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A BELA MORTE E 0 CADAVER ULTRAJADO* JEAN-PIERRE VERNANT Ao pé das muralhas de Tria que o viram, desvairado, fugic de Aguiles, Heitor esté agora parado. Ele sabe que vai morrer. Ate- nao enganou; todos os deuses a abandonaram. O destino de morte (moira)’j& se apoderou dele, Mas} se ja niio pode veneer fe sobreviver, depende dele cumpric 0 que cxige, a scus olhos como aos de seus pares, sua condigio de guerreiro: transformar sua morte fem gléria imperceivg), fazer do loie comum a todas ss eriaturas sujeitas ao tra ‘um bom que Ihe seja préprio © seja elernamente seu, “Nao, eu nio preiendo morrer sem lula sem gloria (akleiés) como também sem algum feito cuja narrativa ehegue aos homens por vir (essomeénoist purhesthad” Para agueles que a Mada chama anéres (cindres), os homens m4 plenitude de sua naturesa viril, uo mesmo tempo machos ¢ cora- josos, eriste um modo de morzer em combate, na flor da idade, que confere ao guertciro defunto, como o Faria uma iniiagao, aque” Te eonjunto de qualidades, prestigios, valores, pelos quais, durante toda a'sua vida, a-nata des dristoi, dos melhores, entra em compe- tigho. Esta “hela morte”, kalds thinaios, para Ie dar o nome com que a designam as oragées finebres atenionses @, faz aparccer, 2 +N. da R._Este artigo de Jean-Pieme Vemantecoma parte dems con- fevéncn reads no Deparaiments, de Fibmote a Uveniéado de S00 ul, mo seguro semi Ge 18TT. (Tran de Elin A. Kessutch« Jo “A Hansen) (1) Tada, 2 3048; ef. tambén 22,10 (2). Nicolo Lora, em son tert inlitolila Athines imoginare, coje pbs: ‘ma publicagio aguardamos, estudaw'e tema da bela moral ‘oragio flinebre ‘Tenleme, “Fate now tabslio smuito he deve. Niele Lora publcow varat amovte 4 maneira de um revelador, na pessoa do guerrciro caido na, batalha, a -eminente qualidade de anér agathds @), homem valoroso, homem devotado. Para: quem pagou com sua vida a recusa da desonra no combate, da vergonhosa covardia, ela assegura um renome inds- fectivel. A'bela morte também & a morte gloriosa, eukleds thanatés. Elz eleva 0 guerreico desaparecido a0 estado de gléria por toda a duragio dos tempos vindouros; e 0 fulgor dessa celebridade, Kiéos, gue adere doravante a seu nome e & sua pessoa, representa o termo liltiino da honra, seu extremo pice, a areté realizada. Gragas & bela morte, a exccléncia, areté, dcixa de ter que se medic sem-fim com outrem, de ter que se por & prova pelo confronto, Ela se realiza‘de vez ¢ para sempre no feito que pée fim 3 vida do herbi Tal & 0 sentido do destino, de Aquiles, 20 mesmo tempo perso- ager exemplar ¢ ambjgua, em que se inscrevem todas as exigén- cias mas também todas as contradigGes do ideal herdico. Se Aquiles parece levar as ttimas conseqiiéncias — até ao absurdo — a logica da honra, € porque cle se situa de algum modo, para além das regras comuns desse jogo. Como ele mesmo explica, dois destinos foram-the oferceidos dese © seu nascimento, para conduzi-lo até ‘onde toda existéncin humana encontra seu termo, dois destinos que se excluiam rigorosamente (!. Ou a gléria imorredoura do. guer- reito (kdéos dphihiton), mas a vida breve, ou entio uma vida longa, retirada, mas a auséncia de qualquer gléria, Aquiles ndo teve se quer que escolher; viusse inclinado de vez para a vida breve. Pre-"] destinado — poder-se-ia dizer por natureza() — a bela morte, vivo, ele jf esid como que impregnado pela aura da gléria péstuma para ‘qual sempre foi designado. " F por isso que nfo the 6 possivel, nna aplicagio do cédigo de honra, compor ¢ aceitar, conforme as~ circunstincias e as relagées de forga, os acordos covardes, mas pelo artigos sobre o mesmo sesunto: "Marathon oa Thistoe idéclogique”, Revue Mies Hides ancienves, 73 (1973), p. 1d, *Socrate contre-poton” de Tori fon fomilye" Lednsiquté clasique, 43. (1974), p. 22211, “HDH et AN- RELA, devs versiog cle 1g mort sha combsttan athénien", Ancient Sacity. 6 905), pool La lle ort ape a aaweer er Kone. (3) "Seb 0 emprego do agzthas, como valor absolute, scm outro quali callo, em Homeroy ce fy 21, 260 «0 obmervngoes de Vesdenus, “Tytoaus 62 B.S commentary, Mnomenyne, 22 (1809), p.'938 T's, 410 (5) Dine @ 15 et, Aca dr: “Oh, mi io ge ms ra ara uma vida breve, que Zeus Olimpico.-. me a pelo menos a gra”, FAG, como. faser eo, reopondetne- "Ten eating, em vez de longoe das, s6 © concede dma vida breve", if, 1, 352-3 ¢ a15-0" cf. também 10, 985 a 32 menos transigir com of necesséris ‘arranjos sem of quais o sistema fio esta mais em condigdes de funcionar. Para Aquiles, qualquer cofensa, venha cla de onde vier, € igualmente insuportével e inex- pivel, por alta que seja a posigho que eleva o seu autor acima de Si mesmo na hietarquia socal; toda desculpa, todo reconhecimento piblico de culpa, por saisfatéria que possa parecer a seu amor pro prio pela extensio ¢ pelo cardter piblico da reparacio, permanece Wie ineficaz, Semelhante a um crime de lesa-majestade, a afronta feita a Aquiles s6 pode ser paga, a scus olhos, por um rebaixamiento total ¢ definitive do culpado. Este extremismo da honra torna ‘Aquiles om set marginal, encerrado na solidio altiva da sia eélera Os outros. gregos condenam neste excesso um error do espiit, tuma forma, do Erro. personifiado, da die), Agamémnon re: precnde o herdi por levar a tal ponto o espirito de competic&o, pelo qual ele se quer sempre, em toda parte e em tido, © primelr, tendo apenas na cabesa, por conseguinte, rivalidade, querels, com- bate); Nestor censura-o por nfo respeitar na sua conduta a or- dem normal das precedéncins, chegando ele a se medic frente a fren- te com um rei que tem de Zeus, a0 mesmo tempo que 0 eet0, a poder e 0 comando, o direito as muis elevadis hontis(; Ulsest Fenix, Ajax e até mesmo Pétrocio deploram sua duceza inteadvel, seu réssentimento selvagem, seu coragio bravio e desumano, surdo Pledado, insensiel tanto sos pelidos e siplicas dos amigos como ds! desculpas¢ reparagdes com que deveria satisfazer-se. Seria Aquiles avesso nos aids, Aquele sentimento de reserva e moderacko que age mancira de uin freio, nos dois seatidos, para cima e pari baixo, para manter equilibrio nas situagdes em que a disparidade de posigto, a desproporgio de forca tornam impossvel uma franca competigio em pé de igualdade? © adds € csta timidez respetost que mantém o mais fraco & distincia do mais forte © que, expri- fhindo de manciza aberta a inferioridade de um dos protagonists, Golocs-o merce do outro para que, desarmado por esta atitude Submissa, ele tome a iniciativa de estabelecer uma relagio de ami ade, de philia, concedendo iquele que’se coloca assim sab a sua protesio & parte de honra que Ihe cabe, Mas também 6, inversa- mente, a rendncia & violéncia e 3 agiessividade do mais forte para com 0 mals fraco, desde que, entregue 2 sua mered, ele no mais atue como rival; € a reconciliagio do ofendido com aquele que, VUliwa € ow romnne & Okowy. (9) 1, 9, 510.2, (1) Ma, 288 6 177. (8) m3, B78. 33 aceitando humilhar-se, rebaixar,se pelo oferécimento da yeparacio, fecontiece publicamontc a timé4ue ele havin ultesado anteriormen- te; € enfim o abandono da vinganga ¢ 0 restabelecimento da a zade entre dois grupos quando, apds um assassinio, © preco do sangue, que representa o valor da vitima, sua timé, foi saldado por acordo com os seus (. . Diante da assembléia dos deuses, Apolo poder, ele também, acusar Aquiles de abandonas, 20 mesmo tempo, toda piedade ¢ ignorar 0 aidds (*, No entanto, 0 slcance dessas indicagdes nfo é, na sua esséncia, de ondem psicolégicn. Concerne menos 2 um (taco particular do cardter de Aquiles que as ambigtlidades de sua posigio, ao equiveco de seu estatuto no sistema de,valores préprio a tradigto épica. Exis~ te, com efeito, na atitude © no comportamento de Aquiles, um aspecto paradosal que € desconcertante se se atém a psicologia da personagem. Aquiles esti absolulamente convencido de sua supe- Tioridade em materia de desempenho guerreiro ¢, na escala das qua- fidades que tornam o homem completo, o valor no combate ocupa, ele, como também para os seus companhciros empenhados ma uta, um lugar dos mais elevados, Nilo existe, por outro lado, wm tinico grego — nem mesmo troiano algum — que nfo partilhe da con~ vvicgio de Aquiles e nic reconheca nele 3 modelo inconteste da areté guerreira (%), Entretanto, esta confianga em si, apoiada num consenso unfnime junto a outrem, longe de the proporcionar certe- za e seguranga, acompanha-se de uma suscetibilidade sombria ¢ uma verdadeira mania. de humilhagao. E’claro que, tomando-the Briseis, Agamémnon inflige a Aquiles ‘uma afronta que alinge 0 guerrcira no ponto sensivel, Ele o des- poja de seu géras, isto é, da parte de honra da presa comum com a {qual o haviam. gratiticado, Um géras & um privilégio exeepcional, lima prestago conceditia a titulo especial, como reconhecimento de uma superioridade, seja de posigio © de fungio — € 0 caso de Agamémnon —, seja de valor e de faganha — ¢ 0 caso de ‘Aquiles, Além da vantagem-material que proporciona, 0 géras vale como marea de prestigio, consagracio de uma supremacia social: 0), Bim 9, 632 6 ah Aloe pte ao cong ifs) de Agulles a Siz dnb Saga ue acta tg tse Fare tay er, © PS PPamgue ed compen, fede “(10)” TL, 24, 46 ELT) 112 2.768-9 em que ¢ 0 préprie acde que enuncia como uma verdade objtiva a spernidade de, Aguile wave, valor aq & Keweeyval para todos sem distinglo, aquilo ‘que é sortéado em partes iguais, mas para o escol, ¢ apenas para o escol, por acréscimo, 0 géras Confiscar o géras de Aquiles €, pois, de certo modo, negar-Ihe a exceléncia no combate, 4 qualidade herdica que nele todos con- cordam em reconhecer. Eo siléncio — mesmo carregado de re- provagio — que os guerreiros gregos mantém na assembléia quanto, A conduta de seu principe, associs-os a um ultraje cujas conseqiién- cias devertio com ele pagar. No entanto, na reacio de Aquiles, varios tragos poem dificuldades. Agamémnon nao procura ‘ofen- dé-lo pessoalmente c, em nenhum momento, mesmo no ardor da querela, contesta seu eminente valor guerreiro. Em nome do inte- resse comum, Aquiles pede ao rei que renuncic « Crises, sua parte de honra: para desviar a peste do campo grego € preciso devolver a jovem 20 sacerdote de Apolo, seu pai. Agamémnon inclina-se 1a consentir nisso desde que the déem um géras substituto para que ‘nao seja 0 tinico, ele, © soberano, a ficar agérastos, privado de eé- ras (21, Caso contrdrio, Ihe seré. preciso conteniar'se com o géras do vizinho, quer se trate de Ajax, Ulises ou Aquiles, pouco im- porta — ¢ ele prevé a firia deles (4, Bento que Aquiles explode, © sua célera revela as verdadeiras razdes da quercla que apde os dois homens, Para Aquiles, no hé medida comum entre a timé que adere 2 dignidade real,’ esta timé glorificnda por Nestor como proveniente de Zous(#, © aquela que o guerreiro conquista penando sem repouso “na primeira linha” dos combatentes, onde o risco total. A seus olhos, Agamémnon, nessa guerra que & sobretudo sua ¢ de seu irmio, deixa a outros 0 euidado de pagar, a todo instante, com sua pessoa, no amago da guerra ardente: permanecendo na retaguarda, dpisihe ménon 9), a0 abrigo do campo, perto dag pre- ciosas naves, ele nfio & homem que se aventure com os aristoi numa emboscada nem se empenhe como campefio num deta sem trézua’ “tudo isso, afirma Aauiles dirigindo-se a Aeamémn0>. parece-te & morte, 1 dé toi kér eldetai einai’ 9, “Quem, dentre os eis, € 0 mais rei de todos, basilé_ tates, nfo ultrapassou assim a linha que separa 0 comum dos homens do universo propriamente herdico, © universo em que o combatente, accitando de antemio a vida breve. deyotou-se,inteiro € no mesmo movimento 2 guerra, 20 feito, & “ax wellores” (19) it, 1, us, (03) i 1, 138 ef, 145-8. (14) 121, 3788, (15) HL, 9, 338 of, 1, 227-9, (16) 1 1, 298 iso ‘ndlogo de Diomades sabre Agamtmnon em 8, 38-0. 35 gléria © a morte. Na prova de honra, para quem adota a perspee- tiva cavaleiresca prépria de Aquiles, € a vida mesma que & a cada vex apostada na competicéo ("), E coma com esta aposta a der~ rota signifiea que se perde tudo do uma vez e para sempre, que se’ perde a propria existéncia, © sucesso devo render també valor que, sendo de outra ordem, nig é mensurivel pela lng das Gistingdes ¢ homenagens comuns. A Wégica da honra herdica & 2 do tudo ow nada; ela: vale fora e acima das hicrarquias de posi. Se Aquiles nao é reconhecido como o primeiro e, de certo modo, © Unico, sente-se reduzido a zero, Também, no exato momento fem que ele se_proclama, sem see abertamente cantradivo, dristo ‘Achaibn, o melhor dos gregos, em que se gaba de ter carregado todo 0 peso da guerra no passado © de constituir para o futuro © nico baluarte contra o*asalto troiano, cle pode apresentar-se niio 56 como desontado pela ofensa que the foi fcita, dims (i; ‘mas, no caso de sua omissio, como o iilimo dos covardes, um menos que nada, oulidands(®), um restolho, crrando sem estatuto them raiz, uma espécie de nfo-pessoa@9, Entre a gléria impercet- vel, para'a qual esta predestinado, e o stim arau é¢ ignominia, nfo ha posigao intermedidria em que Aquiles possi encontrar seu Togar Quilguer ofensa a sus dignidade provoca um efeito pendular de uum exteemo a outro porque atingido através dele um valor que & preciso aceitar ser reservas, sem comparagio, sob pena de de- precié-lo por inteio, Ofeader Aquiles equivale a colocar no mes- mo plano o covarde ¢ © valoroso, eonferirlies, como cle diz, mes- ma timé @), Negat a0 feito heréico sua fungio de critério’ abso- luto é, pois, nfo ver nele a pedra de toque daguilo que um homem vale ou nor Assim se explica 0 fracasso de Ulisses, Fenix ¢ Ajax na missio que Thes foi confiada para dobrar a resolugio do filho de Pelew € para convehct-lo a: renunciar 2 sua célera, Embora, usem as rmesmas palavras, Aquiles nfo fala a mesma lingua dos embaixa- dores que Ihe foram mandados. Em nome de Agamémnon, com vertide aos melhores semtimentos, eles Ihe propem 0 maximo, e, sais que isso, tudo quanto um rei pode oferecer na oportunidade: primeiramento Briss, que ele esti pronto a devolver, tal, como ‘a havia tomado, jirando nfo ter dormido com cla; tripés\our0, 0. ia a, ie oa 8 se \ Byrevacra ve verry Ss alealua we > pe ntho" a ee bacias, cavalos, mulheres para servas ¢ cancubinas; a melhor_parte do sague se Tesia for conquistada; ¢ Finalmente, por esposa, una de suas. pi6prias fibhas, a escolher, como dole mals rico Para acompanhar esse casamento que faria de Aquiles seu. gear, 4 soberania sobre sete cidades de seus dominios, Aquiles recusa, Se concordasse, tle se colocatia no proprio terreno de seu adver sirio, Seria admitic que esses bens, apandgios da timé do rei, sig- nos de seu poder sobre outrem e dos privilégios que acompanham 6 seu estatuto, chegam, por seu simples acimulo, a pesar em face do valor suténtico, a contrabalangar 0 que Aquiles, ¢ usicamente els, tuaz ao exército aquea. Por tido © que representam, es sentes The sio odiosos @*), © proprio excesso de sua magni aparece como uma irtisio paca quem, quando se empenha no com- bate, poe em jogo a cada instante, néo cameciros, bois, tripés,qu ‘ure, mas sua propria vida, sua vida perectvel, sua psuché O38 Fqueras de Agimémnon e todos os tesouros que enchem © mundo sio dagueles que s¢ podem sempre adquirir, trocar, retomar uma vez perdidos, consoguir de um modo ou de outro. inteiramente diverso © prego que o guerteico consente em pagar para aceder ao valor: “a vida de um homem nio se reeupera: la nfo se deixa raptar nem apanhar a pactir do dia em quo saiu das muralbas de séus dentes” 2, E esta vida — on seja, ele mesmo, na sua di- mensio heréica’— que Aquiles puaha a servigo do exército: ¢ tha que Agamémnon insuliou tratando o heréi como o Yez. Que Fiqueza, que marca de honra, que distingio social teiam aos olhos de Aquiles © poder de recobcar uma psuché a que mais nada no ‘mundo poderia equivaler (ow gar emo? psuchés anidzion) ©), a par- tir do momento em que, arriscando-a sem temor em cada um dos encontros de que Agamémnon foge como da morte, cle a dedicou ‘antecipadamenie ao Aiéos, & gloria suscitada pelo feito herbico. Apss Ulisses, 0 velho Fénix pleitearé em vio diante de Aquiles ue, se cle ceder aos presentes, segundo 0 uso © a razio, se retornar ao combate, os aqueus “prestar-the-do reconhecimento como @ Um deus" mas que, se recusar, nao obtera deles munca mais honra igual, coukétihomés timés éseci@™, pois ele deveria, retormando nesses Sktimos dias & batalha, Liberté-tos eafim do fardo da guerra. Em (22) 1. 9, 378, (2) M9, 933. (24) 1 9, 408.9, (35), 9, 401, (8) 9, 00s, wronbaria _ ae lua, vide vo. A cistio entre duas_glérias, duas Honras estd agora bastante nitida no espirito de Aquiles: existe a timé ordindria, essa louva- {0 da opinifo ‘pablica, disposta a celebré-lo, a recompensé-lo prin- Cipescamente como 0 faz com o rei, sob a condicio de ele ceder; existe aquela outra timé, a glirin imosredoura que sew destino Ihe reierva se ele permanecer o mesmo que sempre foi. Pela prim: vez Aquiles recusa claramente a homenagem dos aqueus, que pa- regia procurar mais que tudo. Dessa timé, responde a Fenix, elé nilo earece, oi uf me kéutes chreo timés@®), nem mesmo faz caso de Agamémnon ¢ de suas ofertas; ele a considera uma ninbaria @), Fle apenas se preocupa em ser honrado pelo destino de Zeus, Dids isa, este destino de pronta more, okdmoros @, que sua mie ‘Tétis tinha anteriormente evocado nestes termos: “ten destino, aisa, em ver de longos dias s6 te concede uma vida breve”. Mas a pron- ta morte, quagdo assumida, tem sua contrapartida: .gléria imortal, a que 2 gesta"herdica canta, Essa tensfo, que a recusa a necessidade de ser socialmente reconhecido para sentir-se. © — a honra comum — e as exigéncias mais altas da honra het — deseja-se também ser reconhecido, mas como um ser a parte, situado num outro plane, que celebrario os “homens vindguros eee filigranada nos coniextos em que’es dois tipos de honra so contudo aproximados a ponto de patecerem confundidos. de Aguiles ilumina plenamente, entre tir Ocorre © mesmo com as palavras que Sarpedon dirige a Glaueo no canto XII da Hiada para exorticlo a encabegar os licios no at qué contra a muratha edificada pelos gregos. Por que, pergunta~ -Ihe, honram-nos em nosso pais, na Licia, com todos os privilégios hionras que Gaber « um rei, por que nos olham como se fOssemos deuses? Nao seré porque" nos sentimos, em contrapartida, obriga~ dos a colycar-nos. sempre, na batalha, nas primeiras linhas dos I ios, Lukioisi meré prétoisin, de modo que cada um deles pode proclamar: "Nio sia desprovidos de gléris, akledes, os rcis que ‘comandam nossa Licia..., combatem na primeira linha” @), Fic Iho de*Zeus, como Aauiles € filho de Tétis, Sarpedon €, no campo troiano, um desses guerreiros cuja qualidade de valentia, eujo com- portamento no combate assimilam a um Iedo, quando a fera, para (27) 2, 9, o07-s, (ea) ML 0, 378, (25) 1. 8, 608: “plvondo dd tctimésthat Dids aise (G0) 1. ¥, 417 e 18, 35. (a1) m, 12, alsa. weanede ve cclova syacdes y ln joe 38 saciar a fome que a tortura, s6-conhece a presa cobigada, Pouca, The importa que 0 rebanko ‘steja abrigado’nom-estbulo’ bem fe- chado, defendido por pasiores atmados de langas'e assisidos de aes.” Se seu coragto o impele ao alaque, nada o fard recuat, Ora, dias duas coisas, uma: ou ele se apossa de sua presa contta todos ¢ ontea tudo, ou enfao cai ferido por um dardo (. Diese o mesmo om 0 coragao de Sorpedon, em vias de asaltar a muralha que fege os grepos © als da qual a morte 0 aguarda, Sem hesia, forea © parapet © mergatha na botelha, Quando v8 seus compa: nheitos fugrem dante de Pitroclo, vest com as armas de Aquiles er enttegue ao furor és chacina, le os eobre de vergonbas arma alto e bom som sun dedisio de enfrenta este homem sab euja mio sabemos ser seu destino perecer , Ele o enfrenta para “conhe- Ceo", saber quem ele é ito €, para medie, pela prova do duelo de more, sev""vilor” de combatente (Esta attude — sem se falar eo aieigao de que 0 envolve Zews e do tratamento privlegiado que os deuses reervam ao. seu despojo — aprozime Sarpedon de ‘Aquils; cles se ligam, tanto um como 0 out, A mesma esfera de ceiténeia herieae comparilhom de uma concepsio radical da hoara feniecint, nd ren 8 Saepeon mi RA Teno Etimé™evido a0 princito.¢ 0 Kcostt qual sepia o segundo. Com Rater na princes linha, como 0 taza Agules © Sarpedon, as ferlncom aft, Tundamento a jutiieagio das prerogavas weir ie endo. que be polenta. dont gua suc, fara 22° UE pecies manele hordio o gus, pues mostarse herd, 4 pre tie ter naseigo tl” Ena visto ims, que unica no peso Con Simoes meliplosaspetos da preminecin sociale do valor Pesca, crcpuis 1 AabGDagel Ue vector Bemirch ts que'ot tors leas = ape hl, erei tink alecse, S000 ime os conten, Abe espe, 8 opuléncia, a0 suseno as ex presas, & bravura guorrtira, ao renome, sem dstingui-los nitida- mene 69, (82), 19, 905. (33) My 16, 434, (BY) W16, 423. “Sphre dacio. hae ste hdde brani tin de Heitor quanto a Diomedes em i 552 e535; em 3, 88 Heltor exorta Pars a enfrentar Menelau para "saber 0 quanto vale" (5) Referir-®, quanto a cste ponto, eos trbalhos, doravante eldsioom dt A.W. H. Adkine, par exemplo a Moral caluer and politcal behaviour ft an- ‘Greece, Lonslon, 1972p. 12-18 ene 39 1K Giivie Nas préprias palavras de Sarpedon deixa-se recopheccr, contudo, tragada levemente, a quebra que, no caso de Aquiles, separava, se- gundo uma Tinha de demarcagio brutal, a existéncia herSica com suas faspiragSes, exigéncins, ideal proprios, da vida comam, regida pelo ccédigo social da honra. Apds ter feito compreender que todas as Tegalias concedidas 20 #ei, boa mesa, boas terras, bom vinho, luga- res de honra, fama, sio 0 prémib pago-aos homens de guerra pelos servigas prestados por sua excepcional valentia no campo de batalha, Sarpedon acrescenta uma observagio que, desvendando a verdadeica dimensio do feito her6ico, ‘derruba toda a sua argumentagio ante- rior: “Se 0 escapar a esta guerra, declara, nos permitisse viver a seguir eternamente, abrigados da velhice ¢ Ja morte, ndo seria por ‘certo eu quiem combateria na primeica linha nem quem te enviaria para a batalha.em que o homem adguire a gléria... Mas, como nenhum mortal pode escapar do. traspasso, avante, demos ghiria a tum outro ou que ele no-la dC, Nio sio, pois, nem as vanta- gens materiais nem @ primado de condicio nem as marcas de honra que tém 0 poder de levar um homem a empenhar sua psuché em ductos sem twégua onde so conquista a gléria. Se apenas se tratasse de ganhar os bens que se gozam em vida e que vos abandons vom ela, nfo se encontraria um dnico guerreiro, segundo Sarpedon, que no’ se escondesse no momento em que fosse preciso arrisear se 4 tudo perder no jogo. A verdadeita razio do feito herdieo reside ressalta de caleulos utilitérios nem da necessidade de alhures; na prestigio social; poder-se-ia dizer que ela € de ordem metafisica; ela € propria da condicio humana, condigio que os deuses nao fizeram apenas mortal mas também submetida, como toda eriatura deste mundo, apés a floragéo e a plenitude da juventude, ao declinio das forgas ¢ A decrepitude da idade, 0 feito herdico enraiza-se na von ade de escapar ao envethecimento © a morte, por “inevitiveis™ que sejam, de a ambos ulirapassar. Ultrupassa-se a morte acothendo-a em vez de a softer, tornando-a a aposta constante de uma vida que toma, assim, valor exemplar © que os homens celebrario como um modelo de “gloria imorredoura”. que o her6i perde em honras prestadas & sua pessoa viva, 20 renunciar a longa vida para escolher 4 pronta morte, ele 0 torna a ganhar cem veres mais na gléria de {que fica aureolada, por todos os tempos vindouros, sua personagem (36), 12, 992.8, © mesmo tema em Callinos ft. 1, 12-15 (Edmond): ‘em Pindaro, Ob, 1, SLs: "Velo qe € procho momret, por que flcar na Sombra e cousupaie cin yo uma velhice ignorada, longo de toda beleza.” Em Uisias, Orapdo fanebre, 78. 40 de defunto, Numa cultura como a da Grécia arcaica, em que cada um iste em fungio de outrem, sob 6 olhar e pelos olhos de outrem, fem que as posigdes de uma pessoa sin tanto melfior estabelecidas {quanto mais Jonge sc estende sua reputagdo, a verdadeira morte € © esquecimento, © siléncio, a obscura indignidade, a auséncia de fama(@), Ao contritio, existir € — estejase vivo ou morto — ser reconhecido, estimado, honrado; € sobretudo ser glorificado: ser objeto de uma palavra de louvor, de uma narrativa que conta, sob a forma de uma-gesta, reltomada ¢ repetida sem cesar, um destino por todos admirado. Neste sentido, pela gléria que ele soube con- quistar devotando sua vida ao combate, o herdi insereve na memoria Coletiva do grupo sua realidade de sujeito individual, exprimindo-se numa biografia que a morte concluiu e tornou inalterdvel. Pelo ‘canto piiblico dos feitos a que ele se deu por inteiro, o hexSi con- tinua, além do traspasso, presente, a’ seu modo, na comunidade dos vivos. Tormada lendéria, sua figura tece, associada com ouiras, 2 ‘rama permanente de uma tradigo que eada geracio deve aprender tornar sua para aceder plenamente, através da cultura, a existéncia social Ultrapassando as honras corriqueiras, as dignidades de posiggo, efémeras ¢ relativas, aspirando ao absoluto do kléos dphthitoms 9 honra herdica pressupde a existéncia de uma tradigio de poesia oral, repositério da eultura comum, que funciona paca 0 grupo como me- tmoria social. No que se convencionou denominar, para encur'ar, 0 mundo de Homero, honra hersica ¢ poesia épica s80 indissociivels: niio ha kiéas sendo cantado, © 0 eanto poético, quando nilo eelebra a ga dos deuses, $6 tem por objeto evocar os kiéa andrén, os altos feitos gloriesos realizados pelos homens de antanho ¢ perpetuar-Thes a lembranga, tormando-os mais presentes aos ouvintes que sua pobre cxisténcia cotidiana ). A vida breve, « fagaaha, a bela morte 36 ‘dquirem sentido quando encontrum lugar mum canto pronto a so- Ihé-las para as magnificar ¢ confeyem ao proprio hersi v privilégio de ser aoidimos,assunto de canto, digno de ser cantado. & pela tansposigio literdria do canto épico que 2 personagem do herdi ad- quire tal estatura, a densidade de existéncia € a perenidade que, (31) Cf Mazel Denne, Ler mals de vite dnt te Grice echique (Sa) Hess Tog, 100 f.M, Dateoe, op. of, p 219; Ble (a) Hesbeo, Te ef: M, Deen, op ot, p 218, Reeds tanbim ap belo lio defame M. Rede. Nature and culte i the ad. Fred tf decor Ching and Lanton, YSIS, p90 se 8 som NSS rea Be der i x gli duyevedt ve! xn apenas elas, podem justificar o extremo rigor do ideal herbico € os sacrificios que ele impie. Na exigdncia de uma honra para além da honca, existe portanto uma dimensio “literitia”. N¥o que a hhonra herdiea seja uma pura convengio de estilo e 0 heréi uma petsonagem inteiramente licticia. A exallagio da “bela morte” em Esparia e Atenas, em plena época clissica, mostra o prestigio que 0 ideal herdico manteve e seu impacto sobre os costumes até em con- textos histérices tio distantes do mundo de Homero como 0 da Ci- “dade. Mas, para que a honra herdiea permanega viva no seio de uma civilizagao, para que todo o sistema de valores permanega mi cado pelo seu selo, & preciso que a fungio postica, mais do. que objeto de divertimento, tenha conservado um papel de educagto & formagio, que por ela e nela se transmita, se ensine, se atualize na alma de cada um este conjunto de saberes, erengas, atitudes, valo- res do que é feita uma eultura, & unicamente a poesia épica, por seu estatuto © fungio, que pode conferir ao desojo de gléria imy recivel, de que € habitado o heréi, tal base institucional e legitim social, sem as quais nfo passaria de uma fantasia subjetiva, 16 hhouve quem se espantasse com uma ambicio de sobrevivéncia que se reduziria, creditava-se, a uma imortalidade “litera, Seria desconhecer as diferencas que separam a pessoa e a cultura gregas seaieas das nossas. Enire a pessoa anliga, pessoa para outrem, implantada na opiniso piiblica e sua vontade de sobreviver em “alia imperecivel”, ea pessoa de hoje — 0 eu imteriorizado, nico, se prado — e’ sua esperanga de sobrevivéncia sob forma de uma alma Singular ¢ imortal, existem as mesmas relagées estruturais: a epopéia desempenha 0 papel de paidelatexaltando os herds exemplares, assim como os géneros literirios “puros” coma o romance, 1 auto- biogratia, © didrio sntimo © fazem hoje Entre todas as personagens encenadias pela Mada, Aquiles & a Sinica que nos & deserita praticando o canto poético (®). No mo- mento em que os embaixadores de Agamémnon chegam perto do ‘campo dos mirmidées, Aquiles esti em sua tenda. Acompanhando- se com a citara, canta para si ¢ para Patroclo, sentado diante dele em silencio. Que € que Aquiles, em tais citcunstancias, se eompraz em cantar? Aquilo mesmo que 0s aedos, e Homero primeiramente, cantam nos poemas como a Iiada; “fide d'éra kléa andrén” (), ele canta os feitos dos her6is, © modelo do guerzeico hexSico que, (39) Ct, Pee Vidal Naquet Préfae &Homére, Had, Pais, 1978, ps 32 Go} to, 18. o ENC etee stra cance escolhiendo a vida breve © a gléria imperecivel, encarna uma idgia to elevada da honra (a ponto de, em seu nome, recusar, juntamen- te com os presentes do rei, a timé de seus companheiros de armas) também & nquele figurado pela grande gesta épica no momento di vo de sua trajetéria a0 cantar ele mesmo a gesta dos herbis. Artificio literario, procedimento “em abismo”, certamente! (1). Mas a ligio do episédio é clara: os feitos de Aquiles, celebrados por Homero na Niada, para existirem inteiramente aos olhos do herdi que os deseja ‘executat, devem refletir-se, prolongir-se num canlo que consagre sua gléria, Enguanto personagem herdica, Aquiles sé tem existéncia para si mesmo no espelho do canto que lhe reflete sua propria ima- ‘gem e que o faz sob forma de Alda, destes feitos aos quais ele esco- Then saerificar a sua vida para tornar-se para sempre aquele Aquiles que Homero canta na ladda ¢ que todos os gregos cantario a seguir. Ulteapassar a morte é também escapar da velhice. A morte © a iidade avangada equiparam-se para os gregos(), ‘Tormar-se velho 6 ver pouco a pouco o tecido da vida em si mesmo desfazer-se, cor~ romper-se, roid por este mesmo poder de destruicaa, esta kere, que conduz a0 traspasse. Hébes dnthos# die Homero, f6rmula, que, relomads € desenvolvid cos, como foi demons- trado, inspirou dem: io dos epitifios fu- neririos, om louvor dos guerreiros cafdos na “flor da juventude”. ‘mortos no combate 9, Assim como a flor so fana, 05 Vae pelos quais a vida se manifesta: vigor, beleza, graca, agilidude, quando jé iluminaram um homem com seu fulgor durante sux “bri Ihante juventude”, aglads liebe, em vex de permanecerem firmes e estiveis em sua pessoa, logo murcham e se esvaem no nada. A flor da idade — quando se’esti na plena maturidade de sua forea vital — (U1) Sais om prcelimeto le meena orden, com um wad dere sa ace" Floebe Hamil Ou, tine ee ting saoue Be tat TG), BBE A hes cand 2 git bal Cat teen ana ns tidy 188 6 97-8 i)" impor (Edm) Ee emer rae HBR et ANDREIA; deus voor I moet ascot ht Aci Soe (iT). Vay. No a are als hea rtf on content, tl epi esivo toa errr Ae Taennsa da epopéia,em que aflain héberd apenss win exempo a peo Crm de eae US) Geto so eorex formals a ere ctf aaad = pe roca ae SE rege ea ei adidas 2 opi ean Pan esi ao cpio eacive ¢ derocrti do demon séne See eee ate teen eae as or eae mete mene i ty i : ola ptblier Ter eet 4 pomls ¢ Beene 4a & esta floragio primaveril de que, no inverno de sua vida, antes mesmo de baixar ao timulo, 0 ancito jf se acha despojado (8 Tal 6 0 sentido do mito de Titon. De que poderin servir tomé-lo imor- tal se no 0 preservassem também do envelhecimenio? Mais avi- sad3, dirigindo-se 2 Glaueo, Sarpedon sonia ser subtraido, a um tempo, i jdade avangada-e 4 mode, encon'rarse tanto agéraos quanto aihdnaroK); § entio, apenas entio, que se poderia dizer do feito gucrreiro see ele uim jogo que no vale a pena. Pois o pobre Titon, afundando-se cada dia mais na senilidade, rao passa de um espectro do vivo, um cadéver animado no reduto celeste onde Eés teve doo relegar; seu envelhecimento sem-fim o destina a uma ilusfo de téncia.que a morte destruiu inteiramente a partir do. interior (, Cait a0 campo de batalha desvia do gucrreiro este inexordvel de- clinio, deterioracio de todos 0s valores que compdem a areté vill ‘A morte heroics colhe © combatente quanco ele esti no seu acme, seu acmé, hamem j6 realizado (anér), perfeitamente intacto, na ints gridace de uma poténcia vital ainda pura de qualquer decrepitude ‘Aos olhos dos homens vindouros, cuja meméria habitaré, cle sacha, pelo traspasso, fixado no fulgor de urna juventuds defnitiva. Neste sentido, 9 Aléas dphihiton, gue o hersi conguista pela vida breve, bre-the também 0 acesso # uma inalterfvel joventude %), Como Hé- rakles deve passar pela pira do Oeta para despasar Hebe e guelificar- se assim como agéraas ("), € a “bela morte” que torma 0 guerreiro ‘conjuntaments athénatos © agéraos, Na gloria imorredoura em que © canto de seus feitos o introduz, ele ignora a velhice do mesmo modo. ‘que escapa, tanto quanto pode um homem, a aniquilagio da morte. Esse tema do guerreiro, que se assegura para sempre a juventuée quando accita perder a vida no combate, reencontra-se modulado de ‘Outra maneira na relérica di oragio flinebre ateniense, Mas, como (44), Sobce 4 spciagio. da juvetals combstonte © da, prinever, ‘ito Lora fe oh. 92, gue acoso Rincla de Pails {ie ann 6 epiphone) ino nen de Eunos Sompars joomade raptaca pela ore oh nombate 5 Clan 4 yatevets retin do no Caneel, Retisn, 1,7, 1385 4 31-33 «MI, 10, Lal a 1-8). (45) Th 2, 385 ef 8, 558 120) ing homerco a ajrodite, (2), 21829; cf. também Minmermo, 4 (cand Fone ome po a ual ey Sau tends por do gos © hotel ner” Obrparsed 9 ose cabal eke dphtiton ave Jembra, pala opoese.© Hor épliion, Para'e Jovem Ful mon, oa imo, aro aco iniligdagany va © fal imomedoure. “4s Yom So Asaavs &. Av MAL rae (Arh Hotta, Tones 5. eb pax AL eas (A svar (ds). at,'9) Spat, woalheadial Newicon. observa Nicole Loraux, é na epopia que & preciso busearche a of ‘gem; quando Atenas © emprega para eelebrar, quinde dos funerals ublicos, queles que, por amor civico, caitam pela pétria durante © ano, ela projela na figura do hoplita, soldado-cidadio, adulio e pai de familia, a imagem herdica do guerveiro da epopéia que 6, pri- roitamente, um javem. Certaggente, a oposicio ma sociedad ho- igrica dos kouroi ¢ dos géronted ako se limita apenas a uma diferenga de idade, e 0: gérontes no séo todos ancifos, ao sentido que dari ‘mos a este termo. Néo é menos verdade que é nitida a clivagem tntre dois tipor do atividades © competéacias: as que, concernindo 3 guerra, evidenciam forga dos bragos ¢ 0 ardor valente, e aquelas que, dependendo da reflexao, requerem o bem falar € 0 espirito prudents. Entre.o bom fazedor de feitos (prektir érron) © 9 bom Uizedor de easos (mushon rhetér), a fronieiea € inicialmente a da maior ou menor idade ("), A sazao do géren opie-se 2 cabega louca dos jovens, designados pelo termo hephiterai, que define sia javen- tude pela aptidio para portar armas 9; w, se 0 “orador sonore” {lc Pilos, o velho Nestor, & hébil como. ninguém em prodigalizar seus sibios conselhos, se sua experiéncia em matétia de combate so manifesta em palavras sibins mais que em agoes brithantes, € que sobre ele a idade pesa e ele deixou de ser um kounas CY), Conselo, palaveas (bowie, ondihoi), tal € a tare, tal o privilégio dos gérontes: ‘205 mais jovens (neoierc!) cabe atirar a langa © assegurar-se nas su98 propries foreas ©), Dai a férmula que pontixa, como uma arenga, 4 maior parte das longss digressoes que Nestor impoe aos mais jovens para admocsti-los ou para cxorté-les a uma luta da qual, distanciado, ele s6 participa um pouco: “Eith has hebooini bie dé ‘moi émpedos fe, Oh, se eu ainda fesse jovem, se meu vigor Fosse intciro” 9, seu perdido valor guerrelro que Nestor famenta jun- ‘tamente com sua juventude esvanecida. Neste contexto, Hébe desiz~ nha menos uma faixa etdria precisamente definida que um periodo de ‘vida em que ha condigies de ultrapassar-se, em que 0 sucesso, 0 bom (49) 1, 8, 108-10. (50), 1.4, S21. “Se onto cu_er Konroe, agoes a wade avangada me atingiu" . (GD). th, 4, 329-5; 69, 190: om Tita, so ox demogironten que prestieny © eonelho: “Spars eles, 4 Hcke pi fm 8 guerra mi ni belos dtewindores’ pa yl IME kta Uy 2h 8 ATA oe Apa iz a Nestor Nig. ters teu vigor inact, émpedor, mata oe sobre, ts Em, 8103, Diomedss dz no meow selido: “Tey viger st eae, « demgzadvel velice se acompanhe Tay iy BS ace " Tidben a “hes yerens ce Lan valle resultado, © kudos, parecem ligados 20% vossos passos, assqpiados 2s vossas empresas (94, mais protaicamente, em que ha plena posse das forgas. Em primeito lugar, forga fisice certamente, mas que tam- ‘bém implica a leveza do corpo, a agilidade e seguranga dos membros, fa rapidez. dos movimentos (), Ter a hébe € reunir em sua pessoa todas as qualidades que constitugm o guerrsiro completo. Quando Tdoméneu, guerreiro temivel mas jé grisilho (mesaipéties) (9), con fessa seu pinico diante, de Enéies que marcha ao seu encontro, ¢ pede socorro a scus companhciros, justfica-se nestes termos: “ka? chet hébes dnthos, hd te, krdtos esit mégiston, cle tem a flor da juventude, 0 que é 0 krdéios*supremo” (*7). De fato, por veleate que seja, Idomencu sente o peso da idade: “Suas pernas movendo-se no tém mais a mesma seguranga (ou gar é émpeda guia), quer se trate de salir em conseqiiéncia de um tiro de langa ov enldo de se esqui- var de ums golpe....; para fugir, seus pés no mais o carregam tio dopressa para fora do combate” (*#). Como ressaltou E. Benveniste, kriios n&o designa a simples forca fisica como o fariam Bfe ou ischis, mas a poténcia superior que permite 20 guecreiro dominar seu adversério, irlunfar dele e veneélo na luta. Neste sentido, a aris- téia_guerreira esti como que incluida na hébe Compreendem-se fentfo melhor os lagos que unem, na perspectiva herdica, a morte do guerreiro ¢ a juventude. Como existe, a0 lado da honra comm, uma honra herdica, ao lado da juventude comum — a mera juven- tude — existe uma juventude herdica que brilha no feito ¢ encontra, na morte em combate sua realizacio, Passemos neste ponto a pala vra a Nicole Loraux que viu ¢ disse as coisas tio bem quanto poss vel: ““A epoptia homérica dé duas versSes muito diferente da morte do Keuros Nao hi com que se espantar: simples qualidade entre ot hersis, juventude rest mais prosaicamente para aqueles que os deuses favorecem menos, um dado fisiolégico. Se a morte de jovens combatentes 6 freqiiente na Mada, ela néo 6 sempre pats eamente gloriosa (...) No primeiro caso, a juventude no passa de um componente entre outros, que no distingue © morto da massa imensa ¢ finalmente inessencial das vitimas. Nouttos termos, como qualidade, a juveniude no pfeside aos’ dltimos instantes do. guer- reiro, que’ morte. de modo viril mas sem britho particular. Na versio herdica, pelo contrério, 0 traspasso realiza-se sob 0 signo de (32) TL, 11. 999 18, S125 23, e278, (3), 13, 381. (58), 1 ae (BT). Te 13, 512s. (58)' “Eipousn adrotjea kai hiben" Th, 16, 857, ¢ 22, 363. a lee ey 46 hébe: mesmo que a juventude no tenha sido explicitamente con- cedida ao guerteiro, le 2 conquista no momento preciso em que perde: hébe € a wllima palavra, para Pétroclo como para Heitor, cuja alma yoa para o Hades, chorando seu destino, abandonando @ forga ea juventude @, Na realidade, esta mengio da juventude perdida e chorada mas por isso mesmo enaltecida € recusada a todas os outros combatentes. Hébe toma figura ce carisma, reser~ vado & nata dos herdis — 9 mais valoroso adversirio de Aquiles é aquele que, mais que um emigo, the é um duplo” ), |A ébe que Ptroclo ¢ Heitor perdem com a vida e que possufam, portanto, de modo mais completo que 0s outros kowroi de idade Avangada, & aquela mesma que Aquiles se assegura escolhendo a vida breve, pelarqual, através da morte hersica, a pronta morte, cle permanece para sempre rovestido. «Se a juventude se manifesta na pessoa do gucrreiro vivo, primeiramen:e pelo vigor, be, poténcia, krdtas, fortaleza, aiké, no cadéver do heréi estendido sem forga e sem vida, seu brilho tansparece: na excepcional belezy, de um corpo doravante inerte, Em Homero, o termo sdma™ designa precisamente © corpo caja vida se retirou, o despojo de um sez defunto, Enquanto © corpo esta vivo, € visto como uma multi cidade de Srgios € membros animados pelas pulsoes que Ihe sao: prépriss: € 0 lugar em que se desdobram e as vezes se afvontam impalsos, forgas contrdrias. E com a morte que, abandonado por clas, © corpo adquire sua unidade formal. De sujeito e suporte de ages diversas, mais cu menos imprevistas, torna-se puro e simples ‘objeto para outrem: ¢ primeiramente objeto de contemplagio, espe- téculo para os olhos, a seguir cbjeto de cuidados, de deploraczo, de ritos funerdrios (, © mesmo guerreiro que aparécia durante a batalha como ameaca, terror ou reconforto, provocando o pinico ¢ 58) Note Lome, op. et, 223. Bh Bente Pot Pet emu, Bellas dele, prrwa, wb ik SEP a pe SP oe ee (ap, a4, 948. "Tate de Heaacs que lan ape de wn foe $01) Ma Si, Tatars de Mera En as a bee Bara oF SL re tentacha kalo € bon So wee ee Citas 5, 95, 568. Be 1g, hg ds« lao goo he spin sa ape "a eons vrs ee © fede, el ops Eat md te” Sore ores ee ee Wr heft, “Prone pale sob ce tab eat pete ov da om gue ett TTS Seles Ree hs re 3 ae i tmsear ea cant one Sold abe, a oe See as tae etaen ated Be wigs ie conta, ef. 3 18970. Slt sate 4 a fuga ou excitando o ardor ¢ 0 ataque, a partir'do momento em que jad no campo de batalha, oferece-se aos olhares como uma’ simples figura cujos tracos so identificdveis: € certamente Pétroclo, € cer- tamente Heitor, mas reduzidos & sua aparéncia exterior, a este aspecto singular de scu corpo que os torna reconhectveis por outrem. Sem di- vide, no homem vivo, a exceléncia, a graga, a beleza desempenham seu papel de elementos da pessoa, Mis, na figura do guerreito em acdo, estes aspecios ficam como que eclipsados por aqueles que a balalha coloca em primeito plano. O que resplandece no corpo do herdi € menos o brilho gracioso di juventude (chariestéte hébe) (2) que 0 do bronze que o Teveste, o faiscar de suas armas, armadura e capa- ete, 2 chama que emana de seus olhas, a radiacdo do ardor que 0 queima(, “Quando Aquiles reaparece. no campo de batalha apos sua longa auséncia, um atroz terror se apossa dos troianos, vendo-o “brithante em sua armadura” (". Diante das portas Céias, Priamo ‘geme, empalidece, supliea a Heitor que venha ter com cle sob 2 proiegio das muralhas: € 0 primeiro que acaba de perceber, irrom- endo na planicie, resplandecente como o astro que vem no outoro € cujos fogos fulgentes faiscam no meio das estrelas sem-niimero, na sombra da noite. Chamam-no o edo de Orion © seu brilho € sem- par... © bronze luz de um brilho semelhante em volta do peito de Aquiles cosrente” (Si. E quando © proprio Heitor vé Aquiles, Cujo bronze respiandece “semethants 20 fulgor do fogo flamejante ou do sol Tevante™, © (error o apana; pOe-se em fuga('*), E pre- iso distinguir entre esta radlaydo ativa que emana do guerreiro vivo, provocando terror, ¢ a espantosn beleza de que se reveste 0 corpo do herdi abatide como se fosse o brilho mesmo de sua juventude — uma juventude que a idade nao pode mais macular. Mal a psuché de Heitor deixon seus membros, “abandonando sua forga © juven- tude", Aguiles the separa 2s armas dos ombros. Os aqueus acarrem entgo de todos os lados. para ver o inimigo que mais que qualquer outro Ihes fez tanto mal ¢ para desferir sinda golpes no seu cadaver. Aproximando-se ‘do herdi que nio & mais, diante deles, senZo sdma, cadaver insensivel e inerte, eles 0 contemplam: “‘Admiram o porte, (62) 1, 19, 988; 975-7, 98; 308 (63! 1; 30, 46 (St) 11, $9: 25-90. (65) 11, 22. 134s. (68) I 22, 0-1; of tambien Odandin 24. Ak: orto Acie, lave seu “belo corpo” na gua momma; ©: Eusipedes Suplcnnte, 760) visio doe caldveres ‘on gucrdras srgvos & kala tama ten bob ‘copetcu, en or area, 48 a beleca inyejdvel de Heitor, hot Kal theésanto phutn kal etdes ageton Héktoros"(), Reagio para nés sixprecadente, 10 0 velho Priamo nfo a tivesse desvendado, opondo a morte deplorivel e horrenda do velho & bela morte do guerrero, ceifado em sua juventude. “Ao jovem guerieiio, néoi, mort pelo inimigo, dilaccrado pelo bronze agudo, tudo convém, péntepéoiken; tudo é belo, panta kalé — na- quilo que cle mostra, mesmo moro” 6, No espirito de Prinmo, a evocacia do joven guerreirn estendide, morta em sua beleza, longe de encorajar Heitor a enfrentar Aquiles, deve, por contraste, entemnecé-lo acerca do hotror do traspasso que espera um velho como ele se, privade de amparo de um filo como © seu, vier a perecer sob a sspada ou a langa dos guerreiros adversos. © quadro repugngnte que pinta o velho rei exprime de mane impressionante © cariter escandaloso, antinatural, da morte guertelr 2 morte “vermelha”, quando ela fere um ancido cuja majestade xi tum fim digno ¢ sercno, quasc solenc, em sua casa, na paz doméstica, rodeado polos seus. 8 ferimentos,-o sangue, a pociza que, no cadiver do jovers herdi, evocavam sua valentin e ressaltavam suit beleza com um toque mais vitil, no caso de uma cabega encanecida, de uma barba branea, de um corpo de veIho, adquirem, gracas a sua featdade horrenda, um aspecio quase obsceno: Pifamo ago se ve apenas ferido moitalmente as portas de sua habilagio, mas, des- membrado, devorado pelos edes — nio por cies quaisquer — mas suas préprias bestas domésticas que ele mesmo alimentava em seu palicio e qua, czindo na selvageri, dle vio fazer uma presa, de sua cures repasto, vo devorar seu ‘sexo, e estender-se, saciadas, no vestibulo cuja guarda outrora cle lhes confiava. “Caes que se véem ulteajar uma cabega branca, uma barba branca, as partes vergonho~ sas de um yelho massacrado, nada & mais digno de piedade” (0. Evo- ca Priamo um mundo as avessas, todos os valores sem pé nem ca- bea, a bestialidade instalada no seio do tar, a dignidade do velho tomnada irristo na fealdade ¢ impudicic'a, a destruiedo de tudo 0 que no cadkiver pertence propriamente ao homem. A morte sangrenta, bela e gloriosa quando inteiramente jovern, clevava o he?éi acima da condicdo humaria: arrancava-o do ‘traspasso comum conterindo a (er), 29, 713, (08) Me 22, Tae (60) Alm de somentic's le C. Prato deste fragmenta (99-108 da ua dicio de Tirteu), of. ©. R. Dawson, “Sporddiogelota. Manton Thoughts on easional Poems” Yale Clastoa Stutiee, 19, 1966. p58; W. J. Verdenius, Tyracus 6-7 D.'A commentary”, Macmesgne, 22, 1080, p. S355. 49 seu fim um carter de fulgurante sublimidads. A mesma morte, sofrida pelo velho, rebaixa-o aquém do homem; cla toma sea decesso, fem ver da sorte-comum, uma honivel monstaosidace, Tirteu!* num dos fragmentos que chegaram até nds, imita esta pas- sagem da Tieda, cujos termos por vezes elt reioma exatamente. AS diferencas, freqiientemente ressattadas 9 pormenor € no quadio goral (, referem-se a0 proprio contexto de Esparta: © hoplita que, na falange, combate ombro a omibro, escudo a escudo, ndo é mais © campedo da epopéia homérica; pede-se-Ihe que se mantenha firms, sem abandonar sea posto ¢ ao que se iustre em combate singular; se morrer & uma bela coisa, tethnamenai gar kalén, quando se cai nna prituira Tinha como homem de coragem" 0), & preciso ainda quo seja defendendo a terra da pitria; & sob esta condigio que a gléria do defunto permanece “imorredoura_e, 0 her6i, imortal — dathénatos — apesar de jazer sob a terra (*); deste ponto de vista, rnjo poderia haver entre honta Agisica e a simples honra win corte tio radical quanto antes: nao héMbmpatibilidade alguma, em Esparta, enire a vida longa eo feito guerreiro, entre a gléria, tal como a cconcebe Aquiles, ¢ a idade avancada. Se os combatentes, que sou- beram manter-se firmes cm seu posto, tiveram também a sorte de retornar sios salvos, compartilham durante toda a sua vida as mesmas honras ea mesma gléria que aqueles que cairam; envelhe- cidos, sua exceléncia Thes vale a homenagem de toda a Cidade” Esparta utiliza assim 9 presiigio do feito do guerrero épico, da honra herdica, como instramento de competicio € promoczo socials Ela insti, desde 0 agogé, espécie de regulamento codificado da gloria -¢ da vergonha, desindo € distribuindo, segundo es méritos ucrrciros, louvor ou’ descrédito, respeito ou desprezo, marcas de estima ou’ medidas de denegrimento, condenando os “trementes” — trésantes — i iconias humilhantes das mulheres bem como 2 infi- mia — dneidas hai atimie — de todo 0 corpo social Por outro lado; em Tirteu, © “mais velho", palaiotéros, 0 mais vvenertive), geraids, cuja morte contrasta com a do jovem — néos —, nfo € 0 infeliz ancido evocado por Priamo para comover seu filho, mas um hoplita corajeso, um ancido cheio de ardor que combateu ¢ (70) Fr. 9 (C. Prato), 12. (D) Fe 9, 319 (72) Fr. 9, 39 59. (73) CE Berédoto, VU, 291 oe ase & Tarkesy porte Huse TS aldala prgesees ee go perecen “na primeira links”, no ugar que (cca notmalmente, na Falange, 20s néoi. Poder-se-ia pensar que seu sacrificio s6 mereca maior exaltagio. Pelo contrario, se o fragmento 6 afirmava que era belo — kalén — morrer na primeira linha, este mesmo traspasso toma-se feio — aischrén — para o mais velho que cai diante dos néoi, E,cerio que, na “fealdade” que o (ermo aischrén denancia, ha tum matiz de reprovacio “moral”: trata-se, pelo horror do quadro, de exoriar os néoi a no eeder seu lugar na primeira linha aos mais volhos. Mss todo 0 contexto, a oposi¢io aiscirén — kaldn, © 0 cariter “espetacular” da descrigdo em seu conjanto mostram a per- sisténcia de uma visio “estética”, no sentido mais forte © amplo do termo, da morte herdica em sus associacio intima com a hébe Pois, na verdade, € coisa fein que am homem mais velho, caido nna primeira linha, jaza a frente dos jovens, cabeca branca ¢ barba aris, tendo exalado 0 seu ardor valemte no p6, segurando 0 sexo ensingiientade nas mies — horror para es olhos, vergonha para con- emplagio, aischra 12 g’ophihalmots kai nemeseton idein — ¢ ainda tendo © corpo nu. Mas, para 93 jovens, tudo convém — néoisi di pine epéoiken — enquanto esié com eles a prilhante for da amével Juventude, objeto de admiragio par os homens, andrdsi min teetds ldein, de’ desojo para as mulheres, erardr d® gunaiei, enguanto se esta-vivo, zods edn, mas beleza quando se esti’ morto na primeira linha — kalds d'en' promachoisi psi”) No devemos admitir, como sugere Christopher, M. Dawson, uma dupla dimensiio da beloza tanto da honra quanto da juventude? No fim de'sua anilise do texto de Tirteu, Dawson escreve: “Sensuous beauty may come in life, but true beauty comes in heroic death” Bela, a morte herdica. sem divida a cla que se rcfere a regra instituida, diz-se, por Licurgo, para 0 uso dos guerreiros laccdemnios — deixar longa’ esvoacar sua cabeleica, sem coriéla, ¢ dela cxidac muito especialmente na véspera do combate. A cabeleira & na cabega do homem, comparivel 2 flor de. sau viulidade, a floragio de sta idade, Fla exprime a condigio de vida daquele cujas tém- poras coroa, ¢ a0 mesmo tempo uma parte do corpo que, por seu erescimento préprio, sua vida independente — cortam-na, ela eresce, conserva-se sem se corromper — & suscetivel de vos representar: 4 cabeleira & oferecida, dela se faz dom como de si mesmo. Se 0 (78) Lac ot p (76) Chagas, “Agonémnos, 78.0 “Que é ym homem muito velbo quindo a su folhagem eth lnteiamente ressecada?™ 5 anciéo se define por sua cabega e barbs brancas, a hébe, marca-se também pela primeira floragio do pélo da barba, pela maturidade do penteado, £ conhecida a relaglo de kouros com keiro: cortar-se os gabslos; de modo mais geral, as grandes fases da vida humana, as_mudangas de condi¢io sio pontuadas pelo corte ¢ pela ofeienda dle uma mecha de cabelos, até mesmo ce toda a cabeleira, como no caso da recem-casada em Espanta. Na Iliada, cs compaaheiros de Patroclo eo préptio Aguiles cortam sua cabeleira sobre 0 cadiver de seu amigo defunto antes de dé-lo as chamas. Vesiem-Ihe 0 corpo Inteiro com seus eabelos como se o revestissem para a sua wltima viagem, com sua jovern © vil vitalidede, “O cadiver esti vestido Por inteiro com os eabelos que eles cortaram de suas frontes e que vieram jogat em seguida sobre ele” (7 Seus companheiros ornam 9 morte com o que neles exprime sun natureza de guerreiros ardentes, 20 passo que sua mulher, sc cle a lem, ou sia mae — no caso, por exemplo, de Ticitor — ofcrecen- do-lhe as vestes preclosas que elas the teceram, ligam-no até no além a esse unlverso feminiay ao qual o ligava seu estatuty de filho © esposo. Quando Xenofonte interpreta © porte dos cabelos longos como mancira de toraar os guerreiros espartanos “maiorcs, mais nobres © mais terriveis’ C8), cle ndo contradiz o valor de beleza que esta pritica Ines confere; cnfatiza npenas que nio se trata de uma Beleza qualquer, uma beleza sensual como a de Paris, ou uma beleza feminina, mas da beleza proprismente guerreira que ja procuravam, sem diivida, os combatentes homéricos, aqueles que a epopéia chama aqueus cabeludos, Kdre kaméontes Achatéi (9, Herédoto retata-nos um episécio significative ©. Antes de sondar 2 resistéacia do punhado de lacedeménio que guardam as Termé- pila, Xerxes envia Demarato como espifo, Ao yoltar, Demarato faz seu relat6o. Ele via os Iavedeménios prativande trangtilae mente exercicios corporsis ocupando-se em pentear os cabclos. O rei, estupefato, pede explicagdes. “Tal é 0 costume de Esparia, 1, 23, 135-6: quanto A eabeleira de Aquiles: 23, 144-151. Com. fe lave do Andemace Hts, au pio: 52, S104 78) Fol, IL 3. CE WNicele Loraue. "La belle mort spariate". 2, 449 © 472; 18, 369; 3, 43: pesiogem especialmente significative: fos aquons eabchadon” devens st ‘som certesn a0 orem a vem belesa do Fargloue, lenge de serum brave, alo tem no corso ner fore em = dentin, Pe responde Demarato; quando estio'em vias de expor suas vidas, esses homens cuidam de suas cabeleiras". A véspera do combate em que a aposta é a vida (e nas Termépiles a altenativa, que 6 a lei de Esparta, vencer ou morrer, reduz-se talvez exchusivamente a um dos termos: bem morrer), & uma s6 coisa impressionar o inimigo com um ar “grande, nobre,. terrivel” © preparar-se para set, no campo de batalha, um belo morto, semelhante em sua juventude 20 Heitor admirado pelos gregos ©) Se javentude o beleza refletem, no corpo da her6i abatido, o britho desta gloria pela qual ele tacrificon-a vida, ultrajte o cadéver inimigo adquire um novo significado. Charles Paul Segal e James M. Red field enfatizaram a importincia do tema da mutilagao dos corpos na Hiada: vé-se que ele toma, com o passat dos cantos, uma importancia cerescente, para culminar no furor demente dus sevicias que Aguiles inflige 20 cadéver de Heitor. Nio se pode duvidar de que 0 pocta faz assim comprecnder as ambigiidades da guetra herSica, Quando os combates tornamrse mais daros, a confrontagio caveleiresca, com suas regras, sou cSdigo, seus jaterditos, transforma-se em luta scl vvager em que a bestialidade, escondida no seio da violéncia, aflora nos dois campos. Nao basta mais triunfar nur duelo leal, confirmar suasareté confrontando-a com a de outrem; morto © adversirio, en= camiga-se, como se fosse um predador agartacio a sua presa, sobre 9 cadaver que, por nao se poder comer crii— desejo que aliés, for- mulado — faz-se desmembrar, dando-se as suas carnes 2’ devorucao dos caes € pdssaros interpostos. © herci épico estd assim duple- mente ameagado de perder sua figura humana; se perece, terd talvez © corpo deixado is bestas, nio na bela morte mas no mesmo horror monsiruoso que 0 rei Priamo evocava como um pesadelo; se: mata, le se arrisca, ao matilar 0 corpo de sua vitima, a cair nessa mesma selvageria que © aneifo temia nos seus cies. Tudo isso & verdadei- ro, mas & preciso perguntar se a ligagio entre o ideal herdico © a mutilagio dos corpos no & mais estreita, se a bela morte do hers, abrindoclhe © caminho 2 uma gloria imorredoura, nfo atrai como sua contrapartida necesséria, sen avesso.sinistro, 0 afeamento, 0 aviltamento do corpo do adversério defunto, para vedar-Ihe o acesso A meméria dos homens vindourgs. Se, na perspectiva herdica, pouco importante permanecer em vide, sendo essencial o bem morrer, na mesma perspectiva o essencial no pode ser tirar a vida do inimi g0, mas despojé-lo da bela morte. (81) Cf, Platareo, Vida de-Licurgo, 22, % ce cabelos comprids conferem sos belos uma aparéncia mas nobre, acs feios toraam mas texsivels. 53 ‘A aikta (homérico: aeikeie J a ago de aikftein, de ultrajar © cadiver, epresenta-se até no plano linguistico ) como « denegacio Gesie. pant epéotkeri ue Homero e Tisteu aplicavam, ao corpo de nnéos exposto pg campo de batalha, a subsiuigio nele"Go pata kale pelo aischrér: "Mekicein € também aischincin, cnicar, aviltar (), Trata-se de fazer desaparecer, no corpo do guerreira’defunto, os spectas db juventude ¢ beleza vitis que nele se menifestam como signos visiveis da gléria, Procura-se substiuit a bela morte do her ftureolado de hébe, pelo fim horrendo cuja imagem rondava 0 expi- Hto do velho Priamo; um cadaver em que toda juventude, beleza, Virilidede, toda figura humana enfim foram apagidas (€ preciso niender neste sentido, tanto em Tirteu como em Homero, a esteanha flusdo ao sexo devorado ou gegurado em mos chcias de sangue). or que um tal encarnigamtenio contra © que Apolo denomina kophé pa 0, uma argila insensivel, por que em um despojo, coupa velha Yazia, querer desalojar a pessoa do inlmigo cule psuche ji se retirow, endo pelo fato de que sta pessoa permanece ligada a este compo defunto'e ao que ele repretenta por seu aspecto, sex eidas? Para dobter 0 Aéos éphthiton, o heréi precisa de que seu nome e seus feitos Sejam conhecidos pelos homens qus virio © que subsistom na sus Imembcia, A primeira condigio é que sejam cclebrados num canto {que nio perectré, a segunda, gue seu cadéver tonha reecbido a sua fare de honra, 0 pé7as sundnon (), que cle nio tenha sido privado Ga vim que the € devida e que 0 faz peneirar até o fundo do traspasso @ ter acesso a um novo estado, a9 estaruto socia) de morio, permu- hecendo portador dos valores de vida, juventude, beleza que’ corpo tnearna @ que foram, nele, consagradcs pela morte hersica. Que

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