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Thomas H. Ogden Reverie e Interpretacao Captando algo humano ‘Tradugao de Tania Mara Zaleberg 6 escuta So Pal: set, 201. 4 Privacidade, reverie e técnica analitica Considero esta a tarefa mais elevada para duas ‘Pessoas: que cada wna protejaa sliddo da outra, RM, Rilke, 1904, Debussy acreditava que misiea era o espago entre as notas. Pode-se dizer algo similar da psicanslise. Entre as notas das palaras cits, que constituem o didlogo analitico, esto as reveries do analista e do analisando. Nesse espaco ‘ocupado pelo interjogo de reveries € que se encontra a msica da psicandlise Este eapftulo representa a tentativa de examinar certos métodos (téenicas), dos quais nos, analista, dependemos para ouvir essa misica. ‘Neste capitulo e no proximo, tentarei deserevertrés Jmplicagéesdistntas, mas inter-relacionadas, paraatéenica psicanalitica, derivadas da compreensio da relagio entre Drivacidade, comunicagio ea vivencia do“treero analitico exsubjetivo" (Ogden, 19922, b; 19948, b,¢, d). Como se discutiré,aeredito que a eriagéo de um processo analiticn depende da capacidade do anslstae do analisando partici- parem do interjgo dialético dos estados de “revere” (Bion, 1962) que slo, ab mesmo tempo, privados e inconsciente- ‘mente comunicativos. 104 Reverie e nterpretagio Apés discutir brevemente o conceito de tereeiro analitico, abordarei o papel do uso do diva como compo- nente da estrutura analitica, o que levaré a diseussa0 da relago do papel do diva com a frequéncia das sessdes. Proporei, entéo, que a “regra fundamental” da Psieandlise, tal como apresentada e deserita por Freud (ag00, 1912, 1913) nfo ajuda na failitago de condig@es para «que o analisando (e o analista) gerem reverie e, na verdade, frequentemente impede a criagio do processo analitico. ‘Sugerirei uma nova conceituacio da regra fundamental ‘No préximo capitulo, reconsiderarei crencas habitual- ‘mente mantidas acerca do trabalho com sonhos em anélise sugerirei abordagens alternativas fundamentadas na ‘concep¢io do processo analitico como um interjogo dialético das subjetividades do analista e do analisando, resultando na eriagio de um “espago onftieo intersubjetivo". O sonho tido no curso da anilise é, de certa maneira, 0 sonho do terceiro analitico. Seré apresentado um fragmento de trabalho analitico em que se conceitua etrabalha um sonko ‘como produto do espaco onfrico analitico intersubjetivo. O terceiro analitico Nos iltimos anos, desenvolvi uma concepcio de pprocesso psicanalitico baseada na ideia de que, além do ‘analista e do analisando, hé um tereeiro sujeito da andlise a0 ‘qual me referi como o “Yereeiro analitico intersubjetivo", ou simplesmente “o tercciro analitico” (Ogden, 1992a, b; 1994a, », ed) (Ver Baranger, 1993 e Green, 1975 para concepgbes afins da intersubjetividade analitica). O terceiro sujeito (ntersubjetivo) da andlise esta em tensio dialética com © analistae o analisando enquanto individuos separados, cada qual com suas préprias subjetividades. Analista ¢ ‘analisando, eada um participa da construglo intersubjetiva ‘nconsciente (0 terceiro analitico), mas fazem-no de maneira Privacidade, reverie etéeniea analitica 105 assimétrica, Mais especificamente, a relagio dos papéis do analsta e do analisando estratura a interagio analitica de uma forma que privlegia, rigorosament, a investigacio do ‘mundo objtalintemo inconsciente do analisando. Isso se 4é porque propésito mais fundamental da reagéo anaitca 0 de judar oanalisando a fazer mudangas psicologicas que lhe possbilitem viver sua vida de modo mais plenamente ‘humano. Privlegara investiga da vida inconsciente do analisando dé-se através do uso que o analista faz de sua pritica eexperiéncia, ao empregar seu proprio inconsciente ba fc de receptor do nso (ren, 923.299) do inconsciente do analisando. ‘A experiéncia do paciente e do analista em relacio a0 tereeito analitico intersubjetivo € assimétrica, no 86 quanto forma pela gual cada um colabora em sua cons- {tugio e elaboragio. & assimétrica também no sentido de que analistae analisando, vivenciam o tereeiro analitico no contexto da sua prépria personalidade individual, que se estruturae desenvolve pela sua prépria forma de orga- nizagio psicol6gea, suas proprias estratificagiese ligacbes de significados pessoais derivados da totalidade de sua historia e do seu conjunto tnico de experiéneias vtas, seus modos proprios de organizar e experimentar sensacdes fisicas,e assim por diante. Em suma, o terciro analitico rio é um evento Gnico vivenciado de modo idéatico por dduas pessoas; a0 contréio, é um conjunto de experiéncias inersubjetivas conscientes¢ inconscientes,construido e Vivenciado conjuntamente, mas de modo assimeétrico, em ‘que partcipam analistaeanalisando. 0 papel do diva no processo analitico Nesta parte da diseusso, atenho-me a algumas impli- cages do conceito de terceiro analitico para a téenica na 106 Reverie e interpreta medida em que se apoia em um elemento importante do ‘enquadre analitco: 0 uso do diva. ‘Ao abordar a questo do papel do divé como um aspecto da estrutura analitica, 6 necessario comegar com a dificil pergunta sobre que elementos sio essenciais na constituigdo da psicanilise enquanto processo terapéutico, Aestrutura deve servir ao processo e, portanto, a fim de banho mas descobriu que nenhuma das cabinas tinha cortinas nos chuveiros. Havia uma porta ‘modesta e despretensiosa que parecia uma porta de Danheiro e que conduzia a um adorével apartamento decorado nas cores preferidas da paciente, vermelhos fe marrons profundos. A sra. J. disse nao ter pensa~ ‘mentos sobre o sonho, Cogitei em voz alta com o dr. E, seo sonho poderia refletir um sentimento doloroso implicito de falta de privacidade na transferéncia- “contratransferéneia. A porta “modesta” conduzia ‘a um espaco vital (um espaco em que a paciente poderia estar viva em privacidade). Era um lugar ue refletia seu estilo proprio. Ru disse que as cores ‘vermelho profundo e marrom pareciam sugerir que a vivacidade sexual fazia parte do que estava sendo imaginado e vivenciado pela paciente no sonho e, talver, almejada na transferéncia. Durante a discussio desse sonko, perguntei a0 dr. E, se ele dissera a sra. J. que sua tarefa era dizer tudo que Ihe viesse & mente. Ele disse que falara, no ‘comego da andlise (sete anos atrés), mas a instrugio ‘nunca mais fora mencionada por nenhum dos dis. Levantei a possibilidade de que o sentimento do dr. E, de ser intrusiva e dolorosamente observado ‘e exposto pela sta. J. poderia refletir algo da expe- rigneia projetada da paciente de ter seu mundo Privacidade, reverie etéenicaanalitca 19 interno sadicamente roubado. Parecia possivel que esta fantasia destrutiva de pilhagem ocorria porque ambos, analista e analisanda, tinkam ficado subju- gados por uma autoridade imaginaria, a “regra fundamental" e tudo que isto simbolizava para eles. (E-dlaro que nenhum fato singular, como a instrugio do analista para a paciente dizer tudo que The vier & ‘mente, determinaré o curso de uma analise. No caso discutido, as instrugdes do analista,relativas & regra fundamental, foram a manifestagio de uma cons ‘trusio intersubjetiva que se desenvolveu gradativa- ‘mente em que analista e analisando estavam presos em uma armadilha.) Ocorreram profundas discussées desse aspecto da transferéneia-contratransferéncia durante 0s ‘meses sucessivos de consulta, Um elemento dessa discussdo envolveu a revelagao de que o dr. F. tomara a regra fundamental como um “dado”, em parte porque isto servira de componente principal ‘no contexto em que sua anélise fora conduzida. dr. E, reconheceu que sua falta de reflexio sobre este aspecto da interagdo analitica poderia sera atuaco* ddo seu ressentimento a respeito deste aspecto da sua propria experiéncia analitiea e suspeitou (com base ‘em outras reverie ocorridas durante assesses com a sra. J.) que, na anélise atual, pudesse estar envolvido em uma fantasia em que havia uma reversdo retalia- toria de papéis. O dr. E. finalmente disse & paciente que acontecimentos recentes da anélise tinham-no feito rememorar 0 sonho dela sobre os chuveiros pblicos sem cortinas. Ele ligou essa imagem com ‘No orignal: acting out. (N. da.) 120 Roveriee nterpretagio 6 fato de té-ainstrufdo a dizer tudo que Ihe viesse a mente, 0 dr. E. disse a paciente ter esperanca de aque a andlise por ele eondurida pudesse resultar em ‘mudangas tanto nele quanto nela. Uma mudanga que tinha ocorrido durante os sete anos anteriores fora 0 ‘que sentia em relagio a pedir paciente que dissesse tudo que Ihe viesse& mente, Chuveiros deveriam ter cortinas e a anélise deveria ter lugar para a priva- cidade. A paciente ficou bastante aliviada com os ‘comentérios do dr. E, Mais tarde, na sesso, ela disse ‘que achara muito significative 6 fato de el ter-The falado com tanta sinceridade. 0 dr. B. disse-me que nfo se lembrava de a sra. J. alguma vez ter expres- ‘sado gratidao de forma tio direta e comovente Reexprimindo a regra fundamental Se oss colocar em palavra, para mim mesmo, minha visio do papel do analisando com relagio a comunicar e a no comunicarno setting analitico, suponko que comecaria, pela ideia de que comunicagio e privacidade devem ser consideradas como dimensoes da experiéncia humana, cada qual crando e preservando a vitalidade, “o senso de real” (Winnicott, 963, p. 184) do individuoe da experiéncia analtica, Formilado como breve enunciado ao analisando, teria a seguinte forma: “Considero nossos encontros como tum momento em que voeé pode dizer o que quiser, quando quisr, e para eu responder do meu jeto. Ao mesmo tempo, deve sempre haver lugar para a privacidade de cada de nés”. f um enunciado longo e bastante estranho, e no tenho certeza de alguma verter dito exatamente asin aun analisando. Acho que me soa bombsstico, em parte, por set «um comentario imaginirio destituido do contexto pessoal de uma interagio humana especfia. Nio obstante, eapta ‘boa parte do que eu, frequentemente, digo a mim mesmo , quando se apresenta a ocasiio, do que digo ao paciente.* E froquente o analisando ter lido a respeito da “regra fundamental” ou inventado uma versio para si (por exemplo, tomando como base a experiéncia com pais que Ihe exigiam “dizer tudo”) ou “aprendido” a regra fandamental por experiéneia em uma ou mais anilises anteriores. Nessas circunstancias foi essencial falar com © paciente a respeito da concepcao dele das “regras da anélise” relativas a associagio livre, ie, as regras dele relativas ao que 6 dito ao que € deixado por dizer, entre 0 que deve fazer-se piblico e o que “se permite” permanecer privado, Diversos pacientes me disseram, baseados em suas cexperiéneias anteriores de andlise, que vieram a supor que todas as andlises evoluiriam no final para duas formas de dislogo, uma falada, outra secreta, por causa da “regra de dizer tudo". No decorrer dessas diseussdes, mais cedo ou ‘mais tarde, esclareei que minha concepefo de andlise nao rrequer que o analisando tente falar tudo o que Ihe vem ‘2 mente. Tanto o analisando quanto eu devemos estar sempre livres para a comunicacdo conosco (tanto em. palavras como em sensagies), bem como para a comuni cagio um com 0 outro. 2 Eis visio do papel do anliando sobreple sea comentirios Drewes fetos por Altman (197) e Gil comunicaio pesoal esta por etn, 1976) sobre suas verses pedpias da ogra fundamestal “Aka (976) sere ques fale no paeinte de modo a tans “the que oanaisand temo dteto de diner qualquer ols” (p59). ‘il (Comunicalo pessoal rlatada por Epstein 1976) sere que se {ign no analisando "Voeé pode dizer o que usar” (p. 54). Fass ‘duns afinmagies sobrepdem-e ao meu todo de penser, embo ‘dsum menos Enfage do queen & importa central da privacidade ns experiéncia analitics, saa Reverie Iterpretagio __ Nao me parece que andlises conduzidas ou super visionadas por mim, enquanto espaco analitico em que a privacidade é tao valorizada quanto a comunicagio, levem a impasse analitico em que o siléncio, por exemplo, sitva como forma ndo analisivel de resisténeia. Quando ocorreram siléncios defensivos, por periodos longos,

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