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Hannah Arendt A ee 12? EDIGAO REVISTA Tradugao: Roberto Raposo Revisao Técnica e apresentacao: Adriano Correia ¢ C 404937 ei UNIVERSITARIA + AEDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vicios do produto no que concerne & edigio, af compreendidas a impressio ea apresentacao, afim de possibilitar ap dor bem manuseé-lo e lé-lo. Os vicios relacionados a atualizagio da obra, aos doutrindrios, as concepgdes ideolégicas e referéncias indevidas sao de respon autor e/ou atualizador, i As reclamages devem ser feitas até noventa dias a partir da compra e venda com nota fis (interpretagao do art. 26 da Lei n, 8.078, de 11.09.1990). «= Traduzido de ‘THE HUMAN CONDITION, FIRST EDITION Copyright © 1958 by University of Chicago. Allrights reserved. » Acondigao humana ISBN 978-85-309-5474-1 Direitos exclusivos da presente edigao para o Brasil Copyright © 2014 by t FORENSE UNIVERSITARIA um selo da EDITORA FORENSE LTDA. ‘Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional i : Travessa do Ouvidor, 11 - 6° andar — 20040-040 — Rio de Janeiro ~ RJ ‘Tels.: (OXX21) 3543-070 — Fax: (OXX21) 3543-0896 i i bilacpinto@grupogen.com-br | www.grupogen.com.br © titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de q utilizada poderd requerer a apreenséo dos exemplares reproduzidos ou a su vulgacao, sem prejuizo da indenizacao cabivel (art. 102 da Lei n, 9.610, de Quem vender, expuser a venda, i il . Proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, serd s com 0 contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respo mportador eo distribuidor em caso de reprodugio no exterior ( 1* edicao - 2014 ‘Tradugdo: Roberto Raposo Revisio técnica e apresentacio: Adriano Correia. NB Foto de capa: Courtesy of the Hannah Arendt Bluecher Literary’ CIP ~ Brasil. Catalogacéo-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, ee Ncional dos Editores de Livros, RJ. AN2Tc 12. ed, Arendt, Hannah, 1906-1975 A condicéo humana / Hannah Arendt ; tradugao Rober apresentacao Adriano Correia, - 12, ed. rev. ~ Rio de Janeiro: il ‘Traduséo de: The h sumirio ISBN 978-85-309-5474.1 tuman condition 1. Sociologia. 2. Economia, 3, Tecnologia. 4. Ci 1409084 NOTA A REVISAO TECNICA A intervencao no texto de A condigéo humana da edicio £-\anterior a essa, cuja necessidade vem sendo apontada ha bastante tempo entre os estudiosos do pensamento arendtiano no Brasil,! excedeu 0 ambito da revisdo técnica dos conceitos filos6ficos contidos na obra, a despeito de ter sido essa a in- terven¢ao mais decisiva. Isso fez com que as varias alteragGes ultrapassassem o dominio da supressio de eventuais impreci- sdes e visassem também a conservagao de uma unidade esti- listica. O revisor buscou principalmente uniformizar a versio dos conceitos, optar por termos ja consagrados na literatura filosofica em portugués, além de visar a uma maior literalidade e mais estreita proximidade com 0 estilo da escrita arendtiana, marcado pela estrutura da lingua materna, o alemao, com sen- tencas longas e estrutura¢do muitas vezes inusual. Do ponto de vista conceitual, a principal interven¢ao con- sistiu na alteragao da traducao dos termos labor e work, tradu- zidos anteriormente por labor e trabalho e vertidos na presente edicao como trabalho e obra — consoante as tradugées italiana (lavoro, opera) e francesa (travail, oeuvre) e distintamente da tradugdo espanhola (labor, trabajo). Hannah Arendt antecipa as dificuldades da tradugao quando indica quao inusitada é a sua distingao entre labor e work, no inicio da segao 11, no capi- tulo III. Ela insiste, entretanto, na centralidade dessa distingao 1 Cf.0 texto pioneiro de Theresa Calvet de Magalhaes, “A categoria de traba- Iho (labor] em Hannah Arendt’ Ensaio, 14, p. 131-168, 1985. A versao corrigi- da - com 0 titulo’A atividade humana do trabalho [labor] em Hannah Arendt” — foi publicada na revista Etica & Filosofia Politica, de Juiz de Fora, no v. 9, n. 1, jun, 2006, e esté disponivel na internet: . "i HANNAH ARENDT | A CONDICAO HUMANA, e da sua diluigao ~ cuja evidéncia fenoménica ela encontra na persisténcia nas linguas europeias, até a era moderna, de duas palavras para 0 que viemos a designar apenas como trabalho ~ para a compreensao do carater da era moderna, Para além do fato de que na sua discussao com Karl Marx e John Locke, por exemplo, ela recorra aos termos Arbeit e la- bor, para designar trabalho, e Werk e work, para designar obra ou fabricagao, julgamos que, ao optarmos por trabalho e obra para traduzir labor e work, estamos em acordo com as preci- sas indicagdes de Arendt quando, por exemplo, ela compara as diversas linguas europeias na nota 39 a se¢ao 6, no capitulo II, e, principalmente, na nota 3, no capitulo III, a seco intitulada The labour of our body and the work of our hands, em que afir- ma o seguinte: “assim, a lingua grega distingue entre Ponein e ergazesthai, o latim entre laborare e : facere ou fabricare, que tem a mesma raiz etimoldgica, o francés entre travailler e ouvrer, 0 alemao entre arbeiten e werken. Em todos esses casos, apenas 0s equivalentes de Jabor tém uma conotagao inequivoca de do- Tes e penas. O alemao Arbeit se aplicava originalmente apenas ao trabalho agricola executado por servos, e nao a obra do ar- tesao, que era chamada Werk. O francés travailler substituiu © mais antigo labourer e deriva de tripalium, uma espécie de tortura’. A despeito de Hannah Arendt nao m Se ajusta ao nosso idioma. Ainda no inicio do capitulo III, ao comentar e buscar jus- lificar sua distingao inusitada entre labor e work, Arendt indica ser linguisticamente fundamental o fato de que, a despeito da Progressiva indistingao entre os dois termos na era moderna, 2 Cf, aesse respeito, Antenor Nascentes, Diciondrio ‘etimolégico da lingua por- ‘uguesa. Rio de Janeiro, 1955; José Pedro Machado, Diciondrio etimolégicoda lingua portuguesa, Lisboa: Confluéncia, 1959, v.Il;e Antonio Geraldo Cunha, Dicionairio etimolégico Nova Fronteira, 2, ed. Sao Paulo: Nova Fronteira, (5.4. encionar 0 por- tugués, 0 que se aplica ao francés, etimologicamente, também q NOTA A REVISAO TECNICA, vil reste um residuo da antiga dessemelhanga: o fato de a palavra labor, como substantivo, jamais designar o resultado final da atividade de trabalhar, para 0 qual frequentemente sao empre- gados termos afins a work, mesmo nos casos em que a forma verbal correspondente a esses termos tenha se tornado anti- quada. Essa observa¢ao nos permite comentar adicionalmente a op¢ao por traduzir work por obra, e nao por fabricagao, a des- peito de Arendt empregar como sindnimos ao longo do pre- sente livro os termos work e fabrication (este ultimo traduzido aqui sempre por fabrica¢do), notadamente no que concerne a atividade designada por eles, uma vez que, com rela¢ao ao pro- duto final da atividade, ela opte predominantemente por work. O estranhamento com a forma verbal de work transferiu-se para 0 portugués nas poucas ocasides em que tivemos de ver- ter expressdes como work upon (operar em). Optamos por nao inserir notas ao texto, mas sempre que tivemos de lidar com opgées dificeis ou inusuais de tradugao indicamos o original entre colchetes. As dificuldades sao ampliadas pelo fato de Arendt frequen- temente empregar alguns termos como sindnimos e em poucas ocasides fazer parecer que ha alguma distincao significativa en- tre eles, Isso nao se aplica as palavras solitude/Einsamkeit (solitu- de) e loneliness/Verlassenheit (desamparo), cujos contornos sao bastante bem delineados na ultima seco do capitulo II, mas é 0 caso de making, fabricating e producing, que aparentemente so empregados como sinénimos ao longo do livro, mas aparecem reunidos logo no inicio da secao 33, no capitulo V, como se se referissem a atividades que conservariam alguma distingao en- tre si, o que fez com que as traduzissemos por “fazer, fabricar e produzir”. O mesmo ocorre no inicio da segao 4, no capitulo II, quando Arendt escreve working and fabricating and building (obrando, fabricando e construindo), assim como na se¢ao 31, no capitulo V, e no final da secao 42, no capitulo VI, quando grafa work and fabrication (obra e fabricagao). Mas nem mesmo essas. a dades sao necessariamente puro trabalho, Ha ainda uma ean categoria na qual a labuta e 0 esforgo (a operae em contraposicio ao opus, a mera atividade em contraposigao a obra) sao pagos, e em tais casos “o proprio salario é sinal de escravidao”® 23 Por uma questo de conveniéncia, seguirei a discussao de Cicero sobre ocl- pacées liberais e servis de De officis, i. 50-54. Os critérios de prudentiae utilitas ou utilitas hominum sao enunciados nos §§ 151 e 155. (A traducaode prudentia, por Walter Miller, na edicao da Loeb Classical Library, como um grau mais elevado de inteligéncia’, parece-me enganosa.) 24 A classificacao da agricultura entre as artes liberais ¢, naturalmente, €sPe cificamente romana, Nao se deve a alguma “utilidade” especial da avours como suporiamos, mas antes tem a ver com a ideia romana de patria, se gundo a qual o ager Romanus, enao 56a cidade de Roma, 0 lugar ocupado pelo dominio publico. E essa aiunasa para o mero viver que Cicero chama de medio us (6 151) e elimina das artes liberais. Novamente a tradugao rae Ila; nao se trata de “profiss6es (..) das quais advém consideravel pee A sociedade”, mas de ocupagdes que, em nitido contraste com ae % anteriormente, transcendem a utilidade vulgar dos bens de consul que 26 Os romanos consideravam tao decisiva a diferenca oe ae ; ‘ tinham dois tipos diferentes de contrato, a. , pel insignificante, uma Ver jar Loening, - 2 aR rum, dos quais 0 ultimo tinha pay do trabalho era feita por escravos (cf. Edg Staatswissenschaften [1890], |, 742 559. el necessidade etd, 2 st ts realizagoes ‘intelect recedentes em ps declinio do Império Ro texto, que, em toda a] dos escribas, quer atel blico quer a do dominio e ficados consoante tizacao do Império Re e social dos imperado vigos “intelectuais”?* C lia’ Archiv flir Sozialwis 28 H, Wallon descreve fonctions jadis servil ‘Etat, Cette haute cor serviteurs du palais, tous les degrés des Public: "Les charges ‘onctions de fesclava ail 1s on™ de toque em tais discussdes -, ae a edida e aferida em relagio as mandaeers do tra- tule «a fins da propria reproducao; resid pid! cased vial te > 4 forga de traball Si oe ee tencial inerente @ an ne alho humana, e nao na quali- jade on nO carater das ae que ele produz. Similarmente, a opi gregas para a qua 05 Pintores eram superiores aos es- cultoress certamente nao tinha por base algum respeito maior pela pintura ® Parece que a distingao entre trabalho e obra, que ‘os 0ssos tedricos tao obstinadamente negligenciaram e nossas jo aferradamente conservam, torna-se realmente ape- diferenga de grau quando nao se leva em conta o card- ano da coisa produzida — sua localizagao, sua funcao jo de sua permanéncia no mundo. A distingéo entre um pao, cuja “expectativa de vida’ no mundo dificilmente ul- trapassa um. dia, e uma mesa, que pode facilmente sobreviver a e homens, é sem dtvida muito mais dbvia decisiva quea diferenga entre um padeiro e um carpinteiro. ‘A curiosa discrepancia entre a linguagem ¢ a teoria que observamos no inicio resulta entao em uma discrepancia entre alinguagem “objetiva” que falamos, orientada para o mundo [world-oriented], e as teorias subjetivas, orientadas para 0 ho- mem, que usamos em nossas tentativas de compreender. Ea linguagem e sao as experiéncias humanas fundamentais sub- jacentes a ela, e nao a teoria, que nos ensinam que as coisas do mundo, entre as quais transcorre a vita activa, Sa0 de natureza muito diferente e produzidas por tipos muito diferentes de ati- Vidades. Vistos como parte do mundo, os produtos a abies. 2: pots do tah ED lade sem as quais um mundo absolutam linguas t nas uma ter mund eadura geragoes de eee % seine no Pelo contri, é duvideso que qualquer pintula Fo pass iar (sli quinoa estatua do Zeus de Fidias em ‘limpia, culo Pose Tv quem nao a Se dizia, fazia qualquer um esquecet 8¥25 afligbes i ha visto vivera em vao etc. a 116 HANNAH ARENDT | ACONDICAO HUN, possivel. E dentro desse mundo de coisas durdveis que encon. tramos os bens de consumo com os quais a vida assegura os meios de sua sobrevivéncia. Exigidas por nossos corpos e pro- duzidas pelo trabalho deles, mas sem estabilidade propria, essas coisas destinadas ao consumo incessante aparecem e desapare- cem em um ambiente de coisas que nao sao consumidas, mas usadas, e as quais, 4 medida que as usamos, nos habituamos e acostumamos. Como tais, elas geram a familiaridade do mun- do, seus costumes e habitos de intercambio entre os homens e as coisas, bem como entre homens e homens. O que os bens de consumo sao para a vida humana, os objetos de uso sao para o mundo humano. £ destes que os bens de consumo derivam o seu carater-de-coisa [thing-character]; e a linguagem, que nao permite que a atividade do trabalho produza algo tao sdlido e nao verbal como um substantivo, sugere a forte probabilidade de que nem mesmo saberfamos 0 que uma coisa é se nao tivés- semos diante de nés “a obra de nossas maos”. Diferentes tanto dos bens de consumo quanto dos objetos de uso ha, finalmente, os “produtos” da a¢ao e do discurso que constituem juntos a textura das relagées e dos assuntos huma- nos. Por si mesmos, sao nao apenas destituidos da tangibili- dade das outras coisas, mas sao ainda menos duraveis e mais fuiteis que 0 que produzimos para o consumo. Sua realidade depende inteiramente da pluralidade humana, da presenga constante de outros que possam ver e ouvir e, portanto, atestar sua existéncia. Agir e falar séo ainda manifestagées externas da vida humana, e esta sé conhece uma atividade que, embora relacionada com 0 mundo exterior de muitas maneiras, nao s€ manifesta nele necessariamente, nem precisa ser ouvida, vista, usada ou consumida para ser real: a atividade de pensar. Vistos, porém, em sua mundanidade, a acdo, o discur- so € O pensamento tém muito mais em comum entre si que qualquer um deles tem com a obra ou com 0 trabalho. Por si proprios, nao “produzem” nem geram coisa alguma: sao tao TRABALHO aril oa futeis quanto a vida. Para que se tornem coisas mundanas, isto é, feitos, fatos, eventos e modelos de pensamentos ou ideias, devem primeiro ser vistos, ouvidos e lembrados, e entao trans- formados em coisags reificados, Por assim dizer - em recital de poesia, na pagina escrita ou no livro impresso, em pintura ouescultura, em algum tipo de registro, documento ou monu- mento. Todo o mundo factual dos assuntos humanos depende, para sua realidade e existéncia continua, em primeiro lugar da presenga de outros que tenham visto e ouvido e que se lem- bram; e, em segundo lugar, da transformagao do intangivel na tangibilidade das coisas. Sem a lembranga e sem a reificagao de que a lembranca necessita para sua realizacao — e que realmen- tea tornam, como afirmavam os gregos, a mae de todas as artes =, as atividades vivas da acao, do discurso e do pensamento perderiam sua realidade ao fim de cada processo e desaparece- riam como se nunca houvessem existido. A materializagao que eles devem sofrer para que de algum modo permane¢am no mundo ocorre ao preco de que sempre a “letra morta” substi- tui algo que nasceu do “espirito vivo’, e que realmente, durante um momento fugaz, existiu como “espirito vivo”. Tem de pagar €sse preco porque sao de natureza inteiramente nao mundana, © portanto, requerem o auxilio de uma atividade de natureza completamente diferente; dependem, para sua realidade he terializagao, da mesma manufatura [workmanship] que cons- tt6i as outras coisas do artificio humano. A realidade e a confiabilidade do mundo hums Re Sam basicamente no fato de que estamos rodeados de ei io da qual foram pro- als permanentes que a atividade Por mre A ue as vi- , € potencialmente ainda mais perm™ " - ths de pena, A vida humana, na ST ata: ged is em] connt de-mundo (world-building de mundanidade das titui o artificio humano, cia no mundo. Acs: ial alla ieee 118 HANNAH ARENDT | A CONDIGAO Human, 13 Trabalho e vida D s coisas tangiveis, as menos duraveis sao aquelas neces- sdrias ao processo da vida. Seu consumo mal sobrevive ao ato de sua produgao; nas palavras de Locke, todas essas “boas coisas” que sao “realmente titeis 4 vida do homem’, a “neces- sidade de subsistir’, sio “geralmente de curta duracao, de tal modo que - se nao forem consumidas pelo uso - se deteriora- rao e perecerao por si mesmas”.*’ Apés uma breve permanéncia no mundo, retornam ao processo natural que as produziu, seja por meio da absor¢ao no processo vital do animal humano, seja por meio da deterioracio; e, sob a forma que lhes da o ho- mem, por meio da qual adquirem seu lugar efémero no mun- do de coisas feito pelo homem, desaparecem mais rapidamen- te que qualquer outra parte do mundo. Consideradas em sua mundanidade, sao as coisas menos mundanas e ao mesmo tem- po as mais naturais. Embora feitas pelo homem, vém e vao, sao produzidas e consumidas de acordo com o sempre-recorrente movimento ciclico da natureza. Ciclico, também, é 0 movimen- to do organismo vivo, incluindo 0 corpo humano, enquanto ele pode suportar 0 processo que permeia sua existéncia e o torna vivo. A vida é um processo que em toda parte consome a du- rabilidade, desgasta-a e a faz desaparecer, até que finalmente a matéria morta, resultado de processos vitais pequenos, singula- res e ciclicos, retorna ao gigantesco circulo global da natureza, onde nao existe comego nem fim e onde todas as coisas naturais volteiam em imutavel e imorredoura repeti¢ao. A natureza e 0 movimento ciclico que ela impoe as coisas vivas desconhecem 0 nascimento e a morte tais como os compreendemos. O nascimento e a morte de seres huma- a todas | TRABALHO 9 nao sio simples ocorréncias naturais, mas referem-se a um mundo no qual aparecem e do qual partem individuos singu- entes tinicos, impermutaveis e irrepetiveis. O nascimento ea morte pressupdem um mundo que nao esta em constante movimento, mas cuja durabilidade e relativa permanéncia tor- nam possivel 0 aparecimento e o desaparecimento; um mundo que existia antes de qualquer individuo aparecer nele e que so- previverd a sua partida final. Sem um mundo no qual os ho- mens nascem e do qual se vio com a morte, haveria apenas um imutavel eterno retorno, a perenidade imortal da espécie humana como a de todas as outras espécies animais. Uma filo- sofia da vida que nao chegue, como Nietzsche, 4 afirmagao do “eterno retorno” (eiwige Wiederkehr) como o principio supre- mo de todo ente simplesmente nao sabe do que esta falando. A palavra “vida’, porém, tem significado inteiramente diferente quando é relacionada ao mundo e empregada para designar 0 intervalo de tempo entre 0 nascimento € a morte. Limitada por um comego e um fim, isto é, pelos dois supremos do desaparecimento no mundo, a estritamente linear, cujo eventos do aparecimento e vida segue uma trajetoria movimento, transmitido possam parecer os eventos sing E somente dentro do n za. Somente quando in processos da natureza e declinio; somente qu tureza — determina coisas individuais, “natural” e colo. gam a crescer existéncia humana fungGes corpo jy | TRABALHO ma ie ‘Ao definir o trabalho como “> com a natureza’ em Cujo processo ee meen ong ado, por uma mudanga de forma, as necessid: a ia mem’ de sorte que “o trabalho se incorpora deixou claro que estava “falando fisiologicamente”, dgcianntned palho e 6 consumo so apenas dois estagios do ciclo recorrente da vida bioldgica.™ Esse ciclo precisdisen ‘sempre= pelo consumo, ¢ a atividade que prove os meios ene a palestra intitulada Die Arbeit (Leipzig, 1863), comeca com uma descricao do ciclo desejo-esfor¢o-satisfacdo - “Beim letzten Bissen fangt schon die Verdauung an’. Contudo, na volumosa literatura pés-marxiana sobre o pro- blema do trabalho, o Unico autor que enfatiza esse aspecto tao elementar da atividade do trabalho e teoriza sobre ele ¢ Pierre Naville, cujo La vie de _ travail et ses problémes (1954) é uma das mais interessantes e talvez a mais original das contribuicdes recentes. Discutindo os aspectos particulares da Jornada de trabalho em contraposicao a outras formas de medicao du tem- pode trabalho, ele diz o seguinte:"Le trait principal est son caractére cyclique E> rythmique. Ce caractére est lié d la fois 4 lesprit naturel et cosmologique dela spp. | TRABALHO ‘coisas fornecidas pela natureza,” realiza ativamente aquilo que sorpo faz mais intimamente quando consome seu alimento. bos sao processos devoradores que se apossam da matériae : ea “obra” realizada pelo trabalho em seu material € 0 preparo para a destruicao final deste ultimo. verdade que esse aspecto destrutivo e devorador da ativi- trabalho sé é visivel do ponto de vista do mundo e em a obra, que nao prepara a matéria para incorporé-la, ransforma-a em material, para operar nele [work upon] € - o produto acabado. Do ponto de vista da natureza, € a subtrai a matéria das mos da natureza sem a devolver capt! | TRABALHO 123 coisas fornecidas pela natureza,” corpo faz mais intimamente q Ambos sao processos devoradores adestroem, ea “obra” realizada Be We fs apossam da matériae apenas 0 preparo para a destruicao fina a Sane Untteaal E verdade que esse aspecto destruti leste ultimo, dade do trabalho s6 & visivel do ponto fe e devorador da ativi- oposi¢ao & obra, que nao prepara a Beene ce mas transforma-a em material, para operar eee utilizar 9 produto acabado. Do ponto de vista da lacs aa obra que € destrutiva, mais que o trabalho, uma vez que o proces- so da obra subtrai a matéria das maos da natureza sem a devolver aesta no curso rapido do metabolismo natural do corpo vivo. Igualmente vinculada aos ciclos recorrentes dos movimen- tos naturais, mas nao tao prementemente imposta ao homem pela “condi¢do da vida humana’, é a segunda tarefa do traba- lho - sua luta constante e interminavel contra os processos de crescimento e declinio mediante os quais a natureza perma- nentemente invade o artificio humano, ameacando a durabili- dade do mundo e seu préstimo para 0 uso humano. A protegao ea preservacao do mundo contra 0s processos naturals sio duas dessas labutas que exige™ ° desempenho mondtono de tarefas diariamente repetidas. AO contrario do ecco Se cialmente pacifico por meio do qual 0 trabalho ob ee dens das necessidades imediatas do corE a He anole embora possa ser ainda menos “produtiva ie ae mais direto do homem com a natureza, 'e”? a eee natureza. Nas {intima com 0 mundo que &l# defende Sie muitas ve- lendas e narrativas mitologicas ante" ee as infinitamente %8 a grandeza das lutas heroic® contra fors Tealiza ati < Ws ativamente aquilo que © consome seu alimento. ocivil, Se50eS 146,26 € 27, respect 3 sobreogover™ Locke, Segundo tratado 38 vamente, Ibid, Secao 34,

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