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ee a ‘utbano conquistou atualmente um pi De Perr ie ea ee eee Pee ae eee na pee a aa ‘deforma mais profunda 0 carer dessa Peer ou pee er re . pe ee a peers eno Peet penne ee een peerene nC eee eee ed Ce een es 8 pee ea hoje ameagado: a competéncia ce 2 ere eee Preeiesteccy Avi Pere toes eee ei vada © acelorada especulacdo com os bens Heenan etn er at ements eG meneere tr penne ee cry pareeanenertre EC Beers eu eer rr nd nner CTT tus nea Sanna ee Er ener ce na ee penne kL aad peer ed Hanne ees ener pent aud erent tc tke einer eT fustrados, historladores da arte arquittos pee eT Me ou PRT RON eR Pena imcre RC MC een oe tet cad pare eaierrnere tC mene rene ne pel eonperrO nc aT ten a Heeei ory PT nore eran INT Cried ppondo-se assim & continuidade de uma competéncia ar earner eit: paeanplnnmnnrene te ee eae cao do entendimento do patrimbnio, nas pr pienngennnnnin Nee OE aalpenerel ines tent aa forma indiscriminada com que se metamoroseia seu valor Sanaa nnn ENS ee Him Onp Nn ere TNC u eee ere ‘Diante da exausinidade simbdlica & qual se abu ain penn paennmernnp inet feral ora pena ereenorere eet ee ferengas o heterogeneidades ~, @ op¢ao por um destino an Hine ens PNT i patrimonio a conservagso da capacidade de lhe dar cont Me Naa Meera aia Hernan EN is Paaehapen tereeneeiee reer Cu Francoise Choay 6 histriadora das teoriase das fr Versidade de Paris-Vil, Pubicou ainda, entre outros Lurbanisme, utopies et réaltés - Une anthologie 1965, @ La tegle et le moddle - Sur la théorie de ener tun Aue tontora do Grand Prix national du patrimoie, 1998. Frangoise Choay A ALEGORIA DO PATRIMONIO Tradugdo Luciano Vieira Machado 3 edigto = UNS Conyright © Eaon du Sei 1992 1955, tors Et Liber, 2001, para est wato ‘Aberoihat” ier Comer Amaia Cate Caren aie Fang ra “tine Bowe Stecl Rabe Algor iP. Catalogo monte Sinito Nacional ds Ete de ios, RL ‘Age! pds engl Ai htt 2 Menem Cnr ‘ss Regen Cain Panes SumARIO Introdugio MONUMENTO E MONUMENTO HISTORICO Capitulo 1 0S HUMANISMOS © MONUMENTO ANTIGO Arte grega cléssica e humanidades antigas Restos antigos e humanitas medieval A fase “antighiizante” do Quattrocento Capitulo I \ EPOCA DOS ANTIQUARIOS — MONUMENTOS REAIS E MONUMENTOS FIGURADOS Antigiidades nactonais Gético Advento da imagem Tuminismo Conservacio real e conservacio iconogrifica Capitulo 11 A REVO ‘Tombamento do patriménio Vandalismo e conservacio: interpretagbes € efeitos secun Valores Capitulo 1 SCONSAGRAGAO NO MONUMENTO HISTORIC (1820-1960) (O conceito de monumento histérico em si mesmo Valor cogntivo valor artistice Preparagio romantica: o pitoresce, o abandono eo culta da arte Revolupao Industrial: a fronteira do irremedidvel O valor de reveréncia Priticas: legislacao e restauracéo Origem da lgislagao francesa referente aos rmonumentos historias A restauragdo como disciplina As aporias da restauragto: Ruskin ou Viollet-le-Duc A Franga ea Inglaterra 159 Sinteses 163 Para além de Ruskin o de Viellot le Duc, Camille Dotto 164 Alois Reg: uma contribuigdo maior 167 A meméria de André Chastel Capitulo V A INVENCAO DO PATRIMONIO URBANO 175 A figura memorial 180 A figura hist6rica: papel propedéutico 182 ‘A figura histérica: papel museal 191 AA figura historial 194 Capitulo VI © PATRIMONIO HISTORICO NA ERA DA INDUSTRIA CULTURAL 208 De objeto de culto a inddstria 206 Valorizagao 212 Integragio na vida contempordnea 219 Efeitos perversos 25 Conservaclo estratégica 232 ‘A COMPETENCIA DE EDIFICAR 239 O espetho do patrimanio: um comportamento nareisista 240 Os verdadeiros ensejos da sindrome patrimonial 247 Sair do narcisismo: espelho patrimonial reclama 252 ANENO 259 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 263 fxpice onomisnico, 277 Gostaria de saudar aqui aqueles cuja obra em fa ta jueles cwja obra em favor do Butrint ma servi de ein para ecrever ee loro especialmente Jacques Houlet, Raymond Lemaire e Michel cee a t, Raymond Li Michel Agradego também a Alexandre Melissinos, Michel Re re Melissinos, Michel Rebut Sarda e Jean-Marie Vincent, que fizeram a genileza de relr Introducio MONUMENTO E MONUMENTO HISTORICO Patriménio*. Esta bela antiga palavraestaa, na origem,ligada is estrutura famars, econdmicas e juridicas de uma sociedade ‘stivel,entaizada no espaco e no tempo. Requalificada por diversos idjetivos (genético, natural histSrco, etc.) que fizeram dela um con- to "ndmade" la segue hoje wma trajet6ra diferente eretumbante Patriménio histérico, A expressio designa um bem destina- dio ao usufruto de uma comunidade que se ampliow a dimensies planetiras, constitufdo pela acumulagio continua de uma diver lade de objetos que se congregam por seu passado comm: obras Cobras-primas das belasartes e das artes aplicadas, trabalhos e prodtos de todos os saberes e savoir faire dos seres humanos. Fm nossa sociedade errante, constantemente transformada pela tmobilidade e ubiqaidade de seu presente, “patriménio histérico tornou-se uma das palavras-chave da tribo midistica Ela remete a uma instituigéo ea uma mentalidade ‘A transferenciasemanticasofrda pela palavra revela a opaci- ue da cosa. © patrimonto hist6rico es coudatasa cle associadas fencontram-se presos em estratos de significados cujas ambighda- rede la langue ranatse de . Lie De concepts nomades, cba dreio de Stenger, Paris, des ¢ contradicdes articulam e desarticulam dois mundos ¢ duas visbes de mundo. © culto que se rende hoje 20 patriménio histérico deve merecer de nds mais do que simples aprovacio. Ele requer um. {questionamento, porque se constitu num elemento revelador, ne~ tligenciado mas brlhante, de uma condigio da sociedade e das Auestées que ela encerra. E desse ponto de vista que abordo 0 tema aqui Entre os bens incomensursveis e heterogéneos do patrims- rio histérico, escalho como categoria exemplar aquele que se re- Taciona mais diretamente com a vida de todos, patriménio histérico representado pela edificagdes. Em outros tempos fala- sfamos de monumentos hist6ricos, mas as duas expresses nio ‘so mais sindnimas. A partir da década de 1960, os monumentos histéricos jf no representam sendo parte de uma heranca que ‘io pia de crescer com a inclusio de novos tipos de bens e com. © alargamento do quadro cronoldgico © das dreas geogréficas no interior das quais esses bens se inserever. ‘Quando criouse, na Franca, a primeira Comissio dos Monu- ‘mentos Histéricos, em 1837, as trés grandes categorias de monu- rmentos histéricos eram constituidas pelos remanescentes da ‘Antigiidade, os edificios rligiosos da Idade Média e alguns caste- los. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, 0 nimero dos bens inventariados decuplicara, mas sua natureza era praticamente a ‘mesma. Eles provinham, em esséncia, da arqueologia eda hist6ria da arquitetura erudita, Posteriormente, todas as formas da arte de constr, erucitas e populares, urbanas rurais, todas as categoras de edificios, pblicose privados, sunturioseutilitsrios foram anexa- dls, sob novas denominagées:arquitetura menor, termo proveniente da Itlia para designar as construgdes privadas no monumentais, fem geral edificadas sem a cooperayio de ayuitetos, arquitctura vernacular, termo inglés para distinguir os edificios marcadamente locais; aquitetura industrial das usinas, das estagSes, dos altos- fornos, de infcio reconhecida pelos ingleses?, Enfim, 0 dominio 2A Frage clu uma sesfo do ptsimBnio industri da Comissio Superior dos Monumentor Histricosem 1586, Jotrimonial nfo se limita mais aos edificios individuais; ele agora ‘ompreende os aglomerados de edifieagies ea malha urbana: aglo- inerils de casas e bateos, aldeias, cidade inteiras e mesmo con~ juntos de cidades?, como mostra “a lista” do Patriménio Mundial ‘stabelecida pela Unesco, Até a década de 1960, 0 quadro cronolégico em que se ins- ‘yeviam 08 monumentos histéricos era, como hoje, praticamente Hlimitado “a montante*,coineidindo, nesse aspecto, com o da pes- visa arqueal6gica. “A jusante” ele ndo ultrapassava os limites do «culo XIX. Hoje, os belgas lamentam o desaparecimento da Maison 1 Peuple (1896), obra-prima de Horta, demolida em 1968; ¢ 05 franceses, Les Halles, de Baltard, destrutdo em 1970, apesar dos \gorosos protestos que se levantaram em toda a Franga eno mundo Into, Por mais prestigiosas que fossem, essas vozes eram de uma Jpequena minoria diante da indiferenca geral. Para a administragao ‘para a maioria do pblico, os pavilhées suspensos que Napoleso Ill «Haussmann haviam construido tinham apenas uma funcio trivial, {que nio hes dava acesso & categoria de monumentos. Além disso, «les pertenciam a uma época famosa por seu mau gosto. Hoe, par te cla Paris de Haussmann esté tombada e, em principio, intocsvel tlaqui por diante, O mesmo se dé com a arquitetura “modem style representada, na Franca, na virada do século, por Guimard, Lvirottee pela escola de Nancy —, que foi muito efémera e, por sso, depreciada, O préprio século Xx forgouas portas do dominio patrimonial ovavelmente seriam tombados e protegidas, hoje, 0 Hotel Imperial J Téquio, obra-prima de FL. Wright (1915), que resistin aos sismos hnaturais, mas foi demolido em 1968; os ateliés Esders de Perret (1919), demolidos em 1960; as lojas de departamentos Schocken, (1924) de Mendelsohn, em Stuttgart, demolidas em 1955; 0 peusévio de Louts Kali, na Tiadelfia (1954), demolido em 1973, 1 Franca, uma recém-constituida comissio do “patriménio do «cull 30" estabeleceu critérios e uma tipologia para no deixar apar nenhum testemunho historicamente significativo. Os pro jios arquitetos interessam-se pela indicagio de suas obras para + exemplo, a eldades da rego de Wachau, na Austria, 13 tombamento. Le Corbusier fez que suas obras fossem protegidas; atualmente, onze delas estio tombadas e catorze inscritas num in- ventirio suplementar. A mansio Savoye motivou vérias campa- has pela restauragio, sendo esta mais dispendiosa que a de muitos: ‘monumentos medievais, Enfim, a nogio de monumento histérico ¢ as priticas de con- servagio que The sio associadas extravasaram os limites da Euro- a, onde tiveram origem e onde por muito tempo haviam ficado ircunscrtas. £-verdade que a década de 1870 assstira, no con- texto da abertura Meiji, & discreta entrada do monumento hist6- rico no Japio': para esse pats, que vivera suas tradigSes no presente, {que nao conhecia outra hist6ria senio a dindstica, que nfo conc bia arte antiga ou moderna sendo a viva, que nio conservava seus ‘monumentos sendo mantendo-os sempre novos mediante recons- trucio ritual, a assimilacao do tempo ocidental passava pelo reco- nhecimento de uma histéria universal, pela adogio do museu © pela preservacio dos monumentos como testemunhos do passado. Na mesma época, os Estados Unidos foram os primeiros a pro- ‘eger seu patriménio natural, mas pouco se interessavam em con- servar aquele consttuido pelas edificagdes, cuja protecio recente ‘e comecot por levar em conta as residléncias individuais das gran- des personalidades nacionais. Por seu lado, a China’, que ignorava esses valores, comecou a abrir e a explorarsistematicamente o filio de seus monuumentos hist6ricos a partir da década de 1970, Da primeira Conferéncia Internacional para a Conservacio ddos Monuimentos HistSricos, que aconteceu em Atenas em 1931*, 56 participaram europeus. A segunda, em Veneza, no ano de 1964, contou com a participacao de trés paises ndo europeus: a Tunisia, © México €o Peru. Quinze anos mais tarde, oitenta paises dos cinco continentes haviam assinado a Convengio do Patriménio Mundial | Y ABE Tas dbs dela conseration Japon medere: iol et strc, in World rt, Themes of Unity Diserity, Ace of the XXVh Congres ofthe History of Art (1886), etal por I. Lavin, vl Il, The Pennsylvania State University Pres, 1989, p 855 cs FE Rjckmas, “The Chinese Ate Towards the Ps tid CConferénciassbre a conseraio attics chit dos motets, ori dh pla Sociedade das Nasbes (SDN), cp. 1V, nota 117 — 4 A tripla extensio — tipol6gica, cronol6gica © geogrifica ~ bens patrimoniais € acompanhada pelo crescimento exponen al de seu piiblico. ‘O concerto patrimonial eo concertamento das prticas de con- rvagio no debxam, porém, de apresentar algumas dissondncins. ‘c crescimento recorde comega a provocar inquieta¢ao. Resulta- \ cle na destruigio de seu objeto"? Os efeitos negatives do turismo io pereebidos spenas em Flarenca e em Veneza. A cidade anti ua de Kyoto se degrada a cada dia, Foi necessério fechar, no Egito, >s wimulos do Vale dos Reis. Na Europa, como em outros lugares, + inflacio patrimonial é igualmente combatida ¢ denunciada por sutras motives: custo de manutencdo, inadequagio aos usos atuais jparalisago de outros grandes projetos de organizacao do espago \irbano, Menciona-se também anecessidade de inovar e as dialéticas {i desteuigao que, ao longo dos séculos, fizeram novos monumen- {os se sucederem aos antigos. De fato, sem remontar & Antigida- Je ou a Idade Média, e considerando apenas a Franca, basta lembrar is centenas de igrejas géticas destrufdas nos séculos XVHl € XVI, para fins de "embelezamento”,e substituidas por edificios barrocos bu clssicos. Pierre Patte, o arquiteto de Lufs XV, preconizava, em feu plano para restaurar © embelezar Paris, que se “abandonasse™* {ovdas as construgies géticas. Nem mesmo os monumentos da Anti iiicade, por mais prestigio que tenham tido na era clissica, deixa- Fam de ser demolidos, como o farnoso palicio de Title’, em Bordéus hot da varome cure, owns, Broels, 1976. Resolutions de Cantorbery Tetourime culture, ens, dacameno repogico,publicado por lomo Sh, Universidade de Kent, 1990 a ize de Louis XV, Pais, 1765. No queda espeita le de Is e observa. "Com excegbo ds Notre-Dame, qe cotiniara send part ‘dade ¢ do efi dos EnfantTowvs, no havera nada a preservar ir 226 1, Denolio em 167 por ordem de Las XIV. Sua imagem fo conserva prin: Ilonnte por]. Androvet Ceres (Libre a'achitecrure, 1559) «por Claude \Sevenbo, Biblioteca Nacional da Pang, snus, F 24713). Este ra descrigio entusinsmada Jo eifiso no dro de sun Voyage en 1669 (pico por Bonneon, Pars H. Laurens, 1908, com a Tema vie, de Chats Pera) faz grvar por Le Pautre, paca ua fe Vito (1684) uma vez que atrapalhavam os projetos de modernizagio das cida- des e dos territérios. Na Franga, a tradicio de destruicio construtiva e de moder nizagio, de que dio provas esses exemplos, serve atualmente de justifieativa a grande nimero de autoridades para sua oposicio 0s pareceres dos arquitetos dos edificios franceses, das Comis- ses dos Monumentos Histéricos e dos setores sob protesio do. Estado. Foi em nome do progresso técnico e social e da melhoria ddas condigSes de vida de seu entorno que se substituito teatro de Nimes, elemento-chave de um conjunto neocléssico tinico na re- si20, por um centro cultural polivalente. Nos paises do Magreb no Oriente Préximo ainda se usam os mesmos argumentos para justifcar a destruigio ou a adulteragio dos bairros muculmanos: ‘na Tunisia, assim como na Siria ou no Ir, a vontade politica de ‘modernizagio foi auxiliada pela ideologia do movimento dos CIAM'" ede suas vedetes, De sua parte, os arquitetos invocam 0 direito dos artistas & criagio. Eles desejam, como seus predecessores, marcar o espaco uurbano: no querem ser relegados para fora dos muros, ou conde- nados, nas cidades hist6ricas, 0 pastiche. Lembram que, ao longo dos tempos. os estilos tamhém enewistiram, justapostos e artic lados, numa mesma cidade ou num mesmo edificio. A histéria da arquitetura, da época romana ao gético flamejante ou ao barroco, pode ser lida numa parte dos grandes edificios religiosos euro. peus: catedrais de Chartres, de Nevers, de Aix-en-Provence, de Valencia, de Toledo. A seduso de uma cidade como Paris deriva da diversidade estilistica de suas arquiteturas ¢ de seus espacos Arquiteturas e espagos nio devem ser fixados por uma idéia de conservacio intransigente, mas sim manter sua dindmica: este € 0 ‘caso da pirimide do Louvre Os proprietérios, por sua ver, reivindicam o direito de dispor livremente de seus bens para deles tirar 0 prazer ou 0 proveito gue bem eatenslann. © argumento se choca, na Franga, com uma 10D. AbdltaiLa Madina de Tis, Pais, Preses dx CNRS, 1960. 11. Congress tnternaciomas de Argtetrs Moderna, fndados xn 1928 em Sar, Sul leglslacio que privilegia 0 interesse piblico, Ele continua, porém, 1 prevalecer nos Estados Unidos, onde a limitagio do uso do pa (rimdnio histérico privado é considerada um atentado contra a Whercade dos cidadios As vores discordantes desses opositores slo tio poderosas yuonto sua determinagio. Cada dia traz uma nova mostra disso. Contudo, as ameagas permanentes que pesam sobre o patriménio :npeclemn um amplo consenso em favor de sua conservagio 1ua protecio, que sio oficialmente defendidas em nome dos slorescientifieas,estéticos, memorias,sociais e urbanos, repre- entaclos por esse patriménio nas sociedades industriais avanca Jns. Um antropélogo americano pode afirmar que, pela medingi0 lo turismo de arte, o patriménio representado pelas edificagSes instituirs o elo Federative da sociedade mundial! Consenso/contestagio: as raaBes ¢ os valores invocados em {avor das duas respectivas posigSes requerem uma anélise © uma wwaliacio critica. Inlagio: foi atribuida a uma estratégia politica; ‘omporta evidentemente uma dimensio econémica e marca, com erteza, uma reagao contra a mediocridade da urbanizacio \emporinea. Essas interpretagdes das condutas patrimoniais no ‘basta, poréan, para explicar seu extraordinario desenvolvimento. Has nao The esgotam o sentido. O que me interessa & precisamente o enigma desse sentido: nna semntica do patriménio construido durante sua constitui (io, cle dificil acesso, fria e ao mesmo tempo abrasadora. Para me frientar, recuarei no tempo em busca das origens, mas no de \ina historia; utiizare figuras e pontos de referéncia concretos, tas sem a preocupagio de fazer um inventério. De antemio, é hiecessirio precisar, ao: menos provisoriamente, o contetido ¢ a Iierenca dos dois termos subentendidas no conjunto das priticas putrimoniais: monumento e monumento histérico. Em primeiro lugar, o que se deve entender por monumento? © sentido original do termo € 0 do latim monumentum, que por 7 deriva de monere (‘advertir", “lembrar”), aquilo que traz 1 Moc Canelh The Burst: New Thar ofthe Leisure Clas, Londees Nova rae, eM, 1976, 8 lembranca alguma coisa. A natureza afetiva do seu propésito é essencial: nfo se trata de apresentar, de dar uma informagio nec tra, mas de tocar, pela emogio, uma memiéria viva. Nesse sentido primeiro, chamar-se-4 monumento tudo o que for edificado por suma comunidade de individuos para rememorar ou fazer que ou tras geragdes de pessoas rememorem acontecimentos, sacificios, sitos ou crengas. A especificidade do monumento deve-se preci, Samente ao seu mada de atuagéo sobre a meméria, Nao apense cle a trabalha ea mobilza pela mediacao da afetividade, deforma que lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente Mas esse passado invocado, convocado, de certa forma encants do, nfo é um passado qualquer: ele €localizadoe selecionado para fins vitas, na medida em que pode, de forma direta, contrbuit ara manter ¢ preservar a identidade de uma comunidade étniea ou religiosa nacional, tribal ou familiar. Para aqueles que edificar, assim como para os destinatérios das lembrangas que veicularm, ¢ ‘monument € uma defesa contra otraumatismo da existéncia, mn dispositivo de seguranga. © monumento assegura, acalma, tram atilza,conjurndo o ser do tempo. Ele consti ua garania das origens disspa a inqutetagao gerada pela incertera dos comecos Desafoaentropia, acto disolente que o tempo cxere soe todas as coisas naturais artfciais, ele tenta combater a angdstia da morte e do aniquilamento. Sua relagio com o tempo vivdo e com a meméria, oy, dito de outra forma, sua fungdo antropolégica, constitu a esséncia do tmonumento. O resto € contingent e, portanto, diversoe varigvel 44 0 constatamos no que diz respeito aos seus destinatiros, cg ‘mesmo acontece em relagio aos seus géneros e formas: tml templo, coluna, arco de triunfo, estela, abelsco, totem © monumento muito sassemelha a uin universal cultural Sob "muitiplas formas, ele parece presente em todos os continentes cee Praticamente todas as sociedades, dotadas ou nio de escrit, Ome, rnumento, dependendo do caso, recusa as inscrigbes ou as ache, ora om parciménia, ora de forma bem liberal, chegando ds vezes ase deixar cobrir por cls, tendendo a acumularcutras fancoex © papel do monumento, porém, entendido em seu sentido ‘otiginal foi perdendo progressivamente sua importancia nas socie, laces ocidentais, tendendo a se empanar, enquanto 0 proprio termo uiquiria outros significados. Os léxicos atestam-no. Em 1689, Furetiére j parece dar ao termo um valor arqueolégico, em detri- rnento de seu valor memorial: “Testemunha que nos resta de alguima jrande poténcia ou grandeza dos séculos passados. As pirdmides lo Esito, o Coliseu, sio belos monumentos da grandeza dos reis do Eito, da Repaiblica romana”. Aluns anos mais tarde, o Dictionnaire le Académie situa de forma clara o monumento € sua fungio ‘memorial no presente, mas seus exemplos traem um deslocamento, lesta_vez.em direcdo a valores estéticos e de prestigio: “Monu- mento itustre, soberbo, magnifico, durivel,glorioso”™. Essa evolugio se confirma um século mais tarde, com Quatre- mre de Quincy. Este observa que, “aplicada as obras de arquite- ura, essa palavra“designa um edificio consteuido para eternizar 1 lembranga de coisas memoriveis, ou concebido, erguido ou Alisposto de modo que se tome um fator de embelezamento € de ‘mognificéncia nas cidades’. E ele continua indicando que, “no i timo caso, aidéia de monumento, mais ligada a0 efeito produzido pelo edificio que a0 seu fim ou destinayay, sjustarse € aplicase a todos os tipos de edificagées". E verdade que os revolucionérios de 1789 nao pararam de so- nar com monumentos e de construir no papel os edificios pelos quais queriam afirmar a nova identidade da Franga'*. Embora efet- vamente destinados a servi meméria das geragées futuras, esses projetos funcionam também em tum outro nivel. A evolugio que 1 lepreende dos dicionérios do século XVit era irreversivel. “Mo- rnumento” denota, a partir daf, 0 poder a grandeza, a beleza: cabe- the, explicitamente, afirmar os grandes designios piblicos, promover estios, falar a sensibilidade estética Hoje, 0 sentido de “monumento” evoluiu um potico mais. \o przer suscitado pela beleza do edificio sucedeu-se 0 encanta ‘mento ou 0 espanto provocados pela proeza técnica e por uma crsio moderna do colossal, no qual Hegel vs o inicio da arte n0s mcr eg, 1694, sire de architecture 2, Pcs a IX M.Onouf, La Fite révluionnaive, 1789-1799, Pais, Gallimard, 1970. 9 povos da alta Antigtidade oriental. partir dat, o monumento se impse a atengio sem pano de fundo, atua no instante, substituin- do seu antigo status de signo pelo de sinal. Exemplos: 0 edificio do Lloyd's em Londres, a torre da Bretanha em Nantes, 0 Arco da Défense em Pars. 'A progressiva extingio da funcio memorial do monumento certamente tem muitas causas. Mencionarei apenas duas, ambas genes en longo pray. A primeita refere-sed inportdncia eres cente atribuida a0 conceito de arte" nas sociedades ocidentais, a partir do Renascimento. A principio, os monumentos, destinados ‘a avivar nos homens a meméria de Deus ou de sua condicio de criaturas, exigiam daqueles que os construfam o trabalho mais perfeito ¢ mais bem realizado, eventualmente a profusio das lu- zes € 0 ornamento da riqueza. Nio se pensava em beleza. Dando a brcleza sua identidade e seu estatuto, fazendo dela o fim supremo da arte, 0 Quattracento a associava a toda celebragio religiosa ¢ a todo memorial. Embora 0 préprio Alberti, 0 primeito teérico da beleza arquiteténica, tenha conservado, piedosamente, a nocio original de monumento, ele abriu caminho para asubstituico pro- sressiva do ideal de meméria pelo ideal de beleza ‘A segunda causa reside no desenvolvimento, aperfeigoa- mento e difusio das memérias artficais. Platao fez da escrita seu paradigma venenoso"”. A hegemonia memorial do monu- mento nao foi, porém, ameagada antes de a imprensa ter trazi- do a escrita uma forca sem precedentes no que diz respeito & meméria (O perspicaz Charles Perrault se encanta por ver desaparecer, pela multiplicagao dos livros, as limitagées que pesavam sobre a meméria: “hoje (..), no aprendemos quase mais nada de cor, porque habitualmente temos os livros que lemos e a0s quais po- demo recorrer quando necessério, e cujas paseagens podem ser citadas de forma mais segura transcrevendo-as do que confiando 16. P.O. Kristeller, Renaincance Though and he Ars, CllcedErsye, Nov lore Harper ar Rt, 1065, em especial "The Moder Syston ofthe Art”, pblesdo in Journal ofthe History of Hews, vl. XU, 1951 17.Oqueelechsm, no mato do Fer de phirmakon. CEJ. Deed, “La pharmacie ePlaton” in La Dissemination, Pais, Le Seal, 1972 20 pu meme, como s fra tron" Eatregue a seu ens imo de letrado, ele nao se di conta de que o imenso tesouro do ne td ange do dots, te consigo a prin do tbe, aloe pent canteen da mei com Leki Aer co fea oo sulo Ho a a ciple cj be, eciuledo © i, ie ee ce copes apt forcas. Contudo, “a histéria s6 se constitui quando é olhada, e, 1 ite lcs fom fr eo {ya diferenga € 0 papel inverso do monumento, encarregado, por be reara onan anderen um pv Se hnco acl opel que sola ro eat depinapologide Pra, Victor Hugo Fr redo tonement, conenado ot Pa eee Sen neo valk fond tha pela criago e pelo aperfeigoamento de novas formas de aon ee rn dastcncuce panciolam foc ae Drm estar 9 puedo 2 rm a ee Fore ee Piet donates cates at be *Ginmetls caso da fotografia. Roland Barthes compreendeu Sc ee hee Arte, nem de Comunicagio: a ordem fundadora da fotografia é a A ian cane nna pte dee GtTD tac enone eee I ee eer decane tence relacons Ye certamente as reagSes quimicas que fazem da fotografia “uma Fweder ancions et des maderes, logo, tL p-63 ess, Pacts, 1688:2 yrnsngem inti mereia ger ita Jo. h Hares, La chambre eae, Pars, Cablers du cinéma, Gallimard: Le Seu ) Notre-Dame de Pars, capitulo "Ceci wer cela [st matard aqui, aresce tak na cnt ego, de 1832 bhém o poder de ressuscitar. Porque pela mediagdo de uma emulséo’ de prata "a foto do ser desaparecido chega até mim como os raios Je uma estrela’, Barthes conseguit perceber e analisar a duplicidade da foto- safia, as duas faces desse novo phérmakon que tem o singular poder de jogar com os dois planes da memeéria: abonar uma hist6- "© resouscitar um passado nvr, Daf vem os riscos de confusao € «le usurpacio. Barthes os denuncia nomeando as duas formas como a fotografia atua sobre nés. O studium designa um atrativo sensa- {o, um interesse externo, mas de qualquer modo afeto. O éxtase, que faz voltar & consciéncia “a prépria letra do tempo", é um momento revulsivo, alucinat6rio, a propésito do qual se evoca, ‘muitas vezes, @ palavra loucura. Ora, essa loucura da fotografia que faz coincidir o ser € oafeto é da mesma natureza que o encan- tamento pelo monumento. Vamos contrabalangar, entio, a afi- macio de La Chambre claire, segundo a qual a sociedade moderna renunciou ao monumento, afirmando que a fotografia é uma de suas formas adaptada ao individualismo de nossa época: o mont mento da sociedade privada, que permite a cada um conseguir, ‘em particular, a volta dos mortos, privados ou piiblicos, que fun. ddam sua identidade. O encantamento imemarial realiza-se dora vante de forma mais live, a custa de um trabalho modesto sobre cessas imagens que conservam uma parte de ontologia. ‘fotografia contribu, além disso, para a semantzao do numento-sinal. Com efeito, 6 cada vez mais pela medis¢o de sua imagem, por sua circulago e difusio, na imprensa, na televisio {no cinema, que exses sinais se dirigem as sociedades contempo- rineas, Ele s6 se constituem signo quando metamorfoseados em imagens, em réplicas sem peso, nas quais se acumula seu valor imblicn assim dissociado de seu valor utiliério. Toda wonstructo, awalquer que seja o seu desting, pode ser promovida a monumen- to pelas novas técnicas de “comunicagéo". Enquanto tal, sua Fun- silo € legitimar e conferirautenticidade ao ser deuma répica visual Primeira,frdgile transitiva, & qual doravante se delega seu valor, Pouco importa que a realidade construida nfo coincida com suas orm extraids de op. et, p. 120, 125, 134,126, 183, 2 representagSes midisticas ou com suas imagens sonhadas. A pir’ mide do Louvre existi sntes que se ini sua construcio. Ela intinua a fazer rebrilhar, hoje, luzes e transparéncias com que a rnava a fotografia de seus desenhos e maquetes, ainda que, na realidade, ela lembee antes a entrada de um centro comercial © jue sua opacidade tire a visio, a partir do patio quadrado, das Tilherias e de Pars. As fotografias do Arco da Défense ainda the inservam um atrativo simbélico, nao obstante a rugosidade do cdificio real e o desconforto dos escrit6rios nele instalados. Nio .c poderia fazer uma deseri¢ao melhor do esvaziamento do que we chama hoje monumento ¢ de seu modo de existir que a do niquiteto da "Grande Biblioteca”. Perguntado sobre a insercio ddesse edificio em Bercy, ele responde: E preciso que, daqui a ddez ou vinte anos, se facam os mais belos cartées postais deste Nessa condigdes, os monumentes, no sentido primeiro do ter- mo, ainda teria ‘um papel nas sociedades ditas avancadas? Afora \ numerasos edificine de culta que conservam seu uso, 0s monu- Imentos aos mortos e os cemitérios militares das dltimas guerras, significam eles mais que uma mera sobrevivéncia? Ainda se edificam novos deles? (Os monumentos, dos quais se tornou necessério dizer que o “comemoratives", seguem, levados pelo hibito, uma carreira formal e insignificante. Os tinicos exemplares auténticas que nossa época logrou edi sar no dizem seu nome € se dissimulam sob {ormasinslitas minimalistase ndo metafricas. Elesembram um rssado cujo peso e, no mais das vezes, cujo horror profbem de “onfilos somente 3 meméria histrica. Entre as duas guerras mnundiais, 0 campo de batalha de Verdun constitu um prece- lente: imensa parcela da natureza, retalhado ¢ torturado pelos vmnbates, bastou demarcar um percurso, como uma via-cricts iva fazer dele o memorial de uma das grandes catistrofes huma- Le Quotidien de ars, 11 de eterbro de 1989. Ble continua: "0 tursta que se ‘contr no jar de Rercy podrs trae fotos resimente inequecives essa whkotea (2), Osuceso do projet ser possbidade de se fazerem magi ie postal este ga Fy nas da hist6ria moderna. Depois da Segunda Guerra Mundial, centro de Vars6via, fielmente reconstruido, embra.ao mesmo ter oaidentidade secular da nagio polonesa ea vontade de aniquila- ‘eo que animava seus inimigos. Do mesmo modo, as sociedades atusis quiseram conservar viva, para as geracSes futuras, a lem. branga do judeocidio da Segunda Guerra Mundial. Melhores que simbolos abstratos ou imagens realistas, melhor que fotografia, porque parte intesrante do drama co-memorade, s80 05 prOptios campos de concentragio, com seus barractese suas cimaras de ss, que se tormaram monumentos. Bastou arrumar um pouco © plicaralgumas etiquetas: de sua antiga morada, abandonada para sempre, 05 mortos e seus carrascos haverio de advert eterna ‘mente aqueles que vio a Dachau ou a Auschwitz, Nao seré neces- séria a intervengio de nenhum artista — uma simples operacio ‘etonimica. Aqui, o peso do real, de uma realidade intimamente associada & dos acontecimentos comemorados, & mais poderoso que 0 de qualquer simbolo. O campo, transformado em mont. ‘mento, € da mesma natureza da religuia™ Esses memoriasgigantes, eliquia relcrios a0 mesmo tem- Po, continuam, no entanto, sendo excepcionais, assim como os fa- tos que eles trazem a meméria dos homens. Marcas que basta «scolhere saber nomear, elas testemunham,além disso, aprogressiva dlissociacio que se opera entre a meméria viva e 0 saber edificar 23. Ease cain fol tombado pelo Cami do Patrimgnio Mundial da Unesco em 1979. Empregueotermofudecide, que t trata de ploestmoda espns, tum 3 A. Mayer, Lat “lion finale” dans Uhistire ailo por HG e Caer, Pari, La Déoumerte, 1990 24. frat memoria da relia ess anda sho poss» srg de cosas Inox rigs. verdad morse cg cm bow de Chak ae Gale bo € + ents eur de Lena “comemernta” que damina¢ aoe ie hangar mat cy La Dots Aomatcoes ee feta ae “x a so fils il on mom ha ‘elec stare algans camino do pargu © algns condo de reese ‘cfc Tb ae homes shits gc cle reves anon Reape ‘omtigitade axe abente qu leche ogni: Ea fof bran & especialmente apes nos Estados Una, near aden te bers mconais, como ade elenon, em Montcll, por eseopo fone de, ‘hs deer, wasormas em monuments ts gas: Ese te sor como temperaments dem pov uc sen pata cus dons 24 Mesmo 0 novo centro de Vars6via s6 € um monumento porque & uma réplica: ele substitu, com uma fidelidacle comprovada, entre outras coisas pela Fotografia, a cidade destruida, © monumento simbélico erigido, ex nihilo, para fins de rememoracio, est pra camente fora de uso em nossas sociedades desenvolvidas. A me- «lida que estas dispunham de técnicas mneménicas mais eficientes, 10s poucos deixaram de edificar monumentos e transferiram 0 centusiasmo que eles despertavam para os monumentos histéricos. ‘As duas nogées, que hoje muitas vezes se confundem, sio, porém, em muitos aspectos, oponiveis, senio antinémicas. Em primeio lugar, longe de apresentar a quase universalidade do mo- rnumento no tempo € no espago, © monumento histérico é uma invengio, bem datada, do Ocidente. Vimos com que sucesso 0 conceito foi exportado e como progressivamente se difundi fora a Europa a partir da segunda metade do século XIX. Osrelatrios das organizacées internacionais mostram, contu- do, que esse reconhecimento planetiio continua sendo superficial O sentido do monumento histérico anda a passos lentos. A nocio nao pode ser dissaciada de sim contexcto mental e de uma vieso de mundo. Adotaras priticas de conservagio de tais monuumentos sem clispor de um referencal istérico, sem atribuir um valor particular 20 tempo ¢ a duragéo, sem ter colocado a arte na hist6ria, € to dlesprovide de sentido quanto praticar a ceriménia do ch ignoran- do o sentimento japonés da natureza, 0 xintofsmo e a estrutura nipOnia das relagbes sociais. Dai vém esses entusiasmos que mul- tiplicam os absurdos ou ainda dssimulam libs. Outra diferenca fundamental observada por A. Riegl, no comego do século XX: 0 monumento € uma criagio deliberada (ewolte) cuja destinagao foi pensada a priori, de forma imediata, ‘enguanto © monumento histdrico nao €, desde o prinefpio, dese- Indo (tgewolte) e criado como ta ele € consttuido a posterior pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, jue 0 selecionam na massa dos edificios existentes, dentre os quais monumentos representam apenas uma pequena parte. Todo A Riel, Der moderne Denkmalhultus, Viens, 1903, tradugio francess de D. Wieck, Le Cute moderne des moruments, Pari, Le Sel, 1984, 25 ‘objeto do passado pode ser convertido em testemunho histérico ser que paraisso tenha tido, na origem, uma destinagéo memorial. De modo inverso, cumpre lembrar que todo artefato humano pode ser deliberadamente investido de uma fungio memorial. Quanto 30 prazer proporcionado pela arte, tampouco é apandgio exclusive do monumento. (© monumento tem por finalidade fazer reviver um passado rmergulhado no tempo. O monumento hist6rico relaciona-se de forma diferente com a meméria viva e com a duragio. Ou ele simplesmente constituido em objeto de saber cintegrado numa con- cepcio linear do tempo — neste caso, seu valor cognitive relega-o inexoravelmente 20 passado, ou antes & hist6ria em geral, ou & histéria da arte em particular —; ou entéo ele pode, além disso, como obra de arte, dirigrse A nossa sensibilidade artistica, a nos- 50 “desejo de arte" (Kunstwollen): neste caso, ele se torna parte constitutiva do presente vivido, mas sem a mediagio da meméria ou da hist6ria, As relagGes diferentes que mantém entre si, respectivamente, (0s monumentos ¢ os monumentos histérioas com 0 tempo, me- réria € 0 saber, determinam uma diferenga maior quanto & sua conservacio. Aparentemente, essa nocio € consubstancial aos dois. Contudo, os monumentas sio, de modo permanente, expostos is afrontas do tempo vivido. O esquecimento, o desapego, a falta de uso faz que sejam deixados de lado e abandonados. A destruigio deliberada® e combinada também os ameaca, inspirada seja pela vontade de destruir, seja, a0 contririo, pelo desejo de escapar 3 acio do tempo ou pelo anseio de aperfeigoamento. A primeira forma, negativa €lembrada com mais freqiéncia: politica, religiosa, ideol6gica, ela prova a contrario 0 papel essencial desempenhado pelo montimento na preservacio da identidade dos povos e dos srupos socials. A destrulcZo positiva, também generalizada, chama ‘menos aatengio. Ela se apresenta sob modslidades diferentes. Uma, 26, O canceto Bear de Kune pert «Rig marcar tng cpital {entre o valor artsticopréprio ao mondmentoe seu valor para isl di ste. ap. IV e nota 103.163 27-1 Réaw, Hisar cy sondaloma Le monuments dried Lat fongis, Pris, Hachette, 1958 6 ral peri de eros Pos do tempo een sc TORIES Constroem periodicamente réplicas exatas de templos originais, ci cpa anions so one gna dar ais ele a cape yaneaarao Den prance di dors to oe eget mad dest em pate, Do ae ‘catedral de Sao Pedro, em Roma, nio foi demolida ce de substitut-la por um edificio grandioso, cuja magnificéncia € ‘cenografia pudessem lembrar 0 poder: ‘conquistado pela Iereja des- CCTERE Cease en vel Pee conjunto objetivado € fixado pelo saber, 0 SET ecg tml deve bere me Se immuno baciosenmee! en or ide fa pria histéria do conceito. Invengao. do Ocidente,, diziamos nos, e bem Visas est terme sa sO a pa ienicatnasrioe Oe neta eae cede oe at creates Sele) fas conegee rene cam cr rele nu piel an Oe epee lege ee ws em 0 er capeso momento istic sSen00 i Sgr em le consi interpctao screp ue se pode da SSS RSP qe eran ae Be eae ae colnet Hemi bret orn c om fo oo gual el din de era cad com qe ON re pred dar nips pds as ua epi oeste A Na Star fe Crit colon sun mE 0 orem neces eo as a ee Panty mx fercce ura en, ena ade dace mate ere cle em Alber Seer on the Abby 1. cueaad wean Taare, Picton Uaiersy Pes, 146. u nos dicionérios franceses na segunda metade do século X0X. Seu ‘uso, contudo, jé se dfundira desde o comeco do século e fora consagrado por Guizot, quando, recém-nomeado Ministro do Interior, em 1830, criou o cargo de inspetor dos Monumentos Histéricos. Devemos, porém, recuarainds mais no tempo. A ex pressio aparece jé em 1790, muito provavelmente pela primeira vez, na pena de L. A. Milli’, no momento em que, no contexto dla Revolugio Francese, claboram-e 0 conceito de’ monumento historic e os instrumentos de preservacio (museus, inventéris, tombamento,reutlizacio) a ele associados®. [Nem por isso 0 vandalsmo da Revoluio de 1789 deve ser st- bbestimado. O punhado de homens que o combateram no interior ddos Comités e Comissdes revolucionérios crstalizavam, soba ur- séncia do perigo, as idéias comuns aos amantes da ate, arquitetos « eruditos da época do Tluminismo. Essesletrados eram, eles propris, herdeiros de uma tradigio intelectual que tem origem no Quattrocentoe na grande revolucao hhumansta dos saberese das mentalidades.origem do monumento histérico deve também ser buscada hem antes da apariglo do ter- mo que o nomeia. Para rastrear a gnese desseconceito, necessirio remontar ao momento em que surge o projet, até ent impensive, de estudar € conservar um edificio unicamente pelo fato dele ser tum testemunho da histéra e uma obra de arte. Albert, nas frontei- ras de dois mundbos,celebra entio a arquitetura que pode ao mesmo tempo fazer reviver nosso passado, assegurar a gléra do arquiteto- artista e conferirautenticidade ao testermunho dos historiadores ‘Querer, como € 0 meu desejo,colocar o patriménio histrico™ no centro de uma reflexio sobre 6 destino das sociedades atuais, BLA Nl Aa miler Ral de mono Ps, 790-1798, 5 30. Ricker, Les Origins del conservation der monuments hsoriques on Pance, Pris, Jouve, 1913... 76s 31, LB. Aber, Deve adifatra, rk, eG. Oran, Mili IP 1966, p13, 22. Devese a Babel e A. Chastl, Revue dear, 9, Pais, 1980, una bel sintese de “La notion de patinoine, etd em iro plas Eons Lana Levi, Paris, 1994. CE também A. Desallées, “Erergence ct cheminerents da mot tecine”, Maser, n.208, Pais, 1995 28 Lentar portanto, avaliar as motivagdes —assuridas, confessadas, ticitas ou ignoradas — que estio na base das condutas patrimo- hials.. um tal projeto nlo pode deixar de voltar as origens. Nao podemos nos debrugar sobre o espelho do patriménio nem inter- pretar as imagens que nele se refletem atualmente sem procurar, previamente, compreender como a grande superficie lisa desse fespelho foi pouco a pouco sendo constituida pelo acréscimo © pola fusio de fragmentos a principio chamados de entigtidades, Alepois de monumentos histéricos. E por esse motivo que tentei, em primeiro lugar, definir um momento de emergéncia ereconsttuir a etapas essenciais dessa pro- iuessiva instauragio do patriménio histérico edificado, da fase sntighizante” do Quattrocento, em que os monumentos escolhi- dios pertencem exclisivamente 3 Antigiidade, 3 fase de consagracdo, jue institucionaliza a conservagio do monumento histérico esta- trelecendo uma jurisdigio de protegio e fazendo da restauragio uma disciplina auténoma, Essa arqueologia era necesséri, sem exi- pir, porém, escavagio exaustiva ou mesmo extensiva Nao esmiuicei, pois, ahistria e as particularidades® de cada hnagio européia na sua relagdo com os conceitos de monumento € dd patriménio histéricos. Nao me debrucei sobre o contesido das jurisdigaes de conservacéo, nem sobre © universo complexo da Festauragio, nio retirando dela senso a matéria necesséria para inna demonstraio, Meus exemplos reqdentementereferem- ‘e Franga. Nem por isso eles s0 menos exemplares: como in- Vengo earopéia, 6 patrinOnio histrco derva de uma mesma ‘mentalidade em todos os paises da Europa. Na medida em que se {ornow uma insituiglo planetéria, ele termina por fazer todos os paises se defrontarem com as mesmas interrogacoes e urgéncias. Em uma palavra, nio quis fazer da nogio de patriménio his- Lorico © de seu uso 0 objeto de uma pesquisa histérica, mas o ujeito de uma alegora Tova uma vind de conjunto, mae restrita & anc, ver P Léon, La wie des nonment franca, Par, Picard, 185) 29 Capitulo 1 OS HUMANISMOS E. © MONUMENTO ANTIGO Pode-se situar © nascimento do monumento histérico em Roma, por volta do ano 1420. Apés 0 exilio de Avignon (1305- 1377) e, logo depois, do Grande Cisma (1379-1417), Martinho V restabelece a sede do papado na Cidade devastada, cujo poder e prestigio ele pretende recuperar. Um novo clima intelectual se ‘lesenvolve em toro das rufnas antigas, que doravante falam da histéria e confirmam o passado fabuloso de Roma, cujos esplen Jores Poggio Bracciolin e seus amigos humanistas pranteiam, con- lenando-thes a pilhager. (Os cortes cronolégicos tém um valor essencialmente heuris- tico, Bles requerem ser modulades em funcio de excecdes, de antecipagbes e de sobrevivéncias. Ver-se-4 que 0 interesse inte- 1al e artistico atribuido por uma pequena elite do Quattrocento vos monuimentas da Antigiidade era produto de uma longa mat ici e tivera precedentes desde o tiltimo quartel do século XIV. Mas ndo seria preci Ja mais remotos? Devemor até nos perguntar se, como certos vistoriadores aventaram, os homens da Antigiidade e da Idade Media nao langaram esse mesmo olhar, de historiador e preserva lor, sobre os monuumentas e objetos de arte do passado. A colegio intiga de obras de arte, que antecipa o muscu, parece ter surgido vo fim do século Ill aC. Entre a morte de Alexandre e a cris- ianizagdo do Império Romano, 0 territério grego revela a elite fazer remontar essa genese a tempos a1 culta de seus conquistadores um tesouro de eificios pablicos (tem- pos, stod,teatros, etc.) que devem se afigurar, a seus olhos, como, ‘monumentos hist6ricos, da mesma forma que, mais tarde, na Euro- pa medieval, os monumentos romanos seriam olhados pelos cléri 0s de cultura humanist, Sao essasanalogiasilassrase superficiais? No ambito de uma obra dedicada principalmente ao Ociden- te cristio, nfo posso evocar a Antigtidade senio de forma pontual;, tampouco posso reunir as pecas do debate. Outros a fizeram! « alguns pontos de referéncia bastardo. Arte grega classica e humanidades antigas Reino de Pérgamo?: os atlidas procuraram com fervor, sen- sibilidade e perseveranga, as esculturas eos objetos de arte deco. fativa que a Grécia clissica produziu sem jamais os colecionar Conhecidas pelos testemunhos de Puusinias, de Polibioe de Pini, 1s colegées dos atilidas ndo pertenciam nem a categoria dos te, souros, religiozas © finebres, tais como forain acumuilados nos trimulos egipcios ou no opisthédomes dos templos gregos, nem a categoria de curiosidades, recolhidas ao sabor das guerras, rpinas, viagens ou herangas pelos curiosos de todos os tempos. Esses ob jetos foram procurados, escolhidos e adquiridos por sta qualida, de intrinseca, Atalo I mantém emissirios em toda a Grécia¢, em 210.C., mandou que se fizessem as primeiras escavacdes conhe cid da istria, O mesmo movimento lve ssin como sew sucessores, a admirar ea mandar copiat em sua capital os grandes monumentos helénicos. et eae ea ‘Sting Abn Th ae Bade Te Neos gas ‘eds kd homens lone, Harpe oye Serta foe mcrae na apace toe ee of ethene Bown 10s Kettner Ro Pane he 512-80, Picton Pune Unreny Fe 56:9 Re he ‘ted a ue eg, Lens, a ei 2 EW Hen The Alef Prgman, hac Corll Uerty Ms 3. 2 Roma: em 146 a.C., 20 partithar o butim entre os exércitos locos que se seguiu a0 saque de Corinto, o general romano L. A. Miimio ficou desconcertado com os lances que Atalo I oferecia pa- Jr pelos objetos a que os romanos davam pouca importincia: ele ‘egura odireito de preempgio de uma pintura de Aristides (com Inuis de ur sécul), que enviaimeciatamente, com algunas estas, tn oferenda aos deuses de Roma. Jé se considerou esse episédio’ Corn data do nascimente simbalico do objeto de arte e do ato dle colecionéelos entre os romanes. Os objetos gregos espoliados pelos exércitos romanos come- ‘sam por entrar discretamente no interior de algumas residéncias| juatricias, mas seu status muda no momento em que Agripa pede {que as obras entesouradas no recéndito dos templossejam expostas 1 vista de todos, luz viva das ruas e dos grandes espacos pibicos. Desde entio, como acontece com tanta freqincia em outros Jonnios, Roma oferece um espeticulo ambiguot, sobre 0 qual shar do século XX fica tentado a projetar os valores e atitudes da sociedade ocidental, pés-medieval ou mesmo atual. Roma conhe- ‘ce colecionadores de arte, eruditos como Asinio Pélio, refinados ‘como Atico, vorazes como Seneca, desconfiados como Cicero, apai- xonados como Verres, a ponto de perder a vida por ela. Roma co- nhece um mercado de arte, especialistas, falsérios, corretores. Roma espoliou a Grécia em escala equivalente & das pilhagens napoleBnieas: pense-se nas quinhentas estatuas de bronze tiradas do santusri de Delfos e cujos restos se encontram atualmente no palicio de Dioeleciano, em Split, eno de Adriano, em Tivoli, Roma ussistiu & construgio — executada a mando deste ciltimo impera- lor dentro dos limites da mesma mansio Adriana — do primeiro rmuseu de arquitetura em escala natural ‘A comparagio com a modernidade ocidental deve, contudo, + relativizada. Na verdade, nenhum principio prosbe a destruicSo los edificios ou dos objetos de ate antigos. Sua preservagio se deve 3. Talo. op- ep. 195: demos ns reportar is migestes de Veyne especialmente rm Le Pai ele cingue Pts, Le Sal, 1976, em Llegte rtique romaine, Par, Le Seu, 188), tat mai ineressintes pr ser owtorofednco de uma epistemologa da dferes a causasaleatérias. Além disso, nem os bens méveis cdlecionados (esculturas, pinturas, vasos, camafeus) nem os edificios antigos {relgiosos ou civis) admirados so invests de um valor histric. Dois tragos — étnico e cronol6gico —marcam sua diferenga em relagio aos monumentos e a0 patriménio histérico ocidental. fados 0s objetos que encantaram os atilidas, depois os romanos, ‘io de origem grega’. Com excecio de algumas obras do comeco do século VI, eles pertencem exclusivamente aos perfodos clissi- coe helenistico. Seu valor nio se prende a sta relagio com uma histéria & qual conferissem autenticidade ou permitissem datar, nem a sua antigiidade: dio a conhecer as realizagSes de uma civi- lizagio superior. Sic modelos, servem para suscitar uma arte de viver e um refinamento que s6 0s gregos tinham. Os atlidas que- rim fazer de sua capital um centro de cultura grega. Os romanos procuravam impregnar-se do mundo plistico grego pela visio, assim como procuravam imbuir-se do pensamento da Grécia pelo uso de sua lingua. Nao se tratava de ura medida reflexiva © cognitiva, mas de um processo de apropriacio: fragmentos de ar- quitetura ou de escultura, objews de artesanato grego, que adqui riam um novo valor de uso uma vez assimilados a decoragio das termas, da rua, dos jardins piblicos e privados, da residéncia, ou ‘ainda apés terem sido transformados em reposit6rios da vida do- rméstica, Enfim, a mesma prudéncia deve ser observada quanto & terpretagio do valor estético atribuido as criacdes da Grécia cl sica. E verdade que uma nova experiéncia da beleza, mediatizada pela consciéncia, desenvolye-se a partir do século tl a.C,, mas, em sera, ela continua subordinada aoutras categorias de prticas. Além disso, percebem-se, na maioria dos colecionadores, motives est nnhos ao prazer proprio da arte: prestigio® para os conquistadores, ‘esnabismo para os novos-rices, cro ou prazer do jogo para outros. 5. Ver atgs fandamental de Gros “Les statues de Syracuse et les ieux’ de “ent case politique romaine lind I sic svantJ-C.’, Revue des sues latins, ai, Les Belles Lees, 1980, (Os despjos de guerra e us quantidade small o valor mitar daquees que ‘os levom em trifo a Rory em deafles que os fancseslmitaram durante 3 Reval de 1789 eno Sal das crpanhas de Bonaparte. u Mos as mesmas tendéneias, poder-se-ia perguntar, nio caracteri- 1m grande parte dos colecionadlores de arte atuais?Além disso, © estilo e 0 comportamento do amante da arte parecem manifestos {unto em Pérgamo quanto em Roma, onde Sila’ foi o iniciador de Verres. Entretanto, as preferéncias ¢ escolhas no sio orientadas por uma visio do passado. Para que se possa, com razdo, falar de nonumento histérico, falta a essa época o distanciamento da his- ‘ria, apoiado num projeto deliberado de preservacio. Restos antigos e humanitas medieval AA relagio que se mantinha com os monumentos da Antigdi- dace clssica, entre a época das grandes invasoes e o fim da Idade Média, parece menos complexa. Em uma Europa coberta de monumentos ¢edificios pablicos pela colonizago romana, esses séculos causaram uma terrivel des- truigav. Dois fatores principais levaram a ago. De um lado, 0 prose- litismo cristio: certamente as invasées birbaras dos séculos Vi € Vil devastaram menos que o proselitismo dos missiondrias & mesma Epoca, ot 0 dos monges tedlogos que, no século XIN, transforma- m em pedreira o anfiteatro de Treves, demoliram 0s anfiteatros cle Mans (1271) € @ templo de Tours. De outro, a indiferenca em relagdo aos monumentos que haviam perdido seu sentido e seu so, a inseguranga ea miséria: os grandes edificios da Antighidade io transformados em pedreiras, ou entio recuperados e desvir- tuados; em Roma, no século XI, os arcos do Coliseu sio fechados, ‘ocupados por habitacSes, depésites, oficinas, enquanto na arena se constréi uma igrejae a fortaleza dos Frangipani; o Circus Maxi- ‘mus se enche de habitacées, que sio alugadas pela congregacao de Sii0 Guido; 08 arcos do teatro de Pompéia sio ocupados por co- Tic ea epecaimenteapegado awa exatcta de our de Apolo, a panto de lew em toda esse eampaas. Pode-se perguntar também quanto hava de ‘pesto nese comportaments 5. im Roma, um decreto legals em 459 espoliago dos edifice “eno estado merciantes de vinho e por trattore, os do teatro de Marcellus, por ‘rapeiros, adeleiros e tabernas. Na Provenca, os anfiteatros de Arles, sio transformados em fortaleza; suas arcadas sio fechadas, cons- tr6i-se um quarteirio de habitacdes sobre suas arquibancadas e cedifica-se uma igreja a0 centro’. Até nos arcos de triunfo erguem- se torres de defesa, como a que foi erigida no século XII sobre o arco de Sétimo Severo pelos Frangipani [Nessa mesma épuca, nv entanto, grande ndmero de obras ¢ de edificios do paganismo foram objeto de conservagio delibera- dda, estimulada de forma direta ou indireta pelo clero, que se tor- nara o tinico depositério de uma tradico letrada!®¢ da humanitas antiga. Monumentos ou patrim@nio histérico precoce? Nao pode- mos responder antes de tentar analisar as motivagoes dessa atitude de preservacio. Razées priticas de economia, em primeiro lugar, adotadas «em tempos de uma crise em que a populacio era dizimads, a cons- trucio dispendiosa, as tradigdes artesanais decadentes. No século VI, a atitude do papa Gregério I exemplar. Em Roma, toma a si a tarefa de manutengio do parque imobilidrio, e pratica uma politi- cade reutilizacio que ser continuada por seu sucessor Honéric: as grandes residéncias patricis sfo transformadas em monastérios, suas salas de recepeio em igrejas. Exteriormente, ele recomenda ‘05 missiondrios: “Néo destruam os templos pagios, mas s6 05, {dolos que neles estdo. Quanto aos edificios,limitem-se a aspergi- los com agua benta ¢ neles colocar seus altares ¢ reliquias” A conduta do bernardo-eremita* ¢ elevada a doutrina 3 Ess "hers" fram destruldoseomonimento fl dscbstrudo em 1837, {As Arenas de Nimes slreram mesmo proceso. Cl. 95. 10. L Marou, Histoire de Péducaton dan UAmigut, 2, Pais, Le Sei, 1948, thneciimenteo capstlo sobre "O crim ea educagto cscs, no qual ‘Shutormestra Que os primes cso," intranigentes em Su deseo de uptra com o mando gioco ere lo param de denuncar, ao cae am ua excola de inepirasSo reli, dstita da escola agi de tipo cisco ‘ue preci ser uma necessadeimperstiva —, mas onservara 0s mE dor da cxola cli, 11. De scordo com J. Ahmar, op. Rernardoeremit:crusticeo que vive em conchasabandonadas de outros smoliscos (N-T) O interesse utlitério nio era 0 nico, porém, na preservacio dos remanescentes antigos. Outros motivos relacionavam-se 20 saber literdrio e & sensibilidade. Monumentos e objetos pagios traziam aos clérigos 0 eco de textos familiares. O interesse ¢ 0 respeito por esss obras sio coerentes com 3s posses da Igeja ‘em relago s letras a0 saber clssco, ora promovidos em nome das “humanidades?, ora condenados por paganism, Assim, o apoio 3 faumanitas e is artes antigns culmina durante erres breves © parciais renascimentos que Panofsky chamou de renascenses'?, nos séculos VIL € IX, no contexto da politica carolingia, depois nos séculos XI € XI, impulsionados pelos grandes abades humanistas. Quando Guilherme de Volpiano, Gauzelin de Saint-Benoit-sur- Loite, Hugues de Cluny, depois Hildebert de Lavardin, Joao de Salsbury, Sugr de Saint-Denis, ou Guibert de Nogentvioa Roma, com todo o entusiasmo de sua cultura céssca que admiram os ‘monumentose procuram identifci-los. Encanto intelectual, claro, mas também sensibilidade: as obras antigas fascinam por suas dimensdes, por seu refinamento e a maestria de sua execucio, pela riqueza de seus materia, Tesou- ro, comma aura de maravilhoso, las se ntegram a uma das as “estéticas" da Idade Media, agquela que Suger defende contra Bernard de Clairvaux. Quando o abade de Saint-Denis manda consertar 0 mbilirio de sua grea, ele admira“o trabalho mara- vilhoso”, “a suntuosidade faustosa” de um painel do altar feito por “artesios barbaros [...] mais faustoso que os nossos” ¢ “a escultura nui dlicada, que hoje no encontra igual, [das] pastihas de mar- fim [da cadeira)’, que vai além de qualquer expectativa humana pela “descrigao que oferece das cenas antigas’ TZ. Panofsky, Renaissance and Renascences in Western Art, Estocolmo, Almavist td kel, 1960, tru Trancosa La Revatstnce et ses avai-conrrer, Piri, Flammarion, 1976 13.0 terme, evdentemente,¢ Impriprio.Permito-me empregé-lo remetendo 2 Imagstral obra de Ede rayne, raderderhéigue madiovale, Boge, 1946, teimpressi, Genebr,Slathing, 1975, 14 Memoire de ab Super srr adninistracion abba “De administration” XXKIll¢ XXXIV, cto segundo a edigio de E. Paoli, Abbot Soger onthe “Abbey Chucho Sain Dents, op. 7 (valor quase migico atribuido aos remanescentes da Antigi- dade, a curiosidade que despertam, o prazer que eles oferecem aos olhos sio exemplificados nos manuscritos de dois clérigos do século Xt. Com seus Mirabilia urbis Rome, Benedictus, cOnego de Sto Pedro, apresenta, por volta de 1155, o primeiro guia dedicado cexclusivamente aos monumentos pagios de Roma, no qual as iden- tificagbes gerolmente fantacstas fo, porém, sempre ligadasalem- brancas hiterdrias. Quanto ao jursta inglés conhecido pelo nome cde Magister Gregorius, ele nfo sabe se deve atribuir as maravilhas visitadas durante sua viagem a Roma 8 magia ou 20 trabalho dos hhomens!®. Quando conta ter percorrido muitas milhas, por trés ve- 2es, para ir admirar no Quirinal uma Venus executada com “uma pericia tio maravilhosa inexplicavel, que ela parecia se ruborizar coma prépria nude’, ele revela ocomportamento de um amante daarte. Devemos enquadrar na mesma categoria seu ilustre com- patriota Henrique, bispo de Winchester, que Joio de Salisbury, também colecionador de estétuas antigas, descreveu como um ver- dadeiro obcecado por arte antiga'® ‘© interesse € 0 entusiasmo suscitados pelos monumentos antigos nos proto-humanistas do fim da Antigiidade e da Idade ‘Média jé nfo antecipam a experiéncia dos humanistas do século XV? A confiar nos entusiasmos eno lirismo dos autores medievais, poder-se-ia acreditar nisso. Uma diferenca insuperével, porém, ‘opée as duas formas de humanismo e suas respectivas relagdes com a Antigidade: a distincia (histrica) que o observador do Quattracento estabeleceu, pela primeira ve2, entre o mundo con- temporaneo, a0 qual ele pertence, ea longingua Antigtidade cujos vestigios estuda, Para os clérigos do século Vil ou do Xit, o mundo antigo é a0 mesmo tempo impenetrivel ¢ imediatamente préxi- mo, Impenrtrdvel, poi os terrtérios romanos out romaniradls tor- naram-se cistios, a visio pagi do mundo nao vigora mais, ela nfo & mais concebivel. As expressbes literdrias ou plisticas, tornadas indecifréveis pela perda de seu referente, reduziram-se a formas ‘5 Nevracio demivablibuurbis Roma, inde RB. C. Huyghens, Leyden, 1970 16 Em sus Historia pontifical. © epgrma de Horio “neat stata vteres Daas emende” fo plicads 1H. de Winchester por ambi, 90 que le sespondeu que o trabalho das ecallrespagios era bem spettor a0 des sts 38 vazias. Préximo, pois essas formas vazias, a0 alcance da vista ¢ da ‘mio, sio imediatamente passiveis de transposicio ¢ transpostas para 0 contexto eristio, em que sio interpretadas de acordo com cédigos jé conhecidos"” Henrique de Winchester ou Gregorius talvez sejam brilhan- tes excegies. Como quer que seja, a formulacio e as férmulas da admiracio nio devem ser dissaciadas de seu contexto. Quando, ‘no comeco do século XH, em seu grande poema sobre Roma, Hildebert de Lavardin se extasia diante de um trabalho que no poderd ser “nem igualado", “nem refeito", e quando evoca a “pai- xxio dos artesios" (studio artificium) que foram responsiveis por esas imagens que a natureza nao seria capaz. cle produzir, nio de vemos nos esquecer de que ele comesa por louvar a mutilacso (purificadora) da Cidade, cujas exigéncias so insustentiveis e cujos restos! ele pode doravante desfrutar com a consciéncia tranqiil R. Krautheimer salientou essa ambivaléncia, chegando mesmo a interpreté-la por um enfoque de amor-6dio, Ele mostrou, além disso, como o proto-humanismo se apropriara,literalmente, dos remanescentes do mundo antigo, cristianizando-os. ‘Aauséncia de distanciamento, também descrita por E, Pano- faky em suas anslises da transmissio das formas e dos temas anti- gos durante a Idade Média", € 0 denominador comum de todas as ‘condatas relativasheranca da Antigtidade greco-romana. Bernard cde Chartres e Gilbert de La Porrée aplicam ao idealismo platSni- co € as categorias de Aristételes os paradigmas da teologia crista Um escultor romanico integra monstros antigos na representacio cde uma cena biblica; um iluminador veste com trajes medievais os herdis da mitologia grega. O mesmo se dé com relagio aos objetos ‘ou monumentos da Antigiidade: quaisquer que sejam o saber das 17 Abelardo retoms, para defender 0 estudo da Mteratura cissica, o angumento de Santo Agostinho: “Propterelaquié vente et membrorionpulhrtudinom” (Cpr ere rca den para a eles de ew Creer") 18. Uma pre do dople pocma de Hildebert é reprodusda por R. Kratheimer, op itp 2002. 19.CE Renaissance and Renacencer, op. it, ¢ também E. Paofiky ¢ F. Sex ‘Classical Myth in Mediaeval Ar", Metropolitan Musewn Studies, 1932, ¢ 4 Seamec, La Survioce de dies antiques, Landes, Ito Warburg, 1940 9 pessoas que deles dispdem e o valor que Ihes ¢ atribuido, eles sio assimilados diretamente € introduzidos no circulo das préticas cist, em que se tenha criado a sua volta a distincia simbélica e as interdigdes que uma perspectivahist6rica fatalmente implica- ria. A alteridade de uma cultura estranha ndo poderia ser assumi- da, Os edificios sio investidos de inocéncia e familiaridade, sem hhesitagio nem escrpulo, como o sio as formas plésticas € 05 tex- tos filosaficos. “Méveis ou iméves, as criagdes da Antigtidade nao desempe- ‘nham, pois, 0 papel de monumentos histdricos. Sua preservacio 6 de fato, uma reutilizacio. Ela se apresenta sob das formas dist tus: reutilizacéo global, combinada ou nao com reformas; fragmen- taco em pegas e pedacos, utilizveis para fins diferentes e em. lugares diversos. Suger tinha como célice™ um precioso vaso antigo de pérfiro, cengastado, por um ourives medieval, entre as pats, as 3835 € 0 es- ‘coco de uma guia de prata dourada. Da mesma forma, o palécio {imperial de Treves foi transformado, no século IX, em uma cate deal cuj piso, “constitda de mérmores de diversas cores”, € a5 portas, ‘ecobertas de um ouro avermelhado semelhante ao jacin~ ‘to mui claro", sio admirados pelo bispo Hincmar”; em Vienne, no Lyonnais, o templo de Augusto e de Livia, depois de eliminado ‘omuro de sua cella, transforma, nessa mesma época, na igreja de Notre-Dame-de-laVie ‘Os monumentos antigo ndo sio, contudo, apenas “reciclados"; eles também so, com a mesma simplicidade e desenvoltura, cor- tados em partes e pedacos, incorporados em seguida a constru- ges novas, para embelezi-las e decoré-las. Alifs, nem sempre é ficil distinguie o que é uma reutilizacio, mesmo espoliadora, do que J. Adhémar considera uma verdadeira obra de preservacio™ Colunas,capiteis,estatuas,frisos esculpidos sto, desse amo, ret rados dos edificios que faziam a gloria das cidades antigas. A par- 20, Hoje conaervad no Louvre, 21, Ciado por J. Adhémar, op 22, Segundo Adhéinar,oprandessbades conserva ees novos uss (os m0 ‘numentos antigo oma o ico men de preserves econservar Thea (iad posted, op. p. 104 0 tir do século VI, Roma é a maior fonte de materiais prestigiosos para os novos santusrios, erigidos em seu proprio territ6rio (Saint= Laurent-hors-les-Murs, Saint-Pancrace, Sainte Agnes, etc.) ou em ‘outros lugares na prépria Itlia e em outros paises, Carlos Magno manda vir de Roma e de Ravena, com a auto- rizagio do papa Adriano I, os mérmores ¢ as colunas que iria utili- zar em Aix-la-Chapelle e em Saint-Riquier. Desiderius manda buscar em Roma cohunas, bases e capiteis para sus abaclia do Mon- tecassino (1066). Suger, ampliando Saint-Denis, se desespers ‘Onde vou encontrar colunas de marmore ou semelhantes 30 rmore? Eu pensava nisso, refletia, procurava nas regides mais

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