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A GUARDA DO SÁBADO E O DIA DO SENHOR #2

Pr. John McAlister

Após o meu primeiro post sobre o assunto, recebi novas perguntas sobre a questão da
guarda do Domingo, o dia do Senhor. À luz da forma como observo este dia
perguntaram-me se, na prática, o que faço não corresponde exatamente ao que é
ensinado pela tradição puritana e a confissão de Westminster. Sinto, portanto, que devo
mais alguns esclarecimentos.

Defendi e defendo uma posição intermediária entre um sabatismo legalista e um


mundanismo liberal. Creio que o Domingo não deve ser observado como mais um dia
da semana (ou pior, visto como uma interrupção religiosa do final de semana de lazer e
entretenimento). Tampouco deve ser observado com o rigor de um “Sábado cristão”.
Creio que este dia deve ser observado mais por um princípio espiritual do que por uma
obrigação moral, com base nos pontos detalhados a seguir.

(Sigo de perto a mesma convicção e linha de raciocínio de Kevin DeYoung – pastor e


teólogo reformado – em seu capítulo “Um dia festivo de adoração” do excelente livro
As boas-novas que (quase) esquecemos: a redescoberta do Evangelho de Jesus Cristo
[estudos bíblicos a partir do Catecismo de Heidelberg], publicado pela Editora Cultura
Cristã; https://www.editoraculturacrista.com.br/loja/livro/boas-novas-que-quase-
esquecemos-as-1774).

1) Apesar do Sábado não ter sido instituído na Criação, o princípio do descanso de um


dia em cada sete foi estabelecido desde o início pelo Criador. Após ter formado os céus
e a terra em seis dias, no sétimo dia Deus descansou e separou esse dia para revelar sua
soberania sobre o universo criado. (Gn 2.3).

2) A instituição do Sábado só foi estabelecida por Deus por meio da Lei de Moisés. (Ex
16.23; 20.8-11; Dt 5.12-15; Ne 9.13-14) Debaixo da lei mosaica, o Sábado serviu como
um sinal da aliança entre Deus e a nação de Israel e, por conseguinte, como um marco
na identidade nacional do povo escolhido. (Ex 31.12-17; 35.1-3) Daí a sua importância
vital para a distinção de Israel como a nação escolhida dentre todas as demais e o rigor
da lei em preservar esse dia. (Ne 10.31-33; 13.15-22) Além de servir como um dia de
descanso, o Sábado também serviu como um dia de assembleia solene e adoração ao
Senhor. (Lv 23.3).

É importante notar, porém, que em nenhum momento a lei mosaica embasou a guarda
do Sábado em uma instituição própria da ordem da criação (tal qual o casamento, por
exemplo); por isso, ele jamais tornou-se obrigatório a toda a raça humana. (Em vários
momentos do Antigo Testamento, o Senhor, por meio dos seus profetas, condenou as
nações pela sua idolatria e imoralidade, mas em nenhum momento Ele as condenou por
não guardarem o Sábado). O Sábado era tido como um sinal especial do favor de Deus
sobre Israel e da dependência de Israel do seu Senhor. As bênçãos e as maldições
decorrentes da guarda ou não desse dia dependiam desse reconhecimento e dessa
dependência confiante de Israel na provisão e na proteção do seu Senhor, o Criador e
Resgatador. (Ex 20.8-11; Dt 5.12-15).

3) No ministério de Jesus Cristo, observamos o Senhor enfatizando o significado


espiritual do Sábado, mostrando que esse era um dia que apontava para o descanso que
ele traria para os que o reconhecessem como Senhor. (Mt 11.28-30; 12.8) Jesus não só
guardou o Sábado como veio para cumpri-lo e consumá-lo. (Lc 4.16; Mt 5.17-18) Daí a
sua liberdade em ferir os costumes e tradições dos fariseus acerca do Sábado. (Mc 3.1-6;
Lc 13.10-17; 14.1-6) Em Cristo Jesus, portanto, já vemos os primeiros sinais da
descontinuidade do rigor da guarda do Sábado, conforme prescrito pela lei mosaica.

Quando chegamos nos escritos de Paulo, tal descontinuidade cresce ainda mais a ponto
de ouvirmos o apóstolo dizer que cada um deve estar convicto em sua própria mente
quanto à distinção entre dias da semana, sem fazer disso uma prova de comunhão. (Rm
14.5) Paulo chega a dizer que os dias de sábado, tal qual as restrições alimentares do
Antigo Testamento, eram meras “sombras de Cristo”. (Cl 2.16-17) Portanto, fica claro
que a instituição do Sábado – com todas as suas restrições e obrigações definidas pela
lei mosaica – já foi cumprida em Cristo e não mais incide sobre a Igreja.

4) Por tudo isso, não creio que a guarda de um dia de descanso em cada sete seja uma
obrigação moral da Igreja (muito menos dos que não pertencem à comunidade dos
remidos). Como Paulo deixa claro, ninguém está proibido de enxergar um dia da
semana como sendo mais especial que os demais, nem tampouco de não enxergá-lo
assim. Porém, ninguém está autorizado a defender essa distinção de dias como uma
obrigação moral de toda a Igreja, sob pena de ser mais rigoroso que o próprio
Evangelho. (Rm 14.5-8,13; Cl 2.16-17).

Agora, embora creia que o Sábado não esteja mais em vigor tal qual exposto na lei
mosaica – com todas as suas prescrições e repreensões para os que o profanam –,
defendo a importância do princípio espiritual que ele transmitiu a Israel e que foi
ressaltado pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Aqui, respaldo-me na própria abordagem
de João Calvino que, curiosamente, não defendeu o Sábado com o rigor dos mestres
puritanos e da Confissão de Westminster (veja as Institutas, II.viii.28,31,33,36).

Segundo Calvino, o 4º mandamento merece um tratamento diferenciado dentre os


demais mandamentos do Decálogo, pois ele está envolto em sombras que apontavam
para o descanso prometido em Cristo. Por isso, Calvino não defendia a guarda do dia do
Senhor como uma questão de observação rigorosa da Lei, mas de sabedoria e prudência.
Sabiamente, Calvino defendeu que, por trás das sombras do Sábado cumpridas em
Cristo, o 4º mandamento ainda ensina aos cristãos alguns princípios fundamentais à
vida cristã:

1) Que separemos um dia em cada sete para nos reunirmos como Igreja, o povo de
Deus, para adorar ao Senhor e reconhecer a sua provisão soberana sobre as nossas vidas
– tal qual Israel o fazia no Sábado (Lv 23.3) e a Igreja passou a fazê-lo no Domingo (At
20.7; 1Co 16.1-2; Ap 1.10).

2) Que tiremos um dia em cada sete para descansarmos dos nossos trabalhos e afazeres
cotidianos, reconhecendo que Deus não nos criou exclusivamente para o trabalho, mas
também para o descanso e o reconhecimento do seu controle soberano sobre as nossas
vidas. (Mc 2.23-28).

3) Principalmente, que confiemos na obra consumada de Cristo Jesus, que alcançou para
nós um descanso eterno que ninguém jamais pode alcançar pelo seu esforço próprio.
(Mt 11.28-30; Hb 4.9-10).

Em suma, o Sábado não estava apenas envolto em sombras, como era uma própria
sombra de um descanso muito maior. Ele serviu de sombra para a realidade que
conhecemos e desfrutamos no Evangelho – o perdão dos nossos pecados e a salvação
eterna em Cristo. E agora, por sabedoria e gratidão, convém que descansemos um dia
em cada sete – de preferência no Domingo – para adorar ao Senhor junto com a Igreja
por esse descanso imerecido e para anunciar o descanso eterno que nos aguarda no
porvir com Cristo.

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