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ene INTERNET E POLITICA Teoria e Pratica da Democracia Eletrénica ees Marco Cepik eruec José Eisenserc Marco Ceri Organizendores INTERNET E POLITICA TEORIA £ PRATICA DA DEMOCRACIA ELETRONICA Belo Horizonte Editora UFMG 2002 © 2002 by Baltors UEMG JsieIlvro Ou parte dele ao pode ver reprodunsio por qualquer melo sen sutorizagae ebarits do Editar 61 nerset e Polen toch € pels dt Gemocruch eletbake / fox Beers, to ep exgnizzde el Heres Eo uni6, 250, 3515p amet sr 70403062 1. toteret (edo Canpages Skat 2, Yeas Astformagto Jost Buerken, Ty Mons cepat Tn See 00% 50025 cou. Ss T4688 Caalegacto ne publcagto: Divisio de Planojamento e Divulgigho da Biblioteca Watversitania = UEMG EDIFORAGKO DE TEXTO: Ana Maria de Morses REVISKO DE TEXTO B NORMALIZAGAO: Moria Stele Souen Reis PROJETO GRAFICO: Glérin Campos = Mange CAPA: Cansio ibe REVISAO DE PROVAS: Barbara Christine Fencita Silva Edlene Soares és Cruz PRODUGAG GRAFICA: Warren de Marllge Santos FORMATAGAO: Clssio Ribeico UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS oronsr Ana Lela Almeida Gazzote VecerRero%: Marcos Borato Viana EDITORA UFMG Av. Antbate Carlos, 6627 As Oiteta a Biblioteca Central = Téireo Campus Prmpulhs 31270-901 - Belo Hosteome/iG ‘Tels GU) 3495-4630 - Fax (31) 3499-4765 Benall Edilora@bsating br = www ediorfing be CONSELHO EDITORIAL . rewves AniOnlo Late Pinho Bibeleo, Bestri: Revendte Dantas, Catlos AniBate Late Brando, Heloisa Marin Murgel Starling, Luiz Otdvio Fagundes Amaral, ‘Matis Helene Damusceno © silvs Megale, Rome Cardoso Guimaties, Wander Melo Miesada (resdente) Somes Giisisno Machado Gent, leonardo Barc Casreta, laters Jost: Bretas dos Santos, Maria Aparecida dos Sontos Balva, attriio Nunes Vieira, Newton Bignotio de Souza. Reinaldo Martniano Marquee, Reardo Gistinheles Pimente. Figueiredo AGRADECIMENTOS Gostariamos de deixar registrada aqui o nosso agracieci- mento para as instituigdes e pessoas que tomaram possivel a realizagao do seminério internacional € a edigao deste livro. ‘Antes de mais nada, agradecemos 2 PRODABEL, empresa de informatica da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que patrocinou a iniciativa ¢ contribuiu decisivamente para fa construgao deste intercimbio vital entre 2 universidade e 0 poder piblico. Agradecemos também ao The British Council pelo apoio logistico e financeiso a0 evento, bem como & Fundagao de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDED) da Universidade Federal de Minas Gerais (EMG), que financiou © projeto desde © inicio, Agradecemos ainda ac Laboratério de Giéncia da Computagto (LCC) da UFMG por ter adminis- trado a dlistincia todas as atividades do seminirio, & Maya Mitre, que contribuis de imémeras maneiras para a realizagio do semindrio € para a preparacio do manuscrito deste livzo € 2 Charles Spencer Bacon, que traduziz todos os textos, com excecdo do ensaio escrito pela prof Rousiley C, M. Maia. PARTE suMARIO PREFACIO| INTRODUGAO INTERNET £ TEORIA DEMOCRATICA POSSIBILIDADES DEMOCRATICAS VIRTUAIS DPeRSPncTiAs Da DENGCRAC A Win INTERNET James 5. Fisbhin REDES CIVICAS E INTERNET Do anuioere mrowianvo BEND As CONDIGONS pa DRLIRRRAGHO PARLICA Rousiley CM. Maia FEMINISMOS FILTRADOS Cinneseso, cOMeRCIO ELETIONCD BA CONSTREAO Bo CORIO Da MLUHER NO CIBERESINGO Anna Sampaio Jatsnt Aragon GOVERNANCA ELETRONICA ESTRATEGIAS DE GOVERNO ELOTRONICO (© cendnio wereRsacrowAl 54 pesiRvoUNETS Martin Ferguson GOVERNANCA BLETRONICA [Exeensisctas i CIDADES EUROPEIASF ALMAS LCOS PABA TASES & DEsENvoAMEETE ‘Klaus Prey 9 u y B 103 14 DEMOCRACIA ELBTRONICA EM BOLONHA, A nude Irennote n 4 consrenco mt Zoda Guta A MODERNA REVOLUGAO DEMOCRATICA Unt PEsQUtsn OWHEVA SouRE AS LEIGORS VIA TorHANT Dereb Dictson Dan Ray EXCLUSAO DIGITAL A DEMOCRACIA DIVIDIDA A TTF 9 PaRTicINGAO POLICA Hs EstAnES Usio08 Anthony Wilbelin INTERNET F DESENVOLVIMENTO ‘Un Acess0 8 NPORNAGG COM MAIS EQDHDADE? Michel Elie INTERNET E AS INSTITUIGOES POLITICAS SEMIPERIFERICAS “Jose Eisenberg ‘Marco Cepib SOBRE OS AUTORES 164 wi 235 a 293 PREFACIO Seria arriscado € mesmo enfadonho repetir, no preficio «le um livro que aborda 0 papel da internet na reconfiguragao das formas de governo e exercicio da demacracia, dados estatisticas sobre a velocidade de evolucao das tecnologias de informagio € comunicagio ou sobre a crescente presenca dda Internet na vida das pessoas. Arriscado porque qualquer dado ou estatistica apresentado aqui estaria imediatamente condenado @ obsolescéncia, como tudo nessa area. E enfa- donho por ser insuficisnte, J que a maioria do que se pode captar nos micios de comunica¢io sobre a Intemet atualmente é teflexo de uma sensagio de espanto, de deslumbramento mesmo, um amontoado de constatacdes Obvias desprovidas de uma reflexiio mais profunda, essa sim realmente necessfiria nesse momento. A imprecisdo nas previsdes acerca dos impactos sociais € politicos das tecnologias de informagio e comunicag2o decorre tambem da dificuldade de compreender e de lidar com fendmenos que evoluem exponencialmente. Quase sempre erramos qualquer previstio baseada em progressio geomézrica, Quem nao se lembra das previsdes malthusianas sobre a fome no mundo? Em fendmenos dessa natureza, 2 sutil atuacao de fatores externos leva a pequenos desvios de trajetdria, que acabant produzindo efeitos muito grandes mais adiante, anulando assim as previsdes. £ © mesmo caso do crescimento da Internet. Sempre hé quem acere com razoavel precisio a quantidade de inter- nautas que tereinos no proximo ano; mas quem seria capaz de definir o papel da Internet no cotidiano brasileiro de, digamos, 20107 Até que ponto 2s atunis politicas de univer: salizagao do acesso poderio contsibuir para a reducho da exclusio digital? Que papel terdo outras inovagbes tecnol6- gicas e a propria evolugao do contexto social? Como nao screcltamos ser possivel planejar detalhadamente © futuro, podemos pelo menos nos preparar para ele, dando um passo de cacla vez, tentando corrigir 2 trajetéria da flecha no meio de seu vOo de alta velocidlade em diregio a um alvo mével, Para isso, em vez de oliiar para a frente, tentando adivinhar formas ¢ cores de um futuro nebuloso, podemos olhar para os lados. A nossa volta, diversas iniciativas ino- vadoras tém tide sucesso em graus variados, estabelecendo priticas que podem nos ajudar a corrigir nossa trajeréria. Nesse processo de refinamentos sucessivos talvez possamos aumentar nosso grau de preparo para as mudangas, A dupla contribuigto do livro que o leitor tem em suas mios é portanto, a de oferecer uma reflexio te6rica séria sobre a relagio enire Internet e democracia e, no mesmo tempo, disseminar experiéncias praticas e casos coneretos de ‘usos possiveis das tecnologias de informagao ¢ comunicagao. Ao apresentar @ reflexio de pessoas ligadas a vas politicas ¢ tecnolégicas voltadas & governanga eletrOrtica, a0 ‘uso da Internet pela sociedade civil e pelos governos, & pol tica do ciberespago, a0 combate & exclusio digital, os editores elaboram um guia para orientar o debate sobre © impacto esta tecnologia na vida das pessoas. Talvez mais que um gua, um maps como os mapas do inicio da Bra dos Descabri- mentos, com tocias as diffculdades de uma tecnologia em evo- lugho, mas que foram suficientes para orientar os navegantes em suas primeiras incursdes por terras desconhecidas. A PRODABEL, empresa que recebe da administrago muni cipal dle Belo Horizonte a incumbéncia de preparé-la para © futuro, considera-se honrada em ter contribuide com a pro- dugio deste livro e espera estar presente em futuras iniciativas semelhantes, contribuindo também para o debate, qualificada pelas experiéncias que iém sido desenvolvidas e levando enx conta © que temos aprendido com os autores aqui presentes, Eugénia Bossi Fraga Diretora Presidente da Prodabel, Clodoveu Davis fr Editor Cientifico da Revisia 1? - Informitica Patslica w ee INTRODUGAO As conittibuigdes para este livro resultaram do seminirio internacional INTERNET, DEMOCRACY AND PUBLIC GOODS, promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais a0 longo do més de novembro de 2000, O objetivo do semindrio era discutir como o fenémeno da disseminagto de novas tecnologias de informacio © comunicagto (TICs) ests im- pactando @ vida politics das democracias contemporaneas. Organizado a0 redor de atividades presenciais a0 longo da primeira semana daquele més, 0 seminatio contou também com atividades a distincia, ¢ diversos textos coletados neste volume foram originalmente apresentados e discatidos pelos autores e participantes do semindrio utilizando-se de recursos eletronicos de comunicagio & distancia ‘Trés grandes tenidticas pavtaram os debates daquele evento © constituem as partes deste livro, Na primeiza parce, reu- nimos os textos que discutem como 0 surgimento das novas TICs exige uma revisto sistemtica de muitas premissas basi- cas da teoria democritica contemporinea, James S. Fishkin discure como as novas TICs alteram a propria concepcio de democracia com a qual estanios habituados 2 operar, em parti- cular o potencial deliberativo das novas TICs no contexto da crise dos mecanismos tradicionais de representacio e deciso politica em uma demecracia, Como as interagdes na Internet Formam novas recles civicas no ambito da séciedade civil, cons- situi a preocupacao central do artigo de Rousitey C. M, Maia. Jé a contribuigio de Anna Sampaio e Janni Aragon aponta para © fracasso das novas TICs em transformar os mecanismos de regulagio do corpo Feminino jf exisientes nos mefos de comunicagio de massa. ‘A segunda parte congrega textos que narram ¢ snalisam algumas das experiéncias mais importantes do cendrio mun= diat com a aplicagto das novas TICs para e implementacao de politicas piblicas. As contribuigdes de Martin Ferguson ede Klaus Frey mapeiam 0 cenirio internacional em desen- volvimento, 0 primeiro em termos mais gerais, ¢ segundo com a atengio voltada as experiéncias no plano municipal europen € 5 licdes para paises como o Brasil, As duas contri buigdes seguintes discutem experiéncias concretas, inova- doras € que transcendem os locais onde se desenvolvem, artigo de Leda Guidi descreve a experiéncia seminal da cidade de Bologna, na Itilia, onde ela coordena 0 projeto Iperbole. © texto de Derek Dictson ¢ Dan Ray discute as possibilidades € os problemas do projeto de eleigdes usando a Intemet, desenvolvide por eles nos Estados Unidos. A terceira parte dedica-se a um dos temas mais candentes no que s¢ refere a disseminagio das novas TICs: a exclusio: digital (digital divide). Um dos cientistas sociais « cumhar a expresso foi Anthony Wilhelm, que demonstra na sua contri- buisio a este livro como, mesmo nos EUA, onde as novas TICs estio mais difundidas no plano da politica, a demo- cracia americana ainda é dividida e 0 acesso &s novas TICs para fins de participagio polltica & restrito 4s camadas sociais superiores. Michel Elte apresenta um modelo para andlise do problema do desenvolvimento politico e econdmico a partir dos problemas de eqilidade relativos ao acesso & informacao. A nossa contribuigio, por sua ver, dedica-se ao impacto da nova economia da sociedide de informacao sobre instinuigoes politieas de paises semiperiféricos como 0 Brasil Temos a convicgio de que esta colegio de artigos, pela sua diversidade e pela preocupagio comum com as dimensdes politicas das novas TICs, sect uma referénefa importante para cientistas sociais brasileinas em busca de um panorama te6- rico ¢ empirico deste tema. As iniciativas governamentais de aplicagao das novas TICs protiferam rapidamente em nosso pats, sem que haja uma reflexao mais sistematica dos pos- siveis impactos ¢ conseqtiéncias destas iniciativas, ou dos resultados jf obtidos emt outros contextos, Esperamos que a publicagao deste livro marque © comeco de uma inevitivel € to necessaria transicto do debate sobre a Intemet, que 2 precisa deixar de ser apenas um tema esotérico de reflexio filoséfica de iniciados na chamada cibercultura, para ser tema concreto de pesquisa empirica e (re)formulagio teérica nas Ciéncias Sociais. $6 assim a comunidade cieniffica serA capaz de contribuir de maneira subsiantiva e pritica para © dificil processo de incorporacao das novas TICs em nossa vida democritica, 8 INTERNET E TEORIA DEMOCRATICA JAMES § FISHKIN POSSIBILIDADES DEMOCRATICAS YIRTUAIS PERSPECTIVAS DA DEMOCRACIA VIA INTERNET As possibilidades democraticas podem ser influenciadas pelas novas tecnologias uma vez que estas tém 2 capacidade de mudar a maneira pela qual as pessoas, em grande atimero, interagem © se comunicam. Como resultado, criam novas possibilidades para a configuracdo institucional de potenciais reformas democriticas — em considerago aos possiveis mecanismos institucionais de consulta 4 opinido poblica, sejam cles oficiais ou nio-oficiais. Neste trabalho, gostaria de mapear as principais formas alternativas da democracia que podem ser implementadas pela Internet e, em seguida, discutir quais 05 valores que podem ajudar 2 tornar seais aquelas formas democraticas.” Ao considerar os varios mecanismos democriticos que podem ser imptementados através da Internet, vou sne ater As respostas a duas perguntas bisicas: “o qué? e “quem? Que formas de opinitio piblica esto sendo expressas ¢ avaliadas e de quem é a opiniaio? Mais tarde, analisarei um esquema de seis ou mais possibilidades, cada qual com suas vaniagens € desvantagens, algumas mais baratas ¢ ficeis, outras quase wi6picas A fim de estabelecer um referencial para esta diseussio, apresentaret como pano de fundo as distinges que desejo utilizar, comecando com alguns momentos-chave nas re- formas democraticas, sejam eles formais ou informais. Meu foco inicial seré © contexto norte-americano, mas acredito que © debate que levanto tem repercussdes também em outros lugares. OPINIAO PUBLICA BRUTA £ REFINADA Em nossa experiéncia clemocritica até o presente mo- mento, a formulagao (@ a possivet reforma) dos processos Gemoctiticos tem erifrentado uma escolha constante ¢ repeti- tiva entre dois tipos de instiruigdes. Por um Indo, aquelas que expressani o que a opiniag piiblica de fato pensa, consi derando-se que esta opiniao poblica geraimente se vé sujeita condigGes desfavoriveis de reflexio sobre as questOes. Por outro lado, existem instiwuigdes que expressam uma opiniio piblica mais ponderada — aquilo que a opiniso publica pensaria sobre uma questo, caso obtivesse melhores con- icdes de reflexdo. A dificuldade 6 escolher entre, por ua lado, uma opiniao piblica debilitada, mias real, €, por outro, ‘uma opiniao ponderada, mas projetada, © primeiro tipo de instiruigao oferece um retrato da opiniao publica como ela 6, embosa a5 pessoas que 2 constituem geralmente ado re- fitam muito a seu respeito, Normalmente, 0 publico no é bem informado, engajado ov mio presta muita atengao. Um outro tipo de instituigtio (quando funciona bem) expressa 0 que 0 publico pensaria sobre uma questio caso fosse mais bem informado, mais engajado ou atento— embor esta opi ito mais refletida seja geralmente projetada (hipotética) por nao ser de fato compartilhada por todos. A énica saida para esse dilema seria a criaglo de uma opinito publica mais informada, engsjada e atenta, que seja a0 mesmo tempo compartithada pelo piiblico como umn todo. Esta & unta possi- bilidacle quase utépica, sob quaisquer condigdes. Mais tarde, analisaremos sucintumente se existem possibilidades de que a Internet Cou ourras instituigdes) torne moais widvel a realiza¢ao desse ideal. ‘A opiniéo publica deliberaiiva ou “refinada” (estou han- ¢ando mio do termo "refinada’, usado a famosa expresso de Madison ne Federalist n® 10, quando cle referiu-se a0s representantes como agentes para “refinar ¢ ampliar a visio do piiblico") pode ser entendida como uma opinido emisida apos haver sido testada, pensada e comparada com os argumentos @ informagoes oferecidos conscientemente por outros que tenham uma visdo oposta, num contexto onde a informacio relativamente confiavel seja disponibilizada. Ao mencionar opiniao “bruta", refito-me A opinido nao-submetida a esse ie tipo de processo, Uma das principais diferengas de que tsa- tarei 6 a diferenga entre instituicSes que podem expressar uma opinigo piblica refinada © as que simplesmente refle- tisko 2 opiniao em sue forma brata Deveriamas estar familiarizados com a opiniao poblica ruta das instituigdes da democracia plebiscitéria — inicia- tivas, plebiscitos, pesquisas de opiniaa, grupos focais.* Nos Estados Unidos, as mudangas emt direcao 3 cortsultas de opi- nifio mais diretas — digamos, através da eleigto direia dos senadores ¢ nio do método original, indireto — foram tam- bém mudangas em diregao a uma democracia mais ptebisci- taria, jf que deram maior peso & opinide piblica bruta, A rransformacao do colégio ceitorsl em um mecanismo de agre- gacio de votos, contrariamente 4 visto original (segundo a ‘qual ele deveria funciona como uma entidade deliberativa, esiado por estado), & uma mudanca semelhante em diregio h democracia plebiscitaria, Da mesma forma, o crescimento dramftico do uso das primérias divetas para a escolha do candidato 4 presidéacia, particularmente apés as reformas de McGovern-Fraser na década de 1970, representow uma mudanga no seatide de uma democracia mais plebiscitaria ‘As convengSes nacionais de partidos funcionavam como insti~ tuigdes de deliberagao de uma elite, ¢ eram estruturadas a partir da utilizagao de voragées para a escolha dos candi- datos € ent sérias discussbes sobre as plataformas partidérias ‘e questées importantes para o pais. Hoje sto extravagincias da midia, palco para os seus efeitos sobre a opiniao publica de massas, seado que a escola do candidato ja foi feta antecipadamente pela democracia plebiscitiria ~~ através das primnarias diretas. Nosso enconito mais comum com a opinite publica refi- nada di-se através das instituigdes representativas que bus cam, como pensava Madison, no sefingmento © ampliagao da visto do publico, passando-a por um conjunte seleto de cidadaos.? Na melhor das hipéteses, essas institvigoes sto sensiveis no apenas aquilo que os constituintes de fato pensam, mas ao que penstriam caso fossern mais bem infor- mados. Mais adiante, discutirei alguns exemplos de novas estratégias institucionais que preenchem de forma mais expli- cita essa segunda alternativa, dando expressto % opinito deliberativa do piblica em geral. 19 Esta distingao entre duss formas de opinio piblica — brea € refinada — corresponde em: termos gerais, mas nao coincide exatamente, com a distingao aparentemente paralela, entre a democracia direts ¢ a representativa. Por exemplo, uma das instituigdes mais influentes da democracia plebiscittria, uma instituicao que retrata o atual estado da opiniao publica como € e com todas as suas limitagdes, € a pesquisa de opiniio. Embora as pesquisas de opinide sejam intimamence alinhadas 2 democracia direta (oferecidas originalmente por George Gallup, como veremos, como um substitute pera a democracia direta — chegando 2 ponto de serem chamadas de “refe- rendum de amostragem), utilizam amostras estatisticas que representam ou falam pelo restante do piblico.’ Os membros dessa amostra “representativa” s2o escolhidos por um pro- ‘cesso cientifico aleatério, ¢ nao por uma eleicio, Mas conti- nuam sendo “représentantes' do publico em geri; so um grupo pequeno que representa os demais, o eleitorado mais, ampto da sociedade como um tod. Por que estow dizendo que a forma de opiniio ptibli avaliada normaimente pelas instituigdes da democracia ple- biscitéria -~ a opiniao publica bruta — ¢ tipicamente “debi- litada, mas real"? Evidenteiente, € “real” porque as pesquisas de opiniio, as primitias ¢ o referendum s0 um rewrato da opiniao publica como de fato ela é, No entanto, é ao mesmo tempo “fragil” porque o piblico geralmente nto é bem infor- mado ou nao presta atencio, Um boa quantidade de provas «as Cigncias Sociais foi acumulacia a fim de sustentar 6 ponto de vista de que 05 cidadaos sao, quase sempre, “racional- mente ignorantes” sobre a politica € as questoes paibticas.* Numa nagdo grande, caels cidadio sabe que o seu voto — um entre millides — ow a sua opinitio individual nao Fargo muita diference. Portanto, no ha tant razio para ficar atento ou procurar se informar. Todos nés temos outmas coises para fazer com o nosso tempo, atividades através das quais po- demos fazer muito mais diferenga do que com apenas um voto em milhées. Bsta falta de incentive para que os cidadaos scjam mais bem informados, engajados ov mesmo atentos & naturalmente lamentavel do ponto de vista da teoria democr Tica, Gostariamos que os cidadaos tivessem mais conhe mento sobre as diferentes posigbes dos candidates numa cleigdo, ov sobre os argumenios a favor € contra a proposta 2 de um referendum, Entrctanto, uma quantidade enorme de provas empiricas demonstra que isto raramente acontece. Cortespondendo 3 cada uma dessas nogdes da opinido piiblica, existe uma imagem comum de como funciona as instituigdes democraticas. Os fundadores da América se basearam na metafora do filtro, As instituigdes representa tivas deveriam refinar 4 opiniéo puiblica através do proceso de deliberagio. Os opositores do filtro de elite (elite filtering), 12 comegar pelos antifederalistas, basearam-se numa nocso de represeniagio diferente. Os representantes deveriam servir (0 mifximo possivel como “espelhos™ do piiblico € de suas reais opinides. © “filtro” cria representagbes projetadas, mas deliberativas, da opinitio publica, O “espelho” oferece um quadiro da opinito publica como ela é, mesmo sendo debi- fitada ou desatenta, O FILTRO Madison, nos comentitios que fez sobre 2 Convengio Constitucional, relatou, @ respeito de sua propria posicko, ser “um sdepto da politica de refinar as opinides populares através de filtragens sucessivas"® Ble argumentou no Fede- ralist n? 10 que o efeito da representagio era “refinar e ara- pliar 2s visdes piblicas, passando-as através de um conjunto seleto de cidadaos (...) em tal estrutura pode até ocorrer que a vox piblica, pronunciada pelos representantes de povo, seja mais afinada com o bern pablico do que se fosse pronun- ciada pelas préprias pessoas, se fossem reunidas com esse objetivo". Toto o raciocinio de Madison € perseado pela dis- {ingao entre, por um lado, a opiniao publica “refinada” — os julgamentos bem anstisados que podem resultar das delibe- ragSes de um pequeno corpo representative — ¢, por outro, 0s “err0s € enganos temporarios” da opiniao publica, que podem ser encontrados fora desse proceso deliberative. & apenas através das deliberagées face a face dentro de um pequeno corpo representative que se pode chegar a “uma nogio de comunidad ponderada e propositada” (Federatist n° 63), Esta foi uma das principais motivagdes do Senado, Que pretendia resistir 48 paixdes ¢ interesses que poderiam desviar © publico para a tirania da maioria a Os fundadores da nagdo foram sensiveis 45 condigses sociais que tomariam possivel o debate politico. Por exem- plo, 05 grandes encontros dos cidadios eram considerados petigosos, J que eram grandes demais para serem delivera- tivos, no importa 0 quio dedicados ou virtuosos pucessem ser esses cidados. Como disse Madlison no Federalist n® 55, “se todos os cidadios de Atenas fossem Sdcrates, todas as assembiéias atenienses continuariam sendo um tumult”. Uma das principais aspiragées do projeto de elaboracdo constitu- cional dos fundadores foi a criagio de condigées a partir das quais seria possivel a formulagio € a expresso da opintio pblice deliberativa filtro pode ser pensado como 0 processo de deliberacio através do qual os representantes, num debate face a face, podem chegar a julgamentos ponderados sobre as questées piblicas. Para os objetivos aqui propostos, podemos especi- ficar uma nocdo funcional de deliberacio: trata-se do debate face a face, através do qual os pasticipantes conscientemente argumentam € respondent & argumentagao, a fim de alcan- carem um julgamento ponderado sobre as solugées para os seus problemas piblicos. © perigo é, caso 0 contexto social enyolva um atimero muito grande de pessoas, ou a5 moti- vagoes dos participantes sejam desviadas pelas atiudes ¢ interesses passionais que possam levar a facgbes, que entio 2 democracia detiberativa no seja realmente possivel. Fiea claro que, a partir do ponto de visia dos fundadores, as condigées sociais com que estamos familiarizados na demo- cracia plebiscitéria estariam longe de ser apropriadas deliberagio. O ESPELHO Como observou Jack Rakove, a tnica aspiracio amplamente compartithada dentro da nogao norte-americana de represen- tagiio no periodo da fundagio da nacio era a de que uma assembiéia representativa deveria ser, usando a expressio de John Adams, “um retrato exato em miniatura do povo em geral”.? Nas mios dos antifederalistas, essa nogao tornou-se a base da objecao a0 aparente elitismo da merafora do filtro 2 (esperava-se que apenas as classes educacias ¢ mais elevadas fariam o refinamento nas pequenas assembléias elitistas) A nogio de espelho da representagio ¢ra uma expressio de justica © também de igualdade. Como o Federal Farmer coloca: “Uma representacio justa € igual € aquela onde os intesesses, sentimentos, opinides € visées do povo 80 cole- tados da mesma maneira como se 0 povo todo tivesse s¢ reu- inido para a consulea."* Como argumentou Melancton Smith, que se opés % Constituigho na convengao de satificagio de Nova Iorque (e que bem poderia ter sido The Federal Farmer), 08 representantes “devem ses um retraio real das pessoas, tendo conhecimento de suas circunstincias e anseios, simpatizando com todas as suas dificuldades e dispostos buscar seus reais interesses”.” Na mesma linha de teosia de representago do espelho, os antifederalistas buscaram cleigdes freqilentes, limitagges de mandato, ¢ quaisquer outras medidas que pudessem aumentar a proximidade (closeness) entre os representantes € os representados. “Todo © povo reunido” ¢ exatamente o modelo de reuniao que os federalisias acseditavam. que sepresentaria uma versio reduzida do bem piblico, Retomando a alegac3o de Madison, zum pequeno grupo representativo Faria uma melhor avaliagio do bem piblico do que “as proprias pessoas reunidas para esse fim" (Federalist 1* £0). © espelho € um reuato da opi- io publica enquanio que 0 filtro deliberative fornece um retrato projetado da opinifio piblica como seria, caso fosse “sefinada e ampliada’ ‘Os antifederalistas estavam visivelmence assustsdos com 2 possibilidade de que facgbes conduzidas par aticudes e inie~ esses passionais adversos aos clieitos dos demais pudessem agit erroneamente. A imagem que temiam parece ser uma combinacao do tumulto de Atenas com a rebeliio de Shays. Parte da argumentacio em favor da opiniao publica ponce- rada baseia-se na nocio de que “a noo de comunidade ponderada e propositada (Federalist n* 63) ficasia isolada dos interesses € atitudes passionais que poderiam motivar as Facgoes, Os fundadares acreditavam que 2 opiniio ptblica, quando filtrada pelos processos deliberativos, teria mais possibilidades de servir a0 bem pablico, evitando 0 tipo de comportamento tumultuoso que provoca a tirania da maioria. 2 Do ponto de vista clos fundaciores, o problema do conflito entre as duas forinas de opinite pablica — e as instinuigoes que as expressariam —~ expressou-se logo de forma drama- tica no referendum cde Rhode Island, a Gnica tentativa de con- sultar diretamente 0 povo sobre a ratificagio da Constinuigao, Rhode Island era um local repleto de moeda sem lastro e, do ponto de vista federalists, um centto de irresponsabilidade govermamental e cle mé administragio fiscal. Fortaleza ancife- deralista, Rhode Island exemplificava a imagem criada pelos Pais Fundadores de um lugar onde as paixdes piblicas, sem 0 filtso da ponderacio, poderiam conduzir a resultados desastrosos ‘Os antifederalistas levantaram um debate geral sobre qual setia 0 método correto de consultar © povo— tun debate que dramatizou 6 longo conflito que se seguiu entre as instituigbes plebiscitarias as deliberativas. Os adeptos do referendum diziam que “apresentar a questo para caca cidndao proprie tério de terra do estado seria o tinico modo de conhecer os semimentos reais do povo". Entretanto, os federalistas opt nhan-se a isso alegando que um referendum nao promoveria luna discuss#o das questdes de forma a que diferentes argu: mentos pudessem de fato ser analisados. Fm outtas patavras, rejeitavam o referendum com base no argumento de que poderia produzir ume deliberagto incompleta. Promovendo o referendum em varias ceunides locais espa- Ihadas por todo o Estado, argumentos diferentes poderiam, ser apresentados em cada local € nao se chegaria 2 um con- senso sobre como os argumentos apresentados em um local poderiam ser respondidos num outro local As cidades portudrias mo podem ouvir nent anslisar ob asp nentos de seus iramtos clo interior sobre esses asmnios. sem nodem, por su vez, entender o nesyos pontos te visit (ou) cada interesse individual agici sob motivagdes paniculares © locais, ignorando os mouves ¢ argumentos Gue poceriam lever a medidas de utilidade pubilea visando ao bem comin." 0s federatistas sustentavam que apenas numa convengio os representantes de todo o Estado poderiam se reunit, expor suas preocupagdes e ouvir respostas daqueles com pontos de vista diferentes, chegando-se assim a uma solvgao 4 coletiva para o bem comum. A prépria idéia da convengio como base de ratificagae foi uma inovagio impotiante, moti- vada pela necessidade de deliberagio. A consulta direts a0 pove poderia refletir a opiniio pabliea, mas nio forneceria juma andlise coerente © equilibracla das questdes, tio neces- siria 8 deliberagto, 0s federatistas observaram também um out problema: a falta de informacao Cada cidadio propriatirlo de terras deverla iovestigar profin- damente essa importantes quesides 4 lim de decir sobre esta Constituigaor 0 tempo gasto com isto representaria aid impo siglo pesnda sobre esses cidadfos, que lento de eeunirst: em assembiglas locais (Toto meetings) gue, por sua vez, deverio estar ubertas nto apenus durante teés diss, mas dutunte 18s meses ou mais, dependende de o grande pablice ier mals ou menos informico.” Embora os representantes escolhides para a convengio tivessem obtido as informagdes necessirias dentro de um tempo razodvel, levaria um tempo enorme para preparar, de forma semelhante, 0 pablico em geral Evidentemente, o referendum foi realizado, boicotado pelos federalistas ¢ a Constituigao foi votada. Rhode island, apés ameaca de embargo ¢ até mesmo de desmenibramento (Connecticut ameacou invadir de um lado € Massachusetts do outro), capitulou e realizou a convengic estadusl, apro- vando a Constituigao. Este incidente foi a primeira salva de tiros norte-ameri- canos na longs guerra de conceitos conffitantes sobre 0 sig- mificado da dlemiocracta, Com © passar clo tempo, a énfase federalista sobre a deliberagio © a discussto pode ter dado lugar a una forma de cemocracia incorporada em referenda © ‘ein outras instituigoes da democracia plebistttria que refletem 2 opiniao publica camo é, com todos os seus clefeitos. Eviclen- temente, a5 instituigdes democraticas oferecerdo uma mistura de democracia detiberativa © plebiscitéria, uma mistura de filto ¢ de espelho. Entretanto, nos dhtimos dois séculos da experiencia demtocratica norte-americana (¢ como ocorre na maioria das democracias desenvolvidas), o equilibtio eamni- nhou em diregao 2 uma influancia plebiscitéria bem mais 25 ampla nesta combinagio — ums maior deferéncia para com opinito piblica bruta (20 contrério das visdes refinadas ou mais deliberativas), Nos Estados Unidos, analisaremos o que aconteceu com © Colégio Eleitoral, a eleiczo dos senadores, o sistema de escoiha presidencial, o desenvolvimento e a transformacio das convengdes nacionais dos partidos, 0 crescimento dos plebiscitos (particularmente nos Estados do oeste norte-ame- ricano) € o desenvolvimento das pesquisas de opinito pi blica. Muitos aspectos da “filtragem” de Madison desapare~ ceram num sistema que esti cada vez mais “espelhiando” a opinito publica refteada pela ignorancia racional. Dessa ¢ de ovtras formas, o papel cla opiniae pablica “refletida” no espelho (ponderada) € cada vex maior do que @ opiniio publica da reflexio do filtro, A “ASSEMBLEIA LOCAL” DE GALLUP Antes de retornar 20 nosso argumento central, vale @ pena parar e analisar um outro momento-chave da experimentacio democratica. Esse incidente que tenho em mente diz respeito & segunda dimensio que desejo considerar — como esco- her as pessoas cujas opinides s30 consideradas (ov, em ovtras palavras, cujas opinides sto solicitadas em qualquer forma de consulta democritica). £ 0 exemplo que desejo mencionar aqui também traz algum sight sobre como essa segunda dimensdo (a dimensio “quem") cruza com a pri- mira, 2 dimensdo “o qué” (que tipo de opiniio paiblica esta sendo consultada). Apés 0 triunfo inicial da pesquisa de opiniae péblica, quando Gallup previu corretamente quem seria o vencedor da cleigio presidencial norte-americana de 1936 Cenquanto um método inferior, a pesquisa como participantes auto- selecionados da Literary Digest, havia previsto uma grande vitéria para Alf Landon contra Franklin Roosevelt), ele refletiv sobre 08 fins ¢ significadas de seu novo método de pesquisa chamando-o entao de "referendum de amostragem’, tal seria a sua importincia como um instrumento sério para 2 reforma democratica. Ele alegou que a combinagao entre os meios de 26 comunicaglo de mass2 ¢ a amostragem cientifien poderia amplier a democracia das asserabiéias Jocais da Nova Ingla tera para uma escaia nacional Hoje, # ideia das ossemblgias locas da Nowa Toglatemy esta sendo, nim certo seniido, restaurada. A anipla distabuigto de jornais que publicam os pontos de vies dos estacistas salare os sssuntes do dla-a-dia de pais, © acesso 20 -fdllo, eo ample mente difundido, que vne amigo inteira ao redor de wma vor, eo advente do seferenduns de amastragem, qve produc Jum meio de se deievminar rapklamente a resposte do pabtico para o debate sobre as quastdes stuais, criaram de faa wie assembléia Inca) em escala nsicional." Gallup ofereceu uma versio de representagio do “espellio” que, através da utilizagao de téenicas cientificas de amos- tragem, forneceu um micracosmo do pablico methor do que jamais havia sido cogitado pelos antifederalistas. Mas a sua descoberta simplesmente tomou mais dramdtico 0 ditema da reforma democratica que estamos explorando, Ele imaginou gue os meios de comunicacto *colocariam o pais inteiro em ima sala" © que a pesquisa permitiria, como resultado, a avaliago da opinito bem informada. No entanto, esque- ceu-se de observar os efeitos da “ignordncia racional"— a sala era to grande que ninguém estava prestando a devida atengao. Ao invés da democracia das assembleias locais sla Nova Inglaterra, Gallup obteve a democracia desatenta ¢ muitas vezes desinteressada da sociedade modems. Ao invés da opinigo piblica bem informada e deliberativa, obteve 0 tipo de opinito publica enfraquecida, baseada na impressao casual de frases de impacto © manchetes de fornais, o comum nas democracias plebiscitérias em todo o mundo, Ao invés da opinito pensada e “cefinada', obteve apenas umn reflexo da opiniao “bruta”. A tecnologia ajudov a eriar uma nova forma de democracia, mas essa democracia no aprecta os valores das assembléias populares. A assem- biia local rem o potencial de combinar a deliberagao com © respeito pelas pontos de vista de todos. Entretanto, na seforma democratica, 0 segredo & prestar bastamte atengio a0 context social que poder de fato motivar a opinitio ptblica ponderada ¢ bem informada e, entae, combinar 0 reconhecimento dese contexto social com o proceso para 7 a escolhs ov a contagem dos diversos pontos de vista das participantes de maneira equilibrada. SEIS FORMAS DE DEMOCRACIA Iremos considerar duas distingdes fundamentais. A primeira diz tespeito ao tipo de opiniao piiblica que esta senclo ava- liada, enquanto a segunda pergunta basicamente de quem é 8 opinito que estd senclo avaliada. Ao considerar as formas de opiniao publica, ditemos que a opiniao & “refinada” s¢ for © produto de uma debate que # exponha a um amplo leque de pontos de vista alternativos baseados em argomentos sinceros © em informagdes exatas. A opiniio refinada é informada sobre 08 pontos de vista conflitantes ¢ os fatos sinceramente vistos como relevantes para o$ que apéiam uma posigio diferente. As pessoas esto clentes dos argusnentos € jf pen saram e refletiram sobre eles. Por outro lado, diremos que uma opiniio é “bruta® quando nao € produto dese tipo de debate Quanto A outra distingio — de quem 6 @ opiniio que est sendo consultada? —, embora as classificardes de que vou tratar no esgotem todas as possibilidades, cobrem as principais alternativas praticas, As pessoas consultadas po- dem ser auto-escolhidas, podem ser escolhidas através de jostragem cientifica aleatéria ou podem constitvir virwal- mente (odes 0s eleitores (ou membros do grupo que esté sendo conswltado). Quando essas duas dimensdes se combinam, sur- gem as seis possibilidades apresentadas no Quadro 1: A primeira categoria, 1A, jf est4 sendo implementida na Intemet, Foi Noman Bradbum, da Universidade de Chicago, quem criou 0 serénimo SLOP (self-selected listener opinian — opiniio do ovvinte auto-escolhido), indicando a pesquisa cle opiniio em que o ouvinte participa'voluntariamente, Antes da Internet, os programas de ridio com chamadas a0 vivo normalmente pediam aos ouvintes para emitir sua opinito sobre algum assunto via telefone. As pessoas que atendem 05 SLOPs nao so escolhidas através de amostragem cienti- fica aleat6ria, tal como ocorre nas pesquisas de opinifio pi- blica, Ao contrério, apresentam-se como volunvérias para Participar. Tais pessoas, predominantemente, sio as que se 8 QUADROT Método de Escolla © Opiniio Pitblica Método de Bscolha Opiniao Péblica fy. uo 2, Amostragem 3. Todos escola | aieaana TA-StOPs |2A- Pesquisas de | 3A - Democrcis A. Brut npinite poblics | plebiscants TB-Gupos [28-Pequias [3B Dia da B.Refinada [4s iscusso |ileibemtias | Delbert sentem mais intensamente ov especialmente motivadas, Em alguns casos, sto grupos organizados. Acredita-se que © método SLOP obtenha a opiniio das bases, Entretanto, na Jinguagem dos lobistas norte-americanos, as vezes a resposta € mais orgenizada e sintética — uma impressio das bases que €, na realidlade, artificial Um bom exemplo do perigo dos SLOPs acontecet durante a consulta mundial sobre a “pessoa do século", organizada pela revista Time. A revista solicitow votos em diversas cate~ gorias, tais como 0 maior pensador, o maior estadista, o maior Comunicador, 0 maior industrial etc. Estranhamente, wna mesma pessoa recebeu a maioria dos votos em todas as cate- gorias, Ou Sea, os Votos concentraram-se em um Gnico indi- viduo. Quem foi esta pessoa que ficou muito acima das clemais em todas as categorias? Kemal Ataturk. O pove da Turquia organizou-se para vorar awavés do correio, pela Internet, pelo fax e como wina questao de drgulhe nacionsl, produzindo milhdes de votos a mais do que o resto do mundo conseguiu concentrar em qualquer outro candidate, através do voto individual, nao-organizado.* As organizacdes ligadas aos meios de comunicacéo sempre vealizam SLOPS na Intemet sobre as mais variadas questOes politicas € sociais. Uma pesquisa SLOP envolve visitas a um site da web, dando ao povo uma sensagao de poder (eles 2 esto registrando suas opinides). Mas, ao mesmo tempo, produz dados enganosos, oferecendo apenas um quadro distorcide as opiniao publica, Vejamos apenas um exemplo, Durante o “impeachment” nos Estados Unidos, as pesquisas SLOP sempre mostravam que a grande maioria era favordvel 2 mesmo, enquanto as pesquisas cientifieas mostravam um quacie completamente diferente. Isso aconteceu porque as pessoas mais sensibilizadas faziam questio dle registra: seu ponto de vista, eventualmente mais de uma vez. Fregilentemente acredlita-se que a tecnologia poderia faci- Jitas a transformagao de antigas formas de democracia em realidacle. Mas as pesquisas SLOP lembram as priticas da antiga Espavta, ¢ no da antiga Atenas. Em Esparta, havie uma pratica deaominada “o Grito”, em que as candidatos podiam Tentar encher 0 auditétio com seus apoiadores e aquele que fosse mais aplaudido seria eleito. Mais adiante, trataremos de uma categoria diferente, que viabiliza a democracia ateniense em vez da espantana, A dificuldade apresentada pela categoria 14 € que ela ofe- ece un quadro da opinitio pabica que no é nem sepresen- tative, nem deliberative. Bla oferece um quadro da opinito desinformada, também distorcido e parcial em relagao acs individuos consultados. Se esse quadro for tido come um espelho da opinido piblica, seré mais um espelho distorcido de um parque de diversdes que um espelho que de fato feproduiz a imagem refletida Uma alternativa para as pesquisas SLOP da categoria 1 € a possibilidade da deliberagio sésis entre um grupo de voluntitios. Os grupos de discussio encaixam-se na cate- gorid 1B. Se estes grupos oferecem uma aportunickide para que 0 principais argumentos alternativos que os cidadios gostiriam que fossem levantados sobre um determinado assunto pesem, ento podem atingit um certo grau de deli- berasao sobre uma questo, mesmo que 0s participantes nao representem um bom espelho da populaglo como um todo. A Fundacao Kettering patrocina uma grande rede de “Féruns de Quesides Nacionais" (NiFs) nos Estados Unidos ¢ e1n vatios outros paises, nos quais milhares de participantes, voluntaria- mente, tomam decisdes de forma consciente e sincera, a partir de materiais preparatorios que oferecem uma base para uma discussao equilibrada © precisa sobre temas relevantes. 30 Os participantes retinem-se em igrejas, escolas e em ovtios Jocais e passam horas debvatendo sesiamente as alternativas No entanto, suas conclusdes, embora filiradas e deliberativas, nao s4o representativas do ponto de vista do publica como ‘um todo. Emibora existam varios fruns de discussio na Imermet, vale a pena observar a diferenga entre as praticas delibera- tivas na web € nos debates face a face. Quando os partici. pantes do forum retinem-se para © debate, podem avaliar diretamente os argumentos verbais uns dos outros € dispoem de um longo perfodo pata que as argumentagées € preocu- pages sobre um lado da questdo sejam respondidas por seus oponentes. Os pacticipantes recebem uma agenda incluindo materieis com informacdes sobre aquela questo, 0 que asse- gurz que todos estejam no minimo conscientes dos argu- mentos alternativos que ja foram colocados, Eles contam também com um moderador, que garante que todos 08 parti- Gipantes tenham a chance de falar, que ninguém domtine a discussfio © que exista um clinva

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