organizar reuniões de informação , pelo menos uma vez por ano,

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abertas a todos os Estados Membros e organizações directamente envolvidas nestes
projectos e programas.

Adaptação e reforço dos mecanismos das Nações Unidas para os Direitos do homem,
incluindo a questão da criação de um Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Direitos do Homem.

17. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece a necessidade de uma


permanente adaptação dos mecanismos das Nações Unidas de defesa dos direitos
humanos às necessidades actuais e futuras de promoção e protecção dos direitos do
homem, conforme reflectidas na presente Declaração e no quadro de um
desenvolvimento equilibrado e sustentado de todos os povos. Em particular, os orgãos
das Nações Unidas vocacionados para os direitos humanos deverão implementar a sua
coordenação, eficiência e eficácia.

18. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda à Assembleia Geral


que quando examinar o relatório da Conferência, por ocasião da sua quadragésima
oitava sessão, pondere, com carácter prioritário, sobre a questão da criação de um Alto
Comissariado para os Direitos do Homem para a promoção e a defesa de todos os
direitos humanos.

B. Igualdade, dignidade e tolerância

1. Racismo, discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância

19. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem considera a eliminação do


racismo e da discriminação racial, nomeadamente nas suas formas institucionalizadas
tais como o ‘apartheid’ ou resultantes de doutrinas de superioridade ou exclusividade da
raça ou formas e manifestações contemporâneas de racismo, como um objectivo
primeiro para a comunidade internacional e um programa de fomento dos direitos
humanos a nível mundial. Os orgãos e as instituições das Nações Unidas deverão
intensificar os seus esforços no sentido de pôr em prática tal programa de acção,
relacionado com a terceira década, para combater o racismo e a discriminação racial,
bem como mandatos subsequentes com a mesma finalidade. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem apela veementemente à comundade internacional para que
contribua generosamente para o Fundo Fiduciário para o Programa de Acção da Década
para Combater o Racismo e a Discriminação Racial.

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20. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta todos os Governos a
tomarem medidas imediatas e a desenvolverem políticas fortes de prevenção e combate
a todas as formas e manifestações de racismo, xenofobia ou intolerância conexa, se
necessário através de legislação apropriada, incluindo medidas de carácter penal, e
através da criação de instituições nacionais para o combate a tais fenómenos.

21. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com a decisão da


Comissão sobre Direitos do Homem em designar um Relator Especial para as formas
contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa. A
Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela igualmente a todos os Estados
partes na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial que considerem a hipótese de elaborarem uma declaração nos
termos do artigo 14º da Convenção.

22. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela a todos os Governos para
que tomem as medidas adequadas, em observância das obrigações internacionais e no
respeito dos respectivos sistemas jurídicos, para fazer face à intolerância e à violência
conexa baseadas em religião ou credo, incluindo práticas de discriminação contra
mulheres e a profanação de locais religiosos, reconhecendo que cada indivíduo tem
direito à liberdade de pensamento, consciência, expressão e religião. A Conferência
convida, igualmente, todos os Estados a porem em prática as disposições contidas na
Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação
baseadas em religião ou credo.

23. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem realça que todas as pessoas que
praticam ou autorizam a prática de actos criminosos associados à limpeza étnica são
individualmente responsáveis por tais violações dos direitos humanos, e que a
comunidade internacional deverá envidar todos os esforços no sentido de trazer os
indivíduos legalmente responsáveis por tais violações à presença da justiça.

24. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela a todos os Estados para que
tomem medidas imediatas, individual e colectivamente, para combater e eliminar
rapidamente a prática da limpeza étnica. As vítimas da prática aberrante da limpeza
étnica têm direito a reparações adequadas e efectivas.

2. Pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas

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25. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela à Comissão sobre Direitos
do Homem para examinar formas e meios de fomento e protecção efectivos dos direitos
das pessoas pertencentes a minorias tal como estabelecido na Declaração sobre os
Direitos de Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e
Linguísticas. Neste contexto, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela ao
Centro para os Direitos do Homem para que providencie, a pedido dos Governos
interessados e no âmbito do seu programa de serviços de consultadoria e assistência
técnica, por uma peritagem qualificada sobre questões relacionadas com as minorias e
os direitos humanos, bem como sobre a prevenção e a resolução de diferendos, para fins
de assistência em situações potenciais ou actuais envolvendo minorias.

26. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Estados e a comunidade


internacional a fomentar e proteger os direitos das pessoas pertencentes a minorias
nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas, em conformidade com a Declaração sobre
os Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e
Linguísticas.

27. Se necessário, as medidas a serem tomadas deverão incluir a possibilidade de


participação plena dessas pessoas em todos os aspectos políticos, sociais, religiosos e
culturais da vida em sociedade e no progresso económico e desenvolvimento dos seus
países.

Povos Indígenas

28. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela ao Grupo de Trabalho


sobre as Populações Indígenas, da Sub-Comissão para a Prevenção da Discriminação e
Protecção de Minorias, para que elabore um projecto de declaração sobre os direitos dos
povos indígenas, a apresentar na sua décima primeira sessão.

29. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que a Comissão sobre
Direitos do Homem considere a renovação e a actualização do mandato do Grupo de
Trabalho sobre as Populações Indígenas, após a elaboração do projecto de declaração
sobre os direitos dos povos indígenas.

30. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda, igualmente, que os


serviços de consultadoria e os programas de assistência técnica no âmbito do sistema
das Nações Unidas respondam positivamente a pedidos formulados pelos Estados para
prestar assistência que beneficie directamente os povos indígenas. A Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem recomenda, ainda, que os recursos humanos e
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financeiros adequados sejam postos à disposição do Centro para os Direitos do Homem,
no quadro geral de intensificação das actividades do Centro, conforme previsto no
presente documento.

31. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Estados a assegurarem a


participação total e livre dos povos indígnas em todos os aspectos da sociedade,
particularmente em questões que lhes digam respeito.

32. A Conferência Mundial sobre os Direitos do homem recomenda que a Assembleia


Geral proclame uma década internacional dos povos indígenas de todo o mundo, com
início em Janeiro de 1994, incluindo programas de acção orientada, devendo a
respectiva decisão ser tomada em conjunto com os povos indígenas. Deverá ser criado
um fundo fiduciário voluntário para esse fim. No âmbito da referida década, deverá ser
considerada a criação de um forum permanente para povos indígenas dentro do sistema
das Nações Unidas.

Trabalhadores Migrantes

33. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta todos os Estados a


garantirem a protecção dos direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e suas
famílias.

34. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem considera que a criação de


condições que favoreçam uma maior harmonia e tolerância entre os trabalhadores
migrantes e o resto da sociedade do Estado em que residem se reveste de particular
importância.

35. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem convida os Estados a


considerarem a possibilidade de assinarem e ratificarem, logo que possível, a
Convenção sobre os Direitos Humanos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das suas Famílias.

3. A igualdade de condição social e os Direitos do homem das mulheres

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36. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta ao gozo pleno e em
condições de igualdade de todos os direitos humanos pelas mulheres e que tal constitua
uma prioridade para os Governos e para as Nações Unidas. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem sublinha igualmente a importância da integração e da plena
participação das mulheres, enquanto agentes e beneficiárias, do processo de
desenvolvimento, e reitera os objectivos estabelecidos sobre a acção global para as
mulheres através do desenvolvimento sustentado e equitativo estabelecido na
Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento e no capítulo 24 da Agenda 21,
adoptada pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (Rio
de Janeiro, Brasil, 3-14 de Junho de 1992).

37. A igualdade de condição social e os direitos humanos das mulheres deverão ser
integrados na tendência dominante das actividades de âmbito geral do sistema das
Nações Unidas. Estas questões deverão ser regular e sistematicamente tratadas em todos
os organismos e mecanismos relevantes das Nações Unidas. Em particular, deverão ser
tomadas medidas para aumentar a cooperação e promover uma continuada integração de
objectivos e propósitos entre a Comissão sobre a Condição Feminina, a Comissão dos
Direitos do Homem, o Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres,
o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres, o Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas e outros organismos das Nações Unidas. Neste
contexto, a cooperação e a coordenação entre o Centro para os Direitos do Homem e a
Divisão para o Progresso das Mulheres deverão ser intensificadas.

38. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realça a importância do trabalho a


desenvolver no sentido da eliminação da violência contra as mulheres na vida pública e
privada, a eliminação de todas as formas de assédio sexual, a exploração e o tráfico de
mulheres, a eliminação de preconceitos contra o sexo feminino na administração da
justiça e a irradicação de quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos das
mulheres e os efeitos nocivos de certas práticas tradicionais ou consuetudinárias,
preconceitos culturais e extremismos religiosos. A Conferência Mundial sobre Direitos
do Homem apela à Assembleia Geral que adopte o projecto de declaração sobre a
violência contra as mulheres e insta os Estados a combaterem a violência contra as
mulheres em conformidade com as suas disposições. As violações dos direitos humanos
das mulheres em situações de conflito armado constituem violações dos princípios
fundamentais dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário. Todas as
violações deste género, especialmente o homicídio, a violação sistemática, a escravatura
sexual e a gravidez forçada, requerem uma resposta particularmente eficaz.

39. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta à irradicação de todas as


formas de discriminação, públicas ou ocultas, contra as mulheres. As Nações Unidas
deverão encorajar o objectivo da ratificação universal por todos os Estados, até ao ano
2000, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres. Deverá estimular-se a procura de formas e meios de tratar o número

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particularmente vasto de reservas à Convenção. Inter alia, o Comité sobre a Eliminação
da Discriminação contra as Mulheres deverá continuar a analisar as reservas à
Convenção. Os Estados são instados a retirar quaisquer reservas que sejam contrárias ao
objecto e propósito da Convenção ou que, de outro modo, sejam incompatíveis com o
direito internacional dos tratados.

40. Os organismos de supervisão de tratados deverão divulgar as informações


necessárias que permitam às mulheres um uso mais efectivo dos procedimentos de
implementação já existentes na sua luta pelo gozo pleno e em termos de igualdade dos
direitos humanos e da não discriminação. Deverão ser adoptados novos procedimentos
para reforçar o empenhamento na igualdade e nos direitos humanos das mulheres. A
Comissão sobre a Condição Feminina e o Comité sobre a Eliminação da Discriminação
contra as Mulheres deverá examinar rapidamente a possibilidade de introdução do
direito de petição mediante a elaboração de um protocolo opcional à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. A Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com a decisão da Comissão de
Direitos do Homem em considerar a nomeação de um relator especial sobre violência
contra as mulheres, na sua quinquagésima sessão.

41. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece a importância das


mulheres poderem usufruir do mais elevado padrão de saúde física e mental ao longo da
sua vida. No âmbito da Conferência Mundial sobre Direitos do Homem e da Convenção
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, bem como
da Proclamação de Teerão de 1968, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem
reafirma, com base na igualdade entre homens e mulheres, o direito da mulher a
cuidados de saúde acessíveis e adequados e ao leque o mais alargado possível de
serviços de planeamento familiar, bem como igualdade de acesso à educação a todos os
níveis.

42. Os organismos de fiscalização dos tratados deverão incluir a condição feminina e os


direitos humanos das mulheres nas duas deliberações e conclusões, fazendo uso de
dados específicamente relacionados com o sexo feminino. Os Estados deverão ser
encorajados a fornecer informações sobre a situação das mulheres de jure e de facto, nos
seus relatórios para os referidos organismos. A Conferência Mundial sobre Direitos do
Homem constata, com satisfação, que a Comissão de Direitos do Homem, adoptou, na
sua quadragésima nona sessão, a resolução 1993/46, de 8 de Março de 1993, na qual se
afirmava que os relatores e os grupos de trabalho no domínio dos direitos humanos
deveriam ser encorajados a proceder de igual modo. A Divisão para o Progresso das
Mulheres, em cooperação com outros organismos das Nações Unidas, especificamente o
Centro para os Direitos do Homem, deverá igualmente tomar medidas com vista a
garantir que as actividades das Nações Unidas ligadas aos direitos humanos
contemplem as violações dos direitos humanos das mulheres, incluindo abusos
especificamente relacionados com tal sexo. Deverá ser encorajada a formação de

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pessoal das Nações Unidas no domínio dos direitos humanos e do auxílio humanitário,
por forma a que este possa reconhecer e lidar com os abusos de direitos humanos,
nomeadamente contra as mulheres, e efectuar o seu trabalho sem preconceitos sexistas.

43. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Governos e as


organizações regionais e internacionais a facilitarem o acesso das mulheres a cargos
com competências decisórias e a permitirem a sua maior participação no processo de
tomadas de decisão. Encoraja a tomada de novas medidas no âmbito do Secretariado das
Nações Unidas no sentido de as mulheres serem nomeadas membros do pessoal, e
promovidas, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, e encoraja outros
organismos principais e subsidiários das Nações Unidas a garantirem a participação das
mulheres em condições de igualdade.

44. A Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem congratula-se com a


Conferência Mundial sobre as Mulheres, que ocorrerá em Pequim, em 1995, e insta a
que os direitos humanos das mulheres desempenhem um papel importante nas suas
deliberações, em conformidade com os temas prioritários da Conferência Mundial sobre
Mulheres versando a igualdade, o desenvolvimento e a paz.

4. Os direitos da criança

45. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reitera o princípio segundo o qual
“Tratemos primeiro das crianças” e, neste domínio, sublinha a importância dos esforços
significativos, desenvolvidos quer a nível nacional quer a nível internacional,
especialmente os do Fundo das Nações Unidas para a Infância, com vista à promoção
do respeito pelos direitos da criança à sobrevivência, à protecção, ao desenvolvimento e
à participação.

46. Deverão ser tomadas medidas para se alcançar a ratificação universal da Convenção
sobre os Direitos da Criança até 1995 e a assinatura universal da Declaração Mundial
sobre a Sobrevivência, a Protecção e o Desenvolvimento das Crianças e o Plano de
Acção, adoptados pela Cimeira Mundial para as Crianças, bem como a sua efectiva
implementação. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Estados a
retirarem as reservas à Convenção sobre os Direitos da Criança que sejam contrárias ao
objecto e ao propósito da Convenção ou ao direito internacional dos tratados.

47. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta todas as nações a tomarem o
máximo de medidas compatíveis com os respectivos recursos, com o apoio da
cooperação internacional, para atingir os objectivos previstos no Plano de Acção da
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Cimeira Mundial. A Conferência apela aos Estados para que incluam a Convenção
sobre os Direitos da Criança nos seus planos de acção nacionais. Deverá ser dada
particular prioridade, através de tais planos nacionais e de esforços internacionais, à
redução das taxas de mortalidade infantil e materna, à redução de taxas de má nutrição e
analfabetismo, ao acesso a água potável e ao ensino básico. Sempre que necessário, os
planos nacionais de acção deverão ser perspectivados para o combate a emergências
devastadoras causadas por desastres naturais e conflitos armados e pelo problema
igualmente grave de crianças em extrema pobreza.

48. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta todos os Estados a


abordarem, com o apoio da cooperação internacional, o gravíssimo problema das
crianças que vivem em circunstância especialmente difíceis. A exploração e o abuso de
crianças deverão ser activamente combatidos, analisando-se as suas causas mais
remotas. Impõem-se medidas efectivas contra o infanticídio feminino, o trabalho infantil
perigoso, a venda de crianças e de orgãos, a prostituição infantil, a pornografia infantil e
outras formas de abuso sexual.

49. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apoia todas as medidas tomadas
pelas Nações Unidas e os seus organismos especializados que visam garantir a
protecção efectiva e a promoção dos direitos humanos da criança do sexo feminino. A
Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Estados a revogarem quaisquer
leis e regulamentos em vigor e quaisquer práticas e costumes que descriminem e
prejudiquem as crianças do sexo feminino.

50. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apoia fortemente a proposta de


que o Secretário-Geral dê início a um estudo sobre mecanismos para melhorar a
protecção das crianças em conflitos armados. Deverão ser postas em prática normas
humanitárias e medidas tendentes a proteger e facilitar a assistência a crianças em zonas
de guerra. As medidas deverão incluir a protecção a crianças face ao uso indiscriminado
de todos os tipos de armas de guerra, especialmente as minas anti-pessoais. Deve ser
urgentemente abordada a necessidade de prestação de cuidados posteriores e de
reabilitação de crianças traumatizadas pela guerra. A Conferência apela ao Comité dos
Direitos da Criança para que estude a questão de aumentar a idade mínima de
recrutamento nas forças armadas.

51. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que as questões


relacionadas com os direitos humanos e a situação de crianças sejam regularmente
revistas e supervisionadas por todos os organismos e mecanismos relevantes do sistema
das Nações Unidas e pelos organismos de fiscalização dos organismos especializados,
em conformidade com os respectivos mandatos.

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52. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece a importância do papel
desempenhado por organizações não governamentais na implementação efectiva de
todos os instrumentos relacionados com os direitos humanos e, em particular, da
Convenção sobre os Direitos da Criança.

53. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que o Comité dos
Direitos da Criança seja habilitado, de forma rápida e efectiva e mediante o apoio do
Centro para os Direitos do Homem, a desempenhar o seu mandato, nomeadamente
tendo em vista o número sem precedente de ratificações e subsequente apresentação de
relatório nacionais.

5. Não sujeição à tortura

54. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com a ratificação


da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos
ou Degradantes por um elevado número de Estados Membros e encoraja a sua rápida
ratificação por todos os restantes Estados Membros.

55. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha que uma das mais
atrozes violações da dignidade humana consiste no acto da tortura, em consequência do
qual a dignidade é destruída e a capacidade das vítimas de continuarem as suas vidas e
as suas actividades fica prejudicada.

56. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que, nos termos da
legislação sobre direitos humanos e do direito humanitário, a não sujeição a actos de
tortura é um direito que deve ser protegido em quaisquer circunstâncias, incluindo
épocas de perturbação interna e internacional ou de conflitos armados.

57. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta, portanto, todos os Estados
a porem imediatamente termo à prática da tortura e a irradicar definitivamente este mal
através da plena implementação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem
como das convenções relevantes, reforçando, se necessário, os mecanismos já
existentes. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela a todos os Estados
para que cooperem plenamente com o Relator Especial sobre a questão da tortura, no
cumprimento do seu mandato.

58. Deverá ser dada atenção especial à garantia do respeito universal e à efectiva
implementação dos Princípios de Deontologia Médica relevantes para o Papel do
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Pessoal de Saúde, particularmente dos Clínicos Gerais, na Protecção de Prisioneiros e
Detidos contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

59. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha a importância de uma


acção concreta continuada no âmbito das Nações Unidas, com vista a providenciar
assistência às vítimas de tortura e garantir meios mais efectivos para a sua reabilitação
social, física e psicológica. Deverá conceder-se prioridade à concessão dos recursos
necessários para este fim, inter alia, mediante contribuições adicionais para o Fundo
Voluntário das Nações Unidas a favor das Vítimas de Tortura.

60. Os Estados deverão revogar qualquer legislação que conduza à impunidade dos
responsáveis por graves violações dos direitos humanos, tais como a tortura, devendo
igualmente instaurar procedimentos por tais violações, fazendo assim prevalecer o
Estado de direito.

61. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que os esforços para
irradicar a tortura deverão, antes de tudo, concentrar-se na prevenção, pelo que apela à
adopção prévia de um protocolo opcional à Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, que se destina a criar um sistema de
visitas regulares aos locais de detenção.

Desaparecimentos forçados

62. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, congratulando-se com a


adopção, pela Assembleia Geral, da Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas
contra os Desaparecimentos Forçados, apela a todos os Estados para que tomem
medidas legislativas, administrativas, judiciais e outras por forma a prevenir, fazer
cessar e punir actos de desaparecimentos forçados. A Conferência Mundial sobre
Direitos do Homem reafirma ser dever de todos os Estados, em quaisquer
circunstâncias, proceder a investigações sempre que houver razões para crer que ocorreu
um desaparecimento forçado num território sob a sua jurisdicção e, a confirmarem-se as
suspeitas, punir os seus autores.

6. Direitos das Pessoas Incapacitadas

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63. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais são universais e que, por conseguinte, incluem, sem
reversas, as pessoas incapacitadas. Todas as pessoas nascem iguais e com os mesmos
direitos à vida e ao bem-estar, à educação e ao trabalho, a viverem com independência e
a participarem activamente em todos os aspectos da sociedade. Qualquer discriminação
directa ou outro tratamento discriminatório negativo de um pessoa incapacitada
constitui, portanto, uma violação dos seus direitos. A Conferência Mundial sobre
Direitos do Homem apela aos Governos para que, se necessário, adoptem ou adaptem a
legislação já existente por forma a garantir o acesso das pessoas incapacitadas a estes e
outros direitos.

64.O lugar das pessoas incapacitadas é em todo o lado. Deverá ser garantida a igualdade
de oportunidades às pessoas incapacitadas através da eliminação de todas as barreiras
socialmente impostas, quer estas sejam físicas, financeiras, sociais ou psicológicas, que
excluam ou limitem a sua participação plena na sociedade.

65.Relembrando o Programa de Acção Mundial relativo às Pessoas Incapacitadas,


adoptado pela Assembleia Geral na sua trigésima sétima sessão, a Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem apela à Assembleia Geral e ao Conselho Económico e Social
para que adoptem, nas suas reuniões de 1995, o projecto de normas-modelo sobre a
igualdade de oportunidades para pessoas incapacitadas.

C. Cooperação, desenvolvimento e reforço dos direitos humanos

66. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que seja dada
prioridade a iniciativas de âmbito nacional e internacional que visem promover a
democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos.

67. Deverá ser dada ênfase especial a medidas tendentes ao reforço e à criação de
instituições relacionadas com os direitos humanos, ao reforço de uma sociedade civil
pluralista e à protecção de grupos que se tenham tornado vulneráveis.Neste contexto, o
apoio prestado, a pedido de Governos, para condução de eleições livres e justas,
incluindo o apoio em aspectos de direitos humanos das eleições e a informação ao
público sobre o processo eleitoral, reveste-se de particular importância. Igualmente
importante é o apoio a ser prestado ao reforço do Estado de direito, à promoção da
liberdade de expressão e à administração da justiça, bem como o apoio à participação
efectiva dos povos nos processos de tomadas de decisão.

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68. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha a necessidade de o
Centro para os Direitos do Homem incrementar a prestação de serviços de consultadoria
e actividades de apoio técnico. O Centro deverá prestar apoio aos Estados, a pedido
destes, em questões específicas sobre direitos do homem, incluindo a preparação de
relatórios nos termos dos tratados sobre direitos humanos, bem como apoio para a
implementação de planos de acção coerentes e completos com vista à promoção e à
protecção dos direitos do homem. A consolidação das instituições de direitos humanos e
da democracia, a protecção jurídica dos direitos do homem, a formação de altos
funcionários e outro pessoal, a educação alargada e a informação ao público destinada a
fomentar o respeito pelos direitos humanos, deverão ser disponiblizados enquanto
componentes destes programas.

69. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda vivamente que seja
criado, no âmbito das Nações Unidas, um programa detalhado e completo para ajudar os
Estados na tarefa da construção e do reforçar das estruturas nacionais adequadas com
impacto directo na observância generalizada dos direitos humanos e na manutenção do
Estado de direito. Tal programa, a ser coordenado pelo Centro para os Direitos do
Homem, deverá poder providenciar, a pedido do Governo interessado, apoio técnico e
financeiro a projectos nacionais destinados a reformar estabelecimentos penais e
correccionais, o ensino e a formação de advogados, juízes e agentes de segurança
pública no domínio dos direitos humanos, e qualquer outra esfera de actividade
relevante para o bom funcionamento do estado de direito. Tal programa deverá
providenciar aos Estados o apoio para a implementação de planos de acção com vista à
promoção e à protecção dos direitos humanos.

70. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem solicita ao Secretário Geral das
Nações Unidas que submeta propostas à Assembleia Geral das Nações Unidas contendo
alternativas para a criação, a estrutura, as modalidades operacionais e o financiamento
do programa proposto.

71. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que cada Estado
pondere se será desejável a elaboração de um plano de acção nacional que identifique os
passos através dos quais esse Estado poderia melhorar a promoção e a protecção dos
direitos humanos.

72. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma que o direito universal e
inalienável ao desenvolvimento, conforme consignado na Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, deve ser implementado e realizado. Neste contexto, a Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem congratula-se com a a nomeação, pela Comissão dos
Direitos do Homem, de um grupo de trabalho temático sobre o direito ao
desenvolvimento e insta o Grupo de Trabalho, em consulta e cooperação com outros
orgãos e agências do sistema das Nações Unidas, a formular de imediato, para

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consideração prévia pela Assembleia Geral das Nações Unidas, medidas efectivas e
abrangentes com vista à eliminação de obstáculos à implementação e à concretização da
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, recomendando formas e meios que
permitam a concretização do direito ao desenvolvimento por todos os Estados.

73. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que as organizações


não-governamentais e outras organizações populares activas no campo do
desenvolvimento e/ou direitos humanos, deviam ser habilitadas desempenhar um papel
mais significativo a nível nacional e internacional no debate, nas actividades e na
implementação relacionados com o direito ao desenvolvimento e, em cooperação com
os Governos, em todos os aspectos relevantes da cooperação para o desenvolvimento.

74. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela aos Governos, aos
organismos e instituições competentes, que aumentem consideravelmente os recursos
atribuídos à criação de sistemas jurídicos operativos que sejam capazes de proteger os
direitos humanos, bem como a instituições nacionais que trabalhem nessa área. Os
intervenientes no domínio da cooperação para o desenvolvimento deverão ter presente a
inter-relação de reforço mútuo entre o desenvolvimento, a democracia e os direitos
humanos. A cooperação deverá basear-se no diálogo e na transparência. A Conferência
Mundial sobre Direitos do Homem apela igualmente à criação de programas completos,
incluindo bancos de informação e pessoal especializado, relacionados com o reforço do
Estado de direito e das instituições democráticas.

75. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem encoraja a Comissão dos Direitos
do Homem, em cooperação com o Comité sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais, a prosseguir na análise de protocolos opcionais ao Pacto Internacional sobre
Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

76. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que sejam


disponibilizados mais recursos para o reforço ou a criação de acordos regionais com
vista à promoção ou à protecção dos direitos humanos nos termos dos programas de
serviços de consultadoria e apoio técnico do Centro para os Direitos do Homem. Os
Estados são encorajados a solicitar apoio para sessões de trabalho regionais e sub-
regionais, seminários e trocas de informação destinados a reforçar os acordos regionais
para a promoção e a protecção dos direitos humanos em consonância com os padrões
universais de direitos humanos consignados nos instrumentos internacionais sobre
direitos do homem.

77. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apoia todas as medidas tomadas
pelas Nações Unidas e seus organismos especializados relevantes com vista a assegurar
a promoção e a protecção efectivas dos direitos dos sindicatos, conforme determinado

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no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais e outros
instrumentos internacionais relevantes. A Conferência apela a todos os Estados para que
observem rigorosamente as suas obrigações neste domínio, conforme consignadas nos
intstrumentos internacionais.

D. Ensino dos Direitos Humanos

78. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem considera o ensino, a formação e


a informação ao público sobre direitos humanos tarefa essencial para a promoção e a
obtenção de relações harmoniosas e estáveis entre as comunidades, bem como para o
favorecimento da compreensão mútua, da tolerância e da paz.

79. Os Estados deverão lutar pela irradicação do analfabetismo e deverão direccionar o


ensino para o desenvolvimento pleno da personalidade humana e para o reforço do
respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem apela a todos os Estados e instituições que incluam os direitos
humanos, o direito humanitário, a democracia e o sistema do Estado de direito como
disciplinas curriculares em todos os estabelecimentos de ensino, em moldes formais e
não formais.

80. A educação sobre direitos do homem deverá incluir a paz, a democracia, o


desenvolvimento e a justiça social, conforme definido nos instrumentos internacionais e
regionais sobre direitos humanos, por forma a alcançar-se um entendimento comum e a
consciência que permitam reforçar o compromisso universal com os direitos humanos.

81. Considerando o Plano Mundial de Acção para a Educação sobre Direitos Humanos
e Democracia, adoptado em Março de 1993 pelo Congresso Internacional para a
Educação sobre Direitos do Homem e Democracia da Organização Educacional,
Científica e Cultural das Nações Unidas, bem como outros instrumentos sobre direitos
humanos, a Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que os Estados
desenvolvam programas científicos e estratégias que assegurem uma educação sobre
direitos humanos o mais ampla possível e a divulgação de informação ao público, com
particular incidência sobre as necessidades das mulheres no campo dos direitos
humanos.

82. Os Governos, com o apoio das organizações intergovernamentais, das instituições


nacionais e das organizações não-governamentais, deverão promover uma maior
consciencialização dos direitos humanos e da tolerância mútua. A Conferência Mundial
sobre Direitos do Homem sublinha a importância do reforço da Campanha Mundial de
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Informação ao Público sobre Direitos do Homem levada a efeito pelas Nações Unidas.
Tais Estados deverão empreender e apoiar a educação sobre direitos humanos e
encarregar-se da efectiva divulgação da informação neste domínio. Os serviços de
consultadoria e os programas de apoio técnico do sistema das Nações Unidas deverão
ter capacidade para responder imediatamente a pedidos emanados dos Estados
relativamente a actividades educacionais e de formação no domínio dos direitos
humanos, bem como à educação especial sobre normas contidas em instrumentos
internacionais sobre direitos humanos e no direito humanitário e sua aplicação a grupos
especiais tais como as forças armadas, autoridades judiciárias, polícia e profissões
ligadas à saúde. A proclamação de uma década das Nações Unidas para a educação
sobre direitos humanos, por forma a promover, encorajar e concentrar estas actividades
educacionais, deverá ser considerada.

E. Métodos de implementação e supervisão

83. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem insta os Governos a incluirem no


seu direito interno as normas consignadas nos instrumentos internacionais sobre direitos
humanos e a reforçar as estruturas, as instituições e os orgãos nacionais que
desempenham um papel na promoção e na salvaguarda dos direitos humanos.

84. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda o reforço das


actividades e dos programas das Nações Unidas por força a responderem a pedidos de
apoio de Estados que queiram criar e reforçar as suas próprias institutições nacionais
com vista à promoção e à protecção dos direitos humanos.

85. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem encoraja igualmente o reforço da


cooperação entre as instituições nacionais para a promoção e a protecção dos direitos
humanos, particularmente através de trocas de informações e experiências, bem como a
cooperação com organizações regionais e as Nações Unidas.

86. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda vivamente, neste


âmbito,que os representantes das instituições nacionais para a promoção e a protecção
dos direitos humanos se reúnam periodicamente sob os auspícios do Centro para os
Direitos do Homem, a fim de examinarem formas e meios de melhorar os seus
mecanismos e partilhar experiências.

87. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda aos orgãos previstos
em tratados sobre direitos humanos, às reuniões de presidentes dos orgãos previstos em
tratados e às reuniões dos Estados partes que continuem a tomar medidas que visem a
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coordenação dos múltiplos requisitos e directrizes necessários à preparação dos
relatórios dos Estados, ao abrigo das respectivas convenções sobre direitos humanos, e
que estudem a sugestão de que a apresentação de um relatório conjunto sobre
obrigações decorrentes de tratados por cada Estado tornaria estes procedimentos mais
efectivos e aumentaria o respectivo impacto.

88. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que os Estados partes
nos instrumentos internacionais sobre direitos humanos, a Assembleia Geral e o
Conselho Económico e Social considerem o estudo dos orgãos previstos em tratados
sobre direitos humanos e dos vários mecanismos e procedimentos temáticos existentes,
com vista à promoção de uma maior eficiência e efectividade através de uma melhor
coordenação dos diversos orgãos, mecanismos e procedimentos, considerando a
necessidade de evitar duplicações desnecessárias e a sobreposições dos respectivos
mandatos e tarefas.

89. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que se proceda a um


trabalho contínuo sobre a melhoria do funcionamento, incluindo as tarefas de
fiscalização, dos orgãos previstos em tratados, considerando as propostas múltiplas
apresentadas neste domínio, em particular as apresentadas pelos orgãos contemplados
em tratados e pelas reuniões dos presidentes dos orgãos previstos nesses tratados. A
abordagem global nacional feita pelo Comité dos Direitos da Criança deverá igualmente
ser encorajada.

90. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que os Estados partes
nos tratados sobre direitos humanos considerem a aceitação de todos os procedimentos
de comunicação opcionais ao seu dispor.

91. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem vê com preocupação a questão da


impunidade de autores de violações dos direitos humanos e apoia os esforços
desenvolvidos pela Comissão dos Direitos do Homem e pela Sub Comissão para a
Prevenção da Discriminação e Protecção das Minorias na análise de todos os aspectos
da questão.

92. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que a Comissão de


Direitos do Homem analise a possibilidade de uma melhor implementação dos
instrumentos de Direitos do homem existentes a nível internacional e regional e
encoraja a Comissão de Direito Internacional a prosseguir os seus trabalhos sobre a
criação de um tribunal criminal internacional.

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93. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela aos Estados que ainda o
não tenham feito, para que adiram às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949
e aos respectivos protocolos e que tomem todas as medidas adequadas a nível nacional,
incluindo medidas legislativas, para a sua total implementação.

94. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda a conclusão célere e a


adopção do projecto de declaração sobre o direito e a responsabilidade dos indivíduos,
grupos e orgãos da sociedade na promoção e na protecção dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais universalmente reconhecidos.

95. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem sublinha a importância em se


proteger e reforçar o sistema de procedimentos especiais, os relatores, representantes,
peritos e grupos de trabalho da Comsissão de Direitos do Homem e da Sub-Comissão
para a Prevenção da Discriminação e da Protecção das Minorias, por forma a que
possam cumprir os seus mandatos em todos os países do mundo, providenciando-lhes os
recursos humanos e financeiros necessários. Os procedimentos e os mecanismos
deverão ser habilitados, para se poder harmonizar e racionalizar os seus trabalhos
através de reuniões periódicas. Todos os Estados são solicitados a cooperar com tais
procedimentos e mecanismos.

96. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que as Nações Unidas
assumam um papel mais activo na promoção e na protecção dos direitos humanos,
assegurando o respeito total pelo direito humanitário internacional em todas as situações
de conflito armado, em conformidade com os objectivos e os princípios consignados na
Carta das Nações Unidas.

97. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, reconhecendo o importante papel


das componentes de direitos humanos em acordos específicos respeitantes a
determinadas operações das Nações Unidas para a manutenção da paz, recomenda que o
Secretário-Geral tome em consideração os relatórios, a experiência e as capacidades do
Centro para os Direitos do Homem e dos mecanismos de direitos humanos, em
conformidade com a Carta das Nações Unidas.

98. Por forma a reforçar o gozo de direitos económicos, sociais e culturais, deverão ser
consideradas abordagens adicionais, tais como um sistema de indicadores para
avaliação dos progressos na implementação dos direitos estabelecidos no Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Deve ser efectuado um
esforço concertado que garanta o reconhecimento dos direitos económicos, sociais e
culturais a nível nacional, regional e internacional.

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F. Continuidade da Conferência Mundial sobre Direitos do Homem

99. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda que a Assembleia


Geral, a Comissão sobre Direitos do Homem e outros orgãos e organismos do sistema
das Nações Unidas relacionados com os direitos humanos, considerem formas e meios
para uma total e imediata implementação das recomendações contidas na presente
Declaração, incluindo a possibilidade de proclamação da década das Nações Unidas
para os direitos humanos. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem recomenda
ainda que a Comissão dos Direitos do Homem reveja anualmente os progressos feitos
nesse sentido.

100. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem solicita ao Secretário-Geral das


Nações Unidas que, por ocasião do quinquagésimo aniversário da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, convide todos os Estados, orgãos e organismos do sistema das
Nações Unidas relacionados com os direitos humanos, a enviarem-lhe relatórios sobre
os progressos obtidos na implementação da presente Declaração e que apresente um
relatório à Assembleia Geral, na sua quinquagésima terceira sessão, por intermédio da
Comissão dos Direitos do Homem e do Conselho Económico e Social. Do mesmo
modo, as instituições regionais e, se apropriado, as instituições nacionais sobre direitos
humanos, bem como as organizações não governamentais, podem apresentar as suas
opiniões ao Secretário-Geral sobre os progressos da implementação da presente
Declaração. Deverá ser dada especial atenção à avaliação dos progressos com vista à
ratificação universal dos tratados e protocolos internacionais sobre direitos humanos
adoptados no âmbito do sistema das Nações Unidas.

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