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208 mas menos. conhecido que eles. Trata-se de ‘William Empson, E lembremo-nos, agora, como a geragdo dos Caderios de‘ Poesia, que € a de José Blanc de Portugal, foi tantas vezes sensivel a poesia de proce- déncia inglesa, 0 que, especialmente, acon. teceu com Tomaz Kim, & morte do qual hd_um a dedicado neste volume. Enéadas & um livro que importa ler dentro de uma perspectiva Sptima: aquela que se entreabre para toda a obra publi- cada por José Blane de Portugal desde a sua colaboragio nos Cadernos de Poe. sia ou outras revistas ¢ que se prolonga no primeiro livro de poesia que deu a lume, Parva Naturalia. A este juntar-se-io mais trés: O Espago Prometido (1960), Odes Pedestres (1965) ¢ Descompasso (1986). E se a todos eles acrescentdsse- mos um livro de ensaios, O Anticritico (1960), poderfames ter a visio de uma obra que, considerada de maneira global, ganha relevo pela sua originalidade ou, melhor, pela mancita como subverte tao sugestivamente a prdpria linguagem da poesia Fernando Guimaraes MARIO CESARINY O VIRGEM NEGRA Col. Cadernos Peninsulares Lisboa, Assirio & Alvim / 1989 Conseguir surpreender-nos sempre foi uma caracter{stica da poesia de Métio Cesariny de Vasconcelos. Com ele aprendemos a esperar o inesperado, fuginda das mais previsiveis eristalizagoes do sentido ¢ abrindo-nos a voracidade das _perguntas que transformam em estranha vertigem cada nova leitura dos seus textos. Como escrevia Joaquim Manuel Magalhies, «na sua obta, as expectativas quanto a ima, aos metros, & sintaxc [...], sé sempre frus- tradas e 0 leitor pe se se contenta com o (p. 13) que Cesariny parece explorar com ‘© mesmo a-vontade do seu criador. Na inha opiniao, o resultado mais marcante desta obra passa sobretudo pelo manejo dessa complexa intertextualidade, por certo captdvel na sua vertente humoristica, mas quase nunca deixando reduzir-se aos £4- ceis efeitos de comicidade proporcionados pela imitagao de Pessoa. Pelo contrdrio, aqui hd mais que imi- tagio, €, a este respeito, torna-se interes- sante que, nao descjando Cesariny fazer literatura —ele sempre quis que a sua aventura fosse vital e extravasasse do campo mais assumidamente literétio —, os seus textos acabam por desencadear, como toda a arte, esses efeitos estéticos «liber- tadores» de que falava Jauss, decompon- doos numa poiesis, numa aisthesis ¢ numa catharsis qualquer delas bem_ nitid: nesta ultima surpresa do poeta (cf. H-R. Jauss, «Petite apologie de Texpérience esthétiques, in Pour une Esthétique de la Réception, Paris, Gallimard, 1978, pp. 123-157) O programa consiste em revisitar Pes- soa, nao sé através de alguns pocmas agora engenhosamente reescritos, como também gracas a outros de otigem nao directamente pessoana, mas nos quais 0 sujeito € 0 pocta da Mensagem. E se reconhecemos Cesariny na fidelidade a certos mecanismos de espontinea associa- sao seméntica, no México imaginativo ¢ que nao revela quaisquer escripulos pe- rante as regras da bienséance, ou mesmo. em alguns processos versificatOrios proxi. mos do ritmo ¢ da tradigao da nossa oralidade, na verdade, a fustio com Pessoa conduz a resultados As vezes tio estilisti- camente harmoniosos como os que se ob- setvam, por exemplo, em: «Dorme, filha, dorme, / Vaga em teu sorrir. / Sonho-te tdo bem / Que 0 corpo me vem f E. me venho sem it» (p. 45) Relendo esta quintilha, apercebemo-nos de como o discurso cesariniano se torna imprescindivel para a compteensio global do texto, 0 que nos leva a certas ques- toes fundamentais de todo o ptojecto: o que si explicar Pessoa, ¢ ainda por cima «is criancinhass? Sob que prisma(s) € encarada a personalidade do poeta pata que essa explicagio possa surtir (como surte) um efeito mais do que anedético? Diga-se, desde logo, que temas privilegia- 210 Se © primeiro poema impresso neste livro— «Tao serena esta rosa / quando a roseira a escolhe» —contém, mesmo & leitura mais empfrica, a ideia de uma integragao elementar, a palavra tratado pode desde logo ser entendida também como um pacto ou um acordo, no mesmo sentido em que se fala de tratados de paz, ¢ a teorizagao da harmonia estaria entio no caricter sistemdtico dessa proposta de acordo. Os iondrios atribuem entre- tanto & Aarmonia, como um dos seus pri- meiros significados, aquele que The con- fere uma consondncia, o que reforca a jintengio poética e musical do titulo, ‘escolha, o jento miituo que en- tre rosa ¢ roseira se estabelecem niio serd entio mais do que a primeira realizagio consonants do pacto poético. ‘Uma das coisas mais caracterfsticas deste livro de Fernando aries, a confirma uma tendéncia jf notdria’ na gu anteriot obra poétca (ef « antoloea Poesia [1952-1980], Porm, ed. O do Dia, 1981) é, ‘aliés, a eee ide voedbulos, imagens ou ‘contextos que se referem a gestaco, seja de plantas (rosa, roseira), seja de florestas (fotha, seiva, sombra, rvore), seja de aves (ave, asa, cfreulo), seja do processo de escrita («Que desejo € este de conse- guir que num poema fique outro tam! escrito?», in «Recitativo -I», p. 15), Mas se acima de tudo os poemas de Fernando Guimaraes fixam a gestacio coma harmo: ser também no poema ¢, antes dele, nas palavras que © escrevem que a ingenuidade se perde, € 56 como intertogegio ou nostalgia, em qualquer caso. como procura jé desencan- tada de qualquer coisa que se sabe per- dida (que desejo € este?, etc.), elas sto invocadas, B af que se insereve a referén- cia explicita a Rainer Rilke —«Nio uma Carta a um Jovem Poetas, pp. 11- -13—, mesmo quando a negativa deste titulo queira sul Ihe a mensagem. lade, Rilke diz: «Quase ° que acontece ¢ inexprimfvel e se passa numa regido que a palavra jamais atin- giue (ct. Cartas a Um Poeta, trad. de Fernanda de Castro, Lisboa, Portugélia Ed., 1971), Com «f...] essa ave agora morta, talvez a ilusia que perdemos quando as palavras se escrevems, Fer- nando Guimaries (p. 13) diz quase 0 mesmo, com a diferenca de que reconhece ‘em todo o caso 4 palavra uma fungio reveladora, enquanto Rilke remete essa fungio para a prdpria apreensio senso- rial da Natureza —a{...] experimente aproximarse das coisas, que lhe serio sempre ficis. Ha ainda noites, hi ainda ventes que agitam as € corem nia primordial, sobre a terta» (ibidem, p. 62) —, desse regresso ands proprio podendo ido vir tal ‘vex _versos. um poema io como a solidio. «A solic € unar_e a referencia a Rainer Maria Rilke nfo € vi porque é serene cone unidade primordial que Tratedo de Harmonia propo. que cla scja quebrada pelo tom retérico € silogfstico da maioria dos seis «Recita- tivos». Mas deve de entre estes fazer-se uma excepedo para 0 «Recitativo- ITI»: porque, como se de um conto de gnomos entre florestas se tratasse (e os gnomos habitam o seio da terra), € ainda da mesma unidade mais primordial do que formal que nele se fala. E, curiosamente, no meioambiente através dos motivos em que os poemas deste livro com mais A-vontade, afinal mais harmoniosamente, parecem moverse: os das drvores, dos troncos, das folhas, da seiva A prépria_morte é referida as folhas: «Separadas ficaram de sibito as nervur ras que existiam / em cada folha; assim hdde permanecet um rosto afastado de outro pelas palavras / da terra, apenas por esse estremecimento que existe em qualquer despedida» (in «Acerca da Moric», pp. 60-61). Esiremece a folha, s6 entio de si mesma alienada, Maria Teresa Arsénio Nunes HERBERTO HELDER ULTIMA CIENCIA Lisboa, Assirio e Alvin [ 1988 De que € feito 0 fascinio que em cada livre de Herberto Helder prende tao fortemente 0 leitor, eis 0 que cabe tentar gatender, agora a propésiio de Chime Ciéncia; e desde logo corre dizer que ee se cruzam duas iis, Por um lado, we Tonge poema desenvolvese como itipla, 6 aparentemente circular, em tinea’ tetopss, einco aicleos de" iegmere fos, constituindose como um subliminar itado de alquimia da palavra; por ou- = seas ° conttnaai de uma Obra eas Posts Tode>, send que cade’ livre oe estrutura de ‘pets, eam eco desse Todo, estratificando-se como meméria movente, e também como eclosio de novos. senti- doef ual ean Reale oculto, que se vai nomeando, patadoxal- mente luminoso e (mais) ‘oculto — como tim exntro, am esplendoroes lngar de en ror. A «ciéncias 6, neste contexte, um

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