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3 Primavera 2010
Resumo: Os contos de fadas contêm imagens arquetípicas da sabedoria espiritual. Este ar-
tigo apresenta o conto dos irmãos Grimm Os Seis Cisnes na perspectiva dos sete processos
planetários e dos sete metais fazendo uma correlação entre a polaridade dos processos
lunares (prata) e saturninos (chumbo).
Palavras-chaves: Os Seis Cisnes, contos de fadas, processos planetários, metais, Lua, prata,
Saturno, chumbo.
Os contos populares imemoriais, durante o romantis- Segundo a antroposofia (Steiner, 2002), as imagens
mo do século XIX, se tornaram fonte recorrente de di- evocadas nos contos nos permitem concluir que suas
ferentes autores. Instalavam-se ali os princípios da pes- origens remontam a épocas em que o homem ainda
quisa científica e os estudos de literatura se tornaram não pensava em conceitos. Quando o homem falava,
um capítulo acadêmico em inúmeras universidades os conteúdos espirituais se introduziam em seus pro-
européias. Autores como os Grimm (Alemanha), Kara- pósitos. Uma sabedoria espiritual podia assim se ma-
dzic (Sérvia), Grundtvig (Dinamarca), Lönnrot (Finlân- nifestar sob a forma de imagem em seu discurso. Desta
dia) desenvolveram pesquisas dos tesouros culturais maneira podemos compreender o surgimento em todo
de seus povos antes que caíssem no esquecimento. o planeta de contos que apresentam analogias tanto
Da mais remota tradição oral viva para a fria palavra no conteúdo quanto no estilo.
escrita, os contos se tornaram acessíveis à abordagem Pode-se concluir que no momento do nascimen-
científica, da etnologia às avaliações históricas. Com a to dos contos, arquétipos puramente espirituais foram
descoberta do subconsciente e o nascimento da psica- apreendidos na dimensão daquilo que estava vivo pela
nálise, iniciou-se a interpretação simbólica desses mi- consciência criadora, e, de lá trabalhadas até se torna-
tos e contos numa tentativa de esclarecê-los em sua in- rem imagens. Assim como as pessoas tinham um enten-
terioridade. No entanto, o perigo da interpretação dos dimento natural da linguagem metafórica, hoje temos
contos é torná-la definitiva. Segundo Steiner (1924): uma predisposição natural ao pensamento intelectual.
No presente artigo, convidamos o leitor a recriar
A interpretação dos símbolos na realidade, ativamente as imagens do conto Os Seis Cisnes dos
não tem sentido. (...) O comportamento justo irmãos Grimm (2002), refazendo o seu movimento in-
frente aos símbolos é de criá-los e vivê-los, terno nos aspectos médicos e psicológicos.
assim como as fábulas, lendas e contos não
devem ser acolhidos unicamente de maneira
abstrata, mas nos identificando com eles. Há Resumo do conto
sempre no ser humano algo pelo qual se pode
fundir em todas as imagens do conto. Ao se perder na floresta profunda, o rei caçador é obri-
gado a se casar com a filha de uma bruxa, que também
Isto significa que o importante na leitura desses tex- era bruxa.
tos é o processo, um exercício que se deve realizar Temeroso pela segurança de sua prole, uma filha e
incessantemente, e o primeiro passo é aprender a ler a seis filhos, o rei viúvo os oculta em um castelo solitá-
linguagem dos contos (Halle, 2008). rio, que acessa graças a um novelo mágico, presente
de uma fada. Sua esposa-bruxa, porém, descobre o se- O enfraquecimento do instinto de caça ironicamen-
gredo e encanta os seis meninos, transformando-os em te leva ao rei caçador a se perder na floresta. À seme-
cisnes. A menina escapa desta transformação e, para lhança do baço ao perder a ’memória’ das substâncias
salvá-los, deve permanecer calada durante seis anos estranhas, o eu está à mercê das forças oponentes ao
enquanto lhes tece camisas de flor-de-estrela. despertar espiritual da humanidade. A anormalidade da
Então, no bosque, acomoda-se isolada nos galhos percepção têmporo-espacial é reflexo do rebaixamen-
de uma árvore e inicia seu trabalho. No entanto, um to do nível de consciência decorrente da perda afetiva
jovem rei seguido por seus caçadores encontra a silen- (Dalgalarrondo, 2008), isto é, a morte de sua esposa.
ciosa jovem e se apaixona por ela. O eu passa a enfrentar a vivência do espaço como
Após o casamento a jovem é continuamente insul- ameaçador, hostil e perigoso. O quadro paranóide,
tada por sua malvada sogra, além de lhe roubar três constritivo, prejudica a expressão de sua vitalidade.
filhos recém-nascidos. Acusada de assassiná-los, a Experiências emocionais dessa natureza geralmente
jovem é levada para a fogueira sacrificial. Nesse mo- são sentidas como um desequilíbrio em um ou mais
mento os seis cisnes sobrevoam a pira, e ela lança so- dos processos vitais (Sardello, 1996).
bre eles as camisas tecidas em silêncio, fruto de sua Após o casamento com a filha da bruxa, o rei bus-
tarefa-missão. ca preservar a integridade dos filhos, representantes
A maldição se desfaz, e os irmãos voltam a se unir da ’memória imunológica’ original e harmoniosa. O
alegremente. Livre do voto de silêncio, a jovem pode acesso a eles se dá através de um novelo de linha de
expor sua inocência para o esposo e, então, recuperar extraordinário poder, semelhante à rede do sistema
seus filhos. linfático, parte integrante do sistema imunológico
(Rohen, 2007).
Porém, a bruxa, representando as forças opositoras,
Análise do conto identifica o esconderijo dos filhos do rei e os transforma
em cisnes. A pele, órgão da Lua, se queratiniza sob a
Para a antroposofia os metais assinalam a evolução da forma de penas. Cabe à irmã a tarefa de resgatá-los da
consciência de diferentes civilizações humanas, o que transformação. Do ponto de vista psicológico, a de-
se traduz pelas expressões ‘idade do bronze’, ‘idade dicação da jovem em salvar seus irmãos do encanta-
do ferro’ etc. mento revela uma vez mais o sentimento de lealdade,
Também ao se aproximar da Terra o eu atravessa atributo saturnino, também presente na atitude do rei
as diferentes esferas planetárias e forma progressiva- em proteger os filhos da ação nefasta das forças das
mente a organização anímica. No desenvolvimento trevas. Semelhante sentimento saturnino de lealdade
embriológico esta influência planetária está associada se fará presente nas atitudes do jovem rei, não acredi-
à formação dos órgãos. Portanto, “o ser humano car- tando em sua própria mãe, em proteger a jovem rainha
rega o mundo planetário em seus órgãos” (Bott, 1982) da condenação à fogueira.
associados aos metais. A irmã tece, então, camisas de flor-de-estrela assen-
A conexão entre planetas, órgãos e metais constitui tada sobre galhos de árvore da floresta. A imagem se
uma das bases da avaliação e terapêutica antroposóficas. associa às mulheres cujo eu se mostra menos profunda-
Os contos de fadas revelam estruturas arquetípicas que mente encarnado no corpo físico. As perturbações de
facilitam o entendimento desses processos planetários e consciência do eu pela deficiência do chumbo lhes dão
metálicos. Schramm (1988) estabelece uma associação a impressão de flutuar acima do solo (Bott, 1982).
entre a terapia antroposófica dos metais com o caminho A jovem continua a tecer silenciosa, isto é, em mu-
imaginativo de sete contos de fadas dos irmãos Grimm. tismo eletivo, as camisas salvadoras para os irmãos,
Relaciona, por exemplo, o conto O Ladrão-mestre com mesmo após ser abordada pelo jovem rei com quem se
o processo do mercúrio, A Guardadora de Gansos com casa. Tal atitude está associada ao atributo psicológico
o estanho, Branca de Neve com o cobre etc. da esfera lunar de serenidade que também compõe a
A partir das leis gerais do conhecimento do homem atmosfera psicológica dos irmãos enquanto aguardam
e da observação social (Steiner, 1909), num mesmo o momento de libertação. A psicologia da atenção es-
conto ambos os aspectos planetários e processos me- tuda a capacidade e foco de atenção, a atenção sele-
tálicos podem ser avaliados em toda a sua extensão. O tiva, a seleção de resposta e controle executivo além
conto Os Seis Cisnes nos permite, assim, identificar as da atenção sustentada (Dalgalarrondo, 2008). Esses
polaridades de Saturno / chumbo / baço-medula óssea quatro aspectos básicos, presentes na ação da jovem,
e Lua / prata / pele-genitais-cérebro e caminhar pelo sustentam-lhe o desempenho tenaz e a memória de
estudo da semiologia clínica e psicológica. procedimentos.
Ao finalizar este artigo, os autores convidam os leito- Grimm J, Grimm W. Grimm Complete Fairy Tales.
res para uma breve reflexão sobre o contexto geral das Oxon: Routledge, 2002. p. 199-203.
doenças e processos de cura.
A ação perpetrada pela jovem rainha frente ao sofri- Halle J. Illness and Healing. Forest Row: Temple
mento de seus irmãos nos remete à parábola do bom sa- Lodge, 2008. 188 p.
maritano (Lucas, 10: 25-37) e engloba as três qualidades
cristãs fundamentais: amor, compaixão e consciência. Koob O. Si les organes pouvaient parler. Paris:
Ao irromper a I Guerra Mundial em 1914, Steiner Aethera, 2005. 195 p.
(1986) declarou aos membros de Berlim os versos do
poema samaritano: Rohen JW. Functional Morphology. Hillsdale: Adonis
Press, 2007. 429 p.
Enquanto você experimenta a dor
Que me deixa ileso Sardello R. In: Steiner R. Anthroposophy (a fragment).
O Cristo operando no ser do mundo Great Barrington: Anthroposophic Press, 1996.
É imperceptível. 221 p.
Pois fraco o espírito permanece
Quando, só em seu próprio corpo, Schramm H. Märchen und Heilmittel. Schaffhausen:
Permanece isento de sentir sofrimento. Novalis Verlag: 1988. 226 p.